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N. 45
SESSÃO NOCTURNA DE l DE ABRIL DE 1902
Presidencia do Exa. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo
Secretarios - os Exmos. Srs.
Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal
Lida e approvada a acta, entrou-se na Ordem da noite (continuação da discussão do pertence ao projecto do Orçamento Geral do Estado). Usam da palavra os Srs. Francisco Martins, Almeida Serra, Alvaro Rego, Oliveira Mattos e Raposo Botelho - Tem a palavra para explicações o Sr. João Augusto Pereira, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro).
Abertura da sessão - Ás 9 horas da noite.
Presentes - 54 Senhores Deputados.
São os seguintes: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alipio Albano Camello, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Centeno, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues Ribeiro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Malheiro Dias, Conde de Castro e Solla, Conde de Paço-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Filippe Leite de Barros e Moura, Frederico dos Santos Martins, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Faustino de Pôças Leitão, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Coelho da Motta Prego, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, José de Mattos Sobral Cid, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Matheus Teixeira de Azevedo, Rodolpho Augusto de Sequeira, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde de Reguengo (Jorge).
Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Rodrigues Nogueira, Augusto Cesar da Rocha Louza, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Henrique Carlos de Carvalho Kendall José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes e Manuel Affonso de Espregueira.
Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Botelho, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Roque da Silveira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur fato de Miranda Montenegro, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos Augusto Ferreira, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches ferreira da Cunha, Eduardo Burnay, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Marcellino Arroyo, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Pereira Jardim, José Adolfo de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José da Cunha Lima, José Dias Ferreira, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Pereira de Lima, Julio Maria de Andrade e Sousa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Visconde de Mangualde e Visconde da Torre.
Acta - Approvada.
ORDEM DA NOITE
O Sr. Presidente : - Continua em discussão o parecer sobre as emendas ao projectado orçamento geral do Estado e tem a palavra o Sr. Frederico Martins.
O Sr. Frederico Martins: - Estava muito longe do meu pensamento, antes do discurso proferido na sessão d'esta manhã pelo Sr. João Augusto Pereira, o ter de usar hoje da palavra, porque, tendo sido dada para ordem do dia a
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apreciação do Orçamento, e achando-se já indicados d'este lado da Camara os oradores que haviam de tomar parte na discussão, eu entendia que não devia vir offuscar o brilho d'esses debates, com a pallidez da minha desauctorizada palavra.
Mas o desvio feito pelo illustre Deputado e tolerado pela Camara, dá-me o direito de pedir igual tolerancia para mim, não para vir discutir o projecto da extincção das comarcas ruraes da Ilha da Madeira, porque seria uma discussão longa, fastidiosa e, sobretudo, extemporanea, visto esse projecto não ter sido ainda dado para discussão; não para responder aos argumentos offerecidos pelo illustre Deputado, pois imagino que não offereceu argumento algum, - mas para destruir o effeito de certas phrases que S. Exa. no seu, aliás, bem elaborado discurso, deixou escapar, e que, estou certo, não lhe succederia, se se tivesse informado, como devia, do assumpto, que foi objecto das suas apreciações.
Os signatarios do projecto, Deputados pela Madeira, obedeceram ás reclamações feitas pelos povos d'aquella ilha, á repetição, direi melhor, d'essas reclamações, porque, de ha muitos annos, por elementos de todos os partidos, se tem advogado a extincção d'essas comarcas e o restabelecimento do regime anterior a 1875, no qual todos vêem incontestaveis vantagens para os litigantes.
Os Deputados signatarios do projecto procederam com a convicção profunda e intima de que vinham advogar uma causa que representava uma utilidade grande para os povos do seu circulo, e offereceram, como justificação do seu projecto, que a medida proposta traria áquelles povos maior commodidade, maior economia e, sobretudo, maior garantia de uma boa administração da justiça.
Não me parece que possa haver criterio mais seguro do que este, para avaliar uma organização judicial.
Mas o illustre Deputado não encarou a questão sob este aspecto.
O Sr. João Augusto Pereira: - Eu não discuti o projecto, apenas fiz ligeirissimas referencias. Quando elle vier á tela da discussão, então será occasião de o apreciar.
O Orador: - Eu não posso responder áquillo que S. Exa. pretendeu dizer; respondo ao que S. Exa. disse.
S. Exa., no seu discurso, encarou a questão sob outro aspecto, e disso que a extracção das comarcas ruraes da Ilha da Madeira era prejudicial, porque essas comarcas eram rendosas, e apresentou esses dados estatisticos para mostrar á Camara que tanto o juiz e delegado, como o restante pessoal das referidos comarcas, recebiam proventos grandes.
Mas, Sr. Presidente, V. Exa. que é um magistrado distinctissimo, sabe perfeitamente que, pelo lado juridico, e só juridicamente podemos e devemos encarar a, questão, e rendimento das comarcas não pode ser criterio para fundamentar uma organizado judicial.
Podo ser um elemento de valor, na questão economica, visto não termos ainda conseguido que o Estado chegasse á perfeição de dar ao povo a justiça gratuita; mas, sob o aspecto juridico, não é argumento com que se possa defender a conservação de uma comarca; pelo contrario, se essas comarcas são rendosas, se os povos pagam bem aos seus magistrados, mais uma razão para que a justiça seja boa, commoda e, sobretudo, garantida.
É exactamente isso o que não offerece a actual organização judicial da Ilha da Madeira.
Depois, S. Exa. viu a questão por outro prisma, e disse que neste projecto havia um interesse puramente politico, um plano imaginado pelos Deputados que assignaram o projecto, para evitar que alguns seus amigos politicos, que estavam processados, fossem julgados.
Oh! Sr. Presidente, porventura ha alguem de mediana illustração que possa suppor que a extincção de uma comarca implica a extincção dos processos ?!
Um homem que está pronunciado deixa de ser julgado pelo facto de se extinguir uma comarca?
Porventura, extincta a comarca de Santa Cruz, se os suppostos criminosos politicos tiverem de ser julgados no Funchal por um juiz de l.ª classe, que tem sobre os juizes das comarcas ruraes a vantagem de ser homem mais pratico, porque tem mais annos de serviço, porventura, repito, o julgamento no Funchal offerece menos garantia do que sendo feito em Santa Cruz?
Da parte de S. Exa. é que vejo intuitos politicos e o desejo manifestado pelo illustre Deputado de que os nossos amigos politicos sejam julgados pelo juiz de Santa Cruz, sobre quem pesa um processo de syndicancia por irregularidades praticadas na eleição, faz-me convencer de que S. Exa. quer, não um juiz imparcial, mas um juiz da sua feição, que pode offerecer garantias ao partido progressista, mas não á justiça, que precisa e deve ser imparcial.
Ora, é essa imparcial, é essa verdadeira justiça que nós queremos, para julgamento dos nossos criminosos.
Depois, referiu-se o illustre Deputado á questão politica da Madeira, ás eleições, á maneira como tem procedido o governador civil, e até ao annuncio da proxima visita de Sua Majestade áquella ilha, e aos perigos que offerece a conservação ali da actual auctoridade administrativa.
Com relação ao governador civil da Madeira, devo dizer que não posso fazer a sua defesa, apesar de ser amigo intimo de S. Exa. e de ter pelo illustre magistrado o respeito que se deve a um caracter superior, porque por mais de uma vez o illustre Presidente do Conselho tem declarado que, nesta Camara, não ha governadores civis; que ha apenas S. Exa. a responder por todos elles; e, se S. Exa. conserva no Funchal o governador civil que fez as eleições, que tanto desagradaram ao illustre Deputado, é porque tem confiança absoluta nelle, é porque pode responder, nesta casa, por todos os actos por elle praticados.
Mas já que o illustre Deputado aqui falou na proxima visita de Sua Majestade ás ilhas, devo avivar a memoria de S. Exa. e trazer ao conhecimento da Camara um facto, que talvez não conheça, mas que é importante na apreciação do que se trata.
É o seguinte:
O anno passado, quando se annunciava a visita de Suas Majestades á Ilha da Madeira, o orgão do partido progressista no Funchal, habil e distinctamente dirigido pelo illustre Deputado, Sr. João Augusto Pereira, declarava, de uma maneira muito nobre, que naquella occasião não era progressista, mas sim monarchico, e que, pondo de parte as paixões politicas, todo o seu empenho era que a Madeira se apresentasse dignamente, perante a honra que Suas Majestades lhe davam da sua visita.
Em varios artigos publicados no mesmo jornal, de que, como disse, S. Exa. é director, pedia-se ao Governo que mandasse para a Madeira um governador civil que, pelas suas qualidades de representação e provadas sympathias, pudesse unir toda a familia madeirense, de maneira a pôr bem em relevo, o amor, respeito e admiração que todo o povo da Madeira vota aos seus Monarchas. E foi mais longe ainda. Chegou a indicar o nome do governador civil que mais convinha na occasião. E sabe V. Exa., Sr. Presidente, que nome foi? Foi o nome de José Ribeiro da Cunha, do governador accusado esta manhã pelo illustre Deputado.
Referiu-se tambem S. Exa. á maneira como procede na Madeira o partido regenerador, e lamentou, que o illustre chefe d'esse partido esteja a ser desauctorizado na Madeira por uns amigos desleaes e de occasião. Como faço parte d'esses amigos, não quero fazer agora a minha defesa; prefiro deixar ao illustre chefe do partido regenerador a livre apreciação do caracter dos seus amigos da Madeira; mas o que devo dizer é que acho admiravel, e admiravel
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por ser uma cousa rara (porque emfim os homens não são feitos só de virtudes; predomina em todos um certo egoismo e o egoismo vae dos homens aos partidos) e por isso acho extraordinario que um Deputado progressista venha lamentar a decadencia do partido regenerador na Madeira, quando d'esse esphacelamento só pode resultar vantagem para o partido contrario.
Conservando-me nesta altitude de admiração, porque realmente não estou habituado a ver taes manifestações de altruismo, limito-me, com relação ao procedimento dos correligionarios do Sr. Hintze Ribeiro, na Madeira a pedir a S. Exa. que aprecie bem a maneira como elles teem procedido, de modo que esses correligionarios não possam manchar o programma honrado e digno que sempre tem seguido o partido regenerador.
Mas desde já posso affirmar que esse programma está garantido, na Madeira e em toda a parte, pelas superiores qualidades do Sr. Presidente do Conselho, que, sem contestação, tem a elevação de caracter, tem a força moral que deve ter um chefe de partido, para chamar á ordem e manter em disciplina todos os seus correligionarios.
Está, pois, garantido e bem garantido em S. Exa. o presente e o futuro do partido regenerador, em todo o país. (Vozes: - Muito bem).
Mas antes de terminar, devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que a maneira como tem procedido o partido progressista na Madeira, é uma questão interessante! Apesar de ser uma questão local, posso assegurar, Sr. Presidente, que a politica progressista da Madeira, sobretudo no que diz respeito ás ultimas e anormaes eleições ali realizadas, acha-se rodeada de peripecias, que hão de offerecer interesse ao país inteiro!...
Tenho estado d'este lado da Camara, ancioso porque a interpellação annunciada ha um mês, ou ha mais, pelo Sr. João Augusto Pereira, se realize, para que se discuta, com toda a imparcialidade, a questão eleitoral da Madeira; pois quero ver, Sr. Presidente, - eu sou muito curioso, - quero ver como se conciliam as declarações terminantes, sinceras, francas, feitas pelo Sr. Conselheiro Alpoim, liberal convicto, inimigo irreconciliavel do partido reaccionario, do "partido nacional", como claramente o manifestou nesta casa, num aviso previo ao Sr. Ministro da Justiça, quero ver Sr. Presidente como se conciliam essas ideias, que S. Exa. diz, no seu jornal, serem perfilhadas por todo Estado Maior do "partido progressista", com a celebre alliança feita na Madeira, com o "partido nacional"!!
Se tiver a ventura de assistir a essa interpellação, hei de pedir encarecidamente ao chefe do meu partido, ao Sr. Presidente do Conselho, que me permitta, mesmo com quebra das praxes parlamentares e da disciplina do partido, que me possa collocar na linha neutra d'esta Camara, no logar destinado aos extra-partidarios, para ali, muito á vontade, poder dar apoiados ao Sr. Conselheiro Alpoim, que é um caracter serio, e um liberal convicto, e que ha de repetir a declaração, que fez outro dia, embora com desagrado do Sr. João Augusto Pereira: a de que o "partido nacional" é um partido fora da ordem e fora da lei!"
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos Srs. Deputados).
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Almeida Serra: - Sr. Presidente: antes de entrar no assumpto para que pedi a palavra, julgo do meu dever felicitar o illustre Deputado, que acaba de falar, e que embora se não occupasse precisamente da materia que estava em discussão, revelou uma grandissima facilidade de palavra e ao mesmo tempo bastante elevação de phrase Felicito-o por isso.
Passo agora a entrar no assumpto para que pedi a palavra.
Vou occupar-me, Sr. Presidente, de uma emenda apresentada por mim ao Orçamento durante a sua discussão que tinha por objectivo uma ideia tão elevada e tão cheia de justiça; depositava nella tanta confiança que ao vê-la recebida com o maior agrado pela opinião publica e pela imprensa; ao saber da sympathia que ella inspirou a uma grande parte dos Srs. Deputados da maioria e aos meus amigos d'este lado da Camara, nunca sequer imaginei que fosse rejeitada pela commissão do orçamento, tanto mais que essa commissão tinha perdido a auctoridade moral para a rejeitar.
Quem procede como a commissão procedeu com referencia a outros assumptos não tem auctoridade moral para dizer em nome de uma economia hypocrita, que podem
continuar a morrer de fome empregados das secretarias que estão vencendo 530 réis por dia; isto é, o bastante para morrerem á mingoa ao pé de uma esquina funccionarios a quem o Estado impõe a obrigação não só de desempenharem serviços de valor, mas de se apresentarem nas repartições de forma que as não envergonhem.
Não é, nem pode ser verdade que d'esta maneira se pague aos amanuenses das Secretarias de Estado, porque e lhes não pode pagar melhor. Não pode ser, visto que se não tem procedido de igual maneira com outros empregados que tinham vencimentos relativamente elevados e a quem se augmentaram quantias que chegavam para dar pão aos amanuenses, que tão parca e desigualmente são emunerados, como eu me encarrego de demonstrar.
Na emenda que propus e fundamentei para que fossem quiparados nos seus vencimentos todos os amanuenses das Secretarias de Estado, não pedia unicamente fosse respeitada a equidade. Pedia mais do que isso. Pedia o cumprimento de uma lei; não era um favor, e quer V. Exa. saber qual era a lei, cujo cumprimento pedia? É a lei de 5 de julho de 1900, que no seu artigo 17.°, n.° 4.°, auctorizava o Governo a unificar os vencimentos dos amanuenses das Secretarias de Estado.
O actual Governo que tanto usou e abusou das auctorizações que lhe foram concedidas, porque é que assim desprezou esta?
Provavelmente porque ella continha um santo principio de justiça, e justiça para os pequenos, é cousa que me parece não existe no nosso país.
Se fossem engenheiros com um vencimento de l :920$000 réis ou mesmo 1:500$000 réis alem das ajudas de custo, podia-se-lhes augmentar o mesmo vencimento com mais 360$000 ou 300$000 réis.
Para esses sim, que ganhavam relativamente bastante, embora não ganhassem muito; mas para aquelles que recebem somente 240$000 réis sujeitos a descontos, são tão precarias as condições do Thesouro, está tão pobre o país e são tão parcos os seus recursos que se lhes não podem elevar os vencimentos a 360$000 réis!!!
Sr. Presidente: um dos argumentos em que me fundei para pedir a equiparação dos vencimentos dos amanuenses foi o procedimeto que se teve no Ministerio das Obras Publicas com os engenheiros, e o que teve a commissão do orçamento com relação aos chefes e primeiros officiaes das repartições das duas Camaras, Dignos Pares e Senhores Deputados, a respeito dos quaes a commissão diz:
(Leu).
Não sei de onde partiu a ideia para igualar os vencimentos dos referidos funccionarios com os de igual categoria nas demais repartições do Estado; mas fosse qual fosse a sua origem considero-a boa, equitativa e justa.
Empregados que gozam de igual categoria, que teem iguaes responsabilidades, devem tambem ter iguaes vencimentos.
Não me repugna nem censuro o procedimento da commissão. Como já disse, não sei de onde partiu a ideia para essa equiparação. O que sei é que todos os membros da commissão concordaram com ella, porque assignaram o parecer sem declaração.
Animou-me essa deliberação e dirigi-me ao Sr. Relator
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Geral, apresentando-lhe a tenção em que estava de apresentar a minha emenda, que considerava tão justa como a que já tinha sido votada; mas recebi um terminante protesto de votar contra ella, porque tambem tinha votado contra a que a commissão tinha resolvido.
Não acreditei esta ultima parte.
Não posso comprehender como um membro de determinada commissão é vencido em qualquer assumpto que nesta se discute e resolve, e acceita depois ser o relator geral, assignando o parecer sem declaração alguma; tendo assim de defender opiniões que combateu.
O Sr. Relator quis desviar-me do meu intento, o que não conseguiu; e para inutilizar um dos argumentos que eu empregava lançou depois mão da um expediente que nem affirma habilidade nem significa correcção.
Apresenta elle uma emenda nova, que altura por completo o que a commissão já tinha resolvido, approvando outra emenda; e assim consegue fingir que tudo voltou ao antigo estudo; e esta nova emenda apparece approvada pela commissão, dizendo que não onde já tinha dito que sim, e isto sem que um unico dos seus membros tivesse a coragem de se manter na primitiva opinião, porque todos assignaram a segunda resolução sem um unico protesto.
E para que foi isto? Para simularem que tanto os chefes como os primeiros officiaes das repartições das duas Camaras não soffriam alteração nos vencimentos, e por isso tambem os amanuenses o não deviam soffrer.
Não enganou a pessoa alguma o expediente da commissão ou do seu relator geral e collocaram os funccionarios em peores condições do que estavam com a primitiva solução.
Na febre de conceder auctorizações de que tanto se tem abusado e tantos prejuizos teem causado ás finanças publicas, é a commissão de parecer que se auctorizem as mesas das duas Camaras, aliás compostas de cavalheiros e magistrados muito dignos, a que possam rever os artigos 7.° e 10.° do capitulo 2.°, por forma a equiparar os vencimentos dos seus respectivos empregados com os das outras Secretarias do Estado.
Já não é pouco os Ministros alterarem o Orçamento quando lhes convem; concede-se igual poder ás mesas das Camaras Legislativas para se fingir que não foi concedida uma equiparação a vencimentos que terá realidade, mas que colloca os beneficiados em situação mais inferior áquella em que os tinha collocado a primitiva emenda, embora recebam os mesmos vencimentos.
Pela emenda da commissão os funccionarios que ella visava ficavam, recebendo por uma deliberação que era lei; pela do Sr. Relator recebem a mesma cousa, mas por um favor, que teem de agradecer, e com o qual nem sempre poderão contar.
Isto só serve para convencer da opinião que se deve formar de um orçamento do Estado.
Prova que elle é um documento destinado a encobrir a verdade e a facilitar favores, não dizendo ao país o que devia franca e lealmente dizer. (Apoiados).
Se a commissão do orçamento procedesse unicamente movida pelo desejo de não aggravar as condições difficeis em que se encontra o Thesouro, negando augmento de vencimentos a funccionarios que não teem uma situação desafogada seria muito louvavel o seu procedimento; mas os factos dizem o contrario.
Quando apreciou o orçamento do Ministerio da Guerra, que em comparação com o do anno anterior augmentava a despesa em 297:407$026 réis, entendeu a commissão que devia substituir por outra a proposta do Ministro.
Podia alguem suppor que foi para reduzir a despesa que a commissão fez a alteração. Puro engano.
A despesa, que já era elevada, foi augmentada ainda pela commissão em quantia superior a 25:000$000 réis. (Apoiados).
Ao circunstancias do Thesouro Publico não permittiam que aos pobres amanuenses das Secretarias de Estado se equiparassem os seus vencimentos pagando a cada um réis 360$000, mas não ficavam aggravadas em augmentar uma despesa que já estava grandemente avolumada.
É assim que a commissão do orçamento advoga os interesses do país? É augmentando as despesas do Ministerio da Guerra com mais 25:000$00 réis?
Mas não tem duvida. As cousas da guerra andam muito mal pagas. O Ministerio da Guerra gasta apenas uma insignificancia. Gasta perto de 7.000:000$000 réis com um exercito... que não tem soldados. (Apoiados).
O Sr. Carlos Pessanha: - Gasta muito mais.
O Orador: - Eu calculei 6.430:000$000 réis, que o orçamento auctoriza, mas addicionando-lhe a quantia não inferior a 500:000$000 réis, proveniente das remissões, e que por conveniencias não sei de que especie, o orçamento não descreve, approximava-se da somma que referi; mas se contarmos já com os creditos especiaes que hão de apparecer, não tenho duvida em que a despesa ha de passar de 7.000:000$000 réis. (Apoiados).
Realmente é uma ninharia gastar 7.000:000$000 réis com um exercito que não tem soldados.
E não penso a Camara que eu insisto em que o exercito não tem soldados, e não posso justificar a affirmativa.
Ainda não ha muito tempo, e o caso passou officialmente pelas minhas mãos, que um governador civil se queixava de que, achando-se aquartelado na sede do seu distrato um regimento, não havia possibilidade de obter ao menos tres soldados e um cabo, que fizessem a guarda á cadeia, que era feita por praças do corpo de policia, apesar do insignificante e com grande agglomeração de serviço. O regimento não tinha soldados. Passou-se isto em Leiria.
Mas não é preciso sair para fora de Lisboa, para nos convencermos de que o exercito não tem soldados, mas consome, ou serve de pretexto para consumir muito dinheiro.
Na capital a guarda do Limoeiro é feita permanentemente por praças da Guarda Municipal, devendo ser feita por soldados da 1.ª divisão. Acontece o mesmo com a guarda da Penitenciaria, e até com a da Casa da Moeda, sobrecarregando assim o serviço das Guardas Municipaes, que não foram criadas para allivio da respectiva divisão.
Todos sabem que em Lisboa ha quatro corpos de infantaria, creio que dois, ou cousa semelhante, de caçadores, dois de cavallaria, dois de artilharia, um de engenharia e não sei que companhias mais com diversas denominações, mas tudo isto não contém soldados para guardarem ao menos a Casa da Moeda.
Soldados, muito poucos, e os que existem são tão mal pagos que, como disse nesta Camara o illustre Deputado o Sr. Costa Ornellas, para as vezes escreverem uma carta á familia, precisam do gastar tres dias de vencimento, porque apenas recebem 10 réis por dia.
E apesar d'isto gastamos com o exercito mais de réis 7.000:000$000.
O quadro dos officiaes, esse deve estar completo, e até é muito de crer que se ache excedido. Alguma cousa deviamos ter.
Eu sei, Sr. Presidente, que temos no quadro dos officiaes do exercito militares muito distinctos pela sua illustração e muito recommendaveis pela sua valentia, mas até elles proprios se devem sentir vexados por não terem soldados para commandar.
O que temos tambem completo, excedido, mas muito vistoso e elegante é o estado maior. Esse sim. É a unica consolação que nos fica de não termos soldados. Custa muito dinheiro, mas isso não tem importancia, uma vez que é o contribuinte que paga e não se queixa por forma que faça bulha.
Comtanto que seja para gastar em nome do exercito, tudo é pouco. Com as classes inactivas gastamos mais de
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1.500:000$000 réis, mas só com o exercito e com a marinha, e em reformados ou aposentados consumimos réis 1.200:000$000. O que não podemos é despender pouco mais de 17:000$000 réis para igualar os vencimentos dos amanuenses. Pode fazer falta ao exercito. (Apoiados).
Já mostrei que a commissão do orçamento carecia de auctoridade moral para em nome das condições do Thesouro negar approvação á minha emenda, pedindo equiparação dos vencimentos para os amanuenses das Secretarias de Estado, que, tendo todos iguaes obrigações, as mesmas responsabilidades e identica categoria, recebem uns 360$000 réis, outros 300$000 réis e outros 240$000 réis, recebendo alguns 324$000 réis, mas em numero muito resumido. Com este ultimo vencimento ha um amanuense na Fazenda, e, segundo uma relação que tenho presente, dois no Ministerio do Reino, mas fui hoje informado de que um foi promovido a segundo official. Não melhorou muito, mas sempre está melhor. A despesa resultante da equiparação, que eu pedia, sommava apenas em 17:452$000 réis.
Vamos por Ministerios.
No Ministerio das Obras Publicas não pedia alteração, porque esse é um Ministerio, fidalgo e abonado. Ahi todos os amanuenses vencem 360$000 réis. Se eu d'ahi pedisse alguma cousa era que das ajudas de custo, gratificações, transportes e das trinta mil verbas que se destinam a despesas diversas, e que eu não sei para onde vão, se tirassem as quantias precisas para ajudar a dar pão a estes funccionarios, que morrem de fome.
No Ministerio da Fazenda ha 35 amanuenses, que vencem a 360$000 réis; l, 324$000 réis e 145 a 300$000 réis. Com o vencimento de 240$000 réis não ha um só, apesar do seu numero avultado, e tão grande, que me admira como nalgumas repartições se accomodam tantos funccionarios e como a todos se dá serviço.
Eu, Sr. Presidente, pertenço a uma direcção que, tendo duas repartições, contém apenas 12 empregados actualmente e o serviço não é pouco, mas trabalhamos todos, a começar pelo director geral, que é o primeiro entre os primeiros! O Sr. Presidente do Conselho, que neste assumpto deve ser imparcial, como estou convencido que ,é, e cuja palavra não deve offerecer duvida á Camara, pode attestar se nessas repartições se trabalha ou não. Pois, como já disse, somos apenas 12 empregados. Na Direcção de Contabilidade da Fazenda, tendo 9 repartições, numa d'ellas só amanuenses são 17. São mais os amanuenses do que todos os funccionarios da minha direcção.
Não Haverá amanuenses de mais? Afigura-se-me que sim, e portanto reduzam-lhes o numero, simplifiquem os serviços, mas paguem condignamente aos que forem indispensaveis, e em harmonia com as funcções que exercem.
No Ministerio da Marinha ha 3 amanuenses com o vencimento de 300$000 réis, l com o de 324$000 réis e 38 com o de 240$000 réis.
No Ministerio da Justiça não temos senão 10 amanuenses, mas todos a 240$000 réis, e no dos Estrangeiros ha, segundo creio, apenas 6, mas tambem com o vencimento de 240$000 réis. Estes não sei bem se são amanuenses, porque lhes afidalgaram as denominações.
Teem os nomes pomposos de chancelleres e de addidos, mas ganham unicamente 240$000 réis. Nobilitaram-lhes os nomes para os compensarem do pequeno vencimento.
Foi a estes funccionarios, todos com vencimentos inferiores a 360000 réis, que me negaram a equiparação com os que vencem mais.
Acharam nisto um escandalo, um esbanjamento e o Governo não consentia no escandalo.
Se foi o Sr. Ministro da Fazenda que se oppôs a que a commissão igualasse os vencimentos d'estes funccionarios, S. Exa. com toda a certeza não pensou no que fez, porque se pensasse não se contraditava de uma maneira tão flagrante.
Com a reforma que se fez no Ministerio das Obras Publicas augmentou-se o quadro dos engenheiros, e falo só dos engenheiros sem mencionar os architectos, os desenhadores e conductores, e sem pretender saber quem são os engenheiros. Quero só apontar os factos.
Por essa reforma temos os seguintes augmentos:
Engenheiros que venciam 1:820$000 réis, passaram a 2:280$000 réis; outros que venciam 1:560$000 réis, passaram a 1:860$000 réis. Os que venciam 1:320$000 réis, passaram a 1:500$000 réis. E augmentou-se ainda o quadro com mais 10 engenheiros, subindo a despesa para a somma de 24:240$000 réis. Não quero saber sé esses funccionarios estavam bem ou mal pagos, mas posso affirmar que relativamente estão mais bem pagos do que os juizes da Relação, que quando chegam a esta situação teem estudado muito, trabalhado muito e pesado com grandes responsabilidades, bem maiores do que as dos engenheiros, e apenas vencem 1:600$000 réis, emquanto alguns engenheiros vencem muito mais sem contar as ajudas de custo e outras cousas mais.
O Sr. Ministro da Fazenda teve com certeza conhecimento d'este augmento de despesa e consentiu nelle. Que auctoridade tem então S. Exa. para negar aos pobres amanuenses um augmento de vencimento, em que sendo 222 os beneficiados, a despesa apenas sobe a 17:452$000 réis?
Pode-se gastar para beneficiar 90 individuos (alguns engenheiros ficaram com os antigos vencimentos) mais de 24:000$000 réis, e para se fazer justiça a 222 amanuenses não se pode gastar a importancia 17:400$000 réis?!
Francamente, ou a equidade fugiu d'este país, ou eu não sei o que seja justiça.
Já disse que muitos amanuenses teem por dia 530 réis de vencimento. Como quer o Sr. Ministro que em Lisboa se viva decentemente com tão diminuta quantia?
Mas ha peor ainda. Ha no anno duas epocas que, para os amanuenses que não tenham outros recursos, são verdadeiramente afflictivas. São as epocas do pagamento das rendas de casas.
Não teem dinheiro; os senhorios não lhes cedem, as casas de graça e os desgraçados lançam mão do unico recurso. Pedem um adeantamento e reduzem o seu vencimento a 11$000 réis, quando muito, por mês.
Como é que alguem na epoca presente pode viver o trabalhar com tão diminuto vencimento? Pois não será de justiça, não será mesmo de moralidade que os vencimentos dos amanuenses fossem equiparados com os dos que ganham 360$000 réis?
Custa-me a comprehender que haja quem negue apoio á minha emenda.
Sr. Presidente: quando propus a minha emenda, não queria com ella affligir o contribuinte. Não queria que com ella se augmentassem as contribuições. O contribuinte já está sobejamente sobrecarregado com a contribuição predial, de renda de casas, industrial, sumptuaria, de sêllo, emfim por trinta formas e modos de lhe exigirem dinheiro. Não queria isso.
O que eu pedia, era que houvesse melhor distribuição nas despesas, e que a essa distribuição presidisse a equidade, apontando para tanto as verbas que podiam ser reduzidas.
No Ministerio da Fazenda encontrei uma verba com destino a subsidios e ajudas de custo na somma de 65:590$000 réis; não era muito que d'ella se retirasse uma parcella que fosse ajudar o augmento do vencimento aos amanuenses.
Dêem menos subsidios, mas paguem melhores ordenados.
No Ministerio do Reino encontrei para policia preventiva 36:000$000 réis; pois, tambem não era muito que
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d'ella se tirassem 2 ou 3:000$000 réis que ainda ficava bastante para prevenções e eleições.
No Ministerio da Marinha ha entre outras uma verba de 48.000$000 réis para encargos diversos, que bem se poderia dizer o systema de facilitar favores; e d'ella podia sair muito bem uma quantia para perfazer os vencimentos dos amanuenses.
No Ministerio da Justiça é pequeno o numero dos amanuenses e ainda é menor no Ministerio dos Estrangeiros. De qualquer verba podia sair o augmento. Da verba destinada para as cadeias podia muito sair; e quando não fosse bastante recorresse-se aos Ministerios das Obras Publicas e da Guerra, onde ha muitas despesas que se podiam evitar e que davam á larga para cobrir o augmento d'estes vencimentos.
Por parte da guerra seria grande a opposição, mas não admira, porque quando aqui se discutiu o orçamento respectivo ouvi dizer que tudo lá andava mal pago. É possivel, a começar pelos officiaes, em cujo quadro os ha muito valentes e distinctos, mas sem terem soldados para commandar.
Ao Sr. Deputado Ornellas ouvi eu dizer que os officiaes do exercito e principalmente os alferes andavam muito mal pagos, e tanto que estes recebiam 33$000 e tantos réis por mês.
Creio isso, não andam bem pagos; mas, Sr. Presidente, em 1838 o vencimento de um alferes era de 240$000 réis por anno. Precisamente igual ao vencimento de um amanuense.
Presentemente, o alferes com deducções recebe 33$000 e tantos réis por mês, mas tem mais um criado pago pelo Estado.
Uma voz: - Nem todos.
O Orador: - Pelo menos parece-me que os arregimentados teem um criado pago pelo Estado que lhes escova o fato, engraxa as botas e faz outros serviços. O amanuense, esse, coitado, não tem nada d'isso.
O alferes, se tem de fazer viagem em caminhos de ferro é-lho concedido um bonus de 50 por cento. O amanuense não tem nada d'isso.
O alferes tem a esperança de ser dispensado da contribuição de renda de casas; o amanuense nem essa esperança tem.
Nenhum alferes em effectivo serviço permanece 10 annos na sua situação, e ha amanuenses com mais de 30 annos de serviço como taes.
E, apesar de tudo, com relação a vencimentos, o alferes subiu, o amanuense desceu.
Na comparação dos vencimentos dos officiaes militares com os dos funccionarios civis eu vou pelo exercito.
Eu tambem sou empregado publico; tambem tenho como os outros um ordenado unicamente nominal. As contribuições ordinarias que eu pago sobre um ordenado de réis 1:280$000 são a bagatella de 230$540 réis por anno.
Não ha militar algum com um ordenado igual ao meu, que tenha uma deducção de tal quantia, e os contribuintes pagam tanto para os funccionarios civis como para os militares, mas estes ainda se queixam.
Quem se queixa com razão são os amanuenses, mas a commissão do orçamento não os quis ouvir.
Rejeitou a minha emenda porque, diz, as verbas que eu indicava para d'ellas sairem as quantias necessarias para o augmento dos vencimentos eram indispensaveis para os serviços a que são destinadas.
Mas que serviços são esses? Se os conhecem, porque os não descrevem?
A commissão, á falta de melhor razão, deu uma que para nada serve. Talvez que a razão principal fosse o desejo de ser desagradavel a quem propôs a emenda, visto que em outras que traziam augmento de despesa não vacillou em as approvar, e vou apreciar algumas.
A emenda n.° 10 foi apresentada pelo Sr. Relator Geral e é concebida nestes termos:
"É auctorizado o Governo a abrir no Ministerio da Fazenda a favor do Ministerio do Reino creditos especiaes para subsidiar o fundo de instrucção primaria no exercicio e 1902-1903 com a importancia, correspondente ao augmento de vencimento concedido aos professores e professores ajudantes pelos artigos 39.° e 44.° do decreto n,° 8 de 24 de dezembro de 1901, cujas disposições ficam por esta forma confirmadas".
Quando li esta emenda impressionaram-me estas palavras "cujas disposições", etc.
Pois então seria preciso que a commissão do orçamento propusesse a confirmação de um decreto que tinha sido feito em virtude de uma auctorização legal?
Quis-me esclarecer e fui examinar o decreto e disposição que devia ser confirmada e encontrei em tudo isto uma verdadeira insidia da commissão de combinação com o Governo.
O decreto n.º 8, de 24 de dezembro de 1901, estabelece no artigo 39.° que os vencimentos dos professores de instrucção primaria são de categoria e exercicio, e dependentes das classes a que os professores pertencerem; e determina que os que á data do decreto vencerem maior ordenado ficarão com elle; que em Lisboa e Porto os professores terão 54$000 réis de residencia, e se não puderem viver na casa da escola terão mais 100$000 réis para renda de casa. Estabelece outros preceitos e no § 7.° diz: A execução do preceituado no texto do artigo 39.° fica dependente de disposição legislativa.
Ora aqui está explicado o motivo por que na emenda proposta se incluiu a tal declaração confirmando o decreto.
A tal confirmação devia constar de uma proposta nos termos regulares para se apreciar convenientemente; mas, tudo se consegue incluindo habilidosamente em uma emenda do orçamento uma disposição criando despesa e dando execução insidiosamente a uma lei.
Isto será muito habilidoso mas não é correcto.
E não se poderia ao menos na emenda determinar qual a importancia da despesa que ella produz?
E onde se ha de ir buscar a receita para fazer face a tal despesa?
E facil a resposta.
Augmenta-se o deficit e quem vier depois que pague.
Mas mais ainda.
Numa outra proposta de emenda assignada pelo mesmo Sr. Relator Geral e pelo illustre Deputado Sr. Alipio Camello, pretende-se a inclusão no Orçamento de uma verba fixada em certa deliberação da Camara Municipal de Lisboa para um seu empregado, que hoje é chefe da secretaria do Commissariado de Instrucção Primaria.
Quer-se justificar a approvação d'esta emenda com um arrazoado muito extenso e entre elle encontram-se estas palavras:
"Deve-se acabar com a desigualdade que nas vencimentos e classificações existe dando-se a anomalia de haver funccionarios que, apesar de possuirem, identica categoria, e ás vezes mais tempo de serviço e superiores habilitações vencem ordenado inferior".
Mas, Sr. Presidente, se este principio é de rigorosa justiça para applicar ao funccionario que a emenda visa, e que não quero conhecer, porque se desprezou para os amanuenses das secretarias? (Apoiados).
Esta estava mais recommendada, e tanto que a commissão não se encarregou de dizer qual a despesa que custa a sua approvação, nem liga á Camara a importancia de lhe dar a saber essas cousas.
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Quem tiver curiosidade e quiser saber, que vá consultar as actas da Camara Municipal de Lisboa ahi pelo anno de 1892 e talvez fique sabendo o que deseja.
Mas isto não é serio.
É preciso que a Camara saiba o que vota.
Augmenta-se a despesa, mas onde está a receita? Fica á consignação do deficit, que só serviu de papão para os amanuenses, como continuarei a demonstrar, soccorrendo-me a outra emenda do Sr. Relator Geral, que a commissão acceitou, e que merece serios reparos, sendo esta tambem assignada e votada por o professor e Deputado Sr. Alipio Camello.
Essa emenda refere-se á inscripção no orçamento do Ministerio do Reino, da gratificação de exercicio para os professores dos lyceus e que essa gratificação se divida por decimos, isto é, que seja paga em 10 meses.
O decreto de 22 de dezembro de 1894, que regula os vencimentos dos professores é clarissimo e divide o mesmo vencimento em categoria e exercicio, ou melhor, designa a gratificação que os professores poderão ter pelo exercicio.
É incontestavel que ha dois meses no anno, pelo menos, em que os professores não exercem o ensino, e a repartição de contabilidade nesses dois meses apenas lhe contava o vencimento de categoria, e parece-me que muito bem.
A emenda do Sr. Relator Geral quer que aos professores se conte a gratificação como se a vencessem em todos os meses, mas a somma d'estes divide-se e paga-se por 10 meses ou melhor, paga-se em decimos.
É o proprio Sr. Relator Geral, e o Deputado, professor, que assigna a proposta, a confessarem a correcção da repartição de contabilidade, quando considerava e contava 2 meses como não havendo exercicio.
A lei era clara, e a emenda representa um favor e não uma legalidade ou justiça.
Mas então porque é que se concede a uns o que se nega a outros? (Apoiados).
Os amanuenses não merecem esses favores?
Creio que não, e a prova é que o Sr. Ministro do Reino em dezembro ultimo fez a reforma da secretaria do Hospital de S. José, que é uma dependencia da Direcção Geral de Saude e Beneficencia do Ministerio do Reino, e por essa reforma os amanuenses da secretaria do hospital ficaram com o vencimento de 360$000?
Quer dizer os amanuenses da repartição inferior teem o vencimento de 360$000 réis emquanto que os da direcção geral superior apenas ganham 240$000 réis.
Será porque os amanuenses do Hospital de S. José tenham maiores exigencias de estomago do que os das Secretarias do Estado?
Não será uma iniquidade revoltante pagarem a empregados inferiores vencimentos mais elevados, do que os que recebem os de graduação superior? (Apoiados).
Continuemos ainda com a analyse do procedimento da commissão com relação a emendas.
Com respeito ao capitulo 10.°, artigo 25.°, secção 6.ª, ha uma emenda do Sr. Deputado Sarsfield, propondo que a verba para subsidios a viuvas e orphãos de officiaes do exercito seja no orçamento do Ministerio da Guerra elevada a 10:440$000 réis.
A commissão approva a emenda, porque representa apenas um augmento de despesa de 360$000 réis e é uma gota de agua lançada nesse mar de requerimentos de tantas pobres familias vivendo em desesperadas condições financeiras.
Oh senhores, que caridade enormissima desenvolveu a commissão para beneficiar 10 familias!
Ha só uma diferença, é que as beneficia contra a lei, porque contra lei já era a inscripção de 10:000$000 réis no Orçamento.
A commissão para justificar a verba, invoca lei de 28 de junho de 1880, que dispunha:
(Leu).
Então se a auctorização da lei de 1880 só permittia a concessão de subsidios até 3:000$000 réis, como é que essa verba se elevou a mais de 10:000$000 réis e ainda se propõe e acceita novo augmento?
Não será tudo uma completa illegalidade para proteger em muitos casos uma imprevidencia?
A lei era expressa em determinar que a quantia auctorizada somente podia ser destinada a subsidios ás actuaes viuvas e orphãos de officiaes do exercito, que não recebem pensão do Montepio Official por algum de tres motivos:
1.° Porque os paes ou maridos fallecessem antes da criação do montepio;
2.° Por não ter decorrido depois da fundação do montepio, o tempo preciso para adquirir direito a pensão;
3.° Por não ter sido permittido ao official o ingresso nessa associação.
É certo que a lei era só para as viuvas que em 1880, fossem taes, porque se refere ás actuaes. Não era para outras e o numero d'ellas deve ter diminuido muito.
Orphãos não os pode haver, porque os filhos de militares que eram menores em 1880, são inquestionavelmente todos maiores hoje e não se lhes pode já applicar a lei. Portanto, devia diminuir a verba auctorizada em 1880 e não augmentar como augmentou, e d'ella podiam ao menos deduzir 7:000$000 réis para a equiparação dos amanuenses nos seus vencimentos.
Mas não, este país vae sendo só quasi para militares. Até se subsidiam as viuvas e filhos menores que lhes ficam, e nem um real para as viuvas e orphãos dos funccionarios civis, que ás vezes ficam em tristissimas condições.
Ainda não ha muito que reparando na falta de um amanuense na minha repartição, soubemos que se achava doente, e pedimos a um distincto facultactivo que por caridade fosse visitar o infeliz, porque não tinha meios de lhe pagar a visita. O Sr. Dr. Silva Carvalho prestou-se da melhor vontade, e no seu regresso dizia-nos com verdadeira commoção na sua voz e com os olhos marejados de lagrimas, que era sem esperanças o estado do desgraçado, que morria de fome.
Eu não sei se em V. Exa. produzirá os horrores que me causou a affirmação de que morria de fome um funccionario a quem o Estado pede decencia, honestidade e trabalho, e recebendo tudo isso o deixa morrer de fome!
São muito magros os recursos dos empregados publicos mas entre os seus collegas de repartição e outros, tirou-se uma subscripção que sem demora se lhe mandou, mas não a chegou a receber. Fallecia no momento em que o portador ia fazer a entrega. Ao menos obstou a que a viuva e uma filha menor, que era a familia, que deixava, se finassem de fome tambem n'aquelles dias, porque em casa não havia um real, nem valores que empenhar. Havia lagrimas e dores.
Para o enterro e luto mandou o sr. Presidente do Conselho, por pedido nosso, que da verba de beneficencia se dessem 100$000 réis á viuva.
Aqui tem a Camara, para quem recorro da negação de justiça que me fez a commissão do orçamento, qual a abundancia em que vivem e morrem os amanuenses das Secretarias do Estado.
Este era dos que recebiam apenas 240$000 réis.
Como já tive occasião de dizer não pedia esbanjamentos, pedia justiça. Pedia que se fizesse uma distribuição mais equitativa dos dinheiros publicos e por forma que não fosse muito para uns, pouco para outros, e quasi nada para bastantes.
Não pedia para mim, como fizeram alguns, e tambem me considero muito mal pago, mas peores se encontram os amanuenses. Pedi que se desse comprimento a uma lei, e negaram-me o deferimento.
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No meio de tudo dá-se uma coincidencia, que de alguma forma compensará os pobres amanuenses da fome a que os obrigam.
Desde 1838 são elles e os Ministros de Estado os unicos que não foram ainda beneficiados com augmento nos vencimentos.
Isto devo-lhes cansar um certo conforto, mas com uma diferença importante. Os Ministros não recebem mais porque não o querem. Os amanuenses não recebem mais porque lh'o não dão.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alvaro Rego: - É certo que lhe cabe o dever de responder a um orador, já consagrado e experimentado nas lides parlamentares, mas apesar da sua inexperiencia absoluta, entra no debate em circunstancias perfeitamente favoraveis, porque tem a convicção de que defende uma causa justa, visto que o Orçamento representa a approximação, quanto possivel, da verdade dos factos e a commissão deixou guiar-se pelo elevado criterio de só attender ao que signifique beneficio incontestavel para o país.
O Sr. Almeida Serra defendeu uma ideia muito sympathica; mas a emenda do S. Exa. não podia ser acceita em vista das circunstancias do Thesouro, e ainda porque, não existindo só na classe dos amanuenses as differenças que S. Exa. apontou, seria illogico attender a umas, deixando outras em esquecimento.
Mas o illustre Deputado referiu-se tambem aos vencimentos dos engenheiros, e neste ponto laborou num erro, porque os calculos de S. Exa. caem pela base á simples declaração de que a tabella anterior á actual lhe era muito superior e que, portanto, o que resulta é, não um augmento, mas uma diminuição consideravel de despesa.
O orçamento do Ministerio das Obras Publicas foi elaborado com especial cuidado e traduz fielmente o resultado das reformas levadas a cabo pelo illustre titular d'aquella pasta, que conseguiu, pelo seu trabalho e pelo seu estudo, levar a ordem e a regularidade, onde reinava a mais completa anarchia e a mais perfeita desorganização dos serviços.
Faz o orador, em seguida, largas considerações, no sentido de mostrar a verdade d'esta sua these, e refere-se especialmente ao pessoal em serviço na conservação de estradas.
Muitas outras considerações tinha ainda a expor; mas não querendo cansar a attenção da Camara, vae terminar; mas antes d'isso, não pode deixar de louvar a acção do Governo em todas as questões que interessam á economia do país.
Um Governo que procede, como o actual tem procedido, antepondo a tudo o interesse do país, symboliza-se perfeitamente na figura extraordinaria do seu presidente, evidentemente talhado para lutar e para vencer.
(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. enviar as notas tachygraphicas).
O Sr. Oliveira Mattos: - Cabendo-lhe a palavra em sessão nocturna, sequencia de uma fastidiosa sessão matutina, sente necessidade de ser, quanto possivel, breve, porque está fatigado e não quer cansar a Camara.
É dever seu cumprimentar o Sr. Alvaro Rego pela sua brilhante estreia, e fá-lo gostosamente, porque S. Exa. mostrou, realmente, ter estudado profundamente o sou discurso.
Não é seu intuito acompanhar S. Exa., nem mesmo responder ás suas considerações acêrca da reforma de engenharia que S. Exa. tão proficientemente defendeu; não quer, todavia, deixar de dizer que ainda até hoje não foi destruida a accusação de que d'essa reforma resulta um enorme augmento de despesa.
E, realmente, quem pretender demonstrar o contrario é seguir o exemplo do Sr. Presidente do Conselho, cujas notaveis economias foram completamente postas a nu pelos illustres Deputados, seus collegas na opposição, que se encarregaram d'essa, aliás, bem facil tarefa.
Sente elle, orador, que esteja já perdido o bom costume dos Ministros assistirem todos ás discussões do Orçamento; entretanto é dever sou proseguir nas considerações que tem a fazer, porque está presente o Sr. Presidente do Conselho, que é o chefe do Governo e que toma sempre a responsabilidade inteira, principal e completa de tudo.
Ouviu, outro dia, o Sr. Relator Geral do Orçamento defender calorosamente o systema do automatismo applicado á elaboração do Orçamento; não crê, porem, elle, orador, na doutrina defendida por S. Exa. porquanto o automatismo como o arrangismo e o trapalhismo, systemas successivamente seguidos pelo partido da regeneração, não teem produzido resultado algum favoravel ao nosso país.
O que seria talvez bom, era que o país empregasse o systema do traumatismo e acabasse assim de vez com o ataque constante que o Governo faz ás suas regalias.
A forma como se organiza o Orçamento em Portugal, dá vontade de perguntar de que serve discuti-lo e que lucra o país com a sua discussão.
Outro facto notavel é que, entre cincoenta e tantas emendas apresentadas ao Orçamento, não ha uma só que não tenda a augmentar a despesa.
Pode ser antipathico este seu papel, dizendo taes verdades ; mas julga seu dever dizê-las.
Falou tambem o Sr. Alvaro Rego sobre o desenvolvimento que o Sr. Ministro das Obras Publicas tem dado á riqueza publica, no que toca á viação, aos caminhos de ferro, etc. Mas porque não pensou ainda S. Exa. no caminho de ferro de Arganil, que é bem digno da protecção do Governo?
Não pôde ainda elle, orador, descobrir qual a mão de ferro que pesa sobre os Governos, e sobre todos os Ministros das Obras Publicas, para fazer com que esse caminho de ferro continue, ha tantos annos, na tristissima situação em que se acha, estragando-se ali obras de arte e material fixo, no valor de mais de 100:000$000 réis. Por isso, mais uma vez appella para o Sr. Presidente do Conselho para que S. Exa., penitenciando-se de alguns erros de administração, em que tem grande responsabilidade, acuda áquelle caminho de ferro, com o qual, desde que se cumpra a lei, o Estado nada gasta.
Depois de outras considerações sobre este ponto, recorda o orador que numa das ultimas sessões, quando discutiu o orçamento do Ministerio da Guerra, fê-lo o mais correctamente possivel, pondo de parte, por completo, a questão politica. Limitou-se, então, a provar quanto é grande o augmento de despesa, feito pelo actual Sr. Ministro da Guerra, confrontando o seu orçamento com o do seu antecessor, Sr. Sebastião Telles.
Pondo, como disse, de parte qualquer intuito politico, só tratou d'essa questão sob o ponto de vista financeiro.
O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora regimental, mas que S. Exa. tem mais 15 minutos para concluir o seu discurso.
O Orador: - Agradece a advertencia e resumirá o que vinha dizendo, mas não sem accentuar que, tendo feito aquella, declaração de pôr de parte a politica, nas suas considerações, julgava-se a salvo dos epigrammas e anedoctas com que lhe respondeu o illustre Deputado, Sr. Ornellas.
Esperava que S. Exa. viesse refutar os seus argumentos, provar que havia erro nos calculos apresentados, que a desposa não augmentara, que o Sr. Ministro da Guerra fôra injustamente accusado, mas não foi isto o que S. Exa. fez, como a sua propria consciencia lh'o dirá.
As puas affirmações estão, pois, de pé, desde que S. Exa. se limitou a dizer que elle orador não era profissional.
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Não o pode contestar; não é, porem, tão indifferente ás questões do Ministerio da Guerra como a alguns poderá parecer. Já por mais de uma, vez tem discutido estes assumptos no Parlamento com homens como Moraes Sarmento, Ferreira do Amaral, Dantas Baracho, Avellar Machado e outros; e, todavia, nunca nenhum d'elles o achou incompetente para entrar em taes questões, nem lhe respondeu nunca com anedoctas.
A este proposito, lê o orador á Camara alguns trechos de discursos que pronunciou, na sessão de 16 de abril de 1898, quando se discutia o orçamento do Ministerio da Guerra, em justificação de varias propostas que então apresentou.
O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora.
O Orador: - Haverá numero na sala?
(Pausa).
O Sr. Presidente: - Ha numero sufficiente.
O Sr. Raposo Botelho: - Sr. Presidente: entro neste debate em condições bem desfavoraveis para mim, porque, sendo um dos taes anonymos a que se referiu o Sr. Oliveira Mattos, tenho que me medir com um orador de temperamento essencialmente parlamentar, de palavra fluente e elegante, e que, para mais, trabalha e estuda. (Apoiados).
É de justiça prestar homenagem a quem se esforça por corresponder tão galhardamente ao logar que occupa.
Foi, porem, S. Exa., como quasi sempre, excessivamente apaixonado nas suas apreciações; e, embora tomasse, por vezes, a attitude grave e irada de Jupiter Olympico, procurou desanuviar as severidades de Tacito com o espirito satyrico de Juvenal, sem se esquecer de entremear tambem a sua phrase latina, que fica sempre bem como nota de erudição.
Não me permitte a estreiteza do tempo acompanhar S. Exa. na longa viagem que fez através de todas as provincias da publica administração, sem se esquecer de passar pela sua dilecta Arganil; mas julgo-me feliz, Sr. Presidente, por poder começar concordando com S. Exa. num ponto, que é: a utilidade resultante dos illustres Deputados da opposição cooperarem com o seu trabalho e estudo, qualquer que seja o assumpto, para que as leia saiam d'esta casa, por forma a honrar o Parlamento Português.
E, se S. Exa. houvesse assistido á sessão, da Camara, a que vem de referir-se, teria ouvido que foi feita a devida justiça ao estudo, que revelara, quando tomou parte na discussão do orçamento da Guerra, accentuando-se tambem, por essa occasião, o judicioso principio de que, para entrar em qualquer debate parlamentar, não é preciso ser-se profissional do assumpto a versar; basta ter talento e estudar. (Apoiados).
As questões que se referem á organica militar são complexas, como todos os problemas de sociologia; mas, ainda assim, perfeitamente accessiveis, a quem tenha o espirito orientado no estudo de assumptos de caracter social.
Para as applicações praticas da sciencia da guerra, Sr. Presidente, é que se torna necessario o saber profissional, porque só a pratica de lidar com as tropas e de resolver no terreno os problemas tacticos é que pode dar a aptidão technica dos chefes militares.
Mas, a tanto não vão, certamente, as pretenções do illustre Deputado, a que me é dada a honra de responder, não obstante o Sr. Mendes Leal, pela insistencia com que S. Exa. discute os projectos militares, lhe haver já conferido a elevada graduação de brigadeiro.
O Sr. Oliveira Mattos: - Acompanharei o exercito com alma e coração, quando seja preciso defender a patria.
Creia V. Exa. que não hei de ficar para trás.
O Orador: - Faço inteira justiça aos acrisolados sentimentos de brio e patriotismo de V. Exa.
Proseguindo, Sr. Presidente, na mesma ordem de idéas em que vinha falando, citarei um exemplo frisante de como, nos Parlamentos, são, por vezes, esclarecidos com toda a proficiencia por civis os assumptos militares.
Como V. Exa. e a Camara muito bem sabem, desde alguns annos, e sobretudo desde 1900, que no Parlamento Francês está em uso aproveitar a discussão do orçamento da Guerra para versar os mais graves problemas da organização do exercito, e os relatorios da respectiva commissão constituem, por isso, como que desenvolvidos tratados de organica militar e da arte da guerra.
Pois, Sr. Presidente, o auctor do relatorio de 1900 foi um civil, M. Camille Pelletan, e o do relatorio d'este anno, que conta 600 paginas em grande formato e tem dado assumpto para as mais largas discussões nos jornaes technicos, não é tambem militar de carreira, mas sim, segundo creio, um empregado de commercio e apenas official do exercito territorial, M. Berteaux.
Mas não preciso ir buscar exemplos de fora, porque os temos, e bem honrosos, de casa.
Quando no nosso Parlamento foi discutida a lei de recrutamento de 1887, este grave assumpto, que constituo como que a lei constitucional do exercito, foi debatido por muitos illustres Deputados civis com a maior elevação e proficiencia, e o Sr. Conselheiro Alpoim pronunciou então um discurso tão recheado de salutares principios, de judiciosas apreciações e de eruditas elucidações historicas, que, por mais de uma vez, a esse discurso recorri, quando professor, para illustrar as minhas lições.
O Sr. Oliveira Mattos: - Não me chegou o tempo. Eu tambem tinha os meus apontamentos da lei de recrutamento. Tem muitos erros. Tem muitissimos erros.
O Orador: - Se esse importante diploma vier á tela da discussão e me for permittido usar da palavra, espero mostrar a V. Exa. e á Camara que não é bem assim.
Creio, pois, Sr. Presidente, estar bem radicada em toda a Camara a conveniencia da discussão de qualquer assumpto não ficar circunscripto ao grupo dos profissionaes.
O illustre Deputado Sr. - Oliveira Mattos, no seu longo discurso, referiu-se ás enormes despesas, que no nosso país teem sido feitas desde meados do seculo findo, e disse não saber para onde tinha ido tanto dinheiro.
Oh, Sr. Presidente, é realmente não querer comparar o estado do pais hoje com o que era antes do celebre movimento revolucionario da Regeneração.
As estradas, os caminhos de ferro, os telegraphos, os pharoes, os portos artificiaes, as escolas, tudo isto fez se de graça? (Apoiados).
O illustre Deputado bem sabe que os progressos operados no seculo XIX foram de tal ordem, que se volveram em realidades muitos dos mythos que a antiguidade hellenica attribuia aos seus heroes, de natureza semi-divina.
Assim, Lesseps realiza a lenda das colúmnas de Hercules e une dois mares; as officinas do Creuzot e de Krupp, onde se fabricam esses possantes canhões, que semeiam a devastação e a morte, fazem lembrar as officinas cyclopicas, onde Vulcano forjava o raio; e não tardará que um Santos Dumond ou um coronel Renard se libre nos ares, como outr'ora Icaro, sem o perigo de que Phebo lhe derreta as asas.
Mas todo este progresso custa dinheiro e muito dinheiro. (Apoiados).
Não posso seguir todos os pontos do discurso do illustre Deputado, porque o tempo me vae escasseando; mas não quero deixar de referir-me aos immerecidos reparos feitos a um acto de justiça praticado para com os professores de ensino secundario. Ora S. Exa. que sempre se tem mostrado tão dedicado amigo da instrucção...
O Sr. Oliveira Mattos: - Eu não combati o acto de justiça, o que combati foi a inopportunidade do acto; e protestei que haja uma classe privilegiada, e que ás ouras, como a dos amanuenses, dos escripturarios, dos professores de instrucção primaria, não se faça justiça.
O Orador: - Mas para esses casos, embora muito dignos de consideração, é preciso promulgar leis, que façam a devida justiça, ao passo que para os professores dos ins-
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titutos de instrucção secundaria se trata apenas de dar inteira execução ao que, ha muito, estava legislado.
E S. Exa. sabe muito bem que os professores de instrucção secundaria, mormente hoje, com o novo regime de estudos, teem um trabalho por tal forma pesado, que se tornaria por demais odioso cercear-lhes o que por lei lhes é devido.
Ora o decreto com força de lei de 29 de julho de 1886, promulgado por um illustre estadista, que a S. Exa. deve merecer todo o affecto, qual é o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, estabeleceu que os professores dos lyceus, alem do ordenado de categoria, venceriam uma gratificação "na razão de um terço do mesmo ordenado"; e o decreto com força de lei de 22 de dezembro de 1894, que presentemente regula a organização do ensino secundario, na tabella n.° l manteve este principio do vencimento de exercicio na razão do terço dos vencimentos fixos.
Mas sabe a Camara como tem sido entendido o pagamento d'este terço? Dividia-se a sua importancia annual por 12, e, em vez de abonar um duodecimo em todos os meses, como se faz com o ordenado de categoria, que é percebido mesmo nos meses de férias, apenas tem sido dado nos 10 meses de trabalhos lectivos. D'este modo a gratificação não era de um terço do ordenado, como a lei expressamente ordenava, mas sim de 5/18 do ordenado.
Ora é esta cerebrina interpretação, á qual era adverso o proprio chefe da Repartição de Contabilidade do Ministerio do Reino, funccionario intelligente e zelador dos interesses da Fazenda, que a emenda da commissão do orçamento teve em vista acabar.
Folguei, Sr. Presidente, em ver que o illustre Deputado, entrando nos dominios da Guerra, nos quaes peleja sempre com muita galhardia, começasse por affirmar que o exercito não é um cancro da nação. Effectivamente, durante muito tempo, individuos de ideias jacobinas quiseram ver no exercito um cancro roedor da vitalidade do país; mas, felizmente, ha alguns annos, e sobretudo desde 1894, teem esmorecido essas declamações anti-patrioticas.
Escusado, com effeito, será lembrar que as despesas militares se impõem como uma impreterivel necessidade, por isso que são ellas que asseguram a propria existencia da nação.
Os serviços militares são mesmo aquelles que mais precisam de uma organização perfeita.
Qualquer outro serviço pode a todo o tempo ser modificado, sem outra perda, que não seja, em regra, a de alguma fazenda; mas os erros das instituições militares, quando se põem em evidencia, muitas vezes já é tarde para os remediar, porque com a má sorte das armas tem sossobrado a propria independencia nacional. (Apoiados).
Não me proponho, porem, falar agora nas necessidades fundamentaes do exercito, nem mesmo na sua benefica acção educativa, mas lembrar apenas que elle representa tambem um valor economico.
S. Exa., que conhece a physiologia social, e não tem certamente sobre economia politica as ideias estreitas da physiocracia do Quesnay, sabe que o exercito tem tambem nas sociedades uma funcção productora. Produz segurança, e a segurança é um factor de valorização de todos os productos.
Portanto, Sr. Presidente, quando vejo estar a lamentar o dinheiro gasto com o exercito, dizendo-se que não serve para nada, faz-me lembrar o cliente de uma companhia de seguros, que lamentasse o dinheiro gasto nos premios, porque a casa não lhe ardeu. (Riso).
Com respeito ao nosso exercito, nem mesmo essa affirmação se poderia com justiça fazer, porque elle, ainda ha bem pouco tempo, defendendo valorosamente os nossos preciosos dominios ultramarinos, e levantando assim o prestigio do nome português perante as nações estrangeiras, prestou um valioso serviço ao país. (Apoiados).
É certo que custam caro os exercitos, mas isso comprehende-se, porque é uma consequencia da lei eterna do progresso.
Exa. sabe muito bem, Sr. Presidente, e sabe-o a Camara, que com a velha espingarda de pederneira se fizeram todas as campanhas do seculo XVIII e da primeira metade do seculo XIX; mas, depois d'isso, veja V. Exa. que de rapidos progressos se tem feito, e como em poucos annos um armamento se pode já considerar velho: apparece primeiro a ideia do estriamento, depois o carregamento pela culatra, em seguida as espingardas de repetição, amanhã talvez as culatras automaticas. Que enormissimas differenças tambem entre a velha artilharia de Gribeauval, que representava já um consideravel progresso sobre as anteriores bocas de fogo, e as modernas peças de tiro rapido; entre os effeitos da antiga polvora negra e os dos modernos explosivos!
Mas, para dotar um exercito com todos estes productos do progresso, é preciso gastar muito dinheiro, e por isso se nota que em toda a parte os orçamentos do Ministerio da Guerra do anno para anno teem um consideravel accrescimo.
Tambem, Sr. Presidente, foi hoje feita uma justa referencia á pequenez do effectivo do nosso exercito. É isso certamente um grave estorvo para a instrucção militar e para a mobilização; e por isso julgo da maior utilidade que no espirito dos nossos legisladores se vá assim insinuando a ideia de que, para podermos ter um exercito regularmente instruido e preparado para a guerra, é absolutamente indispensavel ir augmentando a verba destinada ás tropas, até se attingir um effectivo, presente nas fileiras, de 30:000 homens. Era esta a idéa fundamental d'esse grande estadista, que se chamou Fontes Pereira de Mello, e é tambem a opinião que o nosso distincto collega Francisco Machado tem judiciosamente defendido em alguns dos seus eruditos discursos parlamentares.
Portanto, Sr. Presidente, o que se encontra no orçamento da Guerra não são esbanjamentos, são exigencias das necessidades do serviço, a que nenhum país pode furtar-se para ter o seu exercito regularmente organizado.
Muito de fugida fez o illustre Deputado Sr. Oliveira Mattos uma desfavoravel referencia ao que S. Exa. chamou ao desastre de Trajouce"; e confesso, Sr. Presidente, que isso me penalizou, porque julguei haver esclarecido suficientemente esse ponto, quando pela primeira vez tive a honra de falar nesta Camara. E, na verdade, S. Exa. tendo, como tem, talento de sobra para abranger tal assumpto num ponto de vista intelligente e justo, não carecia de recorrer apenas a uma phrase ôca e injusta.
Não repetirei, pois, nada do que sobre a questão já disse; mas, visto que novamente sou chamado a campo, referir-me-hei apenas, por a hora estar tão adeantada, ao immenso serviço que as grandes manobras, quando orientadas no sentido em que o nobre Ministro organizou as do ultimo anno, veem prestar para o desenvolvimento da aptidão do alto commando.
E um tal problema deve certamente merecer o mais vivo interesse a todos os illustres Ministros da Guerra, pois que do alto commando pode, de um momento para o outro, depender o futuro da patria. (Apoiados).
Ora a preparação do generalato para a Guerra, pelo que respeita á intelectualidade pode fazer-se só com o esforço individual, quer pelo estudo da historia militar que constitue o fundo do processo napoleonico, quer pela leitura dos grandes tratadistas modernos, como Clausewitz e Jomini, quer ainda pelos problemas nas cartas topographicas.
Pelo que respeita, porem, á habilidade profissional, essa só pode adquirir-se pelas manobras de quadros e, melhor ainda, pelas manobras de grandes unidades, e quer para umas quer para outras só requer a intervenção do Ministro, que é quem pode auctorizar os meios de realização.
Nestas manobras uma das qualidades que mais se deve
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procurar desenvolver é o espirito de decisão e iniciativa os chefes, e para tal fim de pouco servem os exercidos com manobra obrigatoria, que são os que geralmente se teem executado entre nós, pois que nesses todas as phases do combate estão previamente determinadas, tratando-se portanto apenas da adaptação conjugada de schemas tacticos a dadas formas de terreno.
Por isso muito bem andou o Sr. Conselheiro Pimentel Pinto ordenando que as ultimas manobras tivessem a forma de semi-livres, nas quaes só são dadas as directrizes geraes da luta, deixando aos commandantes dos partidos adversos, a ordenação dos pormenores.
É indispensavel que passemos a esta categoria de manobras, e, mais ainda, que cheguemos breve ás manobras livres, nas quaes apenas é indicado o objectivo que cada partido deve ter em vista, pois que são estas ultimas as que eficazmente servem para a preparação profissional do alto commando.
Mas é claro que uma tal aprendizagem, sobretudo no periodo de iniciação, não pode fazer-se sem erros. É a ordem natural das cousas, a que ninguem pode subtrahir-se. E então para que tanta estranheza?
Bem insignificantes foram os erros, para o que seria licito esperar do nosso anterior apego á manobra obriga teria. (Apoiados).
Peço a V. Exa., Sr. Presidente, e peço á Camara me desculpe por ter entrado nestes pormenores technicos. Eu bem sei que os Parlamentos, sempre avidos da questão politica, nunca perdoam este delicto; mas, já agora que tanto incorri em falta, completarei o crime, dizendo que modernamente, no intuito de aproximar ainda mais as grandes manobras das condições reaes da guerra, se procura fazer intervir tambem nelle o imprevisto, para obrigar os generaes a tomarem de prompto uma resolução adaptada ás circunstancias supervenientes.
Nas ultimas manobras francesas de oeste, o generalissimo Brugère, quando o 11.° e o 18.° corpos de exercito manobravam livremente um contra o outro, reservou como neutra uma brigada de infantaria colonial, a qual ficou á sua disposição para, nas phases finaes do combate, a fazer intervir, como elle julgasse mais conveniente, do lado de ataque ou do lado da defesa, modificando de subito as condições da luta.
É assim que, por toda a parte, se procura desenvolver o espirito de iniciativa, tão necessario no alto commando. O illustre Deputado, que tanto interesse tem pelas questões militares, certamente conhece a historia militar, contemporanea, e sabe bem que foi esse um dos mais importantes factores das victorias das tropas allemãs na guerra de 1870.
Só nas grandes manobras, com liberdade de execução, é que o generalato se pode preparar para exercer efficazmente o cominando na guerra.
O Sr. Oliveira Mattos: - Eu já vi em França uma revista de 80:000 homens.
O Orador: - Eu tambem já alguma cousa tenho visto não só na França, mas na Allemanha, na Italia e em outros países da Europa.
Sr. Presidente: vae por demais adeantada a hora, e, por maior que seja a benevolencia da Camara, deve certamente estar já fatigada de ouvir-me.
Vou, pois, concluir; mas, antes d'isso, desejava completar um judicioso pensamento, que no outro dia aqui formulou o meu dilecto amigo e collega, Sr. Conselheiro Eduardo Villaça, cuja palavra eloquente, sincera e erudita é sempre ouvida com o merecido agrado. (Apoiados).
Disse S. Exa. que era preciso que houvesse espirito de sequencia nas reformas militares.
Folgo immenso em estar plenamente de acordo com S. Exa.
É da mais absoluta necessidade; e tanto assim, que as instituições militares mais perfeitas, como, por exemplo, as prussianas, são sempre a obra methodica dos longos periodos de paz.
É preciso que as diversas medidas reformadoras, não só sejam harmonicas e coherentes, mas tambem, e sobretudo, que se lhes dê tempo para se consolidarem.
Mas, Sr. Presidente, para haver sequencia, é indispensavel criar um orgão que a assegure, através das fluctuações da politica.
Precisamente agora se está debatendo em França este momentoso assumpto, por entender-se que os variaveis pontos de vista dos diversos Ministros teem prejudicado a consolidação das suas instituições militares.
Em seguida á guerra franco-allemã, o illustre Ministro da Guerra, o General Cissey, em 1872, com o fim de dar unidade aos trabalhos de reorganização do exercito, criou o Conselho Superior de Guerra; mas, a breve trecho, com a tendencia tão peculiar nos povos latinos, de cuidarem mais da palavra do que da acção, o conselho estava transformado em um pequeno Parlamento, onde o tempo era largamente desperdiçado em bellos discursos.
Em 1890, M. Freycinet, que era então o Ministro da Guerra, tentou insuflar-lhe vida, dando-lhe funcções mais activas e ligando mais directamente a sua responsabilidade á preparação da guerra, pois que o Vice-Presidente era o generalissimo designado, e faziam parte do conselho os generaes escolhidos para commandantes dos diversos exercitos.
O resultado, porem, não tem correspondido aos intuitos da instituição, e, por isso, está largamente lançada a ideia de criar uma especie de commando em chefe, como nós outr'ora tivemos, tornando ostensiva a investidura do generalissimo, a qual, como se sabe, até agora tem sido meramente secreta e sem os correspondentes poderes.
Repugna a medida ao espirito democratico da nação francesa; e é curioso que, no intuito de tornear a difficuldade, se aventou agora um alvitre analogo ao que, com applicação a nós, emitti no começo d'este anno em um jornal technico.
Consiste esse, alvitre na criação, de um inspector geral do exercito, que igualmente seria o director designado das operações de campanha, e que assim, preso por tão grave responsabilidade pessoal, não deixaria de cuidar assiduamente em tudo o que interessa á preparação para a guerra, objectivo fundamental do exercito.
É, pois, indispensavel o espirito de sequencia, como muito bem disse o Sr. Villaça; mas essa sequencia só poderá tornar-se effectiva, estabelecendo um órgão que a assegure.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos Srs. Deputados).
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Augusto Pereira pediu a palavra para explicações de facto: mas, como a hora vae adeantada, consulto a Camara sobre se devo ou não dar a palavra a S. Exa.
Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.
O Sr. João Augusto Pereira (para explicares): - Sr. Presidente: comprehende V. Exa., e a Camara tambem, que não é nesta altura da sessão, a tão altas horas da noite, que eu poderia usar da palavra para responder ao discurso do illustre Deputado Sr. Frederico Martins.
A parte politica d'esse discurso terá resposta, que espero será cabal, quando se realizar a interpellação ha muito annunciada ao nobre Presidente do Conselho, acêrca do modo como na Ilha da Madeira se realizaram as eleições dos Deputados e as districtaes, e sobre os motivos que levaram o Governo a adiar a realização das ultimas.
Manifestou o illustre Deputado desejos de que essa interpellação se realize, porque tenciona tomar parte nella. Junto os meus aos desejos de S. Exa. e faço ardentes votos por que o nobre Presidente do Conselho, que é um notabilissimo parlamentar, se apresse a declarar-se habilitado para responder a ella. (Apoiados).
Será essa a melhor opportunidade para apurar e apre-
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ciar as responsabilidades dos agentes e amigos do Governo nos desvarios, verdadeiros crimes, que caracterizaram os netos eleitoraes realizados na Madeira e occasião ainda para mostrar, á Camara e ao país, que o partido progressista do Funchal, se não pôde impedir o violento esbulho de que foi victima, na sua representação politica e districtal, conseguiu, pela acção prudente, serena e firme dos seus dirigentes, secundados pelos homens de mais respeitabilidade e valor em diversas freguesias do districto, evitar sangrentos conflictos, lamentaveis sempre, que, se tivessem rebentado, sabe Deus a que extremos poderiam ter chegado. (Apoiados).
Designe-se, pois, dia para essa interpellação, Sr. Presidente, e quanto mais depressa melhor. (Apoiados).
Tão pouco tratarei neste momento de acompanhar S. Exa. na defesa que apresentou do seu projecto; e não o farei não só porque para isso me não foi concedida a palavra, mas porque, como na sessão diurna declarei, tenciono tomar parte na sua discussão, se tal projecto vier á tela do debate.
Terei então ensejo para demonstrar a Camara a inanidade das considerações feitas pelo illustre Deputado e o infundado das suas asserções.
Accentuou S. Exa. que se hoje os progressistas da Madeira pedem a conservação das comarcas é porque desejam que o juiz de Santa Cruz, sobre quem pesa uma syndicancia, por irregularidades commettidas no acto eleitoral, julgue os agentes do Governo pronunciados naquella comarca por crimes eleitoraes.
Que os amigos do Governo se acham empenhados na estincção das comarcas, na esperança incomprehensivel de que por essa extincção conseguirão subtrahir á acção da justiça os pronunciados por crimes eleitoraes, é um facto que no Funchal é do dominio publico, porque são os proprios pronunciados quem publicamente o proclamam!!
Referi-me por isso a elle na sessão da manhã, accrescentando, todavia, que tal empenho é uma puerilidade, porquanto da extincção das comarcas não pode advir a extincção dos processos nellas instaurados e das provas que em taes processos existem accumuladas contra os pronunciados. (Vozes: - Muito bem. - (Apoiados).
Não foi, porem, para estas ligeiras observações que eu pedi a palavra.
Pedi-a para uma explicação de facto em virtude da referencia que o Sr. Frederico Martins fez á syndicancia ordenada ao juiz de Santa Cruz.
Pelo tom em que essa referencia foi feita poderá parecer, aos que o não conhecem, que aquelle magistrado deslustrou a sua toga, praticando actos incompativeis com a dignidade, isenção e independencia de um juiz.
Nada mais infundado do que isto, Sr. Presidente. (Apoiados).
Affirmo á Camara, com a profunda convicção de quem lhe affirma uma incontestavel verdade, que documentos officiaes virão confirmar, que o digno juiz de Santa Cruz nenhumas arbitrariedades commetteu no exercicio de suas funcções. (Muitos apoiados).
Magistrado austero, muito illustrado e intelligente, procurando sempre ser escrupuloso no cumprimento dos seus deveres, jamais faltou a elles, podendo, sem sombra de exagero, dizer-se que é elle dos mais distinctos da sua classe, dos que mais a honram. (Apoiados).
Foi o juiz de direito do Santa Cruz accusado de haver praticado arbitrariedades por occasião dos actos eleitoraes e outubro ultimo. D'esta accusação derivou a syndicancia ainda pendente para julgamento no tribunal competente formado por juizes dignissimos (Apoiados), dos que mais enaltecem e honram a magistratura portuguesa. (Muito apoiados).
Esse tribunal ainda não pronunciou o seu veredictum, mas o illustre Deputado antecipa-se-lhe no julgamento, affirmando que o juiz de Santa Cruz commetteu, effectivamente, arbitrariedades, indo a Machico, por participação minha, constatar a existencia de um crime, cujos vestigios desappareceriam se não fossem immediatamente colhidos! (Apoiados).
Sr. Presidente: não posso, não quero, nem devo discutir agora a syndicancia ordenada ao juiz de Santa Cruz.
Está o processe ainda affecto aos juizes que hão de julgar segundo os dictames da sua illustrada e recta consciencia (Apoiados); mas, Sr. Presidente, permitta-me V. Exa. e permitta-me a Camara tambem que eu, sem querer por forma alguma devassar o dominio da esclarecida consciencia dos julgadores, e apenas pelo conhecimento que tenho do juiz syndicado e dos factos que lhe são attribuidos, declare que me anima a consoladora esperança de que a syndicancia seja para aquelle magistrado um evidente triumpho, a justificação cabal dos seus actos. (Apoiados).
Aguardo com serenidade esse julgamento, e, realizado elle, conto que virá á Camara, como já por mim foi pedido, todo o processo da syndicancia, e então se verá que ella foi originada numa campanha de infames calumnias feita pelos inimigos d'aquelle digno magistrado e por agentes do Governo na Madeira. (Apoiados da esquerda).
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Peço a palavra.
O Orador: - Era esta, Sr. Presidente, a explicação
do facto para que pedi a palavra, e quando o processo e
relatorio da syndicancia vierem á Camara, ha de V. Exa.
(aportando para o Sr. Presidente) ficar convencido do que
agora digo.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): - Sr. Presidente: eu não seria forçado a tomar a palavra nesta altura da sessão, em que todos estão desejosos de repousar, se o Sr. João Augusto Pereira, referindo-se a acontecimentos da Mateira, não tivesse taxado de "infamissimas calumnias" as accusações feitas ao juiz a que se referiu, dizendo, que essas "infamissimas calumnias" partiam dos seus adversarios e de agentes do Governo.
No que toca aos agentes do Governo, cumpre-me levantar a phrase, porque agentes do Governo são os que obedecem ás minhas ordens, são os que teem a minha confiança, são os que servem sob a minha responsabilidade.
Comprehende o illustre Deputado, que não dei ordens nem instrucções a que sobre esse magistrado se lançassem infamissimas calumnias. Nem o illustre Deputado tem o direito, emquanto o processo estiver pendente de um tribunal superior composto de magistrados integros, de dizer que são infamissimas calumnias as accusações feitas a esse magistrado.
O Sr. João Augusto Pereira: - Posso referir-me ao que se diz na imprensa.
O Orador: - Pode o illustre Deputado entender que assim é, mas o que não tem é o direito de appellidar de infamissimas calumnias as accusações que estão sob a alçada de um tribunal que ainda as não julgou.
S. Exa. ha de permittir-me que, no que toca aos agentes do Governo, eu repilla por completo as suas phrases.
Tenho dito.
(S. Exa. não reviu estas notas).
O Sr. Presidente: - A primeira sessão é amanhã de manhã. A primeira chamada é ás 10 horas e 30 minutos e a segunda ás 11 horas. A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 12 horas e 15 minutos da noite.
O redactor = Barbosa Colen.