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CAMARA DOS SENHORES DEPDTADOS

47.ª SESSÃO

EM 22 DE MARÇO DE 1907

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, o Sr. Presidente participa que a deputação nomeada pela Camara para felicitar Suas Majestades pelo anniversario natalicio de Sua Alteza o Principe Real se desobrigou do seu encargo. - Lê-se o expediente. - O Sr. Valerio Villaça advoga a causa da melhoria dos vencimentos aos empregados telegrapho-postaes, em nome dos de Penamacor, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Fazenda. - O Sr. Domingos de Oliveira manda para a mesa um projecto de reforma da policia civil da cidade do Porto. - O Sr. Alfredo de Mattos advoga a causa dos serventes do Hospital da Marinha. - O Sr. Moreira de Almeida trata da annunciada transferencia do conservador de Lourenço Marques, e occupa-se tambem da situação dos funccionarios telegrapho-postaes, ficando o Sr. Ministro da Justiça de communicar as suas considerações aos seus collegas da Marinha e Obras Publicas. - O Sr. João de Menezes insta pela remessa de documentos. - O Sr. Pinto dos Santos trata do administrador do concelho de Ourem, que é pharmaceutico, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Justiça. - O Sr. Gomes Netto pede que se comece a construcção da linha férrea do Valle do Sado. - O Sr. José Cabral apresenta um projecto de lei. - O Sr. Chaves Mazziotti advoga a causa dos arbitradores judiciaes e pede reparações nas estradas do concelho de Cintra. Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça que ainda na actual sessão apresentará um projecto de lei sobre os arbitradores. - O Sr. Luis Gama refere-se ao horario das linhas ferreas. - O Sr. João Castello Branco requer documentos. - O Sr. Alberto Navarro manda para a mesa uma representação do districto judicial do Porto e pede que seja concedido aos magistrados da 1.ª instancia o terço dos seus ordenados por diuturnidade de serviço, respondendo o Sr. Ministro da Justiça. - O Sr. Magalhães Ramalho requer documentos. - O Sr. Abel Andrade trata do parocho das Cortes, diocese da Guarda, respondendo-lhe o mesmo Ministro.

Ordem do dia. - Continua a discussão dos projectos de lei n.ºs 34 e 13, Orçamentos Geraes do Estado para os annos de 1906-1907 e 1907-1908. - Usam da palavra os Srs. Luiz José Dias e Pinto dos Santos. - O Sr. Presidente marca a sessão immediaía para segunda feira, 1 de abril.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Thomaz Pizarro de Mello Sampaio

Secretarios - os Exmos. Srs.

Conde de Agueda
Julio Cesar Cau da Costa

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 7 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 3 horas da tarde.

Presentes - 55 Srs. Deputados.

São os seguintes: Adolpho da Fonseca Magalhães da Costa e Silva, Adriano Accacio de Madureira Beça, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Celso de Azevedo Campos, Alfredo Ferreira de Mattos, Alfredo Pereira, Annibal de Andrade Soares, Antonino Vaz de Macedo, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio José Gomes Netto, Antonio José da Silva Cabral, Antonio Luis Teixeira Machado, Antonio Maria de Avellar, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maria de Oliveira Bello, Antonio Mendes de Almeida, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Tavares Festas, Augusto Patricio dos Prazeres, Augusto Pereira do Valle, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Adolpho Marques Leitão, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Augusto Pinto Garcia, Conde de Agueda, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Driesel Schrõter, Fernando de Carvalho Moraes de Almeida, Francisco Alberto Mendonça de Sommer, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Guilherme Ivens Ferraz, Guilherme de Sousa Machado, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Maria Cisneiros Ferreira, Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, Jayme Daniel Leotte do Rego, João Baptista Pinto Saraiva, João Pereira de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Hilario Pereira Alves, José de Abreu do Couto de Amorim Novaes, José da Cunha Rolla Pereira, José Domingues de Oliveira, José de Figueiredo Zuzarte Mascarenhas, José Francisco da Silva, José Teixeira Gomes, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Mario Pinheiro Chagas, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Paulo de Barros Pinto Osorio, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, Salvador Manoel Brum do Canto.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Affonso Augusto da Costa, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga, Alfredo Candido Garcia de Moraes, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio de Mello Vaz de Sampaio, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Carlos Alberto Lopes de Almeida, Carlos Augusto Pereira,Conde de Arrochella, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Diogo Domingues Peres, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva Junior, Fernando Augusto de Carvalho, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Cabral Metello, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Jayme Julio de Sousa, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Castro, José Maria Joaquim Tavares, José Paulo Monteiro Cancella, Luis da Gama, Luis José Dias, Luis Pizarro da Cunha de Portocarrero (D.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Antonio Moreira Junior, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D.), Thomaz de Mello Breyner (D.), Thomaz Pizarro de Mello Sampaio.

Não compareceram a sessão os Srs.: Alfredo Silva, Alvaro da Silva Pinheiro Chagas, Antonio Carlos Coelho de Vasconcellos Porto, Antonio Centeno, Autonio Homem de Gouveia, Antonio José Teixeira de Abreu, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Soares Franco Junior, Aristides Moreira da Motta, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Barão de S. Miguel, Carlos Fuzeta, Conde de Penha Garcia, Ernesto Carlos Botelho Moniz, Francisco Augusto de Oliveira Feijão, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Abreu de Lima, João Augusto Pereira, João Augusto Vieira de Araujo, João Baptista Ferreira, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Franco Pereira de Mattos, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João Lucio Pousão Pereira, João da Silva Carvalho Osorio, Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos, Joaquim Ornellas de Mattos, José de Abreu Macedo Ortigão, José Bento da Rocha e Mello, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Vieira Ramos, José Lages Perestrello de Vasconcellos, José Malheiro Reymão, José Maria de Andrade, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José de Oliveira Soares, José Sebastião Cardoso de Menezes Pinheiro de Azevedo Bourbon, José Simões de Oliveira Martins, Julio de Carvalho Vasques, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Cypriano Coelho de Magalhães, Luis O'Neill, Manoel Duarte, Manoel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Ruy de Andrade, Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde da Torre.

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SESSÃO N.º 47 DE 22 DE MARÇO DE 1907 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

O Sr. Presidente: - Participa á Camara que a commissão nomeada pela mesa para desempenhar a honrosa missão de felicitar Sua Alteza o Principe Real o Senhor D. Luis Filipe pelo seu anniversario, cumpriu a sua missão, prestando a Sua Alteza a devida homenagem.

Vou mandar ler a allocução apresentada a Sua Majestade El-Rei, e a resposta que Sua Majestade teve-a benevolencia de dar á referida allocução.

Em seguida o Sr. Secretario leu a seguinte

Allooução

"Senhor:

Perante Vossa Majestade, que tão nobremente preside aos destinos da nação, vem muito respeitosamente a Camara dos Deputadas, como interprete dos sentimentos do povo português, apresentar as suas cordiaes felicitações pelo fausto anniversario natalicio de Sua Alteza Real o Principe D. Luis Filippe, herdeiro da Coroa, em quem brilhantemente se reproduzem as virtudes civicas que exornam seus Augustos Paes.

Os dotes de espirito, primorosa educação e o ponderado criterio d'este jovem Principe, já evidenciados, quando assumiu a Regencia do reino; na ausencia de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Carlos 1, dão um seguro penhor de que Sua Alteza Serenissima saberá manter e continuar as gloriosas tradições dos seus maiores.

A Camara dos Deputados vem, pois, jubilosamente congratular-se com Vossa Majestade por dia tão festivo, reiterando a toda a Familia Real Portuguesa os seus protestos do mais profundo respeito e dedicação, fazendo ardentes votos para que Deus conserve a Vossa Majestade e a sua Augusta Familia as suas preciosas vidas por largos e venturosos annos".

El-Rei respondeu o seguinte:

"Ao meu coração de pae extremoso e de Rei devotadamente constitucional nenhumas demonstrações festivas teem n'este dia maior acceitação do que as felicitações dos mais directos representantes da nação.

A Camara dos Senhores Deputados, compartilhando assim os jubilos intimos da Familia Real, dá um valioso testemunho dos affectuosos vinculos que unem ao Throno o povo português, n'aquella cordial e patriotica alliança cuja firmeza é o mais seguro esteio da paz e da prosperidade do reino.

Em meu nome e no de Sua Majestade a Rainha e de toda a minha Familia lhes agradeço as suas nobres expressões, que mui profundamente captivam o nosso reconhecimento".

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, remettendo a nota dos actos de conclusões magnas realizados na faculdade de direito da Universidade de Coimbra desde 1840, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Affonso Augusto da Costa.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, participando que o official encarregado do estudo da colonização da região atravessada pelo caminho de ferro do Lobito ainda não apresentou o seu relatorio, não podendo por isso satisfazer ao requerimento do Sr. Deputado Henrique Mitchell de Paiva Couceiro.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Pela sua situação geographica, pelas excepcionaes condições do seu clima incomparavel, pela energia e actividade dos seus habitantes e pela riqueza economica, productiva e mercantil, o archipelago da Madeira constituo sem duvida alguma na secção mais importante do territorio insular adjacente português. E, entretanto, de todo esse territorio tem sido ella a parte que menor attenção tem merecido dos poderes centraes, e que, por isso, maior direito tem de pedir-lhes a pronta realização de melhoramentos locaes, não só de urgente, mas até de vital necessidade.

Ora um dos mais justos e instantemente reclamados desses melhoramentos é por certo o que diz respeito á& condições de exercicio da industria transportadora.

E de todos conhecido o valor e o alcance da funcção economica desta industria: aproximando os mercados e relacionando os centros de producção e de consumo, ella constitue na sua regular organização o elemento indispensavel para o perfeito funccionamento de qualquer organismo economico.

Encarada a questão sob o ponto de vista, da industria agricola, que, como se sabe, constitue a principal fonte de riqueza do archipelago da Madeira, é evidente que um conjunto de meios de transporte, rapidos, seguros e baratos, representa um ponto nodal da sua productividade, e da elisão do fenomeno da renda, occasionado pelas diversas distancias dos mercados, tal como lucidamente o comprehendeu Von Thunen.

Pelo que respeita, comtudo, a meios de conducção interna dos seus productos, este archipelago encontra-se na mais deploravel situação em todo elle apenas existem 9 kilometros de estrada carrossavel no sul da Ilha da Madeira, pois que a Ilha do Porto Santo nenhuma estrada digna desse nome possue.

Por outro lado a navegação costeira só com muita difficuldade pode exercer-se, por virtude da carencia em grande numero de portos de caes de embarque e desembarque de passageiros e mercadorias.

Não tenho a pretensão de, com o presente projecto de lei, resolver de uma forma completa o problema da viação madeirense. Assim, deixo por agora, systematicamente dó lado tudo o que diz respeito á construcção de novas estradas, porque não pude ainda alcançar o conjunto de elementos basicos de estudo de que necessito, em ordem a formular a indicação precisa das medidas a pôr em pratica, e expor-vos-hei simplesmente aquellas providencias que, quanto a caes de embarque e desembarque nas costas da Madeira e Porto Santo, se me afigura util e necessario serem desde já effectivadas, e para as quaes peço portanto a vossa approvação.

Senhores. - De todos os portos das nossas ilhas adjacentes, o da cidade do Funchal é sem contestação o que maior importancia reveste.

Este porto é com effeito visitado annualmente por mais de 1:250 navios na sua maioria de vapor, attingindo a media annual dos valores das mercadorias por meio d'elles importadas e exportadas, calculada era harmonia com o quinquennio de 1901 a 1905, a somma de 6.207:000$000 réis.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Alem d'isso, muitos d'estes navios conduzem a seu bordo, alem do autochtono que regressa ao seu lar, e do viajante que mais ou menos demoradamente vem residir na Madeira, grande numero de passageiros e touristes, que occasional e rapidamente desembarcam com o intuito de admirar algumas bellezas naturaes que esta ilha em barda possue.

Natural e de esperar era pois que, n'estas circunstancias, o porto do Funchal possuisse as condições essenciaes ao commodo e seguro desembarque de passageiros e mercadorias.

É o contrario, porem, que a realidade brutal dos factos nos mostra. Alem de um molhe, insignificante e inefficaz, que só pode servir de abrigo eventual a pequenas embarcações de serviço costeiro, este porto apenas tem um caes, e esse inteiramente indigno d'este nome.

Refiro-me ao caes da entrada da cidade, que se acha por1 tal forma construido que, mesmo com mar bonançoso, é incommodo e até perigoso n'elle embarcar ou desembarcar, sendo relativamente frequentes os banhos forçados a que a sua péssima construcção da origem.

Uma pequena ampliação e algumas ligeiras modificações serão sufficientes para o tornar, se não optimo, o que é evidentemente impossivel dados os seus defeitos originarios, pelo menos regularmente apto para o desempenho dos serviços que por meio d'elles devem realizar-se.

A esta applicação e modificações diz respeito o n.° 1 do artigo 1.° do presente projecto.

Se esta melhoria do caes do Funchal é indispensavel e urgente, não menos o é comtudo a construcção dos caes de pequena cabotagem a que o n.° 2.° do artigo 1.° se refere, na Ilha do Porto Santo e em alguns dos portos das costas da Ilha da Madeira.

É absolutamente necessario acabar de vez com o actual e perigoso systema de embarques e desembarques por meio do encalhe dos escaleres na areia ou no calhau, que tem sido a causa de grande numero de accidentes.

A Junta Geral do districto do Funchal compete a construcção, reparação e policia destes caes de pequena cabotagem, nos precisos termos do artigo 5.° do decreto de 10 de outubro de 1902 e do n.° 8.° do artigo 32.° do decreto de 2 de março de 1895, organizador das autarchias districtaes açoreanas e applicado ao districto do Funchal pelo decreto de 3 de agosto de 1901, que usou da autorização concedida na alinea m) do artigo 1.° da carta de lei de 12 de junho do mesmo anno.

Todavia, porque ao Governo pertence a obrigação de realizar no caes da cidade do Funchal as ampliações e modificações que acima justificamos, e porque para este fim elle terá de adquirir materiaes e contratar operarios, é evidente que com grande economia de capital e de trabalho pode sob a sua direcção levar-se a effeito a construcção dos caes de pequena cabotagem a que o § 2.° do artigo 1.° d'este projecto se refere.

E nenhum encargo d'ahi advirá para o Thesouro, visto que, pelo artigo 3.° d'este projecto, á semelhança do que se fez relativamente á construcção das levadas do Estado (lei de 12 de junho de 1901, artigo 1.°, alinea n); decreto de 8 de agosto de 1901, artigo 4.°, e de 10 de outubro de 1902, 6.°), fica a Junta Geral obrigada a pagar por meio de annuidades successivas a quantia de réis 12:000$000, sufficiente para o integral pagamento das despesas a realizar com as obras projectadas, limitando-se a este, respeito a funcção do Estado a um adeantamento de capitães e á económica direcção dos trabalhos.

Por estes motivos pois, porque sem prejuizo do Thesouro pode a Junta Geral do districto do Funchal auferir importantes vantagens, satisfazendo-se as necessidades instantes de uma região desprotegida, me pareceu util entregar ao Governo a construcção dos caes que o n.° 2.° do artigo 1.° d'este projecto abrange.

Taes são, senhores, os fundamentos do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a mandar proceder immediatamente aos estudos necessarios para:

1.° Ampliação e melhoria do caes de embarque e desembarque de passageiros da cidade do Funchal, denominado caes da entrada da cidade, em ordem a dar-lhe as condições de commodidade e segurança de que elle actualmente em absoluto carece;

2.° Construcção de simples caes de pequena cabotagem, harmónicos com as necessidades do trafego, no porto da Ilha do Porto Santo, e nos portos das costas norte e sul da Madeira, onde são necessarios.

Art. 2.° Terminados estes estudos deverá o Governo desde logo dar começo aos trabalhos necessarios para execução pratica dos resultados a que por elles se tiver chegado.

Art. 3.° Para occorrer ás despesas emergentes da construcção dos caes de pequena cabotagem a que se refere o n.° 2.° do artigo 1.° da presente lei, fica a Junta Geral do Districto do Funchal obrigada a pagar ao Governo durante tres annos successivos, a partir do anno economico de 1907-1908, a annuidade de 4:000$000 réis, que será descrita no orçamento nas receitas geraes do Estado.

§ unico. A utilização por parte do Governo de quaesquer trabalhos já effectuados pela Junta Geral para construcção d'estes caes de pequena cabotagem não obriga aquelle para com esta a indemnização alguma, nem a qualquer desconto nas annuidades fixadas n'este artigo.

Art. 4.° Inscrever-se-ha no orçamento de 1907-1908, .como despesa extraordinaria a verba de 15:000$000 réis, destinada á pronta iniciação dos estudos e trabalhos a que esta lei se refere, e nos orçamentos seguintes serão igualmente inscritas como despesas extraordinarias as verbas necessarias para o seu proseguimento e conclusão.

Art. 5.° Os estudos e trabalhos a que a presente lei se refere deverão estar concluidos no prazo máximo de tres annos a contar da sua promulgação.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala, das sessões, em 20 de março de 1907. = O Deputado, Salvador Manoel Brum do Canto.

Foi admittido e enviado ás commissões de obras publicas e de fazenda e á de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - A Camara Municipal do concelho do Porto Moniz, districto do Funchal, pede que seja autorizada por lei a reduzir de 10 porcento a 4 por cento, durante o prazo de quinze annos, a percentagem das suas receitas municipaes destinada ao fundo de viação.

Porque me parecem justos os motivos allegados como fundamento do pedido na representação respectiva, que hoje envio para a mesa, submetto á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica autorizada a Camara Municipal do concelho de Porto Moniz, districto do Funchal, a reduzir de 10 por cento a 4 por cento durante o prazo de quinze annos, a contar da promulgação d'esta lei, a percentagem annual das suas receitas municipaes destinada ao fundo de viação.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Deputado, em 20 de março de 1907. = O Deputado, Salvador Manoel Brum do Canto.

Foi admittida e enviada ás commissôes de administração publica e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Poucas palavras serão sufficientes para justificar o projecto de lei que venho submetter á vossa approvação.

Existe na cidade do Funchal uma escola industrial, a

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Escola Antonio Augusto de Aguiar, que só muito imperfeitamente desempenha, por defeito de organização, a sua missão especifica.

Deixando momentaneamente de lado o problema da sua completa reorganização, limito-me u propor-vos a criação n'esta escola de uma cadeira, que as especiaes condições mesologicas da cidade do Funchal tornam imprescindivel mente necessaria: a cadeira da lingua inglesa.

E de todos conhecida a importancia qualitativa e numerica da população inglesa, quer fluctuante quer estabelecida na Ilha da Madeira, da qual deriva para a quasi totalidade dos individuos que, preparados com o curso da Escola António Augusto de Aguiar, pretendem obter collocação no commercio ou na industria, a absoluta indispensabilidade do conhecimento da lingua inglesa. Ora actualmente este conhecimento apenas pode ser obtido por meio do oneroso recurso ao professorado particular: d'aqui a necessidade e até a urgencia da criação nesta escola industrial de uma cadeira de lingua inglesa.

E é de notar quê a criação d'esta cadeira nenhum encargo acarretará para o Estado alem do ordenado do professor respectivo, visto que qualquer das aulas actualmente existentes no edificio da Escola Antonio Augusto de Aguiar pode, sem inconveniente algum e por uma simples combinação de horarios, ser utilizada para o funccionamento da nova cadeira.

Taes são, resumidamente, os fundamentos do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É criada na Escola Industrial Antonio Augusto de Aguiar, na cidade do Funchal, uma cadeira de ensino da lingua inglesa.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Deputados, em 20 de março de 1907. = O Deputado, Salvador Manoel Brum do Canto.

Foi admittido e enviado ás commissões de instrucção secundaria e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A Camara Municipal de Soure deseja dotar a sede do seu concelho, que é uma das principaes villas do districto de Coimbra, com dois importantes melhoramentos: illuminação a electricidade por incandescência e abastecimento de agua potavel, tudo de molde a poder se fazer a distribuição pelos domicilios particulares.

A camara municipaliza estes serviços, visto a- experiência ter demonstrado que o systema da municipalização é mais economico e productivo, e offerece maior garantia para os consumidores do que se a exploração fosse entregue a empresas particulares, que de ordinario, com a mim nos lucros, servem mal e por preços elevados.

Para as duas installações de luz e agua tem a camara de obter do estrangeiro machinas, dynamo, tubagem, redes e outros materiaes precisos.

As suas finanças são pouco lisonjeiras, e tanto que ha de contrahir um empréstimo para occorrer áquellas despesas e por isso pretende que lhe seja concedida,a isenção dos direitos aduaneiros de todos os machinismos e mais material que lhe for preciso importar para aquelles fins.

A mesma camara possue em volta dos Paços do Concelho uns terrenos que vae regularizar com arruamentos em differentes direcções e em largo na frente do edificio, a que já deu a denominação de Largo do Infante D. Manoel, e d'estas obras sobejam terrenos que convém serem vendidos a particulares para construcções, prolongando-se assim para aquelle lado a povoação.

Para essa alienação precisa a camara que a dispensem das formalidades das leis da desamortização.

Tão justos emprehendimentos da Camara de Soure são merecedores de attenção dos poderes publicos, e as concessões que ella pretende tem já muitos precedentes, ultimamente com respeito á Camara de Coimbra, na lei de 19 de janeiro do corrente anno; e por isso tenho a honra de submetter ao vosso bom e esclarecido criterio o seguinte projecto do lei:

Artigo 1.° É concedida á Camara Municipal de Soure a isenção dos direitos de importação sobre todos os machinismos e mais material que for necessario importar do estrangeiro com applicação ás installações da luz eléctrica e abastecimento de agua potavel na villa do Soure.

Art. 2.° E igualmente concedida á mesma camara a permissão para alienar, independentemente das leis de desamortização, e para construcções, os terrenos possuidos pelo municipio em volta do edificio dos Paços do Concelho, que não forem precisos para arruamentos e regularização do Largo do Infante D. Manoel, que fica em frente deste edificio.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. = O Deputado, Francisco Miranda da Costa Lobo.

Foi admittido e enviado ás commissões de administração publica e de fazenda.

O Sr. Valerio Villaça: - Chamo a attençao do Governo para uin pedido dos empregados telegrapho-postaes de Penainacor, que solicitam da Camara que seja discutida, ainda n'esta sessão legislativa, a reforma dos serviços telegrapho-postaes.

Peço a qualquer dos Srs. Ministros presentes o obséquio de transmittir ao Sr. Mini&tro das Obras Publicas o desejo por mim expresso.
(Leu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Schrõter): - Pedi a palavra para declarar ao Sr. Deputado Valerio Villaça que transmittirei ao meu collega das Obras Publicas as considerações de S. Exa.

O Sr. Domingues de Oliveira: - Manda para a mesa um projecto de lei que se refere á reorganização do corpo de policia civil da cidade do Porto, assente em moldes adoptados já para a mesma corporação da capital.

Esta reforma tornou-se de uma inadiavel urgencia, e é hoje uma das aspirações legitimas da cidade do Porto, que, tendo alargado os limites das suas barreiras para poder conter a maior densidade da sua população, não tem as garantias necessarias á conservação da ordem e tranquillidade publicas nem á segurança dos cidadãos.

Este projecto pretende livrar da tutela do elemento civil a policia, dando-lhe a direcção independente e autonoma de officiaes do exercito, os unicos capazes de manterem o prestigio e a disciplina numa corporação composta de individuos escolhidos na classe militar. Foi já para garantir esse prestigio disciplinar que foram chamados a servir, como inspectores, officiaes do exercito. Mas estes, como ficaram subordinados ao governador civil e ao commissario geral, tinham talvez de sanccionar infracções de disciplina em proveito de interesses politicos ou particulares, longe de terem a liberdade de acção necessaria para se imporem no cumprimento rigoroso d'ella.

O projecto entrega toda a policia de investigação criminal a um magistrado judicial e introduz importantes modificações nestes processos, tendentes a harmonizar quanto possivel o respeito pelos direitos individuaes com a, defesa social.

Aumenta o numero dê praças, tornado exiguo hoje para a importancia da cidade e das localidades em torno, para as quaes a cidade fornece elementos policiaes, e para os multiplos serviços que são chamados a desempenhar, de entre os quaes se destacam, pela importancia social, os de inspecção administrativa, especialmente os de policia sanitaria.

O corpo de policia é que tem de auxiliar o delegado e subdelegado de saude na fiscalização dos generos alimenticios e em todos os actos de policia-sanitaria, incluindo o

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isolamento dos casos de doença exótica ou outra a que a lei impõe esta medida de prophylaxia.

Numa epidemia de typhos exantematicos que ha dois annos fez eclusão em Matozinhos e Leça de Palmeira, como houve dificuldades financeiras que não permittiram á Camara de Bouças installar de pronto um hospital de isolamento, foram destacadas da cidade do Porto praças da policia civil para mantarem esse isolamento em domicilio, e, apesar de não serem em pequeno numero, não eram bastantes para as exigencias da occasião, por não se poderem dispensar noutros serviços na cidade. Por este mesmo motivo é que o serviço de policia no porto de Leixões, que hoje conta um grande movimento de passageiros, é detestavel e carece de remedio pronto para que não se continue sempre na ameaça de ver a todos os instantes desfeiteados e aggredidos quasi pelos catraeiros os touristes que ingenuamente desembarcam nesse porto sem pensarem na arrojada empresa em que se mettem. Refiro-me apenas aos touristes porque os outros passageiros, por condições especiaes do serviço do posto de desinfecção, estão livres desses assaltos.

Para o acrescimo da despesa que resulta deste aumento de pessoal conta o projecto com a receita das multas pela transgressão dos regulamentos e posturas existentes na lei, que não são rigorosamente cobradas hoje, porque a morosidade dos processos o impede, embaraço que desapparece pela nova organização da policia de investigação criminal.

O projecto attende tambem á ampliação do edificio da Aljube novo, installando ahi todos os serviços de policia judicial e sanitaria, abandonando de vez o vergonhoso e condemnado Aljube velho, carecido em absoluto de condições hygienicas necessarias para o fim a que se destina.

Por todas estas considerações pede para o projecto ser enviado com urgencia á commissão competente, para dar o seu parecer e entrar em discussão.

O projecto ficou para segunda leitura.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Alfredo de Mattos: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo que deitei na caixa das petições um requerimento dos serventes do Hospital de Marinha, pedindo melhoria de situação. - Alfredo Ferreira de Mattos.

Em seguida faz algumas considerações, mostrando a justiça do pedido feito no requerimento.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Moreira de Almeida: - Desejava dirigir se ao Sr. Ministro da Marinha. S. Exa. não está presente, mas espera que algum dos seus collegas lhe transmitia as considerações que vae fazer.

Consta-lhe que o conservador de Lourenço Marques, o Sr. Antonio dos Reis Torgal, foi ou vae ser transferido para Benguella, por motivos estranhos ao serviço official, e a pedido do Banco Ingles do Cabo, que tem uma agencia em Lourenço Marques.

Parece que aquelle conservador, funccionario muito zeloso e muito digno, advogou, no uso legitimo do seu direito, em um processo contra o Banco Inglês, e que d'ahi vieram instancias officiosas para que elle fosse transferido.

Deseja, portanto, saber se estamos num. regime de um protectorado britannico, de forma que funccionarios portugueses possam ser transferidos por exigencias estranhas á nossa administração.

Não crê que chegássemos já a esta situação. Não crê que um Governo estrangeiro ou um banco de outro país venha ingerir-se nas cousas do nosso Ministerio da Marinha e Ultramar, para regular o procedimento do respectivo Ministro.

Está, portanto, convencido de que o Sr. Ministro não determinou a transferencia por influencias estranhas; mas, se assim foi, pergunta era que condições ella se deu, e, se assim não foi, deseja saber quaes as razões que a determinaram.

Aproveita o ensejo de estar no uso da palavra para unir a sua voz á do Sr. Valerio Villaça ácerca da necessidade de ser trazida á Camara uma proposta de lei reformando os serviços telegrapho-postaes.

O Sr. Alfredo Pereira já apresentou ao Sr. Ministro das Obras Publicas as bases desta reforma, e por parte do Governo já houve a declaração de que effectivamente viria á Camara aquella proposta.

Todavia ia passou bastante tempo e nenhuma medida ainda foi proposta.

Apesar d'aquelles empregados lhe não terem dado procuração para os defender, junta as suas palavras ás dos Srs. Magalhães Ramalho e Valerio Villaça, pedindo a attenção do Governo para a situação precaria em que elles se encontram, apesar de estarem sobrecarregados de serviço e de lhes passarem pelas mãos importantissimos valores.

Conclue mandando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro copia de toda a correspondencia official entre o governador do districto de Moçambique, ou o governador geral da provincia, e o Ministerio do Ultramar, ácerca da transferencia do conservador era Lourenço Marques, Antonio dos Reis Torgal, para Benguella. = J. A. Moreira de Almeida.

Mandou-se expedir.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Simplesmente quero dizer ao illustre Deputado o Sr. Moreira de Almeida que transmittirei ao meu collega da Marinha as considerações que S. Exa. acaba de fazer.

Em relação aos empregados telegrapho-postaes, declaro tambem ao Sr. Villaça que transmittirei ao Sr. Ministro das Obras Publicas o seu pedido.

O Sr. João de Menezes: - Sr. Presidente, pedi a palavra para instar mais uma vez para com S. Exa. para que me sejam mandados os documentos que pedi pelos diversos Ministerios desde o começo da sessão de 1906.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Chama a attén-ção do Governo para o facto do administrador do concelho de Villa Nova de Ourem ser um pharmaceutico.

Houve já uma queixa contra este funccionario. Esta queixa foi presente ao Sr. governador civil, que naturalmente a remetteu ao Governo, mas não se tomaram providencias e aquelle administrador continua no exercicio das suas funcções.

Que se conserve no seu logar um administrador qualquer, ainda que tenha praticado actos menos regulares, comprehende-se, porque, porventura por motivos politicos, esses actos são sempre julgados regulares; mas que se mantenha á frente de um concelho um pharmaceutico é deveras para estranhar.

Este Governo legalista nó acata a lei quando lhe convém; quando não lhe convém, põe-na de parte.

Um pharmaceuticonão pode ser administrador de concelho, porque, segundo o regulamento de 24 de dezembro de 1901, artigo 53.°, tem de fiscalizar as pharmacias e, portanto, tem de fiscalizar-se a si proprio.

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No mesmo sentido existem differentes portarias.

Por consequencia, se não ha incompatibilidade em face da lei, dá-se essa incompatibilidade em face da sua profissão.

No tempo dos progressistas e dos regeneradores, em que se dizia que as leis se não executavam, não admiraria isto; mas no tempo do legalismo triunfante, e com um Governo que diz viver unicamente com a lei, não se comprehende.

As leis não são para se cumprirem só com relação ás cousas grandes; devem cumprir-se tambem quando se trata de cousas mais pequenas.

Pede portanto ao Sr. Ministro da Jiistu;a que trnsmitta ao Sr. Ministro do Reino as considerações que acaba de fazer.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Transmittirei as considerações que o illustre Deputado fez, com relação ao administrador do concelho de Villa Nova de Ourem, ao Sr. Presidente do Conselho. Mas devo desde já dizer que tenho a felicitar me como membro do Governo, porque S. Exa. citou um facto que não é contra a lei, mas sim contra uma portaria e um regulamento. Estou convencido que o Sr. Ministro do Reino tomará as observações do Sr. Deputado na devida consideração, porque cumprir a lei é o seu maior desejo.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Chaves Mazziotti: - Tive ha tempos a honra de mandar para a mesa uma representação dos arbitradores judiciaes do concelho de Cintra. Não estava então presente o Sr. Ministro da Justiça, e por agora S. Exa. o estar aproveito a occasião de estar com a palavra, para chamar a sua attenção, a fim de que S. Exa. faça justiça a esta classe, que pagou os seus direitos de merce e que ha dois annos está sem fazer serviço, sujeita á, arbitrariedade das autoridades judiciaes, que empregam individuos que não pagaram direitos de mercê.

Portanto, chamo a attenção de S. Exa. para este facto, esperando que S. Exa. apresente dentro em pouco uma proposta restabelecendo esta classe.

Já que estou com a palavra, chamo a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para o estado lamentavel em que se encontram as estradas districtaes em Cintra; em taes condiçães de conservação, que daqui a pouco não se poderá transitar por ellas.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - É unicamente para dizer o que por muitas vezes tenho dito nesta casa do Parlamento. Ainda nesta sessão legislativa apresentarei um projecto garantindo os direitos dos arbitradores judiciaes.

O Sr. Gomes Netto: - Quando pedi a palavra esperava ver presente o Sr. Ministro das Obras Publicas, mas como S. Exa. não está, peço a qualquer dos seus collegas que lhe communique um pedido que a Camara Municipal de Grandola me dirigiu: para que eu inste com o Governo a fim de proceder á construcção do caminho de ferro do Valle do Sado, não só para satisfazer a uma grande necessidade d'aquella região, mas tambem para occorrer á crise de trabalho que ali existe, cujos resultados podem ser graves.

Na qualidade de Deputado por aquelle circulo, eu entendo que me cumpre o dever de communicar á Camara o pedido que aquelle municipio me fez. Espero que o Governo dará toda a sua attenção a esse assunto.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. José Cabral: - Mando para a mesa um projecto de lei autorizando o syndicato agricola de Reguengos a adquirir para p seu serviço um predio situado na villa de Reguengos de Monsaraz.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Luis Gama: - Não está presente o Sr. Ministro dos Obras Publicas, mas espera que os seus collegas lhe transmittam um pedido que vae fazer.

Estamos no fim de março, e em maio devem começar a vigorar os novos horarios das pinhas ferreas.

Continua a fazer-se profundo silencio sobre este assunto, e depois, sem ninguém, o esperar, apresentam-se á ultima hora os novos horarios, sem se poderem fazer valer os interesses das localidades.

Pede, por consequencia, ao Sr. Ministro das Obras Publicas que empregue os seus esforços para que os horarios sejam publicados a tempo de se apresentarem as reclamações das localidades, para serem attendidas as que forem justas.

(O discurso será publicado na integra quando o orador devolver as notas tachygraphicas).

O Sr. João de Azevedo Castello Branco: - Pedi a palavra para rogar a V. Exa. que mande expedir o seguinte

Requerimento

Requeiro que me seja enviada copia das actas das sessões da congregação da faculdade de direito da Universidade desde 1890 até hoje. = O Deputado, João Castello Branco.

Mandou-se expedir.

Peço a V. Exa. para instar para que estes documentos me sejam fornecidos, logo depois de ferias, quando abram novamente as sessões.

O Sr. Alberto Navarro: - Manda para a mesa uma representação dos escrivães dos juizes de paz pertencentes ao districto judicial da Relação do Porto, pedindo uma serie de providencias que elles julgam poder satisfazer á boa administração da justiça e dar desenvolvimento a um certo numero de causas que hoje se não intentam em virtude das despesas que demandam.

Todos sabem que não é fácil preencher os logares. da magistratura dos juizos de paz; mas ha um meio de conseguir esse resultado, e consiste elle em estabelecer certas vantagens a quem se proponha exerce-los.

Pede, portanto, ao Sr. Ministro da Justiça que tome em consideração a representação que manda para a mesa.

Aproveita a occasião para perguntar a S. Exa. qual é a sua intenção ácerca do projecto mandado ha dias para a mesa pela Sr. Tavares Festas, e tambem assinado pelo Sr. Conde de Paçô-Vieira e por elle, orador, concedendo aos magistrados judiciaes de 1.ª instancia o terço dos vencimentos por diuturnidade de serviço.

Todos sabem que são precarias as circunstancias em que se encontram os magistrados, que teem ainda os ordenados que tinham em 1823, quando as circunstancias da vida variavam consideravelmente; e todos sabem que desde 1890 as leis os teem sobrecarregado de trabalho, sem lhes darem elementos que os compensem pecuniariamente, ao passo que já sé concedeu o terço aos magistrados da Relação e aos do Ministerio Publico.

Referir-se-ha mais tarde desenvolvidamente a este assunto. Por agora deseja ouvir a opinião do Sr. Ministro da Justiça a este respeito.

Já que está no uso da palavra, chama a attenção do Sr. Presidente para o atraso em que se encontra a publicação dos Summarios dás sessões desta Camara.

Evidentemente os Summarios das sessões são feitos para a imprensa, para os Deputados e para todo o país

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terem conhecimento do que se passa aqui, e constituem um elemento de estudo muito valioso.

Pede, portanto, ao Sr. Ministro do Reino, se o assunto corre pela sua pasta, ou ao Sr. Presidente, se elle corre pela secretaria desta Camara, que os Summarios sejam distribuidos sem atraso, aliás é melhor acabar com elles.

Pede por ultimo ao Sr. Ministro da Fazenda que lhe envie com a maior brevidade possivel os documentos relativos á falta de remuneração a alguns empregados do seu Ministerio por trabalhos extraordinarios, que resultam de um diploma com força de lei.

Precisa destes documentos, porque, quando discutir o orçamento, deseja referir-se largamente a este assunto.

E, para terminar, rega ao Sr. Presidente que, cumpridas as devidas formalidades, mande publicar a representação no Diario do Governo.

(O discurso será publicado na integra quando o orador devolver as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Não tenho que consultar a Camara, porque a representação tem de ser primeiro remettida á commissão respectiva.

O Orador: - Isso foi no anno passado.

O Sr. Presidente: - É uma resolução permanente.

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Declaro ao illustre Deputado que a intenção do Governo é melhorar a situação dos magistrados judiciaes. E emquanto ás outras observações que S. Exa. fez, transmitti-las-hei aos meus collegas.

O Sr. Magalhães Ramalho: - Mando para a mesa um requerimento pedindo, com urgencia, varios documentos de que necessito para entrar na discussão do orçamento do Ministerio da Guerra.

Requerimento

Requeiro com urgencia que pelo Ministerio da Guerra me seja enviada uma nota especificada, por annos e serviços, das reservas e praças de pret readmittidas, indicando-se-nos os periodos de readmissão em que essas praças se encontram. = O Deputado, A. M. de Magalhães Ramalho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Abel Andrade: - Em 3 de dezembro levantou ã questão do parocho das Cortes, e o Sr. Ministro da Justiça respondeu que tinha consultado o prelado da respectiva diocese, o qual lhe respondera que julgava inconveniente a collação d'aquelle parocho.

Teve conhecimento de uma representação apresentada ao Sr. Bispo, pedindo lhe que modificasse a sua informação.

Não se occupa do que então se passou, mas mais tarde o Sr. Ministro mandou-lhe um documento do qual constava que aquelle prelado tinna dito que o parocho de que se trata é um modelo do parochos, embora tivesse incompatibilidade com duas ou tres pessoas.

Não entra n'isto; o que pergunta é se o Sr. Ministro da .Justiça, depois de ter recebido aquella informação do Sr. Bispo da Guarda, está resolvido a permittir a collação do parocho das Côrtes ou não.

Se S. Exa. está resolvido a permittir a collação, nada tem a dizer; se não está, levantará novamente a questão em aviso previo.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Pedi a palavra para1 declarar que dos documentos que mandei ao illustre Deputado que acaba de falar apenas consta que é bom o procedimento do ecclesiastico a quem S. Exa. se referiu.

Sobre a conveniencia ou inconveniencia delle ser col-lado na freguesia das Cortes, nada dizem esses documentos, e ainda ha 10 ou 12 dias, conversando novamente com o prelado da Guarda, a tal respeito, elle de novo tornou a dizer que não julgava, por ora, conveniente essa collação.

O Sr. Abel Andrade: - Mas não está disposto, em principio, a annullar a collação.

O Orador: - Continuo nas mesmas duvidas que tinha e logo que estejam desfeitas ou tenha que tomar qualquer providencia sobre o caso, darei d'ella conta á Camara.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente:-Vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão dos projectos de lei n.° 34, de 1906 e n° 13, de 1907, sobre o Orçamento Geral do Estado

O Sr. Luis José Dias: - Começa por fazer o elogio do discurso do orador precedente, em cuja oração diz ter notado muito trabalho, muito estudo e grande conhecimento do assunto, mas não concorda com a grande maioria dos assertos do Sr. Abel Andrade sobre a materia que versou e principalmente no que respeita á noção do orçamento e ainda na parte em que quiz attribuir ao Governo e ao Sr. Ministro da Fazenda erros que lhes não pertencem, defeitos orçamentaes de que não teem culpa, e faltas que vem de longe e de que não é responsavel o actual Gabinete.

Elle, orador, não costuma louvar ninguém pelos erros que commette pelas affirmações falsas que faz, ou pela doutrina insustentavel que professa.

O Sr. Abel Andrade exprimiu-se com fluencia de palavra, correcção de frase e clareza de dicção. Soube aformosear o seu discurso com estilo primoroso e apropriado, mas quanto á materia afastou-se muito dos contornos da verdade.

O orador nota que na discussão do orçamento se tenham confundido cousas diversas e que as ideias claras e as noções distinctas se tenham trocado por indiscriminações de qualidades inconfundiveis.

Que nos discursos orçamentaes se põe de parte o ventre dos autos ou as entranhas do grande monstro para em vez disso se semearem e entornarem á mãos largas flores as mais mimosas, rescendentes e inebriantes de perfumada rhetorica, fazendo-as sobresahir em coarctadas de quente e apaixonada eloquencia e jogando com montões de cifras e algarismos, que desligados da sua realidade viva e da sua fonte verdadeira - descentralizados e deslocados do seu verdadeiro sitio, são inertes como os cadaveres lançados á valia do cemiterio, mudos como es monolitos que o acaso da revolução geologica arremessou para o topo das serranias ou para a encosta das montates - frios como a pedra marmorea dos bancos hospitalares - e que em vez de levarem á verdade conduzem ao erro prejudicial e até por vezes perigoso para a independencia do país.

Estabelece-se a confusão de materias, convola-se de umas para outras com o fim de tirar vantagem politica e de ser desagradavel ao Governo e ás respectivas commissões, e desta forma desapparece a clareza, que é condição essencial das Boas finanças e predicado imprescindivel da materia orçamental.

Tudo se complica e embrulha, tudo se transtorna e embaralha.

O publico longe de ficar esclarecido sobre a verdadeira

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situação do Thesouro e exigencias do fisco, antes fica mais confuso e desnorteado.

Que em nenhum assunto se exige com tanta necessidade e utilidade como neste uma critica imparcial, fria, serena e desapaixonada, porque tomar os factos com calor e apreciá-los fora das regras da boa argumentação, da boa lógica, torcendo-os e desvirtuando-os ao sabor de um criterio viciado por uma atmosphera impregnada do espirito de facção e de paixão partidaria, é lançar a confusão e a desordem, onde tanto se precisa de clareza, ordem, verdade e sinceridade.

Que os factos se devera tomar presos ás suas raizes e ás suas causas por epigraphes, classes, estatisticas e pautas - fazendo com paciencia a investigação critica e historica do artigo, género ou mercadoria, a ver se- revelam aumento ou diminuição de riqueza, se é para consumo; ou se é muito elevado o seu preço, podendo assim indicar luxo, ou pequeno e diminuto, podendo significar pobreza.

Diz que estas faltas e defeitos são tanto mais lamentaveis quanto é certo que da discussão sciente e consciente de um orçamento depende a sorte de um país.

Que dito isto lhe parece ter dito quanto se pode dizer em tão poucas palavras sobre a importancia e valor deste documento de caracter politico, administrativo, economico e financeiro.

Que para essa discussão são necessarios muitos e vaoildos elementos de estudo.

Passa o orador a notar com larga copia de conhecimentos financeiros alguns dos mais importantes elementos preparatorios para o estudo e intelligencia do orçamento.

Faz especial menção do relatorio de fazenda e mostra o valor e importancia d'este documento e referindo-se ao actual faz o seu elogio e louva com enthusiasmo o Sr. Ministro da Fazenda Conselheiro Schrõter, pondo era relevo o seu caracter nobilissimo, a sua probidade e o seu grande conhecimento dos assuntos da sua pasta. São amigos já de muito longe e o elevado conceito em que sempre o teve ainda se não modificou e apenas aumentou.

Quanto á sua capacidade financeira, revela-se de modo especial em algumas passagens do seu relatorio, se bem que já o tinha como financeiro distincto, não o surprehendendo por isso a sua elevação aos Conselhos da Coroa.

Elle, orador, foi o primeiro que no Parlamento, durante algumas sessões, demonstrou a relação do relatorio com o orçamento.

Que foi o Sr. Teixeira de Sousa o primeiro que attendeu ás suas reclamações, que achou justas - apresentando ao mesmo tempo os dois documentos.

O actual Sr. Ministro da Fazenda não deixou pôr em discussão o projecto sem que primeiro e com muitos dias de antecipação habilitasse o Parlamento com esse indispensavel instrumento de intelligencia e estudo orçamental.

O orador, mostrando o valor e importancia de varios dados officiaes para a discussão orçamental, affirma que são necessarios ainda mais e muito mais preparatorios, porque alem da avaliação indirecta e oificial ha ainda a avaliação directa; que o orçamento, sem esta, não passa de um rol e apenas com elle se podem satisfazer e sustentar os orçamentologos, mas não os homens publicos e os estadistas.

O Sr. Ministro da Fazenda no seu excellente relatorio dá sinal de varias habilitações indispensaveis para a avaliação directa.

O orador faz resaltar a necessidade de se ter profundo conhecimento das forças económicas e sociaes, das relações destas entre si, das leis de administração, de organização de serviços e de quadros; que é necessario conhecer tambem toda a cultura dos países com que se mantenha ou possa vira manter relações, não se podendo ignorar o respectivo direito internacional e muito menos a sua politica commercial. Para corroborar as suas affirmações, o orador, sempre applaudido pela Camara, e por a grande maioria d'ella, que o rodeava, citou exemplos varios e entre outros mostra essa verdade com a citação da pauta Mac-Kinley de 1890 e a de Wilson de 1894, da União Americana.

Sem o conhecimento destas pautas como se poderia celebrar um tratado em termos com aquella União Americana?

É indispensavel, diz, o inquerito profundo á capacidade productora e consumidora do país e dos outros com quem se mantém relações, conhecendo-lhes por igual todas as forças vivas e prescrutar-lhes nas suas origens e causas o seu estado sanitario, o seu grau de vitalidade ou definhamento e isto ainda nos mais pequenos e meudos organismos.

Mostra que todos estes elementos são indispensaveis para se poderem regular os negocios da pauta.

Com grande erudição faz notar a necessidade e importancia desses conhecimentos para com proveito se poder fazer boa e util legislação e se poder ler; e estudar o orçamento.

O orador nota que o orçamento sob o aspecto immediato e empirico é apenas um conjunto de cifras em duas columnas, representando uma as receitas e outra as despesas da administração do Estado durante um anno financeiro; que muita gente não fazia d'elle outra ideia e que por isso julgava que bastava com uma faca abrir-lhe as folhas, ler-lhe as cifras, fazer-lhe as contas, tirar lhe as provas e nada mais.

O orçamento, porem, olhado de mais alto é, por assim dizer, a expressão substancial da consciencia publica e o padrão por onde se podem avaliar e aferir todos os phenomenos da vida social, quer da ordem politica ou administrativa, quer da económica o financeira.

Basta ler um capitulo, um artigo, uma secção, não tanto isoladamente, mas no seu conjunto e confronto, para logo se conhecer o modo de sentir, de pensar e de querer d'esse povo, sua cultura, equilibrio moral e mental.

Com grande proficiencia e conhecimentos de philosophia, e da sciencia das finanças e direito publico mostra que os desequilibrios sociaes na ordem directa começam pela desorientação mental que produz a económica, que gera a financeira.

Mas ás vezes, diz o orador, é no orçamento que esses desequilibrios se preparam e outras vezes é pelo orçamento que elles se corrigem.

E aqui n'esta altura refuta algumas das principaes affirmações do Sr. Abel Andrade, quanto á natureza e indole da lei do orçamento, que elle, orador, chama preambular ou reguladora da execução do orçamento. E mostra que são insustentaveis as ideias do Sr. Andrade, não só perante os principios, indole e natureza do orçamento, mas ainda quanto aos factos. A proposito d'esta materia tece novamente elogios ao Sr. Ministro da Fazenda e á com-missão do orçamento, que trabalhou muito e é digna do maior elogio e todos são credores do reconhecimento do país.

O orador discorre largamente e com grande e variada instrucção e illustração sobre sociologia, mostrando a grande plasticidade do organismo social para a distribuição do imposto, tirando admiravel e palpavel exemplo da hossa pauta em frente da crise, tendo o agio determinado um direito differencial e protector tão elevado e tão forte que se não fosse essa plasticidade a perturbação económica seria peor do que a crise financeira.

Nota, em conclusão, que o orçamento acode comsoluções provisorias para não consentir por muito tempo o desequilibrio das forças da estatica e da dynamica sociaes.

Se todas as forças solicitam o movel afinadas como as cordas de uma harpa, modeladas como as teclas de

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um piano - ha cultura, ha progresso e civilização - ha ordem; isto é, expandem se todas as liberdades publicas e particulares. Mas se as forças desafinam e se desharmonizam dá-se a rotura do equilibrio e começam os movimentos oscillatorios. Como as leis organicas e ordinarias não podem ás vezes acudir a tempo, é necessario que o orçamento acuda e com presteza, como o poeta dizia do pae, que demorando-se ou vindo do vagar podia não achar já a filha para soccorrer.

Veja o Sr. Abel Andrade quão distantes estão as suas ideias da materia que vou espendendo e para a qual não pode haver contraditas.

E apenas as poderia ter quanto á minha ideia metaphysica. O seu velho e particular amigo Sr. Dr. João Pinto dos Santos, de talento tão formoso como de consciencia honesta e justa, parece inclinar-se ao positivismo, porque vejo-o citar muito Spehcer e Taine, Littré, Comte, vindo d'ahi a minha suspeita.

O Sr. João Pinto dos Santos (interrompendo): - Affirma que tem predilecção por esses autores.

O Orador: - Depois de breves e amigaveis explicações passa a mostrar a relação entre as duas avaliações official e directa, e mostra com muitos argumentos e factos positivos a sua intima e necessaria relação.

A indirecta funda-se toda nos elementos officiaes, O orador cita innuineros factos e exemplos para provar que esses dados e elementos não podem servir de fio conductor para a resolução das grandes questões orçamentaes, e a propósito elogia o Sr. Ministro da Fazenda, a commissão do orçamento, e vae demonstrando praticamente a verdade de todas as suas affirmações quanto ás habilitações necessarias para se poder ler e estudar o orçamento com proveito e conhecimento de causa, e vae por este modo refutando as asserções do Sr. Abel Andrade, mostrando com factos claros e citações adequadas que a divida fluctuante não era barometro seguro que nos pudesse dar sempre a verdadeira situação do Thesouro; que os dados do actual Ministro eram dignos de fé e credito, mas nem todos os Ministros da Fazenda tinham a noção da responsabilidade do seu cargo como o actual Ministro.

E alem de factos lembrava ao Sr. Abel Andrade o que aconteceu com a commissão de banqueiros que foram á Turquia estudar a situação financeira d'aquelle povo e não puderam fazer cousa de geito por causa das relações mysteriosas que, lá como cá, prendem a divida fluctuante ás operações de thesouraria.

O orador affirma que emquanto se não faz o encerra-mento se não pode conhecer o déficit do exercicio. Diz que o Sr. Ministro é desta opinião, cita o seu relatorio e lê a passagem a pag. 9, da 1.ª parte, onde se faz a affir-mação de que ainda se não sabe ao certo qual o déficit dos exercicios de 1892-1893 e 1905-1906.

E tomando estes dados cita grande numero de factos para corroborar esta proposição, apoiando-se na leitura e estudo das contas dos Ministerios, do Thesouro, da geral da administração financeira e da Caixa Geral.

Por fim cita e vae aproveitando o ensejo para mostrar que alguns algarismos não correspondem á realidade e por isso censura que os desliguem do seu logar e da sua raiz.

Entre muitos outros apontou 1895-1896 em que os impostos indirectos passam de 23.000:000$000 réis para 26.500:000$000 réis. Só nesta rubrica um aumento de 4.500:000$OOGxréis dentro de um anno é cousa surprehendente, mas a realidade é triste, pois que pelo estudo das pautas e observações orçamentaes se vê que só o imposto de cereal deu tres mil e tantos contos de réis; isto é, essa prosperidade financeira corresponde á fome e á miseria pela carestia dos cereaes.

O nosso deficit de 1878-1879 foi de 884:0000000 réis.

Parece que nadamos em mar de felicidades financeiras o estudo dos relatorios e das pautas nos ensina que houve uma antecipação nos direitos do tabaco na importancia de 5.500:000$000 réis.

De 1892 a 1893 em vez de deficit ha saldo.

Este é o facto official ostensivo e d'elle sem mais habilitações se tiram consequencias erradas.

A historia das leis de salvação publica nos diz que se fez grande reducção nos juros da divida e se aumentou o imposto de rendimento.

E aqui se vê palpavelmente a indispensabilidade do conhecimento das leis da publica administração para a intelligencia da materia.

Pelos relatorios do Ministro da Fazenda, do Banco de Portugal e da Junta do Credito se vê que ficaram por pagar milhares de contos de réis, especializando réis 3:200:000$000 réis á Junta.

Com argumentação cerrada, apoiada nestes e noutros factos, que mostram os seus especiaes conhecimentos em materia de finanças, o orador frisa sempre que são necessarios os citados elementos de preparação como no principio affirmou, para a discussão do orçamento.

Em vista da falta de dados e da imperfeição e defeito dos existentes o Sr. Ministro da Fazenda fez prodigios de trabalho e de estudo para poder introduzir tão importantes melhoramentos no orçamento, e o que lhe valeu foi o seu muito saber e sobretudo a grande pratica em materia de finanças. Melhorou os de 1906-1907 sobre os anteriores e o de 1907-1908 sobre aquelle.

Não podia regatear elogios e louvores á commissão, que auxiliou muito o Governo e que em vez de tratar de seus negócios, descansar ou recrear-se, havia passado noites longas e frias a estudar o melhor meio de bem servir o país.

Um systema de escrituração que offerece receitas e despesas a cargo de exercicios a classificar, que não permitte separar os factos de gerencia dos de exercicio para liquidar as responsabilidades de cada um; que apresente cifra de receitas ordinarias na gerencia superiores ás do exercicio e despesas de gerencia tambem superiores ás do exercicio, como se vê do relatorio segunda parte, a fi. 45, e que dá cobranças superiores ás liquidações, é um systema impossivel para se poder fazer cousa com geito.

Por isso e pelo mais que já mostrou quanto á falta e imperfeição dos instrumentos financeiros, serviram os notaveis melhoramentos que o Sr. Ministro introduziu no orçamento de 1907-1908 sobre o antecedente.

Emquanto não melhorar o actual estado de cousas não se pode fazer cousa perfeita: mas o Governo não tem culpa e antes tem procurado melhorar o existente, como prova com as medidas propostas.

E depois de toda esta longa e fastidiosa peregrinação é que o Deputado tem que analysar o conjunto das duas grandes cifras orçamentaes e nisso tem uma dupla e importante funcção a exercer.

Na dotação dos serviços tem de considerar a sua simplicidade ou complexidade no funccionamento, seu grau de alcance na esfera da actividade social, sua necessidade, utilidade ou dispensabilidade, confrontar as vantagens com os sacrificios ou dotações, conservar-lhes, negar lhes, aumentar-lhes ou diminuir-lhes que, diga-se de passagem, ficará muito bem negada ou aumentada ou diminuida, diga a contabilidade o que quiser, porque o direito de votar o imposto abrange a obrigação de conhecer da legitimidade, da necessidade a satisfazer, isto é, da dotação do serviço, que é a razão de ser do imposto, e de onde deriva a philosophia do orçamento.

E com relação ás receitas tambem deve pesar, medir e avaliar todas e cada uma das forças que constituem a materia collectavel, e ver o seu estado de robustez ou de fra-

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queza para poder aguentar aumento ou para lhe dever ser retirada parte do peso tributario.

E assim depois de, carregado com enorme bagagem de conhecimentos positivos e philosophicos ainda o investigador do orçamento tem campo immenso a percorrer para poder fazer cousa util ao país, que lhe confiou o mandato, cuja funcção basilar primaria, e de onde derivam as outras, é a discussão e votarão do orçamento.

Tudo isto constitue maré magnum de materia apreciavel sobre que os illustres Deputados podem espraiar as forças da sua grande intelligencia e derramar as luzes do seu muito saber.

Diz que um dos requesitos do orçamento é a unidade, e para ella e a favor d'ella trabalhou o Sr. Ministro e á commissão; que se admirou das censuras do Sr. Abel Andrade contra esse trabalho e contra esta qualidade do orçamento.

(Interrupção do Sr. Abel Andrade).

Mas que entende V. Exa. por unidade orçamental?

A unidade consiste em tudo se receber pelo orçamento e tudo se pagar pelo orçamento.

A unidade administrativa, orçamental, da contabilidade prende-se e liga-se mutua e reciprocamente. Quebrada essa unidade torna-se impossivel a fiscalização e começara a funccionar as caixas negras e as contabilidades occultas.

Ora este orçamento affirma essas qualidades de modo muito superior aos anteriores.

E o mesmo se diga quanto á clareza de que o Sr. Ministro nos deu uma brilhante prova no seu discurso da sessão passada, fazendo exposição tão lucida que podiam perceber-lhes os raciocinios, ainda os menos versados em taes assuntos. Essa clareza fora tanta que até o Sr. Abel Andrade se insurgiu contra ella, citando o que aconteceu ao Sr. Hintze quando deu conta da divida fluctuante de 1885.

O orador refuta brilhante e vehementemente as ideias do Sr. Dr. Abel Andrade, mostrando a necessidade que ha de clareza para que o país saiba tudo o que se passa em sua casa, porque elle é o dono.

O orador nota que na apreciação dos dois predicados orçamentaes - verdade e sinceridade - se convola de uma para outra e às vezes de propósito para o effeito pratico. Faz sobresahir as differenças e sobretudo quanto aos effeitos e responsabilidades.

A falta de sinceridade é imputavel e deve ser castigada. A lei da contabilidade e a da responsabilidade devem punir severamente essa falta, que nas suas consequencias pode levar até á perda da independencia, attenta a ideia actual do direito internacional, que nos ultimos tempos vê applicado às nações mal governadas:

O Sr. Presidente: - O orador fala ha uma hora, falta-lhe um quarto de tolerancia.

O Orador: - Agradece. Não lhe chega o tempo para apreciar a decima parte das affirmações do Sr. Abel Andrade. As proposições que vae estabelecendo vão constituindo premissas para a cabal refutação dessas affirmativas.

É pois imputavel, diz o orador, a falta de sinceridade orçamental, porque as consequencias, como deixa dito, são graves e podem ser funestissimas.

E tambem dessas conclusões derivadas da amplificação ou amesquinhamento de receitas e despesas se deduz quão prejudiciaes nos podem ser e nos teem já sido os nossos defeituosos dados financeiros.

O orador mostra com exemplos e factos, com- 20 de maio de 1893 e o convénio de 1902 que são verdadeiras as suas affirmações.

Pelo que respeita á verdade, não pode um ornamento ser omnimodamente verdadeiro.

Devemos apenas desejar que elle se approxime da verdade o mais possivel. Não pode ser omnimodamente verdadeiro porque isso repugna á sua essencia, visto que é producto do calculo, que tem por objecto o balanceamento das receitas e despesas, e esse calculo se funda na previsão e esta depende dos dados e da prospecção da intelligencia do preparador - e este é composto de muitas individualidades: de chefes de serviço, directores e Ministros da Fazenda; são varios saragoçanos a prever o futuro das receitas e despesas.

Por isso, diz o orador, não ha Ministro da Fazenda nem Parlamento no mundo que possa tomar a responsabilidade da verdade completa de um orçamento.

A verdade orçamental depende da preparação; esta encerra em si todo o futuro da gestão financeira e encerra o berço das finanças.

E tanto mais perfeita quanto mais se aproxima do começo da execução, pois a previsão se aproxima da visão e a probabilidade se vae confundindo com a verdade.

A primeira cousa, pois, que a contabilidade tem a fazer é lançar a base e alicerces do edificio - ou recuar o começo e terminação do anno financeiro ou avançar o começo da sessão legislativa.

A importancia da preparação se vê ainda pelas consequencias a que se chega, resultantes da sua falta ou da sua imperfeição.

Se o orçamento é mal feito, com organização e redacção irregulares, não ha meio de se obter uma gestão financeira toleravel.

A consequencia é ou golpe de Estado, ou creditos addicionaes, ou orçamento rectificado!

A permissão de créditos addicionees é a destruição mesma do orçamento, porque isso corresponde na sua máxima simplicidade e irreductibilidade ao seguinte: o executivo gasta os créditos que o Parlamento lhe vota no orçamento e mais o que for preciso; o Governo gasta o que quiser e no que muito bem lhe aprouver.

Alem do orçamento só se podem consentir os créditos extraordinarios, mas a lei deve definir o que sejam esses créditos que, segundo elle, orador, devem ser determinados por causas de força maior; resultando damno irreparavel, não se abrindo credito e urgencia tal que não possa comportar a demora da reunião das Côrtes.

A má preparação, porem, do orçamento conduz fatalmente a creditos addicionaes ou a orçamento rectificado - permissão de créditos addicionaes é orçamento à forfait, é autorização lata para todas as despesas.

D'aqui se vê, diz o orador, que a abolição d'esse orçamento rectificado representa a ausencia de toda a ideia de orçamento, de imposto e de direito publico constitucional.

Esse orçamento é logico, deriva da má preparação - é philosophico e politico, porque sustenta o direito do voto do imposto, e é sobretudo democratico.

Dos maus dados officiaes e do grande intervallo, decorrido desde a preparação até o começo de execução, deriva a má preparação.

O Governo já deu grandes passos para aperfeiçoar o estado actual de cousas.
Para se melhorar é necessario rever as leis, os quadros e as organizações.

Ha leis que transtornam tudo - como por exemplo a de 14 de maio de 1901, que perturbou todo o systema de contabilidade para o calculo das rendas.

O Sr. Abel Andrade: - Apoiado.

O Orador: - O Sr. Abel Andrade sabe que eu mostrei logo os inconvenientes d'ella e que o Sr. Teixeira de Sousa a revogou logo que pôde; mas ainda hoje se luta com difficuldades d'ella provenientes.

O Sr. Abel Andrade quis mostrar a contradição do Governo pondo em confronto o projecto com a nova lei

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOBES DEPUTADOS

de contabilidade, mas essa ainda não existe e o Sr. Ministro da Fazenda, proseguindo na melhoria orçamental já começada pelas administrações antecedentes, olhou tão somente, ás leis em vigor e não ás que ainda hão de vigorar.

Logo que no Diario do Governo appareça a nova lei de contabilidade, haverá razão para se estabelecerem as competentes modificações.

O orador faz ainda outras considerações tendentes a mostrar que eram descabidas as arguições feitas á obra do Governo e da commissão do orçamento.

O Sr. Presidente: - Terminou o prazo de tolerancia.

O Orador: - Sente não poder produzir considerações que completassem a sua ideia com respeito á noção do orçamento e ás melhorias que o actual representa em confronto com os anteriores.

O orador foi muito apoiado durante o seu discurso, sendo ouvido pela Camara com muita attenção.

No fim foi muito cumprimentado por todos os lados da Camara e pelo Sr. Ministro da Fazenda, unico dos Ministros que assistiu á sessão.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. João Pinto dos Santos: - Lamenta que a disposição regimental tenha cortado a palavra ao orador precedente, por isso que, não obstante a forma dithyrambica do seu discurso, foi elle um ataque, a fundo, contra o Governo.

Analysa largamente os dois projectos em discussão, e termina salientando a absoluta necessidade de remodelar os serviços publicos, tendo em vista a selecção do funccionalismo e uma larga melhoria dos seus vencimentos, a qual se justifica pela extraordinaria carestia e exigencias imprescindiveis da vida moderna.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - Como a hora vae muito adeantada, vou encerrar a sessão.

A próxima sessão é na segunda feira, 1 de abril, á hora regimental, e a ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje e mais as emendas da lei da imprensa, que entrarão em discussão na primeira parte da ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e meia da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representações

Dos escrivães dos differentes juizos de paz pertencentes ao districto judicial da Relação do Porto, pedindo para se dar aos juizes de paz competencia para conhecerem de acções, quer civis, quer commerciaes, até a quantia de 50$000 réis.

Foi enviada á commissão de legislação civil.

Dos antigos arbitradores da comarca de Aveiro, pedindo a revogação do decreto ditatorial de 17 de agosto de 1901, restabelecendo-se e pondo-se de novo em vigor a lei de 3 de setembro de 1897.

Apresentada pelo Sr. Deputado Conde de Agueda, é enviada á commissão de legislação civil.

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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