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SESSÃO DE 18 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os srs.:

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Segunda leitura e admissão de dois projectes de lei e de uma proposta para renovação de iniciativa. - Representações apresentadas pelos srs. Thomás Bastos, Cunha Bellem, visconde de Reguengos e Luiz de Bivar, presidente. - Um requerimento de interesse publico do sr. Antonio Centeno. - Justificações de faltas dos srs. Joaquim Teixeira de Sampaio, visconde de Alentem e Manuel Pedro Guedes. - O sr. presidente propõe, em virtude do regulamento das repartições da camara, a demissão do servente Ferreira. - Por proposta do sr. Lopo Vaz a camara auctorisa a mesa a resolver, como entenda, sobre o assumpto. - O sr. E. J. Coelho estranha que o governo ainda não tenha satisfeito á junta geral de Bragança um subsidio para estradas. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. barão do Ramalho, apresenta um projecto, de lei, que fica para segunda leitura. - É apresentado o parecer da commissão de legislação civil sobre as emendas feitas na outra camara ao projecto relativo ao registo de foros; dispensa-se o regimento e entra em discussão. - Tomam parte no debate os srs. Beirão, Castro Mattoso e Pereira Leite, relator, sendo em seguida approvado o parecer. - Manda para a mesa uma declaração de voto o sr. Mouta e Vasconcellos.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 10 (bill de indemnidade). - É combatido largamente pelos srs. Correia de Barros e Lobo d'Avila, e defendido pelos srs. Azevedo Castello Branco, que apresenta uma moção de ordem, e Franco Castello Branco, relator, que fica com a palavra reservada. - É nomeada a deputação para levar á assignatura regia um decreto das côrtes.

Abertura - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 57 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Albino Montenegro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Antonio Centeno, A. J. d'Avila, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Pereira Leite, Barão de Ramalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Coelho, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Matos de Mendia, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Ferira de Almeida, Elias Garcia, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Luiz Osorio, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, Miguel Tudella, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Pereira Bastos, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Sousa e Silva, Antonio Candido, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Augusto Poppe, Avelino Calixto, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Goes Pinto, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Castro Mattoso, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Baima do Bastos, Franco Frazão, J. C. Valente, Scarnichia, Souto Rodrigues, João Arroyo, Sousa Machado. J. Alves Matheus, J. A. Neves, José Borges, Dias Ferreira, Laranjo, Lobo Lamare, José Luciano, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Luciano Cordeiro, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Manuel de Medeiros, M. P. Guedes, Pioneiro Chadas, Marçal Pacheco, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, Antonio Ennes, Moraes Machado, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Neves Carneiro, Caetano de Carvalho, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, J. A. Pinto, Melicio, Ferrão de Castello Branco, Ponces de Carvalho, Teixeira Sampaio, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Dantas Baracho, Visconde de Alentem e Visconde de Balsemão.

Acta. - Approvada.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Projecto de lei

Artigo 1.º É creado um serviço especial e permanente, denominado inspecção e estatistica do trabalho nacional.
Art.º 2.º Tem por fim este serviço:
1.º Colligir todos os dados que possam esclarecer o estado das industrias do paiz, especialmente nas suas relações com a população operaria n'ellas empregada.
2.º Systematisar todas as informações relativas á condição moral, intellectual, economica e hygienica das classes trabalhadoras, tanto dos campos como das cidades, estudando ao mesmo tempo os meios mais efficazes de melhorar taes condições.
3.º Reunir todos os elementos que possam contribuir para a solução racional das questões que mais interessam as classes trabalhadoras, como: a cooperação, a participação nos lucros, o dia normal de trabalho, o trabalho dos menores e das mulheres, as caixas de credito, os seguros contra as doenças, velhice, falta de trabalho e accidentes nas fabricas, minas, caminhos de ferro, etc.; o aprendizado, as indemnisações aos estropiados ou ás familias dos mortos por desastre, e em geral todos os problemas que resultam do desenvolvimento progressivo da grande industria e das relações do capital com o trabalho.
4.º Indicar as modificações ou os principios novos a introduzir na legislação vigente, no sentido de lançar as bases de um justo e equitativo codigo do trabalho.
5.º Velar pela execução e effectivo cumprimento das leis protectoras do trabalho nacional.
Art. 3.º O serviço de inspecção e estatistica do trabalho nacional compor-se-ha de uma secção central, que funccionará junto do ministerio das obras publicas, e de secções districtaes com séde na capital de cada um dos districtos administrativos do continente e ilhas adjacentes.
4.º Tanto na constituição da commissão central,

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como na das commissões districtaes, o elemento operario estará representado.
§ unico. Uma lei especial estatuirá tudo o que diz respeito á organisação da commissão central e das commissões districtaes, sua composição, dotação, funccionamento e meios de investigação e do inspecção.
Art. 5.º Á commissão central será obrigada a apresentar annualmente ao parlamento, e dentro do primeiro mez de cada sessão, um relatorio geral, acompanhado das propostas que forem julgadas mais urgentes para melhorar as condições tanto physicas como moraes e economicas das classes operarias, ou para conjurar os effeitos de alguma crise subitamente manifestada, como o encarecimento das substancias, a cessação repentina de procura de um certo ramo de trabalho nacional, etc.
Art. 6.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, 17 de março de 1885.= O deputado, Z. Consiglieri Pedroso.
Foi admittido e enviado ás commissões de obras publicas, commercio, artes e estatistica.

Projecto de lei

Senhores. - A necessidade de pessoal devidamente habilitado para, na paz e na guerra, se occupar exclusivamente das construcções militares, determinou a creação, em 1790, da academia de fortificação, artilheria e desenho, primeira escola de estudos militares montada entre nós com alguma regularidade.
Como consequencia do enorme atraso em que nos achavamos relativamente a outras nações da Europa, só em 1812 se organisou, em substituição da corporação dos officiaes engenheiros e com regulamento provisional, o real corpo de engenheiros, o qual, contando no seu gremio capacidades das mais notaveis, forneceu professores para as principaes escolas do reino e serviu tambem em construcções civis, trabalhos de navegação e de minas e operações geodesicas e do cadastro, ficando vinculados a importantissimos serviços os nomes respeitaveis de Paula Travassos, Pedro de Mello, Margiochi, Villela Barbosa, Anastacio Rodrigues, Azedo, Seara, Mousinho de Albuquerque, Valente do Couto, Cordeiro Feio, Albino, Noves Franco, Filippe e Pedro Folque, Evaristo, Celestino, Gervis de Atouguia, Bello, Feijó, Neves Costa, Serra, Brandão de Sousa, Franzini, Gomes de Carvalho, Gomes Villas Boas, Agostinho José Freire, Pinheiro Furtado e tantos outros talentos, que honraram o seu paiz o a classe a que pertenceram.
Mas a organisação de 1812, tendo por fim unico occorrer ás necessidades da guerra, não podia deixar de ser puramente militar, nem ter rasoavel applicação quando, mais tarde, o paiz se compenetrou da urgencia de desenvolver os trabalhos publicos indispensaveis para, no seguimento de todos os outros paizes cultos, avançar, pelos melhoramentos materiaes, na carreira da civilisação.
Desde que este pensamento patriotico se apoderou de quasi todos os espiritos, tornou-se evidente a necessidade de uma corporação especial, habilitada com os respectivos conhecimentos technicos, para fiscalisar ou gerir, por parte do governo, o complexo de todas as construcções que houvessem de ser executadas ou projectadas.
Qualquer que seja, com effeito, o systema adoptado para a realisação e administração das diversas obras (directamente pelo estado, ou por emprezas concessionarias), é sempre condição essencial e indefectivel a fiscalisação feita pelo governo por meio de agentes do sua inteira confiança; e esses agentes não podem deixar de possuir grande copia de conhecimentos technicos especiaes e de obedecer a preceitos determinados que regulem completamente os seus actos e as suas relações officiaes, quer mutuas, quer com as diversas auctoridades ou emprezas, ou com os particulares.
O conjuncto d'esses agentes deve, pois, constituir corporação especial, em que os deveres, direitos e immunidades de cada um sejam perfeitamente definidos por uma organisação toda harmonica com as funcções e serviços a desempenhar.
Luctava-se, porém então com a falta de pessoal nas condições requeridas; e reconhecia-se por outro lado que o estado da fazenda publica não consentia que, em tempo do paz, se despendessem importantes sommas em construcções militares, ao mesmo tempo que era indispensavel gastal-as na viação publica, na navegação interior e exterior, nas communicações tclegraphicas e postaes, em todas as fontes emfim de prosperidade, de que o paiz carecia immediatamente.
N'estas circumstancias, e porque, como deixámos dito, eram notorias as aptidões já manifestadas por grande numero de engenheiros militares no serviço civil, era natural pensar-se em formar do real corpo de engenheiros o nucleo de todos os ramos de engenheria, juntando-lhe depois os officiaes das outras armas e do corpo de estado maior, quando devidamente habilitados, e mais todo o pessoal idoneo que se encontrasse no paiz.
Do conjuncto de individuos assim obtidos, resultaria, segundo se pensou, um novo corpo de engenheiros, facil de organisar militarmente e dividindo-se em diversas intendencias, uma das quaes se occuparia exclusivamente dos assumptos relativos á engenharia militar, ficando para as outras os trabalhos de viação, minas, cadastro, escolas de applicação, etc.
A realisação d'este pensamento teria, talvez, sido de utilidade, uma vez que o ensino se tivesse organisado por fórma que aquelles mesmos que quizessem dedicar-se especialmente ás construcções civis, recebessem nas escolas a instrucção militar sufficiente, para poderem, em caso de guerra, prestar ao seu paiz tributos de sangue e de intelligencia, tão valiosos como os dos seus camaradas da intendencia militar, ao lado dos quaes se encontrassem em campanha.
A promiscuidade, porém, de procedencias e educação scientifica tão diversas, havia de fatalmente impedir uma organisação rasoavel; as differenças que sempre se dão na rapidez das promoções de armas diversas, o desenvolvimento da vantagem do dar ao mesmo individuo graduações differentes segundo os serviços em que se encontre, a difficuldade de escolha de base para graduar os não militares e, finalmente, a repugnancia invencivel do muitos civis para tudo quanto possa ter apparencia de serviço militar, foram desde logo as causas perturbadoras de qualquer organisação, no sentido que primeiro se imaginára.
A creação do ministerio das obras publicas em 1852 mais veiu complicar a questão, pelo facto de esse pessoal, de que o novo ministerio teria de dispor, ser n'aquella hypothese, directamente subordinado ao da guerra.
Empregou-se então um expediente muito simples: o ministerio da guerra mandou apresentar ao das obras publicas todos os militares que pôde dispensar do seu serviço; e separou por essa fórma completamente os trabalhos da dois ramos distinctos de engenheria.
Ao ministerio das obras publicas competia então organisar o seu serviço technico; mas em vista das rasões já expostas e da feição especial d'essw serviço, nasceu naturalmente a idéa de organisação civil, idéa que foi, pouco a pouco, radicando se no animo de todos os que se dedicavam ao estudo e execução dos grandes melhoramentos materiaes do paiz.
Similhantes aos fructos, por mais mimosos e salutares que sejam, as idéas, por mais simples e mais uteis que se apresentem, carecem de certo espaço de tempo para chegarem ao estado de maturação.
Por isso, sem referir-me ao decreto de 5 de dezembro de 1860 e que nunca chegou a ter execução, só em 1864 se conseguiu converter em lei e levar á pratica os principios que se deduzem de que, os officiaes das differentes

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armas não devendo ser encarregados de serviços estranhos ao ministerio da guerra, a corporação dos engenheiros civis, era serviço no ministerio das obras publicas, deve ter organisação puramente civil.
As leis de 23 e 20 de junho e o decreto de 3 de outubro de 1864 estabeleceram, clara e terminantemente, a divisão completa entre a engenheria militar e a de obras publicas ou civil; e taes medidas, devidas á iniciativa de um distinctissimo engenheiro militar, que é tambem ornamento brilhante da classe civil, foram em geral bem recebidas, embora assentassem ainda, a meu ver, sobre bases pouco rasoaveis.
Surgiram, porém, desde logo difficuldades analogas áquellas que se tinham dado para a organisação militar: sendo necessario classificar n'um só quadro officiaes do exercito com diplomas scientificos muito diversos e engenheiros civis de varias procedencias; sujeitando-se essa classificação a principios um tanto vagos que, dando legar ao arbitrio produziam desconfianças e receios, naturalmente se crearam descontentes, em consequencia de se julgarem preteridos alguns em beneficio exclusivo de outros.
Assim a organisação de 1864, primeiro recebida com applauso geral, foi pouco depois, alvo das maiores invectivas, as quaes deram logar ao decreto de 30 de outubro de 1868, pelo qual não só foi dada á engenheria civil feição exclusivamente militar, vedando para o futuro a entrada no ministerio das obras publicas a todos os que não fossem officiaes do exercito, mas tambem se praticou a violencia de expulsar do serviço todo o pessoal civil admittido nos quadros desde a referida organisação de 1864.
Eram as represalias dos despeites mais ou menos justas que a execução da lei tinha provocado; mas tal violencia á de todo o ponto inexplicavel, porque nem teve o merito de ser completamente radical. Ao passo que ella se dava, deixavam-se ficar no serviço todos aquelles que para elle tinham entrado antes da organisação de 1864; e aos que, de entre elles, eram civis, davam-se graduações militares com direito a accesso e reforma.
Na mesma data foram creadas as repartições districtaes de obras publicas, primeiro passo inconsiderado para a descentralisação, a meu ver, erronea e inconvenientissima, dos serviços a cargo dos districtos e municipios; e para essas repartições, de organisação incompleta e absurda, foram mandados muitos d'aquelles que pelo primeiro decreto tinham sido esbulhados de seus legares legitimamente obtidos.
E o nobre marquez de Sá da Bandeira, a cuja memoria eu tributo a homenagem devida, esquecendo-se das doutrinas que sustentára em um brilhante discurso proferido em 14 de junho de 1864, não duvidou sanccionar a condemnação das suas proprias idéas, referendando em dictadura, como presidente do conselho de ministros, o decreto que desorganisou os serviços, retrogradando, segundo dizia, para 1812, epocha em que não havia uma duzia de engenheiros empregados permanentemente nas obras publicas, nem se pensava em dotar rapidamente o paiz com importantes melhoramentos materiaes.
A organisação do 1864, como s. exa. primeiro prevíra, fôra fecunda em resultados uteis, pois se obtivera: reducção de pessoal; menor retribuição, comparada com a quantidade superior de trabalho produzido, e, finalmente, maior barateza e perfeição do trabalho.
Apesar, porém, d'esses beneficos resultados, venceram os despeites pessoaes abertamente manifestados, e em vez de se procurar corrigir os defeitos da organisação de 1864, entendeu-se preferivel demolir inteiramente, destruindo-o pela base, o edificio architectado sobre os mesmos fundamentos que pouco antes tinham sido julgados excellentes pelo mesmo cavalheiro que os condemnava e destruia como presidente do conselho de ministros.
A auctorisação dada ao gabinete pela carta de lei de 9 de setembro para simplificar e reduzir o pessoal e material dos serviços, por modo compativel com os mesmos serviços, prestou-se, por uma exorbitancia inqualificavel, a essa medida inteiramente revolucionaria e demolidora, cujas desastrosas consequencias se estão ainda hoje fazendo sentir nos serviços dependentes do ministerio das obras publicas, e, á mais ainda, se é possivel, nos trabalhos a cargo dos districtos e municipios.
O decreto de 1868, sendo um verdadeiro retrocessos um absurdo tão manifesto que, para sustental-o, foi necessario recorrer a falsidades taes como o exemplo da Suecia, invocado no respectivo relatorio, teve mais a qualidade de estabelecer doutrina erronea nas suas proprias disposições.
Com effeito, o decreto estatue no seu artigo 2.º que as funcções da engenheria civil passem a ser desempenhadas pelo corpo de engenheiros militares, como era disposto pelo artigo 3.º titulo 2.º do regulamento provisional do real corpo de engenheiros, de 12 de fevereiro de 1812.
Ora, esse invocado artigo do regulamenso provisional, diz que os officiaes do real corpo de engenheiros poderão, julgando-se conveniente, ser empregados na construcção de pontes, abertura de estradas, etc.
Vê-se, pois, que o regulamento provisional facultava ao governo o emprego dos engenheiros militares nas construcções civis; mas não dava a este serviço organisação puramente militar como, erradamente, se pretende estabelecer no decreto de 1868.
Falso nos fundamentos que se pretendeu dar-lhe, falso nas suas proprias disposições, violento, injusto e revolucionario, não podia esse decreto deixar de levantar contra si, em breve tempo, a opinião geral.
Assim succedeu com effeito; protestou-se por todos os meios legaes contra um tal attentado; e os proprios engenheiros militares auxiliaram calorosamente os seus collegas civis, na affirmação dos serviços prestados pela engenheria civil, da violencia que se praticára contra esta corporação e do erro em que se laborára suppondo que, por é um simples decreto, poderiam conseguir a extincção da uma classe digna da maior consideração.
Á extincção official da engenheria civil respondeu-se fundando a associação dos engenheiros civis portuguezes, e, apesar de todas as difficuldades com que teve de luctar, essa associação mantem-se digna, respeitada e florescente.
O decreto de 18 de dezembro de 1869, se bem que imperteito e resentindo-se ainda das accusações que tinham sido feitas á organisação de 1864, de que foi uma imitação, veio satisfazer ainda assim a opinião geral, revogando os decretos de 1863, restabelecendo a engenheria civil e extinguindo a engenheria districtal; e os decretos de 12 de maio de 1870 approvaram a nova classificação dos engenheiros e conductores.
Dias depois tinha logar o celebre pronunciamento militar de 19 de maio, e os descontentes pelas classificações ultimas conseguiram que, por decreto dictatorial de 22 de junho, se suspendesse a execução da recente organisação, com o fundamento de que o governo, não adoptando nem a moderna nem a antiga, julgava conveniente suspender a execução d'aquella até se decretar uma outra.
Esta promessa não pôde ser cumprida; e a situação politica que succedeu á do marechal Saldanha, sem ter coragem para atacar de frente as difficuldades que se encontravam para organisar os serviços e, principalmente, para classificar o pessoal, aggravou successivamente o mal, concorrendo poderosamente para o actual estado de cousas.
Tendo de occorrer ás necessidades sempre crescentes do serviço e provenientes do rapido desenvolvimento das obras por conta do estado, admittiu enorme quantidade de pessoal, pondo inteiramente de parte o decreto de 30 de outubro de 1868, unico vigente em rigor de direito, sem curar de nova organisação, nem de regulamentos de qualquer especie, que podessem definir as attribuições e responsabilidades do pessoal.
Recorreu-se primeiro ás repartições districtaes; e cha-

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mando para o serviço do estado grande parto dos engenheiros existentes n'essas repartições; com fundamento no disposto no artigo 7.º do decreto (2.º) de 30 de outubro de o governo collocou esses engenheiros em circumstancias de perderem os bens legarem; porque, sendo nos districtos indispensavel o pessoal para as obras a que queriam dar desenvolvimento, os governadores civis ou as commissões executivas delegadas das juntas geraes intimavam esses engenheiros para se apresentarem; mas como elles não o podiam fazer sem licença do governo, por ordem do qual estavam ao serviço do estado; e como tal licença se não dava porque não era facil substituir esse pessoal rapidamente, os logares nas repartições districtaes eram considerados vagos e preenchidos em seguida com individuos mais ou menos habilitados, conforme agradava ás juntas geraes ou ás suas commissões executivas.
Mais tarde, abriu se da par em par a porta do ministerio das obras publicas, deixando entrar successivamente um grande numero de engenheiros civis, á medida que isso era exigido, ou pelas necessidades do serviço ou pelas influencias politicas.
O decreto dictatorial de 20 de julho de 1870 pretendeu pôr termo a essas irregularidades; mas nada conseguiu senão reduzir todos os engenheiros civis em serviço do ministerio e sem graduações militares, á condição de serem equiparados aos tenentes de engenheiros, para o effeito dos vencimentos sómente.
Esta rasoura passada sobre a classe, nivelando todos os que desde 1864 tinham entrado para o serviço do estado, e pela altura do mais moderno de entre elles, poderia tolerar-se como expediente de occasião, mas nunca estabelecer-se como principio definitivamente assento.
Apresentou-se por isso como medida de ordem e conveniencia publicas, transitorias para uma organisação solida e rasoavel; e n'essa conformidade foi acceito pelos engenheiros civis, os quaes nunca se negaram aos sacrificios que d'elles tem, exigido o bem do seu paiz.
A situação politica, que dera mais esse profundo golpe na classe dos engenheiros civis ao serviço do estado, conservou porém só na mente a nova organisação que promettêra e que, segundo se diz, era puramente militar e penso sympathica a toda a classe.
Veiu finalmente a proposta de lei apresentada em 17 de fevereiro de 1882 pelo sr. conselheiro Hintze Ribeiro, então ministro das obras publicas; e essa proposta pretendendo estabelecer um systema de conciliação, conforme se diz no relatorio respectivo, não conseguia agradar a militares, nem a civis, especialmente depois das alterações que lhe foram introduzidas, nem ter seguimento na camara dos dignos pares.
Continuou portanto o seviço technico do ministerio das obras publicas sem organisação de especie alguma por ter caído em desuso a unica que, em rigor de direito, devia vigorar; e cauda realmente surpreza que, dependendo de tal serviço o emprego de milhares de contos de réis e a fiscalisação de emprezas importantissimas, largamente subsidiadas pelo estado, esteja elle entregue a um grupo de funccionarios sem attribuições nem responsabilidades claramente definidas.
Custa isto a crer, mas é um facto sabido de todos e que os poderes publicos não têem até hoje remediado.
Conprehende-se até certo ponto que assim seja: o levantado patriotismo do pessoal, a sua inconcussa probidade e a seu zêlo, nunca desmentido pela causa publica, são outras tantas attenuantes do estado cahotico do serviço, procurando todos, com espirito exemplar de camaradagem, realisar na melhor ordem os trabalhos de que são encarregados.
Se uma prova fosse necessaria para demonstrar de quanto são dignas de benevolencia dos poderes publicos os servidores do estado supprindo, ha mais de uma duzia de annos, com o seu elevado criterio, a falta completa de lei que regule os seus actos e as suas relações officiaes, bastaria o facto incontroverso de nunca se terem dado, n'aquelle ministerio, acontecimentos que deslustrem, a classe assim entregue a si mesmo.
Mas se essa circumstancia explica, até certo ponto, como se terá deixado passar annos sobre annos, sem se prover de remedio a um tal estado de cousas, não é menos certo que já poderiam ter-se dado graves e serias consequencias de uma tal incuria.
E isto é tanto mais digno de consideração, quanto é incontestavel que bastos são os motivos de descontentamento para esse pessoal dignissimo.
Encontram-se actualmente no serviço engenheiros com precedencias muito diversas e formando um grande numero de grupos distinctos.
Assim temos: engenheiros militares; civis com graduações e promoção regulada parallelamente á dos primeiros; officiaes do corpo de estado maior e das armas de artilheria e infanteria com promoções reguladas pelos quadros respectivos; e finalmente engenheiros civis equiparados para o licito dos vencimentos sómente, aos tenentes de engenheiros mas sem accesso, nem reforma.
Alguns d'estes grupos podem ainda subdividir-se tomando por base os cursos scientificos. Assim, por exemplo, dos officiaes de infanteria, uns têem o curso da escola imperial de pontes e calçadas, outros têem os das armas scientincas pela escola do exercito; dos officiaes de artilheria e do estado maior, uns têem, outros não, o curso de engenherio, civil; e dos engenheiros civis propriamente ditos, ha uns com os cursos nacionaes e outros com os de escolas estrangeiras.
Mas ha mais: entre aquelles que possuem diplomas scientificos passados pela mesma escola, dão-se tambem differenças pelo que respeita á data d'esses diplomas comparada com a de entrada para o serviço e a da promoção a dado posto como officiaes do exercito.
Ora, a importancia e duração dos cursos é muito variavel segundo as escolas respectivas e a propria natureza d'elles; e a promoção em algumas armas tem andado muito distanciada da que só dá em outras.
D'aqui resuma evidentemente uma continua perturbação na situação, relativa do pessoal; e por isso mesmo um profundo descontentamento
Acontece, por exemplo, que officiaes mais antigos do que outros concorram com estes em serviço, encontrando-os mais adiantados em graduação e vencimentos; n?o sendo raro acontecer que o cheio de um trabalho tenha menores honorarias de que um ou mais dos seus subordinados.
Quanto aos civis nomeados posteriormente á organisação de 1864, desempenhem embora a commissao mais importante, tenham embora ás suas ordens officiaes com graduações de capitão ou superiores, não lhes compete maior vencimento do que o do tenentes de engenheiros, nem se lhos dá o direito de aposentação, concedido hoje aos mais humildes funccionarios.
Individuos que hontem estavam ás ordens de outros mais antigos, encontram-se hoje em posto superior ao d'estes pela desigualdade de promoções em armas diversas. D'aqui a incompatibilidade na situação de hontem e a necessidade de transferencias que perturbam a marcha regular dos trabalhos.
Seria longo enumerar todos os inconvenientes do estado actual de cousas; e para mostrar quão grande é o desgosto que lavra no pessoal, basta dizer que já tem succedido que um individuo se apresente com um ou mais postos de avanço sobre o de outro que foi seu professor. Particularmente para os engenheiros civis admittidos depois de 1864, não ha hoje só desgosto, ha desconforto, ha o desalento que resulta de verem passar annos e annos sem que superiormente se preste attenção ao modo como estão sendo desconsiderados os seus serviços e desattendidos os soas legitimos interesses.

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Como consequencia de tudo isto, acontece que os engenheiros mais experimentados no serviço, aquelles que mais confiança poderiam merecer ao governo; procuram em emprezas particulares ajusta compensação do que o estado lhes não dá consideração e remuneração condigna.
É, pois, indispensavel destruir de vez um tal estado do cousas; e n'essa conformidade e n'esse intuito, elaborei o presente projecto de lei, que julgo será bem recebido por todos os meus dignos collegas, e que espero será tido pelo governo e pelo poder legislativo na consideração que merece pela importancia do fim que se propõe.
Seja-me licito, porém, expor ainda algumas considerações tendentes a demonstrar que não póde este projecto prejudicar por fórma alguma qualquer futura organisação, sejam quaes forem as bases que para ella se adoptem; antes poderá facilitar a realisação d'esse desideratum.
Todas as organisações, que se têem projectado ou pretendido levar á pratica, assentam sobre bases completamente erroneas, a meu ver: militar, civil, ou mixto o quadro, sempre a antiguidade tem sido a unica base admitida para regalar a situação relativa do pessoal depois de a respectiva lei se achar em pleno vigor. Todavia, por uma contradição inexplicavel, os proprios auctores dos diversos projectos, não desconhecendo que n'um serviço onde principalmente se deve attender ás aptidões especiaes de cada um para melhor as utilisar em beneficio do paiz, não é a antiguidade o melhor regulador da distribuição dos trabalhos, têem admittido que a primeira classificação do pessoal seja feita tomando-se em consideração não só a antiguidade de cada um, mas tambem a importancia das commissões ou aptidões manifestadas.
Eu bem sei que para defender essa contradição (pois tudo se póde defender), ha um argumento que a muitos se figura rasoavel e que consiste em que, tendo sido até hoje a admissão no serviço feita sem concurso, necessario é que a primeira classificação se faca por merito reconhecido; mas que, sendo de futuro essa admissão subordinada a concurso, está logo á entrada o correctivo conveniente para que as promoções possam de futuro ser reguladas só pela antiguidade sem que o merito seja prejudicado.
É claro, porém, que tal argumento nada prova, pois se n'um concurso se póde avaliar o merito relativo dos concorrentes, essa comparação não se faz entre os que entram e os que já estão ou hão de vir a estar no quadro.
Tal argumento só póde mostrar que se suspeita de que alguns dos admittidos até hoje não tenham as habilitações necessarias para bem se desempenharem dos seus deveres.
Mas, para que essa suspeita exista, é indispensavel que ella seja suggerida por factos, e se taes factos se deram, mais avisado seria proceder abertamente contra elles, do que pretender traduzir em lei um principio que póde prestar-se ao arbitrio, e, por isso mesmo, á injustiça e ao favoritismo, ao passo que se dá na mesma lei a condemnação do mesmo principio.
Essa tem sido a principal causa destruidora, de todas as organisações imaginadas até hoje para o serviço technico do ministerio das obras publicas.
Por maior que seja a imparcialidade que presida a qualquer primeira classificação, logo que se ponha de parte a intiguidade para se estabelecer uma excepção, resultam immediatamente descontentamentos e despeitos mais ou nenos justos, ou receios bem fundados, que se levantam como inimigos irreconciliaveis da lei que se pretendo executar.
É a excepção que revolta, porque deprime e offende.
Devemos suppor que todo o pessoal technico até hoje admittido no ministerio tem prestado ao seu paiz os serviços compativeis com as faculdades de cada um, e com a opportunidade que qualquer teve para manifestar as suas aptidões; injusto seria, portanto, ferir susceptibilidades; inconveniente crear elementos de desordem onde se pretende fazer a ordem.
E alem d'isto, quaes incentivos se têem estabelecido para que cada um trabalhe mais do que o essencial para o desempenho das commissões que lhe são confiadas?
Que meios se têem empregado para que se revelem as aptidões e o estudo, que possam achar-se transviados da sua mais propria applicação?
Que methodo se tem empregado para distribuir o pessoal pelos diversos ramos da engenheria civil?
Que ordem, que regularidade tem havido nos serviços, para que se possam, em uma palavra, colher todos os dados necessarios para bem se compararem talentos ou aptidões?
Nada, absolutamente nada se tem feito, e portanto nem se deve sequer pensar em um principio de excepção, inteiramente vexatorio, de difficil e perigosa applicação, e de mais do que duvidosamente proficuos resultados.
Bem pelo contrario; faça-se a primeira classificação tomando unicamente por base a antiguidade, para definir a qual se encontram no artigo 12.º do decreto de 30 de outubro de 1868 principios, a favor das quaes se têem já manifestado quasi todos os interessados, em muitas representações dirigidas ao poder legislativo; e para mim é convicção profunda que, por essa fórma, se vencerão as principaes difficuldades para a realisação de qualquer reforma seria, dobrando-se assim esse cabo tormentoso, de encontro ao qual se têem despedaçado todas as organisações até hoje concebidas.
A doutrina d'esse artigo e do 13.º do referido decreto é a unica parte aproveitavel d'elle: aproveitemol-a pois.
Mais tarde, quando houver a segurança de que esse primeiro passo foi firme, estabeleçam-se então preceitos para se investigar bem onde se encontra o verdadeiro merito e aproveital-o, sem comtudo se ferir de morte o principio de antiguidade.
E não me parece isto difficil.
Imaginemos que junto ao ministerio das obras publicas e inteiramente subordinado ao ministro respectivo, se cria um corpo de constructores civis, composto de engenheiros, architectos e conductores, e dirigido superiormente por uma inspecção geral, independente de todas as direcções geraes do ministerio.
Esse corpo, convenientemente organisado, poderia fornecer todo o pessoal technico que fosse necessario para as diversas direcções geraes do ministerio, para as obras a cargo de outros ministerios, para as das juntas geraes dos districtos e para as dos municipios; mas quando não conviesse dar-lhe desde logo uma tão vasta applicação (a qual só poderia ter logar reformado o codigo administrativo) poderia circumscrever-se nos limites que se entendesse.
A inspecção geral receberia mensalmente, ou por periodos um pouco maiores, informações minuciosas ácerca dos trabalhos executados e de todo o procedimento havido pelo pessoal; e reuniria todos os elementos officiaes para ajuizar com certa segurança ácerca das aptidões e mais qualidades de cada um.
Aquellas informações seriara prestadas pelos proprios chefes com respeito aos seus subordinados e pelas direcções geraes, pelos outros ministerios ou pelas corporações administrativas, e pela junta consultiva de obras publicas e minas, ácerca de todos.
Para melhor formar o seu juizo, a inspecção geral distribuiria problemas relativos á natureza do serviço que cada qual desempenhasse, obrigando todos a responderem em relatorios ou memorias especiaes e em prasos determinados; o que teria tambem a vantagem de obrigar ao estudo dos progressos incessantes da sciencia nas suas diversas manifestações.
Mas como poderia succeder que em dado serviço se encontrasse alguem com mais decidida tendencia para outro genero de trabalhos, facultar-se-ía a todos a apresentação

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de relatorios ou memorias ácerca de assumptos quaesquer relativos á sciencia ou arte do constructor civil, dando-se assim logar a que se evidenciassem as aptidões especiaes que por outra fórma não podessem ser conhecidas pela inspecção geral.
A publicação dos trabalhos que tivessem verdadeiro merito, e outras distincções ou premios conferidos a essas manifestações de estudo, intelligencia e dedicação pela seiencia, serem outros tantos incentivos para que o pessoal se applicasse, como convem, á sua especialidade em qualquer da ramos de engenheria civil, pondo inteiramente de parte todas as outras occupações a que se entrega hoje nas horas que sobejam do cumprimento das obrigações essenciaes dos cargos.
É claro que para isto se conseguir e se poder exigir, indispensavel seria que os honorarios fossem estabelecidos por forma que o funccionario bem morigerado não tivesse de preoccupar-se com falta de recursos para sustentar-se e á sua familia com a dignidade que a todos cumpre manter.
Todos os logares seriam de commissão; e, portanto, as categorias seriam inherentes ás commissões e não aos individuos, excepto em casos especiaes perfeitamente definidos.
Taes me parecem os principios que podem, do modo mais salutar, concorrer para que o merito e o trabalho sejam condignamente remunerados, e para que o paiz possa tirar do seu corpo de constructores civis todo o proveito possivel.
Para simultaneamente se respeitar o principio de antiguidade, eu estabeleceria tres preceitos importantes:
1.º Ninguem de uma dada classe (engenheiro, architecto ou conductor) seria obrigado a servir sob as ordens immediatas de outro mais moderno da mesma classe;
2.º Depois de um certo tempo (que julgo não dever ser inferior a dez annos) de serviço effectivo em commissões de dadas categorias, ninguem poderia, a não ser por castigo imposto em virtude de processo regular, ser obrigado a desempenhar commissão de categoria inferior áquellas;
3.º Finalmente, os honorarios seriam divididos em tres classes; ordenado, gratificações e ajuda de custo, sendo o ordenado variavel segundo a antiguidade de cada um, e a gratificação e ajuda de custo fixa para cada commissão.
É claro que a variação do ordenado poderia regular-se por accrescimos sucessivos, em prasos determinados, e até um certo limite, e conviria que a gratificação correspondente a qualquer commissão, sommada com o menor ordenado, nunca fosse menor que a somma da gratificação, respectiva á commissão de categoria immediatamente inferior, como maior ordenada. Isto dentro de certos limites.
Esta disposição, muito facil de obter, parece-me necessaria porque, não duvidando eu suppor que, embora não seja obrigação, póde comtudo um empregado mais antigo do que outro, servir ás ordens d'esse outro por lhe reconhecer notavel superioridade de merito, não me parece todavia conveniente que, áparte as ajudas de custo que se destinam a despezas extraordinarias especiaes, a totalidade dos vencimentos recebidos pelo chefe seja inferior á de algum seu subordinado.
Pelo que respeita ao numero de categorias de commissões, eu reduziria esse numero a cinco para os engenheiros, duas para os architectos e tres para os conductores, sendo:
Para os engenheiros, inspectores, directores, chefes de divisão, chefes de secção e subalternos;
Para os architectos de 1.ª e 2.ª classe; e
Para es conductores, chefes de secção, chefes de trabalhos, e auxiliares.
Evidentemente os inspectores teriam de ser mais antigos do que todos os directores da sua circiumscripção.
Taes são em largos traços os principios por meio dos quaes eu julgo possivel conciliar o respeito pela antiguidade com aproveitamento do merito pessoal.
Nenhum d'elles impediria que os engenheiros militares, que em tempo de paz podessem ser dispensados do seu serviço especial, fossem aproveitados nas obras publicas. A sua concorrencia em serviço com os do quadro civil seria regulada pelos mesmos principios, salva a obrigação de nunca se acharem ás ordens de outro militar mais moderno. Os seus vencimentos teriam por base o soldo e poderia conceder-se-lhes o direito de opção pela gratificação da patente ou pela da commissão que desempenhassem. Seriam considerados em commissão activa da arma e sujeitos por consequencia aos respectivos regulamentos. Os dois ministros, da guerra e das obras publicas se entenderiam para o bom regimen militar e civil.
A vastidão do quadro civil teria de ser calculada, tendo em consideração o numero de engenheiros militares dispensaveis pelo ministerio da guerra em tempo de paz.
Mas essas bases que ahi ficam apontadas para uma nova organização podem acaso agradar? Não sei; penso, porém, que a antiguidade, tão apreciada entre nós como unica base para as promoções, atrophia a actividade e todas as mais apreciaveis faculdades dos funccionarios; e não posso portanto nem acceitar uma organisacão militar, nem deixar de nutrir esperanças do que se fará uma organisação civil pela forma que melhor convem a um serviço technico e em que o estudo e aptidão são condições indispensaveis e de grande valia.
A organisação civil definitivamente consignada se encontra hoje na legislação de todos os paizes; e não é dado, para affirmação dos principios oppostos, recorrer ao que entre nós se passava em epochas remotas; porque não só sempre tivemos de servir-nos mais ou menos de pessoal alheio á corporação militar, mas o proprio regulamento de 1812, erradamente invocado, apenas faculta o aproveitamento de alguns militares no serviço civil.
Tão desviados andara, porém, das boas e sãs doutrinas alguns espiritos, em consequencia dos erros consignados no decreto de 1868, que a proposta de lei apresentada pelo sr. Hintze Ribeiro com idéas verdadeiramente consiliadoras levantou por parte de alguns engenheiros militares a mais viva opposicão. julgando elles que tal proposta tendia a certar-lhes o direito a uma propriedade exclusivamente sua. Na opinião d'esses illustres militares, os serviços technicos dependentes do ministerio das obras publicas pertencem-lhes; e não é concedido aos poderes legitimamente constituidos tocar n'esse pomo vedado a quem não tem a honra de ser engenheiro militar.
E tal opposicão se manifestou, e taes fóros de potencia belligerante foram concedidos a esses briosos militares, que o projecto de lei não póde ser approvado pelo parlamento, embora contra elle se levantassem, não em nome das conveniencias publicas, mas em nome de uma classe que deseja aniquilar outra não menos digna, não menos respeitavel.
Contra taes exageros protestou a ultima organisação do exercito, a qual foi baseada nos resultados dos trabalhos de uma commissão, puramente militar, encarregada de organisar o respectivo plano.
Esta organisação, mandada executar por decreto de 30 de outubro do anno proximo passado, fixando em cento vinte e dois o numero de officiaes pertencentes ao quadro do engenheria militar, determina no § 1.º do artigo 25.º que, depois de satisfeitas as exigencias do serviço do ministerio da guerra, os officiaes excedentes (no quadro de engenheria) poderão ser nomeados para os outros serviços especificados no artigo 169.º, no qual se comprehendem os trabalhos geodesicos, topographicos, hydrographicos e geologicos do reino, e até ao numero de cincoenta, para os da direcção geral de obras publicas e minas do ministerio das obras publicas, commercio e industria, tambem comprehendidos no quadro da arma de engenheria.
É pois evidente que a nova organisação manteve, como

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devia, ser, o principio, já consignado no regulamento provisional de 1812, de que os engenheiros militares poderão ser empregados nos serviços technicos civis; mas não reconheceu por forma alguma, nem o podia fazer, que para os militares exista o monopolio das construcções civis dependentes do ministerio das obras publicas.
Bem pelo contrario, fixando em cincoenta o maximo de engenheiros militares disponiveis para o serviço da direcção geral de obras publicas e minas, demonstra tacitamente a necessidade da existencia de outro pessoal destinado expressamente aos serviços civis.
Qual póde ser esse pessoal?
Os officiaes das outras armas scientificas? Não; porque nem os respectivos cursos estão hoje á altura de poderem servir para tal fim, nem a nova organisação militar lhes concede tal auctorisação.
Quem resta pois? São unicamente os engenheiros civis e aquelles militares de diversas armas que possam, por disposição especial, manter-se n'este serviço.
Indispensavel é por consequencia regular por qualquer fórma os serviços que elles têem de desempenhar, os seus vencimentos, accesso e condições de aposentação, os preceitos, que devem presidir á sua concorrencia em serviço com os engenheiros militares.
É o que se conseguirá, a meu ver, facilmente, com a approvação d'este projecto de lei.
Que a organisação de serviço technico do ministerio das obras publicas é urgentissima, ninguem o contesta, antes o demonstram as tentativas feitas, n'esse sentido por situações de todas as cores politicas.
Que tal organisação podesse depender da do quadro de engenheria militar, admitte-se.
Mas que hoje é consequencia fatal do decreto de 30 de outubro de 1884 que reorganisou o exercito, ninguem póde deixar de reconhecer.
Não é meu intuito, porem, apresentar n'este momento um projecto de lei para organisação definitiva do corpo de constructores civis; mas simplesmente aplanar o terreno para que ella possa realisar-se.
E sejam quaes forem, as bases que para ella se adoptem, em nada ella é prejudicada pela approvação do expediente que n'este projecto se apresenta á vossa consideração.
Com effeito: se a reforma for inteiramente militar, lá ficam todos classificados segundo o disposto nos artigos 12.º e 13.º do decreto de 1868; se a reforma for puramente civil, quer se attenda só á antiguidade, quer se tenha em consideração simultaneamente a antiguidade é o merito, lá fica sempre a antiguidade perfeitamente definida pelas mesmas disposições.
Não é principio novo que eu pretenda estabelecer; é, pelo contrario, uma simples ampliação do que se acha já estatuido na unica legislação vigente em rigor de direito; é uma reparação á injustiça feita em 1868 aos que tinham entrado para o serviço desde 1864; é uma equidade feita aos que depois de 1868 entraram para o serviço, perdendo ou não os seus logares nas repartições districtaes; é
finalmente um expediente para regular provisoriamente um importantissimo serviço e destruir de vez a principal causa que sentem opposto a qualquer reforma seria.
Se tal expediente trará? ou não augmento de despeza, não trato agora de averiguar; devo porém fazer sentir que, se se são necessarios sacrificios, justo parece que elles sejam repartidos equitativamente por todos que se empregam no
mesmo mister, mas inadmissivel é que só alguns sejam os reprobos e outros os escolhidos. Todos os principios de equidade e de sã rasão se revoltam contra o estado actual de cousas.
Eu, pela minha parte, profundamente convencido d'isso, como protesto e como remedio ao mal existente, tenho a honra de submetter á vossa elevada apreciação o seguinte projecto de lei, baseado nos principios que deixo consignados.

PROJECTO DD LEI

Artigo 1.º Todos os individuos não militares classificados como engenheiros no ministerio das obras publicas, commercio e industria, ficarão addidos á arma de engenheria e em serviço no mesmo ministerio, tornando-se-lhes estensivas as disposições dos artigos 12.º e 13.º do decreto (1.º) de 30 de outubro de 1868.
Art. 2.º Os individuos militares, não pertencentes á arma de engenheria, e classificados como engenheiros no ministerio das obras publicas, commercio e industria, ficarsão tambem addidos á arma de engenheria e em serviço no mesmo ministerio, sendo-lhes decretadas, sejam quaes forem os postos que tiverem nas armas a que pertençam, graduações honorificas em relação com as dos officiaes de engenheria, considerada a sua antiguidade e reguladas as suas promoções, honras e vantagens conforme o exposto nos artigos 12.º e 13.º do decreto (1.º) de 30 de outubro de 1868, podendo, comtudo, se a legislação vigente o não impedir, continuar a ser considerados nas suas respectivas armas, sem prejuizo do disposto n'este artigo.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 17 de março de 1885. = O deputado pelo circulo 23, Almeida Pinheiro.
Admittido e enviado á commisssão de obras publicas ouvida a de fazenda.

Proposta para a renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei que teve segunda leitura em sessão de 4 de fevereiro do anno findo, tornando extensiva aos filhos dos officiaes da administração militar a doutrina do artigo 7.º do decreto de 11 de dezembro de 1851.
Camara dos deputados, 17 de março de 1885. = Sousa e Silva.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

O projecto de lei a que se refere esta proposta é o seguinte:

Senhores. - O decreto de 11 de dezembro de 1851; no seu artigo 7.º, preceitua quaes os, individuos que podem collocar os filhos no real collegio militar, não incluindo no numero d'elles os officiaes da administração militar, pois que n'aquella epocha essa classe não existia; são comtudo admittidos no mesmo collegio os filhos dos quarteis mestres, até os dos engenheiros civis com graduação militar.
Não é crivel que na mente do legislador estivesse excluida uma classe de gosar o beneficio de educar seus filhos n'aquelle collegio, quando confere a outras em igualdade de circumstancias esse direito, e para que não continue a existir tal desigualdade, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É extensiva aos filhos dos officiaes da administração militar a doutrina do artigo 7.º do decreto, de 11 de dezembro de 1851.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Camara dos deputados, 1 de fevereiro de 1884. = Sousa e Silva.

REPRESENTAÇÕES

1.ª De fabricantes de cartas de jogar, contra a proposta de lei n.º 2 do sr. ministro da fazenda, na parte em que estabelece o monopolio da fabricação nacional de cartas de jogar.
Apresentada pelo sr. Thomás Bastos, em nome do sr. Mariano de Carvalho, enviada á commisssão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

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2.ª Dos officiaes de diligencias da comarca de Montemor o Novo, pedindo que sejam retribuidos os serviços por elles prestados nos processos de recrutamento.
Apresentada pelo sr. Cunha Bellem e enviada á commissão de legislação civil.

3.ª De proprietarios e lavradores do concelho de Elvas, pedindo providencias que obstem á crise agricola.
Apresentada pelo sr. visconde de Reguengos, enviada á commissão especial de inquerito, depois de publicada n'este Diario.

4.ª Da associação liberal de Coimbra, protestando contra a reclamação para o estabelecimento das ordens religiosas.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão dos negocios ecclesiasticos, depois de publicada no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que sejam enviados a esta camara, com a maxima urgencia, os relatorios formulados pelo sr. Henrique Read, como missionario que foi nas provincias ultramarinas, e actualmente prelado de Moçambique, com o titulo de bispo de Philadelphia. = O deputado, Antonio Centeno.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Joaquim Teixeira de Sampaio tem faltado, e continuará a faltar ás sessões por motivo de doença. = O deputado, Santos Viegas.

2.ª Os meus collegas srs. visconde de Alentem e Manuel Pedro Guedes encarregaram-me de participar a v. exa. e á camara que, por incommodo de saude, não poderam comparecer ás ultimas sessões, nem comparecerão ainda a mais algumas. = Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu.
Para a acta.

O sr. Presidente: - Peão a attenção da camara.
Pelo regimento e attribuição da mesa a demissão dos empregados de menor categoria, taes como porreiros, continuos de sala e serventes; mas, segundo o novo regulamento das repartições da camara, a demissão, ainda mesmo dos serventes, deve sor por ella determinaria sob proposta motivada da mesa.
Ha um servente, José Maria Ferreira, que no anno passado foi suspenso por não se apresentar ao serviço. Este anno reincidiu, e alem d'isso tem praticado certos abusos que me abstenho de participar á camara e que são conhecidos por alguns srs. deputados.
A mesa vê-se, portanto, na necessidade de propor a demissão d'este empregado.
O sr. Lopo Vaz: - É certo que o novo regulamento manda que, em hypotheses similhantes, a mesa faça a sua proposta á camara e esta decida como entender; mas, como o caso de que se trata respeita á administração interna d'esta casa, e a camara deposita completa e inteira confiança na mesa que tem sabido dirigir os seus trabalhos por fórma a corresponder inteira e completamente a essa confiança, parece-me que sou interpreto dos sentimentos da camara, e tenho n'isso a maior satisfação, propondo que a mesa fique auctorisada a tomar a resolução que julgar mais justa e conveniente a respeito do empregado de que se trata. (Apoiados geraes.)
Foi approvada esta proposta.
O sr. Presidente: - Por mim e pelos dignos secretarios agradeço a manifestação da camara, e em vista d'ella a mesa proceder? como for de justiça.
O sr. Eduardo Coelho: - Como estamos em semana do jubileu, não quero, por falta de diligencia, deixar de alcançar as devidas indulgencias.
E chamo jubileu á suprema ventura de ver n'esta casa, antes da ordem do dia, o sr. presidente do conselho, actualmente ministro das obras publicas.
Approveito pois pressuroso a occasião para pedir ao sr. presidente do conselho e ministro das obras publicas haja por bem attender as justas reclamações da junta geral do districto de Bragança, que se queixa com sobrada rasão por não ter já recebido o subsidio, que o governo lhe deve, relativo á estrada districtal em construcção, sob n.º 24.
A commissão executiva, delegada da junta geral, em exposição que me enviou, bem como aos meus collegas, representantes d'aquelle districto, solicita que sejamos interpretes junto do governo das suas reiteradas e até agora infructuosas reclamações, para obter o subsidio de réis 11:292$000 em divida, que a junta tem direito a receber, e sem o qual não póde levar a cabo a estrada districtal já referida. Está pois aquella corporação privada de recursos com que contava, e, por isso, como é facil de calcular, a sua situação é verdadeiramente deploravel.
Ateendendo á crise agricola, que desde muito flagella aquelle districto, e apesar da importancia da estrada em construcção ser de todos reconhecida, é mais do que provavel que as obras se não emprehenderiam, se não houvesse confiança no subsidio do governo. É pois para estranhar, e muito, que o governo tenha sido surdo ás instantes reclamações, que n'este sentido têem sido feitas. Chega a não se comprehender este abandono, que antes parece desprezo motejador. E que parece desprezo e zombaria calculados, prova-se pelo que vou expor.
A commissão executiva, delegada da junta geral, pondera que, apesar de todos os esforços que tem feito, apesar de pedir a intervenção da auctoridade superior do districto, mau grado seu, não só não tem visto satisfeitas as suas justas exigencias, mas nem sequer tem podido obter uma resposta aos seus pedidos.
De maneira que, posso dizel-o affoutamente, alem do pouco ou nada justo, o governo é reu de descortezia official para com aquella corporação, o que eu estava longe de suspeitar, e do que dou publico testemunho á camara, com bastante mágua.
Na exposição que tenho á vista, e que tem mais ou menos caracter official, declara a commissão executiva, que lida no empenho de ver satisfeitas as suas reclamações desde 1882. E sempre debalde!
São pois decorridos tres annos e ainda ella não pôde conseguir, repito, que os seus pedidos fossem satisfeitos, nem mesmo uma resposta official sobre este assumpto. Poder-se-ía, acreditar?
Sr. presidente, o districto de Bragança atravessa uma crise grande; crise no commercio, crise na agricultura, crise operaria, como largamente hei de demonstrar em occasião opportuna; e é nessas dolorosas circumstancias, que o governo falta com um magro subsidio, que aliás acudiria ás necessidades de momento, iiludindo-se as esperanças da junta geral, que talvez se não abalançasse a par em construcção os ultimos lanços d'esta estrada, como já disse, se porventura suspeitasse este incorrecto procedimento do governo. É peior de que faltar á fé dos contratos.
Em verdade não posso crer que o governo, sempre arrogante em alardear as nossas prosperidades financeiras, se arreceie de ficar mettido em apuros, se porventura der á junta geral de Bragança, o exiguo subsidio que lhe deve.
Eu pedia pois ao sr. ministro que tomasse em consideração este assumpto, que se dignasse deferir no sentido das reclamações expostas; mas se ha impedimentos mais ou menos legaes, que tolhem o prompto deferimento das

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reclamações referidas, é necessario que elles se digam, que elles se exponham, e que elles se discutam.
Eu creio firmemente, que a junta geral tem por si a rasão e a lei, mas, se assim não é, diga-o o governo, para desengano do todos, e para a junta reflectir sobre o modo de acudir ás suas necessidades, e estudar o modo de supprir os recursos que tinha por certas.
O silencio do governo é injusto, inconveniente e descortez,
Creio que os meus collegas, representantes d'aquelle districto (e eu não posso senão acompanhal-os no zêlo, com que elles advogam os interesses do mesmo), já praticaram algumas diligencias junto das estações competentes; não sei mesmo se já pediram ao sr. presidente do conselho alguma audiencia para tratarem d'este assumpto. Se porventura o fizerem, folgarei muito que as suas instancias junto do governo sejam coroadas do melhor resultado e que eu possa associar-me tambem aos agradecimento que elles lhe darão por este motivo.
Tenho, porém, fundados suspeitas, de que, se os srs. deputados do districto de Bragança, aliás muito zelosos no desempenho do seu mandato, confiam que hão de colher bom resultado das suas diligencias, mediante a honra de uma conferencia do sr. presidente do conselho para tratar d'este assumpto, terão de resignar-se a esperar largos dias.
E digo isto porque o sr. presidente do conselho, um dos homens mais notaveis do nosso paiz, alem de uma historia brilhante, que realmente tem, está já cercado de muitas lendas, mais ou menos fundadas, como acontece a todos os homens notaveis.
E uma d'essas lendas é que s. exa. se divinisa tanto, que é um quasi milagre a fortuna de lhe fallar.
Lembro-me, e peço licença para o referir á camara, que ha alguns annos um cavalheiro da provincia, muito importante, e a quem o sr. presidente do conselho dedicava sincera estima, tendo de tratar de negocios de interesse publico, e que dependiam de resoluções dos seus ministerios (por que então era s. exa. ministro da fazenda interina, e effectivo da guerra) veiu da provincia a Lisboa e, apesar de aqui se demorar perto de tres mezes, não conseguiu a dita de falar a s. exa..
E lembro-mo até de que aquelle cavalheiro, suppondo que havia um homem importante que podia facilitar-lhe o acesso ao sr. presidente do conselho, foi procural-o, como quem procura um verdadeiro Mecenas que o podesse facilmente apresentar a Augusto, e Cesar tambem. E sabe v. exa. qual foi a resposta d'este illustre cavalheiro, prompta, instantanea, sem rodeios? Foi a seguinte: "Se v. exa. pretende fallar a Sua Magestade El-Rei, póde isso conseguir-se, hoje ou ámanhã; mas a tarefa, de que me pretende encarregar, é superior ás minhas forças e não posso d'ella desempenhar-me".
É authentico o significativo.
Ora, eu seja preoccupação do meu espirito, effeitos da lenda, ou por qualquer outro motivo, nutro a suspeita de que a solução das reclamações da junta geral terá de esperar largos mezes talvez, se porventura depende de audiencia do sr. presidente do conselho. E oxalá que eu me engane.
Eu é que, como não posso ter a pretensão de ir pedir uma audiencia a s. exa. sobre este assumpto, embora de interesse publico, e aliás não me julgo sufficientemente auctorisado para conseguir e levar a cabo tamanha empreza, recorro por isso aos meios que a lei me faculta, e assim desempenho como sei e posso o meu mandato.
Termino dizendo, que folgarei muito que o sr. presidente do conselho, por um momento, se digre attender a este assumpto, e que, informando-se pela repartição a seu cargo, satisfaça a pedidos o reclamações tão justos, como são os da junta geral do districto de Bragança; alem de juntos, carecem de prompta solução.
Em occasião opportuna tratarei largamente de outros assumptos relativos aos interesses do districto de Bragança, e folgarei não ter que fallar n'este, a não ser para dar ao sr. ministro agradecimentos pelo ter favorável e promptamente resolvido. (Apoiados)
Tenho dito.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Fontes Pereira do Mello): - A lenda precisa de algumas correcções. Nem admira que as precise, quando agora mesmo, ao começar o seu discurso, o illustre deputado disse, muito lisonjeiramente para mim, que tinha hoje a dita de me ver nesta casa antes da ordem do dia, dando por este modo a entender que tenho faltado sempre á primeira parte da sessão, quando é certo que nos dias anteriores não só tenho vindo antes da ordem do dia, mas já tenho chegado á camara ainda antes de aberta a sessão. (Apoiados)
Já vê, pois, o illustre deputado, que assim como s. exa., de certo na melhor boa fé, foi menos exacto agora mesmo na sua asserção de que eu nunca comparecia antes da ordem do dia, não devo admirar tambem que a lenda apontada por s. exa. careça de algumas correcções; e eu peço licença para as fazer, ainda que mui ligeiramente.
Eu tenho muito do que me occupe; nem isto é cousa que a camara desconheça, e creio que os negocios publicos a meu cargo devem prevalecer, pelo menos assim o entendo, aos negocios de interesse particular.(Apoiados)
Ha muita gente que me procura, não ha duvida nenhuma; mas se eu fosse a attender e a receber, na hora em que me procuram, todos os que mo fazem essa honra, o que posso asseverar á camara é que os negocios publicos paravam, e eu teria de occupar-me exclusivamente dos assumptos particulares, desprezando e pondo do parte os interesses publicos.
É isto apenas uma explicação; e eu muito estimo que o illustre deputado me fizesse o favor de me proporcionar ensejo do a dar aqui, dizendo em publico o que tenho dito muitas vezes em particular e que é bom que se saiba.
Posso asseverar tambem ao illustre deputado, por quem tenho muita consideração, como a tenho tido desde longa data, porque muitas pessoas de sua familia me honraram com a sua amisade, posso asseverar-lhe, digo, que eu recebo todos os dias, ou quasi todos, maior numero de pessoas do que todos os meus collegas recebem.
Acrescentarei ainda que eu recebo no meu gabinete todas as pessoas desde a mais elevada gerarchia, até ao pobre mais humilde, chegando muitas vezes o numero d'ellas a oitenta e cem por dia.(Apoiados)
E apesar de tudo isto faz-se uma lenda, como se têem feito outras muitas a, meu respeito, e directamente contra a minha reputação de homem publico; faz-se uma lenda, repito, dizendo-se que não recebo ninguem!
Mas vejamos como as cousas se passam.
Não ha paiz algum, a não ser Portugal, onde qualquer se levante, se vista, e diga, - vou agora fallar a este ou áquelle ministro.
Em toda a parte os ministros recebem, quando lhes pedem audiencia, ou quando elles marcam determinado dia e hora para ella.
Assim comprehende-se; mas entre nós não acontece o mesmo.
Qualquer pessoa julga-se no direito de ir procurar o ministro, e de ser recebido por elle immediatamente; e quando, ás vezes, assumptos de interesse publico demoram o ministro, e não permittem que este o possa attender immediatamente, retira-se e vae queixar-se a toda a gente de não ter sido recebido!
Acontece ainda outra cousa.
Permitta-me a camara que, visto haver uma lenda, eu responda, a ella.
Um sujeito qualquer janta descansadamente, prepara-se, e vae depois ao ministerio procurar-me. chegando ali, fica muito admirado de que eu, estou na secretaria desde pela manhã, não o receba quando são já cinco, seis, sete,
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e mesmo oito horas da noite, porque raras vezes tomo alimento algum antes dessa hora!
E é daqui que nascem as lendas; é assim que ellas se fazem, e eu não direi que as estranho, mas realmente admiro que haja quem venha repetil-as aqui no parlamento.
Agora, a respeito de uma descortezia que parece ter sido praticada por mim, permitta-se-me a manifestação deste ligeiro amor proprio; eu honro-me de ser cortez, (Apoiados.)
A tal descortezia, segundo diz o illustre deputado, data de 1882; e como eu só tenho a honra de ser ministro das obras publicas ha poucas semanas, creio que não me póde ser imputada com justiça essa falta.
O sr. Eduardo Coelho: - O ultimo pedido é de 26 de novembro do anno proximo passado.
O Orador: - Mesmo n'essa epocha ainda eu não era ministro das obras publicas, como ninguem ignora.
Já s. exa. vê que não posso ser responsavel por uma descortezia que não pratiquei; e com isto não pretende lançar essa responsabilidade a ninguem, porque estou convencido de que o facto ha de ter uma explicação plausivel, e do mesmo modo não quero censurar pessoa alguma por classificar de descortezia a demora de que se queixam.
Em todo o caso, o que posso asseverar ao illustre deputado, e isto é o que importa, é que tratarei de saber e que ha no ministerio das obras publicas em relação ao pedido da commissão executiva da junta geral de Bragança, e que, embora estejam já distribuidos os fundos desde e principio do anno economico para o exercicio d'aquelle ministerio, procurarei examinar se será possivel concorrer ainda este anno economico com alguma somma para a mesma junta geral, a fim de habilital-a a construir as estradas districtaes que pretende. Terei muito gosto em satisfazer aos desejos do illustre deputado, e ao pedido da commissão executiva do districto de Bragança. (Apoiados.)
(S. exa. nunca revê as notas tachygraphicas dos seus discursos.)
O sr. Thomás Bastos: - O sr. Mariano de Carvalho, que talvez não possa comparecer hoje á sessão por incommodo de saude, pediu-me para eu enviar para a mesa, em seu nome, uma representação dos fabricantes de cartas de iogar contra a proposta de lei do sr. ministro da fazenda que tem por fim converter em monopolio do estado a industria que elles exercem.
Peço a v. exa. queira mandar esta representação á commissão competente e rogo tambem a v. exa. que consulte a camara se permitte que a mesma representação seja publicada no Diario do governo.
Consultada a camara, assim te resolveu.
O sr. Santos Viegas: - Mando para a mesa uma justificação de faltas do nosso collega, o sr. Teixeira de Sampaio.
Peço a v. exa. que me reserve a palavra, antes da ordem do dia, para quando estiver presente o sr. ministro da marinha, a quem desejo dirigir algumas perguntas.
A justificação vae publicada no logar competente.
O sr. Barão de Ramalho: - Mando para a mesa um projecto de lei a que se associaram os meus illustres collegas pelo circulo que tenho a honra de representar, e que tem por fim auctorisar a camara municipal de Angra do Heroismo a desviar temporariamente dos fundos para viação uma parte da receita para ser applicada a melhoramentos de viação na parte urbana do concelho.
Este projecto é justo; tem a seu favor numerosas concessões do parlamento, em condições menos acceitaveis, e está em harmonia com um pedido da mesma camara recentemente feito ao governo.
Peço a v. exa. que dê a este projecto o devido destino.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Antonio Centeno: - Mando para a mesa um requerimento pedindo que seja enviado a esta camara o relatorio formulado pelo missionario que foi nas nossas provincias ultramarinas, o sr. Henrique Read.
N'uma das sessões passadas o meu collega o sr. Santos Viegas pediu que fosse enviado á camara o relatorio do sr. padre Barroso, que, segundo se diz, tem prestado relevantes serviços a Portugal e á religião nas nossas colonias africanas; e como na mesma occasião em que foi para lá este sacerdote, foi tambem o reverendo Henrique Read, o qual, apenas decorridos tres annos, depois que saiu do seminario de Sernache ele Bom Jardim, e saltando por cima do tempo ele serviço a que era obrigado pela sua ordenação, foi logo nomeado prelado de Moçambique, com o titulo do bispo de Philadelphia, por isso peço que seja enviado á camara o relatorio por elle formulado ao mesmo tempo que o elo sr. padre Barroso. Ambos devem revelar factos importantissimos e prestar valiosos esclarecimentos.
O requerimento vae publicado a pag. 788.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Visconde de Reguengos: - Mando para a mesa uma representação dos proprietarios e lavradores do concelho de Elvas, adherindo á representação em que os lavradores de Santarem pediram protecção para a industria cerealifera e remedio para a crise que está affligindo os cultivadores de azeite no nosso paiz.
A camara deliberou ha dias nomear uma commissão de inquerito para tratar d'este importantissimo assumpto; mas, apesar d'isso, eu continuo a ver affluirem as representações a esta camara, o que indica que os proprietarios e lavradores pouca ou nenhuma confiança têem no resultado d'esse inquerito e pedem immediatas providencias para o estado em que se encontra esta industria.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que esta representação seja publicada no Diario das sessões.
Assim se resolveu.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Pereira Leite: - Por parte da commissão de legislação civil mando para a mesa o parecer sobre a mensagem vinda ela outra camara, acompanhando as alterações feitas ao projecto n.º 17, que trata do registo dos fóros.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para entrar desde já era discussão este parecer.
Assim se resolveu.
Leu-se na mesa. E o seguinte

PARECEU

Senhores. - A vossa commissão de legislação civil foi presente a mensagem ela camara dos dignos pares do reino, acompanhada do projecto de lei n.º 3, que alterou as disposições do projecto do lei n.º 17, que tinha sido approvado na camara dos senhores deputados na sessão de 7 do corrente: e
Considerando que os fundamentos em que a camara dos dignos pares motivou a alteração feita ao projecto n.º 17 desta camara para o registo dos onus reaes de servidão, emphyteuse, subemphyteuse, censo e quinhão, são de todo o ponto acceitaveis, visto a sua materia ser difficil e complexa, e portanto correr o risco de na estreiteza do tempo que decorre até 22 do corrente, não poder ser convertido em lei, desde o momento em que se levantasse larga discussão, o que causaria graves prejuizos á fazenda publica e a grande numero de estabelecimentos de beneficencia;
N'estes termos, é a vossa commissão de opinião que se approve a alteração feita no referido projecto pela camara dos dignos pares.
Sala da commissão, 18 de março de 1885. = João Ri-

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Beiro dos Santos = Luiz de Lencastre = Franco Castello Branco = Novaes = Joaquim Germano de Sequeira = A. G. de Lima = Martinho Camões = Pereira Leite, relator.

Projecto a que se refere o parecer:

Artigo 1.º É prorogado até 22 de março de 1887 o praso fixado na lei de 18 de março de 1883 para o registo dos onus reaes, de servidão, emphyteuse, subemphiteuse, censo e quinhão.
Art. 2.º a disposição da presente lei começará a vigorar no dia seguinte áquelle em que terminar o praso concedido pela lei referida no artigo anterior.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 17 de março de 1885. = Joaõ de Andrade Corvo = Visconde de Soares Franco, secretario = Eduardo Montufar Barreiros, secretario.
O sr. presidente: - está em discussão.
O sr. Francisco beirão: - Não venho renovar a discussão que, ha ainda poucos dias, se travou n'esta camara a respeito de um projecto similhante ao que está agora em discussão e que foi repudiado pela illustrada commissão de legislação civil.
Não venho arvorar-me Cassandra infeliz relatando tudo que se tem passado depois que este projecto foi retirado pela commissão, e insistindo em que devia ser approvada a proposta que mandei para amesa, e que reputava de interesse publico, não teria de se passar o que vamos presencear.
Não me refiro a esses factos; não quero de modo algum tirar partido da situação que elles crearam aos deputados que votaram contra o projecto approvado por esta camara.
De nada d'isso quero saber.
Tambem não insistirei novamente pela presença do sr. ministro da justiça para que diga qual é a sua opinião n'este assumpto.
Sei qual é essa opinião. S. exa. é contrario ao projecto que está sobre a mesa.
Nada d'isso quero fazer; quero unicamente que fique consignado nos registos parlamentares que, tendo eu apresentado uma proposta para uma prorogação que acautelasse o futuro, proposta redigida por fórma tal que o governo ficava obrigado, e até direi auctorisado, apesar de eu não Ter confiança no ministerio, a tomar as providencias necessarias para que esta prorogação fosse a ultima, não posso approvar o parecer que está em discussão.
Não venho com expedientes dilatorios; quero apenas consignar nos annaes do parlamento que, visto que esta lei não vem cercada das cautelas que eu entendo que a deviam acompanhar, não vem eleborada no mesmo sentido em que eu apresentei a minha proposta, voto contra ella.
O sr. Castro Mattoso: - Pedi a palavra para declarar que voto o projecto em discussão por o considerar de impreterivel necessidade, visto estar muito proximo o dia em que termina o praso concedido pela lei de 18 de março de 1883 para o registo dos onus reaes de servidão, emphyteuse, subemphyteuse, censo e quinhão. Em regra sou contra todas as prorogações tendentes aretardar ou antes inutulisar a execução das nossas leis, mas n'esta occasião não posso sem grave responsabilidade deixar de votar a prorogação do praso que se propõe.
Sr. presidente, quando aqui se discutiu o primitivo projecto da commissão de legislação civil sobre o assumpto de que se trata, eu apresentei uma substituição, que foi approvada n'esta camara por notavel maioria.
Não pôde, porém, essa substituição chegar a ser discutida e approvada na camara dos dignos paresdo reino, por o não permittir o curto espaço de tempo que medeava entre o dia em que foi apresentada n'aquella camara e aquelle em que terminava a ultima prorogação concedida para o registo. Não foi, porém, essa substituição rejeitada pela camara dos dignos pares. Foi apenas adiada a resolução d'esta grave questão para ser opportuna e detidamentetratada. É isto o que se pondera no parecer da respectiva commissão n'aquella camara. Espero que ainda n'esta sessão legislativa esta questão será resolvida como éde urgencia que o seja. (Apoiados.)
Sr. presidente, já que estou com a palavra, não posso deixarde aproveitar esta occasião para fazer á camara uma declaração muito formal e categorica. Exigem-o os deveresda minha posição official, que nunca costumei aproveitar em beneficio dos meus interesses particulares. (Apoiados.)
N'este assumpto não advoguei a minha causa, porque, apesar de ser senhorio directo, tenho de ha muito concluido o registo de todos os onus reaes que me pertencem.
Faço esta declaração para que todos fiquem sabendo que nos esforços e dilligencias que empreguei e continuarei a empregar para que a minha proposta seja convertida em lei, não tive em vista alguma conveniencia pessoal, mas sómente o interesse publico.
Eu entendo e entendo, que, se são respeitaveis os direitos dos senhorios uteis, não são menos attendiveis os direitos dos senhorios directos. (Apoiados.)
Se é necessario prestar protecção aos foreiros, não é menos necessario garantir e salvaguardar os direitos dos senhorios.
Emquanto tiver assento n'esta casa hei de propugnar por estes principios, que reputo de eterna justiça. (Apoiados.)
O sr. Pereira Leite: - Poucas palavras direi, e estas para explicar factos que me pareceram ser hoje mal interpretados.
A commissão de legislação civil tinha dado parecer favoravelao projecto apresentado pelo sr. deputado Santos Viegas, para a prorogação por mais tres annos do registo dos onus reaes; porém antes de entrar em discussão teve conhecimento da alteração que o sr. deputado Mattoso pretendia fazer, e não hesitou acceital-a, visto essa alteração não derogar, como erradamente se diz, a economia e harmonia do codigo civil, mas sim regularisar por um meio mais equitativo e consentaneo com o estado economico do paiz esses registo, tornando-o obrigatorio sómente depois da primeira transmissão, como succede com a propriedade immibiliaria.
A camara concordou na alteração, e n'este sentido a illustre commissão de redacção redigiu o projecto que na sessão seguinte foi approvado; enviado á camara dos dignos pares teve o resultado que nós conhecemos; os motivosque levaram aquelle corpo co-legislador a assim proceder são de todo o ponto acceitaveis.
Deseja-se salvaguardar direitos legitimos creados á sombra da lei, por isso a commissão de legislação civil entendeu que bem interpretava os sentimentos da grande maioria d'esta camara dando um parecer favoravel ao projecto tal qual foi enviado pela camara dos dignos pares; o contrario seria levantar um conflito que nenhuma consideração de interesse publico, no meu entender, justifica n'este momento.
E para terminar, sr. presidente, acrescentarei: a emphyteuse, hoje tão malsinada, foi o grande motor da nossa prosperidade agricola, a ella se deve a cultura intensiva da provincia do Minho, o grande numero de villas e aldeias do seu territorio, e a riqueza e bem estar que condensou a sua população; e eu creio piamente que se este methodo tivesse sido applicado na extremadura, os baldiosque hoje ali se encontram abrangendo boas e excellentes terras, que valem centenas de contos de réis, estariam cultivados, e consequencia forçada a população seria mais densa.
Neguem, se podem, os adversarios da emphyteuse os beneficios da sua adopção, mas lembrem-se que ahi estão os factos a protestar contra os seus argumentos.

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O sr. Presidente: - Ninguem mais está inscripto. Vae ler-se o parecer para se votar.
Leu-se, sendo seguidamente approvado.
O sr. Mouta e Vasconcellos: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que votei contra o parecer da commissão de legislação civil, approvando a substituição feita pela camara dos dignos pares do reino á proposição da camara dos senhores deputados, revogando o artigo 3.º da lei de 18 de março de 1883 e determinando a fórma do registo dos onus reaes, de servidão, emphyteuse, etc. = F. A. F. de Monta e Vasconcellos.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 10 bill de indemnidade

O sr. Correia de Barros: - Deseja apenas justificar o seu voto.
Dissera o sr. Francisco Beirão que as dictaduras não se discutem: ou se justificam pela necessidade impreterivel da segurança publica, ou regista-as a historia como um gravissimo attentado contra as leis vigentes.
Assim era, na verdade, e é isto mesmo que se deriva dos argumentos produzidos pelos oradores da maioria.
Effectivamente só em presença de uma necessidade d'esta ordem é que um governo póde atrever-se a reunir nas suas mãos o poder legislativo com o poder executivo, porque a divisão dos poderes é o meio de se manterem todas as garantias dos cidadãos.
O governo usurpando faculdades e attribuições que pertencem ao parlamento não praticou um acto de que resultasse uma simples perturbação na marcha politica do paiz; praticou um acto de que resultou a postergação mais completa dos direitos dos cidadãos.
Respeita muito as opiniões dos oradores da maioria, mas acima de tudo considera a carta, cujas disposições devem ser por todos acatadas.
Diz a commissão que o governo assumira a dictadura, porque todos os partidos entre nas e quasi todos os ministerios assim têem procedido.
Não quer demonstrar, o que lhe seria facil, que a dictadura de 1884, pela estreiteza do folego e pelo acanhado do objectivo, differença-se tanto das outras que não se pode estabelecer analogia alguma entre uma e as outras; mas, ainda que se conceda que essa analogia existe, não se podem desculpar, ou attenuar sequer, os erros ou crimes de hoje com os erros e os crimes de hontem.
Esses erros e esses crimes devem ser os marcos que nos advirtam para procurarmos o caminho por onde de vemos seguir.
A commissão allega em favor da dictadura a alta necessidade da ordem publica.
Mas a commissão não provou que no intervallo da sessão se desse essa alta necessidade, e não o provou porque não podia provar que tivessemos n'esse periodo sido ameaçados por uma guerra com qualquer potencia estrangeira, ou que estivesse a pique de ser alterada a ordem no interior do reino.
No proprio discurso da corôa dizia-se ha pouco que no intervallo parlamentar tinhamos conservado boas relações com todas as potencias, e não tinha sido alterada a ordem publica.
E, se alguma dessas hypotheses se tivesse dado, ainda assim o governo não devia proceder como procedeu; lá estava a carta constitucional a ensinar-lhe o que devia fazer.
O orador nota que a commissão, como attenuante da dictadura, diga tambem que entro os decretos que ella publicou, os dois mais importantes, que são os que se referem á reforma do exercito e á fixação do novo quadro dos officiaes da armada, reproduziam duas propostas do lei que haviam sido approvadas n'esta camara, e que já tinham pareceres favoraveis das respectivas commissões da camara dos pares, havendo, em virtude d'este ultimo facto, toda a presumpção de que seriam ali approvadas.
Este argumento, porém, parece lhe mais de molde a aggravar e situação do governo do que a melhoral-a.
Se o governo contava com a approvação da camara dos pares para estas duas propostas, devia então propôr ao chefe do estado uma nova prorogação das côrtes.
Se receiava o obstrucionismo, então não tinha rasão sufficiente para suppor que as propostas passariam n'aquella camara.
Na opinião do orador, o procedimento do governo tem sido errado, e affigurava-se-lhe que elle não pensara ainda na tremenda responsabilidade em que dia a dia estava incorrendo, porque os seus actos serviam para se ir desbravando o terreno tornando-o favoravel ás idéas politicas que eram representadas por dois illustres deputados que se assentavam na extrema esquerda.
Em seguida passou a examinar os decretos dictatoriaes e disse que quanto ao decreto de 13 de julho de 1884, que se referia ás medidas tomadas para impedir a invasão do cholera, approvava-o, mas sentia que a despeza feita fosse tão grande. Por mais de uma vez pediu os documentos que mostrassem qual o uso das faculdades conferidas por esse decreto, e apenas o sr. ministro da fazenda mandara os esclarecimentos das despezas feitas pelo seu ministerio, esclarecimentos que o não satisfaziam e pelos quaes via que os dinheiros publicos não foram economicamente administrados.
N'esses documentos encontrava-se, por exemplo, a excessiva verba de 1:200$000 réis gasta com o saneamento e obras no tribunal de contas.
Referiu-se aos decretos de 19 de maio, que alargaram os quadros dos officiaes do exercito e da armada.
Entende que o alargamento do quadro dos officiaes da marinha não foi justificado por nenhuma necessidade do serviço, nem por nenhuma conveniencia publica. Se não havia, officiaes para o serviço por alguns estarem em commissões, o governo devia tel-os obrigado a vir fazer serviço nos navios, ficando as commissões para serem preenchida por outras pessoas.
E quanto á reforma do exercito, a prova de que essa reforma não era inadiavel, e que o governo podia esperar pela abertura do parlamento, estava em que o decreto dactadura tinha a data de 19 de maio e o governo só fizera a publicação da reforma do exercito em 31 de outubro.
Quando o decreto fui promulgado ainda não estava feito o estudo, o que mostrava não ser de grande necessidade a reforma.
Pelas rasões exportas votava contra o projecto.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraficas.)
O sr. Azevedo Castello Branco (sobre a ordem): - Em harmonia com as prescripções do regimento vou ler a minha moção de ordem.
É a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que os actos dictatoriaes do governo tinham em vista attender inadiaveis necessidades publicas, approva o seu procedimento e continua na ordem do dia.
Ouvi com agrado e attenção a palavra do illustre orador que me, precedeu, em quem me é grato ver, alem de um amigo pessoal, o indefezo regenerador do municipio portuense. (Riso.)
Mas se este agrado era devido á sua palavra, no momento actual não têem sido menores a attenção e o agrado com que tenho escutado a palavra dos oradores da opposição, porque elles têem precisamente agora aquelle en-

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canto suave que a lenda attribue ao canto dos cysnes agonisantes.
Sim! Porque elles vão morrer... interinamente para a rhetorica, não os assuste o prognostico.
Assim o disseram, assim o decidiram no seu synedrio, e assim o declararam pela sua imprensa.
Entretanto, sr. presidente, visto que estamos no segundo periodo d'esta guerra que, pelas phases, promette ser como a guerra dos trinta annos, (Riso.) permitta-me v. exa. que eu tome um pouco aspectos guerreiros no meu discurso, porque tratarei de assumptos bellicos.
Guerra é esta tanto mais singular quanto aqui todos os estratagemas são permittidos, desde o torpedo habilmente disfarçado no segredo das aguas até aos monos formidolosos da estrategia chineza, desde a apostrophe mais vehemente até á Krupp de monstruoso ventre de aço.
Aqui tudo é permittido, e disso deriva um facto muito notavel: é ver empunhar a espada aquelles a quem melhor cria a toga de juizes, é virem reptar na estacada aquelles que melhor sobraçariam os livros de Doellinger, é emfim vir responder a um Jomini theologo, a um Lewal medico.
Sr. presidente, eu associo-me completamente aos oradores da opposição, quando, com a sua mais ardente indignação, estygmatisam aqui as dictaduras em geral.
E visto não poder dar ás minhas palavras uma indignação ainda superior para causticar esses actos que por forma alguma tento justificar; e, se porventura, de algum consolo póde ser aos oradores da opposição o poderem appensar á sua a minha opinião, podem juntar-lhe esta: as dictaduras, pelos estragos que fazem na opinião publica e pela frequencia são... como a praga nos milharaes. (Riso.)
Se isto assim é, se eu condemno em these as dictaduras, em todo o caso esse facto não faz com que eu concorde com a opinião do illustre orador que me precedeu, quando disse que as dictaduras se justificam e não se desculpam.
E exactamente o contrario: as dictaduras desculpam-se e não se justificam.
Só se justifica aquillo que é conforme ao justo e ao direito; o que é contrario á lei não se justifica nunca. (Apoiados.)
Nós estamos aqui para isentar da responsabilidade criminal os dictadores e não para justificar a dictadura; e tenha s. exa. a certeza de que no meu espirito pesa muitissimo, a consideração de que peior do que esta dictadura, contra a qual o illustre deputado conclamou com todos os seus collegas da opposição, só será a primeira que vier...
Uma voz: - Feita pelos senhores.
O Orador: - Ou pelos senhores, porque a peior é sempre a ultima. (Apoiados.)
A dictadura foi terrivel; e daqui estou eu vendo n'este momento o rosto do tyranno que afrontou a soberania nacional com tres decretos, porque sempre na opinião dos nossos adversarios a individualidade dos ministros se perde na sombra projectada pelo nobre presidente do conselho, e por isso é que n'este momento extraordinário a sua figura avulta realmente como a de um tyranno que o illustre deputado o sr. Simões Dias nos descreveu despeitorado, embora lhe concedesse ainda borzeguins dictatoriaes. (Riso.)
Realmente, o que é que fez o tyranno?
Fez a lei de 19 de maio, e creio que cooperou nos outros decretos, em virtude dos quaes se assegurou a tranquillidade moral da população de Lisboa e do paiz e se augmentou o quadro da armada.
Entretanto lembra-me agora dizer que de quantas injustiças se tem feito a esta dictadura, nenhuma menos justificada do que aquella que sobre ella tem feito pesar, comparando-a com a dictadura de 19 de maio de 1870.
Effectivamente ha uma differenca enorme entre uma e outra.
Se aquella pelo facto que lhe deu origem é um symptoma profundo de decadencia a que podem chegar as instituições. (Uma voz, apoiado.) De accordo; se porventura aquella representa isso, eu não sei qual mais admire, se a differença com que o paiz recebeu aquelle acto dictatorial, seja imprevidencia e a incuria, e se não receasse offender melindres pessoaes, a fraqueza dos membros do governo que não souberam nem prevenir nem curar. Admira-mo que o partido progressista, herdeiro das tradições do partido que então estava no poder, viesse hoje lembrar essa epocha funesta da sua historia; o que tem simplesmente uma justificação só, que é pôr ao serviço das suas fragilidades de então, o falso valor com que hoje investem contra esta innocente dictadura. (Apoiados.)
Eu desejo acompanhar em todos os pontos a questão exactamente como tem sido tratada. Mas antes de responder ao meu illustre amigo permitta-me a camara que entre em pequenas divagações tendentes a demonstrar que muitos dos assertos do sr. Simões Dias se tornaram verdadeiros desacertos, não devidos a falta de talento, porque o talento de s. exa. é extraordinario, mas á falta de conhecimentos praticos do assumpto.
E eu para não roubar de forma nenhuma a honra a quem de direito compete discutir, especialmente as questões militares, tratarei simplesmente pela rama muito perfunctoriamente este assumpto por que não quero exhibir o imprudente espectaculo de discutir um assumpto que me é estranho ou quasi alheio.
Eu concordo com o illustre orador, o sr. Simões Dias, em que a lei do recrutamento é má; mas ao passo que concordo com elle, lembro tambem que, sendo esta modificada ou feita durante aquelle periodo santo do regimen do accordo, s. exas. então, que souberam não descurar nenhum dos seus interesses geraes como partido, esqueceram este interesse vital para a nação.
Mas desde o momento em que não fizeram vingar as suas idéas, e então era-lhes isso facil, desde p momento que não trataram d'isso, não têem para si, julgo eu, o direito de nos lançar em rosto que a lei do recrutamento é má, e má por nossa culpa.
Estou inteiramente de accordo em que a lei do recrutamento não é boa, que deviamos ter um recrutamento regional, e talvez o servião militar obrigatorio. (Apoiados.) Mas em todo o caso, se o tyranno viesse aqui apresentar essa medida, quer v. exa. ouvir o que diria então o partido progressista? Mas, senhores, o que serão a industria, o commercio, a agricultura? Pois tudo isto não vae soffrer com a perda e com o roubo de tantissimos braços? Pois porventura uma nação que é uma granja, onde a vida agricola é tudo, póde converter se lá n'uma vasta caserna militar?
Seria isto o que nos viriam dizer, e com muita rasão, porque realmente era a verdade, que eu reconheço tambem. Por isso entendo que é conveniente tentar, não absolutamente o serviço militar obrigatorio, mas sim pouco a pouco ir trabalhando para esse fim, e a actual lei deu realmente um passo n'este sentido, como tentarei demonstral-o.
Ora se o recrutamento é mau, um dos vicios que mais o afeia é, diz a opposição, a introducção das remissões n'este projecto de lei.
Tambem não quero desculpar as remissões, não as advogo, preferia que não houvesse remissões, nem substituições, como já disse.
Em todo o caso o argumento adduzido aqui, para dizer que a remissão é immoral, serve realmente para provar, que a substituição é immoralissima; (Apoiados.) porque se, porventura, na remissão ha um ajuste previo com o estado, na substituição havia a mercancia em alto grau entre particulares.
Como medico castrense tenho assistido a muitas sessões das juntas revisoras, onda a miude se sabem os passos que se dão para mercanciar com a pobre carne humana.

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v. exa. não imagina quantas agencias infames havia por esse paiz, e quantas traficancias enormes se estavam fazendo á conta das substituições. (Apoiados.)
não quero mesmo affirmar, embora me pareça ser exacto, que a substituição era nos corpos mais um elemento de disposição do que um elemento de disciplina.
Comprehende-se bem porque. É que o substituto tem sempre atrazde si o, por via de regra, habito da caserna que o estraga.
(Interrupação.)
A substituição continua, mas em taes condições que é muito mais vantajosa a remissão.
(Nova Interrupção.)
A substituição continua, sim, mau por tal fórma e em taes condições que é mais facil pagar os 180$000 réis do que arranjar uma praça para substituir o recruta que terá de servir doze annos.
Visto que fallo n'este ponto, note v. exa. que no espirito da commissão não estava a idéa de continuar a substituição. Se, porventura, continua foi por um lapso de redacção.
Dizia o sr. Simões Dias «que esta lei tivera um unico fim, o alargamento dos quadros. Por outra forma, o sr. Fontes queria contentar os officiaes». Esta é a formula malevola, com que se desvirtua a reforma no espirito publico com relação ao alargamento dos quadros, entendo para mim, que o grande serviço d'esta lei foi exactamente esse, por uma rasão, que em todo o tempo tenho ouvido apontar e que ainda é hoje profundamente exacta, é que é sempre facil, quando a patria periga, ou quando por qualquer circumstancia seja preciso recorrer aos serviços de todos, chamar ás armas tudo quanto houver de valido, mas o que não é facil, é impossivel até, é improvisar officiaes, sem os quadros anteriormente estabelecidos. (Apoiados.) E para justificar este meu dizer, devo dizer a v. exa. e á camara imaginam porventura que aquelles exercitos improvisados de 1793 poderiam ter levado a termo a sua obra redemptora sem os admiraveis quadros do tempo do regimen monarchico; porventura imaginam que os Dumouriez esse espirituoso fazedor de intrigas do velho regimen, e o Custinc, os Dillon, eram officiaes improvisados? Pois não sabem todos que o heroe de Valmy, Kelterman, era um bravo alsaciano, cujo nome militar se fez na guerra dos sete annos?
Pois não vimos todos, modernamente, quando a França careceu de valer-se dos esforços de todos e disputou de um modo rigoroso mas innegavelmente legitimo a posse do solo ao inimigo triumphante, pois não vimos todos o triste espectaculo da grande nação, vilipendiada, batida e sem prestigio com o melhor das suas tropas prisioneiras da Allemanha?
Se teve soldados, porque esses surgem quando se quer, teve tambem a incompetencia de officiaes. Não deve ser esquecida nunca a guerra de 1870, onde ha exemplos fecundos para tudo! Ora. se não é possivel improvisar quadros, é muito justo que n'uma reforma do exercito se attenda sobretudo á circumstancia de alargar os quadros em harmonia com o numero de soldados que num momento dado se quer chamar ás armas. (Apoiados.)
Digo mais que me parece até que o alargamento dos quadros foi escasso, porque, estudando bem, não vejo que a proporção entre as differentes armas seja tal que fique inteiramente garantida, a patria no caso de uma fatal surpreza.
Supponham que é phantasia isto, mas eu pelo menos tenho esse receio, porque se effectivemente vejo na artilharia, no numero de peças, a proporção de 2 1/4 por 1:000 homens, noto que nas organisações modernas essa proporção é muito maior. E n'este momento lembro que senti, que juntamente com a creação dos novos corpos de artilharia e dos novos corpos de cavallaria se não creassem companhias de artilheria a cavallo, que seguissem a cavallaria dos reconhecimentos e nas razias, quando porventura tivesse de intervir na acção.
Mas, dizia eu que o alargamento dos quadros era necessario; era mais do que necessario, era impreterivel. Por consequencia, se a reforma do exercito algum beneficio produziu, foi este: terminar com este estado anarchico, resultante de imprevidencias de todos, o que fazia com que as promoções não estivessem justamente equiparadas e que ao mesmo tempo houvesse a circumstancia muito inconveniente de existirem 300 e tantos alferes graduados, que era um verdadeiro nucleo de indisciplina.
A culpa não era d'elles, nem tambem do sr. Fontes; culpa é do paiz.
Depois de tantos seculos de um regimen de mendicancia á porta dos conventos, com toda a certeza o paiz não podia num certo e dado momento, em virtude das leis redemptoras de Mousinho da Silveira, mudar os seus habitos seculares, substituindo-os por habitos de industria e de commercio.
A comprehens?o que nós temos do exercito, não é propriamente a que tem toda a nação guerreira. Em Portugal o ser militar é um metier, um officio, emquanto que na Allemanha e nos paizes guerreiros é um dever e uma honra.
O sr. Simões Dias referiu-se a muitas cousas. O seu discurso teve a notavel qualidade de tocar em todos os ramos da administração militar. E para eu o acompanhar, realmente ver-me-hei obrigado a entrar na especialidade de que, repito, não queria por fórma alguma tratar.
Entretanto permitia me v. exa. que, referindo-me muito de longe a esse discurso, diga o seguinte:
Um dos factos que mais estranhou s. exa. foi que não houvesse uma boa e rigorosa lei de promoções. E lamentou sinceramente, porque s. exa. lamentou aquillo com sinceridade, que se não pozesse em vigor aquella salvadora lei do sr. marquez de Sá, que mandava attender á aptidão physica e militar nos casos da promoção.
Tambem lamento isso; mas, como honra extraordinariamente a memoria do sr. marquez de Sá, devo recordar que aquella lei era tão boa, que um mez e cinco dias depois de promulgada, elle mesmo entendeu dever suspendel-a por inexequivel.
O sr. Luciano de Castro: - Por falta de regulamento.
O Orador: - É sempre esse o motivo por que se suspendem as leis n'este paiz! O illustre deputado sabe perfeitamente que um governo não suspendo uma lei dizendo: eu pequei hoje, amanhã pretendo emendar-me.
O sr. Luciano de Castro: - S. exa. sabe que aquella lei exigia um regulamento, importante sobretudo para os exames, e o sr. marquez de Sá suspendeu a lei com esse fundamento.
O Orador: - Em todo o caso suspendeu-a e ficou suspensa até hoje.
O sr. Luciano de Castro: - O sr. Fontes tem rendido preito a essa lei.
O Orador: - Tambem eu não sou escasso em fazer justiça a quem a tem.
O sr. Luciano de Castro: - Peço a palarra.
O Orador: - Um da factos que s. exa. estranhou foi que a administração militar não interviesse curiosamente na maneira de ser da vida intima dos corpos nos quarteis.
Em todos os paizes do mundo, cuja administração militar eu conheço, essa administração superintende em tudo que são fornecimentos para o exercito, mas em nenhum trata dos ranchos do soldado!
Eu não tenho n'este momento palavras de elogio para a nossa, administração militar, a qual reputo cahotica, sem offensa para ninguem, e sei que o nobre presidente do conselho tem já nomeada uma commissão para propor a reforma d'ella.

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Isto não é nenhum deslustre para as pessoas que têem estado á frente da administração militar, porque em França fez-se o remodelamento da sua administração depois dos desastres de 1870, e ainda depois d'esta epocha se reconhecem novos vicios, que a França trata de remediar.
A França havia melhorado a sua tactica e a sua estrategia e ra evidente que a sua administração era defeituosa, por isso tratou de a melhorar e de a collocar a par dos exercitos mais bem organisados, porque se a Allemanha deve muito á estrategia de Moltke, á tactica do principe Frederico Carlos, se deve muito ás sabias combinações de Birmarck, esse enredador de ferro, deve muito á administração militardo general Roon, que foi o chefe da sua administração militar.
Eu não estranho, porque desejo que para mim tambem se não estranhe que o sr. Simões Dias tenha dito verdadeiras inexactidões em cousas militares, e não estranhei porque elle mesmo nos confessou que era hospede n'essa materia.
Eu concordo com s. exa., mas direi que foi hospede impertinente, porque muito maltratou quem o hospedou. (Riso.)
Vou agora responder ao meu amigo o sr. Correia de Barros.
A reforma do exercito impunha-se, porque vinham de longe já os clamores pedindo uma reorganisação, e desde o momento que se julgou asada a occasião, o governo não podia deixar de a fazer.
Portanto, a necessidade da refoma era reconhecida, e essa necessidade era de tal ordem e de tal conveniencia que não se podia espaçar a sua discussão, estando de mais a mais proximo o periodo eleitoral, que a opposição desejava se fizesse pelo recenseamento de 1883.
E, visto que fallo em periodo eleitoral, permitta-me o illustre deputado que lhe diga que esse periodoé effectivamente tristemente celebre, e sabe s. exa. porque? Primeiro pela indifferença a que s. exa. se referiu; mas foi mais tristemente celebre ainda porque n'essas eleições houve a necessidade de conciliar interesses dos nossos partidarios, amortecer amuos, e muito mais do que isto, conciliar até os interesses dos nossos adversarios. (Muitos apoiados.)
Esta é a sua triste celebridade!
Eu tambem concordo com essa opinião de s. exa.
Quero agora referir-me muito ligeiramente áquelle decreto de 3 de julho, contra que s. exa. teve palavras de pouca benevolencia se não para o decreto em si pelo menos para o modo como o governo usou d'essa auctorisação.
Aquelle decreto, pelo qual o governo se auctorisava a empregar medidas preventivas contra o cholera, foi de grande beneficio, porque o espirito publico estava tão justamente sobressaltado, que desde o momento em que não visse medidas muito energicas e rasgadas neda lhe inspiraria confiança. (Apoiados.)
Parece-me que se o decreto dissesse: fica o governo auctorisado a gastar 10:000$000 réis com as medidas preventivas contra o cholera, não seria de admirar que a imprensa progressista viesse clamar que 10:000$000 réis não chegavam para estabelecer um cordão sanitario na fronteira, fundar lazaretos e melhorar a salubridade de Lisboa. (Apoiados.)
Eu tenho para mim a certeza de que os 428:000$000 réis que se dizem gastos, se gastaram única e simplesmente para evitar que a epidemia do cholera nos invadisse.
E eu lamento profundamente que se insinue no espirito publico que o governo desviou essa quantia para fins menos convenientes. (Apoiados.)
Lamento isto, e não é porque a probidade individual de cada um dos ministros não esteja acima de tudo, e a prova é que os deputados da opposição quando se referem a cada um dos ministros, têem para elles sempre palavras do maximo elogio e respeito, (Muitos apoiados.) mas é porque o fundo de nosso caracter nacional é ingenitamente pessimista, e sempre propenso a acreditar o mal, e que se torna origem de descrença das classes dirigentes.
Quando se discutir o orçamento, ou as contas do thesouro, então faremos o ajuste d'essas contas; por emquanto não posso dizer, senão que creio piamente, que se gastaram bem, e acredito-o, pela honra do meu paiz e pela probidade dos cavalheiros que ali se sentam.
Com relação a assumptos de marinha devo dizer, que pouco sei, e parece-me que deveria estar completamente dispensado de responder ao illustre deputado que me precedeu, apesarde s. exa. tambem não pertencer á briosa classe dos officiaes da armada, em todo o caso, guir-me-hei mais pela minha rasão, do que pelo meu saber, ácerca da especialidade do assumpto.
Effectivamente v. exa. tem rasão, a nossa marinha não está na altura em que deve estar, e nós devemos attender conjuntamente á organisaçãodo nosso ecercito de terra e á organisação da nossa marinha; e, porque se não podemos ter nunca a idéa de invadir a Hespanha, se não podemos tambem ter a pretensão de entrar nas grandes collisões europêas, podemos, ao menos, ter a esperança de ir descobrir, pela terceira vez, o Congo, porque duas vezes já eu sei que foi descoberto, (Apoiados) e n'esse caso nós, que precisâmos ser uma nação colonial, que temos o nosso futuro ligado ao bem estar das nossas colonias, (Apoiados) devemos necessariamente attender a ellas, e consequentemente, á nossa marinha de guerra.
Não discordando, portanto, do illustre deputado que me precedeu, entendo que a marinha de guerra portugueza não está ainda como deve; precisâmos de uma percentagem maior de officiaes, e precisâmos, porque devemos ter nas colonias sempre promptos para representarem os nossos direitos, que são valiosos. (Apoiados.)
Mas se isso é preciso, traz comsigo tambem augmentos de despeza.
E será isso possivel em toda a sua largueza?!
Esta pequena dictadura do sr. Pinheiro Chagas já trouxe o grande beneficio de dar uma percentagem mais regular, para cada um dos nossos navios, porque realmente estavamos tratando de assumptos importantes, e então precisavamos de Ter nas colonias navios nas condições de fazerem respeitar o paiz.
Mas o que digo é que s. exa. augmentou pouco, e n'esse ponto tem a receber, não só as minhas censuras, mas aindsa as minhas reciminações por não augmentar mais.
Eu queria mais, queria uma dictadura grande, porque queria que nos queixassemos dizendo: «Realmente estrangulou a lei, mas levantou a nossa marinha». É assim que gosto das dictaduras; porque ellas tambem de vem em quando têem alguma cousa de bom, e podia citar-lhes algumas dictaduras que em tempos antigos produziram beneficos resultados.
Pois não seria a dictadura de Cromwel o renascimento do commercio inglez?
E mais, e mais...
V. exa. sabe perfeitamente que, ao tempo em que se publicava este decreto dictatorial, nós tinhamos navios a construir nos estaleiros de Inglaterra e tinhamos sobretudo necessidade de estabelecer divisões navaes regulares, nas costas oriental e occidental de Africa.
Uma voz: - Já estavam estabelecidas.
O Orador: - É verdade, mas não estavam em pratica, porque não havia officiaes...
(Interrupção que não se percebeu.)
bem sei onde s. exas. querem chegar, e n'esse caso creiam que faço côro com s. exas.
bem sei que não é conveniente que officiaes de marinha estejam fóra dos seus quadros e empregados em commissões especiaes de serviço, devia realmente haver um quadro especialmente para os officiaes de marinha, para aquel-

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Les que embarcaram, e um outro quadro para os officiaes de secretaria, inteiramente de accordo n'esse ponto.
Mas que quer v. exa.? Tudo n'este paiz se subordina ao desejo de não gastar mais dinheiro e conciliar a benevolencia da opposição.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Cabe-me a palavra depois da camara ter ouvido um discurso muito espirituoso proferido por um dos mais talentosos deputados da maioria, do qual me préso de ser amigo pessoal.
Comprehendo por que o illustro deputado, tendo de discutir uma questão séria em que o seu partido e o governo, que apoia, estão collocados em uma situação desgraçada, preferiu fingir que defendia o sr. Fontes chamando-lhe ironicamente tyranno; - preferiu fingir que defendia o sr. Pinheiro Chagas chamando dictadurasinha ao seu acto governativo; - preferiu fingir que defendia o governo declarando que a reforma não era má, mas que podia ser melhor; - preferiu fingir que defendia a dictadura, dizendo que detestava todas as dictaduras. A consciencia do sr. Azevedo Castello Branco encontrou assim uma solução satisfactoria para conciliar os seus escrupulos intimos com e cumprimento apparente dos deveres de um deputado da maioria.
Tres partes teve o discurso do sr. Azevedo Castello Branco: a parte politica, a parte alegre e a parte guerreira. (Riso.)
A parte politica foi uma carga a fundo no governo. A parte alegre foi a revelação de um talento notavel, cuja fina graça e castigada forma litteraria mostraram bem á camara que o sr. Azevedo Castello Branco e, não só pelos laços de parentesco mas pelas affinidades do espirito, da familia de um dos maiores e mais gloriosos escriptores da nossa terra, de um humorista tão profundo e tão extraordinario que se escrevesse em qualquer outra lingua, seria uma celebridade europêa. (Muitos apoiados.)
Na parte guerreira... resumo a minha impressão cofessando que olhava para s. exa. e parecia-me estar a ouvir o general Moltkc fallando perante o seu estado maior. (Riso)
A cada uma d'estas partes irei respondendo alternadamente, mas declaro antes de tudo que vou ser muito breve por dois motivos: em primeiro logar porque a minha pouca auctoridade não me dá direito a abusar da attenção da acamara; e em segundo logar porque não quero maguar por fórma alguma o illustre relator da commissão. S. exa., com aquella verbosidade verdadeiramente extraordinaria, que é um dos caracteristicos da sua elequencia, disse outro dia que a opposição é que tem tido a culpa da esterilidade da presente sessão legislativa, porque levou dois mezes a discutir a resposta ao discurso da corôa. A opposição é que tem tido a culpa, porque o tempo passa e os falladores ficam, acrescentou amavelmente s. exa.. Como eu fui um dos falladores, declaro que recebi a advertencia e que protesto não provocar outra com ma incontinencia da minha palavra.
Todos os oradores da opposição parlamentar têem confossado que poucas vezes um homem novo se tem estreiado n'esta camara em circumstancias tão notaveis como o sr. relator, que tem feito uma figura realmente muito distincta. (Apoiados)
O meu amigo o sr. Simões Dias, chegou a dizer aqui hontem que o illustre deputado estava quasi um estadista. eU perfilho inteiramente a opinião do sr. Simões Dias, não só por causa da consideração que tenho pelo talento do sr. Franco Castello Branco, mas por que elle já vae revelando, entre outros dotes, a falata de memoria, que nas occasiões difficeis costuma ser o salvaterio dos estadistas consumados. S. exa. nem já se lembra do que se tem passado aqui presente sessão legislativa! (Apoiados)
Disso s. exa., que a opposição levou dois mezos a discutir a resposta ao discurso da corôa. Pois isto é verdade, sr. presidente?!
Não recorro á opinião dos meus amigos, appello para o testemunho dos meus adversarios. Todos devem lembrar-se de como as cousas se passaram, e não foi d'este modo.
A opposição não discutiu a resposta ao discurso da corôa na sessão de 1884, na celebre sessão dos quinze dias, porque em tal sessão, inventada unicamente para honrar a palavra do sr. presidente do conselho, (apoiados), essa discussão nem sequer foi iniciada.
A opposição começou depois a discutir a resposta ao discurso da corôa, mas a meio d'essa discussão, quando o debate ia mais acceso, desappareceu subitamente d'esta casa o governo, e vinhamos todos os dias para aqui, curiosos e impacientes, nem sem que os mais proximos dos ministros soubessem das noticias dos membros do gabinete. (Apoiados.)
Estavamos aqui todos, horas e horas, a olhar para as portas, a ver se apparecia o sr. presidente do conselho, ou algum dos seus collegas, mas ao cabo do tanta anciedade, só lográmos ouvir ler ao sr. presidente da camara, uma carta, un petit billet doux, (riso) em que o sr. Fontes lhe declarava que estava em conferencia com os seus collegas e não podia comparecer na camara. (Apoiados.)
Afinal, passados uns poucos de dias, reappareceu aqui o governo... Reapareceu o governo é um modo de fallar; reappareceu apenas uma fracção, um fragmento, uns despojos do governo, (apoiados) e naturalmente a opposição teve que pedir ao sr. presidente do conselho e ao resto do ministerio, contas da mais extraordinaria, da mais mysteriosa, e, digâmos assim, da mais humoristica crise ministerial que se tem dado n'este paiz. (Apoiados.)
Foi a opposição que teve a culpa de se ver obrigada a pedir ao governo contas de uma crise ministerial, que se tinha dado perante uma camara constituinte e no meio de uma discussão politica, como era a da resposta ao discurso da corôa, e que se tinha dado sem motivo plausivel, sem justificação de especie alguma!
Foi a opposição que teve a culpa de ser preciso gastar aqui uma sessão e duas na camara dos pares, para pedir ao governo explicações a respeito da crise, que não fui provocada por ella, mas por dissenções intestinas resultantes dos membros do gabinete se não poderem entender em questões relativamente mesquinhas, quando tinham responsabilidades solidarias n'uma questão grave, numa questão capital, como é a das reformas constitucionaes! (Apoiados.)
Mas ha mais ainda.
Passados estes dias de interrupção, devida á crise ministerial, continuou a discussão da resposta ao discurso da coroa, e os oradores progressistas, que estavam inscriptos, em virtude da mudança das circumstancias politicas, em virtude de não verem já na sua frente o governo que primitivamente haviam atacado, desistiram da palavra.
Mas o sr. Franco Castello Branco, que embirra com os falladores, (Riso.) como o sr. Mariano de Carvalho desistiu da palavra, declarando que opportunamente trataria a questão de fazenda, aproveitou pressurosamente esta deixa e proferiu aqui uma philippica politico-financeira contra o partido progressista. E foi ainda e sempre a opposição que teve a culpa do sr. Franco Castello Branco responder a uma declaração de dois minutos com um discurso de duas horas. (Riso. Apoiados.)
Depois fallou ainda largamente um deputado republicano, o sr. Consiglieri Pedroso, e largamente lhe respondeu um deputado da maioria, o sr. Correia Barata, meu amigo, e cujo talento muito considero, mas que, com um faccionismo, que qualificarei de chimico, (Riso.) attenta a especialidade do illustre professaor, declarou o partido progressista em decomposição putrida. Nós nada respondemos, e ainda assim fomos nós que tivemos a culpa do dis-

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curso do sr. Consiglieri Pedroso e da resposta do sr. Corrreia Barata!
Outros oradores da maioria fallaram ainda, e todos aggrediram com amior ou menor vehemencia o partido progressista, e nós conservámo-nos calados, e o silencio da opposição foi tão longe, e a nossa obstinação em não prolongar o debate acentou-se tanto que o sr. Barros Gomes, duramente aggredido pelo sr. franco Castello Barnco, quando duramente aggredido pelo sr. Franco Castello Branco, quando lhe chegou a palavra, limitou-se a dar uma simples explicação, entregando a s. exa. documentos comprovativos da sua sem-rasão.
Depois d'isto tudo veiu o illustre relator da commissão chamar-nos falladores! Foi uma falta de memoria verdadeiramente extraordinaria, e que se converteu n'uma falata de justiça, que ha de repugnar hoje á consciencia do sr. Franco castello Branco.
Não emprego para com s. exa. essa palavra, que me parece demasiado comesinha e modesta para classificar um ornamento parlamentar da ordem do illustre deputado. No entanto peço-lhe que tenha mais alguma bondade e mais alguma equidade para com os seus collegas da opposição.
Serei breve; não tenho conhecimentos especiaes para tratar d'esta questão; e não tomaria a palavra senão entendesse que, mais do que a ninguem, cumpre a um rapaz novo, qe entrou pela primeira vez n'esta casa, não deixar passar aqui um projecto d'esta ordem sem lavrar, com a sua palavra, um protesto energico contra este atentado inaudito, que não tem precedentes na historia de nenum paiz redigido por instituições constitucionaes. (Muitos apoiados.)
Tem-se fallado aqui muito dictaduras; tem-se definido dictaduras que se justificam e dictaduras que se desculpam; dictaduras em que o sr. Azevedo Castello Branco acredita piedosamente e outras em que acredita com diverso adverbio. (Riso.)
Eu não acredito senão nas dictaduras a valer e nas ditaduras para rir.
Dictaduras a valer são aquellas que encarnam e synthetisam uma revolução triumphante; dictaduras para rir são as que representam apenas o capricho ou os desvarios de um homem; dictaduras a valer são as que assignalam a transformação completa, a remodelação radical no modo de ser de um povo; dictaduras para rir, mas tambem para flagelar, são as que accusam sómente deploraveis symptomas pathologicos do estado morbido de uma sociedade decadente. (Muitos apoiados)
A disctadura do sr. Fontes foi uma dictadura de vaidade; disse-o n'esta casa uma voz eloquente e a sua phrase feliz teve echo e repercurssão no parlamento e fóra d'elle.
Foi esse grande orador, que, em palavras de amargo desalento, manifestou no seu ultimo discurso a sua escassa confiança no poder da eloquencia.
Não tem rasão, e cada discurso que elle proprio profere, desmente o pessimismo do inspirado tribuno, porque é sempre profunda a impressão que causam no paiz as suas palavras, em que se reflecte a um tempo o fulgor do seu alento excepcional e a integridade da sua immaculada consciencia. (Muitos apoiados.)
A dictadura do sr. Fontes foi a dictadura da vaidade, disse o sr. Antonio Candido.
Applaudo a phrase, mas acho-a incompleta.
A dictadura do sr. Fontes foi a dictadura da vaidade, mas não foi só isso. Foi tambem a dictadura do interesse.
O exercito estava descontente porque via a indifferença com que o sr. Fontes, ha tantos annos ministro da guerra, olhava para as necessidades da briosa classe militar. O sr. Fontes, tanto tempo descuidado, começou de attentar n'este phenomeno, que se accentuava cada vez mais, porque o exercito murmurava e esses murmurios cresciam todos os dias; e o sr. Fontes quiz, por um acto seu, do iniciativa pessoal, resgatar com uma munificencia serodia, e que o paiz ha de pagar, o seu desleixo, a sua incuria de muitos annos. (Apoiados.)
O sr. presidente do conselho diz que recorreu á dictadura, porque não podia fazer passar o projecto respectivo na camara dos dignos pares.
Se me fosse licito entrar nas intenções de alguem, confessaria francamente que imagino que o sr. Fontes estimou que esse projecto da reforma do exercito não passasse na outra casa do parlamento, para que o exercito não agradecesse ás camaras um acto regular, realisado normalmente com a cooperação de todos os poderes e á sombra das garantias constitucionaes, mas sim tivesse de ficar reconhecido á pessoa do sr. presidente do conselho por um acto da sua iniciativa exclusiva e especial, realisado com ostentoso menospreso das leis e das conveniencias geraes da nação. (Apoiados.)
O sr. Fontes, com a sua dictadura, quiz dizer ao exercito que elle p?de ?s vezes ser menos solicito, e cuidadoso no cumprimento dos deveres do seu cargo, e despresar durante largos. annos os interesses- e as necessidades das classes que lhe pertence defender e zelar, mas que quando lhe chega a hora da generosidade, a hora da munific?ncia não ha leis, nem princ?pios, nem ras?es que detenham ?? sua iniciativa. (Muitos apoiados.)
Que lição esta, sr. presidente, que moralissimo exemplo de disciplina que o sr. ministro da guerra deu aos defensores e mantenedores da ordem e disciplina social!
A dictadura do sr. Fontes foi a dictadura da vaidade, for a dictadura do interesse, foi, n'uma palavra, a dictadura do egoismo desalmado, que substituiu arrogantemente as conveniencias e os caprichos de um homem á magestade das leis, ao respeito dos principios e ás mais sagradas conveniencias publicas. (Muitos apoiados.)
Não profiro estas phrases duras por abrigar qualquer sentimento de hostilidade ou de animadversão, contra o sr. presidente do conselho.
Não me anima esse sentimento contra pessoa alguma, e muito menos contra s. exa.
A primeira vez que fa?lei nesta casa proferi uma phras?, que preciso explicar, (eu já a ver me obrigado a explicar as minhas phrases!) não pela phrase em si, mas porque todos, ou quasi todos os deputados da maioria, desde o discurso ardente do sr. José Novaes, até ao discurso engraçado do sr. Teixeira de Vasconcellos, a têem citado como argumento para oppor ás affirmações do illustre chefe do partido progressista e dos meus correligionarios.
Uma phrase minha a oppor-se ás affirmações do meu partido!
O caso é grave, e eu preciso explicar a phrase, que foi aquella em que eu disse que o sr. presidente do conselho tinha uma vida gloriosa.
Disse, sustento, e não retiro essa phrase.
O sr. presidente do conselho tem uma vida gloriosa. E é por isso que, sem experimentar uma sincera magua, não posso ver cair s. exa. nos erros e desatinos dos ultimos annos da sua vida publica.
Ha dois Fontes no sr. presidente do conselho. Ha o Fontes da primeira epocha, da primeira maneira, diria eu se se tratasse de pinturas, o audacioso reformador de 1851, o ministro dotado de uma iniciativa rasgada, o parlamentar indefesso que sustentava os bons principios e as boas doutrinas constitucionaes, é o primeiro Fontes, mas esse mormeu, pertence á historia. (Muitos apoiados.)
E a esse Fontes que eu rendo a homenagem do meu respeito e consideração politica. Mas ao que está hoje sentado n'aquellas cadeiras (as do ministerio), a esse, posto que lhe renda a homenagem do meu respeito e da minha consideração pessoal, não posso deixar de lastimar que represente uma triste decadencia politica. (Apoiados.)
Eu poderia citar uma auctoridade insuspeita em abono d'esta minha opinião, lendo á camara o que dizia o sr. ministro da marinha, que se senta hoje ao lado do sr. pre-

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sidente do conselho, n'um discurso proferido n'esta casa do parlamento, em phrase levantada, e com aquella nobre e viril eloquencia que o caracterisava na opposição, quando comparava o sr. Fontes, antes da sua decadencia, com o sr. Fontes actual; mas não leio, porque isso seria fazer retaliações, e eu não gosto d'ellas nem as quero fazer, e mesmo não caberia bom a um homem novo na vida publica, como eu, fazer retaliações a quem tem já um passado como o sr. Pinheiro Chagas.
Tenho sempre muito medo de proferir qualquer palavra que possa melindrar as pessoas que me ouvem, e por isso não me atrevo a fazer uma comparação que me occorreu agora, e que estava em harmonia com o tom humoristico do discurso a que estou respondendo.
Se o sr. Fontes não se escandalisasse commigo, e tomasse isto é boa paz, diria a s. exa. que pena é que o sr. presidente do conselho, á similhança de certas actrizes imprudentes, não soubesse retirar-se a tempo da scena. (Hilaridade.)
Se se tivesse retirado a tempo teria feito um grande serviço, não só ao paiz mas ao seu nome, visto não possuir já hoje a energia de que deu tão larga prova nos primeiros annos da sua brilhante carreira. (Apoiados.)
Disse o illustre relator do projecto que na reforma do exercito não houvera dictadura, porque o projecto tinha sido discutido n'esta camara e chegara a ter parecer na outra casa do parlamento, elevando assim as commissões de guerra e de fazenda da outra camara á altura de um novo poder do estado, que a carta não reconhece, mas que foi inventado á ultima hora para supprir a collaboração do alto corpo legislativo, que ainda não tinha mostrado a sua adhesão a esse projecto. (Apoiados.)
O sr. relator disse-nos aqui que a lei de 23 de agosto de 1869, consignando uma auctorisação parlamentar para reformar todos os serviços publicos, com a condição expressa de diminuir as despezas, fôra uma dictadura.
Uma auctorisação parlamentar é uma dictadura?! (Apoiados.) E um decreto promulgado, sem previa auctorisação parlamentar, não é dictadura!.. Oh! sr. presidente, como os mais altos espiritos, como os melhores argumentadores - não direi falladores, mas oradores distiuctos -, quando servem uma causa má, têem argumentos tão tristes! (Apoiados.)
Quer v. exa. saber o que foi a dictadura de 1869 exercida pelo partido progressista? Foi um artigo exarado na lei de meios de 1869, em que se auctorisava o governo a reformar os quadros dos serviços publicos, com tanto que diminuisse a despeza.
Tenho aqui um trecho do relatorio publicado pelo meu honrado chefe e amigo, o sr. Anselmo Braamcamp, no qual s. exa., em 1870, como ministro da fazenda, deu conta do uso que o governo fez d'esta auctorisação.
Quer v. exa. saber o que aconteceu? O governo reduziu na despeza 400 e tantos contos, apesar de augmentar em mais de 300:000$000 réis a dotação das estradas. Deus queira que a dictadura das alfandegas produza o mesmo effeito! (Apoiados.)
Sr. presidente, o sr. Franco Castello Branco, querendo responder ao argumento que se lhe tem opposto, de que a dictadura fora sobretudo inutil e desnecessaria, porquanto o governo com pequena prorogação obteria a approvação do projecto na camara dos pares, dizia: «Isso era bom se não fosse o obstruccionismo que em grande escala se pratica na camara dos pares!»
Eu, mal ouvi esta phrase ao illustre deputado, olhei logo, quasi instinctivamente, para a cara do sr. presidente do conselho, e observei que não era de satisfação, (Riso.) se bem que s. exa. não podia ver n'estas palavras do sr. relator uma insinuação, porque o sr. Franco Castello Branco é tão dedicado ao sr. presidente do conselho, que seria incapaz de lhe ser desagradavel. Não foi isso; mas é que a phrase do sr. Castello Branco despertou no espirito de
sr. presidente do conselho a recordação penosa d'aquelles dias em que s. ex.a, rodeado de livros, no meio do um labyrintho de apontamentos, fallava, fallava, fallava na camara dos pares sobre a questão dos coroneis! (Apoiados. )
Dias penosos, disse eu, dias terriveis foram aquelles para o sr. presidente do conselho, em que s. exa., cuja fluencia de palavra é de todos conhecida, não achava as expressões, não atinava com as phrases com que havia de exprimir as suas convicções sobre a questão dos coroneis. (Risos - apoiados.)
Disse o sr. Franco Castello Branco, que quem fazia o obstruccionismo era o sr. conde do Casal Ribeiro, e acrescentou: - Julgam que o governo recua diante d'esse homem temivel que se chama conde do Casal Ribeiro?!»
Oh! sr. presidente, doeu-me esta ironia da parte de um homem novo, mas distincto, como o sr. relator, porque eu sei fazer justiça a todos e reconheço e admiro o talento do sr. Franco Castello Branco. Mas doeu-me a sua ironia, por que ao mesmo tempo que offendeu a minha consciencia, feriu o meu coração, porque desde a infancia me habituei não só a admirar mas a estimar o sr. conde do Casal Ribeiro.
Um homem na posição do sr. relator, que entrou aqui no outro dia pela primeira vez, não deve dirigir ironias a um estadista que é uma das glorias d'este paiz, um dos ornamentos mais brilhantes da tribuna parlamentar, e um dos talentos mais notaveis d'esta terra. (Muitos apoiados.) Não dirija ironias ao sr. conde do Casal Ribeiro, porque s. exa. póde responder-lhe que está acima d'essas ironias. (Apoiados.)
Creio piamente, ou piedosamente para me servir do adverbio empregado pelo sr. Azevedo Castello Branco, (Riso.) que o pensamento do sr. relator não foi offender o sr. conde do Casal Ribeiro. (Apoiados.) Mas é bom reflectir no que se diz quando se trata de um homem d'esta ordem.
A dictadura não era necessaria, porque com uma pequena prorogação ter-se-hia conseguido votar no parlamento a reforma do exercito, e alem disso foi prematura e precipitada porque, como muito bem disse o sr. Correia de Barros, o decreto dictatorial é de 19 de maio, em 26 do mesmo mez, isto é, sete dias depois, é que foi nomeada a commissão respectiva, o relatorio d'essa commissão tem a data de 26 do outubro, e a 31 d'este mez e que foi decretada a reforma. Desde 19 de maio, que o sr. Fontes era dictador e só logrou publicar a reforma em 31 de outubro!
Que impaciencia em ser dictador! Pois não é dictador quem quer. Não basta para isso ter o desplante de rasgar as paginas da constituição, e substituir ás normas da lei a vontade caprichosa de um homem. (Apoiados.) Para um homem poder ser dictador a valer, é preciso que represente uma grande idéa, que symbolise uma grande causa, e não basta que signifique apenas uma habilidade politica. (Apoiados.)
Publicou-se a reforma do exercito á pressa, e se não se apressam tanto, e se não adiam as côrtes com tanto affan, chegava a epocha marcada para a abertura do parlamento, e o sr. Fontes ficava um dictador mallogrado. (Apoiados.) Por isso o ministerio desenvolveu no dia 31 de outubro essa actividade febril, que tão ingloriamente ficou assignalando esse dia, que era de gala para todos os partidos monarchicos do paiz. (Apoiados.)
Já, quando fallei na resposta ao discurso da corõa, disse que me sentira maguado ao encontrar essa data em similhantes documentos, e senti-me magoado, porque sou e sempre fui sinceramente monarchico, porque tenho a convicção de que a causa da monarchia está identificada com a causa da nossa independencia, e tendo eu esta convicção, deploro e lamento todos os actos que se pratiquem, considerados, ou inconsiderados, que tendam a desprestigiar o principio monarchico, e a desauctorisar as instituições. (Apoiados.)

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No dia 31 de outubro enchiam as salas do paço da Ajuda muitos adeptos da monarchia, que iam comprimentar o soberano d'este paiz pelo seu anniversario natalicio. Era dia de gala, dia festivo para todos aquelles que rodeiam o throno do Senhor D. Luiz I, com o seu respeito e a sua adhesão.
A camara municipal de Lisboa ia tambem, em nome dos habitantes do municipio, felicitar o Rei, e o ministro do reino - porque todos aqui sabem que o ministro do reino é que entrega, em plena recepção, nas mãos do soberano, os discursos officiaes - e, foi assim que no dia 31 de outubro de 1884 poz na bôca do soberano as seguintes palavras:
«Approuve á Providencia conceder-me um reinado de paz. Dentro do circulo traçado pela constituição, e obedecendo aos seus preceitos tem-me sido sobremaneira grato acompanhar a evolução nas suas conquistas de justa liberdade, porque reside n'este facto a mais robusta força do systema constitucional.»
Sr. presidente, associar a palavra do Rei, e até a Providencia, ás promoções e á reforma dictatorial do exercito, é um cumulo de dictadura. (Riso. - Apoiados.) Eu sei que me posso referir a este discurso do soberano, e n'este momento tomo a liberdade de dizer que não comprehendi bem a advertencia de v. exa. ao sr. Simões Dias, quando elle se referiu a um documento publico d'esta natureza. (Apoiados na esquerda.)
Estes documentos são da responsabilidade do governo, podem discutir-se, devem discutir-se, n'este logar. (Apoiados.)
Este discurso é da responsabilidade do governo; sei isto, e sabem-o todos que conhecem os principios do governo constitucional; mas não o sabe o povo. E o que ha de dizer um homem do povo, quando vir que o soberano nos seus discursos declara que tem exercido sempre o poder dentro do circulo traçado pela constituição, e se lhe deparar no mesmo Diario do governo, em que apparece o discurso do Rei, uma alluvião de promoções, resultantes de um acto dictatorial?
Sr. presidente, disse-o um digno par na camara alta, e com uma energia e uma hombridade que me encheram de satisfação, que era triste que o sr. Fontes, que deve tanto ao monarcha, fizesse publicar nas paginas seguintes do Diario, em que vem o discurso a que me referi, setecentos e tantos desmentidos á palavra do Rei. O paiz não conhece as distincções subtis das theorias constitucionaes. O sr. Correia de Barros mostrou bem o perigo que póde vir para as instituições da repetida pratica de similhantes desvarios. Palavra de Rei, sabe v. exa., que segundo o aphorismo popular, é palavra sagrada, e é bom não tirar da consciencia do povo estas maximas, estes proloquios dos velhos tempos. (Apoiados.)
O sr. general Azevedo Castello Branco, (Riso.) quero dizer o sr. Azevedo Castello Branco discutiu muito proficientemente a reforma do exercito; eu não posso acompanhal-o n'esse terreno.
Entretanto, creio que a reforma do exercito é má e assim o julguei à priori, attentos os processos porque a reforma foi feita e á pessoa que a fez, mas esta convicção instinctiva mais se radicou no meu espirito depois que li o relatorio da commissão reformadora.
O relatorio diz insistentemente que o que se fez não é o que devia fazer-se, mas que emfim a vida é longa, e atraz de reforma, reforma vem.
Mas isto tudo n'um estylo amplo, sonoroso, mavorcio, que francamente me consolou. (Riso.)
Eu vinha da questão das alfandegas, e vinha deliciado com o estylo archaico mas correcto do sr. Hintze Ribeiro, e de repente vi-me a braços com este relatorio da commissão especial sobre o bill e achei-o secco, hirto, systematicamente desprezador da fórma e unicamente attinente á idéa, ao pensamento. felizmente tive esta compensação (aponta o relatorio da commissão reformadora.) Sr. relator da commissão, póde inspirar se aqui, porque isto é que é estylo. (Riso.
Sr. presidente, que a reforma é má, dizem-n'o as pessoas competentes e começaram a escrevel-o os jornaes militares, que o sr. Fontes conseguiu emmudecer com ameaças de transferencias.
Sr. presidente, eu peço licença para citar um livro, que comecei a folhear calculando que seria um livro enfadonho, mas que vi logo que era um livro perfeitamente bem escripto, alem de sabiamente estudado. Refiro-me á Nation Armée, de Von der Goltz, que me permitto citar, porque vae sendo para a sciencia militar o mesmo que é o livro de Leroy-Beaulieu para as finanças, uma cartilha, um vade-mecum indispensavel.
Diz este livro que, não sendo hoje a guerra o combate entre exercitos, mas sim a lucta entre nações armadas, o principio que se deve seguir n'uma reforma do exercito é identificar tanto quanto for possivel os interesses e a organisação do exercito com os interesses e organisações do paiz; é tornar identicas e sympathicas as necessidades do exercito com as do resto da nação.
Ora, o que se encontra mais grave na reforma do exercito publicada em dictadura é que, parecendo ella ser um favor pessoal do sr. Fontes feito a uma classe respeitavel como é o exercito, teve principalmente o defeito de parecer ádrede inventada para attrahir sobre assa classe o desfavor das outras classes do paiz, cujos interesses lhe foram sacrificados. (Apoiados.)
A reforma do exercito é má não só porque é attentatoria da constituição do estado, mas porque é a mais inconveniente para estabelecer a harmonia e a identificação que leve existir entre os interesses nacionaes e os interesses do exercito.
Não trato propriamente a questão militar porque não tenho competencia para isso e porque no meu partido ha, não só cavalheiros pertencentes ao exercito que têem competencia profissional n'esta materia, mas cavalheiros, que embora não sejam militares, e apesar dos gracejos do sr. Azevedo Castello Branco, têem dado provas em discussões inalogas á que se debate actualmente n'esta casa, de que sabem estudar e conhecer d'estes assumptos o necessario, para os poderem tratar em toda a altura, emittindo o seu roto com perfeito conhecimento de causa. Um d'estes cavalheiros, pediu ha pouco a palavra, é o sr. Luciano de lastro, o outro, é o meu presadissimo amigo, sr. Emygdio Navarro, que n'este momento está ausente, e que no anno passado conquistou aqui galhardamente as suas dragonas de general. (Riso.)
É quasi inutil que eu declare á camara que quando leio o relatorio da reforma, não vejo n'elle a pessoa do relator, qie aliás sei que é um official muito distincto; analyso-o desassombradamente, como um documento que está sujeito á apreciação de quem o ler, e notei que sendo assignado por um capitão de infanteria, como relator, as suas affirmações fundamentaes são as seguintes:
Primeira: A infanteria é a rainha das armas!
Segunda: É indispensavel para a infanteria, a creação de mais um major para cada corpo!
Ora eu não quero entrar nas intenções de ninguem, e está longe do meu espirito duvidar da isenção do illustre relator citado, mas francamente este coincidencia saltou-me aos olhos.
E effectivamente o que a reforma produziu mais foram aiores, em numero verdadeiramente extraordinario! De modo que em Portugal já se não sabe bem, quem é ou não major e não se sabeao certo se ha alguem no paiz, que possa proferir aquella phrase da Vie parisienne: eu não sou esse major! (Riso)
Não nego a necessidade de reorganisar o exercito, e de substituir a reforma de 1864. Essa necessidade, de ha muito reconhecida, era e é sobretudo imposta pelas circumstancias creadas em toda a Europa pela guerra franco-

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prussiana, que produziu uma revolução completa na organisacão dos exercitos; mas o que espanta e surprehende é que o sr. Fontes Pereira de Mello que tem occupado, durante tantos annos, a pasta dos negocios da guerra, que tem tanto talento e tanta illustração, nunca se lembrou de fazer esta reforma, só no fim de tantos annos, ao cabo de tão longo exercicio d'aquelle cargo é que a realisa, e por este meio, por este processo irregular e antipathico ao paiz? (Apoiados.)
Só agora é que s. exa., para satisfazer os seus caprichos, apresenta esta reforma, realisada por processos tão incorrectos perante os bons principios, como desastrosos em attenção ás circuinstancias do paiz?! (Apoiados.)
Não sei porque o sr. Fontes não satisfez ha mais tempo esta necessidade instante do exercito.
Eu, que não duvido da actividade do sr. Fontes, sobretudo depois das declarações que hoje lhe ouvimos aqui, não posso comprehender esta omissão.
Hoje, antes da ordem do dia, como v. exas. viram, o sr. presidente do conselho travou um dialogo com o meu amigo, o sr. Eduardo José Coelho, que a proposito de um pedido que era feito por uma junta geral de districto, e do facto de alguem desejar fallar sobre isso ao sr. presidente do conselho, sem nunca lhe ser possivel realisar esse intento, s. exa. dizia que, segundo a lenda, o sr. Fontes Pereira de Mello nunca estava na secretaria. E o sr. Fontes deu aqui explicações amplas e minuciosas, dizendo que ia muito assiduadamente á secretaria, que essa lenda era falsa e que havia dias em que recebia no seu gabinete mais de oitenta ou noventa pessoas, desde as mais altamente collocadas do paiz até aos pobres mais humildes.
Ora eu nunca procurei o sr. Fontes nos ministerios, mas acredito que s. exa. está ali sempre, visto que s. exa. o declarou.
O que ou quero provar é que a lenda não foi inventada pelo sr. Eduardo Coelho, nem por ninguem d s. opposição.
O sr. Pinheiro Chagas é que poder? dizer a s. exa. quem foi o jornalista espirituoso que no Diario da manha de 10 de junho de 1878 escrevia estas palavras tão engraçadas:
«É uma familia que nos governa, a familia Benoiton, tanto assim que podem ir ao ministerio da guerra, e verão que madame Benoiton nunca está em casa.» (Hilaridade.)
Não quero dizer o nome do ministro da guerra d'essa epocha, mas procurem e verão quem era a madame Benoiton do Diario da manhã. (Riso.)
O que eu deprehendo da leitura do relatorio citado é que a reforma do exercito augmentou o quadro dos officiaes, sem accreacentar o numero dos soldados, e querendo justificar o augmento do quadro dos officiaes com a facilidade da mobilisação em tempo de guerra, não organisou a reserva para se poder conseguir esse fim. (Apoiados.) Em vez de fortalecer, enfraqueceu o exercito; augmentou a despeza, em logar de melhorar a administração; multiplicou os quadros para crear adeptos, e arranjou uma reserva ideal, sem instrucção nem equipamento, que torna muito difficil, senão de todo impossivel, a passagem do pé de paz para o pé de guerra. Ao mesmo passo adiou a solução dos assumptos mais importantes, como a camara póde verificar.
Por exemplo, adiou a divisão territorial em harmonia com as condições naturaes do paiz. Adiou o recrutamento regional por todos recommendado, e não organisou por forma alguma este serviço, que aliás o sr. Fontes em 1874 reputava fundamento indispensavel de toda a reforma militar. Adiou a classificação das praças de guerra. Adiou a creação das escolas praticas do cavallaria e infanteria.
Sem querer tratar de desenvolver este ultimo ponto, permitta-me v. exa. que, a respeito da escola pratica de cavallaria, eu exponha uma circumstancia que me impressionou na leitura do relatério da commissão reformadora.
Diz o relatorio, que de todas as nações só a Inglaterra tem na cavallaria a unidade administrativa companhia, a que lá chamam troops, quando a unidade tactica é o esquadrão, que em todos os exercitos é tambe, unidade administrativa. A commissão achava conveniente que isto se estabelecesse entre nós, onde existe a duplicação de unidade, que a moderna sciencia militar condemna. Apesar d'isso, porem, não realizou este progresso, e eu comecei a imaginar qual seria a rasão d'esta contradicção, e a final achei-a no seguinte periodo do relatorio:

«O que seria de certo harmonico com os principios era ter a commissão organisado os regimentos de cavallaria em esquadrões, constituindo os seus quadros de officiaes com um capitão, um tenente, tres alferes, ou com um capitão, dois tenetes e dois alfres, medida que produziu uma economia de 16:000$000 réis a 17:000$000 réis, que seriam destinados a fazer face ás despezas com a organisação de uma escola pratica da arma, de necessidade intante, como o governo de V. magestade por mais de uma vez tem reconhecido.»
Aqui têem a rasão porque se não operou a transformação, que a sciencia, militar e as conveniencias financeiras recommendavam. Recuaram perante a ameaça da economia (Riso.), economia que de mais a mais era destinada para um fim util. É verdade que a commissão fez isto tudo, é ella quem o diz, por equidade. Em Portugal ha equidade para tudo e para todos, menos para o pobre contribuinte. (Risos. = Apoiados.)
O sr. Azevedo Castello Branco, com uma proficiencia que eu estou longe de poder imitar, e uma profusão de citações historicas verdadeiramente admiravel, mostrou a conveniencia que havia no augmento do quadro dos officiaes, porque estes não se poderiam improvisar em tempo de guerra como os soldados, e ficou muito satisfeito porque o sr. Luciano de Castro e outros membros da opposição o applaudiram.
Não tinha de que regosijar-se porque s. exa. proferiu, n'aquellas palavras, um axioma em materia de organisaçao militar, (Apoiados.) mas teve a bondade, que muito lhe agradeço, de corrigir mais adiante a sua phrase, no sentido de não a tornar uma defeza para o governo, porque disse que esta reforma não satisfazia a similhante intuito, não realisava completamente esta necessidade capital dos modernos exercitos.
Ora eu entendo que as reformas ou se fazem completamente, ou não se fazem. (Apoiados.) Não vejo conveniencia em ir aggravar a despeza sem se conseguirem vantagens correspondentes. (Apoiadas.)
Outra cousa que ma maravilhou no estudo perfunctorio que fiz d'esta materia, e que me maravilhou achando-lho muita graça, foi que o sr. Fontes pagou caro a sua antecipação publicando o decreto dictatorial em 19 de maio.
Pagou-a caro, porque, quando chegou a 31 de outubro já não cabia dentro do seu proprio decreto. (Riso. - Apoiados.)
Se s. exa. se tem reservado para publicar o decreto dictatorial quando publicasse a reforma, não se tinha visto na necessidade de infingir a sua propria dictadura.
s. exa. em 19 de maio auctorisou-se a si proprio a crear um corpo de artilheria. Decorreu, porém, o verão, desabrocharam os fructos, a iniciativa de s. exa. expandiu-se tambem, e quando chegou o outomno o sr. ministro da guerra creou dois corpos de artilheria! (apoiados.)
quando s. exa. se tinha imposto a si proprio o dever de crear um só corpo de artilheria, mudou de resolução não sei porque, e creou dois. Excedeu-se a si proprio! (Riso. - Apoiados.)
Eu sei ainda de alguns factos que provam que n'esta organisaçao do exercito ha uma parte que completamente se descurou. Não foi o augmento da despeza, nem o acrescentamento dos quadros; o que se descurou agora, como

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s despreza sempre, foi organisar a administração de modo que ella seja regular e conforme com as leis.
Citarei apenas dois factos.
A lei diz, e é natural, que as divisões serão commandadas por generaes de divisão, mas o facto é que algumas ellas são commandadas por generaes de brigada, naturalmente por que se augmentou o numero de generaes de divisão. (Riso.)
Ha outro facto curioso.
É o que diz respeito a um illustre cavalheiro, ao distincto general, actual commandante do estado maior.
Elle esteve largos annos na arma de estado maior. Quando chegou a coronel, é que se conheceu que não tinha o curso, e foi dado como supranumerario; mas, quando veiu a occasião de ser promovido, foi elevado a general nomeado depois commandante do corpo d'onde tinha sido expulso por não ter o curso.
Quem o deitou fora foi o sr. Fontes e quem o mettou ara dentro foi ainda o sr. Fontes.
Porque?
É um mysterio, mas naturalmente andou sempre bem.( Riso.)
Chegâmos é parte agradavel, é parte satisfactoria d'esta reforma, é parte da receita. Temos andado pela desolada charneca da despeza; consola repouzar um pouco no fresco oasis da receita.
A receita são as remissões; e aqui não fallo eu, falla o sr. Fontes.
Em 1859, o sr. Fontes, como ministro do reino, estabeleceu as remissões.
Em 1873, o sr. Fontes, como ministro da guerra, abolui as remissões; e aboliu-as dizendo, entre outras cousas, seguinte, no discurso que a tal respeito proferiu n'esta camara:
"Isto é uma questão de força, publica e de exercito verdadeiramente organisado; e debaixo d'este ponto de vista eu desejava que a camara votasse um principio que acaba ma uma pratica, auctorisada pela lei, mas que repugna aos bons principios, que repugna é moral publica, e que pugna aos mais caros interesses do exercito. (Muitos apoiados.)"
Muitos apoiados, lê-se no Diario das sessões. Eu tambem digo Muitos apoiados.
Não quero ler o discurso todo, mas por este trecho a camara calculará a energia, a convicção, a eloquencia com que s. exa. argumentava.
As remissões são uma cousa iniqua, revoltante; são uma uma, escandalosa; (Apoiados.) é o pobre a pagar o imposto mais violento que póde pagar o cidadão, o imposto de sangue, porque o rico se isenta d'esse encargo atirando umas moedas de oiro é cubica immoral do governo.
É este um principio contra que se revoltam os sentimentos mais intimos de qualquer consciencia. (Muitos apoiados.) E esta é a absolvição do projecto, esta é a receita se creou para fazer face ás despezas que este projecto contêm! Deploravel receita!
Eu desadoro os augmentos de despeza, porque estou convencido que não temos dinheiro para os pagar; (Apoiados.) as antes queria pagar 300:000$000 réis, do que ver estabelecida nas leis do meu paiz esta barbara e iniqua disposição. (Muitos apoiados.)
O sr. presidente do conselho instituiu as remissões em 1859, aboliu-as em 1873, e restabelece-as em 1885!
Oh! sr. presidente, se as remissões podessem, por um momento, tomar forma humana, podessem vir fallar n'esta casa, não fariam um discurso, mais cantavam o Rigoleto: la dona é mobile, (Riso) adaptando a letra, é claro, ao sr.
presidente do conselho.
Não quero entrar na analyse detalhada do resto das providencias dictatoriaes a que diz respeito o projecto. Eu sigo, n'este ponto, o exemplo do sr. Azevedo Castello Branco é s. exa. ameaçou a terra, o mar, o mundo, mas parou diante do mar, diante do discurso do sr. Correia de Barros. (Riso)
Mas temos ainda uma questão interessante, que já foi tratada n'esta casa. É a questão do microbio.
Eu associei-me na imprensa aos que pediam providencias energicas para que se preservasse o paiz da invasão do cholera, e não declino nem uma das minhas responsabilidades pelo que escrevi lá fóra. Mas, francamente, não julgo inconciliaveis aquellas reclamações com os reparos que suscita essa respeitavel verba de 400 e tantos contos despendidos sob a ameaça do flagelo, custando só o microbio do tribunal de contas 1:200$000 réis.
Todos tiveram medo pediram providencias promptas e energicas, e agora só os progressistas reclamam contra o augmento de despeza. Não vejo n'este facto a contradicção que o illustre relator pretendeu lançar-nos em rosto. Vejo até mais uma manifestação logica dos principios que definem e extremam os dois partidos. Podemos encontrar-nos com os regeneradores em todos os receios, menos no que provém do augmento da despeza. Os illustres adversarios não são attreitos a esses pavores.(Apoiados.)
Pois o microbio da despeza não é dos qe menos estragos edtá causando no nosso depauperado organismo nacional.(Apoiados.)
Pediram-se aqui os documentos relativos a esta verba extraordinaria, mas não vieram taes documentos. Eu fui dos que os requeri e instei por elles, não sei quantas vezes. Elles não vieram, mas hão de apparecer, dizem-nos, o todos os documentos de despeza.
Não duvido. Mas o que apparece já é o aggravamento despeza, como succede sempre em todas as circumstancias em que o sr. Fontes se encontra no poder. A questão é que, na occasião em que a despeza se faz, não se diz em se gasta o dinheiro.
Ha sempre receita para fazer face é despeza, e só mais o, quando vem outras situações, é que se encontram então na cruel necessidade de legalisar as despezas feitas s. exa. (Apoiados.)
Ainda ha um outro ponto muito importante n'este projecto, que por lapso não tratei em logar adequado, e a que referirei agora summariamente. E o que diz respeito reformados, cujo numero ha de ser enorme, e que hão avolumar e muito a despeza. (Apoiados.)
Sr. presidente, ainda no outro dia, na auctorisação para forma das alfandegas, nos encontrámos com a legião aposentados. Agora aqui o cancro da reforma, no tocante a despezas, são os reformados. E assim vae tudo n'este paiz !
Actualmente os actores já são aposentados com um vencimento equivalente ao soldo dos generaes de brigada.
Os ensaiadores andam nos jornaes a reclamar tambem aposentação. Não tarda que chegue a vez aos camaroteiros (Riso.) Até que liquidemos todos, como uma nação precisa ser aposentada, porque não sabe governar-se. (Apoiados.)
Mas as despezas com os reformados, em virtude d'esta medida, nem podem prever-se desde já, sequer approximadamente. É o systema do sr. Fontes delinear despezas
á larga, sem cuidar de crear receitas para fazer face a despezas, e deixando esse encargo aos seus successores.
Por isso um jornalista espirituoso escreveu uma vez no Diario da manhã o seguinte: " O sr. Fontes ao menos é attencioso, não vae logo com a conta a casa do freguez; baile e só quatro annos depois é que pede para a musica.(Riso.)
O que o governo quer é a ordem na discussão, quer que apurem as responsabilidades, e que todos estes casos se esclareçam; é por isso que os documentos ficam para o orçamento rectificado, é por isso que elle os não manda agora, (Riso.)

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Não desejo fazer insinuações, porque não é isso proprio do meu caracter, nem posso formular accusações, porque não tenho os documentos. Mas affigura-se-me que desde o momento em que se pedem documentos relativos a uma verba despendida pelo governo, não ha explicações plausiveis que legitimem o facto do governo continuar a occultar esses documentos. (Apoiados.) Parece-me demasiada solicitude pela ordem das discussões, e notoria falta de zelo pelo bom nome dos ministros.
Depois de ter ouvido hontem o sr. Teixeira de Vasconcellos, é que comprehendi bem o pensamento do governo e do seu partido.
O sr. Teixeira de Vasconcellos disse: ?Votem o projecto, porque quem sabe (dizia s. exa. olhando para nós ameaçador e convicto) quem sabe quando esta nação terá de servir-se do exercito para defender a sombra da independencia que temos.» (Riso.)
V. exas. riem-se, mas, como sabem, a phrase é reprodução textual da que proferiu o illustre deputado da maioria, e é mais para entristecer do que para alegrar.
A sombra da independencia nacional!
Agora já se vê que é porque o governo e os seus amigos estão convencidos de que a independencia que temos é uma sombra, (Apoiado?.) que nos querem dar amanhã, uma sombra de reformas politicas, como nos deram hontem uma sombra de reorganisação militar! E assim vamos vivendo de sombras e de enganos, de ficções e de miragens, até que chegue a hora da liquidação final, em que expiemos todos a indifferença de muitos e os desvarios de alguns. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputadas.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que os actos dictatoriaes do governo tinham em vista attender inadiaveis necessidades publicas, approva o seu procedimento e continua na ordem do dia. = José Azevedo Castello Branco-
Fui admittida, ficando em discussão com o projecto.

O sr. Presidente: - A deputação que ha de apresentar a Sua Magestade o authographo das côrtes, relativo á prorogação do praso para o registo dos fóros, é composta dos seguintes srs. deputados:

José Frederico Pereira da Costa,
Conde da Praia,
Santos Viegas,
Pereira Leite,
Luciano Cordeiro,
Torres Carneiro,
Correia de Barros.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sua Magestade receberá a deputação amanhã, pelas duas horas, no paço da Ajuda.
O sr. Franco Castello Branco: - Não era minha intenção usar da palavra n'esta altura do debate. Os meus collegas, membros da maioria, que estão inscriptos, de certo tinham maior competencia do que eu para responder a quaesquer arguições que pela opposição, e especialmente pelo orador que acaba de fallar, têem sido dirigidas contra o governo e contra a medida legislativa que vamos discutindo.
Uma accusação, porém, ou melhor uma insinuação feita pelo sr. deputado Carlos Lobo d'Avila, constitue-me na obrigação impreterivel e inadiavel de usar immediatamente da palavra a fim de desfazer uma injustissima apreciação que s. exa. houve por bem attribuir-me.
S. exa. arguiu-me de eu ter dirigido ironias ao sr. conde do Casal Ribeiro, immerecidas, acrescentou em tom dolente, quando no meu anterior discurso, e respondendo ao illustre deputado Veiga Beirão, me referi ao sr. conde. E porque esse facto é menos exacto, por isto, e só por isto, me apresso a tomar a palavra.
O sr. Carlos Lobo d'Avila, começando a responder ao discurso do meu collega e intimo amigo o sr. Azevedo Castello Branco, disse que esse discurso se dividia em tres partes: parte politica, parte guerreira e parte alegre.
E eu direi tambem, que o discurso de s. exa. se divide em duas partes: parte alegre e parte malevola.
Não me preoccuparei de responder agora á primeira, mesmo porque s. exa. reconheceu que é seria e muito seria a questão que nos occupa, e por isso deveria ter merecido mais seriedade ao illustre deputado. (Apoiados.)
Contra o que lavrarei, porém, o protesto mais vehemente, é contra este systema de tudo desvirtuar só para lançar desfavor e malquerenças sobre os seus adversarios. (Apoiados.)
(Áparte do sr. Carlos Lobo d'Avila.)
V. exa. disse o que eu tenho aqui escripto, palavras textuaes.
(Leu.)
Foi exactamente por este ponto, que eu comecei as minhas considerações em resposta ao sr. Veiga Beirão, lastimando e lamentando profundamente que nas discussões d'esta casa se accentuasse cada vez mais o ruim costume, que já vem de longe, de contrapor estes dois nomes celebres, do sr. conde do Casal Ribeiro e do sr. Fontes Pereira de Mello, que ambos são memoria gloriosa e sagrada na historia do partido regenerador.
Foram estas as minhas palavras.
E um homem que assim falla do sr. conde do Casal Ribeiro, podia ter tudo para com s. exa., menos ironias. (Apoiados.)
Ha de certo palavra mais auctorisada e eloquente que a minha para fazer o elogio d'esse homem verdadeiramente grande; mas o que ninguem pode é duvidar da veneração e respeito que eu lhe tributo e com que sempre aqui e fóra d'esta casa o hei tratado. (Apoiados.)
Não empreguei ironias contra ninguem.
Disse, e repito hoje, que não se faz, creio eu, nenhum serviço nem a s. exa., nem á politica portugueza, procurando sempre defrontal-o com o sr. presidente do conselho. (Apoiados.)
Não hei de deixar passar sem o devido correctivo a imputação de haver empregado uma ironia offensiva para o sr. conde do Casal Ribeiro, porque, se me importa muito pouco com a opinião de alguem a meu respeita, importa-me sempre muitissimo pagar o tributo de respeito e admiração que devo, a um dos homens que mais serviços têem prestado ao seu paiz, e que mais o têem honrado dentro e fóra d'elle. (Muitos apoiados.)
Nem o sr. conde se engrandece, nem o sr. Fontes fica deprimido, pelo confronto malevolo das suas poderosas individualidades. (Apoiados.)
Mas este empenho do partido progressista chega a fazer-me suspeitar, de que lisongeia o sr. conde, por não contar no seu gremio homens capazes de se medirem com o sr. Fontes.
Diz o sr. Lobo d'Avila que no sr. presidente do conselho ha dois Fontes. O de 1852 e o de hoje.
E tanto glorificam aquelle, como procuram deprimir este.
O Fontes da primeira epocha não incommoda já s. exas. e o Fontes do hoje é ainda o unico estorvo ás ambições mais ou menos legitimas do partido progressista. (Apoiados.)
Por isso disse e repito, que não só acho menos conveniente, mas immensamente ridiculo, que se affirme no parlamento e se queira fazer acreditar, que alguem n'esta ou na outra casa do parlamento recua com medo dos adversarios. (Apoiados.)
Um homem, como o sr. presidente do conselho, que tem

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SESSÃO DE 18 DE MARÇO DE 1885 813

uma larga carreira publica e innegavelmente gloriosa, no
fim da sua vida havia de ter medo?
Medo de que? (Apoiados.)
Só os medrosos é que julgam metter ou fazer medo.
Uma alma intrepida e um coração, impavido, não são capazes de suspeitar nos outros aquillo que em si não sentem.
Pois o sr. conde do Casal Ribeiro será o primeiro a não julgar-se offendido, vendo que em volta d'elle se queima incenso de tal forma envenenado, que só mira a transtornar o seu tino de homem politico de superior valia, em proveito de interesses que nem são do paiz nem de exa.?
Eu fallei em obstruccionismo na camara dos pares.
Disse-o e não o nego.
Não fallei, porém, em nomes, nem accusei pessoas ou partidos.
Para, que é, pois, virem fallar-me no sr. Fontes ?
Eu não affirmo nem nego que elle tambem o fizesse.
O que affirmo, é que ha quatro ou cinco annos a esta parte, a camara dos pares, sempre que qualquer medida, se lhe affigura ser de molde para alimentar curiosidade publica, ou para, promover a queda do governo, não tem deixado de empregar todos os meios para o conseguir.
É isto o que se tem feito na camara dos pares; é isto o: que se fez em relação é Salamancada, e era isto o que se queria fazer com relação é reforma do exercito, que ali estava já annunciada como sendo uma medida monstruosa, segundo ouvimos todos ha pouco a um deputado progressista.
E eu, se fosse membro d'aquella casa, havia de ter muito escrupulo, em chamar medida monstruosa a uma medida e já tinha o voto favoravel da camara dos deputados. (Apoiados.)
Não póde dizer-se no parlamento que é medida monstruosa uma medida já approvada pelos eleitos da votação popular.
O que ninguém contestará é que n'aquella camara se preparava contra o projecto da reforma do exercito uma posição intransigente.
Essa opposição vencia a o governo porque tinha maioria outra casa do parlamento, como se demonstrou mais de ia vez, mas havia de ser é custa de muito tempo, porque os governos regeneradores não usam, nem costumam abafar as discussões, desejando pelo contrario que sobre suas medidas fallem os oradores mais distinctos dos diversos partidos, illustrando e formando assim a opinião do paiz. (Apoiados.)
Mas voltando ao facto que tão desagradavelmente me impressionado, o das pretendidas ironias por mim dirigidas ao eminente estadista e grande orador, o sr. Conde do Casal Ribeiro, quero agora perguntar ao meu accusador que direito lhe poderia assistir para assim me increpar, elle que durante todo é seu discurso não poupou com motejos o, sr. presidente do conselho, chegando a aconselhar-lhe que se retirasse a tempo, seguindo o exemplo das trizes velhas e decadentes? (Muitos apoiados.)
Pois não será tão respeitavel o sr. Fontes, como o conde do Casal Ribeiro, devendo ainda notar-se que aquelle exerce actualmente um dos poderes do estado é (Apoiados.)
Pois não é constante dizerem os illustres deputados d'aquelle lado da camara que têem a maior consideração pelas suas qualidades ?
Como se combina isto com os motejos a que durante ia hora o sr. Lobo d'Avila não poupou o sr. Presidente conselho é (Apoiados.)
Recommendou-me modestia s. exa., e que tivesse mais consideração pelos membros desta camara, que se sentam d'aquelle lado.
Repillo a censura. Não se dirigia nem a este nem áquelle lado a palavra que empreguei.
Todos nós fallâmos muito. Mas o que ninguém será capaz de dizer, é que da maioria se levantou alguem para fallar, n-ao tendo de responder a increpações que se nos faziam ou no governo. (Apoiados)
E n'este momento deixo de parte a ironia de s.exa., quando disse que o sr. Barros Gomes, não julgando opportuno responder-me, se tenha contentado em dar-me uns apontamentos, mandando-me estudal-os.
Como o facto é pessoal, elevantal-o não póde interessar senão a mim proprio, eu não estou aqui para tratar dos meus interesses, mas para tratar dos interesses do paiz, appello simplesmente para o sr. Barros Gomes, para que elle diga, se me havia ou não prevenido do que tencionava fazer, acrescentando que da minha delicadeza esperava que eu acceitasse aquelles apontamentos, e da minha probidade confiava, que eu faria nos meus calculos as rectificações que lhe pareciam necessarias.(Apoiados do sr. Barros Gomes.)
Isto é um procedimento de amigos e de homens leaes e honestos (Muito apoiados.)
Por isso, creia o illustre deputado que se lhe mallogrou o intento, e que a sua ironia nem penetrou nem se honrou muito lançando-m'a.
Peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte, visto ter já passado a hora.
Vozes:- Muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
O sr. Presidente:- A ordem do dia para ámanhã são trabalhos em commissão e para sexta feira a continuação da que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Representação apresentada pele sr. visconde de Reguengos e mandada publicar n'esta sessão

E N.º 13

Senhores deputados da nação portugueza.- Os abaixo assignados, proprietarios e lavradores do concelho de Elvas, vivem quasi exclusivamente da cultura da terra, por insignificantissimo o seu commercio e não possuirem industrias que n'outras localidades prosperam, adherem á representação, que ha dias vos foi dirigida pelos lavradores de Santarem, e, como elles, vos pedem que, tomando na devida consideração os mais caros e legitimos interesses do paiz, attendaes os clamores que se erguem para concedida é industria cerealifera a protecção, de que
tanto carece, por não poder competir com a concorrencia, lhe fazem os trigos e farinhas procedentes do estrangeiros especialmente da America.
Primando aquella representação pela clareza e verdade, que n'ella se deduzem quantos fundamentos ha para justificarem, é de certo desnecessario que os abaixo assignados, pedindo o que já vos foi pedido com as mais as rasões, venham repetir o que já está dito para ser irada a crise que vexa a principal de todas as nossas industrias.
Havendo, pois, como reproduzido tudo, quanto vos foi ponderado por aquelles peticionarios, ousam, ainda assim, lembrar-vos que o concelho de Elvas, como os mais do Alemtejo, por ter uma população relativamente pequena, lucta com a falta de braços, que noutras partes abundam ao menos escassos; que essa falta dá logar a que preço dos salarios seja mais elevado nesta parte do reino do que em nenhuma outra; que a lavoura, aqui exercida em grandes herdades, impõe a quantos as cultivam a necessidade de sustentar numerosos serviçaes, o que representa um importantissimo despendio; e emfim que, sendo a producção dos trigos o principal recurso d'esta locali-

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814 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dade, aqui mais que em qualquer outra região do paiz serão desastrosos os effeitos da crise que nos assoberba.
Sendo portanto, os abaixo assignados dos que mais interessam que se dê remedio ao mal que nos affecta, pedem-vos que, decretando as providencias necessarias para se lhe pôr termo, não vos esqueçaes que uma outra crise, não menos grave, se está dando n'este paiz.
O azeite portuguez, que n'outros tempos se exportava em grande quantidade para o estrangeiro, e especialmente para o Brazil, está soffrendo a concorrencia que dentro e fora do paiz lhe fazem os azeites hespanhoes, os quaes podem ser vendidos por mais baixo preço, attenta a adulteração que se lhes faz com o oleo da semente de algodão, que no reino vizinho, ou não paga direito, ou o paga insignificante, ao contrario do que succede no nosso. Dada esta circumstancia e a de estarem confeccionadas as tarifas do caminho do ferro com maior favor para os azeites hespanhoes que para os portuguezes, acontece, por isso, terem estes perdido muitissimo do seu valor, com graves prejuizos do paiz, onde abundam excellentes olivedos, que bem podem e devem ser uma das mais copiosas fontes da riqueza nacional.
Expostos estes factos cem a maxima singeleza, os abaixo assignados, que desejam o bem geral do paiz, e em especial do seu concelho, que é dos que tem mais e melhores olivaes pedem-vos que, providenceando para ser conjurada a crise cerealifera, ao mesmo tempo eviteis o progresso e mesmo a continuação d'est'outra, de que ultimamente se dizem feridos; prohibindo absolutamente a entrada no reino de azeites adulterados para consumo, e concorrendo para que a fiscalisação aduaneira, rigorosamente exercida, obste a que se faça contrabando dos mesmos, quando entrem por transito, e fazendo estabelecer a equidade dos preços nas tarifas dos caminhos de ferro, a bem dos azeites portuguezes.
Renunciando os abaixo assignados á enunciação de muitas mais considerações que ainda poderiam adduzir em pról da sua justiça, por entenderem que a vossa muita iilustração supprirá o que deixa de ser ponderado. - Pedem-vos, srs. deputados da nação portugueza, que vos digneis attendel-os, deferindo no seu pedido.
Elvas, 9 de março de 1885. - E. R. Mcê. - (Seguem-se as assugnaturas.)

RECTIFICAÇÃO

Na sessão de 16 do corrente, pag. M759, col. 1.ª, fim do summario, onde se lê: «Mandam para a mesa pareceres de commissões, que vão a imprimir, os srs.: Carrilho, por parte da commissão de fazenda, e sobre a proposta de lei n.º 15-D; Correia Barata, por parte da mesma commissão», deve ler-se: «Mandam para a mesa pareceres de commissões os srs. Correia Barata, por parte da commissão de fazenda, etc. etc.»

Redactor = S. Rego.

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