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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá-se conta dos seguintes officios: do ministerio da guerra, remettendo alguns esclarecimentos pedidos pelo sr. Souto Rodrigues; do ministerio da guerra, remetendo alguns esclarecimentos pedidos pelo sr. Manuel José Vieira; do ministerio do reino, remettendo os documentos relativos á eleição de um deputado pela assembléa de Villa Chã (Alijó); do ministerio do reino, remettendo, em satisfação a um requerimento do sr. Consiglieri Pedroso, o original da ordem de captara passada, em virtude de uma deliberação do conselho de ministros, contra o sr. Ferreira de Almeida; do ministerio do reino, pedindo a devolução dos documentos relativos á mudança de séde do concelho da Arruda, pedidos pelo sr. deputado Julio de Vilhena. - Apresentam representações os srs.: presidente, dos proprietarios da fabrica de tabacos brigantina: Antonio Centeno, da classe dos aspirantes dos correios e telegraphos; José Castello Branco, de alguns funccionarios da administração dos correios de Lisboa; Simões dos Reis, dos chefes de conservação das obras publicas no districto de Aveiro. - Apresentam projectos de lei os srs. Matoso dos Santos, Barbosa de Magalhães e Pedro Monteiro. - Apresentam notas de renovação de iniciativa os srs. Pereira Borges e Ruivo Godinho. - São aggregados á commissão de instrucção primaria e secundaria os srs. Goes Pinto e João Pina. - Justificam faltas os srs. Assis de Andrade e Oliveira Valle.

Na ordem do dia continúa a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.° 101, que auctorisa o governo a converter a divida externa de 5 por cento em obrigações de 5 por cento, amortisaveis por sorteios semestraes, no praso maximo de setenta e cinco annos: e auctorisando igualmente o governo a converter o fundo consolidado de 3 por cento, em pensões vitalícias, em uma ou duas vidas, dentro dos limites da verba annualmente fixada no orçamento para esse fim. - Usa da palavra, que lhe ficára reservada, o sr. Fuschini, que apresenta uma proposta, e julga-se seguidamente discutida a generalidade do projecto. - Entra em discussão o artigo 1.°, e usa da palavra o sr. Pinheiro Chagas, e em seguida é approvado o artigo. - Approvam-se tambem os artigos 2.º. 3.° e 4.°, e as respectivas tabellas, depois de fallar o sr. Arroyo. - As propostas que haviam sido apresentadas foram retiradas pelos seus auctores, pela declaração do sr. Carrilho (relator), de que não podiam ser acceitas porque alteravam a indole do projecto. - A do sr. Fuschini, considerada como substituição, ficou prejudicada. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros apresentou as seguintes propostas de lei: 1.ª, approvando, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção entre Portugal e a França, para a delimitação das possessões respectivas na Africa occidental, assignada pelos plenipotenciarios em Paris, aos 12 de maio de 1886; 2.ª, approvando, para ser ratificado pelo poder executivo, o convenio entre Portugal e a Allemanha, sobre a delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional, assignado em Lisboa aos 30 de dezembro de 1886; 3.ª, approvando o protocollo entre Portugal e o imperio da China, assignado em Lisboa em 26 de março de 1887; 4.º, fixando a força naval para o anno economico de 1887-1888 em 3:099 praças; 5.ª, relevando ao secretario da junta de fazenda da província de Cabo Verde, José Maria de Proença Vieira, a falta de tempo de serviço no ultramar para o computo dos cinco annos exigidos no artigo 1.° da lei de 17 de junho de 1880, para poder ser aposentado nos termos do n.° 4.° do § 1.° do artigo 1.° da lei de 28 de junho de 1864 - O sr. presidente do conselho de ministros apresentou as seguintes propostas de lei: 1.ª, sobre o recrutamento; 2.ª, sobre a reforma da lei que regulou a eleição da parte electiva da camada dos pares; 3.ª, sobre emolumentos dos tribunaes administrativos, juntas geraes dos districtos, concelhos e differentes repartições administrativas; 4.ª, sobre ensino secundario especial; 5.ª, sobre a instrucção secundaria do sexo feminino; 6.ª, sobre vencimentos de professores de ensino superior; 7.ª, creando no lyceu de Braga o ensino da lingua allemã; 8.ª, auctorisando o governo a distratara quantia de 7:000$000 réis, da divida do extincto convento das trinas do Mocambo, de que é credor Cesar Augusto de Macedo; 9.ª, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 112-F, de 1884, que concede á sociedade das casas de asylo de infancia desvalida o edificio em que está estabelecido o asylo denominado de Santa Quiteria: 10.ª, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 33-A, de 1886, que auctorisa o governo a applicar ás obras da construcção de um quartel para uma companhia de infanteria da guarda municipal de Lisboa, nos terrenos da real quinta da Bemposta, o producto da venda do edifício do extincto convento de Santa Rita.

Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 62 srs. dentados. São os seguintes: - Alfredo Brandão, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Victor dos Santos, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Soares de Moura, Gabriel Ramires, João Pina, Scarnichia, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Santiago Gouveia, João Arroyo, Correia Leal, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Amorim Novaes, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Vieira Lisboa, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Miguel Dantas, Pedro Victor, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Mousaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Serpa Pinto, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Jalles, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, Souto Rodrigues, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Silva Cordeiro, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, Simões Dias, Abreu e Sousa Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Dantas Baracho, Tito de Carvalho e Wenceslau de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello Anselmo de Andrade, Antonio da Fonseca, Antonio Ennes, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Pereira Carrilho, Urbano de Castro, Conde de Castello de Paiva, Elvino de Brito, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Francisco Ravasco, Severino do Avellar, Frederico Arouca, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Pires Villar, Cardoso Valente, Dias Gallas, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Ferreira de Almeida, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Santos Reis, Julio Graça, Mancellos Ferraz e Pedro Diniz.

Acta - Approvada.

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EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação a requerimento do sr. deputado Manuel José Vieira, nota do numero de praças mandadas transferir para outros corpo do exercito nos annos de 1884, 1886 e 1887.
Á secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo em satisfação ao requerimento do sr. deputado João José d'Antas Souto Rodrigues, nota das operações da junta de revisão de Coimbra dos annos de 1882, 1883, 1884, 1885, 1886 e 1887.
Á secretaria.

Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Consiglieri Pedroso, o original da ordem de captura passada, em virtude da deliberação do conselho de ministros, contra o sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida.
Á secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo um maço da presidencia da assembléa primaria de Villa Chã, circulo n.° 1 (Alijó) relativamente á eleição de um deputado que foi repetida n'aquella assembléa.
A commissão de verificação de poderes.

Do mesmo ministerio, pedindo a devolução dos documentos relativos á mudança da sede do concelho da Arruda, enviados a requerimento do sr. Julio de Vilhena.
Á secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- Por antigas provisões regias de 27 de maio e 2õ de setembro de 1756, foi determinado que, não só a villa de Aveiro e seus ramos, mas toda a comarca de Esgueira, contribuíssem com um novo real em cada quartilho de vinho e outro em arratel de carne para as obras da barra de Aveiro emquanto durassem.
A lei de 17 de abril de 1838 tornou esta contribuição extensiva, sobros mesmos generos, e pelo mesmo modo, a todo o districto, mandando applical a, tanto para as suas obras publicas, como para as obras da barra, e considerando-a como contribuição districtal, que não figurava no orçamento geral do estado, e era lançada todos os annos pela junta do districto, cujo thesoureiro a arrecadava, sendo a sua cobrança e applicação fiscalisada pela mesma junta, de accordo com o administrador geral. As attribuições da juntado districto sobre o assumpto foram reguladas pela lei de 23 de julho de 1839, que restituiu áquella contribuição o seu antigo e especial destino.
A lei de 9 de setembro de 1858 creou a junta administrativa e fiscal das obras da barra de Aveiro, mandando regular a sua organisação e attribuições pela lei de 21 de julho de 1852; e a essa junta ficou, desde então, pertencendo a cobrança, arrecadação e applicação d'aquelle imposto.
Essa cobrança era feita por meio de arrematação animal. A junta administrativa processava letras, que depois de assignadas pelo arrematante, eram entregues no cofre central do districto para serem cobradas, a 1.ª, 2.ª e 3.ª prestações, nos dias 15 dos mezes de abril, julho e outubro do anno a que respeitava o imposto, e a ultima no dia 15 de janeiro do anno seguinte. Estas letras eram primeiro escripturadas como operações de thesouraria; e, no mez em que saíam para a cobrança, escripturavam-se como receita eventual, e as respectivas importancias descreviam-se na tabella n.° 28, sob a epigraphe de Imposto por lei de 20 de março de 1875, por ser esta a que tornou do execução permanente as disposições d'aquella lei de 9 de setembro de 1858.
Pelo § 5.° do artigo 1.° da lei de 26 de junho de 1883, foram supprimidos, alem de outros, os impostos sobre importação e exportação que por differentes leis têem sido especialmente destinados ás obras da barra de Aveiro, substituídos pelo imposto especial ad valorem, creado para occorrer ao pagamento dos encargos annuaes provenientes da construcção do porto de Leixões e da subvenção auctorisada pelo n.° 3.º do mesmo artigo. Ficaram porém, em vigor, e com applicação áquellas obras, todos os mais direitos e impostos estabelecidos nas leis anteriores, e entre estes o denominado real da barra, segundo explicou o decreto de 2 de julho do mesmo anno.
Dissolvida pelo artigo 2.° do decreto de 12 de agosto de 1886 a junta administrativa e fiscal das obras da barra de Aveiro, como consequencia do estabelecimento da segunda circumscripção hydraulica, que abrange essas obras, e da execução do plano de organisação dos serviços hydraulicos no continente, approvado por lei de 6 de março de 1884, a cobrança e, arrecadação d'esse antiquissimo imposto passaram a ser feitas pela repartição do fazenda do districto, e tambem por meio de arrematação, contra todas as normas que regulam os serviços físcaes entre nós.
Se me inspirasse sómente nos interesses do districto a que pertencem o circulo d'onde sou natural, e o que me distinguiu com a sua eleição, eu deveria solicitar-vos a abolição incondicional d'este imposto.
Considerando, porém, que a situação actual da fazenda publica me não consentiria essa proposta sem prejuízo do desenvolvimento das obras, cada vez mais urgente e dispendiosas, da barra de Aveiro, limito-me a lembrar uma modificação no seu systema de cobrança, em beneficio do contribuinte, e com maior vantagem para o thesouro.
São obvias as rasões d'essa modificação. O chamado real da barra incide, e pelo mesmo modo, sobre generos tambem sujeitos ao imposto do real de agua, do qual apenas differe em ler destino especial e ser cobrado por meio de arrematação. Ora o arrematante, gosando por lei de todos os direitos e privilégios da fazenda nacional, poupa-se a quaesquer despezas de fiscalisação, valendo-se, para todos os effeitos, da do estado, coadjuvado ainda pela das camaras municipaes.
E não poupa ao contribuinte os vexames inherentes a tal systema de cobrança, aggravados com as duvidas sobre a equivalencia das novas ás velhas medidas, variavel de terra para terra. Nem póde hoje a especialidade da sua applicação justificar a diversidade da cobrança, visto que passam para o estado a administração e fiscalisação d'aquellas obras.
Não ha, portanto, rasão alguma para que tal imposto não seja cobrado cumulativamente com o imposto do real de agua, separando-se depois o seu producto para se lhe dar o seu destino especial, á similhança do que se faz nas contribuições directas com os addicionaes lançados pelas corporações administrativas. E o augmento de receita que d'ahi provém permittirá reduzir a taxa actual a numeros redondos, que mais facilite ainda a sua liquidação.
Da realisação d'esta idéa resultam importantes vantagens para o contribuinte e para o estado. Para o contribuinte, porque, alem de cessarem os vexames de uma fiscalisação á cobrança, pelo odioso systema da arrematação, passa a pagar muito menos, pois que, em vez de 1 real em cada arratel de carne, pagará sómente 2 réis em cada kilogramma do mesmo genero, e em vez de 1 real em cada quartilho paga sómente 2 réis em cada litro de vinho, o que equivale no primeiro caso a um abatimento de 3 réis em arroba, e no segundo de 10 réis em almude. Para o estado, porque, sem augmento de trabalho nem de espeza com a fiscalisação e cobrança do mesmo imposto, visto passar a cobrar-se cumulativamente com o real de

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agua, vem a receber muito mais. Assim, 2 réis em cada um dos 611:497 kilogrammas de carne manifestada para venda no districto de Aveiro durante o anno economico de 1885-1886, renderiam 1:222$994 réis, e 2 réis em cada um dos 4.561:483 litros de vinho manifestados para o mesmo fim, no mesmo districto e no mesmo período, renderiam 9:122$966 réis, ou o total de 10:345$960 réis, e portanto mais 1:654$560 réis de que o seu rendimento no mesmo anno economico de 1885 a 1886.
Esta verba, com a importancia da reducção da taxa em beneficio do contribuinte, traduz os lucros annuaes do arrematante, que nenhuma despeza tem com a fiscalização, visto cobrar o imposto pelos manifestos e avenças da fazenda nacional. Acresce que este rendimento ha de necessariamente ir subindo na proporção em que tende a subir o rendimento do real de agua, a que fica annexo, sem o perigo de mancommunação dos licitantes.
É por estas considerações que eu tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É abolido o imposto de 1 real em quartilho de vinho e outro em arratel de carne, que actualmente se cobra no districto de Aveiro com applicação ás obras da barra.
Art. 2.° Em substituição d'este imposto, cada uma das taxas do imposto do real de agua sobre o vinho e sobre a carne será respectivamente augmentado, em todo o districto de Aveiro, com mais 2 réis, sendo o producto d'este augmento exclusivamente destinado ás obras da barra de Aveiro, sem prejuízo de demais receita especial que pelas leis vigentes é consignada ás mesmas obras.
Art. 3.° Esta lei começa a vigorar no dia immediato áquelle em que findar o praso pelo qual o imposto a que se refere o artigo 1.° se acha actualmente arrematado.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 4 de julho de 1887. = O deputado por Ovar, Barbosa de Magalhães.
Requerida e approvada a urgência, foi lido na mesa, admittido e enviado á commissão de fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 49 de 22 de abril de 1885.
Sala das sessões, 3 de junho de 1887. = José Frederico Laranjo.
Lida na mesa foi admittido e enviado á commissão do ultramar.
A proposta refere-se ao seguinte

Projecto de lei

Senhores. - A vossa commissão do ultramar foi presente a proposta n.° 6-M, apresentada pelo sr. deputado Scarnichia, que tem por fim renovar a iniciativa do projecto de lei n.° 74 da sessão legislativa de 1884.
A vossa commissão, pelas rasões expendidas no relatorio que antecede o mesmo projecto, e que d'elle faz parte integrante, é de parecer, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E auctorisado o governo a reintegrar no posto de tenente do exercito de Africa oriental a Francisco José Diniz, o qual contará a sua antiguidade desde a data do decreto que o reintegrar, sem direito a vencimento algum anterior.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 22 de abril de 1885. = João Eduardo Scarnichia = Henrique da Cunha Matos de Mendia = Pedro G. dos Santos Diniz = Antonio Joaquim da Fonseca = Urbano de Castro = João de Sousa Machado = Joaquim José Coelho de Carvalho = Luciano Cordeiro = Tito Augusto de Carvalho = S. R. Barbosa Centeno, relator.

REPRESENTAÇÕES

Dos aspirantes dos correios, telegraphos, pedindo melhoramento de situação e de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado, Antonio Centeno e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Da camara municipal do concelho de Benavente, apresentando e pedindo varias providencias tendentes a obstar á crise agrícola.
Apresentada pelo sr. deputado Antonio Centeno, enviada á commissão de fazenda, ouvida a de agricultura e mandada publicar no Diario do governo.

Dos chefes de conservação do obras publicas, pedindo ajudas de custo para despezas de transporte.
Apresentada pelo sr. deputado Simões dos Reis e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Do administrador, chefes de repartição e primeiros officiaes da administração dos correios, telegraphos e pharoes de Lisboa, pedindo que sejam equiparados aos de categorias iguaes ou similhantes da direcção geral d'aquelle ramo de serviço publico.
Apresentada pelo sr. deputado José de Azevedo Castello Branco e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Dos directores da fabrica de tabacos brigantina, do Porto, pedindo que seja abolido o decreto de 27 de janeiro do corrente anno e que o imposto do tabaco seja distribuído na proporção do tabaco que cada fabrica despachar.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Declaro que faltei ás sessões de 30 e 31 de maio e de 1, 2 e 3 do corrente por motivo justificado. = Dr. Oliveira Valle.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De Augusto Alves Tavares, alferes graduado do regimento de cavallaria n.° 8, pedindo que o seu vencimento mensal seja equiparado ao dos alferes effectivos, ou pelo menos elevado á quantia de 30$000 réis.
Apresentado pelo sr. deputado Ruivo Godinho e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

De Daniel Baptista de Barros, capitão de mar e guerra reformado e capitão do porto de Aveiro, pedindo para ser passado á classe de contra-almirante.
Apresentado pelo sr. deputado Barbosa de Magalhães e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

De Herculano de Sá Correia, primeiro inspector de saude naval, pedindo que lhe seja contado para a liquidação do posto e vencimento na sua reforma o tempo que serviu como cirurgião extraordináaio.
Apresentado pelo sr. deputado Scarnichia e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

De Guilherme Augusto Diniz, capitão almoxarife de engenheria, contra a disposição do artigo 8.° da proposta de lei n.° 104-F, na qual restabelece o preceito de não poderem os capitães do quadro a que pertence, serem promovidos ao posto de major, sem terem pelo menos oito annos no posto de capitão.
Apresentado pelo sr. deputado Avellar Machado e enviado á commissão de guerra.

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De João, primeiro cabo servente da 5.ª bateria n.° 37, e 2:428 de matricula do regimento de artilheria n.° 1, contra a interpretação dada á amnistia geral para todos os crimes, por occasião do consorcio de Sua Alteza Real o Príncipe D. Carlos.
Apresentado pelo sr. deputado José de Azevedo Castello Branco e enviado á commissão de legislação civil.

O sr. Presidente: - O sr. Dias Ferreira mandou para a mesa duas representações, e pediu que consultasse a camara se permittia que fossem publicadas no Diario do governo.
Tambem me foi remettida para apresentar uma representação dos proprietarios da fabrica de tabacos brigantina, pedindo que seja abolido o decreto de 21 de janeiro do corrente anno, e pedindo algumas providencias em relação á distribuição do imposto pelas fabricas de tabacos.
Foi auctorisada a publicação das representações apresentadas pelo sr. Dias Ferreira.
O sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra sobre o projecto apresentado n'esta camara pelo illustre deputado o sr. Moraes Sarmento, que concede á camara municipal de Chaves os fossos e muralhas d'aquella praça.
O sr. Antonio Centeno: - Mando para a mesa uma representação dos empregados dos correios e telegraphos, pedindo augmento de vencimento.
Mando tambem para a mesa uma representação da camara municipal de Benavente, contra os direitos da nova pauta; peço a v. exa. que seja enviada á respectiva commissão, e que seja consultada a camara se permitte que seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Pereira Borges: - Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 109.
(Leu.)
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Mando para a mesa duas representações dirigidas a esta camara.
Uma é de alguns servidores do estado pertencentes ao ministerio das obras publicas, e que pedem melhoria da sua situação.
Na outra, o servente da bateria n.° 37, João Costa, pede á camara dos senhores deputados que se lhe applique a seguinte disposição:
(Leu.)
Acho de justiça esta representação, e peço a v. exa. que lhe dê o devido destino.
O sr. Ruivo Godinho: - Renovo a iniciativa do projecto de lei, a que se refere a nota que tenho a honra de mandar para a mesa.
Mando tambem para a mesa um requerimento de Augusto Alves Tavares, alferes graduado de cavallaria, pedindo para que o seu soldo seja equiparado ao dos alferes effectivos.
Não é agora occasião de provar a justiça desta pretensão, basta só attender-se que todos os alferes que estão n'estas circumstancias têem de prestar os mesmos serviços que os effectivos; e por isso elles devem ter a mesma remuneração.
Mas, se não é occasião opportuna para discutir este assumpto, esperarei que venha á camara o projecto de lei a que se refere este requerimento, e direi então mais alguma cousa.
O sr. Simões dos Reis: - Mando para a mesa uma representação dos chefes da conservação das obras publicas do districto de Aveiro.
(Leu.)
O sr. Arroyo: - Pedi a palavra para fazer uma pergunta, que se dirige especialmente ao sr. ministro da marinha; mas como s. exa. não está presente, talvez o sr. ministro da fazenda me possa responder.
Desejava consultar alguns documentos pertencentes a um dos estabelecimentos dependentes do ministerio da marinha.
Ha pouco tempo declarou nesta camara o sr. ministro da fazenda e o sr. presidente do conselho que os membros do poder legislativo podiam consultar quaesquer documentos nas suas respectivas secretarias; pergunto eu a v. exa. se o exame de documentos se póde tambem fazer nos estabelecimentos dependentes dos differentes ministerios.
O sr. Ministro da Fazenda: - Creio que podem ser examinados todos os documentos dos ministerios, e tambem dos estabelecimentos dependentes d'esses ministerios; salvo os documentos confidenciaes. Portanto não tenho duvida de declarar a v. exa. que póde consultar todos os documentos dos ministerios, e dos estabelecimentos dependentes d'elles, salvo os confidenciaes.
O sr. Matoso dos Santos: - Mando para a mesa um projecto de lei que passo a ler;
(Leu.)
Chamo a attenção da illustre commissão para este projecto.
O sr. Barbosa de Magalhães: - Mando para a mesa este projecto de lei:
(Leu.)
Creio prestar com elle um bom serviço ao meu districto, sem prejuízo e antes com manifesto proveito do thesouro publico.
Como o regimento desta camara me hão permittia fazer assignar este projecto por mais de sete deputados, e é superior a este o numero dos illustres representantes do districto de Aveiro, eu; que tenho por todos elles a mais distincta consideração, e em todos reconheço a melhor vontade de promover as prosperidades da circumscripção que os elegeu, não quiz preterir nenhum, e por isso não solicitei as suas assignaturas. Mas não duvido confiar na sua efficaz e intelligentissima coadjuvação no meu empenho de acabar com o actual systema de cobrança d'esse velho imposto, tão fértil em vexames, como odioso em desigualdades, desvantajoso para a fazenda nacional.
No relatorio, que precede este projecto, exponho as principaes rasões que o justificam. Chamo, porém, especialmente a attenção do nobre ministro da fazenda, e da illustrada commissão respectiva para a parte em que demonstro, com dados incontestaveis, que os lucros, até agora recebidos pelos arrematantes, chegam bem para fazer, em favor do contribuinte, uma redacção importante na taxa do imposto, e dar, em favor do estado, um consideravel augmento de receita.
Não é portanto uma medida de puro interesse local a que proponho. Muito desejaria eu que as circumstancias financeiras do paiz me permitissem exonerar o meu districto do injusto encargo de custear, elle só, as obras da sua barra, ao mesmo tempo que pesadamente concorre para as enormes despezas do porto de Leixões e dos melhoramentos do porto de Lisboa. E talvez me não fosse difficil demonstrar o producto que do imposto especial ad valorem, creado pela lei de 26 de junho de 1883, excede em muito, no districto de Aveiro, a receita de todos os outros impostos especiaes da barra, que assim se deviam abolir. O governo, porém, não acceitaria essa proposta, e eu, por desejar tudo, não conseguiria nada. Limito portanto os meus desejos, por ora, a transformar esse imposto, de harmonia com a sua natureza, e no interesse dos que o pagam. Esta transformação é mesmo urgentemente reclamada pela ultima organisação dos serviços hydraulicos e pela extincção da junta administrativa e fiscal das obras da barra de Aveiro.
Peço a v. exa. que se digne consultar a camara se dispensa o regimento, a fim d'este projecto ser desde já admittido á discussão, e remettido á commissão respectiva.

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Mando tambem para a mesa um requerimento do capitão de mar e guerra reformado, e capitão do porto de Aveiro, Daniel Baptista do Barres, pedindo melhoria de reforma.
Requerimento igual a este já tinha sido aqui apresentado na sessão de 1881. Chegou a haver sobre elle parecer favorável da commissão de marinha. Mas teve de ser consultada a commissão de fazenda, e ahi parece que esse documento se extraviou. Foi preciso, portanto, renoval-o agora.
Chamo toda a attenção da illustrada commissão de marinha para este requerimento, sobre que já deu tambem em tempo, parecer favoravel o commando geral da armada, e cujo deferimento se me afigura de inteira justiça.
Foi approvada a urgencia do projecto de lei, e está inserto a pag. 988
O requerimento foi enviado á commissão de marinha.
O sr. Simões Dias: - Mando para a mesa uma proposta por parte da commissão de instrucção primaria e secundaria.
É a seguinte

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão de instrucção primaria e secundaria os srs. deputados Goes Pinto e João Augusto Pina. = J. Simões Dias.
Foi approvada.

O sr. Scarnichia: - Mando para a mesa um requerimento do sr. Herculano de Sá Correia, primeiro inspector de saude naval, em que pede para que lhe seja contado, para os effeitos da reforma, o tempo que serviu como cirurgião extraordinario.
Mando tambem para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 60 de 1884, com relação a melhoria da reforma do coronel reformado do extincto exercito do estado da India, João António Xavier da Silva Telles.
Este projecto teve parecer da commissão de marinha e da de fazenda, de que era relator o sr. Carrilho. A reforma deixou de ter logar por um d'aquelles casos que acontecem no ultramar.
O sr. Pedro Monteiro: - Mando para a mesa um projecto de lei sobre a divisão das assembléas eleitoraes do concelho de Azambuja.
Em obediencia aos preceitos do regimento, passo a ler o projecto.
(Leu.)
Abstenho-me por agora de fazer quesquer considerações sobre o assumpto, porque ellas vão exaradas no relatório que precede o projecto.
Este projecto não é um projecto de campanario, mas simplesmente um projecto em harmonia com a lei e com as commodidades dos povos d'aquelle concelho.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa um requerimento do capitão almoxarife de engenharia, Guilherme Augusto Diniz, em que pede que não sejam mantidas as disposições da lei que prohibe as funcções de major áquelles que não tenham oito annos de serviço n'aquelle posto.
Se o sr ministro das obras publicas estiver presente antes da ordem do dia, peço a v. exa. a fineza de me conceder a palavra, porque desejo fazer-lhe algumas considerações.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Era para pedir a v. exa. que suspendesse a sessão por alguns minutos, até entrar o sr. Fuschini, mas agora já não é preciso porque s. exa. está presente.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 101, na generalidade

O sr. Presidente: - Tem a palava, para continuar o seu discurso, o sr. Fuschini.
O sr. Fuschini (Discurso proferido na sessão nocturna de 3 de junho): - A minha proposta é a seguinte:
«Artigo 1.° É o governo auctorisado a converter os títulos de divida publica externa de 3 por cento em obrigações amortisaveis em setenta e cinco annos, por sorteios semestraes, comtanto que o juro das obrigações emittidas não exceda o dos títulos convertidos.
«§ 1.° As obrigações poderão ser dos typos de 4, 4 1/2 e 5 por cento, preferindo se o maior typo na paridade do preço de emissão, aliás aquelle cujo preço exceder mais a paridade.
«§ 2.° A somma annual para a amortisação das obrigações provirá das seguintes origens:
«N.° 1 Da differença entre o juro do capital de conversão e do capital convertido;
«N.° 2 Dos lucros da caixa geral de depositos até ao maximo de 100:000$000 réis annuaes;
«N.° 3 Do juro disponível do capital anteriormente convertido.
«§ 3.° (O segundo do projecto do ministro e da commissão.)
«§ 3.° (Do projecto da commissão § 4.° por engano typographico), eliminado.
«Novo § 3.° Esta auctorisação abrange a divida interna e vigora ate 30 de junho de 1892.»
A hora vae tão adiantada, que v. exa. comprehende ser-me impossível, por mais que resuma a minha exposição, apresentar as opiniões que formei ácerca do importante projecto em discussão.
Ainda que v. exa. d'esta vez me não chamasse á ordem da discussão, como já aconteceu, quando v. exa. me aconselhou, sabiamente, que me adstringisse á materia, permittindo depois as mais largas divagações a alguns membros do ministerio, da maioria e da minoria, procurarei ser breve quanto possível, não perdendo um só momento de directa vista o assumpto sobre que recáe a discussão.
Ouvindo attentamente, como sempre, o meu illustre amigo o sr. Marianno de Carvalho, impressionou-me a fórma ardente como s. exa. defendeu a nitidez e clareza do relatorio da commissão.
N'isto prova s. exa. uma grandeza de alma acima de todo o elogio, porque, realmente, o martyr, o sacrificado pela commissão e pelo relator, foi a proposta do lei de s. exa., ou, para melhor dizer, foi s. exa. mesmo gravemente offendido na paternidade da sua obra.
Estes sentimentos evangelicos e humildes são outros tantos florões da corôa, se não de martyr, pelo menos do confessor da igreja progressista.
Ácerca da extrema clareza de idéas e lucidez da exposição d'este relatorio, direi a v. exa. que, ao tel-o cuidadosamente, tive uma remniscencia historica, que vou contar á camara apesar de ser tarde, ou talvez exactamente por ser muito pouco o tempo que falta para bater a meia noite.
Tratava se de investigações epigraphicas no oriento; os sabios philologos da Europa andavam occupados em descobrir qual o sentido de longas inscripções de caracteres cuneiformes, que se haviam encontrado nas ruinas de Persepolis, a antiga capital da monarchia medo-per-a.
Um sabio francez, cujo nome me não recorda, interpretou estas inscripções, compondo por esta fórma: «Artaxerxes, rei da Persia..., etc.»
Ao mesmo tempo outro sabio, este allemão, começou a leitura assim: «O cavallo de Artaxerxes..., etc.»
Não sei porque, sr. presidente, quando li este relatorio tive esta reminiscencia historica. E os caracteres cuneiformes foram evocados, pelo meu espirito, de passadas leituras.
Não sei porque, talvez o saiba o sr. Marianno, occorreu-me tambem que n'este relatorio cabia um Artaxerxes ou um cavallo. (Riso.)
A clareza d'este relatorio!

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992 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Quer a camara saber qual ella é? Vae ver.
N'este projecto ha um paragrapho, a que chamarei o § 0, porque não tem numeração, que diz o seguinte: «esta conversão poderá tambem ser feita em obrigações de 4 ou de 4 1/2 por cento nas condições acima determinadas, quando a collocação d'estes títulos obtiver, em relação a equivalencia das obrigações de 5 por cento, fixada em absoluto pela paridade do juro, um excesso de preço que, pelos resultados da operação, compense as differenças do premio de amortisação».
Nada mais claro, bem vêem; tão claro que todos que leram o paragrapho só o comprehenderam, de certo, depois de longa interpretação.
Ora, sr. presidente, o que era natural que fizesse um homem, bem intencionado, que desejasse estudar o projecto e sobre elle manifestar as suas sinceras e meditadas observações? Procurar no relatório a explicação, o desenvolvimento d'este paragrapho.
Ora vamos a ver o que a este respeito diz o relatorio:
... que a conversão possa ser feita em obrigações de 4 ou de 4 1/2 por cento quando a collocação definitiva destes títulos obtiver, em relação á equivalencia das obrigações de 5 por cento fixada em absoluto pela paridade do juro, um excesso de preço que, pelos resultados da operação, compense as differenças do premio da amortisação.»
Accentuo estas phrases para chamar a attenção dos meus collegas sobre a explicação. São exactamente as do celebre § 0.
O sr. relator, ou copiou esta parte do relatório para o paragrapho, ou fez entrar o paragrapho no relatorio. Escolha.
Em qualquer dos casos bem vê o sr. Marianno de Carvalho como o relatorio é nitido e claro. E não é só n'este ponto.
O artigo tem doutrina que póde ser verdadeira, mas que não é, nem foi nunca expressa por estaferma em linguagem financeira.
Não venho, todavia, discutir o relatorio. Por um lado a base da discussão é o projecto, por outro, se o sr. ministro da fazenda, que tinha que se queixar d'elle, não se queixa, não hei de eu levantar uma questão em que s. exa. é unico interessado e lesado. Não discutirei, pois, o relatorio.
Mas, sr. presidente, antes de começar a minha exposição, dirigirei uma simples pergunta ao sr. relator ou ao sr. ministro da fazenda, a qual se refere exactamente ao § 0.
Pergunto ao sr. ministro da fazenda ou ao sr. relator se a sua doutrina se entende pela fórma seguinte: supponhamos duas obrigações do 90$000 réis, amortisaveis por sorteios semestraes em setenta e cinco annos:

Uma do typo 5 por cento, tem por (juro .... 4$500,00
annuidade ....) amortisação $113,62
4$613,62

Outra do typo 4 por cento, tem (juro .... 3$600,00
por annuidade ....) amortisação ... $194,60
3$794,60

Diz o § 0 que esta de 4 por cento se poderá preferir, quando a sua collocação, em relação á equivalencia da obrigação de 5 por cento, passada em absoluto pela paridade do juro, obtiver um excesso de preço que compense, pelos resultados da operação, a differença do premio de amortisação.

Seja a do typo 5 por cento collocada a .... 85$500

Na paridade do juro teríamos:

4$500 : 85$500 :: 3$600 : x = 68$400

o preço do 4 por cento na equivalencia do 5 por cento, fixado em absoluto pela paridade do juro.

N'este caso os premios de amortisação seriam:

Typo 5 por cento .... 90$000 - 85$500 = 4$500
Typo 4 por cento .... 90$000 - 68$400 = 21$600
Differença .... 17$100

Isto é, havia para o typo de 4 por cento uma differença do premio de amortisação de 17$100 réis.
Pergunto eu agora: a expressão «um excesso de preço que compense, pelo resultado da operação, a differença do premio da amortisação», quer dizer que a obrigação de 4 por cento deve ser negociada acima de 67$400 réis uma somma tal, que, a juros compostos durante setenta e cinco annos, produza aquella differença de 17$100 reis?
(Pausa.)
Fico sem resposta; todavia era bem facil seguir, com um lapis e uma folha de papel a minha pergunta, aliás enunciada vagarosamente.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Não me foi possível seguir o que o illustre deputado desenvolveu. Ámanhã no extracto verei o que s. exa. disse, ou s. exa. m'o explicará para lhe responder na primeira occasião opportuna.
O Orador: - Se s. exa. ou o sr. relator tivessem seguido os algarismos que apontei, era-lhe facil responder, mas em fim guardar-me hei para outra occasião, a fim de me esclarecer sobre a significação de uma technologia financeira completamente nova, que confunde preço de emissão com preço de collocação, e emprega um neologismo paridade de juro, quando esta palavra paridade tem, como adiante provarei, um sentido definido e proprio na linguagem financeira.
N'este ponto direi, como o sr. Marianno de Carvalho, se desci, ou descer, a generalidades que pareçam inuteis n'este logar, lembrem-se os meus collegas que nós não estamos fallando só para a camara, mas tambem para o paiz; exactamente para aquelle a quem unica e directamente interessam as questões aqui discutidas e resolvidas.
Se o sr. ministro elogiou o trabalho do relator, não deixou este tambem de realçar as altas qualidades financeiras do ministro, o que ninguem contesta.
Agora o que contesto, e commigo contesta muita gente, é a affirmação do sr. relator de que esta é a primeira conversão feita no paiz.
Não, sr. presidente, o sr. ministro da fazenda não inventou estas operações, já de ha muito conhecidas lá fóra e tambem realisadas no paiz, com grandes beneficios para elle.
Sr. presidente, ha entre nós um exemplo de conversão, que, pelos resultados, e pela fórma porque foi feita, póde servir de typo para a conversão, que agora se pretende fazer. Refiro-me á ultima conversão das dividas antigas da camara municipal de Lisboa. Como é sabido, esta operação foi feita, com os títulos abaixo do par; e realisou-se, tendo a camara encontrado, em boas condições, capital mais barato, para dar um preço mais elevado aos seus titulos, do que aquelles porque tinham cotação no mercado. Se bem me recordo, a cotação no mercado das obrigações districtaes de 5 por cento, era 76$000 ou 77$000 réis, e nós podemos dar 85$000 réis, isto é, um grande ganho aos portadores das obrigações. Manifestamente, a conversão, de que se trata actualmente, classifica-se no género de conversões abaixo do par, em que o devedor, estado ou corporação, obtém capitães mais baratos, dando um preço superior ao das cotações pelos seus titulos.
A cotação dos nossos consolidados chegou infelizmente a 46 ou 45 por cento, e actualmente está a 57 por cento.
É evidente que, se se conseguir um capital em taxa de juro inferior, a que corresponde esta cotação, se poderá dar 59 ou 60 por cento por cada titulo; portanto a conversão póde realisar-se no caso de haver uma certa massa de papel já combinado por determinado preço.

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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887 993

A não ser isto, digo ao sr. ministro da fazenda que me preoccupa um pouco o platonismo do seu projecto, porque inoffensivo ha de elle ser sempre. Mas embora s. exa. não o diga, é mais do que provavel que tenha já seguro, a determinado preço, um grande numero de titulos, como tambem já combinado o capital da conversão, aliás o seu projecto, como operação de conversão, não passa de simples platonismo, cujo resultado será, apenas, levantar-nos a cotação dos nossos fundos.
N'este sentido isso será, felizmente, o projecto tão inutil; nem foi por outra fórma que os fundos foram rapidamente levantados de 45 por cento, em que se achavam, quando subiu o governo progressista, a 57 por cento, a que hoje se
acham.
Foi essa grande massa de papel, que não sei onde existe, mas que o sr. ministro bem sabe aonde a tem, que, retirada rapidamente da circulação, levantou o preço do nosso fundo estalão, que a seu turno elevou os outros.
Estes meios são legaes e legítimos; lamentavel e inhabil é deixar cair o nosso credito e arrastar as estações.
O nobre ministro da fazenda comprehende que, por maior que seja a sua auctoridado no paiz, como financeiro e economista, o nome de s. exa. mal consegue romper as fronteiros, por emquanto; e as irradiações da sua gloria não enchem as praças estrangeiras.
O nome de s. exa. póde ser conhecido lá fóra; mas não dá tão absoluta confiança aos capitalistas estrangeiros que a elevação das cotações se faça de 45 a 57, só com a auctoridade d'elle.
Alem do nome de s. exa. que pode ser valioso, houve uma outra cousa mais valiosa ainda: a habilidade do ministro.
Ora, entre as habilidades, perfeitamente legitimas de s. exa., entre aquellas de que poderia lançar mão para elevar as cotações dos nossos fundos está exactamente a conversão.
É claro e evidente que se se formasse, como aconteceu naturalmente, um syndicato para adquirir bonds, na hypothese de uma futura conversão, até um certo preço garantido pelo ministro; essas compras successivas aliviaram o mercado e produziram uma alta importante.
V. exa., sr. presidente, comprehende perfeitamente, que não é financeiro o homem, que no seu ministerio referenda os decretos, dá andamento ao expediente, e mais empertigadamente se repoltreia na carruagem ministerial.
A primeira condição do financeiro é ter a intelligencia e habilidade precisas para manter e conservar o credito nacional. Ora, o credito mantem-se por differentes fórmas; por uma boa e seria administração, em primeiro logar, mas tambem por outros meios, uns mais ou menos conhecidos e indicados, outros suggeridos pela finura e lealdade financeira do ministro.
A conversão que hoje discutimos póde ser um d'esses meios. E se o foi tanto melhor: porque se não foi é muito possível que a operação falhe.
Este receio não me assoberba o espírito; é singular que no relatorio e em tudo que s. exa. nos apresentou, e expoz, ha já uma somma fatidica, 6.000:000 esterlinos nominaes de bonds, que apparece sempre, e tanto assim que tomei estes 6.000:000 esterlinos para base do meu calculo; como a camara verá.
E tomei igualmente para outra base do calculo o preço de 57$000 réis para as inscripções externas: ficando perfeitamente convencido de que, se a operação se realisar, ha de approximar-se muito d'estas cifras que acabo de apontar.
Sr. presidente, nunca nego a Cesar o que é de Cesar, e não quero, pois, contestar por forma alguma ao sr. ministro da fazenda o seu alto valor financeiro; já o affirmei outro dia; mas entre esta affirmação e levantar a s. exa. nos escudos, como o salvador das nossas finanças, ha uma distancia immensa, distancia que deixo percorrer ao sr. Carrilho.
É preciso que se note que as conversões não são operações desconhecidas; (Apoiados.) são operações muito conhecidas, mesmo em Portugal.
Citei a da camara municipal, poderia acrescentar a das obrigações dos caminhos de ferro do Minho e Douro de 6 por cento para 5 por cento operação realisada pelo sr. Lopo Vaz.
Não quero com isto regatear os merecidos elogios a que o sr. ministro da fazenda tem direito, como trabalhador e homem intelligentissimo: (Apoiados.) mas d'aqui a dar-lhe o privilegio da invenção das conversões, vae uma distancia immensa. O sr. Carrilho que a percorra.
V. exa., sr. presidente, comprehende que, por mais intimas relações que eu tenha com o sr. ministro da fazenda, a s. exa. não me ligam aquelles estreitos laços de cifras, que prendem o sr. Carrilho ao sr. ministro da fazenda. (Riso.)
Tratando do methodo de estudo, direi a v. exa. que hei de fugir, quanto possa, de tratar esta questão pela maneira por que ella foi posta na generalidade.
Com prebendo que fosse assim posta uma questão de mathematicas puras, aonde a estrema generalização é sobretudo uma necessidade; mas nas questões de conversão, nas questões financeiras, é melhor ser mais comesinho, mais facil, e citar exemplos que todos abranjam e comprehendam. (Apoiadas.)
V. exa. poderá ver o modo, por que fiz os calculos da conversão dos títulos amigos da camara municipal de Lisboa. Poucas philosophias e muitos dados positivos e comprehensiveis.
É evidente que o capital convertivel era muito menor do que aquelle que o sr. ministro da fazenda tenta converter, mas na sua essencia a operação é a mesma. O relatorio que escrevi, não será tão completo, do nítido; é, porém, mais perceptível para aquelles que não entendem d'estas sublimidades financeiras. (Apoiados.)
Ha vinte annos havia n'este paiz dois financeiros, um do ramo historico, o sr. Lobo d'Avila, hoje conde de Valbom, outro do ramo regenerador, o sr. Antonio de Serpa. Affirmava-se então que mais ninguem sabia d'isto.
Quando só fallava em finanças, n'esse tempo, e algum dos illustres estadistas, a que me referi, apresentava qualquer proposta, a multidão curvava-se reverente o, como uma corporação de neophytos ante a palavra do grande sacerdote, diziam todos: «eis um problema financeiro, poucos cerebros se elevam a estas cogitações transcendentes».
Parecia haver em tudo aquillo a sublimidade augusta das verdades reveladas; o mysterio sombrio das velhas alchymias, quando esses velhos de longas barbas descobriam no fundo dos cadinhos os segredos da pedra, philosophal.
Ficavamos attonitos.
O sr. Carrilho ainda pertence a esta escola de finanças romanticas.
Veiu depois esta sciencia democratica e moderna; este espirito positivo, um pouco sceptico e bastante ironico, a que nada espanta, e disse-nos serenamente que de um homem intelligente e trabalhador se fazia sempre um financeiro com dois poucos e dois muitos; pouca arithmetica e pouca economica política; muito bom senso e muito conhecimento das condições dos mercados monetarios e dos factos que se relacionem com as operações financeiras. (Apoiados.)
Portanto direi ao sr. Carrilho, porque parece que s. exa. se conserva fiel á igreja antiga, que estão antiquados estes sublimes raciocínios estes philosophismos mathematico-financeiros.
Em finanças o raciocínio melhor é o mais facil, o que melhor se comprehende. Sabe v. exa. qual é o melhor raciocínio financeiro? Dois e dois são quatro.
Vir aqui com uma tabella, aliás bem feita, dizer que se podia amortisar a divida de toda a Europa com 100:000$000 réis, é de tal fórma gigantesco, que a idéa se perde nas co-

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gitações da immensidade... para quem não sabe a theoria das annuidades.
Estas cousas é que se devem pôr de parte, isto já não faz effeito, nem mesmo entre aquelles que antigamente se acotovelavam nos bancos da mesma escola; até esses se democratisaram e abandonaram o artificio de palavras, sob substituindo-o por uma exposição succinta, e uma folha de papel carregada de modestos algarismos.
Dito isto, como deu a hora, peco a v. exa. que me ré serve a palavra para ámanhã.
O sr. Fuschini (discurso proferido na presente sessão): - Sr. presidente, o mais succintamente que poder, para compensar o tempo que hontem fiz perder á camara, vou apresentar as minhas considerações ácerca do projecto em discussão.
Na exposição das minhas idéas, seguirei a ordem logica, fazendo as considerações que julgo indispensaveis para es clarecer a essência das minhas emendas.
Não espero que v. exa. me chame á ordem da discussão; nem tomarei muito tempo, porque me parece que a camara já está esclarecida ácerca do projecto; direi apenas porque é que o approvo na generalidade, salvo algumas modificações, que proponho, julgando melhoral-o.
O projecto tem por fim transformar a divida perpetua em divida amortisavel.
Bastaria defenir este fim para obter a approvação d'aquelles, que não são perfeitamente alheios a questões financeiras, e concluirmos que este projecto na sua generalidade deve merecer a approvação e o louvor de todos, que se interessarem pelas cousas do nosso paiz.
A nossa divida consolidada perpetua eleva-se:

a externa a .... 231.000:000$000
a interna a .... 262.000:000$000
Total .... 493.000:000$000

a que corresponde um encargo annual de 14.800:000$000 réis.
Realmente não estou de accordo com a commissão, quando ella diz que apavora muito alguns espíritos a differença entre o real e o nominal d'esta divida. O que me apavora é a existencia de uma annuidade perpetua de réis 14.800:000$000, pesando sobre um orçamento de receita, que para o anno 1887-1888 está calculado em réis 37.000:000$000; isto é, em que o encargo da divida perpetua é de 42,3 por cento da receita total.
Pela minha parte, pois, a transformação da perpetuidade da divida n'um período de amortisação mais ou menos longo, isto é, a certeza de fazer desapparecer similhante annuidade dos futuros orçamentos, levar me ia a sacrificios mais pesados do que pede o projecto, e realmente não vacillaria de sobrecarregar o orçamento actual com algumas centenas de contos de réis, se podessemos conseguir a grande vantagem de substituir a divida perpetua por divida amortisavel, que se extinguisse no fim de setenta e cinco ou de noventa annos.
Não póde haver, portanto, duvida de que o projecto é acceitavel na sua generalidade. Ha, porem, ainda outra rasão para mim importante, que me leva a defendel-o.
Este projecto póde ser platonico, disse eu hontem, no sentido de não converter quantia alguma e de ser, apenas, uma bonita operação de conversão no papel; mas se póde ser uma medida financeira inutil, como conversão, dará como resultado immediato a elevação da cotação do nosso 3 por cento externo, pelo menos.
E, como nós sabemos, que ha sempre certo equilíbrio entre as cotações de todos os fundos do mesmo paiz, o levantamento da cotação da divida externa ha de repercutir-se beneficamente no nosso credito publico e particular.
Quando mesmo a conversão não desse resultado, este projecto, transformado em lei, terá benefica influencia sobre a nossa constituição economica e financeira.
Quem tem, como nós, de recorrer ainda ao credito, por largo espaço de tempo e por largas quantias talvez, a elevação de cotação dos nossos fundos é de grande importancia; por isso este projecto terá, em qualquer caso, uma larga acção economica e financeira.
Encarando a questão por este lado, é claro que aquelles, que põem, como eu, de parte as questões políticas nos assumptos financeiros, não podem deixar de dar assentimento ás intenções do projecto e de concorrer, quanto em si caiba, para o defender e aperfeiçoar, partisse elle do sr. ministro da fazenda, Marianno de Carvalho, do sr. Hintze Ribeiro ou de qualquer outro. (Apoiados.)
Posto isto, permitta-me a camara que muito succintamente defina os dois systemas, ou processos de conversão que existem; e se descer a algumas minuciosidades desde já previno a camara, que o faço pelo mesmo motivo apresentado pelo sr. Marianno de Carvalho.
O governo mais do que o deputado, mas o deputado tambem falla para o paiz, que não é composto só de financeiros; (Apoiados.) mas é directamente interessado, e precisa saber o que são finanças e como ellas se praticam em seu beneficio.
Devemos descer a certas minuciosidades para que, os que seguem as discussões, possam fazer uma idéa positiva dos assumptos, em vez de se embrenharem em philosophismos mais ou menos transcendentes, em que de vez em quando vejo cair as discussões d'esta camara, e em que não é perfeitamente impeccavel o meu illustre amigo o sr. Marianno de Carvalho. (Apoiados.)
Que eu saiba não ha senão duas especies de conversão; a conversão ao par, e a conversão abaixo do par. A conversão ao par faz-se, como o nome está dizendo, quando um titulo, passando na cotação para cima do seu nominal, póde com vantagem ser resgatado ou reembolsado ao par.
Por exemplo: o nosso 3 por cento estava hontem cotado em Paris a 57,31 por cento; supponhamos, por uma felicidade inaudita, que elle estava cotado a 120.
N'este caso, como é facil de fazer a operação, o dinheiro corresponde á taxa de 2,5 por cento.
O estado estava no seu pleno direito (ao menos consentido senão reconhecido) de offerecer aos portadores ou um novo titulo de 2,5 por cento, em vez do de 3 por cento, ou o reembolso em dinheiro, para os que não acceitassem a troca; a conversão não é facultativa neste caco, como se tem dito, mas obrigatoria; ou receber o novo titulo com reducção de juro, ou a quantia correspondente ao nominal do titulo antigo.
Para esta especie de conversão é indispensavel, que o titulo esteja acima do par, e a operação é muito facil.
Tendo em mira estas conversões julgam muitos que ha vantagem em contrahir as dividas em typos elevados e proximos da taxa normal; em absoluto assim é; mais elevado é o typo do emprestimo, mais proximidade haverá do valor real e do nominal do titulo.
Ha, todavia, circumstancias, que modificam esta regra; mais tarde mostrarei, que nem sempre é verdadeira. (Apoiados.)
Vejamos agora o que é uma conversão abaixo do par.
Que os estados se arroguem, até certo ponto, o direito de converter ao par, como anteriormente disse, é principio reconhecido em geral, posto que alguem ainda o conteste; mas o que é certo, como disse o sr. Carrilho, é que ninguem tem direito de trocar forçadamente uma inscripção de 100$000 réis, que vence juro na taxa de 3 por cento, por outra de 50$000 réis que vença juro na taxa de 6 por cento, ou de reembolsar o primeiro titulo por 60$000 réis, por exemplo, a não ser facultativamente, isto é, por vontade do possuidor. (Apoiados.)
Basta indicar a natureza d'esta operação para demonstrar, que e muitíssimo mais difficil do que a precedente em geral simplicíssima, dependendo, apenas, da existencia

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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887 995

de um capital disponivel, que a experiencia tem demonstrado não ser superior a 8 ou 10 por cento do capital, que se pretende converter.
N'este segundo sistema de conversão as difficuldades são maiores; direi a v. exa. aonde ellas residem, e porque a proposta do sr. ministro póde ser um perfeito platonismo sob o ponto de vista da conversão da nossa divida.
Em todas as operações financeiras, que envolvem titulos amortisaveis ou obrigações, apparecem duas expressões que correspondem a elementos muito importantes, a taxa real e a paridade.
Sem a noção bem clara do sentido financeiro d'esta palavras será impossível formar uma idéa exacta e completa de uma operação financeira d'esta ordem; ora, sr. presidente, nas questões que directamente se prendem com as mathematicas, ninguem discutirá bem um assumpto, nem mesmo o conhecerá, sem que o tenha abrangido no seu conjuncto e apreciado por todas as suas faces.
Diz-se que os valores de duas obrigações constituem paridade, quando financeiramente dão identicos resultados, isto é, quando não offerece mais vantagem um valor do que outro, e têem, portanto, a mesma taxa real.
Este é o sentido especial da expressão paridade, que na technologia financeira indica igualdade de valores (estação, preços de emissão ou collocação), e jamais se emprega, como faz o projecto, como igualdade ou aquivalencia de juros. Paridade de juro?!
Assim, por exemplo, servindo-me de elementos que mais tarde desenvolverei, uma obrigação de 90$000 reis, amortisavel em setenta e cinco annos por sorteios semestraes, tem as seguintes paridades:

[Ver tabela na imagem]

Financeiramente, repito, é indifferente realisar uma operação com qualquer d'estes preços, porque constituem paridades. Que os prémios de amortisação (3$339 réis - 10$213 réis - 17$900 réis) sejam crescentes, eis o que pouco importa, porque na verba da amortisação, tambem crescente, está a compensação d'estas differenças.
Um emprestimo de 15.390:000$000 réis será representado n'estes tres typos pelos seguintes elementos:

[Ver tabela na imagem]

Pouco importa que o devedor, nos ultimos casos, tenha de pagar maior premio de amortisação (differença entre o capital nominal e real) do que no primeiro: a aunuidade é exactamente a mesma, e deverá ser paga no mesmo numero de annos; por isso as taxas reaes serão iguaes.
O processo, puramente arithmetico. porque se calculam estes elementos, não tem importancia no caso sujeito; bastando que façamos uma idéa clara exacta do que elles representam, isto é, da sua essencia financeira.
A proporção, pois, que os typos diminuem a verba do juro e menor e a da amortisação é maior, o que compensa perfeitamente, como é facil de calcular, os premios de amortisação, de que o sr. relator se tanto arreceia.
Demorei-me um pouco n'estes desenvolvimentos, porque, nas discussões financeiras, em que tenho entrado n'esta camara de ha annos já, julgo ter notado uma certa confusão n'estas noções indispensaveis, e o mesmo observo agora no relatorio e projecto da commissão...
Ora, sr. presidente, a isto não se responde com sorrisos.
Estou farto de ver n'esta camara empregar processos e argumentos... para a galeria; certas indicações de superioridade, que para illudir ingenuos serão habilidades, mas que são tambem outra cousa.
Venho para aqui desempenhar-me de um dever. (Apoiados.) O que estou fazendo exige muito trabalho. Se errei tenho em todo o caso direito a ser respeitado pelos meus esforços e pelo meu trabalho em procurar acertar. (Apoiados.)
Se a alguem doeu a interpretação dos caracteres cuneiformes de Persopolis, desforce se por outra fórma.
Tenho por habito e systema ser bem educado n'esta camara e em toda a parte; espero que os meus illustres collegas usem do mesmo systema commigo, e quando algum quizer usar de outro, desejarei que o empregue em circumstancias convenientes para ambas as partes.
Isto fica dito com toda a mansidão, para os meus collegas presentes, qualquer que seja a sua posição política ou social sem grande receio do Vasco da Gama.
Entrando novamente na questão direi, que proponho a suppressão...
Uma voz: - Do Vasco da Gama? (Riso.)
Uma voz: - Agora até elle se riu.
O Orador: - Eu digo a v. exa., ha riso e riso; e permitta-me v. exa. que n'este momento empregue uma classificação do riso, que foi n'outra occasião empregada por um professor meu.
Ha o riso do sabio, o riso da ironia e o riso dos que na hierarchia humana rastejam pelas... especies animaes; deixo a v. exa. a liberdade de classificar o riso como quizer dentro d'estas categorias.
Para sabio?! Olhe que o paiz encerra muito poucos, e d'esses poucos...
Para ironia?! O caso não é para isso... Emquanto ao ultimo...
Continúo a minha exposição.
Bastaria, pois, que o preço da emissão dos typos mais baixos fosse um pouco superior á paridade, para a operação ser mais vantajosa n'esse typo, do que nos superiores.
N'um dos meus precedentes discursos já me referi a este facto, e exemplifiquei com os ultimos emprestimos da camara de Lisboa; desenvolverei agora este exemplo.
A camara municipal de Lisboa no passado anno abriu licitação publica para um emprestimo de 2.500:000$000 réis, em obrigações de 90$000 réis, amortisaveis por sorteios annuaes em noventa annos.
O resultado do concurso foram as tres propostas do mappa seguinte:

47 *

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[Ver tabela na imagem]

As propostas mais acceitaveis eram as do banco de commercio e industria de Berlim, a primeira no typo de 5 por cento com a taxa real de 5,851 por cento; a Segunda, no typo de 4 por cento, com a taxa real de 5,563 por cento.
Concluía se d'aqui immediatamente que o segundo emprestimo era mais vantajoso do que o primeiro, embora o premio de amortisação n'este caso fosse muito superior ao das obrigações de 5 por cento.
Tirou se ainda outra conclusão, que julgo muito importante e para a qual chamo a attenção do sr. relator, por que me parece que elle varias vezes esquece este principio no seu relatorio, e na fórma por que foi redigido o projecto de lei da commissão: o preço da obrigação do typo de 4 por cento foi muito superior á paridade com a obrigação de 5 por cento; effectivamente ao typo de 5 por cento emittido a 77$400 réis corresponderia na paridade o typo de 4 por cento emittido a 61$300 réis, quando a offerta foi de 66$150 réis, isto é, mais 4$850 réis por obrigação.
O benefício da operação lá está traduzido na differença das annuidades.

1.° caso, typo de 5 por cento de .... 147:173$010
2.° caso, typo de 4 por cento de .... 140:102$805
Economia .... 7:010$205

A camara municipal preferiu economisar na annuidade; mas só tivesse transformado esta economia em capital teria obtido mais cerca de 132:000$000 réis reaes, isto é, com a mesma annuidade de 147:173$010 réis teria levantado no typo de 4 por cento, 2.632:000$000 réis, quando no typo de 5 por cento levantaria apenas 2.500:000$000 réis.
As preoccupações de uma futura conversão ao par, que seriam justíssimas na paridade dos valores, tornar-se-íam erroneas n'este caso, porque um capital importante, immediatamente disponível para a mesma annuidade, compor-se sempre as hypotheticas vantagens de uma conversão futura.
N'essa occasião clamou-se contra a camara municipal de Lisboa com o fundamento absurdo de uma futura conversão; se essa opinião tivesse predominado, veja v. exa., sr. presidente, que erro gravíssimo se haveria commettido!
É por isto que a redacção do § 0, ou do segundo periodo do artigo 1.°, é viciosa, obscura e envolve linguagem e expressões que serão tudo menos financeiras; a minha substituição corrige estes defeitos e, pelo menos, traduz as idéas que acabo de expor.
A minha simples redacção substituirá esse; amphigari de expressões financeiras.
Esclarecida por esta operação, a camara municipal propoz-se converter as suas dividas.
A conversão da divida municipal projectou se exactamente, como o sr. ministro da fazenda póde fazer a dos titulos da divida publica. Obter de um lado uma grande massa de títulos por certo preço, que naturalmente de larga remuneração aos possuidores, e do outro o capital para os pagar. Os titulos convertidos serão os bonds perpetuos de 3 por cento; o capital da conversão obter-se-ha por meio de obrigações amortisaveis.
A operação é dupla; por um lado é necessario obter em boas condições o capital de conversão; por outro a adhesão voluntaria do capital convertivel, isto é, dos portadores dos bonds.
Desenvolverei estas idéas, porque estou convencido de que s. exa. não póde realisar a sua operação senão pela mesma fórma, por que a realisou a camara municipal. Se s. exa. ámanhã abrisse concurso para uma proposta de conversão, falhava lhe a operação peio facto de serem conhecidas as condições financeiras em que s. exa. ia contratar.
Esclarecida, como disse, pelo emprestimo, que anteriormente discuti, julgou a camara municipal chegada a occasião de converter as suas obrigações antigas, e por isso perguntou ao banco de commercio e industria de Berlim se podia contar com capital para a sua conversão, e qual seria o encargo effectivo d'esse capital.
A resposta foi que podíamos contar com esse capital, e que o encargo effectivo seria inferior ao do ultimo emprestimo.
Obtido este resultado, o resto consistia simplesmente em applicar as regras e os processos arithmeticos para fazer os calculos disparidades das obrigações, que se pretendiam converter, com o preço que o banco dava pelas novas obrigações de 4 por cento, que formariam o capital de conversão.
Se as obrigações antigas fossem negociadas pelo preço da paridade, a operação não daria resultado algum; se fossem obtidas abaixo d'essa paridade haveria para a mesma annuidade um capital disponível maior ou menor, que seria financeiramente a vantagem da operação.
A parte delicada da operação consistia, pois, em obter os antigos títulos abaixo das paridades ou valores actuaes calculados.
A camara tinha obrigações antigas de varios typos e de vida differente, todas ellas mal cotadas e algumas sem cotação no mercado. Exemplificarei só com um dos grupos convertidos - as do emprestimo de 1881. A paridade d'estas obrigações foi calculada em 81$850 réis, sendo o maior possuidor d'ellas o banco de Portugal.
Assim a camara municipal foi procurar naturalmente estas obrigações aonde se encontravam em maior numero, e propoz a compra, por 80$000 réis ao banco de Portugal.
Vejo presente alguem com quem se começou este accordo (o sr. deputado Ramires). O banco de Portugal foi o primeiro a acceitar a transacção, seguindo-se, pelo seu exemplo e auxilio, outros portadores importantes.
Assim se fez para os outros grupos de obrigações até que, fixado o maximo do papel que podíamos comprar, se encerrou a dupla operação.
Quer v. exa. saber o que teria acontecido, se porventura nós não tivéssemos tido a cautela de previamente combinar a compra de uma grande massa de titulos? A operação teria falhado necessariamente; porque desde o momento em que o portador coubesse, que ganhávamos 1$800 réis em cada obrigação, naturalmente, levantava o seu preço senão até á paridade, pelo menios até eliminar uma parte importantíssima d'esse ganho.
Por outro lado, desde que se soube em Lisboa as primeiras tentativas da conversão, os títulos subiram com rapidez. Lembro-me perfeitamente de que os primeiros passos foram dados n'um sabbado, e no sabbado da semana seguinte as obrigações municipaes de 5 por cento

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tinham subido de 76$000 a 81$000 réis ou mais, com tendencias para a alta.
Por isso pergunto a s. exa. o ministro, se tem títulos contratados para a conversão?
Se os não tem pergunto-lhe: o que espera tirar d'esta operação? Manifestamente pouco resultado.
Não duvido de que, o sr. ministro seja capaz de amortisar no papel com 100:000$000 réis, não só a divida de Portugal, mas as dividas da Europa inteira, como disse o sr. Carrilho; (Apoiados.) mas prophetiso-lhe que se s. exa. não tem já combinado o preço maximo que ha de dar por uma certa massa de títulos, a sua lei ha de ser uma generosa tentativa, mas improfícua n'este sentido (Apoiados.) a menos que s. exa. não a apresentasse só com o intuito hábil de levantar, as cotações dos nossos fundos.
Já hontem disse que quaesquer que sejam os defeitos que s. exa. tem como homem publico, poucos homens se têem sentado n'aquellas cadeiras com os conhecimentos e com as disposições naturaes para ministro da fazenda como o sr. Marianno de Carvalho: (Muitos apoiados.) e por isso mesmo, quando um acto d'esta ordem é praticado por s. exa., não posso suppor que seja uma inhabilidade. É uma dupla habilidade.
Em primeiro logar s. exa. fez absorver do mercado rapidamente um grande numero de títulos, e por essa fórma levantou as cotações de 45 por cento, em que os encontrou, a 57 por cento em que estão actualmente; em segundo logar, convertendo agora essa massa de títulos, mais actua sobre a elevação das cotações.
É, pois; dupla a habilidade, e ainda bem.
Por maior inimigo político que seja de s. exa., folgarei que isto consiga; em nome das conveniencias do paiz, desejarei que n'essa cadeira se sentem homens de valor, venham elles donde vierem; lamentavel é que se tenham sentado outros, que deixaram arrastar o nosso credito, e cair inhabilmente a cotação dos nossos títulos.
Isto posto, vou entrar directamente na materia das minhas emendas.
Em primeiro logar, preferiria que o praso para a amortisação para as novas obrigações, em logar de ser de setenta e cinco annos fosse de noventa, porque desta fórma se obteriam melhores resultados para os mesmos encargos actuaes.
É uma questão de preferencia; mas ainda não descortinei o motivo por que o sr.-ministro da fazenda prefere, nos seus projectos, o praso de setenta e cinco annos. Eu prefiro o de noventa annos, porque, quanto maior for o praso da amortisação, melhor para os fina que pelo projecto se têem em vista.
Não gosto das idéas extremas, pelo menos, nas questões financeiras. Passar de contrahir emprestimos perpetuos a contrahir empréstimos a praso muito curto, não me parece conveniente nem rasoavel.
Nos ultimos quatorze annos, segundo se diz no relatorio da commissão, contrahimos empréstimos no valor nominal de 152.570:000$000 réis em títulos perpetuos, e agora passamos da perpetuidade para um praso curtíssimo.
Ha excesso n'esta maneira de encarar a questão: os períodos muito curtos devem preferir-se para as dividas das corporações locaes, para as dos estados os períodos deverão ser superiores, como em regra se pratica em outros paizes.
Não faço uma proposta n'este sentido, nem insisto nisto, porque é possível, e mesmo muito provavel, que já estejam feitas combinações para a conversão, e não tenho o menor desejo de difficultar uma operação desta ordem; aliás teria proposto que o praso da amortisação fosse de noventa annos ou ainda superior.
Em vez de largas philosophias financeiras, que podem ter a vantagem de mostrar a alta capacidade de quem as produz, mas que têem o inconveniente de não serem comprehendidas pela maior parte dos que as lêem ou escutam, applicarei ás idéas do sr. ministro e do projecto a um exemplo; é bem mais conveniente este systema, e não deixa de ser por isso menos claro.
Eis a minha hypothese: supponho que existe um grupo de banqueiros possuidores de 6.000:000 de libras esterlinas nominaes de inscripções externas portuguezas, ou bonds, comprados successivamente ou por conta do governo, ou para lh'os vender mais tarde por um certo preço.
Esta somma apparece por tantas fórmas, em tudo que se escreve e se diz ácerca da conversão, que esta rasão me determinou por ella.
Admittirei tambem que o preço d'esta compra foi previamente fixado em 57$000 réis por bond, isto é, em 57 por cento. Este preço era, no dia em que assentei a hypothese, o preço approximado das cotações em Paris, e correspondia ao de 85$000 réis das obrigações de 5 por cento do Minho e Douro, preço que tinham em Lisboa.
Observarei á camara que a cotação dos bonds a 57 por cento corresponde exactamente á cotação das obrigações a 85$500 réis, na equivalencia do juro; isto é:

57$000 réis vence 3$000 réis na taxa de 5,263 por cento
85$500 réis vence 4$500 réis na taxa de 5,263 por cento

Os elementos da minha hypothese são, pois:

6.000:000 £ nominaes .... 27.000:000$000
3.420:000 £ reaes (57 por cento do nominal) .... 15.390:000$000
180:000 £, juro correspondente .... 810:000$000

Diz o artigo 1.° do projecto de lei: «É auctorisado o governo a converter... comtanto que o juro das obrigações emittidas não exceda o dos bonds de 3 por cento amortisados».
Se não póde exceder, póde igualar ou ser inferior; portanto, podem considerar-se dois casos, que são os limites da operação auctorisada:

1.° caso. Quando o juro dos bonds for igual á annuidade (juro e amortisação) das obrigações; exemplo: bonds a 57$000 réis vencem juro na taxa 5,263 por cento; obrigações de 5 por cento, amortisaveis em setenta e cinco annos por sorteios semestraes e emittidas a 87$661 réis, a sua annuidade (juro e amortisação) representa 5,263 por cento d'esta somma.
2.° caso. Quando o juro dos bonds for igual ao juro das obrigações; exemplo: bonds a 57$000 réis vencem juro na taxa de 5,263 por cento; obrigações de 5 por cento, amortisaveis em setenta e cinco annos por sorteios semestraes e emittidas a 85$500 réis, o seu juro (4$500 réis) representa 5,263 d'esta somma.

São estes os dois casos limites, porque abaixo dos valores do primeiro caso haveria perda immediata para o portador, e acima dos valores do segundo não permittirá a lei que se chegue.
Isto posto calculei a operação para os dois casos que temos a considerar, e, como é sempre obscura uma exposição desta natureza, offereço a copia dos mappas, em que condenso os resultados dos cálculos, ao sr. ministro da fazenda.
Não fiz senão estudar a questão, como um simples mathematico. Para chegar a estes quadros, fiz longos, embora faceis, calculos, que, representando muitas horas de trabalhos, seria inutil ler á camara, bastando apenas indicar as conclusões.

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1.° CASO

Quando o juro dos bonds é igual á annuidade (juro e amortisação) das obrigações

Preço dos bonds 57$000 réis, taxa do juro 5,263 por cento

Conversão de 6.000:000 £ nominaes de bonds ....

Nominal .... 27.000:000$000
Real .... 15.390:000$000
Juro .... 810:000$000

[Ver tabela na imagem]

Este caso será evidentemente o mais favoravel. A annuidade da somma convertida é perfeitamente igual á da conversão, não havendo pois necessidade de um ceitil dos 100:000$000 réis da caixa de depositos para converter os bonds. Para se fazer esta operação seria preciso emittir obrigações de 5 por cento a 87$661 réis ou obrigações de 4 1/2 a 79$787 réis, ou de 4 a 72$100 réis. E n'este caso seria indifferente, sob o ponto de vista financeiro, qualquer dos typos, porque estes preços são paridades, como o demonstra a igualdade das suas taxas reas.
Eu já entreguei ao sr. ministro da fazenda os mappas que fiz, e s. exa. póde por elles verificar o que acabo de dizer.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Os calculos estão certissimos, mas nas premissas é que ha um erro.
O Orador: - Erro nas premissas? Talvez. Qual é a relação do paragrapho do projecto? É a seguinte: «é auctorisado e governo converter a divida externa de 3 por cento em obrigações de 5 por cento amortisaveis por sorteios semestraes, no praso maximo de setenta e cinco annos, comtanto que o juro das obrigações emittidas não exceda o dos bonds de 3 por cento amortisados».
E mais baixo diz-se: que a annuidade será preenchida pelos lucros da caixa geral de depositos, sendo necessario. Logo pressupõe se ser possível que a annuidade seja igual ao juro dos bonds.
Se o preço dos bonds é de 57$000 réis, a taxa do juro é de 3,263 por cento.
Para que uma obrigação de 90$000 réis de typo de 5 por cento, amortisavel em setenta e cinci annos por sorteios semestraes, que é servido por uma annuidade de 4$613,625 réis, esteja n'estas condições, precisa ser negociada por 87$661 réis; effectivamente

87$661 : 4, «613,62 :: 100 : x = 5,263

e uma obrigação de 90$000 réis, typo de 4 1/2 por cento, nas mesmas condições, sendo a sua annuidade 4$199,17 réis, precisa ser emittida por 79$787 réis; e finalmente uma obrigação de 90$000 réis, typo de 4 por cento, nas mesmas condições, sendo a sua annuidade 3$794,60, precisa ser emittida por 72$100 réis.
Francamente, não sei aonde possam estar erradas as minhas premissas, por isso continuo.
Comparando as importancias do capital nominal e do capital real, para cada typo, ver-se-ha que são differentes os premios da autorisação; mas ver-se-ha tambem que as annuidades são sempre de 810:000$000 réis, quer para o typo de 5 por cento, quer para o typo de 4 1/2 por cento, quer para o typo de 4 por cento. Tanto importa, pois, n'este caso que o emprestimo seja no typo de 5 por cento, como no de 4 1/2 por cento, ou como no de 4 por cento, financeiramente fallando. Embora a differença entre o capital real e o capital nominal cresça com a diminuição do typo, não altera isto as condições financeiras do emprestimo, porque no mechanismo das annuidades está a compensação para esta differença de premio de amortisação.
Por isso escrevo no primeiro paragrapho da minha emenda: que as obrigações poderão ser de 5 por cento, de 4 1/2 por cento, ou de 4 por cento; se os preços offerecidos estiverem em paridade preferir-se-ha o maior typo (o de 5 por cento) porque n'este caso, sendo as mesmas as condições financeiras, o typo mais elevado mais se approxima do par, e portanto maior será a probabilidade de uma futura conversão.
Desde que os typos inferiores possam ser emittidos por um preço superior á puridade, é evidente a vantagem da sua preferencia; caso que se deu no primeiro emprestimo da camara municipal de Lisboa, como já expliquei.
Reconheço haver grande difficuldade em expor e comprehender estes raciocínios, constellados de algarismos e expostos d'esta tribuna. O sr. ministro da fazenda, pelo menos, comprehenderá claramente o que tenho exposto.
Ora, sr. presidente, manifestamente o caso que acabo de discutir é o mais favoravel. E o sr. ministro da fazenda disse hontem, e muito bem, que seria effectivamente de grande vantagem, mas não de esperar, que os portadores quisessem dar papel perpetuo em troca de papel amortisavel, recebendo apenas uma annuidade que correspondesse ao juro do titulo amortisado.
É, portanto, este caso um limite; quanto mais d'elle se approximar á operação, tanto melhor ella será financeiramente.
Vejâmos agora o segundo caso:

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2.° CASO

Quando o juro dos bonds é igual apenas ao juro das obrigações

Preço dos bonds 57$000 réis, taxa do juro 5.263 por cento

Conversão de 6:000:000 £ nominaes de bonds ....

Nominal .... 27.000:000$000
Real .... 15.300:000$000
Juro .... 810:000$000

[Ver tabela na imagem]

Este caso é, pois, aquelle em que o juro dos lonas é apenas igual ao juro das obrigações, ficando, assim, completamente a descoberto toda a verba da amortisação, que deve sair da percentagem dos lucros da caixa geral de depositos.
Os preços das obrigações já não offerecem, de fórma alguma paridade; effectivamente as taxas reaes são differentes e as annuidades correspondentes crescentes.
Com o typo de 5 por cento seria preciso uma annuidade de 830:423$918 réis; com o typo de 4,5 por cento uma annuidade de 839:813$004 réis e com o typo de 4 por cento uma annuidade de 853:762$232 réis.
N'este caso, se fosse preferido um typo inferior, commettia-se um grave erro financeiro e beneficiar-se-iam; sem compensação, aquelles com quem se fizesse a operação.
Foi esta circumstancia que levou a commissão a desenvolver a doutrina do § 0; era porém mais simples redigil-o como proponho; mais simples e mais claro.
Ora quaes são as conclusões que se tiram d'aqui, e para as quaes eu chamo a attenção do nobre ministro, já que não quiz dar attenção aos mappas.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno do Carvalho): - A prova de que eu vi os mappas com toda a attenção é que posso desde já dizer ao illustre deputado onde é que elles estão errados...
O Orador: - Pois faz favor de dizer.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - O illustre deputado tomou para base do calculo 27.000:000$000 réis, ou 6.000:000 esterlinos, e suppoz a emissão de obrigações de 5 por cento ou de 4 1/2. Para as obrigações de 5 por cento o preço é de 85$800 réis; para as de 4 1/2 o preço é de 76$952 réis; creio que foi o que s. exa. disse.
O Orador: - Sim, mas a paridade de 4 5 por cento e 77$823 réis.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - A paridade é 77$919 réis; mas em todo o caso o encargo para as obrigações de 5 por cento é de réis 830:423$000, e para as de 4 1/2 é tambem de réis 830:430$000.
O Orador: - Sem a menor duvida. Logo eu errei concordando com o que v. exa. diz. Isto quer dizer apenas que a homens de mais talento, como o sr. ministro da fazenda, quando não dão attencão a elementos pacientemente estudados e meditados, acontece tambem affirmarem inexactidões. Se v. exa. attende-se ao mappa seguinte...
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Se v. exa. concorda com o que eu digo, o que eu digo é o que está no projecto.
O Orador: - Não senhor. O que está no § 0 é uma redacção que ninguem; comprehende, e estou desenvolvendo esta doutrina para bem o demonstrar e esclarecer, substituindo-a pela minha emenda. A emenda, que proponho, é que corresponde ao pensamento de v. exa.
De resto, se não estivesse de accordo com as idéas de v. exa., expressas no projecto votaria contra elle. Por estar de accordo com ellas é que venho propor uma substituição, que me parece traduzir melhor o pensamento de v. exa.
D'este mappa, infere-se que sempre que haja apenas equivalencia entre os juros dos bonds convertidos e os das obrigações de conversão, isto é, que a verba de amortisação, no todo ou em parte, saia dos lucros da caixa de depositos, a operação com typos inferiores será desvantajosa.
Attendendo a esta hypothese a commissão de fazenda elaborou pacientemente aquelle excelente, claro e nitido, na opinião do sr. ministro da fazenda, § 0: «... quando a collocação (queria dizer emissão) d'esses titulos (os de 4 e 4,5 por cento) obtiver, em relação a equivelencia (queria dizer paridade) das obrigações de 5 por cento, fixada em absoluto pela paridade do juro (queria dizer igualdade dos encargos effectivos) um excesso de preço, que, pelos resultados da operação, compense as differenças do premio de amortisação.»
Ora, sr. presidente, esta mayonnaise grammatico financeira, quer apenas dizer: «quando a emissão dos títulos inferiores se fizer na paridade com os de 5 por, cento».
Effectivamente vejamos o mappa que compendia os resultados da emissão n'estas circumstancias.

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1000 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

2.° CASO

II

Paridades

Quando o juro dos bonds e igual apenas ao juro das obrigações

Preço dos bonds 57$000 réis, taxa do juro 5,263 por cento

Conversão de 6.000:000$000 £ nominaes de bonds ....

Nominal .... 27.000:000$000
Real .... 15.390:000$000
Juro .... 810:000$000

[Ver tabela na imagem]

Os preços

de 5 por cento .... 85$500
de 4,5 por cento .... 77$823
de 4 por cento .... 70$325

constituem então paridades. N'este caso, como no primeiro, a operação é identica, financeiramente fallando em qualquer d'elles, effectivamente, a annuidade de 830:423$000 réis é igual para qualquer dos typos.
Certamente a operação n'este segundo caso não é tão vantajosa como no primeiro, como o demonstra a annuidade no primeiro caso de 810:000$00 réis, no segundo de 830:500$000 réis; mas em qualquer d'elles é absolutamente indifferente negociar em qualquer dos typos, sendo na paridade. Deveríamos, porém, ainda n'esta hypothese, preferir contratar no typo mais elevado, porque approximando-se então mais o valor real do nominal, do que nos inferiores, a probabilidade de uma futura conversão ao par será maior.
Se, todavia, por qualquer circumstancia que póde dar se, como demonstrei com o exemplo dos emprestimos municipaes, a emissão for acima da paridade para algum dos typos, é claro e evidente que esse deve ser o preferido, porque a vantagem financeira immediata da operação compensará as vantagens de uma hypothetica e futura conversão. Estes raciocínios são perfeitamente idênticos, aos que fiz para o primeiro caso.
Aqui tem v. exa.. sr. presidente, demonstrada a clareza e a nitidez do § 0 e defendida a minha redacção:
§ 1.° As obrigações poderão ser dos typos de 4, 4,5 e 5 por cento preferindo-se o maior typo na paridade do preço da emissão, aliás aquelle cujo preço exceder mais a paridade.
Estes mappas discutidos, como se discutem as equações, ou em geral as formulas mathematicas, dar-nos-hão clara e precisa idéa da operação.
As conclusões que se tiram immediatamente são estas:
1 .ª A operação será tanto melhor quanto mais se approximar do primeiro caso, isto é, quanto menos a annuidade (juro e amortisação) das obrigações exceder o juro dos bonds amortisads; effectivamente no 1.° caso o preço da obrigação, na hypothese que acceitámos, seria de réis 87:661, e no segundo caso de 85$500 réis; quanto mais o preço da emissão se approximasse d'aquelle primeiro limite, tanto mais vantajosa seria a operação.
Vem aqui de molde o explicar aquella phrase do sr. relator, de amortisar com 100:000$000 réis toda a divida das nações da Europa.
É bom que estas hyperboles financeiras sejam esclarecidas. No caso d'este ultimo mappa converteremos 6:000:000 £ de bonds a 57 por cento com obrigações do typo de 5 por cento negociadas a 85$000 réis e servidas por uma annuidade de 830:500$000 réis, saindo toda a somma de amortisação, ou seja 20:423$000 réis dos lucros da caixa.
Se os lucros applicados fossem de 100:000$000 réis amortisariamos com esta somma, e nas condições precedentes 29.400:000 £, ou seja 132.300:000$000 réis.
Se a obrigação fosse negociada por preço superior a 85$500 réis, isto é, por 86$000, 86$500 réis até 87$661 réis, limite em que, segundo vimos, a annuidade (juro e amortisação) é igual ao juro dos bonds convertidos, a verba da amortisação iria decrescendo até tornar-se nulla; portanto os 100:000$000 réis converteriam de 132.300:000$000 réis até... ao infinito. N'este infinito estavam as dividas europeas do sr. Carrilho.
2.º A operação será tanto mais vantajosa, quanto o preço da compra dos bonds tenha sido fixado mais baixo em relação ao preço porque podem collocar-se actualmente as obrigações da conversão; effectivamente a annuidade de 810:000$000 réis no primeiro caso é de 830:423$000 réis no segundo servem um capital real de réis 15.390:000$000, que corresponde a (5.000:000 £ de bonds ou 27.000:000$000 réis a 57 por cento: se os bonds forem negociados a 55 por cento aquelle capital real (15.390:000$000 réis) comprará, não já 6.000:000 £, mas 6:218:000 £, isto é, cerca de 28.000:000$000 réis.
Esta conclusão é importante, porque, tendo, ou devendo ter, o sr. ministro uma grande quantidade de titulos anteriormente combinados por certo preço, e havendo se dado uma grande subida nas cotações de todo o nosso papel, incluindo o amortisavel, tanto mais baixo houver sido o preço fixado outr'ora, tanto melhor será a operação nu actualidade.
3.ª Os typos mais baixos, logo que sejam superiores á paridade, são preferíveis. No ultimo caso, por exemplo, as paridades são:

de 5 por cento .... 85$500
de 4 por cento .... 70$325

se o preço offerecido pelo 4 por cento fosse 72$325 réis, o beneficio da segunda operação, realisada com o typo 4 por cento, sobre a primeira, realisada com o typo 5 por cento, seria, para a mesma annuidade, de 218:841 obrigações a 2$000 réis, isto é, 437:682$000 réis. Esta somma valeria bem as hypotheticas vantagens de uma conversão do 5 por cento n'um futuro mais ou menos remoto.

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Outras conclusões ainda só podiam tirar; mas estas são sufficientes, e indicado fica o modo de discutir este problema; modo claro e perceprivel, ao alcance de todos; processo logico que parte do especial para o geral, que analysa antes de synthetisar.
Agora facil é de comprehender o que queria dizer aquella phrase sonora de amortizar com 100:000$000 réis as dividas da Europa. Não é uma creação da alchymia-financeira do ministro, é outra cousa muito humana e muito arithmetica, que não pude servir de incenso para o idolo do sr. relator.
Estes hymnos e estas cantatas, na phrase pittoresca d'um meu illustre amigo e collega nosso, são para quem são.
Faço aqui notar a v. exa. e aos meus illustres collegas, que entendem, ou devem entender d'este assumpto, que estas conclusões que acabo de tirar mostram que a redacção do § 0 não póde deixar de ser aquella que eu apresento.
Foi exactamente para isto, que trouxe o exemplo do primeiro empréstimo da camara municipal, que foi atacado em certos jornaes, chamados financeiros, dizendo-se que a escolha do typo de 4 por conto afastava a possibilidade de uma conversão. Sem attenderem, ou sem saberem, que por esta preferencia se libertava para a mesma annuidade um capital importante.
Continuando a discussão do projecto, direi que o § 1.° envolve doutrina inutil n'um sentido e perniciosa n'outro; diz este paragrapho:
«A percentagem semestral para a amortisação dos titulos emittidos, em virtude d'este artigo, sairá dos juros das obrigações amortisadas, da differença entre a taxa do juro dos títulos convertidos e a taxa do juro dos títulos creados, e, sendo necessario, dos lucros da caixa geral de depositos, mas a parte d'esses lucros, destinada á referida amortisação, não póde exercer a 379 decimas millesimas por cento de valor nominal dos titulos de 3 por cento.»
Ora esses mappas que tão pouca consideração merecem ao illustre relator e ao sr. ministro, dizem claramente que isto é inutil por um lado e nocivo por outro.
Esta ultima parte do § 1.° da commissão é um excesso de bagagem, que ha de incommodar e impossibilitar a operação, e que para mais nada serve.
Tomemos o mappa do 1.° caso e o mappa II do 2.º caso. Mostra-se pelo primeiro que a quantia que devemos ir buscar á caixa geral de depositos é nulla para qualquer dos typos; preva se pelo segundo, que a quantia do amortisação semestral para o typo 5 por cento é de 10:211$000 réis, isto é, cerca de 379 decimas millesimas do capital nominal convergido ou 27.000:000$000 réis.
Mas, pergunto eu: quando para uma obrigação se determina a duração e o typo não está determinado immediatamente, a quantia que da annuidade ha de pertencer á amortisação?
Está mathematicamente determinada. (Apoiados.)
Logo n'este caso a limitação é inutil. Supponhamos agora que a obrigação de 4 por cento era preferível, porque por ella se offerecia o preço de 72$325 réis, em vez de 70:325 réis, paridade com o typo de 5 por cento, a 85$500 réis. Já demonstrei anteriormente que não se deveria vacillar sobre a acceitação do typo de 4 por cento, porque a operação seria financeiramente melhor do que no typo de 5 por cento. O sr. ministro não poderia, porém, preferir este ultimo typo, senão commettendo uma illegalidade porque a verba da amortisação semestral [Ver formula na imagem] = 21:207$500 réis é muito superior a 0,0379 do capital nominal réis 27.000:000$000!
Como se vê, n'este caso a disposição já não é inutil, é altamente inconveniente.
Quando se escreve uma cousa d'estas n'um projecto de lei, o meu espirito vacilla sobre se haverá outra rasão, que não abranjo, que motivo similhante restricção e desfaça os meus raciocínios.
Eu não a encontrei. S. exas. o dirão, mas em vez de empregarem desenvolvidos raciocínios, baseará mostral-a com dados muito claros, e com algarismos.
No § 2.º da minha emenda não limito a cifra dos lucros que devem ser empregados na amortisação; mas o total que deve applicar-se á conversão, o que é differente e indispensavel.
Repito, posso estar em erro; mas a estes erros, que são faceis de commetter, e ainda mais faceis de emendar, responde-se, não com dissertações vagas e didacticos discursos, mas escrevendo n'uma humilde folha de papel com um simples lapis a demonstração contraria, porque tudo o mais são pequenos fogos de artificio financeiro, que não servem nem mesmo para divertimento d'aquelles, que gostam de fogos de vista. (Riso.)
Tambem proponho a eliminação do § 4.º do projecto, que reza assim: «continua suspensa a amortisação da divida externa auctorisada por carta de lei de 10 de abril de 1845».
Todos conhecem perfeitamente a historia dos chamados fundos ou caixas de amortisação.
Não vou occupar muito tempo á camara com a historia d'esses fundos e dos grandes resultados que os financeiros de outr'ora esperaram tirar d'esta creação.
Parece-me que esta idéa appareceu pela primeira vez em Inglaterra, aonde foi creando um fundo de amortisação no principio do seculo passado.
Houve um tempo em que este systema foi preconizado como o salvador das finanças de um paiz, para mais tarde ser condemnado absolutamente.
Estavam então em moda as annuidades, e até se chegou a calcular, calculo muito parecido com o do actual sr. ministro da fazenda, que uma pequena moeda (1 soldo se me não engano) a juros compostos, desde o tempo do Jesus Christo, absorveria hoje toda a massa monetaria do mundo; assim como se calculou tambem que um simples grão de trigo, em successivas germinações, produziria um tal numero de sementes, que em poucos annos abarrotaria todos os mercados do mundo, e daria pão abundante e barato a todos os que actualmente carecem d'elle, ou têem pouco. Pena é não podermos garantir por esta fórma aquelles a quem o querem tirar com o imposto protector em beneficio das classes ricas, imposto que estamos vendo apparecer sucessiva e cada vez mais nitidamente, como nos alvos das lenternas-magicas as fórmas da imagem se vão esboçando a pouco e pouco, até que por fim apparece em toda a sua nitidez a abantesma. (Apoiados.)
Sim, porque ha muito tempo levantou-se n'esta casa, com grande apparato a questão dos cereaes.
Respondeu o sr. Emygdio Navarro, aspera e rudemente quasi, que não admittia imposto protector.
Ha dias ventilou-se novamente a mesma questão, e s. exa. respondeu mais suavemente: que precisava discutir o assumpto, tendo em vista os interesses dos productores e dos consumidores.
Mais tarde, ámanhã talvez, virá naturalmente o sr. Marianno de Carvalho dizer ao parlamento, com a sua voz mais insinuante, que emfim as circumstancias da agricultura são tão melindrosas, que o paiz deve fazer um sacrificio para a salvar: e, tendo feito previamente certas combinações com os fabricantes de moagens para durante cinco ou seis mezes conservar o mesmo preço do pão, lançar-nos um imposto protector e... quem vier a traz que feche a porta. (Riso.)
Estes calculos de uma phantasia irrequieta, muito parecida com a do sr. relator da commissão, fundavam-se todos na theoria dos juros compostos, das annuidades e das progressões. A difficuldade toda estava na pratica, em que circumstancias de varias ordens impediam o seu theorico funccionamento e modificavam os resultados calculados.
Portugal seguiu este movimento e, fundado nas vantagens preconisadas, o nosso legislador imaginou resolver ao difficuldades financeiras do paiz, creando, pela lei de 11 de

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abril de 1845, uma caixa de amortisações, á qual concedeu annualmente 112:000$000 réis. A esta somma juntar-se-ía o juro dos bonds anteriormente amortisado.
Se esta lei não tivesse sido successivamente suspensa nos differentes orçamentos annuaes, o paiz teria gasto no período de 41 annos a somma de 4.612:500$000 réis, mas em compensação teria retirado da circulação uma massa de titulos correspondentes a 182.000:000$000 réis, suppondo o preço medio dos bonds comprados de 50$000 réis.
O argumento, que principalmente se produziu contra este mechanismo especial de amortisação, foi: que era absurdo continuar a recorrer ao credito annualmente, amortisando ao mesmo tempo n'uma taxa inferior áquella por que se obtinha o novo capital; parecendo assim que havia perda.
Este argumento nada provava, ou teria tambem de applicar-se aos emprestimos amortisaveis, porque emfim a operação n'um e n'outro caso é identica, embora o mechanismo seja differente.
De resto foi tão absurdo fundar demasiadas esperanças nos fundos de amortisação, como condemnal-os em absoluto.
Comprehendo perfeitamente que, em regra, não seja bom amortizar annualmente, por esta fórma, quantias muito importantes e ao mesmo tempo recorrer ao credito; mas por outro lado a acção d'esta amortisação constante e prevista seria a de elevar as cotações dos fundos, questão de grande importancia para as nações que precisam recorrer ao credito.
Na pratica das finanças não devem estabelecer-se principios muito absolutos; poucas sciencias, como as economicas e portanto as financeiras, dependem do meio especial em que são applicadas e das condições em que se realisam.
Do campo theoretico e abstracto, aonde a economia politica havia sido collocada pelos velhos mestres, desceu esta sciencia e as suas derivadas para o campo positivo, isto é, da observação directa dos phenomenos economicos e spciaes.
Não vejo pois conveniencia alguma em suspender definitivamente a amortisação da divida externa; quando muito suspendamol-a annualmente no orçamento; é sufficiente, a menos que se não queira augmentar o projecto com mais um paragrapho e tornar a lei mais pomposa.
Proponho o seguinte additamento: «esta auctorisação abrange a divida interna e vigora até 30 de junho de 1892».
Duas questões ainda para tratar: se deve ou não envolver divida interna no projecto da conversão; se a auctorisação concedida deve ou não ser limitada.
Que a auctorisação abranja um periodo longo julgo-o indispensavel, aliás estas operações são quasi impossíveis; mas d'aqui a uma auctorisação indefinida vão grande distancia.
Em regra repugna me dar ao poder executivo auctorisações d'esta ordem, porque até certo ponto annullam a acção parlamentar e prendem a uma opinião os futuros parlamentos; depois não convem igualmente fixar um praso para que no fim d'elle o ministro que ahi estiver se veja obrigado a estudar o assumpto, não adormecendo sobre os trabalhos que se achem feitos, emballado pela rotina da burocracia.
Quero dar lhe occasião de manifestar as suas idéas, outros systemas de beneficiar o orçamento e as finanças do estado sem a commodidade de estar ligado sem responsabilidade a esta lei.
Em todo o caso o melhor argumento para não conceder a auctorisação illimitada é: que ella não é necessaria; era em política o que e desnecessario e inutil tambem é, por via de regra, nocivo; por consequencia limito a cinco annos a auctorisação para a conversão da divida publica pelo systema do projecto.
Emquanto a estender á divida interna o plano de conversão, vamos conversar: porque desejo desfiar o unico argumento, que, apresentou contra este alvitre, o sr. Marianno de Carvalho.
Não se comprehende, á primeira vista pelos menos, o motivo por que não se applica á divida interna o mesmo processo que se tenta, com tantos elogios hyperbolicos, applicar á divida externa. Motivos visíveis e evidentes não os ha. Na conversão proposta ha vantagem para o thesouro? Ha. Para o portador do fundos tambem a deve haver, porque sem vantagens reciprocas de certo que não se realisa a operação.
Tanto n'um caso, como no outro, o alargamento da esphera da actividade da lei dará beneficio para o paiz; no primeiro caso directamente, no segundo indirectamente, pelo augmento da riqueza particular. Não comprehendo, pois, porque os portadores de fundos por serem portuguezes não hão de ter as mesmas vantagens dos outros portadores, tambem da nossa divida, inglezes, francezes ou belgas?
A isto respondeu o sr. Marianno de Carvalho dizendo: que apenas tinha 100:000$000 réis para esta operação, o que mal chegaria para a divida externa.
Esta resposta, se bem ouvi a s. exa., foi dada ao sr. Arroyo: «mas o illustre deputado não sabe que temos apenas a verba de 100:000$000 réis para a conversão da divida externa?»
Devo, em primeiro logar, observar que, pelos calculos feitos pela commissão, s. exas. são capazes de converter este mundo e o outro com os taes 10:000$000 réis; ponhamos, porém, de parte esta phantasia em acção.
Sr. presidente, a conversão é effectivamente uma boa operação financeira, oxalá que possa ser coroada de resultado e estender se a toda a nossa divida. Embora, porém, abranja a divida interna, ficará de fóra uma grande parte d'esta, porque uma importune quantidade de títulos internos, como disse o sr. Marianno de Carvalho, se acham immobilisados por differentes motivos.
Quando a verba dos 100:000$000 réis não seja sufficiente, não tenho duvida em eleval-a a 200.000$000 ou 300:000$000 réis, porque declaro, como aliás já disse: oxalá que alguns centos de contos despendidos annualmente transformassem a divida perpetua em divida amortisavel.
Como eu penso, pensa muito gente, e n'este ponto não encontrará v. exa. difficuldades n'esta camara.
A rasão dos 100:000$000 réis não é pois valiosa, e quando um dialectico da força do sr. ministro a emprega, é porque não tem outra melhor.
E chego ao fim da minha longa exposição, mais longa do que desejava. Não sei se pelo estudo que fiz, conscienciosamente, chego a exactas conclusões. Póde assim não succeder, porque o erro é do espírito humano; mas erram tanto os que se assentam nas cadeiras do ministerio, como os que se assentam nas mais modestas cadeiras de deputado; se os meus resultados pouco valem, o meu esforço devia bem merecer do sr. ministro da fazenda.
Tenho a honra de ser particular amigo do sr. Marianno de Carvalho, mas tenho tambem a desgraça de ser seu inimigo político, e digo desgraça, porque, segundo parece, n'estes tempos que vão correndo, todos que estão fóra, da grei do sr. ministro, não têem muito a esperar das cousas d'este mundo. (Riso.)
Estas vantagens temporaes offerecem reciprocas compensações espirituaes; pois o sr. relator até já nos disse que a presença de s. exa. no ministerio, fôra sufficiente para encher de confiança os banqueiros e os portadores dos títulos, e produzir a rapidíssima e gloriosa alta dos nossos fundos!
Não foi a compra, habilmente mandada fazer, de uma grande massa de papel, subitamente retirada dos mercados, que elevou as cotações. Não, senhor. Foi a entrada dos progressistas no poder, em geral, e em particular a acção miraculosa do sr. Marianno de Carvalho. O que mais pre-

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occupa os banqueiros estrangeiros é esta lucta entre regeneradores e progressistas.
O nome do sr. Marianuo de Carvalho já havia echoado em todos os mercados financeiros do mundo!
Emfim, para terminar affirmarei ao sr. ministro da fazenda que ha amigos e amigos. Uns que entoam sempre canticos de louvor ás altas qualidades d'aquelles, a quem a luz da boa fortuna illumina de face e esplendidamente; o povo, com o seu bom senso, costuma chamar a estes... amigos de Peniche; outros que, tendo o maior respeito e consideração pelas qualidades pessoaes dos que lhe são caros, sem investigarem se a sorte lhes é propicia ou contraria, não têem nunca duvida em ser francos e sinceros, porque são leaes e desinteressados; exaltam, quando devem exaltar, corrigem e aconselham, quando a sua consciencia assim o determina, porque nem os proprios amigos suppoem por fórma nenhuma infalliveis.
Sr. ministro, o melhor característico dos homens superiores é o de preferirem os amigos d'esta natureza aos amigos... de Peniche.
Tenho dito.
Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Artigo 1.° É o governo auetorisado a converter os titules de divida publica externa de 3 por cento em obrigações amortisaveis em setenta e cinco annos, por sorteios semestraes, comtanto que o juro das obrigações emittidas não exceda o dos títulos convertidos.
§ 1.° As obrigações poderão ser dos typos de 4, 4 1/2 e 5 por cento, preferindo-se o maior typo na paridade do preço de emissão, aliás aquelle cujo preço exceder mais a paridade.
§ 2.° A somma animal para a amortisação das obrigações provirá das seguintes origens:
N.° 1 Da differença entre o juro do capital do conversão e do capital convertido;
N.º 2 Dos lucros da caixa geral de depositos até ao máximo de 100:000$000 réis annuaes;
N.° 3 Do juro disponível do capital anteriormente convertido.
§ 3.º (O segundo do projecto do ministro e da commissão).
§ 3.° (Do projecto da commissão § 4.° por engano typographico) eliminado.
Novo § 3.° Esta auctorisação abrange a divida interna e vigora até 30 de junho de 1892. = Augusto Fuschini.
Foram admittidas.

O sr. Luiz José Dias: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a generalidade do projecto suficientemente discutida.
Julgou-se discutida.
O sr. Arroyo: - Peço a v. exa. que consulto a camara sobre se permitte que retire a minha proposta.
Consultada a camara decidiu affirmativamente.
O sr. Serpa Pinto: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que retire a minha moção.
Consultada a caruaru decidiu affirmativamente.
Fui approvado o projecto na generalidade.
Entrou em discussão o artigo 1.º
O sr. Pinheiro Chagas: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Pedi a palavra para mandar para a mesa differentes propostas.
Uma diz respeito á negociação celebrada entre Portugal e a França, em que se fixou o limite da Guiné portugueza e da região tambem portugueza ao norte do Zaire. A proposta de lei pede a approvação, a confirmação e ratificação, mais tarde, pelo poder executivo.
Acompanha a proposta, cujo relatorio na o leio por ser extenso, o Livro branco, que abrange uma serie de documentos historicos de grande interesses para a apreciação da questão e para a situação das nossas colonias n'esta região da Africa. Esses documentos vem illustrado com mappas, fixando as limitações estabelecidas por este convenio.
Mando tambem para a mesa uma outra proposta, submettendo á apreciação da camara a convenção celebrada com o imperio da Allemanha, em virtude da qual se fixa o limite sul da província de Angola, o limite norte da província de Moçambique, e que determina a região da Africa equatorial, por onde poderá apreciar se livremente a acção colonial e civilisadora d'estas duas potencias.
Tambem acompanha o Livro branco que contêm documentos relativos a estas negociações; em cada livro vem igualmente um mappa da Africa equatorial, em que se fixam os limites segundo esta mesma convenção.
Mando, finalmente, precedida do competente relatorio, uma proposta approvando o protocollo recentemente assignado com o imperio da China e pedindo á camara auctorisação para que possa ser desde logo ratificado o tratado de commercio que, nos termos do artigo 1.º d'esse protocollo terá de ser negociado em Pekim.
Os documentos relativos a esta negociação serão presentes mais tarde á camara, visto tratar se de uma negociação pendente.
Estando com a palavra, mando tambem para a mesa, pelo ministerio da marinha, uma proposta de lei, fixando a força naval, e outra que diz respeito á situação do empregado José Maria de Proença Vieira, em que são relevados alguns mezes do tempo que, segundo a legislação vigente, este empregado devia estar no ultramar, para ser aposentados aos termos da legislação tambem vigente.
A camara apreciará, depois do exame das respectivas commissões, os assumptos d'estas diversas propostas de lei.
O sr. Presidente do Conselho (Luciano de Castro): - Pedi a palavra para mandar para a mesa algumas propostas de lei. Abstenho-me de ler os relatorios d'estas propostas, porque, como hão de ser publicados, não me quero fatigar a mim e á camara.
Lerei apenas a conclusão do relatorio da primeira proposta, que é sobre o recrutamento, para por ella a camara ficar apreciando a importancia d'esta proposta.
(Leu.)
A outra proposta é para regular a eleição da parte electiva da camara dos pares.
Mando outra proposta sobre os emolumentos dos tribunaes administrativos, juntas geraes dos districtos, emfim de todas as repartições administrativas.
Esta proposta vem acompanhada de tabellas e precedida de um relatorio, onde estão expostas com toda a minudencia as rasões que determinaram a sua apresentação.
Mando tambem uma proposta para a creação do instituto de ensino especial secundario em Lisboa, Coimbra, Porto e Braga.
A outra proposta é sobre o ensino secundario do sexo feminino.
A outra é sobre os vencimentos dos professores do ensino superior. Augmenta os vencimentos; mas, para que a camara não fique sobresaltada com o augmento de despeza que resulta d'esta proposta, e como eu tenho por norma apresentar proposta alguma que traga augmento de despeza, sem propor a receita correspondente, proponho o augmento de 36 por cento sobre as propinas das matriculas e cartas dos estabelecimentos de ensino superior. O augmento é de 450$000 réis no vencimento da categoria. Divido os vencimentos em vencimentos de exercício e vencimentos de categoria, e estes são de 450$000 réis.
Mando mais duas propostas, renovando a iniciativa de duas propostas já apresentadas, e duas propostas e sobre assumptos de menos importancia, uma das quaes é sujeitando á approvação legislativa um decreto que creou o ensino do allemão e do grego em Braga.

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Todas as outras são renovações de iniciativa de propostas já apresentadas.
Tanto estas propostas, como as apresentadas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, vão publicadas a pag. 1005.
O sr. Presidente: - Como não está mais ninguem inscripto, vae ler-se o artigo 1.° para ser votado; mas primeiro vae ler-se uma proposta de emenda, apresentada pelo sr. Pinheiro Chagas, que, segundo o regimento, tem de ser votada em primeiro logar.
O sr. Carrilho (por parte da commissão): - Como disse hontem, declaro, por parte da commissão, que essas propostas que atacam a economia do projecto não podem ser acceitas.
O sr. Pinheiro Chagas: - Requeiro para retirar a minha proposta.
Foi approvado o requerimento.
Posto á approvação o artigo 1.º, foi approvado.
O sr. Presidente: - A proposta mandada para a mesa pelo sr. Fushini é uma substituição, e por isso ficou prjudicada pela approvação do artigo 1.º
Vae ler-se o artigo 2.º
(Leu.)
O sr. Arroyo: - Por muito pouco tempo usarei da palavra. V. exa. comprehende que não posso, nem elevo enunciar outra vez perante a camara o conjuncto de considerações que constituíram o discurso que proferi nas duas sessões de hontem. Não devo abusar da paciencia da camara, aproveitando a discussão na especialidade do artigo 2.° do projecto para procurar responder aos argumentos adduzidos pelo sr. ministro da fazenda, que na resposta que se dignou dar-me envolveu phrases demasiadamente elogiosas para a minha pessoa, e que me cumpre agradecer-lhe.
A camara é juiz soberano das suas opiniões. Decidiu em sua consciencia sobre a generalidade do projecto que se discute, e a mim resta-me unicamente a convicção de ter cumprido o meu dever, justificando a minha opinião e analysando o projecto como pude e como soube. (Apoiados.)
Ha todavia uma arguição do sr. ministro da fazenda que não posso deixar passar sem reparo: é aquella em que s. exa. taxou os meus calculos de inexactos, por isso que eu havia errado na maneira como calculara a quota da amortisação, tomando a quota annual, em vez das quotas semestraes.
Já o sr. Pinheiro Chagas citou a este proposito o relatorio do sr. Carrilho, onde se emprega tambem a quota annual de amortisação para maior rapidez do calculo. Ora o sr. Carrilho, que é auctoridade insuspeita para o sr. ministro da fazenda e para a maioria, por certo que sacrificaria a rapidez da effectuação dos calculos, se o processo de tomar a quota de amortisação annual compromettesse a verdade das conclusões a que s. exa. pretendia chegar. (Muitos apoiados.)
Mas supponhâmos que procedia a arguição do sr. Marianno de Carvalho; supponhâmos que eu e o sr. Carrilho mereciamos o reparo feito por s. exa. na sessão de hontem á noite; ainda assim, sr. presidente, a sua arguição era improcedente, porque a variante que o facto de eu haver tomado a quota de amortisação annual introduziria no calculo, por nenhuma fórma invalidava ou diminuia a força dos meus argumentos e das minhas conclusões. (Apoiados.)
O facto de eu tomar a quota da amortisação um pouco maior ou mais pequena, o que podia dar era uma differença maior ou menor entre os encargos da annuidade para o estado, conforme a emissão fosse feita ao typo de 5 por cento ou a um typo de juro inferior.
Como as minhas conclusões não tinham por fim verificar se existia ou não diferença de encargos de annuidade, segundo o typo de juro escolhido, o que seria insensato, mas apurar unicamente a grandeza d'essa differença, o valor das conclusões em nada era modificado por uma pequena alteração no montante da differença. (Apoiados.)
Conclui, por exemplo, que o excesso de preço a que se allude na segunda parte do corpo do artigo 1.°, para a collocação de obrigações de 4 1/2 por cento a 81$000 réis, era de 932 réis, e, se não me engano, o sr. ministro da fazenda calculou esse excesso em 932 réis. Já vê, portanto, v. exa. que o resultado do meu calculo concordava muito approximadamente com o do sr. Marianno de Carvalho.
Isto pelo que respeita ao reparo do sr. Marianno de Carvalho. A camara fica, mo pareço, convencida de que as verdades que apurei, que as conclusões que tirei dos numeros por mim citados, quer as quotas de amortisação fossem as alcançadas por mim, quer as alcançadas de harmonia com a observação do sr. ministro da fazenda, conservam exactamente a mesma força e valor. (Apoiados.)
Feito este reparo á observação de s. exa., resta-me unicamente fazer uma pergunta ao governo e á illustre commissão, pergunta que me parece foi a única a que o sr. ministro não respondeu hontem, nas considerações que expoz, depois de eu terminar, certamente por esquecimento.
O governo e a commissão de fazenda concordam em exarar no projecto que presentemente se discute um preceito qualquer, onde se estabelece a cargo de quem correm os gastos de papael, impressão e sellos dos titulos amortisaveis?
Parecia-me conveniente que se introduzisse um preceito similhante áquelle que o sr. ministro da fazenda inscreveu no projecto relativo á emissão dos titulos de divida externa e conversão dos bonds ao portador em titulos nominativos.
Desejava ouvir uma resposta, porque me parece que a inserção d'este principio no projecto, por um lado, teria por effeito benefico tirar duvidas na execução da lei, e por outro lado, não encerrando materia que altere profundamente o projecto, a commissão póde adoptal-o, mesmo dentro dos limites que designou á possibilidade de acceitar modificações propostas por qualquer membro d'esta casa.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Não posso responder parte das considerações do illustre deputado na sua argumentação da sessão anterior, porque pela minha posição não posso afastar-me da ordem. Teremos outra occasião de conversarmos sobre este assumpto.
Quanto á Segunda pergunta, isto é, a quem competem as despezas a que se referiu o illustre deputado, nada ha preceituado no projecto de lei, porque a minha idéa foi, bem como a da illustre commissão, que essas despezas de conversão sejam feitas pelo estado.
A rasão da differença d'este projecto de outro a que alludiu o illustre deputado é evidente. No outro projecto a inversão, e não conversão, é feita em beneficio do portador do titulo e aqui a conversão é feita em beneficio do estado.
O sr. Arroyo: - Não digo que v. exa. não tenha rasão; o que me parece conveniente é que se fixe um preceito no qual se diga por conta de quem correm essas despezas.
O Orador: - Seria necessario fixar o preceito desde que as despezas tivessem de ser pagas pelos portadores dos titulos; mas desde que é o governo ou o estado quem paga, não me parece isso necessario. Em todo o caso o que convem é fixar no orçamento uma verba, ainda que moderada, para fazer face a essa despeza.
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto vae votar-se.
Foi approvado o artigo 2.º e seguidamente os restantes 3.º e 4.º com a respectiva tabella.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada para hoje e mais o orçamento rectificado começando a discussão por este.
Está levantada a sessão.
Eram quasi seis horas da tarde.

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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887 1005

Propostas de lei apresentadas n'esta sessão pelos srs. ministros do reino, dos negocios estrangeiros e da marinha

N.º 107-C

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° 33-A, de 22 de março de 1886, apresentada na sessão de 26 do mesmo mez, para ser auctorisado o governo a applicar ás obras da construcção de um quartel para uma companhia de infanteria da guarda municipal de Lisboa nos terrenos da real quinta da Bemposta, o producto da venda do edificio do extincto convento de Santa Rita, sito na calçada de S. Sebastião da Pedreira.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 23 de abril de 1887. = José Luciano de Castro.

N.º 107-D

Renovo a iniciativa da proposta do lei n.° 112-F, com data de 10 de maio de 1884, para ser concedido á sociedade das casas de asylo da infancia desvalida o edifficio em que está estabelecido o asylo denominado de Santa Quiteria, e que foi apresentada á camara dos senhores deputados na sessão de 1884, pelo então ministro e secretario doestado dos negócios do reino, o sr. conselheiro Augusto César Barjona de Freitas.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 4 de maio de 1887. = José Luciano de Castro.

N.° 107-E

Senhores. - Por decreto de 3 de novembro de 1886 foi provisoriamente auctorisado no lyceu nacional de Braga o ensino das línguas grega e allemã, ficando a sua creação definitiva dependente da approvação das camaras legislativas.
Os motivos que levaram o governo a tomar esta providencia provisoria, acham-se expostos nos considerandos que precedem aquelle decreto; e por isso me abstenho de os reproduzir aqui para não cansar a vossa attenção.
Em vista de tacs motivos, e das condições especiaes que reune a cidade de Braga, a qual já pela lei de 14 de junho de 1880 fôra contemplada com o curso complementar de letras, e teria obtido tambem o curso complementar de sciencias em virtude da lei de 30 de junho de 1885, se não fosse a ultima reforma de instrucção secundaria, julgo de manifesta justiça, que se lhe conceda a creação dos estudos que solicita, para completa habilitação dos alunmos que ali afluem em grande numero.
N'este intuito, e em desempenho do compromisso contrahido, tenho a honra de submetter á vossa illustrada approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É creado no lyceu de Braga o ensino das linguas grega e allemã, como disciplinas annexas ao respectivo curso, conforme o que se acha preceituado para os lyceus centraes no decreto de 29 de julho de 1886.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 4 de junho de 1887. = José Luciano de Castro.

N° 107-F

Senhores. - Em virtude de execução movida por Cesar Augusto Macedo, por divida da extincta congregação religiosa do convento das Trinas de Mocambo, foram penhorados os rendimentos d'este convento e arrematados em praça pelo proprio credor, sendo o producto das rendas consignado ao pagamento de juros e amortisação da referida divida, na importância de 9 995$000 réis.
Cumprindo ao governo manter a execução do disposto na lei de 9 de junho de 1883, que concedeu á associação das irmãs hospitaleiras a posse do edifício e cerca d'aquelle convento, resolveu em 1885 dar aunualmente ao referido credor pelas despezas eventuaes de beneficencia publica a quantia de 635:3000 réis, preço representativo do valor dos rendimentos arrematados, assegurando assim á dita associação a posse, que lhe era disputada, dos referidos bens.
Para fazer cessar esse estado provisorio que de mais representa para o estado um encargo superior áquelle que advirá da medida, que tenho a honra de vos propor, pois que o referido credor se presta a dar quitação do seu credito, que actualmente monta a 9:000$000 réis approximadamente, pela quantia de 7:000$000 réis, e reconhecido, alem de tudo, que ao estado como successor nos bens das extinctas congregações religiosas, pertence responsabilidade das respectivas dividas; tenho a honra de levar á consideração da camara dos senhores deputados a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a distratar pela quantia de 7:000$000 réis a divida de que ao extincto convento das Trinas de Mocambo era credor Cesar Augusto Macedo, e pela qual corre execução no juízo da comarca de Lisboa, obrigando-se o credor a dar quitação geral da referida divida, e fazer relaxar as respectivas penhoras.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 3 de maio de 1887. = João Luciano de Castro.

N.º 107-G

Senhores. - No artigo 418.° do codigo administrativo, approvado por decreto de 17 de julho de 1886, preceitua-se que, emquanto não for estabelecida a nova tabella dos emolumentos a que se refere o artigo 354.° § unico, continue a applicar-se a tabella em vigor, e, com respeito aos tribunaes administrativos, a que está junta ao mesmo codigo.
As despezas com os ordenados dos vogais dos tribunaes administrativos e agentes do ministerio publico e com as gratificações aos secretarios dos mesmos tribunaes, foram fixadas, como é expresso no artigo 422.° do codigo administrativo, em quantia equivalente á que as juntas geraes despendiam com as gratificações das commissões executivas e dos extinctos conselhos de districto, no intuito de não sobrecarregar aquellas corporações com despezas mais
avultadas, nem de onerar o orçamento do estado com maiores encargos desde que para elle fossem transferidas taes despezas.
A exiguidade d'esta remuneração levou o governo a decretar a tabella de emolumentos que está junta ao referido codigo, os quaes, como se declara no artigo 284.° § unico, são divididos igualmente entre os vogaes dos tribunaes administrativos e os agentes do ministerio publico, depois de satisfeitas as despezas do expediente.
Esta tabella, posta em vigor pelo artigo 418.º do codigo administrativo, é porém provisoria, e não taxa emolumentos por actos analogos aos que nos processos civeis estão por lei estabelecidos.
Esta desigualdade não deve persistir, principalmente tendo-se em consideração a tenuidade dos ordenados que percebem os vogaes dos tribunaes administrativos e agentes do ministerio publico, sendo por conseguinte necessario estabelecer nova tabella, que augmente a remuneração d'estes magistrados.
Com frequencia têem os empregados dos governos civis representado ás camaras legislativas e ao governo, pedindo augmento de vencimentos por serem insuficientes á sua sustentação os que actualmente auferem. No intuito de melhorar as condições d'estes funccionarios sem augmentar a despeza do estado, de dar melhor remuneração aos administradores de concelho e respectivos secretarios, e bem as-

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sim de crear receita para as juntas geraes e juntas de parochia por actos analogos aos que são taxados com emolumentos para os secretarios das camaras, proponho tambem algumas alterações nas tabellas em vigor.
Resumidamente exporei as rasões que justificam os differentes capitulos da tabella que proponho.

CAPITULO I

Emolumentos dás juntas geraes

Pareceu-me conveniente estabelecer os emolumentos designados n'este capitulo para crear receita para a junta geral. Os actos taxados não devem ser gratuitos para que os empregados não sejam sobrecarregados com serviço de mero interesse particular.

CAPITULO II

Emolumentos das secretarias das camaras municipaes

Comparando este capitulo com o IV da tabella annexa ao codigo administrativo de 1842, ainda em vigor, ha a notar que se augmenta a rasa nas certidões, e que se cria emolumento pelo registo de minas e pelos termos de declaração de nacionalidade e domicilio. Com estes augmentos se compensa a eliminação dos alvarás de licenças, mencionados na tabella do codigo de 1842.
O actual codigo administrativo acabou com as licenças para venda nos concelhos, que o artigo 111.° n.° 7.° do codigo de 1878 auctorisava, porque esta industria está sujeita á contribuição industrial e só póde ser collectada com a percentagem addicional que for votada pela camara.
Alem disto, com fundamento na tabella do codigo de 1842, ha escrivães de camaras que exigem emolumentos por quaesquer licenças que ellas concedam, comprehendendo até as licenças para alinhamentos e edificações, sem embargo do preceito do artigo 60.° do decreto de 31 de dezembro de 1864.
Por estes motivos elimina-se a referida verba, e em compensação criam se os emolumentos acima indicados.
Dos autos, a que se refere o n.° 7.° d'este capitulo, são exceptuados de emolumentos os que forem relativos a aforamentos e remissões de que tratam as leis de 28 de agosto de 1869 e 21 de abril de 1873. Os emolumentos continuam a pertencer ao secretario da camara, como presentemente.

CAPITULO III

Emolumentos das juntas de parochia

Com Os emolumentos estabelecidos n'este capitulo cria se receita para as juntas de parochia, e melhoram-se os vencimentos dos respectivos secretarios. Nos autos a que se refere o n.° 4.° não se comprehendem os aforamentos de que trata a lei de 28 de agosto de 1869.

CAPITULO IV

Emolumentos das secretarias dos governos civis

N'este capitulo propõem-se emolumentos iguaes para todos os governos civis, acabando portanto a distincção estabelecida na tabella annexa ao codigo de 1842 entre o governo civil de Lisboa e dos outros districtos, convindo notar que a tabella do governo civil de Lisboa já é extensiva ao do Porto na parte omissa na tabella geral, conforme se declara na portaria de 30 de abril de 1842. Elimina-se a distincção para augmentar os emolumentos dos empregados dos governos civis, os quaes têem por vezes reclamado que se melhorem os seus vencimentos.
A differença que presentemente existe é injustificável, porque os ordenados dos empregados do governo civil de Lisboa são maiores que os dos empregados dos outros governos civis, e porque, se é maior o numero de empregados entre os quaes se dividem os emolumentos, ha tambem muitos mais actos que auctorisam a sua percepção.
Os emolumentos designados nos tres primeiros números deste capitulo são os da tabella annexa ao decreto de 17 de julho de 1871, relativos ao governo civil de Lisboa, mas no 11.º 4.° faz-se uma alteração á mencionada tabella, a qual designa o emolumento de 400 réis pelos bilhetes de residencia, seja qual for o tempo da concessão, ao passo que as tabellas annexas ao codigo do 1842 e ao regulamento de 7 de abril de 1863 estabeleciam o emolumento de 800 réis. Na tabella proposta o emolumento é de 400 réis pelos bilhetes até seis mezes, e 800 réis até um anno.
Os emolumentos sob o n.° 5.° é o da tabella annexa ao código de 1842 com a ampliação resultante do artigo 243.° do codigo administrativo e do artigo 253.° § 1.° do codigo penal.
Os emolumentos pelas licenças a que se referem os n.ºs 6.°, 7.°, 8.º e 11.º são iguaes aos da tabella annexa ao codigo do 1842. As leis de 14 de maio de 1872 e 10 de abril de 1875 conservaram estas licenças para os effeitos administrativos, como se declara na portaria de 14 de junho de 1877, e por isso parece exorbitante a doutrina das portarias de 4 de novembro de 1870 e 21 de maio de 1879 porque os emolumentos creados por lei não podem ser extinctos ou cerceados pelo governo.
Pelas licenças sob n.ºs 9.º, 10.º, 13.° e 14.° augmenta-se a taxa estabelecida no n.° 17.° do capitulo I da tabella annexa ao codigo de 1842. Determinando-se n'este capitulo competir ao governador civil passar os bilhetes de residencia e as licenças de que tratam os n.ºs 4.º a 12.º, com referencia á capital do districto, modifica-se a disposição do artigo 243.º do codigo administrativo, o qual limita a excepção aos concelhos de Lisboa e Porto, como já preceituava o artigo 205.º do codigo de 1878, mas esta modificação é justificada para augmentar os emolumentos dos empregados dos outros governos civis.
Os restantes numeros d'este capitulo não carecem de explicações. Quanto á divisão dos emolumentos pelos empregados dos governos civis adopta se um systema que parece mais justo e proporcional que o estabelecido no artigo 383.º do codigo administrativo de 1842.

CAPITULO V

Emolumentos das secretarias das administrações de concelhos ou bairros

As alterações propostas n'este capitulo têem por fim melhorar a remuneração dos administradores de concelho, a qual diminuiu consideravelmente com a transferencia das execuções fiscaes para o poder judicial, em virtude da lei de 21 de maio de 1884.
Importa notar o augmento da verba n.° 20, porque, pelos bilhetes de residencia, paga se actualmente, segundo a tabella annexa ao decreto de 17 de julho de 1871, igual á do regulamento de 7 de abril de 1863, o emolumento de 40 réis, ao passo que na premente tabella se propõe o emolumento de 200 réis até seis mezes e 400 réis até um anno. Os emolumentos por licenças correspondem aos do capitulo relativo aos governos civis e pouco differem dos estabelecidos na tabella do codigo de 1842.
No emolumento sob o n.° 15.°, termos e autos em processos administrativos, comprehendem-se, por exemplo, os de tomada de contas de legados pios, conforme dispõem os decretos de 5 de novembro de 1851 e 24 de dezembro de 1852.
Como ainda continuam perante os administradores de concelho as execuções administrativas por contribuições municipaes, parochiaes e congruas, e mesmo, em virtude da lei de 21 de maio de 1884, correm os processos de exe-

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cuções fiscaes em Lisboa e Porto perante os respectivos administradores, por isso se estabelece que os emolumentos nas execuções administrativas sejam regulados pela tabella judicial em vigor, mas com as modificações estabelecidas no artigo 22.° do decreto de 21 de abril do 1886.
N'este capitulo não se mencionam os emolumentos que são cobrados nas repartições de fazenda, e que se dividem entre o administrador e o respectivo escrivão conforme a tabella n.º 2 annexa ao regulamento da administração da fazenda publica de 4 de janeiro de 1870, porque só se trata de emolumentos cobrados nas secretarias das administrações de concelho ou bairro. Os emolumentos continuam a ser divididos como actualmente.

CAPITULO VI

Emolumentos das regedorias de parochia

São obvias as alterações propostas neste capitulo á tabella annexa ao codigo de 1842. Eliminam-se os autos de arrematação de bens da parochia, por ser assumpto, alheio ás attribuições do regedor, e incluem-se os autos de arrolamento para caucionar espolios ou heranças. Os emolumentos são divididos por igual entre o regedor e respectivo secretario.

CAPITULO VII

Emolumentos dos tribunaes administrativos

N'este capitulo propõem-se emolumentos pelos differentes actos do processo contencioso perante os tribunaes administrativos, com excepção dos assumptos mencionados nos n.ºs 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.°, 8.° e 9.º do artigo 288.° do codigo administrativo, porque estes, em virtude da sua natureza, devem ser isentos.
Igual isenção deverá applicar se aos processos relativos ao recrutamento e ás contribuições do estado e municipaes ou parochiaes, a que se referem os n.ºs 12.°, 13.°, 14.° e 15.° do artigo 288.º, mas com respeito a estes processos proponho os emolumentos dos n.ºs 14.º, 15.º e 16.° n'este capitulo, para augmentar a remuneração dos vogaes dos tribunaes administrativos, pois com os actuaes vencimentos não podem subsistir. Seria preferível augmeutar os seus ordenados dispensando-se os emolumentos propostos, salvo os que constam da tabella annexa ao codigo administrativo; mas não querendo sobrecarregar o orçamento do estado, parece me indispensavel que só adopte a tabella proposta, com as modificações que se julgarem couve mentes, a fim de que os vogaes dos tribunaes administrativos tenham os necessarios meios de subsistencia e com elles a precisa independencia.
Na tabella junta ao codigo administrativo não se fixou o maximo dos emolumentos pelo julgamento das contas dos corpos administrativos e das corporações de piedade e de neficencia, porque, segundo a legislação que vigorava ao tempo da publicação do codigo, as contas cuja receita excedesse a 10:000$000 réis eram julgadas pelo tribunal de contas; ao passo que presentemente, em virtude do decreto n.° 2 de 20 de julho de 1886, não pertence ao referido tribunal julgar as contas das corporações de piedade e beneficencia nem as das camaras municipaes dos concelhos de segunda e terceira ordem, qualquer que seja a sua receita.
É, pois, necessario fixar o maximo dos emolumentos pelo julgamento das referidas contas, ao que se attendeu no n.° 14.° da tabella proposta.
Os secretarios dos tribunaes têem bastante trabalho e responsabilidade como contadores, e, como é diminuta a sua gratificação, proponho que recebam os emolumentos designados sob os n.ºs 22.°, 23.° e 24.º da tabella.
As restantes disposições d'este capitulo não carecem de explicação.

Disposições geraes

N'estas disposições estabelece-se, entre outros preceitos, que os emolumentos, salarios e sellos dos processos, que deixarem de ser pagos pelas partes, sejam cobrados executivamente, e que o respectivo delegado do procurador regio promova a execução, porque, sem esta providencia, analoga á da tabella dos emolumentos e salarios judiciaes, em muitos casos deixariam elles de cobrar-se.
As considerações que ficam expostas, bastam para justificar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º Nas secretarias das juntas geraes, camaras municipaes, juntas de parochia, governos civis, administrações de concelhos ou bairros, regedorias e tribunaes administrativos só podem cobrar se os emolumentos mencionados na tabella junta.
Ari. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Ministerio do reino, 4 de junho de 1887. = José Luciano de Castro.

TABELLA DE EMOLUMENTOS

CAPITULO I

Emolumentos das juntas geraes

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO II

Emolumentos nas secretarias das camaras municipaes

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO III

Emolumentos das juntas de parochia

[Ver tabela na imagem]

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CAPITULO IV

Emolumentos nas secretarias dos governos civis

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO V

Emolumentos nas secretarias das administrações dos concelhos e bairros

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

CAPITULO VI

Emolumentos nas regedorias de parochia

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO VII

Emolumentos dos tribunaes administrativos

[Ver tabela na imagem]

Disposições geraes

Nas certidões fará a parte o preparo equivalente ao papel sellado e a um terço do orçamento da rasa.
Nas vistorias, exames e avaliações preparar-se-ha com a importancia total d'estas dilligencias.
O ministerio publico, os administradores de concelho ou bairro e es escrivães de fazenda são exceptuados de preparar, e bem assim do pagamento de emolumentos, salarios e sellos dos processos, em que forem partes, mas a este pagamento ficam obrigados as partes contrarias, quando vencidas, se não estive em isentas por lei.
Com respeito á percepção de emolumentos, observar-se-hão, na parte applicavel, as disposições geraes da tabella dos emolumentos e salarios judiciaes.
Nas diligencias em que haja caminhos, serão contados os respectivos emolumentos e salarios em conformidade do artigo 355.° do codigo administrativo.
As buscas serão contadas do ultimo anno para os anteriores, excepto quando as partes requeiram que se siga a ordem inversa, e designando se o anno contar-se-ha uma só busca.
Os emolumentos, salarios e sellos dos processos, que deixarem de ser pagos pelas partes, serão cobrados executivamente, servindo de base á execução uma certidão narrativa da conta, que para este effeito será remettida ao respectivo delegado do procurador regio.

Ministerio do reino, 4 de junho de 1887. = José Luciano de Castro.

N.º 107-H

Senhores. - A instrucção do sexo feminino não póde merecer menos solicitude dos poderes publicos que a do sexo masculino.
Basta considerar a influencia incontestavel da mulher da familia e na sociedade, e attender ás aptidões especiaes de que é dotada, e de que tem dado exuberantes provas no exercicio de alguns cargos e de diversas profissões artisticas, industriaes e commerciaes, para desde logo se reconhecer a imporiosa necessidade e alta conveniencia de se lhe ministrar uma instrucção positiva e pratica, que lhe fortifique o juizo e orne a intelligencia a fim de poder cumprir a elevada missão que a natureza lhe destinou na ordem social.
Esta instrucção não deve terminar na escola primaria

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elementar, nem ainda na complementar, para as classes media e superior; precisa de mais largos horisontes, de maior copia de conhecimentos litterarios e technicos que habilitem a mulher, não só a satisfazer os sagrados deveres de filha, de esposa, de mãe e de dona de casa, no seio da familia, mas tambem a seguir com vantagem e proveito commum as carreiras para que as suas qualidades predominantes ou as suas disposições naturaes de espirito a convidem, no meio da sociedade.
A proposta de lei que tenho a honra de submetter á vossa illustrada discussão, contém as bases em que me parece possível assentar o ensino secundario do sexo feminino no paiz.
A par da instrucção litteraria geral, combinada com o estudo das linguas vivas e das artes do desenho e da musica, estabelece, no curso que se propõe, o ensino das sciencias nas suas applicações mais geraes e uteis. Dando-se assim á mulher uma apropriada cultura moral, intellectual e scientifica, segue-se o exemplo que nos offerecem as nações que occupam um logar eminente na civilisação moderna, e adopta-se o plano geralmente recebido na organisação d'este importantissimo ramo da educação publica.
Para a fundação dos novos institutos, exige-se o concurso e a cooperação dos districtos e dos concelhos, por que no meio das difficuldades da nossa situação economica e financeira não seria possível de outro modo dotar o paiz com este necessario melhoramento.
Não se fixa o logar onde deva ser estabelecido cada instituto, por se entender que a suacreação só deverá ser decretada, e poderá produzir verdadeiros e uteis resultados, depois de reconhecida a sua necessidade em certas terras de maior população, e preenchidas que sejam todas as condições e os accordos indispensaveis para regular a parte economica e administrativa de taes instituições.
Com referencia á admissão e frequencia do curso, o internato, que tão rijas discussões tem levantado pró e contra entre os mais doutos e experimentados dedagogistas e hygienistas, é declarado facultativo para o caso em que o governo a pedido das corporações que intervierem na fundação dos institutos, julgue conveniente estabelecel-o, dadas todas as garantias de boa administração e regimen, e sem maiores encargos para o thesouro.
Na impossibilidade de se encontrarem professoras convenientemente habilitadas para desde já regerem todas as disciplinas que constituem o curso de que se trata, recorre-se ao sexo masculino, onde será mais facil recrutar o pessoal de que se carecer. Nas cidades, sédes de lyceus e de outros estabelecimentos de ensino superior ou especial, poderão os professores respectivos ser encarregados, mediante pequena gratificação, da regencia de algumas d'aquellas disciplinas.
Nos regulamentos que o governo opportunamente publicará, com o voto auctorisado da corporação incumbida de o elucidar e aconselhar nos negocios do ensino, serão estatuidas as providencias necessarias para a completa organisação dos institutos e conveniente execução do pensamento que presidiu á proposta, para que peço a vossa esclarecida approvação, e que é a seguinte:
Artigo 1.° Serão estabelecidos nas localidades em que se julgar conveniente institutos destinados exclusivamente ao ensino secundario do sexo feminino.
Estes institutos serão creados pelo governo com o concurso das juntas geraes do districto e das camaras municipaes dos concelhos onde forem estabelecidos.
Art. 2.° Aos institutos de que trata o artigo antecedente serão admittidas alumnas externas.
§ unico. Poderão ser tambem admittidas alumnas internas quando as corporações que concorrerem para a fundação do instituto assim o requeiram e haja accordo entre ellas e o governo, ouvidas as estações competentes.
Art. 3.° O ensino comprehende:
1.° Moral e religião;
2.° Lingua e litteratura portugueza;
3.° Lingua franceza;
4.° Geographia e historia;
â.° Mathematica elementar e sciencias physico-naturaes;
6.° Hygiene e economia domestica;
7.° Desenho;
8.° Musica;
9.° Gymnastica;
Trabalhos de agulha.
§ 1.° Alem da lingua franceza, que é obrigatoria, poderão as alumnas aprender as linguas ingleza ou allemã, que são facultativas.
§ 2.° O ensino será ministrado por professores ou professoras.
Art. 4.° Em cada instituto haverá uma directora de nomeação regia, a quem incumbe o governo e administração do estabelecimento.
§ unico. A superintendencia e inspecção dos institutos, comprehendidos n'uma circumscripção academica, competem ao inspector de instrucção secundaria da mesma circumscripção.
Art. 5.º A duração dos cursos; a distribuição das materias de ensino; a organisação dos programmas; a administração, frequencia e exames das alumnas; as propinas de matricula, exames e diplomas, e as regras da administração economica e disciplinar dos institutos de que trata a presente lei, serão fixadas em regulamentos especiaes, que o governo fica auctorisado a decretar com o voto da secção permanente do conselho superior de instrucção publica.
Art. 6.° O estado, os districtos e os municípios poderão subsidiar estabelecimentos particulares, onde se ensinem as materias que constituem os cursos officiaes dos institutos de ensino secundario do sexo feminino, uma vez que os directores e professores sejam approvados pelo governo.
Estes estabelecimentos ficam para todos os effeitos sujeitos á inspecção superior.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio do reino, 4 de junho de 1887. = José Luciano de Castro.

N.° 107-I

Senhores. - Ninguem hoje contesta a necessidade de se attender na organisação geral e completa dos estudos secundarios a duas ordens de factos sociaes, a duas civilisações distinctas, posto que ambas constitutivas da vida dos povos cultos.
Na sciencia humana, diz um eminente pedagogista, ha para considerar o util e o bello. O amor da sciencia pela sciencia produz a civilisação moral; o amor da sciencia pelas proveitos que d'ella resultam, cria a civilisação material. A educação publica deve basear-se n'estes dois elementos para que possa corresponder ao seu elevado fim.
Garantir por um lado uma solida cultura litteraria e philosophica aos que as suas disposições naturaes designam para o exercício das profissões liberaes, ou desejam entrar na vida activa com o espirito fortificado por brilhantes e
severos estudos; e proporcionar por outro lado uma cultura geral e adequada áquelles que intentam dedicar-se a determinada carreira de serviço publico, ou ás profissões especiaes da industria, do commercio ou da agricultura, é um
dever indeclinavel do estado, uma exigencia imperiosa da evolução nas sociedades modernas.
Os lyceus ou estabelecimentos que ministram o ensino classico ou litterario satisfazem á primeira parte d'esta exigencia; á segunda parte devem acudir institutos ou cursos de outra especie, moldados pelas escolas reaes da Allemanha, pelas escolas technicas da Italia, pelo ensino especial da França, ou pelo ensino profissional da Belgica.
Sem entrar na questão, sempre debatida e nunca resolvida, dos limites a que devem circumscrever-se os estudos clássicos e os estudos scientificos; pondo de parte o difficil problema da necessidade da união ou separação dos

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institutos correlativos, e acceitando a organisação actual do ensino secundário entre nós, mais litterario que utilitario, visto que a tradição, os hábitos e as tendências desde muito levam os nossos alumnos a frequentar a instrucção superior, como titulo exclusivo para obterem os cargos e as honras da republica, sendo que por isso poucos seguem os cursos dos estabelecimentos technicos ou profissionaes, e ainda assim com deficientes habilitações preparatórias, o governo entendeu que, em satisfação de uma necessidade da epocha actual e como ensaio, devia estabelecer, annexos aos lyceus de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga, cursos de ensino secundário especial, destinados a difundir os conhecimentos mais úteis e indispensáveis para diversas carreiras e situações da vida, dando maior desenvolvimento às sciencias e às linguas vivas.
N'este intuito foi formulada a proposta de lei, que tenho a honra de apresentar a vossa illustrada approvação.
Parece-me que o melhoramento proposto poderá fácil e utilmente realisar-se sem gravame para o thesouro publico. O producto das matriculas nos termos do artigo 5.° da proposta de lei será sufficiente para cobrir a despeza que custará a creação dos quatro cursos na importância de réis 6:700$000, numeros redondos, calculando que entre alumnos internos e estranhos teremos annualmente de 400 a 500 nos respectivos lyceus.
O recrutamento do pessoal sem maior remuneração do que aquella que é proposta, não offerecerá dificuldade, porque nas cidades onde são estabelecidos os novos cursos encontram-se professores competentes, que se prestarão a reger as diversas disciplinas desses cursos cumulativamente com as que professam nos respectivos estabelecimentos.
A administração e governo dos propostos cursos, sendo exercida pelos funccionarios que superintendem nos respectivos lyceus, tambem nenhum onus traz para os cofres do estado.
Espero, pois, que obterá a vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Junto a cada um dos lyceus de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga o governo estabelecerá, como instituição parallela e independente, um curso de ensino secundário especial destinado a diffundir noções úteis aos usos ordinários da vida e a preparar aptidões para as carreiras profissionaes, nomeadamente as agrícolas, commerciaes e industriaes, e para diversos empregos da administração publica.
Art. 2.° O curso de ensino secundário especial não durará menos de quatro annos, nem comprehenderá menos das seguintes disciplinas:
1.ª Lingua e litteratura portugueza;
2.º Lingua franceza;
3.ª Lingua ingleza ou allemã;
4.ª Historia e geographia;
5.ª Arithmetica, contabilidade, algebra e geometria;
6.ª Historia natural, physica e chimica;
7.ª Administração, legislação e economia política;
8.ª Desenho.
§ 1.° O francez é a lingua fundamental, o inglez ou allemão a língua complementar. Como lingua complementar poderá o governo introduzir no plano de estudos do curso especial o ensino do italiano.
§ 2.° Ao novo curso será opportunamente acrescentado o ensino de gymnastica e do canto coral.
§ 3.° O ensino das matérias mencionadas neste artigo, e das mais que se lhes juntarem, terá, quanto possível, intuitos utilitários e práticos com applicação aos usos geraes da vida social e às funcções a que é destinado. Para este fim o governo ministrará os meios, instrumentos de estudo e todo o material necessario ao novo instituto.
Art. 3.° Para a regência das disciplinas indicadas no artigo antecedente, o governo, precedendo proposta da secção permanente do conselho superior de instrucção publica, nomeará provisoriamente e em com mis são, alem do professor de desenho, quatro professores dos respectivos lyceus ou de instrucção superior ou especial da sede dos mesmos lyceus; devendo cada professor reger duas disciplinas ou partes de disciplinas em diversos annos do curso.
§ único. O professor de desenho receberá pelo serviço a seu cargo a gratificação de 200$000 réis por anno lectivo, e cada um dos professores das demais disciplinas a gratificação de 300$000 réis tambem por anno lectivo.
Art. 4.° O governo decretará em regulamento especial a distribuição das disciplinas pelos annos do curso, as habilitações para a matricula e frequência das aulas; a forma, processo e epocha dos exames de passagem e finaes ; as instrucções sobre administração e policia escolar, e todas as mais providencias necessárias para a execução da presente lei.
Art. 5.° As propinas de matricula, de exames e de cartas do curso de ensino secundário especial, assim como os emolumentos de secretaria serão os mesmos que se acham estabelecidos pela legislação actual para os alumnos internos e estranhos dos lyceus.
Art. 6.° Os empregados menores dos lyceus respectivos desempenharão cumulativamente o serviço que actualmente lhes pertence e as funcções que lhes forem designadas em virtude da creação dos novos cursos, mediante remuneração extraordinária igual a um terço do seu ordenado actual.
Art. 7.° O curso de ensino secundário especial fica sujeito á superintendência do inspector da respectiva circumscripção académica e ao reitor do lyceu, a que está annexo.
§ único. Ao conselho escolar do curso, composto dos respectivos professores e presidido pelo reitor do lyceu, compete o governo e administração interna do mesmo curso.
Art. 8.° O governo determinará opportunamente as funcções publicas para o exercício das quaes é indispensável a carta do curso de ensino secundário especial, bem como as garantias concedidas aos alumnos que obtiveram esse diploma.
§ único. Passados quatro annos depois de organisado o curso de ensino secundário especial nos termos desta lei, a respectiva carta será habilitação indispensável para a matricula nos cursos superiores dos institutos industriaes e commerciaes de Lisboa e Porto.
Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministério do reino, 4 de junho de 1887. = José Luciano de Castro.

N.º 107-K

Senhores. - A necessidade de reformar a lei de 24 de julho de 1885, que regulou a eleição da parte electiva da camara dos pares, é hoje reconhecida por todos quantos se empenham sinceramente no aperfeiçoamento do regimen eleitoral, e no progresso das instituições administrativas.
A experiencia encarregou-se de mostrar com factos irrefutáveis que sem grave prejuízo da administração publica não podem chamar-se os delegados das camarás municipaes e juntas geraes de districto a tomar parte na eleição dos representantes do paiz na camara dos pares. Essa importante, mas perigosa attribuição conferida a corporações destinadas pela sua índole peculiar a gerirem no só interesse dos seus constituintes os negócios de administração local, veio transformal-as a em assembléas politicas, onde sobre todas as outras considerações preponderam as conveniências eleitoraes.
Desde a sua origem as vão seguindo e acompanhando os partidos, diligenciando affeiçoal-as ao seu exclusivo ideal, e subordinando ao êxito das suas ambições todos os dictames de boa administração. Não se favorece a eleição dos mais sabedores, dos mais competentes, dos mais experimentados, dos que reúnem melhores condições de aptidão para o governo dos municípios ou dos districtos; esco-

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lhem-se antes os que tem o seu nome arrolado nos registos partidários, os beneméritos das luctas eleitoraes, os que pela dedicação pessoal, ou pela cega obediência aos preceitos da disciplina, melhores garantias offerecem á victoria de determinadas candidaturas.
Desta sujeição dos interesses públicos às conveniências politicas, resulta para os partidos a necessidade de intervirem sob o seu ponto de vista na renovação dos corpos, a que a lei confiou uma parte importante na organisação dos collegios eleitoraes, e que por esse motivo, e pela influencia que, em rasão do numero e qualidade das suas faculdades, já exercem nas respectivas circumscripções, podem decidir do resultado da eleição.
Para pôr termo a esta situação, que prejudica gravemente o paiz, convem privar os corpos administrativos de toda a interferência na constituição das assembléas politicas, deixando-os exclusivamente entregues aos cuidados do governo municipal ou districtal. Com isso não padecerá a representação nacional, e deve lucrar grandes vantagens a administração do reino.
Posto de parte pelas considerações que ficam expostas o regimen eleitoral estabelecido na lei de 24 de julho de 1885, e tendo sido adoptada no ultimo acto addicional à eleição indirecta para a parte electiva da camara dos pares, afigurou-se-me que deveria confiar aos mesmos eleitores, que elegem a camara dos deputados, a escolha dos delegados, que em cada circulo hão de designar os pares de eleição.
Fácil é de justificar este alvitre. Desde, que a lei considera idóneos os cidadãos em certas condições para o exercicio do direito eleitoral com relação a uma das camarás, precisamente aquella que mais larga iniciativa deve exercer na gerencia do estado, não ha fundamento plausível para os averbar de suspeitos, ou lhes contestar a competência quando se trata de eleger uma parte da camara dos pares. O principio em que se firma o direito de eleger, é o mesmo n'um e n'outro caso.
E para que as duas camarás não sejam a inutil reproducção do mesmo pensamento, e a fira de que a camara dos pares possa ser como que uma segunda instancia legislativa onde as questões sejam revistas e ponderadas com a indispensável madureza e reflexão sob o aspecto dos interesses geraes e permanentes do paiz, e não á luz das paixões ou conveniências partidárias, basta que sejam diversas as condições de elegibilidade para as duas assembléas parlamentares, e que a área das circumscripções seja muito mais ampla para a eleição dos pares do que a estabelecida com relação aos deputados. Estas differenças serão sufficientes para lhe imprimir o caracter do representante dos princípios conservadores do estado, e lhe dar a força e a auctoridade indispensável para se oppor às imprudências, e corrigir as precipitações da primeira camara. Este é o systema admittido e praticado na Bélgica com feliz êxito ha mais de cincoenta annos. Ainda ali se não viram os seus inconvenientes; antes, agitando-se nos últimos annos neste paiz a questão do suffragio eleitoral, e empenhando-se vivamente uma parte do partido liberal na substituição do regimen censitário pelo da capacidade, já adoptado para a eleição das corporações municipaes e districtaes, nem as fracções mais avançadas daquelle partido se lembraram de pedir a substituição da lei que regula a constituição do senado. Este exemplo mostra bem que a modificação, que proponho, não deve inspirar sérios receios entre nós.
E importa não esquecer que não se trata senão de regular a eleição de uma parte da camara dos pares, e que os seus membros, que compõem as outras duas partes, por não estarem sujeitos às contingências das luctas politicas, podem influir consideravelmente na opinião e nas tendências da assembléa a que pertencem.
As outras modificações propostas decorrem naturalmente da que fica exposta. Conferido aos eleitores dos deputados
o direito de elegerem os delegados que têem de proceder á eleição dos pares, parece-me que não só a conveniência de não obrigar os delegados a percorrerem grandes distancias, mas ainda a necessidade de agremiar os concelhos que melhor se conhecem, e mais ligados estejam entre si pela communidade de interesses, e pela frequência de relações, aconselha a divisão dos actuaes districtos nos círculos eleitoraes, que constam do mappa junto á proposta de lei.
Por análogas considerações se propõe a modificação da eleição dos pares dos estabelecimentos scientificos. A instituição de um collegio único em Lisboa obriga os delegados dos estabelecimentos existentes fora da capital a incommodos e despezas perfeitamente dispensáveis. A experiência mostra que as eleições a que se tem procedido, são o resultado de combinações entre os delegados desses estabelecimentos por maneira que sempre, tanto os de Lisboa, como os do Porto e Coimbra, teem alcançado igual numero de representantes. Podem, pois, sem inconveniente, reunir-se os delegados de cada um daquelles grupos de estabelecimentos no local onde estes funccionam, e ahi fazer a eleição dos pares que lhes pertencem. E isso o que se propõe.
Antes de concluir devo advertir que me limito a propor a alteração da lei de 24 de julho de 1880, sem modificar as suas bases, não só porque essa reforma importaria matéria constitucional, que não cabe nas attribuições das actuaes cortes, senão tambem por não ter decorrido ainda o tempo necessario para se poder assentar opinião sobre a necessidade de substituir a organisação recentemente estabelecida.
Senhores: são estas as alterações que julguei dever propor-vos no modo de eleger a parte electiva da camara dos pares. Para o seu exame chamo toda a vossa attenção. É sempre grave o que respeita a mudanças nos processos adoptados para exprimir a vontade do paiz. E, pois que se trata do exercício dos mais importantes direitos dos cidadãos, e da representação parlamentar dos partidos, convém que se ouçam todas as opiniões, e que com o seu concurso se procure assegurar quanto possivel a genuína emissão do voto popular, e o melhoramento das instituições eleitoraes. Com este intuito, acceitarei sem difficuldade quaesquer modificações que na discussão se apresentem e que possam concorrer para o aperfeiçoamento da proposta de lei, que submetto ao vosso esclarecido exame.

PROPOSTA DE LEI N.° 1

Disposições geraes

Artigo 1.° Dos pares electivos, de que trata a lei de 24 de julho de 1885, serão eleitos 45 pelos círculos eleitoraes constantes do mappa annexo a esta lei, e 5 pelos estabelecimentos scientificos.
Art. 2.º São elegíveis os cidadãos portuguezes, que se acharem no goso dos seus direitos civis e políticos, e que tendo mais de quarenta annos de idade, estiverem comprehendidos nalguma das categorias mencionadas no artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, e no artigo 1.° da lei de 21 de julho de 1885, salvo o disposto no artigo seguinte.
Art. 3.° A importância do rendimento fixada no artigo 1.° da lei de 21 de julho de 1885 é reduzida de 4:000$000 a 2:400$000 réis.
Art. 4.° Os 45 pares, de que trata o artigo anterior, serão eleitos por collegios eleitoraes reunidos nas sedes dos respectivos círculos.
Art. 5.° Os collegios eleitoraes são compostos dos delegados eleitos em cada concelho.
§ 1.° Nos concelhos de menos de 3:000 fogos serão eleitos 2 delegados. Nos de mais de 3:000 fogos, e nos bairros de Lisboa e Porto serão eleitos 3 delegados.
§ 2.° A eleição será feita pelos mesmos cidadãos, que teem o direito de eleger os deputados.

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Art. 6.° Não poderão ser eleitos pares:
1.° Os governadores civis nos círculos comprehendidos nos respectivos districtos;
2.° Os administradores de concelho nos círculos a que pertencerem os respectivos concelhos;
3.° Os juizes dos tribunaes de segunda instancia nos círculos comprehendidos nos districtos da sede das respectivas relações, e os juizes de direito da primeira instancia nos círculos a que pertencerem as respectivas comarcas ;
4.° Os commandantes das divisões militares nos círculos comprehendidos nas respectivas divisões.
Art. 7.° A eleição de pares pelos estabelecimentos scientificos será feita em três collegios, que se reunirão em Lisboa, Porto e Coimbra, e que serão compostos de delegados dos seguintes estabelecimentos: universidade de Coimbra, escola polyteclmica de Lisboa, academia polytechnica do Porto, escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, curso superior de letras, escola do exercito, escola naval, instituto geral de agricultura, institutos industriaes de Lisboa e Porto, academia real das sciencias e conselhos dos lyceus centraes.
§ 1.° A universidade elegerá 15 delegados, 3 por cada faculdade; a escola polytechnica de Lisboa e a academia polytechnica do Porto elegerão cada uma õ delegados, 3 por cada classe; todos os outros estabelecimentos elegerão 3 delegados cada um.
§ 2.° Os três collegios mencionados neste artigo serão constituídos pelos delegados eleitos pelos estabelecimentos pertencentes a cada um dos mencionados collegios.
§ 3.° Os collegios de Lisboa e Coimbra elegerão 2 pares cada um e o do Porto 1.

Da eleição

Art. 8.° A eleição de pares pelos círculos eleitoraes verificar-se-ha no dia que for designado por decreto do governo, nos termos do artigo 15.° da lei de 24 de julho do 1885.
§ único. No caso de eleição conjuncta da camara dos deputados e da parte electiva da camara dos pares, a eleição dos pares só poderá realisar-se quinze dias depois da eleição dos deputados.
Art. 9.° A eleição de delegados municipaes verificar-se-ha quinze dias antes do fixado para a eleição dos pares.
§ único. No caso do § único do artigo anterior, a eleição dos delegados verificar se ha no mesmo dia designado para a eleição de deputados, e conjunctamente com esta.
Art. 10.° O apuramento será feito na sede do concelho três dias depois do fixado para a eleição, devendo a assembléa de apuramento ser presidida pelo presidente da commissão do recenseamento.
§ 1.° Na eleição e apuramento dos delegados observar-se-hão as disposições legaes applicaveis á eleição e apuramento dos deputados.
§ 2.° As actas da eleição são igualmente applicaveis as disposições dos g§ 6.°, 7.° e 8.° do artigo 20.° da lei de 24 de julho de 1885.
§ 3.° Os portadores das actas, no caso do § único do artigo 9.°, poderão ser os das actas da eleição dos deputados, ou outros membros das mesas eleitoraes.
Art. 11.° Poderão ser eleitos delegados municipaes todos os cidadãos elegíveis para deputados.
§ único. Os protestos ou reclamações contra a eleição dos delegados por motivo de inelegibilidade, ou por irregularidades no processo eleitoral, serão interpostos para o respectivo tribunal administrativo no praso de três dias depois da eleição, e provisoriamente resolvidos dentro de cinco dias.
Art. 12.° Três dias antes de designado para a eleição dos pares, reunir-se-hão os collegios eleitoraes pelas dez horas da manhã no edifício da camara municipal da sede do circulo, ou quando esta não tenha a precisa capacidade, no edifício, que para esse fim for designado pelo respectivo governador civil.
§ único. Observar-se-hão nas reuniões dos collegios eleitoraes as disposições dos artigos 24.°, 25.° e § único do artigo 26.° da lei de 24 de julho de 1885.
Art. 13.° Reunidos os delegados é constituida a mesa provisória, que será composta de um presidente e dois secretários, sendo aquelle é mais velho, e estes os dois mais novos dos delegados presentes, proceder-se-ha á eleição da mesa definitiva, que será igualmente composta de um presidente e dois secretários eleitos por maioria e por escrutínio secreto.
Art. 14.° Constituida a mesa definitiva, o presidente apresentará fechadas e lacradas as actas e mais papeis, que nos termos do §2.° do artigo 10.° lhe devem ter sido remettidas pelos presidentes dos collegios municipaes. Os delegados apresentarão igualmente os seus diplomas.
Art. 15.° Proceder-se-ha á verificação de poderes na conformidade dos artigos 29.° § 1.°, 30.° n.os 1.°, 2.°, 5.° e § único e artigo 31 da lei de 24 de julho de 1885.
Art. 16.° É absolutamente defezo aos collegios eleitoraes annullar as actas com o fundamento de inelegibilidade ou de ter havido alguma nullidade no recenseamento, na formação das mesas, ou no processo eleitoral, ou com qualquer outro que não seja a falta de authenticidade dos diplomas expressamente especificada no n.° 2.° do artigo 30.° da lei de 24 de julho de 1885.
Art. 17.° Se o collegio eleitoral reconhecer que o portador do diploma não é o próprio, ou que o seu diploma não é authentico, ou lhe não competia, por não ser o mais votado, mandará chamar o delegado eleito a tomar parte nos seus trabalhos.
Art. 18.° São extensivas aos collegios eleitoraes na parte applicavel as disposições dos artigos 35.° § único, 36.°, 37.°, 38.°, 39.°, 40.°, 41.°, 42.°, 43.°, 44.°, 45.° e 46.° da lei de 24 de julho de 1885.

Da eleição pelos estabelecimentos scientificos

Art. 19.° Na eleição dos pares pelos estabelecimentos scientificos observar-se-hão no que for applicavel as disposições dos artigos 47.°, 48.°, 49.° e 50.° § único da lei de 24 de julho de 1885.
Art. 20.° Aos delegados effectivos e supplentes será applicavel o disposto no § único do artigo 12.°
Art. 21.° Os delegados reunir-se-hão nas sedes dos respectivos collegios, em Lisboa, Porto e Coimbra.
§ 1.° Em Lisboa a reunião será na sala da academia real das sciencias, no Porto no local escolhido pelo director mais antigo dos estabelecimentos scientificos ali existentes, e em Coimbra no local que for designado pelo reitor da universidade.
§ 2.° Quanto á constituição das mesas provisórias e definitivas, de verificação de poderes, e eleição, observar-se-ha o que vae disposto com relação aos collegios municipaes, salvo no que respeita aos delegados supplentes de qualquer estabelecimento scientifico, que só substituirão os effectivos do mesmo estabelecimento.

Disposição geral

Art. 22.° Ficam em vigor as disposições da lei de 24 de julho de 1885, que respeitam á verificação de poderes dos pares eleitos, e as disposições penaes, devendo applicar-se aos collegios eleitoraes o que ali se dispõe com relação aos collegios districtaes e especial.
Art. 23.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministério do reino, 4 de junho de 1887. = José Luciano de Castro.

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[Ver tabela na imagem]

(a) Embora menos populosa, é mais central que Monsão.
(b) Coincide com o circulo plurinominal de deputados.
(c) E menos distante dos outros concelhos do que Macedo de Cavalleiros.
(d) Estes circules são bastante desiguaes em população, mas não parece fácil agrupar por outra forma os respectivos concelhos.
(e) Os fogos de Lisboa são calculados approximadamente.
(f) Os fogos de Lisboa são calculados approximadamente.
(g) Parece ser preferível a Loulé por ser mais central.

Ministério do reino, 4 de junho de 1887. = José Luciano de Castro.

N.º 107-L

Senhores. - A proposta de lei que temos a honra de submetter ao vosso esclarecido exame, tem por rim alterar a legislação vigente sobre recrutamento militar.
Escusado é evidenciar a urgência desta reforma. São tão notórios os abusos, e tão frequentes as fraudes, que têem viciado na execução o pensamento das leis e disposições regulamentares, que desde 1805 até hoje têem sido successivamente publicadas, que nos consideramos dispensados de adduzir argumentos e colligir informações para pôr em relevo a indispensabilidade da sua prompta modificação.
Desde longos annos que o serviço do recrutamento tem sido aproveitado como instrumento poderosíssimo de preponderância política, e influído por maneira funesta na administração do reino. Pois que este é um encargo simultaneamente odiado e temido da grande maioria das nossas povoações, que às maiores exigências se submettem, e todos os sacrifícios antepõem ao de pagar essa divida sagrada á defeza da pátria, fácil é de ver quanto será intenso o empenho de illudir a lei, e como serão apreciados os serviços dos que apadrinham taes pretensões.
Por um lado a emigração clandestina, que tem alcançado até hoje refugir às mais severas prevenções legaes, e por outra parte à acção dos influentes políticos, e das relações pessoa es sobre os encarregados deste importantíssimo ramo de administração, tem difficultado por tal maneira o recrutamento das forças de terra e mar, que não raro faltam nos corpos os elementos indispensáveis para occorrer ás mais urgentes necessidades do serviço.
É enorme a divida de recrutas. E cada vez mais se avolumará se não se cortarem pela raiz as causas que obstam ao exacto cumprimento das leis. E para que estas se removam, ou pelo menos attenuem, não basta inserir na legislação vigente novos princípios, confirmados na pratica de outras nações exemplares na organisação da força publica; é preciso estudar e conhecer bem as rasões que impediram ás leis existentes de produzir os seus benéficos effeitos, e applicar-lhes, com reflectido critério, os mais avisados e salutares correctivos.
A nosso juízo, não virá a melhoria do serviço de recrutamento de exclusivamente se decretar o serviço pessoal e obrigatório e o recrutamento regional. Sem outras, e porventura mais instantes providencias accessorias ou complementares, aquellas boas e proveitosas innovações ficarão malogradas na execução em face das contradicções, que lhe hão de oppor os costumes públicos, a tradição administrativa, e a quasi inexpugnável relutância do nosso povo a desempenhar-se das obrigações militares, como actualmente lhe são impostas.
Deve ser encargo de todos os cidadãos validos a defeza do reino; mas esse principalissimo dever póde e deve ser conciliado com todas as concessões às exigências da vida particular, que não sejam inteiramente incompatíveis com
o interesse publico. Que á constituição das forças defensivas doestado se dê quanto lhe seja essencial, justo é; mas tambem não poderá contestar-se que em tudo quanto não seja absolutamente reclamado por essa indeclinável necessidade, se deva dar satisfação às conveniências da familia, da industria, da sciencia, e de todas as grandes manifestações do trabalho.
Isto é o que têem procurado realisar na organisação dos seus exércitos as nações mais I Ilustradas, onde o serviço militar não é como entre nós quasi exclusivamente o encargo dos que por desvalidos de recursos, ou desamparados de protecções, não conseguem escapar ao pagamento do mais pesado imposto, que o estado lhes exige.
Igualar quanto possível esse imposto, suavisar o seu pagamento sem prejuízo da boa constituição do exercito, diminuir-lhe as asperezas, fazel-o quasi attractivo, e sympathico, esse deve ser o ideal dos que são chamados a entender na solução destes graves problemas de administração publica. Esse é tambem o pensamento fundamental da proposta de lei, que vos apresentamos.
Assim propomos que seja adoptado o serviço pessoal e obrigatório. Não se entenda porém destas palavras que todos os mancebos com a robustez necessária, e com a idade fixada na lei, sejam obrigados a servir nas fileiras durante o tempo do serviço legal, como póde afigurar-se aos que não alcançam bem a exacta significação daquellas palavras. Não carecem só de soldados os estados regularmente constituídos. Têem de prover a outras necessidades, e de acudir às exigências da industria, ao desenvolvimento da riqueza publica, ao progresso das sciencias e das lettras. Da concorrência de todos esses poderosos instrumentos de desenvolvimento e de progresso, se alimenta e avigora o organismo social.
Assim é que por serviço pessoal e obrigatório se deve entender que são excluídas as remissões e as substituições por inconciliáveis com a obrigação do serviço militar igualmente prescripta a todos os cidadãos ; mas a generalidade e o rigor daquelle principio não vae até prohibir as concessões que sem dispensarem totalmente a certas classes de indivíduos o cumprimento do dever militar, lhes exigem apenas o serviço compatível com as suas faculdades, ou com a sua peculiar situação.
E, na verdade, não sendo iguaes as condições e os recursos de todos os que a lei não dispensa de tomar armas em defeza commum, não é muito que a uns se imponha integra a obrigação de servir no exercito, e que nos outros se proporcione e accommode desempenho das suas responsabilidades às circumstancias especiaes, em que se acham. Aqui a igualdade absoluta, sem qualquer modificação, applicada pelo mesmo teor a indivíduos collocados em desiguaes condições, daria de si manifesta injustiça.
As remissões e as substituições não devem consentir-se, porque dando por subsistente a capacidade para o exerci-

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cio da profissão militar, auctorisam a sua subrogação por dinheiro ou por homens, o que em todo o caso representa um privilegio outhorgado á fortuna, ou um onerosissimo sacrifício imposto aos menos favorecidos da sorte.
Mas o principio da obrigação pessoal não repelle que, postas de lado as remissões e substituições, se permitia aos mancebos collocados em circumstancias excepcionaes, determinadas e taxadas na lei, que satisfaçam a sua divida ao paiz com menos rigor, e por modo mais consentâneo ao seu estado. D'ahi a concessão dos adiamentos, e dispensas estabelecidas nos artigos 39.° e 40.° da proposta de lei, que sujeitamos ao vosso exame.
Em todas essas disposições sempre subsiste a obrigação do serviço militar; mas attenuam-se as asperezas desse encargo auctorisando o seu cumprimento na reserva.
Por esta maneira se attende quanto possivel às necessidades da agricultura, da industria e do commercio, aos interesses da sciencia e das letras, e às conveniências da família.
Não propomos o voluntariado de um anno, como no projecto de 1880, por nos parecer que nas condições de instrucção e despezas com o que era proposto, não produziria entre nós os resultados que noutros paizes têem aconselhado a sua creação. A experiência tem-se incumbido de provar que esta instituição, destinada a modificar o rigor do serviço obrigatório, pelos abusos, a que tem dado logar, mais se ha convertido num fácil privilegio concedido aos abastados, do que II um meio regular e plausível de conciliar os interesses da instrucção e da cultura scientifica e litteraria com as exigências do dever militar.
Em Franca tal é o effeito da applicação da lei de 1872 nesta parte, que na reforma da legislação do recrutamento, que ali se está elaborando, se omitte já o voluntariado de um anno, em cujos excellentes resultados tanta fé se havia posto, ao trasladal-a dos costumes e da organisação germânica para as novas instituições militares d'aquelle paiz.
Não renovámos, pois, a proposta do voluntariado de um anno; mas propomos que depois de dezeseis annos, e antes de attingirem os vinte, os que tiverem a robustez necessária e que se alistarem voluntariamente, possam, depois de um anno de serviço effectivo, fazer um exame pratico, em que se mostrem perfeitamente sabedores dos exercícios de companhia, de esquadrão ou de bateria, obtendo no caso de approvação a sua passagem á primeira reserva. E igual para todos esta concessão. Não se exigem condições de instrucção nem de fortuna. Não ha privilégios nem excepções. Quer-se apenas generalisar a educação militar e proporcionar a todos os cidadãos os meios de remirem a obrigação do serviço effectivo com um pequeno e fácil sacrifício, antes da idade em que de ordinário o tempo é indispensável para complemento de estudos, ou para o exercício das profissões ou carreiras escolhidas.
Com o voluntariado de um anno, com as trocas de números, e as substituições entre irmãos, com o serviço regional e o licenceamento regular e methodico de toda a força dispensável, e com os adiamentos e dispensas a que já nos referimos, fica por tal modo suavisada a applicação do serviço pessoal, que não podem considerar-se plausíveis quaesquer oppugnações que surjam a contrariar a sua adopção.
Acabadas as remissões, importava substituir a receita que d'ellas a teria o thesouro. A essa indicação se acudiu com a creação de uma taxa militar módica sobre todos os que não podem prestar a obrigação do serviço militar, ou della são temporariamente dispensados. Justo é, de feito, que os que não entram nas fileiras do exercito, compensem com a sua quota tributaria a falta do serviço pessoal. Assim será, quanto possivel, restabelecida a igualdade entre uns e outros.
A pouco mais de 300:000$000 réis tem subido o rendimento proveniente das remissões, incluindo nesta importancia o producto das remissões dos annos em divida, que excepcionalmente foram auctorisadas por providencias especiaes. Faltam-nos subsídios e estatísticas regularmente organisadas para calcular com precisão o resultado da nova taxa, mas se se attender a que, embora modesta, ella não é paga por uma só vez, mas se prolonga por tantos annos, quantos os que o contribuinte era obrigado a servir no exercito, e se por outro lado se considerar que é grande o numero dos que lhe ficam sujeitos, fácil será concluir que a receita resultante da sua applicação será muito superior á das remissões.
A taxa militar tem em seu favor o exemplo e a experiência de algumas das nações mais cultas da Europa, como são a Suissa, a Áustria Hungria, a Romania e a Servia. E no projecto de lei apresentado á camara dos deputados em França pelo general Boulanger, como ministro da guerra, é igualmente proposta a creação de uma taxa militar com incidência análoga á que submettemos á vossa deliberação. Propomos que a nova taxa seja fixa, e annualmente votada pelas cortes. Mais justo seria que fosse proporcional á quota de contribuições paga pelos recrutados, com exclusão dos indigentes. Esse alvitre exigiria, porém, um processo fiscal de lançamento e repartição, com reclamações até os tribunaes superiores, que augmentaria consideravelmente trabalho, e avolumaria a escripturação das repartições publicas.
Por outra parte seria difficil accommodar aquella taxa ao systema das nossas contribuições. Se a fossemos assentar sobre a quota de contribuições directas geraes, districtaes e municipaes, não só nos escapariam todos os rendimentos sujeitos aos impostos indirectos, mas ainda viriam a reflectir-se na nova contribuição todas as desigualdades e injustiças das contribuições vigentes. Uma imposição modesta, que pela sua exiguidade possa ser facilmente supportada pelas menos avantajadas fortunas, pareceu-nos que não suscitaria fundadas resistências, nem daria occasião a racionáveis impugnações.
A legislação vigente auctorisa as remissões por meio de uma quantia fixa, sem attenção á differença das fortunas, e a experiência ensina-nos que esse meio de satisfazer o tributo militar tem sido geralmente acceito pelo paiz. E pois que a taxa é animal, poderá ser modificada em vista dos seus resultados, se estes mostrarem a necessidade ou conveniência da sua alteração. O que agora se propõe é uma tentativa e uma innovação, e n'estas deve o legislador proceder com a discripção e prudência essenciaes para não suscitar repugnancias, que ainda quando infundadas, são difficeis de vencer.
Para tornar mais fácil e rápida a mobilisação do exercito, e mais suave e acceitavel o serviço militar, estabelece-se no artigo 2.° da proposta de lei o recrutamento regional, ou o que vale o mesmo, a divisão do paiz em circumscripções territoriaes de recrutamento. No relatório do projecto sobre recrutamento, que em 1880 foi apresentado á camara dos srs. deputados, a que atraz nos referimos, dizia-se:
«Com effeito, dividido e subdividido assim o território em diversas regiões, em harmonia com a densidade da população e repartida por ellas a força do exercito de modo que os mancebos recrutados prestem em tempo de paz o serviço militar na sua província, no seu districto e muitas vezes no seu próprio concelho e até na sua freguezia, ficarão separados das famílias apenas por horas de caminho, não tendo já que soffrer as saudades de prolongadas ausências; por outro lado, as povoações do campo terão occasião de se certificar de que é errada a idéa que fazem dos trabalhos da vida militar e do tratamento que nella se recebe, podendo conhecer que a vida da caserna é mais suave que a da agricultura, e que o tratamento dado ao soldado está longe daquelle que a tradição lhes tem feito acreditar.
«Tudo isto exercerá a mais efficaz influencia sobre o es-

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pirito da população, acabando com a aversão que tem para entrar nas fileiras, e tornará o sacrifício menos pesado.
«E ao mesmo tempo que se consegue este importante resultado, é claro que a parte do contingente que em cada anno passa á vida civil, conservar-se-ha próxima do seu corpo, brigada e divisão, tornando rápida a mobilisação, quando surja a necessidade de chamar as reservas. Este systema, alem das vantagens que ficam expostas, tem ainda a de ser económico, porque reduz muitíssimo as despezas de transporte com os mancebos que o exercito recebe e com as praças que passam á reserva, evitando ainda a necessidade de construir edifícios próprios a empregar guardas para os depósitos de armamento, fardamento e mais material para os reservistas, porquanto tudo isto poderá ficar a cargo dos regimentos.
«Outra economia e vantagem importante para o serviço resultará da methodica e regular distribuição da força publica, podendo-se reduzir esta força e o numero dos destacamentos.»
Estas considerações, ainda hoje nos parecem concludentes em favor do recrutamento regional. Todavia não desconhecemos que se para o serviço das reservas são unisonas todas as opiniões em favor daquella idéa, divergem muito os pareceres no que toca ao serviço no exercito activo. Os que lhe são adversos receiam que com o recrutamento regional venha a padecer a unidade nacional, que em caso de guerra certas regiões soffram mais do que outras, e que sejam muito mais difficeis as mobilisações parciaes.
Sem contestar absolutamente a força dalgumas destas objecções, os defensores do recrutamento regional, allegam que o actual regimen não evita inteiramente os indicados inconvenientes, e argumentam com a feliz experiência das outras nações, fazendo sobresair as vantagens provenientes do melhor conhecimento que os soldados têem dos seus chefes, e da maior força de cohesão, que por este systema adquirem os regimentos.
Em vista do que fica exposto pareceu-nos que devia-mos propor-vos esta importante modificação na legislação vigente.
Pelo artigo 6.° da proposta vereis que com relação á lei de 27 de julho de 1855 se adianta um anno a obrigação de prestar o serviço militar. Esta antecipação tem sido adoptada com vantagem noutros paizes, e afigura-se-nos que não terá inconvenientes entre nós porque se acautela a eventualidade de não possuírem alguns mancebos a capacidade e robustez indispensáveis, adiando-se o seu alistamento até 3 annos.
A disposição do artigo 56.°, pela qual os mancebos, que excederem o contingente annual, e que não tiverem sido isenptos ou dispensados, são obrigados a preencher as vacaturas occorridas no effectivo do exercito, ou da marinha até ao sorteamento do anno immediato, vem pôr termo ao vexame auctorisado pela actual legislação, de serem compellidos ao serviço militar mancebos recenseados e sorteados muitos annos antes, e chamados a preencher um contingente, que desde longo tempo devia estar completo.
Pelo artigo 12.° manda-se entrar todo o contingente na mesma epocha. Esta disposição permitte a instrucção dos recrutas, em grandes escolas, e não é indifferente sob o ponto de vista da administração da fazenda.
Na constituição das juntas de revisão são propostas modificações importantes. A experiência tem mostrado que as commissões creadas pela lei de 21 de maio de 1884 não produziram os resultados que o legislador anteviu.
O augmento de despeza, que proveio da organisação daquellas commissões não foi compensado por tão accentuada melhoria no serviço das inspecções, que não devamos pensar em modifical-as, ou substituil-as. Por isso se propõe que acabem as commissões ambulantes, que percorriam as comarcas, e se estabeleçam juntas inspectoras nas sedes dos districtos, em que seja largamente representado o elemento militar. Como meio de corrigir as injustiças das inspecções, se institue uma segunda instancia extraordinária, a que possam recorrer tanto os particulares, como os representantes da auctoridade publica. A simples possibilidade deste recurso bastará para impor a obediência á lei, e o respeito da justiça aos que se sentirem propensos a desviar-se da linha recta do dever por quaesquer sugestões de amisade ou dependência.
Senhores. - Do que fica exposto, e do exame da proposta de lei, que temos a honra de vos apresentar, vereis que a reforma contida nesta proposta assenta nas seguintes bases:
Abolição das remissões e substituições;
Serviço pessoal e obrigatório, com troca de números, e substituição entre irmãos;
Recrutamento regional, e licenciamento regular e methodico de toda a força disponível do exercito.
Adiamentos e dispensas do serviço effectivo, com sujeição ao serviço da reserva;
Voluntariado de um anno, permittindo-se a passagem á primeira reserva depois de um exame pratico dos exercícios militares;
Creação de uma taxa militar, paga por todos os que não prestarem serviço no exercito activo.
Modificação das juntas de revisão, e do julgamento das reclamações;
Antecipação de um anno na idade legal do recenseamento.
Afiguram-se nos por tal maneira importantes estas reformas, que não duvidámos affirmar que da sua approvação resultará uma profunda e salutar transformação das nossas instituições militares. Aperfeiçoadas pelo vosso elevado critério, e melhoradas pelo detido e cuidadoso exame que dellas sem duvida fareis, temos fé que não só não encontrarão resistências justificadas, mas que hão de merecei-os applausos do paiz.
Recrutamento dos exércitos de terra e mar

CAPITULO I

Disposições geraes

Artigo 1.° O recrutamento para as forças de terra e mar, a que são sujeitos todos os cidadãos portuguezes em virtude do artigo 113.° da carta constitucional, será feito por meio de recenseamento e sorteio, pelo modo estabelecido na presente lei.
Estas forças compõem-se :
1.° Dos indivíduos alistados no exercito activo e na marinha de guerra;
2.° Dos indivíduos classificados nas reservas de terra e mar;
3.° Dos corpos de qualquer força armada legalmente organisados.
Art. 2.° Para satisfazer methodica e regularmente á conservação destes ramos da força publica, á substituição periódica dos seus elementos e á ampliação e reforço dos seus quadros no caso de guerra, é o governo auctorisado a fazer as necessárias alterações nas divisões militares territoriaes e a dividir o paiz em districtos do recrutamento em relação á densidade da população, devendo cada circumscripção corresponder a uma unidade do exercito activo.
Art. 3.° Só póde fazer parte do exercito ou da marinha de guerra o indivíduo nascido portuguez ou naturalisado como tal.
Art. 4.° O serviço militar é obrigatório e pessoal nos termos desta lei.
§ 1.° Ficam prohibidas as remissões e substituições. Exceptuam-se as substituições entre irmãos.
§ 2.° E permittida a troca de números entre os mancebos apurados para o serviço militar no mesmo concelho ou bairro e dentro do mesmo anno.
Art. 5.° A obrigação legal de prestar o serviço militar

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começa no anno em que os mancebos completarem vinte annos de idade.
§ único. É permittido a qualquer mancebo, depois de completar os dezeseis annos, tendo a altura e robustez necessárias, antecipar o seu alistamento.
Art. 6.° O tempo de serviço effectivo é de três annos para o exercito e de seis para a marinha, contado desde o dia em que o mancebo se apresentar no corpo, navio ou deposito a que for destinado.
§ 1.° O tempo de serviço na reserva continua a ser de cinco annos na primeira reserva, e de quatro na segunda. Na armada será de três annos.
§ 2.° Todo o indivíduo que, como praça de pret, ou como pensionista, receber educação em qualquer estabelecimento de instrucção do estado, fica obrigado a servir por seis annos, quer conclua ou não o curso desse estabelecimento.
§ 3.° Os menores de vinte annos e maiores de quinze com destino a aprendizes de musica, de ferrador, de corneteiros, tambores e clarins poderão alistar-se no exercito pelo espaço de oito annos, comtanto que tenham a robustez própria da idade, e que intervenham no seu alistamento as pessoas com provada capacidade juridica para os representar.
§ 4.° Nas mesmas condições e com igual obrigação poderão alistar-se no serviço naval os mancebos que se destinarem a segundos grumetes ou corneteiros.
§ 5.° O tempo que a mais de três annos servirem no effectivo os individuos de que trata o § 2.° deste artigo, será em compensação deduzido daquelle que hajam de permanecer na reserva.
§ 6.° Os individuos de que tratam os § 3.° e 4.° ficam dispensados do serviço na segunda reserva.
Art. 7.° Com a proposta de fixação da força de terra e mar apresentará o governo às cortes a do contingente annual para o serviço no exercito, que será preenchido com os mancebos voluntários, com os refractários e compellidos, com os readmittidos hábeis nos termos desta lei, e com os designados pela sorte.
Art. 8.° O contingente annual depois de votado pelas cortes e dividido pelos districtos do recrutamento, será repartido entre os concelhos de cada districto pelas juntas geraes, ou commissões districtaes, e entre as respectivas freguezias pelas commissões de recenseamento, em relação ao numero de mancebos recenseados para o serviço militar.
Art. 9.° Da força, que constitue o exercito activo e a marinha, será licenceada durante a paz a, que poder ser dispensada do serviço sem damno da instrucção e educação militar, em conformidade com as disposições seguintes:
§ 1.° O governo fixará pelo ministerio da guerra as epochas em que annualmente podem ser concedidas licenças registradas às praças de pret, tendo em vista os interesses da agricultura.
§ 2.° As licenças só poderão ser concedidas às praças que tiverem mais de seis mezes de serviço effectivo, preferindo os soldados casados, e os que se empregarem nos trabalhos agrícolas.
§ 3.° Estas licenças serão concedidas pelos commandantes dos corpos sob proposta dos commandantes das companhias ou baterias, segundo o numero fixado pelos commandantes das divisões, de forma que corram por todos os que não tiverem culpas, e as merecerem pela sua instrucção e bom comportamento, tendo em attenção as preferencias determinadas no paragrapho antecedente.
Art. 10.° Continua em vigor o disposto no decreto de 30 de outubro de 1884 ácerca da passagem para a reserva das praças, que tiverem completado o tempo de serviço.
§ único. As praças que servirem em navios estacionados fora dos portos do continente do reino, e às do regimento do ultramar em guarnição nas colónias, só póde ser concedida passagem para a reserva, quando cheguem áquelles navios ou guarnições as praças, que hão de substituir as que devem ter aquelle destino, devendo este, serviço ser feito no mais curto praso, que for possível.
Art. 11.° Aos mancebos chamados ao serviço activo, quando já inscriptos na reserva, será deduzido o tempo, que estiverem nesta situação, d'aquelle que aiudaali devam permanecer depois do mesmo serviço.
Art. 12.° As operações de recenseamento, recurso, revisão e sorteio serão feitas de maneira, que todo o contingente annual para o serviço activo entro nas fileiras até ao dia 31 de dezembro do anno em que se deu principio ao recenseamento.
Art. 13.° As operações de recurso e revisão precedem as do sorteio, effectuando-se este unicamente entre os mancebos admittidos e julgados aptos para o serviço militar.
Art. 14.° Nenhuma reclamação para a isenção, dispensa ou por qualquer outra causa poderá ser attendida nem mesmo recebida, quando deixe de ser apresentada dentro dos prasos marcados nesta lei, salvos os casos designados no § 7.° do artigo 30.° desta lei.
Art. 15.° As commissões e tribunaes, a quem pertencerem as operações de recenseamento e recurso, terão o direito de chamar perante si, nos termos e com a sancção estabelecida na legislação geral do reino para os tribunaes judiciaes, todas as pessoas que lhes aprouver, para o fim de lhes pedir, com respeito a taes assumptos, quaesquer informações, que ellas serão obrigadas a prestar debaixo de juramento.
Art. 16.° As despezas com o recenseamento são encargos municipaes, e todo o processo de recenseamento, revisão e sorteamento, comprehendendo as reclamações, os recursos, os documentos com que umas e outros forem instruídos, as petições que a tal respeito se fizerem, e o que nos tribunaes se resolver, segundo as disposições desta lei, será escripto em papel não sellado.

CAPITULO II

Recenseamento

Art. 17.° A base para a inscripção dos mancebos no recenseamento é o domicilio.
Art. 18.° Na determinação do domicilio observar-se-hão as regras seguintes:
1.ª O domicilio dos menores não emancipados é o de seus pães, tutores, ou pessoas de quem legitimamente dependam;
2.ª O domicilio dos menores solteiros emancipados é o de seus pães, tutores ou pessoas de quem legitimamente dependiam antes da emancipação;
3.ª O domicilio dos menores casados é o da sua própria residência, segundo as regras geraes de direito;
4.ª O domicilio dos mancebos nascidos e residentes na parochia, que não tiverem pae, mãe ou tutor, é o da sua residência.
5.ª O domicilio dos mancebos residentes na parochia, que não estiverem comprehendidos em nenhuma das regras precedentes, e não mostrarem terem sido recenseados noutra parochia, é o da sua residência.
6.ª O domicilio dos mancebos que não residam no reino e cujos pães ou tutores tambem estiverem ausentes, ao tempo das operações do recenseamento, é o da freguezia da sua naturalidade.
§ 1.° Não se considerará interrompido o domicilio de um mancebo em qualquer concelho ou bairro, quando elle o deixar accidentalmente para dedicar-se aos estudos ou á aprendizagem de alguma arte ou officio.
§ 2.° Não será reconhecida, para os effeitos do recenseamento, a mudança de domicilio, que, alem das mais condições exigidas no artigo 44.° do código civil, não seja feita três annos antes da epocha em que começam as operações do recenseamento.

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§ 3.° Os mancebos que não poderem provar que estão comprehendidos em algumas das regras estabelecidas neste artigo, serão recenseados até aos trinta annos onde forem encontrados na epocha do recenseamento.
Art. 19.° Para facilitar a determinação do domicilio todo o cidadão nascido portuguez, ou estrangeiro naturalisado, deve, logo que seus filhos varões completem os dezoito annos de idade, fazel-o constar á administração do bairro ou á camara municipal do concelho. Desta communicação se lhe passará recibo.
§ 1.° O mesmo encargo cabe às mães viuvas, tutores ou a quem representa a auctoridade paterna.
§ 2.° Na falta de pae, má e ou tutor, ou ainda existindo estes, os mancebos de dezenove annos de idade podem fazer a declaração de que trata este artigo.
§ 3.° Igual obrigação é imposta respectivamente aos parochos e regedores em relação aos mancebos domiciliados na respectiva freguezia, bem como aos directores de hospícios, administradores ou provedores de misericórdia, ou outros estabelecimentos desta natureza, e aos administradores de concelho ou bairro, no que for relativo a registo civil.
Art. 20.° As operações do recenseamento e sorteio serão incumbidas, em cada um dos bairros das cidades de Lisboa e Porto, a uma commissão composta de um vereador da camara, que "servirá de presidente, de dois cidadãos elegíveis para vereadores e de dois outros, havendo-os, que sejam pães ou tutores de mancebos, que estejam servindo no exercito, ou recenseados no respectivo anno, e sujeitos a serem chamados a este serviço.
Tanto o vereador como os quatro vogaes serão nomeados pela camara, ou pela sua commissão executiva.
§ 1.° Nos differentes concelhos do reino, a commissão será composta do presidente da camara, que presidirá, e de quatro cidadãos designados pela camara ou pela sua commissão executiva nas mesmas condições d'este artigo.
§ 2.° Não havendo indivíduos que sejam pães ou tutores de mancebos que estejam servindo no exercito recairá a nomeação entre os cidadãos elegíveis para vereadores.
§ 3.° Nas commissões concelhias e nas de bairro servirão respectivamente de secretários, o escrivão da camara e o da administração, ambos sem voto, e a elles pertence autenticar os actos da commissão.
Art. 21.° As commissões concelhias funccionam nos paços municipaes, e as de bairro nas casas da administração, em audiência publica, tendo a primeira sessão na primeira quinta feira do mez de janeiro e as demais nos dias marcados pelo presidente.
Art. 22.° Os administradores do concelho ou bairro assistem ao recenseamento com voto consultivo, e ao sorteio, devendo prestar aos recenseadores todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, e promover com efficacia que as commissões concluam os seus trabalhos no mais curto praso, vigiando ao mesmo tempo que a lei seja cumprida com a mais estricta pontualidade.
§ único. Assistirão tambem quando se tratar do recenseamento dos seus comparochianos os regedores de parochia e os parochos, que apresentarão aos recenseadores todas as informações que elles pedirem.
Art. 23.° O recenseamento de cada anno é feito pelas commissões, com referencia ao dia 1.° de janeiro, com os seguintes elementos:
1.° As relações feitas em vista das declarações a que se refere o artigo 19.° e seus paragraphos;
2.° Pela inscripção dos mancebos comprehendidos no § único do artigo 38.°, e em conformidade com a ultima parte do mesmo paragrapho;
3.° Pela inscripção dos mancebos addiados nos termos do artigo 39.°
4.° Pela inscripção de todos os mancebos que, pelos registos civis parochiaes, ou por informações, se conhecer, deviam ser recenseados nos últimos dez annos, e que pordolo, malícia ou omissão não foram comprehendidos nos nove recenseamentos anteriores.
§ 1.° Será feito, por freguezias, um caderno ou lista dos mancebos recenseados, a começar pelas mais remotas, e em cada uma por ordem alphabetica. Em Lisboa e Porto esta lista será substituída pela lista geral do bairro em que as parochias estão situadas.
§ 2.° O caderno de recenseamento terá termos de abertura e encerramento, ambos assignados pela commissão. Todas as suas folhas serão numeradas e rubricadas pelo presidente.
Art. 24.° Na falta de registo parochial, que por qualquer accidente desapparecesse do cartório, ou quando haja qualquer omissão no mesmo registo, os parochos, juntamente com os regedores e duas testemunhas, formarão a relação dos mancebos nascidos e residentes na parochia que se supponha haverem chegado á idade legal.
Art. 25.° Os recenseamentos estarão concluídos no fim do mez de fevereiro e ficarão patentes em todo o mez de março, .e bem assim as copias delles por freguezias, que serão affixadas nas portas das igrejas parochiaes e nos logares do costume em todo o referido mez.
Art. 20.° As commissões, durante a epocha da organisação do recenseamento e da exposição delle, averiguarão onde residem os indivíduos inscriptos, e haverão certidões de óbito daquelles que souberem ser fallecidos.
Art. 27.° Aos mancebos residentes no concelho, em domicilio próprio ou no das pessoas de quem dependerem, far-se-hão as notificações no acto do recenseamento.
Aos ausentes far-se-hão as notificações por éditos publicados na sede concelho e nas parochias da naturalidade.
Art. 28.° As commissões de recenseamento acceitarão quaesquer esclarecimentos ou informações que a auctoridade administrativa, os directamente interessados ou qualquer outra pessoa lhes queiram espontaneamente dar, com relação ao trabalho de que estão encarregadas.
§ único. As informações e esclarecimentos prestados por quaesquer pessoas particulares ou funccionarios públicos de que trata este artigo, não eximem em caso algum os recenseadores da sua responsabilidade sobre este assumpto.
Art. 29.° As commissões de recenseamento examinarão escrupulosamente se as relações de que trata o artigo 23.° foram fielmente extrahidas dos registos parochiaes, e se nestes se contém algum nome que deixasse do ser trasladado para as mesmas relações; e notarão tambem se nas folhas desses registos, sempre em relação ao nome de que se tratar, ha differenças na numeração de paginas e na rubrica dellas; se as ha na cor e qualidade do papel, e nas marcas da fabrica que o produziu; se na escripturação ha rasuras, emendas nos nomes, nos sexos e nas datas, e, finalmente, qualquer indicio de adulteração da verdade.
§ 1.° Reconhecido qualquer destes vícios, fará a commissão levantar auto de noticia, que remetterá ao juizo de direito da comarca.
§ 2.° Os agentes do ministerio publico, depois do despacho exarado no requerimento desta commissão, levantado o auto de noticia e recolhidas as provas, promoverão o processo e condemnação dos falsificadores de documentos ou daquelles que, contra as prescripções da lei, tentarem fazer esquivar do recrutamento os mancebos que são chamados em virtude della ao serviço dos exércitos de mar e terra.

CAPITULO III

Reclamações contra o recenseamento

Art. 30.° Durante todo o mez de março poderão ser apresentadas às commissões de recenseamento do concelho ou bairro, todas as reclamações contra a inscripção ou omissão de qualquer cidadão indevidamente feita, ou con-

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tra o modo como tiverem qualificado a cada um nas casas do caderno de recenseamento.
§ 1.° Podem reclamar por indevida inscripção no recenseamento:
1.° Os mancebos recenseados fóra do seu domicilio legal;
2.° Os recenseados fora da idade prescripta na lei.
§ 2.° Deve reclamar por motivo de omissão o administrador do concelho, e podem reclamar pelo mesmo motivo quaesquer interessados.
§ 3.° Podem reclamar por motivo de exclusão os comprehendidos no artigo 37.°
§ 4.° Podem reclamar por motivo de isenção:
1.° Os comprehendidos no artigo 38.°;
2.° Os que já tiverem prestado a obrigação do serviço militar.
§ 5.° Estas reclamações serão feitas pelo proprio interessado ou por qualquer cidadão com relação a terceiro, ou pela auctoridade publica respectiva, e em um só requerimento se poderá reclamar por muitos ou por todos os que se julgarem prejudicados.
§ 6.° Estas reclamações serão sempre feitas por escripto, devidamente assignadas e instruidas com quaesquer documentos que lhes sirvam de prova, devendo o presidente da commissão inscrever em todas as reclamações o dia em que as recebeu e passar d'ellas recibo com igual data.
§ 7.° As reclamações de que tratam os §§ 1.° e 3.°, e os que tiverem por fundamento o fallecimento dos recenseados podem ser apresentadas em qualquer tempo.
§ 8.° Todas as auctoridades ou repartições publicas serão obrigadas a passar gratuitamente e com preferencia á qualquer outro serviço, as copias ou documentos que se lhes requererem, para o effeito das reclamações, a tempo que possam aproveitar aos interessados para instruirem os seus requerimentos.
Art. 31.° Quando os mancebos recenseados ou às pessoas que os representam, reclamem contra a inscripção do seu nome no recenseamento feito em um concelho ou bairro, apresentando certidão de que tambem o foram em outro concelho ou bairro, deverá prevalecer o recenseamento do domicilio
§ único. A commissão apenas receba a reclamação, dará d'ella conhecimento áquella que passou a certidão, a fim de que o reclamante não seja abatido em mais de um recenseamento.
Art. 32.° As commissões de recenseamento apreciarão, durante o praso mencionado no artigo 30.°, o valor dos documentos e das provas que forem recebendo, e procederão às diligencias que possam ser necessarias para informarem as reclamações; indicando no caderno do recenseamento e na casa correspondente ao mancebo reclamante, o fundamento legal da sua reclamação. Os processos relativos às reclamações deverão estar instruidos até ao fim do mez de março.
Art. 33.° O caderno do recenseamento, depois de notadas as reclamações, estará patente até ao dia 10 de abril, na mão do secretario das commissões, d'esde as nove horas da manhã até às tres da tarde, a todas as pessoas que o quizerem examinar, às quaes poderão d'elle tirar copias, e fazel-as authenticar por quaesquer officiaes publicos na forma das lei;
Art. 34.° As commissões de recenseamento, depois de informarem as reclamações que houverem recebido, remettel-as-hão até ao dia 30 de abril ao competente tribunal administrativo, juntando-lhes os documentos e allegações, que lhes servirem de fundamento.
Art. 35.° O tribunal decidirá estas reclamações até ao dia 31 de maio.
§ 1.° Os seus accordãos serão sempre motivados.
§ 2.º Os tribunaes administrativos mandarão immediatamente copia dos accordãos às commissões de recenseamento, as quaes o farão notificar no praso de cinco dias às partes interessadas, notar na casa respectiva do caderno ou lista do recenseamento e publicar por editaes affixados nas portas das igrejas parochiaes.
Art. 36.° Dos accordãos dos tribunaes administrativos só ha recurso para a relação do respectivo districto.
§ único. O recurso será interposto até quinze dias depois de ter sido notificado o accordão ao interessado.

CAPITULO IV

Exclusões, isenções, adiamentos, dispensas e taxa militar

Art. 37.° São excluidos do serviço militar:
1.° Os mancebos, que nos termos da carta constitucional, e do codigo civil, devam ser considerados estrangeiros;
2.° Os clerigos de ordens sacras;
3.° Os condemnados em alguma das penas maiores, que produzam suspensão de direitos politicos.
Art. 38.° São isentos do serviço militar:
1.° Os que tiverem menos de 1m,54 de altura para o exercito ou 1,50 para a marinha;
2.° Os inuteis por alguma das lesões de que trata a tabella n.º 1, approvada por decreto de 3 de maio do 1870.
§ unico. Os mancebos que por compleição debil ou por não terem a altura determinada no n.º 1.° d'este artigo, bem como aquelles que por molestia ou lesão não julgada incuravel forem excluidos aos vinte annos de idade, serão successivamente inspeccionados nos tres annos immediatos, quando se effectuem as operações de revisão, e admittidos se tiverem cessado os motivos de isenção. Os seus nomes serão transferidos de recenseamento para recenseamento
Art. 39.° Em tempo de paz póde ser adiado o alistamento aos mancebos que o pedirem antes de tirarem a sorte. Para este fim devem provar perante as camaras munnicipaes que não podem interromper sem grande prejuizo a sua aprendizagem, ou os seus estudos, o que são indispensáveis á direcção do estabelecimento agrícola, industrial ou commercial a que se dedicarem por sua conta ou de seus pães. Só é considerado para este effeito estabelecimento agricola, industrial ou commercial aquelle que durante os tres annos immediatamente anteriores ao do recenseamento tiver sido collectado em importancia superior a 10$000 réis de contribuição predial, industrial, ou de renda de casas.
§ 1.° A lista dos mancebos n'estas circumstancias será apresentada á commissão de recenseamento no praso estabelecido no artigo 30.º pelas camaras municipaes dos concelhos em que os referidos mancebos estiverem domiciliados, ou pelas suas commissões executivas e só poderá ser recebida pela mesma commissão, quando documentada com certificado passado por tres chefes de familia domiciliados na respectiva freguezia, que tenham algum filho em serviço effectivo no exercito, ou recenseado no mesmo anno, e sujeito a ser chamado a este serviço. Estes certificados authenticados e confirmados pelo administrador do concelho ou bairro, e não serão attendidos se forem passados antes de findas as operações do recenseamento, ou quando n'elles intervierem paes de família, que hajam obtido iguaes attestados para o mesmo effeito.
§ 2.° Quando em qualquer freguezia não houver o numero sufficiente de paes de familia nas condições do § 1.°, será para este effeito agrupada essa freguezia com outra ou outras limitrophes, por alvará do respectivo governador civil.
§ 3.° A lista, de que trata o paragrapho antecedente, será informada pela commissão de recenseamento e enviada ao tribunal administrativo do districto para sobre ella deliberar, como for de justiça.
§ 4.° Este adiamento não deve ser concedido por mais dee um anno; poderá comtudo renovar-se por um segundo anno e ainda por um terceiro ou quarto anno.

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§ 5.° O mancebo que alcançar o adiamento conserva o numero que lhe coube por sorte, e logo que expire o praso por que lhe foi concedido, fica obrigado a apresentar-se a solicitar guia para se alistar por conta do contingente a que pertence, excepto se reclamar e provar perante a camara municipal que continua a ser indispensavel á direcção do estabelecimento agricola industrial ou commercial, que justificou o addiamento, ou que estão concluidos os seus estudos. Em ambos os casos serão dispensados do serviço activo, e obrigados ao serviço da segunda reserva.
§ 6.° No julgamento das reclamações de que trata o paragrapho antecedente observar-se-ha o que fica disposto nos §§ 1.° e 2.° deste artigo. Das resoluções dos tribunaes administrativos cabe recurso para as relações dos respectivos districtos.
Art. 40.° São dispensados do serviço activo, mas obrigados ao serviço da segunda reserva:
1.° O filho unico, ou o mais velho de pae, que não tenha outro filho de idade superior a doze annos, e que tenha setenta annos de idade, ou mais;
2.° O filho unico, ou o mais velho de mulher viuva;
3.° O neto unico, ou o mais velho de avô de mais de setenta annos, sem filhos;
4.° O neto unico, ou o mais velho de avó viuva, e sem filhos;
5.° O mais velho dos orphãos de pae e mãe, ou o irmão unico de orphãs de pae e mãe;
6.° O immediato dos orphãos de pae e mãe, se o mais velho for cego, ou tiver molestia incuravel;
7.° O mais velho dos orphãos de pae e mãe, quando seus irmãos, ou irmãs mais velhas se acharem comprehendidos num dos casos mencionados no numero antecedente;
8.° De dois irmãos recenseados no mesmo anno aquelle que tirar o numero mais alto, se seu irmão for apto para o serviço, salvo o caso de ter sido dispensado um dos dois por outro motivo;
9.° Os que tiverem um irmão servindo effectivamente no exercito ou na marinha de guerra, como praça de pret, que não seja readmittido, voluntario, refractario ou compellido;
10.° O que tiver tido um irmão morto na guerra, ou por desastre succedido no serviço do exercito ou da marinha e por motivo do mesmo.
§ 1.° A dispensa concedida pelos n.ºs 10.° e 11.° d'este artigo não aproveita a mais de um irmão.
§ 2.° As dispensas enunciadas n'este artigo são applicaveis aos filhos legitimos ou legitimados.
§ 3.° São considerados como extranhos á familia para o effeito das dispensas, de que trata este artigo:
1.° Os mancebos cegos dos dois olhos, ou surdos-mudos;
2.° Os que por molestia incuravel não podem conservar-se em pé sem auxilio externo;
3.° Os que não podem applicar-se a qualquer trabalho lucrativo;
4.° Os condemnados a penas de prisão ou degredo por mais de doze annos.
Art. 41.° As dispensas a que se refere o artigo 40.°, não podem exceder, em cada districto administrativo, 15 por cento do numero de mancebos aptos para o serviço no mesmo districto, e devem ser requeridas às camaras municipaes por meio de petições acompanhadas de documentos authenticos, que justifiquem a situação dos interessados.
Art. 42.° Ficam obrigados ao pagamento de uma taxa militar annual, na importância de 2$500OO réis, cuja cobrança se fará como for preceituado em regulamento, e em quanto não expirar o tempo, porque seriam obrigados a servir no exercito activo e nas reservas, ou não forem definitiva mente alistados, ou não terminar o praso do respectivo alistamento:
1.° Os mancebos comprehendidos nas disposições do artigo 38.° e do seu paragrapho unico;
2.° Os que forem dispensados do serviço activo nos termos do artigo 40.°;
3.° Os que forem addiados nos termos do artigo 39.°;
4.° Os que forem comprehendidos no artigo 56.°, e os que trocarem os numeros;
5.° Os que receberem baixa por enfermidades para que não concorreu o desempenho do serviço militar.
§ unico. São isentos da taxa militar os indigentes, cujos ascendentes do primeiro grau, e na falta destes os do segundo, forem tambem indigentes. Para os effeitos deste paragrapho só serão considerados indigentes os mancebos, ou seus ascendentes, que provarem que recebem soccorros da caridade publica, e são incapazes de adquirir meios de subsistencia.

CAPITULO V

Inspecção

Art. 43.° Na capital de cada districto administrativo funccionará uma junta de inspecção, que será composta de dois officiaes em effectivo serviço, um dos quaes servirá de presidente, e de dois facultativos militares e um civil, tendo este só voto consultivo.
§ 1.° O official do exercito, presidente, será o commandante do districto da reserva na capital do districto, e na sua falta ou impedimento o de patente igual ou superior, que for nomeado pelo ministerio da guerra. O outro official, que será um capitão, e os facultativos militares serão nomeados pelo mesmo ministerio d'entre os estacionados na capital do districto, e na falta d'estes entre os da respectiva divisão militar.
O facultativo civil será o delegado de saude do districto ou quem legalmente o substituir.
§ 2.° Nos districtos das ilhas adjacentes, na falta de algum facultativo militar, a que não se possa occorrer por outra forma, servirá o facultativo civil, que para esse fim for nomeado pelo respectivo governador civil, e lhe será requisitado pelo respectivo commandante militar.
§ 3.° Ajunta de inspecção é permanente, reunindo-se ordinariamente no mez de julho de cada anno, e todas as vezes que seja convocada pelo governador civil.
§ 4.° Ajunta de inspecção funccionará com a maioria dos seus membros.
Art. 44.° Os governadores civis, logo que forem designados os dias em que deve funccionar a junta, prevenirão os administradores de concelho, e estes os regedores de parochia e os parochos, para que se façam bem publicos os dias, em que se ha de proceder á inspecção sanitaria dos mancebos recenseados.
Art. 45.° As juntas procederão á inspecção sanitaria dos recenseados e resolverão sobre a incapacidade destes para o serviço militar, por lesões ou por falta de altura. Nestes casos darão baixa do recenseamento aos mancebos incapazes por lesões incuráveis, lavrando-se auto desta resolução, que ficará junto ao processo e será assignado por toda ajunta, bem como pelo administrador do concelho ou bairro, e parodio, devendo estes jurar a identidade da pessoa, com relação aos mancebos comprehendidos no paragrapho unico do artigo 38.° proceder-se-ha nos termos ahi determinados.
§ 1.° Quando a resolução da junta não possa ser tomada senão por uma observação regular, o presidente da junta mandará entrar os individuos n'estas condições no hospital militar mais próximo, para ahi serem inspeccionados.

2.° As decisões da junta são em regra definitivas; póde todavia o governo sobre queixa dos interessados ou informação das auctoridades administrativas mandar proceder a nova inspecção por outra junta por elle nomeada, na qual deverão intervir alem do presidente e do outro official do exercito, tres facultativos militares e dois civis.
§ 3.° Todas as decisões da junta serão escriptas e motivadas, devendo declarar-se no caso do mancebo ser isento,

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a lesão ou molestia que o isentou e a rasão que o impossibilita para o serviço militar.

CAPITULO VI

Sorteio

Art. 46.° Na primeira quinta feira do mez de setembro, pelas nove horas da manhã, procederão as commissões de recenseamento ao sorteamento de todos os mancebos julgados aptos para o serviço militar e recenseados em harmonia com as disposições d'esta lei.
§ unico. Quando em qualquer districto por motivos graves não possa fazer-se ou por motivos imprevistos deixe de se fazer o sorteio no dia designado n'este artigo, será fixado novo dia, no primeiro caso, pelo governo, e no segundo pelo respectivo governador civil.
Da mesma sorte compete ao governo decretar a annullação do sorteio que haja de se repetir por se ter omittido no recenseamento a inscripção de um ou mais mancebos.
Art. 47.° O sorteamento será feito por freguezias ou grupos de freguezias em sessão publica, e o dia do sorteio será annunciado, com a antecipação pelo menos de oito dias, por editaes e nos jornaes, quando os haja na localidade, e por aviso do parocho na occasião da missa conventual, no domingo ou outro dia de festa que mais proximamente preceda o do sorteamento.
Art. 48.° Haverá duas qualidades de sorteio, um para o exercito e outro para a marinha.
§ unico. O sorteio dos mancebos destinados ao serviço naval será feito:
1.° Entre os mancebos que no caderno de recenseamento estiverem classificados como exercendo ou tendo exercido a profissão maritima no alto mar, nas costas ou nos rios.
2.° Entre os mancebos que se empregarem ou tenham sido empregados nos navios de guerra ou mercantes em machinistas, fogueiros, chegadores, despenseiros, cozinheiros, escreventes, ou em outro qualquer mister;
3.° Entre os mancebos que se empregarem em construcções navaes.
Art. 49.° Lançados em uma urna diante de toda a assembléa tantos papeis numerados seguidamente quantos forem os mancebos apurados para o exercito em cada freguezia, mandará o presidente da commissão de recenseamento proceder, pelo respectivo secretario, successivamente á chamada de todos elles pela ordem por que estiverem inscriptos no caderno do recenseamento, e ordenará aos que forem respondendo, que tirem da uma um numero, que será immediatamente lido pelo presidente e escripto por extenso pelo secretario da commissão ao lado do nome do respectivo mancebo, ao qual finalmente será entregue. Esta operação repetir-se-ha tantas vezes, quantas forem as freguezias que composerem o concelho ou bairro inscriptos no recenseamento.
§ 1.° Por igual modo se procederá com o sorteamento dos mancebos apurados para o serviço naval.
§ 2.° Em logar do mancebo recenseado poderá por elle responder á chamada e tirar o numero seu pae, tutor, procurador, ou qualquer outra pessoa que o representar, legitimamente auctorisada.
§ 3.° Quando o mancebo recenseado não responder á chamada, nem em logar d'elle pessoa alguma, será o respectivo numero extraindo por um menor de dez annos.
Art. 50.° As operações do sorteio não se podem praticar depois do sol posto.
§ unico. Não se tendo concluido o sorteamento no mesmo dia, o presidente da commissão fará rubricar pelo secretario cada um dos papeis que contêem os números ainda não extrahidos, os quaes conjunctamente com os cadernos de recenseamento se guardarão num cofre de tres chaves, uma das quaes será entregue ao presidente e as outras a dois vogaes designados pela commissão, sendo depois guardado com toda a segurança na casa da camara ou na igreja em que o principio do sorteio se verificou, podendo ficar exposto á vista dos interessados, se oito pães, ou tutores de mancebos recenseados, o solicitarem da commissão. No dia seguinte será aberto em presença de toda a commissão, para se proseguir no sorteio.
Art. 51.° Apenas acabado o sorteio e antes de se separarem os membros da commissão, esta procederá á formação das listas dos contingentes, que tiverem sido distribuídos ao concelho ou bairro e freguezias, na conformidade das leis respectivas e ordens do governo, com assistencia dos administradores de concelho ou bairro, regedores de parochia e parochos, e lavrará acta da qual conste, alem da mencionada lista, e dos principaes incidentes do sorteio, o nome dos mancebos sorteados e o numero que a cada um pertenceu. Esta acta será assignada por toda a commissão e pelos administradores, regedores e parochos que assistiram a estas operações.
Art. 52.° Da acta de que trata o artigo antecedente se extrahirá a relação geral dos mancebos sorteados, com o numero correspondente a cada um, a qual será logo affixada na porta da camara e nos logares mais publicos e do costume para annuncios ou editaes.
§ unico. Da relação geral do concelho ou bairro se extrahirão as parciaes de parochia que serão affixadas nas portas das respectivas igrejas.
Art. 53.° No contingente que a cada freguezia ou grupo de freguezias houver tocado na repartição dos contingentes totaes serão abonados às freguezias do respectivo domicilio os voluntários, os compellidos e os readmittidos e refractários pelo tempo, que servirem a mais no exercito effectivo, alem do tempo a que são obrigados; os vadios, porem, e os mancebos que forem legalmente compellidos para o serviço do exercito ou da armada sem precatoria do respectivo administrador, serão abonados no contingente da freguezia, em que forem presos.
Art. 54.° O contingente naval será preenchido:
1.° Pelos que voluntariamente quizerem alistar-se como praças effectivas nos termos do § 4.° do artigo 6.° e do n.º 4.° do artigo 61.°;
2.° Pelos mancebos apurados para o serviço naval.
§ unico. Quando forem insufficientes os elementos de que tratam os numeros anteriores, completar-se-ha o contingente com os mancebos que extrahirem os numeros immediatos ao ultimo que for destinado ao contingente do exercito.
Art. 55.° Os mancebos a quem no sorteio tocarem os numeros desde um até ao requerido para o preenchimento do contingente da freguezia a que pertencerem serão proclamados recrutas, e formar-se-ha de todos uma lista, que no domingo immediato será affixada nas portas das igrejas, que declarará os que se devem alistar no exercito e quaes os destinados ao serviço da marinha. Os recrutas proclamados serão alem disso avisados pela auctoridade administratica.
Art. 06.° Os mancebos que excederem o contingente annual e que não tiverem sido isentos, dispensados, ou addiados ficarão desde logo inscriptos na 2.ª reserva e serão obrigados, pela ordem de numeração, a preencher quaesquer vacaturas produzidas no numero de recrutas proclamados, ou nas baixas do effectivo das forças de mar e terra, até ao sorteamento do anno seguinte.
Art. 57.° Uma copia dos cadernos de recenseamento, dividida em tres classes, segundo o destino de exercito activo, marinha ou reserva, apurado como resultado definitivo do recrutamento, será mandada pela commissão de recenseamento para as secretarias dos governos civis.
Art. 58.° As commissões de recenseamento entregarão a cada mancebo sorteado uma cedula impressa, contendo o seu nome, sobrenome, appellido, filiação, naturalidade, signaes e o numero que lhe coube no sorteio. Esta cedula servir-lhe-ha de resalva em qualquer parte, até que seja chamado o ao serviço effectivo, da reserva.
§ unico. As mesmas commissões passarão resalvas, que

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serão authenticadas com o visto dos governadores civis, e sêllo do districto, áquelles mancebos que forem isentos era virtude das resoluções do tribunal administrativo, dos accordãos das relações ou em resultado da inspecção da junta.
Art. 09.° No praso de cinco dias a contar do domingo, em que se proceder á affixação das listas de recrutas effectivos, deverão os mancebos n'ellas inscriptos, solicitar por si, ou por seu procurador, do presidente da respectiva commissão de recenseamento as guias para com ellas se apresentarem nos quarteis generaes das divisões ou nos commandos militares.
§ 1.° Os recrutas do exercito de terra serão alistados nos corpos estacionados no districto de recrutamento a que pertencer a respectiva freguezia, podendo ser transferidos para outra divisão a requerimento seu, por castigo, ou destacados a fim de completar as forças d'esta divisão com as que se possam dispensar nas outras.
§ 2.° O ministerio da guerra determinará annualmente o contingente, com que as divisões militares poderão contribuir para a guarda municipal, e para os corpos que não fazem parte do exercito activo.
Art. 60.° Abonar-se-ha adiantadamente a cada recruta pelas recebedorias dos concelhos, por conta dos ministerios da guerra ou da marinha, segundo o seu destino, o subsidio de 120 réis diarios, desde o dia em que sairem do seu domicilio até áquelle em que forem entregues às auctoridades militares.

CAPITULO. VII

Voluntarios

Art. 61.° São voluntarios:

1.° Os que se alistarem no serviço militar nos termos do § unico do artigo 5.°;
2.° Os menores de vinte annos e maiores de quinze, de que trata o § 3.° do artigo 6.°;
3.° Quaesquer outros que, reunindo as condições requeridas para o serviço militar, contem de vinte a vinte e cinco annos, ainda que já inscriptos na 2.ª reserva;
4.° Os maiores de vinte annos e menores de trinta, que se alistarem nos pavios de guerra estacionados nos portos estrangeiros ou nos das colonias.
Art. 62.° Não podem ser admittidos a alistar-se como voluntarios:
1.° Os que não tenham completado os dezeseis annos, ou que forem maiores de vinte e cinco, salvas as excepções dos n.ºs 2.° e 4.º do artigo antecedente;
2.° Os que houverem sido excluídos do recrutamento por qualquer das causas enumeradas nesta lei, salvo se os motivos que determinaram a exclusão houverem cessado;
3.° Os casados, ou viúvos com filhos;
4.° Os que, sendo menores de vinte e um annos, não apresentem auctorisação paterna, ou da pessoa que na falta, ausencia ou interdicção do pae o represente legalmente;
5.° Os que estiverem em processo por qualquer crime, ou em cumprimento de pena, que seja incompativel com o serviço militar.
§ unico. Exceptuam-se do n.º 1.° desde artigo os alumnos das escolas do exercito, da faculdade de mathematica da universidade de Coimbra, da escola e academia polytechnicas de Lisboa e Porto, e do real collegio militar, os quaes serão admittidos a alistar se na idade determinada na legislação respectiva, uma vez que satisfaçam aos outros requisitos da lei, segundo a arma em que pretenderem alistar-se.
Art. 63.° Os voluntarios de qualquer das especies que se alistarem no exercito dêem o direito de escolher a arma em que desejarem servir, salvo se a robustez não corresponder às condições reclamadas para o serviço d'essa arma.
§ unico. Os voluntarios a que se refere o n.º 1.° do artigo 61, podem ser passados á primeira reserva, se depois de seis mezes de serviço effectivo satisfizerem a um exame em que se mostrem perfeitamente exercitados nas escolas de companhia, de bateria, ou esquadrão, segundo a arma, em que serviram. Este exame será feito na forma determinada em regulamento especial.

CAPITULO VIII

Dos readmittidos

Art. 64.° Concluido o tempo de serviço effectivo estabelecido n'esta lei para as differentes classes de praça, podem obter tres readmissões successivas de tres annos os soldados das armas de infanteria, cavallaria, artilheria e engenheria, e os tambores, corneteiros e clarins.
Art. 65.° Poderão obter readmissões successivas de tres annos todas as praças do corpo de marinheiros.
Art. 66.° Poderão obter readmissões successivas por periodos de tres annos:
1.° Os cabos de todas as armas;
2.° Os musicos;
3.° Os ferradores e ferradores-forjadores, os corneteiros, tambores e clarins;
4.° Os artifices ao serviço dos corpos do exercito;
5.° As praças das companhias de administração, das guardas municipaes e de torpedeiros.
§ unico. A readmissão dos officiaes inferiores do exercito é regulada por lei especial.
Art. 67.° Só podem ser readmittidas no serviço militar em conformidade com os artigos antecedentes, as praças que requeiram um mez antes de terminarem o tempo de serviço a que estão obrigadas, e só serão attendidas quando reunam ao bom comportamento a aptidão physica e não sejam casados, ou viuvos com filhos.
Art. 68.° O tempo de readmissão será deduzido nos annos de serviço da reserva.
Art. 69.° As praças readmittidas, se não perseverarem no modo anterior de proceder, perdem desde logo o direito de continuar n'esta situação, sendo passadas á reserva ou despedidas do serviço militar conforme as circumstancias em que se acharem.
Art. 70.° As praças que forem readmittidas em conformidade das prescripções acima exaradas, terão as seguintes gratificações:
1.° Os cabos e soldados, 20 réis diarios;
2.° Os tambores, corneteiros e clarins, 30 réis diarios;
3.° Os musicos e artifices, 40 réis diarios;
4.° Os ferradores e ferradores-forjadores, 100 réis diarios;
4.° Os officiaes inferiores da armada, cabos marinheiros ou artilheiros, primeiros e segundos marinheiros, primeiros e segundos grumetes e corneteiros, 20 por cento dos respectivos prets ou soldadas.
Art. 71.° Os readmittidos no exercito o na marinha serão licenciados para a reserva ou despedidos do serviço militar no dia em que terminar a sua readmissão, salvo, porem, no caso de guerra, estando a bordo de navio fora dos portos do continente do reino, ou de guarnição no ultramar.
§ 1.° As praças assim demoradas conservam os seus vencimentos até que tenham baixa do effectivo do corpo ou do navio.
§ 2.° Os mesmos vencimentos serão abonados às praças de pret do exercito e da marinha, demoradas no effectivo em virtude do § unico do artigo 10.°

CAPITULO IX

Das trocas de numeros e das substituições

Art. 72.° Antes do dia designado no artigo 55.º para a affixação da lista dos recrutas proclamados, podem os mancebos sorteados trocar o seu numero pelo de outro mancebo inscripto no recenseamento do seu concelho.
Art. 73.° As substituições entre irmãos são permittidas aos mancebos que forem proclamados recrutas, ainda de-

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pois de haverem assentado praça, e a quaesquer outros destinados ao serviço, ou que o estiverem prestando, mostrando-se, primeiro, que o substituto satisfez às obrigações do serviço activo, e da primeira e segunda reserva, ou que está livre destes serviços por se ter completado o contingente da freguezia do seu domicilio com mancebos sorteados de numeros inferiores no anno em que foi recenseado, e no posterior; segundo, que possue os requisitos exigidos para os voluntarios nos n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do artigo 61.°, e nos n.ºs 2.°, 3.°; 4.° e 5.° do artigo 62.°

CAPITULO X

Vadios

Art. 74.° Os vadios, que tiverem quinze a trinta annos de idade, e ficarem á disposição do governo por sentença do juizo competente, poderão ser destinados ao serviço militar nas provincias ultramarinas, e vencerão 100 réis diarios para seu sustento por conta do ministerio da marinha.

CAPITULO XI

Das disposições que constituem a sancção d'esta lei

Art. 75.° Ninguém será admittido nas guardas municipaes ou em outro qualquer corpo estipendiado, de policia ou fiscalisação, sem que tenha servido com bom comportamento, no exercito ou na marinha o tempo marcado nesta lei, segundo o seu alistamento, salvo o disposto no artigo 26.° do decreto de 9 de setembro de 1886.
Art. 76.° Nenhum individuo que depois da publicação d'esta lei tenha completado a idade de vinte annos, poderá ser nomeado para emprego publico de qualquer ordem, sem que apresente certidão de haver sido recenseado, ou de ter cumprido ou estar cumprindo os preceitos d'esta lei sobre a taxa militar.
Art. 77.° A nenhum maior de quatorze annos se concederá passaporte para paiz estrangeiro sem que preste a caução de 500$000 réis em dinheiro, emquanto estiver sujeito ao serviço militar effectivo, e quando esteja obrigado ao da reserva poderá substituir esta caução por fiador idoneo, que se responsabilise por igual quantia.
Art. 78.° Contra os que não solicitarem as guias determinadas no artigo 59.°, ou as não apresentarem depois de solicitadas, mandarão os presidentes das commissões de recenseamento lavrar autos de infracção, que enviarão aos respectivos agentes do ministerio publico no praso de cinco dias, fazendo chamar nesse mesmo praso os supplentes dos mancebos a que se referem os ditos autos. Recebidos estes, os agentes do ministerio publico promoverão em quarenta e oito horas, que os mancebos autuados sejam julgados como refractários.
§ 1.° No praso de oito dias da data da promoção o juiz de direito da respectiva comarca fará intimar nos termos do código do processo civil os interessados de que vão ser julgados refractrarios, para que possam apresentar-se a receber a sua guia, no caso de a não terem sollicitado, e produzir a sua defeza no dia para esse fim designado da semana seguinte á da intimação.
§ 2.° Os mancebos que não comparecerem, serão julgados refractarios dentro do praso de trinta dias a contar do ultimo, dia fixado para a promoção do ministerio publico.
§ 3.° Publicadas as sentenças, passar-se-hão immediatamente mandados de captura, devendo as mesmas sentenças ser communicadas às auctoridades administrativas para estas procederem tambem á sua captura o mais diligencias legaes.
Art. 79.° Os refractarios servirão effectivamente mais cinco annos do que o tempo estabelecido para os recrutados, ficando sujeitos ao serviço da segunda reserva.
§ unico. Não serão considerados refractarios os mancebos designados n'este artigo, se ao mesmo tempo em que forem chamados ao serviço já tivessem praça no exercito ou na marinha.
Art. 80,° A obrigação de servir activamente em tempo de paz, prescreve para os recrutados no fim de dez annos e para os refractarios no fim de quinze annos, contados do anno em que foram sorteados.
Art. 81.° Não se tendo apresentado o refractario até tres mezes depois da data em que devia alistar-se, ou não tendo ainda sido preso, os presidentes das commissões do recenseamento remetterão aos respectivos agentes do ministerio publico certidão do auto a que devem ter procedido, do qual conste que o mancebo fora apurado para fazer parte do contingente desse anno, ou posteriormente intimado para servir como supplente.
§ unico. Esta certidão será considerada como carta de sentença passada em julgado, e por ella se fará execução nos bens dos refractarios, se os tiverem, até á quantia de 500$000 réis.
Art. 82.° Nem o começo, nem o curso da execução farão cessar as diligencias para a captura do refractario. Effectuada, porem, a captura, e obrigado o refractario a assentar praça, suspender-se-ha a execução; só porem os bens já tiverem sido alienados, restituir-se-lhe-ha a importancia que houver sido arrecadada.
§ unico. Se for apprehendido algum refractario, e reconhecido então como physicamente incapaz, ou devendo ser isento do serviço activo, será condemnado em policia correccional a um mez de prisão, e a resarcir pecuniariamente qualquer despeza, que tiver occasionado á fazenda publica.
Art. 83.° Quando qualquer mancebo for chamado a supprir um refractario, poderá promover directa ou indirectamente a captura d'elle. Todas as auctoridades administrativas ou judiciaes ficam obrigadas a dar-lhe auxilio para este fim.
§ unico. Preso o refractario e obrigado a assentar praça, será o supplente immediatamente licenciado para a reserva, se lhe não pertencer servir no exercito ou na armada em seu proprio nome, ou se tambem não for refractario, por que então completará o tempo legal de serviço.
Art. 84.º As quantias arrecadadas por execução nos bens dos refractarios, ou a caução dos mancebos que se não apresentaram no praso legal para o serviço do exercito ou da marinha, não têem restituição, salvo:
1.° Se se provar que o refractario fora illegalmente recrutado;
2.° Se se demonstrar, por meio de attestação dos consules ou ministros residentes em paizes estrangeiros, ou governadores das provincias ultramarinas, que os mancebos sorteados para o serviço militar, e sob caução nos termos d'esta lei, não tiveram tempo de se apresentar no praso marcado no artigo 79.°
3.° Se se verificar a hypothese prevista no paragrapho unico do artigo 80.°
Art. 85.° As auctoridades, às quaes individual ou collectivamente é imposta alguma obrigação por esta lei, serão responsaveis por qualquer falta do cumprimento d'ella na parte que directamente lhes respeita, incorrerão nas penas impostas pelas leis e codigo penal, e a sua responsabilidade será accusada pelo agente do ministerio publico, perante o juiz ou o tribunal competente.
§ unico. Sendo pessoa particular, a pena será de 50$000 a 200$000 réis.
Art. 86.° Todas e quaesquer pessoas particulares, ou auctoridades que, individual ou collectivamente, empregarem meios illicitos, incriminados no codigo penal, para o fim de excluir ou isentar algum individuo do serviço militar, ou fazel-o substituir indevidamente por outro, serão punidos conforme as prescripcões d'aquelle codigo, salvo o privilegio do foro militar.
Art. 87.° Serão punidos com a multa de 50$000 a réis 200$000:

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1.° Todos aquelles que acoutarem ou encobrirem, em sua casa ou em outro logar, qualquer refractario, sabendo que o é;
2.° Todos aquelles que, por algum modo, favorecerem a sua evasão ou contribuirem para ella;
3.° Todos aquelles que tomarem ao serviço qualquer refractario, sabendo que o é.
§ 1.° Na reincidência serão as multas dobradas.
§ 2.° Os ascendentes ou descendentes, a esposa, os irmãos ou irmãs, e os parentes por afinidade no mesmo grau, são exceptuados da multa de que trata este artigo.
Art. 88.° As quantias obtidas em vista das disposições desta lei, serão arrecadadas nas recebedorias das capitães de districto e postas á disposição do ministerio da guerra para serem applicadas às despezas com o exercito.
Art. 89.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei, e fica auctorisado a fazer successivamente nesses regulamentos as modificações, que a experiência mostrar necessarias, e a codificar os diversos diplomas sobre recrutamento e serviço militar.
Art. 90.° As disposições desta lei não são applicaveis aos recrutas dos contingentes já decretados, quer estejam alistados quer venham a alistar-se.
§ unico. As praças de pret actualmente alistadas no exercito e na armada, às quaes haja sido concedida readmissão, poderão continuar a ser readmittidas, uma vez que satisfaçam às condições exaradas no artigo 67.°
Art. 91.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio do reino, 4 de junho de 1881 .= José Luciano de Castro = Visconde de S. Januario = Henrique de Sarros Gomes.

N.° 107-M

Senhores.- A retribuição orçamental dos lentes e professores da universidade e das escolas e estabelecimentos de ensino superior dependentes do ministerio a meu cargo, fixada para quasi todos elles ha mais de meio seculo, não corresponde, evidentemente, á elevada funcção e categoria de taes empregados, nem se adapta às condições da vida económica e intellectual d'estes obreiros do progresso e da illustração do paiz.
A depreciação do valor monetario e a carestia da subsistência nos ultimos tempos; o confronto desta com outras classes de servidores do estado, aos quaes recentes reformas têem augmentado os vencimentos; o exemplo das nações cultas, que não se poupam a sacrifícios para preparar aos seus professores officiaes, principalmente aos do ensino superior, uma situação financeira desafogada, senão abundante; e sobre tudo o maximo interesse e a urgente necessidade, que tem o governo de alentar no amor da sciencia e do trabalho os que estão exercendo as funcções do alto magistério, e de attrahir no futuro os engenhos, os talentos para tão nobre e util officio, são motivos de sobejo justificativos da providencia que tenho a honra de submetter á vossa sabia approvação.
Nesta providencia, que é solicitada pelos corpos docentes e foi unanimemente votada pelo conselho superior de instrucção publica nas suas sessões annuaes de 1885 e 1886, como consta dos respectivos relatórios publicados na folha official de 2 de janeiro e 17 de novembro de 1886, ao passo que se propõe um augmento rasoavel na remuneração dos professores, estabelecem-se as precisas cautelas para que o beneficio concedido reverta exclusivamente em proveito do ensino, e não vá em caso algum gratificar serviços alheios ao magisterio.
A fim de ser melhor garantida a effectividade e só a effectividade do ensino, dividem-se os vencimentos d'estes funccionarios em vencimento de categoria e vencimento de exercício, prestando-se assim a merecida homenagem ao preceito introduzido na lei da reforma da contabilidade publica de 2õ de junho de 1881, e adoptado posteriormente em varias reformas dos serviços do estado, com manifesta vantagem deste e dos empregados assíduos e zelosos.
Tendo em especial attenção as circumstancias do thesouro, é creado no artigo 6.° da proposta que apresento á vossa consideração e exame um addicional aos direitos de matriculas e cartas que pagam ao presente os alumnos dos diversos estabelecimentos de instrucção superior, a fim de se fazer face com o seu producto á despeza proveniente do augmento de que se trata, calculada em 67:000$000 réis approximadamente. Por este modo entende o governo satisfazer às instantes reclamações que sobre este assumpto lhe têem sido dirigidas e são de incontestável justiça, sem offender as forças productivas da nação, e chamando só aquelles que procuram os graus mais elevados do ensino para auferirem os lucros, que estes lhes proporcionam, a contribuir para uma despeza em que tambem interessam, e ainda assim sem exagero, se a compararmos com a que se paga nos paizes mais civilisados.
Taes são em breves traços os fundamentos da seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Os vencimentos dos lentes cathedraticos e professores proprietarios dos estabelecimentos de instrucção superior dependentes do ministerio do reino, constam de duas partes, uma permanente ou de categoria e outra eventual ou de exercício. Constitue o vencimento permanente ou de categoria o ordenado fixo, que se acha estabelecido pela legislação actual para os lentes e professores de cada um dos indicados estabelecimentos. O vencimento eventual ou de exercicio consiste numa gratificação de 450$000 réis por anno lectivo.
§ 1.° O vencimento eventual ou de exercicio é pago, unica e exclusivamente aos lentes e professores que exercem o effectivo serviço de actos, exames e regencia de cadeira na faculdade, escola ou instituto a que pertencem. Nenhum outro serviço publico de qualquer natureza dá direito a este vencimento, para cuja contagem as faltas dos professores não podem ser abonadas por motivo algum, nem ainda por doença.
§ 2.° Os lentes e professores que accumularem com o seu serviço a regencia de uma ou mais cadeiras da mesma faculdade ou escola, recebem durante os dias que servirem a parte do vencimento do exercicio que deixar de ser abonado ao professor substituido, alem da gratificação de effectividade que lhes competir nos termos do paragrapho antecedente.
§ 3.° Quando para occorrer á interrupção do ensino seja chamada pessoa idonea de fora da escola ou estabelecimento nos termos da legislação em vigor, será abonado a essa pessoa o vencimento de exercicio durante o tempo que servir.
Art. 2.° Os lentes e professores substitutos de instrucção superior em serviço effectivo de actos, exames, regenta de cadeira, ou trabalhos práticos, recebem o respectivo ordenado fixo de substituto e o vencimento de exercicio, pelo tempo que servem, na conformidade do disposto no artigo 1.° da presente lei.
§ unico. No caso de accumulação de regencia de duas ou mais cadeiras, é applicavel aos lentes e professores substitutos a disposição do § 2.° do artigo antecedente.
Art. 3.° O vencimento eventual ou de exercicio é contado e pago mensalmente de outubro a julho de cada anno lectivo, na rasão de 45$000 réis por mez, e cessa no bimestre de agosto e setembro.
Art. 4.° Os lentes proprietarios e substitutos de ensino superior que no tempo lectivo estiverem ausentes das terras em que devem exercer o magisterio, não recebem ordenado de categoria, salvo justificando a ausência com licença ou impedimento legal.
§ 1.° Só é legal a licença concedida pelo chefe do estabelecimento respectivo até trinta dias durante o anno lectivo, e pelo governo seja qual for o praso.
§ 2.° Só é legal o impedimento do lente ausente, quando

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DE 4 DE JUNHO DE 1887 1027

desempenha alguma commissão inherente ao seu cargo por virtude de lei, ou exerce funcções legislativas.
§ 3.° A licença por mais de seis mezes, ainda que por motivo de molestia, faz perder o direito ao ordenado de categoria. A licença, por mais de dois mezes importa o desconto de um terço do ordenado de categoria.
Art. 5.° Os lentes e substitutos de eu sino superior que acceitam do poder executivo logares de commissão incompativeis com o serviço do magisterio e que não sejam considerados por lei como de exercicio effectivo no professorado, deixam vagas as suas cadeiras ou substituições; mas, se forem exonerados da commissão, vão tomar no magisterio o logar que por antiguidade lhes pertenceria, se n'elle houvessem persistido com o ordenado correspondente, logo que as vacaturas do quadro permitiam abonar-lho.
§ unico. Aos lentes e substitutos providos em logares de commissão que preferirem o magisterio é concedido o praso de dois mezes para o declararem ao governo, sob pena de se entender que optam pela commissão.
Art. 6.° Para occorrer às despezas creadas pela presente lei, cobrar-se-hão nos diversos estabelecimentos de instrucção superior, dependentes do ministerio do reino, mais 36 por cento, sobre os direitos de matriculas e cartas designados na tabella approvada por decreto de 26 de junho de 1880, e na carta de lei de 21 de julho de 1885, artigo 1.°, § 2.°
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio, do reino, 4 de junho de 1887.= José Luciano de Castro.

N.º 107-N

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1887-1888 é fixada em 3:099 praças distribuidas por um navio couraçado; tres corvetas e dez canhoneiras de vapor; quatro vapores; uma lancha; dois transportes; uma barca; uma fragata, escola pratica de artilheria naval; duas corvetas, escolas de alumnos marinheiros; e um rebocador.
Art. 2.° O numero e qualidade dos navios armados podem variar, segundo o exigir a conveniencia do serviço, comtanto que a despeza não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 4 de junho de 1887. = Henrique de Barros Gomes.

N.° 107-O

Senhores.- Era pagador da direcção das obras publicas do districto de Coimbra desde julho de 1880, havendo servido anteriormente, desde Janeiro de 1851 na contadoria e na pagadoria do real hospital de S. José, o actual secretario da junta da fazenda da provincia de Cabo Verde, José Maria de Proença Vieira, quando em 1 de dezembro de 1882 foi nomeado secretario da junta da fazenda da provincia de S. Thomé e Príncipe, cargo de que tomou posse em 23 de janeiro de 1883. Contava, pois, o referido funccionario trinta e um annos e dez mezes de serviço em repartições da metropole, ao partir para o desempenho de serviço na Africa occidental.
Em 24 de junho foi transferido da provincia de S. Thomé e Principe para a província de Cabo Verde no dito cargo de secretario da junta da fazenda desta ultima provincia, no qual foi confirmado por decreto de 23 de julho de 1885, segundo o preceituado no decreto com força de lei de 27 de dezembro de 1877.
Em sessão de 15 de abril proximo passado foi o mencionado funccionario julgado pela junta de saude naval e do ultramar incapaz de todo o serviço, por parecer á mesma junta que as molestias que o inspeccionado soffre são graves e incuraveis.
Está elle, portanto, nas circumstancias designadas no artigo 1.° da carta de lei de 28 de junho de 1864 para se lhe reconhecer direito a ser aposentado nos termos d'essa lei, isto é; contando-se-lhe em quinze annos e onze mezes o seu serviço na metropole antes de ir servir na Africa; mas outra lei, de 18 de junho de 1880, esclarecendo o restringindo os preceitos da citada lei de 1864, modificou-lhe o artigo 2.°, exigindo que o funccionario aposentado conte, pelo menos, cinco annos de serviço effectivo no ultramar, para lhe aproveitar a disposição que auctorisa o computo por metade do tempo de serviço na metropole. Ora o actual secretario da junta da fazenda, liquidado o tempo do seu serviço em Africa, até que foi julgado incapaz de continuar a servir, não conta os alludidos cinco annos, faltando-lhe menos de um anno.
Não se me afigura justo que um funccionario, contando mais de trinta e um annos de serviço na metrópole, e por se inutilisar para continuar a servir o paiz em resultado de soffrimentos adquiridos em serviço na Africa, seja despedido de funcções publicas sem aposentação, que certamente alcançaria, se não tivesse ido servir a patria em regiões menos salubres. Parece-me, portanto, se não de rigorosa justiça considerados os legaes preceitos vigentes, pelo menos um acto de equidade relevar a falta de alguns mezes de serviço em Africa para o effeito de poder ser aposentado nos termos do n.º 4.° do § 1.° da lei de 28 de junho de 1864, o actual secretario da junta da fazenda da provincia de Cabo Verde, o qual conta mais de trinta e cinco annos de serviço publico, tanto na metropole como em duas provindas da Africa occidental, e nestes termos submetto á vossa approvacão a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É relevada ao secretario da junta da fazenda da provincia de Cabo Verde, José Maria de Proença Vieira, a falta de tempo de serviço no ultramar para o computo dos cinco annos exigidos no artigo 1.° da lei de 17 de junho de 1880, para poder ser aposentado nos termos do n.º 4.° do § 1.° do artigo 1.° da lei de 28 de junho de 1864.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 4 de junho de 1887. = Henrique de Barros Gumes.

N.° 107-P

Senhores. - O vasto e importantíssimo domínio colonial portuguez tem sido de ha muito um dos assumptos principaes e modernamente quasi exclusivo das nossas relações politicas internacionaes, e o thema mais frequente das negociações entabuladas successivamente com a Hespanha, com a Inglaterra, com a Hollanda, com á França e em epocha recente com o imperio da Allemanha. Emquanto possuímos o Brazil era principalmente esta colonia, onde crearamos e desenvolvêramos o germen de um imperio, o segundo em poderio e grandeza d'entre os estados das duas Americas, o que mais absorvia a attenção dos ministros da corôa em Portugal, e mais cumpria defender contra a cubica e tentativas de expansão de colónias limitrophes. As proteladas discussões ácerca da colonia do Sacramento, da delimitação das Guianas, são disso exemplo saliente, e constituem capitulos importantes da nossa historia diplomatica em uma grande parte do seculo passado e principios do actual.
Perdido o Brazil e chamada para a Africa no decurso d'este seculo a attenção de quasi todas as nações da Europa, tem sido os esforços empenhados para a abolição da escravatura e mais tarde para delimitação successiva, das nossas differentes colonias africanas, o que constituiu o elemento importante da nossa actividade diplomatica.
A convenção de 28 de junho de 1817 definiu emquanto às duas costas oriental e occidental a extensão das possessões portuguezas, resalvando a par disso os direitos sempre affirmados pela corôa de Portugal aos territórios commprehendidos entre os parallelos de 5° 12 e 8° de latitude S. A sentença arbitral proferida em 21 de abril de 1870 pelo presidente dos Estados Unidos, Ulysses S. Grant, garantiu-nos o dominio da ilha de Bolama. Mais tarde foi com exito igual que pleiteámos perante o duque de Magenta

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os nossos direitos á posse da importantissima bahia de Lourenço Marques.
A acta geral da conferencia de Berlim, e a convenção de 14 de fevereiro de 1880, definiu os limites norte de Angola e os dos territórios de Cabinda e Molembo, com o chamado Estado livre do Congo então ainda Associação internacional. A recente declaração luso-germanica do 30 de dezembro do anno findo determinou por seu lado a delimitação pelo sul da provincia de Angola, e os limites norte da de Moçambique, salvo na região costeira muito limitada, reservada pelo convenio anglo-germanico para a soberania do sultão de Zanzibar, e ahi mesmo se acha em via de solução definitiva a antiga questão ácerca da posse da bahia de Tungue, hoje occupada por forças portuguezas.
O tratado de limites de 29 de julho de 1869 com o Transwal constituo um outro elo desta cadeia de convenções tendentes a precisar, ora a posse já effectuada, ora a esphera de acção por onde poderemos sem receio de conflicto e colusão com qualquer nação poderosa da Europa, expandir livremente a nossa influencia colonial e civilisadora.
A convenção de 12 de maio de 1886, celebrada com o governo da Republica Franceza e que hoje submetto á vossa apreciação, vem tambem pôr um remate a uma antiga pendencia na Guiné e ultimar a demarcação de fronteiras dos territorios portuguezes situados ao norte do Zaire.
Disse antiga pendencia, e os proprios documentos inseridos no Livro branco agora apresentado á camara, centre os quaes figura o nume do marquez de Pombal, a proposito do aprisionamento em frente do presidio de Zeguiohor no Casamansa, do navio francez S. João Baptista, são disso cabal demonstração.
A correspondencia diplomatica, posterior ao estabelecimento do regimen constitucional e encetada em 18 de novembro de 1836 pelo visconde e depois marquez de Sá da Bandeira, testemunha claramente a energia e esforço valentes empregados pelos nossos estadistas em defeza dos direitos de Portugal nas regiões da Guiné. Firmam essa correspondencia alem do nome benemerito e glorioso do emancipador da raça negra entre nós, os do conde da Carreira, duque da Terceira e conde de Castro pelo nosso lado. Figuram por parte da França, a par de outros; os de Guizot e Mole.
Aos esforços dos nossos ministros dos negocios estrangeiros correspondeu em muitos casos a acção intelligente e benemérita das auctoridades coloniaes portuguezas, e entre ellas e muito especialmente a de Honorio Pereira, Barreto, e em epocha recente do sr. Pedro Ignacio de Gouveia.
A pendencia diplomatica que assim existia desde muito e mais ou menos latente entre a França e Portugal ameaçou assumir caracter agudo em 1882. Reclamações successivas provocadas por agentes das casas commerciaes da Guiné; por tentativas nossas, reaes ou suppostas no rio Cassini; pelo procedimento do commandante do vapor de guerra francez a Cigale, tomando posse em nome do seu governo do territorio de Adiana junto ao Casamansa; pela acção das nossas forças hasteando a bandeira nacional em Sindon, taes foram entre outros os assumptos da activa correspondencia trocada entre o sr. Serpa Pimentel e o representante da Republica Franceza entre nós o sr. Paul de Laboulaye, no decurso dos annos de 1882 e 1883.
Foi em 18 de julho deste ultimo anuo e a propósito da reclamação da casa franceza Maurel Freres, que por parte do governo portuguez se iniciou a negociação para a fixação definitiva dos limites das possessões de Portugal e da França na Guiné. Annuiu o governo francez a esse convite, mas propondo que de vez se resolvesse ácerca da demarcação de fronteiras entre todas as possessões dos dois paizes junto á costa occidental de Africa. Não repugnou esta base mais larga ao sr. Serpa Pimentel, então ministro dos negocios estrangeiros, mas como era de prever apresentou, para condição essencial da sua acceitação, o reconhecimento por parte da França dos direitos de soberania de Portugal entre 5° 12 e 8° de latitude S.
Esta previa e para nós inevitavel exigencia paralysou a negociação por algum tempo.
As occorrencias do anno de 1884 em Sindon, occorrencias em que tomou principal parte o explorador naturalista francez Ernest Laglaise, e que foram causa de activa correspondencia e intervenção directa das auctoridades portuguezas da Guiné e francezas do Senegal, vieram de novo accentuar a necessidade de pôr um termo a episodios de natureza a comprometter as boas relações entre o nosso paiz e a França, e a abalar a cordialidade entre os dois governos, sentimento que por tantos motivos convém manter e fortificar. Tomou a iniciativa de reatar as negociações o sr. Barbosa du Bocage pelo seu despacho de 3 de agosto de 1884, e ao convite assim formulado pelo governo portuguez correspondeu de prompto com a sua annuencia mr. Jules Ferry, então ministro dos negocios estrangeiros em França.
Nasceu d'este accordo entre os dois governos a nomeação de uma commissão de limites funccionando em Paris, e que inaugurou os seus trabalhos em 22 de outubro de 1885 e os concluiu em 12 de maio de 1886.
Fizeram parte d'essa commissão pelo lado de Portugal os srs. conselheiro João de Andrade Corvo, primeiro plenipotenciário, Carlos Roma du Bocage, segundo plenipotenciário, e António de Castilho Barreto, delegado te clinico, e pelo lado da França os srs. Paid de Laboulaye, que foi substituído pelo sr. Girard de Rialle, primeiro plenipotenciário, commandante ONeill, segundo plenipotenciario, dr. Bayol, delegado technico, e Desbuisson, geographo do ministerio dos negocios estrangeiros.
Dos trabalhos d'esses commissarios, que deliberavam e resolviam sempre sob a influencia das instrucções directas e immediatas dos seus governos respectivos, resultou a convenção que submetto ao exame e deliberação das camaras portuguezas. Achava-se essa convenção ultimada nas suas disposições essenciaes, quando o actual ministerio assumiu, em 18 de fevereiro de 1886, a direcção dos negocios publicos. O telegrapho que transmittiu para Paris em 18 de fevereiro de 1886 a approvação definitiva do meu illustre antecessor, transmittia igualmente a noticia da demissão do gabinete, a que presidira o conselheiro Fontes Pereira de Mello, e com ella ordem para esperar as instrucções do novo governo.
Nestas circumstancias não podia o ministerio, de que tenho a honra de fazer parte, deixar de se occupar desde logo e incessantemente de assumpto por tantos motivos ponderoso. Apenas inteirado d'elle, expedi para Paris o meu despacho de 17 de marco de 1886, em que valendo-me de um novo elemento de negociação, o protectorado portuguez no Dahomey, facto posterior ao começo das negociações com a França, e ácerca do qual pendiam reclamações do governo da republica, diligenciei modificar algumas das clausulas já acceites pelos dois governos para a demarcação de fronteiras na Guiné e no Massabi.
Entendendo, porem, mr. de Freycinct, então ministro dos negócios estrangeiros, que a introducção desse elemento constituiria, uma nova negociação que convinha aprazar para mais tarde, julgou o governo portuguez não dever insistir por seu lado, compromettendo talvez o exito de uma negociação já demasiadamente protrahida, e cujo termo era clara demonstração dos sentimentos de amisade reciproca deferência entre os governos de Portugal e Republica Franceza, e por isso auctorisou a assignatura convenção, que tem a data de 12 de maio de 1886.
Cabe-me nestas circumstancias a honra de subinetter hoje ao vosso exame reflectido a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder

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executivo, a convenção entre Portugal e a França para a delimitação das possessões respectivas na África occidental, assignada pelos plenipotenciarios em Paris aos 12 de maio de 1886.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho de 1887. = Henrique de Barros Gomes.

Convenção relativa á delimitação das possessões portuguezas e francezas na Africa occidental

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e o presidente da Republica Franceza, animados do desejo de estreitar, pelas relações de boa vizinhança e de perfeita harmonia, os laços de amisade que existem entre os dois paizes, resolveram concluir para este effeito uma convenção especial para preparar a delimitação das suas possessões respectivas na Africa occidental, e nomearam seus plenipotenciarios, a saber:

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves;

O sr. João de Andrade Corvo, conselheiro d'estado, vice-presidente da camara dos pares do reino, gran-cruz da ordem de S. Thiago, gran-cruz da ordem da Legião de Honra de Franca, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto do governo da Republica Franceza, etc.;
E o sr. Carlos Roma du Bocage, deputado, capitão de estado maior de engenheria, seu official às ordens honorario e addido militar na sua legação junto de Sua Magestade o Imperador de Allemanha e Rei da Prussia, cavalleiro da ordem de S. Thiago, official da ordem da Legião de Honra de França, etc;
O Presidente da Republica Franceza;
O sr. Girard de Rialle, ministro plenipotenciario, chefe da divisão dos archivos no ministerio dos negocios estrangeiros, cavalleiro da ordem nacional da Legião de Honra, etc.;
E o sr. capitão de mar e guerra O'Neill, commendador da ordem nacional da Legião de Honra, etc.;
Os quaes, depois de terem trocado os seus plenos poderes, que acharam em boa e devida forma, concordaram nos artigos seguintes:
Artigo 1. Na Guiné, a fronteira que ha de separar a possessões portuguezas das possessões francezas seguirá conforme o traçado indicado na carta n.º1 annexa á presente convenção:
Ao norte, uma linha que, partindo do cabo Roxo, se conservará, tanto quanto possivel, segundo as indicações do terreno,, a igual distancia dos rios de Casamansa (Casamance) e de S. Domingos de Cacheu (San-Domingo de Cacheu)até á intersecção do meridiano de 17°.30' de longitude oeste de Paris com o parallelo de 12°.40' de latitude norte. Entre este ponto e o meridiano de 16° de longitude oeste de Paris a fronteira confundir-se-ha com o parallelo de 12°.40 de latitude norte.
A leste, a fronteira seguirá o meridiano de 16° de longitude oeste de Paris, desde o parallelo de 12°40 de latitude norte até ao parallelo de 11°.40 de latitude norte.
Ao sul, a fronteira seguirá uma linha que partirá da foz do rio Cajet, situado entre a ilha Catack (que ficará para Portugal) e a ilha Tristão (que ficará para França) e, conservando-se tanto quanto possível, segundo as indicações do terreno, a igual distancia do rio Componi (Tabatí) e do rio Cassini, depois do braço septentrional do rio Componi (Tabatí) e do braço meridional do rio Cassini (esteiro de Kakondo) a principio, e do rio Grande por fim, virá terminar no ponto de intersecção do meridiano de 16° de longitude oeste de Paris com o parallelo de 11°.40 de latitude norte.
Ficarão pertencendo a Portugal todas as ilhas comprehendidas entre o meridiano do cabo Roxo, a costa, e um limite meridional formado por uma linha que seguirá o thalweg do rio Cajet e se dirigirá depois para sudoeste, seguindo o canal dos Pilotos até attingir o parallelo de 10°.40' de latitude norte, com o qual se confundirá até ao meridiano de cabo Roxo.
Art. II. Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves reconhece o protectorado da França sobre os territorios de Futa-Djallon, tal como este protectorado foi estabelecido pelos tratados feitos no anno de 1881 entre o governo da Republica Franceza e os almamys do Futa-Djallon.
O governo da Republica Franceza, pela sua parte, obriga-se a não procurar exercer a sua influencia dentro dos limites attribuidos á Guiné portugueza pelo artigo I da presente convenção. Compromette-se alem d'isso a não modificar o tratamento concedido, desde antigos tempos, aos subditos portugueses pelos almamys do Futa-Djallon.
Art. III. Sa região do Congo, a fronteira entre as possessões portuguezas e as possessões francezas seguirá, conforme o traçado indicado na carta n.° II annexa á presente convenção, uma linha, que, partindo da ponta de Chamba situada na confluencia do rio Loema ou Luisa Loango e do rio Lubinda, se conservará, tanto quanto possivel, e segundo as indicações do terreno, a igual distancia d'estes dois rios, e a partir da nascente mais septentrional do rio Luali, seguirá a linha de cumiada que separa a bacia do Locma ou Luisa Loango da bacia do Chiloango, até ao meridiano de 10°.30 de longitude leste de Paris, depois confundir-se-ha com este meridiano até ao seu encontro com o Chiloango, que n'este ponto serve de fronteira entre as possessões portuguezas e o estado livre do Congo.
Cada uma das altas partes contratantes obriga-se anão realisar na ponta de Chamba construcção alguma que possa servir de obstáculo á navegação. O thalweg do estuario comprehendido entre a ponta de Chamba e o mar servirá de linha de demarcação politica às possessões das altas partes contratantes.
Art. IV. O governo da Republica Franceza reconhece a Sua Magestade Fidelissima o direito de exercer a sua influencia soberana e civilisadora nos territorios que separam as possessões portuguezas de Angola e de Moçambique, sob reserva dos direitos anteriormente adquiridos por outras potencias, e obriga-se pela sua parte a abster-se ali de qualquer occupação.
Art. v. Os subditos portuguezes nas possessões francezas da costa occidental de Africa e os cidadãos francezes nas possessões portuguezas da mesma costa serão respectivamente, no que se refere á protecção das pessoas e das propriedades, tratados num pé de perfeita igualdade com os cidadãos e os subditos da outra alta parte contratante. Cada uma das duas altas partes contratantes gosará, nas
alludidas possessões, pelo que respeito á navegação e ao commercio do regimen da nação mais favorecida.
Art. VI. As propriedades que fazem parte do dominio do estado de cada uma das altas partes contratantes, nos territorios que mutuamente cederam, serão materia de trocas e compensações.
Art.VII. Uma commissão será encarregada de determinar, sob o terreno, a posição definitiva, das linhas de demarcação previstas pelos artigos I e III da presente convenção e os seus membros serão nomeados da maneira seguinte:
Sua Magestade Fidelissima nomeará e o Presidente da Republica Franceza nomeará: dois commissarios.
Estes commissarios reunir-se-hão no logar que será ulteriormente fixado, de commum accordo pelas altas partes contratantes e no mais breve praso possivel depois da troca das ratificações da presente convenção.
Em caso de desaccordo, os ditos commissarios appellarão para os respectivos governos.
Art. VIII. A presente convenção será ratificada, e as ra-

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tificações trocadas em Lisboa o mais breve que seja possivel.
Na fé de que os respectivos plenipotenciarios assignaram a presente convenção e a sellaram com o sêllo das suas armas.
Feito em Paris, aos 12 de maio de 1886.

(Logar do sêllo). = João de Andrade Corvo.
(Logar do sêllo). = Carlos Roma du Bocage.
(Logar do sêllo). = J. Girard de Rialle.
(Logar do sêllo . = A, O'Neill.

Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho de 1887.- A de Ornellas.

N.° 107-Q

Senhores.- A conveniencia de definir e precisar claramente os limites sul da nossa hoje mais que todas importante e vasta provincia africana de Angola, conveniencia desde muito reconhecida pelos governos da metropole e provincial, tornara-se desde fins de 1884 uma necessidade de inadiavel satisfação.
Permanecera até esse anno fora de toda a soberania ou posse por parte de um estado civilisado, salvo em um ou outro ponto da costa, a vasta região comprehendida entre o Cabo Frio e o rio Orange.
Já pela natureza dos terrenos d'essa região, já por ser tão ampla a nossa livre esphera de expansão pelos sertões de Angola, Benguella e Mossamedes, nunca Portugal pensara em occupar ou por outra forma assegurar dominio n'esta parte de Africa.
A conservação d'esses territorios no estado de res nullius, emquanto pelo menos a dominio n'elles exercido por parte de potencia europea, era para nós uma completa garantia de que interesses vitaes da provincia de Angola, no que respeita às feracissimas e importantes regiões do sul, as mais proprias para admittir e deixar prosperar o elemento europeu, não seriam ameaçados por uma possivel invasão vinda das terras para alem do Cunené.
Modificadas, porém, em 1884 as condições politicas d'essas regiões, o governador de Angola, o sr. Ferreira do Amaral, de accordo com as instrucções de Lisboa, diligenciou logo no anno immediato definir com mais clareza e accentuar melhor a nossa posse e dominio nos territorios situados, entre o Cunene e o Cubango e ainda no paiz dos Ambuellas. Com a terminação da guerra do Nano ficara em paz o districto de Benguella, e essa circumstancia favorecia a expedição organisada em principios de 1885 para aquelle fim.
Á frente d'essa expedição fôra collocado o capitão João Ernesto Heriques de Castro, muito conhecedor do sertão de Benguella, e que deveria em Caconda organisar uma columna volante, a qual esperaria ali os boers de Humpata para esse fira reunidos sob o cominando do tenente Arthur de Paiva, devendo seguir todas as forças expedicionarias de Caconda em direcção ao Cubango e ao paiz dos Ambuellas.
Não teve inteiro exito esta expedição. Alcançou-o melhor outra mais limitada em pessoal e recursos, cujo commando foi igualmente confiado ao tenente Paiva.
De ambas as vezes se encontraram, porém, vestigios de exploração e tentativas de alargamento de influencia por parte de subditos estrangeiros, tentativas que chegavam até Luceque, e que justificavam completamente as instancias repetidas vezes feitas para a metropole e para Loanda pelos governadores geraes e conselho do governo, e bem assim pelo governador de Mossamedes, para assegurar por um convénio internacional o limite sul da provincia.
Uma duvida levantada na Europa entre os governos de Portugal e Allemanha sobre constituir o Cabo Frio ou o parallelo de 18° esse limite junto á costa, offereceu occasião ao governo imperial para em 1 de dezembro de 1885 manifestar o desejo de encetar comnosco negociações tendentes a definir com mais rigor a esphera de interesses de ambos os governos nas regiões próximas da costa sueste de Africa.
Mais tarde, em 27 de julho do anno findo, encetou-se com effeito essa negociação em uma proposta allemã, que indicava o rio Cunene como limite natural entre as possessões dos dois estados, seguindo o mesmo limite por esse curso de agua desde a sua foz até á margem fronteira do posto portuguez de Humbe, e sendo constituido dahi em diante por um parallelo prolongado para o interior, salvo a necessidade de quanto possivel se ter em vista na fixação da fronteira acima determinada as confrontações dos estados indigenas.
A esta proposta contestou o governo portuguez affirmando, como lhe cumpria, o seu direito até ao parallelo do Cabo Frio, e substituindo á fronteira indicada pelo governo do imperio uma outra que, adaptando-se quanto possivel aos accidentes naturaes do terreno, se achava, em seu entender, mais de accordo com a situação das cousas em Africa, no que respeita ao domínio colonial das duas potencias.
Acrescentou, porém, o governo que essa sua contra proposta poderia soffrer importantes modificações, caso fosse possível ao governo imperial ampliar às possessões reciprocas dos dois estados na costa de oeste as disposições do novo convénio, no qual deveria tambem ficar consignado o solemne reconhecimento por parte da Allemanha da exclusiva faculdade, reservada para Portugal, de ampliação de dominio e alargamento de influencia nas vastas regiões da Africa central situadas entre as nossas provincias de Angola e Moçambique.
A annuencia por parte do imperio a estas duas condições trouxe comsigo a necessidade de acceitar, como compensação offerecida á Allemanha, a delimitação junto á costa Occidental pelo curso do Cunene, não até o Humbe, o que traria inconvenientes manifestos, mas unicamente até às primeiras cataractas d'este rio ; seguindo dahi a fronteira por um parallelo até proximidades de Carora no Cubango, e constituindo em seguida o curso d'este rio, primeiro na direcção sul e depois para oeste até Andara, e dahi um parallelo até ao Zambeze nos rapidos de Catimo, o limite entre as regiões por onde poderá de futuro exercer-se livre e desembaraçada a acção civilisadora das duas potencias.
Liga o governo consideravel importancia ao convenio ou declaração assignada em Lisboa em 30 de dezembro ultimo. Não só contribuo elle para assegurar de modo solemne limites naturaes para o sul de Angola e norte de Moçambique, não só vem affirmar de novo por intermedio de uma das nações mais poderosas do mundo o respeito pelos titulos que temos adquirido a fazer valer a nossa acção e a accentuar o nosso dominio em uma das mais extensas e ricas zonas da Africa tropical, mas ainda põe em toda a luz a boa vontade reciproca e a consideração mutua subsistentes entre Portugal e a Allemanha.
Valiosos em todo o tempo esses sentimentos de cordialidade adquirem actualmente, dadas as relações de vizinhança dos dois povos na Africa, uma importancia sobre a qual se torna de todo o ponto inutil insistir.
É por todos estes motivos que o governo vem hoje confiadamente submetter á vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o convenio entre Portugal e a Allemanha sobre delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional, assignado em Lisboa aos 30 de dezembro de 1886.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho de 1881 .= Henrique de Barros Gomes.

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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887 1031

Declaração entre os governos de Portugal e da Allemanha sobre a delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional

O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e o governo de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, animados de identico desejo de estreitar ainda mais as relações amigaveis existentes entre Portugal e a Allemanha, e de assentar uma firme e segura base para a pacifica cooperação das duas potencias no intuito de desenvolver na Africa a civilisação e o commercio; resolveram estabelecer na Africa meridional limites definidos, dentro dos quaes cada uma das duas potencias tenha plena liberdade de acção para o constante progresso, da sua actividade colonisadora.
Para este fim os abaixo assignados, Henrique de Barros Gomes, do conselho de Sua Magestade Fidelissima, e seu ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, e o conselheiro de legação Ricardo de Schmidthals, envia do extraordinario e ministro plenipotenciario de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, devidamente auctorisados, convieram, em nome dos seus governos, nos artigos seguintes:
Artigo 1.° A fronteira entre as possessões portuguezas e allemãs no sudoeste de Africa seguirá pelo curso do rio Cunene desde a sua embocadura até às cataractas que aquelle rio forma no sul do Humbe, ao atravessar a serra Canná. D'este ponto em diante seguirá o parallelo até ao rio Cubango, dahi o curso d'este rio até o logar de Andara, que ficará na esphera dos interesses allemães, e d'este logar seguirá a fronteira em linha recta na direcção de leste até os rapidos de Catima no Zambeze.
Art. 2.° A fronteira que a sudoeste de Africa fica separando as possessões portuguezas das allemãs, seguirá o curso do rio Rovuma, desde a sua foz até á confluencia do rio M'sinje, e dahi para o oeste o parallelo até á margem do lago Nyassa.
Art. 3.° Sua Magestade o Imperador da Allemanha reconhece a Sua Magestade Fidelissima o direito de exercer a sua influencia soberana e civilisadora nos territorios que separam as possessões portuguezas de Angola e Moçambique, sem prejuizo dos direitos que ahi possam ter adquirido até agora outras potencias, e obriga-se, em harmonia com este reconhecimento, a não fazer n'aquelles territorios acquisições de dominio, a não acceitar n'elles protectorados, e, finalmente, a não pôr ahi quaesquer obstaculos á extensão da influencia portugueza.
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves toma sobre si identicas obrigações, no que respeita aos territorios que, segundo os artigos 1.° e 2.° d'este convenio, ficam pertencendo á esphera da acção da Allemanha.
Art. 4.° Os subditos portuguezes nas possessões allemas de Africa, e os subditos allemães nas possessões portuguezas africanas, gosarão, no que respeita á protecção de suas pessoas e bens á acquisicão e transmissão de propriedades immobiliarias e ao exercicio de sua industria, do mesmo tratamento, sem differenca alguma, e dos mesmos direitos dos subditos da nação que exercer a soberania ou o protectorado.
Art. 5.° O governo portuguez e o governo allemão reservam-se negociar ulteriormente accordos especiaes que facilitem o commercio e a navegação e regulem o tranco nas fronteiras das suas possessões africanas.

(L.S). = Barros Gomes.
(L.S.) = Schmidthals.

Artigo addicional

Este convenio entrará em vigor e será obrigatorio para os dois governos depois de approvado pelas cortes portuguezas, e officialmente publicado nos dois paizes.
Feito e assignado em duplicado em Lisboa, aos 30 dias de dezembro de 1886.

(L. S.) = Barros Gomes.
(L. S.) - Schmidthals.

Está conforme.- Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho de 1887.= A. de Ornellas.

N.º 107-R

Senhores.- Em 13 de agosto de 1862 assignou-se em Tien-Tsin um tratado de amisade e commercio entre El-Rei de Portugal e o Imperador da China, o qual, firmando sobre bases amplas e nos termos os mais cordiaes as relações existentes desde seculos entre os dois paizes e pondo termo às causas de desintelligencia e incerteza de direitos, que repetidas vezes haviam assombrado a historia de Macau, foi saudado pela colonia como um beneficio incontestavel e inicio de uma era de renascimento e segurança.
Não corresponderam, porém, os factos às esperanças suscitadas pela assignatura d'essa convenção, que, apesar de approvada pelas cortes e ratificada pelos governos das duas nações, nunca chegou a vigorar. Uma divergencia de interpretação com respeito ao que dispunham os artigos II e IX do tratado, o primeiro dos quaes se referia, á situação de Macau, e o segundo às attribuições do funccionario chinez que poderia, nos termos do mesmo tratado, residir n'aquella cidade nas condições de um cônsul, como o de outras nações ali representadas, baldou os esforços do nosso ministro o sr. José Rodrigues Coelho do Amaral, que, tendo ido a Tien Tsin em 1864 encarregado pelo governo da troca das ratificações, se viu obrigado a regressar para Macau sem conseguir levar a bom termo a missão que lhe fora confiada.
Os esforços intelligentes e patrioticos tentados, mais tarde sob a inspiração e instrucções do ministerio dos negocios estrangeiros, entre outros pelos srs. José Horta e visconde de S. Januario, quando governadores de Macau, não lograram tambem melhor êxito. De todas as vezes persistira a China na declaração de que nenhuma duvida oppunha á immediata troca das ratificações, uma vez que por acto authentico ficasse previamente consignada a interpretação dada pelo governo do celeste imperio às clausulas dos disputados artigos II e IX do tratado.
Protrahiram-se estas e outras tentativas até no anno de 1881. A China celebrara successivamente tratados de commercio e amisade com a quasi totalidade das nações da Europa e da America. Portugal, cujas relações com o imperio eram as mais antigas em data, e se haviam mantido, apesar das vicissitudes dos tempos e das alternativas occasionaes na direcção da politica geral do imperio ou na das auctoridades locaes vizinhas de Macau, com um caracter de innegavel cordialidade e sympathia, Portugal ficava constituindo uma excepção unica, causa muitas vezes de dissabores e graves inconvenientes para os governos de Macau.
A negociação de um tratado inteiramente novo, similhante nas suas clausulas aos que o imperio celebrará com as demais nações e assim limitado às condições gera e os dos tratados de commercio e amisade, tal pareceu ser o expediente melhor para pôr um termo á situação anomala, creada pela falta da troca das ratificações do tratado de 1862.
Coube a iniciativa d'essa nova e por muitos titulos interessante negociação ao sr. Antonio de Serpa Pimentel, que diligenciou interessar as principaes potências europeas, com relações na China e representadas em Pekim, na solução d'esta já antiga pendencia, concertando para esse fim com os governos d'essas potencias a iniciativa que nos cumpria tomar, e firmando-se para tanto já nas relações de cordialidade e alliança que nos prendem a muitas d'ellas, já no interesse commum que ordinaria-

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1032 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mente liga as nações da Europa perante os povos do Extremo Oriente. Foi n'esse empenho e com estes intuitos que se redigiu e distribuiu pelas chancelarias da Europa uma importante Memoria ácerca de Macau, e que tiveram começo na China por intermedio do governador que então estava em exercicio, o sr. Graça, as novas negociações, tendo unicamente em mira a celebração de um tratado de commercio sobre a base ou clausula da nação mais favorecida.
Foi, porém, ainda n'este caso mallograda a tentativa do governo portuguez, e a garantia dos nossos importantes interesses, bem como a protecção dos subditos portuguezes no imperio da China continuaram, como anteriormente, sem documento internacional em que se apoiassem, e á mercê, em muitos casos, da boa ou má vontade das auctoridades locaes chinezas.
Nullo foi igualmente o resultado de uma nova tentativa de negociação auctorisada pelo sr. Barbosa du Bocage em 1884, a instancias do consul de Portugal em Shaugae, e por este funccionario encetada com o Tantae, residente n'aquella cidade, conservando essa negociação, que se prolongou até 1886, um caracter sempre officioso.
A necessidade experimentada pelo governo imperial de melhorar a fiscalisação de uma das suas mais importantes fontes de receita, constituida pela cobrança dos direitos sobre o opio, veiu, porém, modificar esta situação. Foram esses direitos recentemente aggravados e uniformisados em todo o imperio, havendo-se encorporado em um só os quero opio pagava anteriormente, quer na importação quer no consumo, os ultimos dos quaes lï-kin, variavam de um para outro ponto do imperio, e essa circumstancia deu aso a que se celebrasse em 16 de setembro do anno findo uma convenção com o governo de Hong-Kong, em virtude da qual esta colonia assegurou á China a sua cooperação na fiscalisação dos direitos sobre o opio.
Entrava, como aliás era evidente que devia succeder, no plano geral financeiro adoptado pelo governo imperial o alcançar uma cooperação similhante por parte das auctoridades portuguezas de Macau.
Interessavam n'isso a China, e a propria colonia de Hong-Kong, que, na convenção ha pouco referida, torno independente da adopção de providencias e accordo similhantes com respeito a Macau, a vigencia das clausulas da mesma convenção em kong-Kong;
Dirigiu-se, pois, sir Robert Hart, inspector geral das alfandegas chinezas, com esse intuito a Macau, e ahi encetou em fins do primeiro semestre de 1886 uma negociação com o governador, o major Thomás Rosa, no decurso da qual se lançaram as primeiras bases, sujeitas á approvação dos dois governos, de um tratado que resolvesse de vez a nossa antiga pendencia diplomatica com a China, e assegurasse ao imperio, a cooperação fiscal de que elle carecia para melhor garantir o exito das suas reformas financeiras.
Terminava por esse tempo, o periodo de governo do sr. Thomás Rosa, e por tal motivo se interromperam as negociações. Ficou, porém, assentado com sir Robert Hart, que estas; se reabrissem em Lisboa, o que lhes garantiria mais rapido andamento, vindo para esse fim, a Portugal um funccionario da China, o sr. James Duncan Campbell, o mesmo que em 1885 tratara em Paris com os srs. Billot e Jules Ferry, as clausulas preliminares constantes do protocollo de 4 de abril d'aquelle anno e que foram a base do tratado de paz celebrado em 9 de junho seguinte entre o imperio e a Republica Franceza.
A negociação a principio officiosa, por ter esse caracter o agente enviado pela China a Portugal, proseguiu activa e directamente entre Lisboa, e Pekim de fins de novembro até abril, sendo o sr. Campbell o intermediario, a principio de sir Robert Hart e mais tarde não só d'este mas também do Tsung-li-yamen com o governo portuguez.
Das laboriosas negociações assim realisadas, e no de curso das quaes variaram bastante as bases a principio formuladas, resultou por fim a assignatura em Lisboa do protocollo de 26 de Março.
Os documentos relativos a essas, bem como a todas as negociações que as precederam e as que ficou feita referencia, serão opportunamente publicados e presentes às camaras.
Os poderes conferidos ao sr. James Duncan Campbell para firmar o acto diplomatico, que assim veiu dar uma terminação official às negociaçães encetadas com um caracter puramente officioso, foram-lhe conferidos por um decreto imperial de cuja existencia deu noticia telegraphica para o Foreign Office em Londres, a legação de Sua Magestade Britannica em Pekim, sendo-me essa existencia confirmada mais tarde officialmente pelo ministro de Inglaterra n'esta corte.
Estabelecida assim e consignada em documento solemne a harmonia entre a China e Portugal nas bases essenciaes do tratado a celebrar, o governo de Sua Magestade Fidelissima resolveu de prompto mandar a Pekim um ministro plenipotenciario e enviado extraordinario, encarregado especialmente de ultimar a negociação d'esse tratado, cuja importancia para Macau resalta de todos os esforços empenhados até hoje por tantas situações politicas em Portugal, e por successivos governadores no intuito de o alcançar.
A situação creada aos subditos portuguezes na China pelo estado de cousas subsistente é de facto, e por muitos motivos, deplorável. Urge pôr-lhe um termo, e quanto possivel rapido. Similhante consideração, cujo peso e importancia só avaliam completamente os que de perto conhecem os factos, impelle o governo a propor-vos o ficar auctorisado a negociar e desde logo ratificar o tratado a que faz referencia o artigo 1.° do protocollo. A vantagem de estreitar no momento actual as nossas relações com a China é de per si evidente, e vale bem qualquer modificação que nas clausulas aliás geraes de um tratado de commercio, que necessariamente ha de ser pautado sobre os que as outras potencias têem celebrado com a China, podesse ainda introduzir a discussão parlamentar.
Esse grande, antiquissimo e poderoso imperio da China chegou, bem como quasi todas as nações orientaes, a um periodo de notável transformação. Augmentam a cada momento as suas relações com a Europa, e a natural agudeza de espirito dos seus filhos abrange pelo trato com os povos do occidente novos e largos horisontes. Os mais intelligentes diplomatas da China, depois de terem adquirido nas cortes de Londres, Berlim e S. Petersburgo o trato com os homens e as cousas europeas, vão mais tarde, alguns d'elles, para o Tsung-li-yamen influir directamente na administração e governo do imperio; não é, portanto, n'estas condições que seria util ou conveniente protelar a rapida conclusão de uma negociação difficil, que deve dar em resultado o consolidar de vez essas relações de sympathia e amisade existentes ha mais de tres seculos entre o paiz que primeiro abriu os mares da China ao commercio europeu e o grande imperio asiatico.
Começadas em 1517, anno em que uma primeira esquadra aportara a Cantão levando a seu bordo um embaixador do Rei de Portugal, essas relações assignalaram se pouco depois com um serviço real, positivo, que a audacia dos portuguezes ponde e soube prestar a uma provincia da China, victimada pelas depredações e insultos de um bando de piratas.
Ainda em 1810 a activa cooperação das forças navaes portuguezas, solicitada pelas auctoridades da China, contribuiu eficazmente para a derrota e sujeição do enorme poder dos piratas insurgidos, e em revolta contra a dynastia. Possam, pois, essas relações entre os dois paizes assim cimentadas mais de uma vez atravez de tres seculos, por bons officios reciprocamente prestados, accentuar-se de novo em um documento solemne que affirme e consolide

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SESSÃO DE 4 DE JUNHO DE 1887 1033

a amisade e boa intelligencia subsistentes durante tão largo praso de tempo entre Portugal e a China.
Firmado n'estas rasões tenho, portanto, a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° E approvado o protocollo entre Portugal e o imperio da China, assignado em Lisboa em 26 de março de 1887.
Art. 2.° Fica o governo auctorisado a ratificar desde logo o tratado de commercio entre Portugal e o imperio da China que, nos termos do artigo 1.º do mesmo protocollo, será negociado e firmado em Pekim.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Lisboa, 4 de junho de 1887.= Henrique de Barros Gomes.

Protocollo

O governo de Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal e dos Algarves, e o governo de Sua Majestade Imperial o Imperador da China, tendo resolvido regular as relações amigaveis existentes ha mais de tres seculos entre os dois paizes, concordaram para este fim em firmar um protocollo preliminar.
Com este intuito os abaixo assignados, Henrique de Barros Gomes, do conselho de Sua Magestade e seu ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, gran-cruz das ordens de Nosso Senhor Jesus Christo, da Legião de Honra, de Pio IX, dos Santos Mauricio e Lazaro, de Carlo III, e de Leopoldo da Bélgica, etc.: e James Doncan Campbell, commissario e secretario não residente da inspecção geral das alfandegas imperiaes maritimas chinezas da segunda classe da hierarchia civil chineza, tendo a condecoração do duplo Dragão, segunda divisão, segunda classe, commendador da ordem da Legião de Honra, e cavalleiro (companion da mui distincta ordem de S. Miguel e S. Jorge, devidamente auctorisados pelos seus respectivos governos, convieram no seguinte protocollo:
Artigo 1.° Um tratado no commercio e de amisade com a clausula da nação mais favorecida, será concluido e assignado em Pekim.
Art. 2.º A China confirma a perpetua occupação e governo do Macau e suas dependencias por Portugal como qualquer outra possessão portugueza.
Art. 3.° Portugal obriga-se a nunca alienar Macau e suas dependencias sem accordo com a China.
Art. 4.º Portugal obriga-se a cooperar com a China na cobrança do rendimento do opio em Macau, do mesmo modo que a Inglaterra em Hong-Kong.
Feito em Lisboa, em 23 de março de 1887. = Barros Gomes = J. Doncan Campbell.
Está conforme.-Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho do 1887. = A. de Ornellas.
Foram enviadas às commissões respectivas.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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