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SESSÃO DE 16 DE MARÇO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. José Joaquim Fernandes Vaz

Secretarios - os srs.
Antonio José d'Avila
D. Miguel de Noronha

SUMMARIO

É apresentado o parecer da commissão de guerra sobre a proposta do governo, concedendo a effectividade no posto de major a Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto. - Dispensa-se o regimento, e é approvado o projecto. - Continua a discussão do projecto de lei n.º 106 na especialidade. São approvados os capitulos 1.° e 2.º

Abertura. - Á uma hora e um quarto da tarde.

Chamada. - 50 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão os srs.: - Alexandre de Aragão, Alves Carneiro, Azevedo Castello Branco, Fialho Machado, A. J. D'Avila, Bigotte, Tavares Crespo, Magalhães Aguiar, Xavier Torres, Soares de Azevedo, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, B. X. Freire, Conde de Sabugosa, Diogo de Macedo, Pinto Basto, F. J. Teixeira, Cunha Souto Maior, F. J. Medeiros, Gomes Barbosa, Gaudencio Pereira, Henrique de Macedo, Scarnichia, Barros e Cunha, Alves Matheus, Almeida e Costa, Oliveira Valle, Joaquim Tello, Ornellas e Matos, Paes de Abranches, Simões Ferreira, Barbosa Leão, Pereira e Matos, Abreu Castello Branco, Laranjo, Fernandes Vaz, Rodrigues de Freitas, Lemos e Napoles, J. S. Dias, Julio Rainha, Luiz Jardim, M. C. Emygdio, Macedo Sotto Maior, Pereira Dias, Miguel de Noronha (D.), Theotonio Paim, Visconde de Arneiros, Visconde do Bousões, Visconde das Devezas, Zophimo Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Machado, Albino das Neves, Alfredo de Oliveira, Sarrea Prado, Braamcamp, Alves P. da Fonseca, Pereira de Miranda, Rodrigues Ferreira, Sousa e Silva, Antonio Candido, Ribeiro Ferreira, Antunes Guerreiro, Antonio Ennes, A. J. da Rocha, Guimarães Pcdroza, Arrobas, Mazziotti, Pessoa de Amorim, Ferreira de Mesquita, Eça e Costa, Saraiva de Carvalho, Barão de Paço Vieira, Carlos Ribeiro, Conde de Bomfim (José), Pinheiro Borges, Elvino de Brito, Sousa e Serpa, Goes Pinto, Hintze Ribeiro, Fernando Caldeira, Castro Monteiro, Pereira Caldas, Vanzeller, Rossano Garcia, Guilherme d'Abreu, Barros Gomes, Ignacio Casal Ribeiro, Pires Villar, J. A. de Sepulveda, Candido de Moraes, João Chrysostomo, Melicio, Vieira do Castro, J. A. Neves, J. Gusmão, Jorge de Mello (D.), Homem da Costa Brandão, Sousa Lixa, Bandeira Coelho, Dias Ferreira, Garcia Diniz, José Guilherme, José Luciano, Ferreira Freire, Ponte e Horta, Julio de Abreu o Sousa, L. J. Dias, Pires de Lima, Penha Fortuna, Aralla e Costa, Nobre de Carvalho, Mariano de Carvalho, Dias de Freitas, Pedro Franco, Pedro Monteiro, Pedro Roberto, Thomás Ribeiro, Visconde da Arriaga.

Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Alipio de Sousa Leitão, Villafanha, Emygdio Navarro, Beirão, Izidro dos Reis, Gallas, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Oliveira Baptista, J. M. dos Santos; Nogueira, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Bivar, Almeida Brandão, Pedro Correia, Thomás Bastos.

Acta. - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da guerra, acompanhando, informado, o requerimento do alferes do exercito de Portugal em disponibilidade, Joaquim José Xavier Henrique.

Enviado á commissão de guerra.

2.° Do ministerio das obras publicas, respondendo ao requerimento do sr. Julio Marques de Vilhena, sobre o provimento das tres cadeiras creadas no instituto industrial e commercial de Lisboa.

Enviado á secretaria.

Representações

1.ª Da mesa da santa casa da misericordia de Guimarães, contra a proposta n.° 4, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, que tem por fim tornar mais regular o processo de cobrança de decima de juros e augmentar a receita d'esta proveniencia.

Apresentada pelo sr. deputado Barão de Paço Vieira, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario da camara.

2.ª Da camara municipal, maiores contribuintes, proprietarios, lavradores, negociantes, industriaes e mais cidadãos do concelho de Vieira, contra as propostas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda em sessão de 15 de janeiro ultimo.

Apresentada pelo sr. deputado Guilherme de Abreu, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da camara municipal do concelho de Armamar, pedindo que a proposta sobre instrucção secundaria, apresentada pelo sr. ministro do reino, seja modificada no sentido de dotar a cidade de Lamego com um lyceu districtal.

Apresentada pelo sr. deputado Thomas Ribeiro e enviada á commissão de instrucção primaria e secundaria.

4.ª Dos habitantes do concelho de Braga, contra as propostas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda em sessão de 15 de janeiro ultimo.

Apresentada pelo sr. deputado Guilherme de Abreu, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

5.ª Do monte pio Progresso Villanovense, contra a proposta n.° 9, apresentada pelo sr. ministro da fazenda em sessão de 15 do corrente.

Apresentada pelo sr. deputado Rodrigues de Freitas, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario da camara.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. - Em 31 de março de 1873 apresentou o sr. deputado Albino Augusto Giraldes, que então dignamente representava a villa da Figueira da Foz, um projecto de lei, tendo por objecto a concessão a camara municipal d'aquella villa de uma porção de terreno do estado, para n'elle serem edificados os paços do concelho.

Eram fundamentos para esta concessão - serem as sessões da camara municipal do concelho da Figueira da Foz celebradas em uma casa de renda; serem n'esta arrecadados os documentos valiosos do seu archivo; não offerecer esse edificio, primitivamente construido para habitação particular, as precisas commodidades em uma repartição municipal, e estar a camara dependente da vontade do proprietario, quanto a duração do arrendamento, e ainda a verba da renda. A estas rasões acrescia que o terreno pedido era de valor insignificante.

Obteve o projecto pareceres favoraveis das illustradas commissões de fazenda e de administração, mas terminou a legislatura sem que podesse ser discutido.

Em a sessão legislativa de 1875 renovou a iniciativa d'aquelle projecto o sr. deputado Luiz Adriano de Maga-

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lhães e Menezes de Lencastre; e, obtendo a approvação do parlamento, foi emfim convertido em lei do estado em 12 do abril de 1875.

Senhores, no artigo 2.° d'esta lei estatue-se que o terreno concedido reverterá ao dominio do estado "se no praso de cinco annos, contados da publicação da presente lei, a construcção do edificio não estiver em tal estado de adiantamento, que exclua toda a duvida sobre a sua applicação. E esse praso está prestes a terminar, e a camara do concelho da Figueira da Foz não póde ainda encetar a construcção do edificio.

Não cessaram, todavia, as rasões acima expostas, que fundamentaram o projecto primitivo. Antes essas rasões são hoje mais fortes o evidentes em face do importante e florescente movimento commercial da Figueira da Foz, em attenção ao rapido crescimento que esta villa tem tido nos ultimos dez annos e pelo amplo futuro que lhe está annunciado.

Por estas considerações tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É prorogado por mais cinco annos o praso estabelecido no antigo 2.° da lei de 12 de abril de 1875.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 15 de março de 1880. = Antonio Lopes Guimarães Pedroza.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: - Procurou-me hontem n'esta casa uma commissão, composta da mesa que presidiu ao comicio popular que se r3alisou em Lisboa no dia 14 do corrente, e entregou-me uma representação, dirigida a esta camara, em que se fazem varias considerações que, no entender dos signatarios, exprimem o pensamento d'aquella reunião popular.

Pediram-me que fizesse communicação desta representação a camara e lhe desse o destino que julgasse mais conveniente.

Parece-me que devera ser publicada no Diario, a fim de todos os srs. deputados tomarem conhecimento dos assumptos dessa representação, e conhecerem igualmente o que os signatarios dizem ter sido o pensamento d'aquelle comicio popular. (Apoiados.)

O sr. Avila: - Participo a v. exa. e á camara, que desempenhei a missão de ir desanojar o nosso collega, o sr. Thomás Bastos, que me encarregou de agradecer a v. exa. e á camara esta prova de deferencia e consideração.

O sr. Alves Carneiro: - Mando para a mesa uma representação dos habitantes do concelho de Villa Nova de Famalicão, circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, e na qual elles adherem a representação que a cidade de Braga enviou a esta camara por intervenção do sr. deputado Penha Fortuna.

Esta representação vem assignada por 2:025 cidadãos, entre os quaes se contam ecclesiasticos, proprietarios, grandes contribuintes, negociantes, etc.

Dizem que adherem a representação da cidade de Braga, apoiando o governo pelas suas valiosas propostas tendentes a equilibrar a receita com a despeza.

Tinha que fazer algumas considerações a este respeito, porém por agora limito-me a mandar para a mesa a representação, pedindo a v. exa. que consulte a camara se consente que seja publicada no Diario do governo.

O sr. Lemos e Napoles: - Mando para a mesa o seguinte projecto de lei.

(Leu.)

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Moimenta da Beira, pertencente ao circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, representação que serve do base ao mesmo projecto.

Peço a v. exa. que consulte a camara se consente que esta representação seja publicada no Diario do governo.

O sr. Feliciano Teixeira: - Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa uma representação que a camara municipal do Funchal dirige ao parlamento portuguez, na qual pede que sejam discutidos e approvados n'esta sessão legislativa os projectos de lei que têem sido apresentados n'esta camara pelos deputados por aquelle districto.

Mando tambem para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Santa Cruz, fazendo igual pedido.

Peço a v. exa. que tenha a bondade de consultar a camara sobre se consente que estas representações sejam publicadas no Diario da camara.

A illustre corporação municipal do Funchal, apontando alguns d'estes projectos de lei, diz que se abstém de fazer quaesquer considerações a este respeito, porque os relatorios que os acompanham tratam tão desenvolvidamente d'estes assumptos, que não haverá muito mais que acrescentar.

Pela mesma rasão tambem nada mais direi, limitando-me a pedir á camara que tome estas representações na consideração que merecem as suas illustres procedencias.

O sr. Gomes Barbosa: - Mando para a mesa uma representação dos pilotos da barra do Porto, pedindo a esta camara que seja conservada a disposição do artigo 5.º n.º 1.º do regulamento geral do serviço de pilotagem.

O sr. Barbosa Leão: - Sr. presidente, sempre fui pontual no cumprimento dos meus deveres; e não deixarei de o ser, como deputado, senão por motivo de força maior. Logo que tomei posse do meu logar n'esta camara, quiz saber qual era a sua lei, a fim de poder cumpril-a, e forneceram me um exemplar do regimento.

Procurei ver a parte relativa ás sessões, e encontrei o artigo 54.°, que diz que "ao meio dia só comecem os trabalhos da camara pela chamada dos deputados, e que a sessão dure cinco horas".

Lendo o artigo 56.°, vi que á uma hora se faz a ultima chamada; e, não havendo numero, não ha sessão.

Deduzi d'este artigo e do 54.°, que devia haver, pelo menos, uma chamada, entre o meio dia e a uma hora.

E, como era do meu dever, tenho vindo sempre para a camara á hora; mas tenho observado que o regimento esta muito longe de ser cumprido.

Tenho visto abrir-se a sessão ás duas horas e ás duas horas e meia.

Sr. presidente, o paiz foi muito profundamente escandalisado por um procedimento igual das camaras anteriores, procedimento que foi um exemplo funesto para todos e principalmente para os funccionarios.

E eu vejo com profunda magua que esta camara, do que faço parte, incorre tambem nossa grandissima responsabilidade.

Eu não tenho direito a pedir contas á camara de não se cumprir o regimento; posso apenas lamental-o, e lamento-o do todo o meu coração.

Não posso deixar de lamentar que, sendo nos a representação nacional, e devendo a nação ter os olhos postos em nós, nós lhe demos destes exemplos.

Não posso deixar de lamentar que sendo nos um ramo do poder legislativo, concorrendo nos para fazermos as leis e devendo ser o modelo no cumprimento d'ellas, nem se quer cumpramos a lei d'esta camara.

Não posso deixar de lamentar que, sendo nos representantes do povo, que começa a trabalhar logo de manhã, quando não começa a trabalhar antes de amanhecer, nos não comecemos os nossos trabalhos ao- meio dia, como manda o regimento, nem sequer a uma hora, como elle tolera.

Não posso, finalmente, deixar de lamentar que se apresentasse uma proposta para se alterar o regimento, a fim de

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se fazer a ultima chamada a uma hora; e lamento-a, por causa da fundamentos d'ella.

Um d'esses fundamentos é que um deputado não póde comparecer senão ás duas horas por causa dos deveres do seu cargo.

Ora, eu entendo que este fundamento nem sequer devia ser apresentado, e muito menos admittido.

Ninguem obriga o sr. deputado a accumular; se elle, não póde accumular, não accumule: o regimento não póde ser alterado, a fim de que um deputado tenha o prazer de accumular.

O outro fundamento é, que nós deputados tomos que fazer nas secretarias, e não podemos estar aqui a hora que marca o regimento.

Mas a dignidade da camara nem sequer permitte que este fundamento se allegue. Pois se o trabalho nas secretarias começa por lei ás dez horas, não póde qualquer de nos que tenha lá que fazer, estar ali ás dez horas, fazer muito socegadamente o que tom que fazer, e estar na camara a hora designada no regimento?

Nem venha dizer-se-nos que os empregados não estão nas secretarias a essa hora, e que elles vão para ali muito tarde; porque a ser assim, o nosso dever não é alterar o regimento, para que os nossos trabalhos comecem mais tarde, mas sim vir aqui queixar-nos ao governo, pedir-lhe providencias, e reclamar d'elle que os empregados cumpram os seus deveres para que nos possamos cumprir o nosso.

Repito, sr. presidente, não tenho direito de pedir contas a camara de não se cumprir o regimento. (Apoiados.) Não posso senão lamentar, e repito, lamento-o de todo o coração. Mas tenho o direito de fazer as declarações que julgar convenientes.

Declaro, pois, que hei de continuar a comparecer á hora marcada no regimento e hei de estar até ás cinco horas. Se elle for cumprido, no caso da sessão se prolongar alem d'essa hora, assistirei até ao fim; mas se o regimento se não cumprir, não estarei alem das cinco horas, nem um minuto. Perder a camara o tempo da sessão, e obrigar-me a estar aqui alem da hora da sessão, isso não.

Feitas estas declarações, termino pedindo aos meus illustres collegas que me desculpem se os maguei. Eu não podia deixar de fazer o que fiz. A minha consciencia não ficava tranquilla, emquanto eu não fizesse saber ao paiz, que não tenho responsabilidade no mau exemplo que se lhe da.

O sr. Presidente: - As considerações que acaba de fazer o sr. deputado, são principalmente uma censura a mesa. (Apoiados.)

Appello para a camara, para que de testemunho se, porventura, da parte da mesa não tem havido a melhor vontade e os maiores esforços para que se cumpra o regimento. (Apoiados).

Muitos srs. deputados desejariam comparecer a hora marcada no regimento para a abertura da sessão, e se o não fazem é de certo por motivos muito ponderosos.

Entretanto, parece-me que as considerações muito judiciosas, muito legaes, feitas pelo sr. deputado, vieram talvez um pouco deslocadas; porque, realmente, n'estes ultimos dias os srs. deputados não têem deixado de comparecer á hora marcada no regimento. (Apoiados.)

Tem-se começado a fazer a chamada a uma hora da tarde, e como são muitos os srs. deputados, ha uma certa demora em se verificar qual o numero dos que estão presentes; e por isso não admira que a sessão se não abra logo a essa hora.

Mas a sessão tem sido aberta á uma hora e um quarto, o maximo a uma hora e meia da tarde. (Apoiados.)

São estas as explicações que julgo dever dar a camara, em resposta ás considerações feitas pelo sr. deputado Barbosa Leão, no plenissimo uso do seu direito.

O sr. Simões Ferreira: - O illustre deputado, que acabou de fallar, disse que não tinha responsabilidade nenhuma em que a sessão da camara se tivesse aberto mais tarde do que a hora que lhe é marcada para isso no regimento.

V. exa. sabe que eu tambem não tenho responsabilidade nenhuma nisso, porque, com excepção de uma ou duas vezes, tenho vindo sempre a hora; julgo, porém, conveniente levantar de cima de nos a censura que se nos fez por virmos um pouco mais tarde. (Apoiados.)

Começo por dizer, que não acho que seja completamente rigoroso, que venhamos a uma hora, ou mais tarde ou mais cedo, acho isso completamente indifferente para os interesses do paiz; o que julgo necessario é que durante is quatro ou cinco horas, marcadas no regimento d'esta casa, para durar a sessão, nos trabalhemos com assiduidade, e com boa vontade de satisfazer ao cumprimento dos nossos deveres. (Apoiados.)

Quer a sessão se abra a uma hora e feche ás cinco, quer abra ás duas e feche ás seis, isso é completamente indifferente, comtanto que trabalhemos e cumpramos com os nossos deveres. (Apoiados.)

O paiz com isso em nada fica prejudicado.

A sociedade portugueza, hoje, tem habitos e costumes differentes dos que tinha ha vinte annos. Não temos culpa absolutamente nenhuma disso; e não admira nada que venhamos hoje ás duas horas, saindo ás seis, como não havia que admirar, que os deputados desse tempo viessem ás onze horas e só retirassem ás tres ou quatro. Os costumes mudam os tempos, e temos de nos amoldar a elles.

Creio que se acha na commissão de regimento uma proposta, que foi mandada para a mesa, para que as sessões se abram ás duas horas.

Não emitto por emquanto opinião sobre ella, e aguardo o parecer da respectiva commissão, que de certo será o mais judicioso e em harmonia com os interesses do paiz. (Apoiados.)

Agora o que é certo é que o trabalho mais util da camara não é o que se faz aqui, mas sim o que se faz nas commissões; e é por esse motivo que temos muitas vezes necessidade de andar pelas secretarias, em virtude do nosso proprio mandato, não sendo, portanto, digna de censura a nossa falta aqui, quando estamos em serviço da nação, serviço tão util, pelo menos, como o que aqui prestamos.

Por outro lado, tambem os nossos eleitores não têem grande rasão de queixa de nos por gastarmos uma parte do tempo nas secretarias em seu serviço; e seja dito em verdade, todos temos os nossos interesses locaes a attender, e a que não podemos ser superiores.

Se por consequencia o paiz se queixa, elle não tem rasão para isso, porque estamos igualmente ao seu serviço. (Apoiados.)

Alem do tempo de trabalho que temos aqui, o trabalho das commissões prende-nos muito, e de tal maneira que, se muitas vezes se chega mais tarde da hora, é porque temos estado em serviço nessas commissões, e por consequencia em serviço do paiz.

Estas são as considerações que me parece alliviam de sobre os deputados esta gravissima responsabilidade de não estarem aqui precisamente a uma hora.

Não sei se v. exa. entende que seja conveniente convidar a commissão do regimento a dar parecer sobre a proposta a que se referiu o sr. Barbosa Leão, e é sobre esse parecer que se ha de resolver se é ou não conveniente mudar para mais tarde a hora de se abrir a sessão; a mim parece-me urgente resolver esta questão, para nos livrarmos todos d'estas accusações de que estamos sendo victimas, por virmos fóra das horas marcadas.

Não tenho mais nada a dizer, e isto que disse não tem por fim senão alliviar-nos de certo modo da responsabilidade que nos querem impor por virmos mais tarde.

E repito: o meu desejo é que fique consignado que nenhum deputado deixa de estar aqui a hora do regimento

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por interesse seu proprio, ou por desleixo no cumprimento dos seus deveres. (Apoiados.)

O sr. Elvino de Brito: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma declaração, o para fazer um pedido a v. exa.

Aproveitarei tambem o ensejo para dar algumas explicações ao illustre deputado o sr. Barbosa Leão, que se dignou referir-se a uma proposta que n'esta casa apresentei ha dias.

A declaração consiste em me justificar da falta de comparencia a algumas sessões, por incommodo de saude.

O pedido que desejo fazer a v. exa. é para que, de accordo com o respectivo ministro, se digne designar, o mais depressa que possivel seja, o dia para a interpellação que annunciei a respeito dos actos do governador geral da India.

N'esta occasião devo dizer que prescindo completamente de quaesquer esclarecimentos que porventura tenha pedido pelo ministerio da marinha e ultramar, e sobre que podesse basear em parte a minha interpellação.

Eu estou habilitado a poder cumprir o meu dever, interpellando o governo sobre os actos da administração d'aquelle sou delegado, independentemente d'esses documentos.

E faço esto podido instantemente a v. exa. por duas rasões.

Em primeiro logar, o meu estado de saude, que já me não permitte que frequente com assiduidade as sessões da camara, póde obrigar-me dentro em pouco a ausentar-me de Lisboa, e ou não desejava fazel-o sem que a interpellação se verificasse, tanto mais que o illustre ministro já se deu por habilitado para me responder.

Em segundo logar, porque estou ancioso por desfazer as duvidas ou erradas interpretações que se têem levantado fóra d'esta casa, na imprensa periodica, sobre as palavras que tenho aqui proferido.

Não alongarei agora as minhas explicações, porque o meu estado de saude não m'o permitte fazer; só direi que nunca interpellei o sr. ministro da marinha sobre os actos do governador da India, no que respeita a execução do tratado indo-britannico, nem tão pouco, quando no outro dia me referi aquelle magistrado, o fiz relativamente aquelle tratado. Apenas fallei n'elle por incidente.

A imprensa periodica, por mais uma vez, alterando o sentido das phrases que se proferem aqui, desvirtuou completamente o sentido das minhas palavras.

Eu, sr. presidente, desde o primeiro dia em que se constituiu a camara tenho dirigido requerimentos ao governo pedindo esclarecimentos ácerca dos actos praticados pelo governador geral da India, mas nunca me referi a execução do tratado indo-britannico.

Ha dias, quando alludi a um telegramma que vinha publicado em um jornal da capital, com referencia a factos occorridos na India relativos aquelle tratado, apenas por incidente, repito, me referi ao procedimento d'aquelle governador, e declarei, como declaro hoje, que não póde elle merecer a minha confiança. Esta opinião é uma opinião individual, fundada em factos de que a camara terá brevemente conhecimento.

Por esta occasuio devo tambem declarar que, quando no outro dia fallei dos actos d'aquelle funccionario, não fiz reclame algum aos srs. deputados pelo ultramar, para que entrassem na questão; e quanto a este ponto mais uma vez a imprensa, esquecendo a sua elevada missão, attribuiu-me intenções que não tive ou actos que não pratiquei.

Sr. presidente, não devo sentar-me sem dizer agora algumas palavras ao meu collega o sr. Barbosa Leão.

O illustre deputado referiu-se a uma proposta que, ha dias, redigi n'esta camara, e lamentou que eu a justificasse pelo modo por que o fiz.

Respeito muito o digno deputado, mas não posso deixar de dizer a s. exa. que, ou não comprehendeu bem a minha justificação, ou não ouviu as explicações que dei n'esta camara.

Não tenho presente a minha proposta, mas lembro a maneira por que a redigi. Eu propuz que as sessões da camara se abrissem ás duas horas, mas que só fechassem ás seis; e, como muito bem disse o meu amigo e distincto collega, o sr. Simões Ferreira, tanto faz que trabalhemos das duas horas ás seis, como da uma ás cinco horas; e de mais, representa ella uma opinião, submettida a apreciação da camara, que deliberara como melhor entender, cumprindo-nos a nos simplesmente acatar a sua resolução.

Portanto, deslocada me parece a especie de censura que o illustre deputado dirigiu, não só a mim, mas á camara. Pela minha parte não a acceito, e interpreto bem os sentimentos da camara declarando que tambem ella a não poderá acceitar. (Apoiados.)

Com relação a outras considerações com que fundamentei a minha proposta, devo dizer que me referi effectivamente ás obrigações inherentes ao mandato que os srs. deputados tinham a cumprir junto do governo, fóra d'aqui, nas secretarias do estado, e n'esta parte o sr. Simões Ferreira respondeu tão cabalmente ao illustre deputado, que eu me dispenso do acrescentar qualquer outra rasão ás rasões que s. exa. adduziu.

Disse.

Leu-se logo na mesa a seguinte:

Participação

Declaro que tenho faltado ás sessões d'esta camara de 12, 13 e 15 do corrente por doença. = Elvino de Brito.

Enviado á secretaria.

O sr. Macedo Souto Maior: - Mando para a mesa uma representação da junta de parochia da freguezia do Verride, pedindo alteração no traçado do caminho do ferro do Lisboa a Pombal por Torres Vedras.

Mando tambem para a mesa uma representação da camara municipal e contribuintes do concelho de Montemor o Velho que, sem desconhecer, a necessidade de extinguir o deficit, pedem, todavia, a camara que não approve algumas das medidas tributarias do governo.

O sr. Xavier Freire: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal da Guarda, que pede ser auctorisada a construir uma nova cadeia e um tribunal.

Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que esta representação seja publicada no Diario da camara.

O sr. Sarrea Prado: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. e á camara qne não compareci hontem a sessão por motivo justificado. = O deputado por Loulé, Angelo de Sarrea Prado.

Enviada á secretaria.

O sr. Thomás Ribeiro: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Carrazeda de Anciães, a respeito das medidas tributarias do governo.

Espero que v. exa. dará a esta representação o devido destino, e peço-lhe que consulte a camara se permitte a sua publicação no Diario da camara.

Sr. presidente, visto que v. exa. me fez o favor de conceder-me a palavra, e visto que ainda uma vez se fez referencia nesta casa ao nome de um amigo meu, de uma auctoridade que tive a honra de nomear para os estados da India portugueza, quando geria a pasta da marinha, permitta-me v. exa. que eu, secundando as palavras não generosas, mas justas, do sr. ministro da marinha e ultramar, diga, que estimo que s. exa. continue a ter n'aquelle magistrado a mesma confiança que eu tive, e os meus collegas, quando elle foi nomeado para exercer o logar que hoje exerce na India.

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Não sei a que palavras da imprensa se referiu o illustre deputado, mas entendo que não deve ser discutido na camara o que póde ser discutido na imprensa.

O sr. Elvino de Brito: - Não discuti actos da imprensa referi-me apenas a elles.

O Orador: - Tenho ha muito tempo um modesto logar na imprensa d'este paiz, e parece-me que o illustre deputado teria ahi um bellissimo logar para se referir a esses actos.

O sr. deputado referiu-se ao modo como da parte do governador geral da India se estava executando o ultimo tratado com a Grã-Bretanha; e s. exa. diz que não fez referencia a esse tratado.

(Interrupção do sr. Elvino de Brito.)

A questão é da minha memoria, que agora, depois do me embranquecerem os cabellos, me falseou completamente.

Eu era capaz de chamar o testemunho de toda a camara para justificar se sim ou não o sr. deputado Elvino se havia referido aquelle tratado e a execução d'elle, e se sim ou não se havia referido a umas phrases que o sr. governador geral da India lançara ultimamente n'um documento official, não sei se uma proclamação, em que dizia: "O tratado ha de executar-se tal como está".

Mas, desde que o illustre deputado declara positivamente, que se não referiu ao tratado nem a sua execução, falseou-me a minha memoria, assim como alguns srs. deputados foram falseados pela sua, porque com os seus gestos me estavam indicando que tambem o tinham ouvido.

O illustre deputado é impaciente em excesso. Já annunciou ao sr. ministro uma interpellação sobre este objecto, e parecia-me que era bom, que era prudente, esperar a occasião em que ella se verificasse, e então dizer tudo quanto se entendesse.

Peço licença para lhe dar este conselho. Os meus cabellos brancos dão-me a auctoridade para dar conselhos, e quem os não quizer receber não os receba.

As suas accusações contra o governador da India vem todos os dias aos bocadinhos; estão reduzidas a doses milionesimas, a muito pequenas proporções, e se s. exa. continua assim, em pouco fica, n'esta parte, com uma eloquencia homeopathica. É melhor, portanto, esperar pela occasião propria, e apresentar então todos os motivos da sua desconfiança.

Eu encontrei aquelle illustre magistrado na governação publica, encontrei-o dirigindo uma provincia muito importante, e não tenho senão lisonjeiras informações dos seus serviços. E se quizermos remontar mais longe, podiamos encontral-o governador da provincia de Cabo Verde, onde o seu nome é muito estimado o recebido com respeito.

É possivel que hoje na India, uma ou outra vez, haja offendido algum interesse, e até alguma convicção; mas d'ahi até vir estabelecer todos os dias uma delenda Carthago contra o governador, parece-me...

O sr. Elvino de Brito: - S. exa. esta completamente enganado; eu apenas lembrei ao sr. presidente a necessidade de se marcar dia para a interpellação.

O Orador: - Assim será, mas quanto a mim, ou eu estou em erro e o illustre deputado me vae corrigindo, ou as minhas palavras vão fazendo certo effeito na sua consciencia.

Até já inventou um novo principio de direito publico, porque já lhe ouvi dizer: "Eu não tenho nada com o illustre ministro da marinha, n'esta casa accuso o governador geral da India". Isto nunca se fez. (Apoiados.) Nós accusamos os ministros, que são os unicos responsaveis; não podemos deixar de permeio o ministro, e accusar um homem que esta a duas mil leguas de distancia, e que não póde responder nesta casa. (Apoiados.)

Tenho concluido.

O sr. Rodrigues de Freitas: - Desejo saber se das secretarias já foram remettidos á camara os documentos pedidos ácerca dos factos occorridos no arcebispado de Braga.

O sr. Presidente: - São documentos que o sr. deputado pediu?

O sr. Rodrigues de Freitas: - Não, senhor, mas como eu annunciei que desejava tomar parte na interpellação annunciada a esse respeito, e tenho ámanhã de pedir outros documentos, desejava saber qual é a pressa que tem havido na secretaria para remetter esses documentos, a fim de calcular se este anno só poderá realisar a interpellação.

O sr. Presidente: - O sr. deputado refere-se aos documentos pedidos pelo sr. deputado Oliveira Valle?

O sr. Rodrigues de Freitas: - Sim, senhor.

O sr. Presidente: - Ainda não vieram.

O sr. Rodrigues de Freitas: - Peço a v. exa. que tenha a bondado de instar porque sejam remettidos esses documentos, e outros que eu tinha pedido por diversos ministerios, e dos quaes não tenho recebido senão uma pequena parte.

O sr. Barbosa Leão: - Sr. presidente, vivo mortificado desde que entrei n'esta camara, pelo modo como as cousas correm aqui; e hontem, sendo forçado a retirar-me, já depois de ter dado a hora, mas antes de se fechar a sessão, fiquei ainda mais mortificado. Por isso pedi a palavra, a fim de dizer o que seja bastante para cessarem as minhas mortificações.

O sr. Elvino de Brito: - Como v. exa. ouviu, e a camara tambem, eu limitei-me unicamente a pedir a v. exa. que designasse, o mais depressa que fosse possivel, o dia para se verificar a minha interpellação ao sr. ministro da marinha, ácerca dos actos do governador geral da india. Não me occupei dos actos de administração d'aquelle funccionario; não o accusei sequer hoje, e quando o tenho accusado n'esta camara, tenho procurado fundamentar immediatamente a accusação.

Eu apenas me referi, ha dias, n'esta casa, e ahi estão os Diarios da camara que o podem attestar, aos actos praticados por aquella auctoridade, os quaes me pareciam pouco serios e nada prudentes; e, ao mesmo tempo que avançava esta proposição, instava pela remessa dos documentos que requeri pelo ministerio da marinha e ultramar.

Sr. presidente, é certo que sempre que mando para a mesa algum projecto de lei, relativo a negocios do ultramar, e especialmente quando me refiro a factos passados na India, não posso esquecer a deploravel administração do actual governador geral d'aquelle estado.

Portanto, incidentalmente, tenho-me sempre referido a minha annunciada interpellação; mas reservo-me para quando ella se realisar, e só para então, o formular as competentes arguições, e fundamental-as convenientemente.

Para então, portanto, me parecia tambem que seriam, melhor cabidas e mais opportunas as palavras lisonjeiras que o illustre deputado, sr. Thomás Ribeiro, dispensou aquelle governador, assim como as palavras que ha dias lhe dirigiu o sr. Gusmão.

Não quero mal a s. exas. por issp. S. exas. têem uma opinião inteiramente differente da minha. Para os illustres, deputados o governador geral da India é um funccionario exemplar; para mim está elle longe de ser um funccionario, regular.

Eu, porém, apresentarei os factos e demonstrarei a evidencia, que aquelle magistrado tem commettido actos illegaes, imprudentes e arbitrarios.

Assevero que hei de demonstrar isto quando se verificar a minha interpellação; e folgarei muito que o sr. Thomás Ribeiro, com a sua palavra eloquente, venha então defender os actos do governador, refutando os que eu aqui apresentar; assim como estimarei que o sr. Gusmão, ou outro qualquer sr. deputado, só então defenda o governador geral da India, entrando na minha interpellação. Nada mais natural e justo que os srs. deputados tomem parte no debate, quer seja

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para accusar, quer seja para defender aquelle magistrado. Porventura não estamos nós aqui para analysar escrupulosamente, mas severamente, os actos dos funccionarios, que exorbitem as suas attribuições?

Devo dar ainda uma explicação, e espero que o illustre deputado, o sr. Thomás Ribeiro, a ouvira com aquella deferencia com que me tem sempre attendido. S. exa. não quiz, ou não póde comprehender como é que eu não pretendo accusar o governo, accusando o governador geral da India. Pois é uma cousa muito simples. Nem todos os actos praticados no ultramar chegam ao conhecimento do governo tão depressa como seria para desejar.

O sr. Thomás Ribeiro: - Devem chegar tão depressa como chegam ao conhecimento do sr. deputado; pelo menos.

O Orador: - Ainda no outro dia, quando me referi a um acto brutal praticado em S. Thomé, facto que é verdadeiro, o sr. ministro da marinha respondeu-me ingenuamente que não tinha tido d'elle conhecimento!

Tratava-se de quinhentas chibatadas mandadas dar num desgraçado europeu n'aquellas paragens!

Eu tive então occasião de accentuar bem, que nestas questões do ultramar a verdade é que nem todos os factos que lá se não chegam opportunamente ao conhecimento do governo. Eu hei de referir-me a muitos actos praticados pelo governador geral da India, mas é muito possivel que o governo não tenha por agora conhecimento do todos. Como poderia eu, portanto, accusar o governo por actos que elle porventura não conhece?

Depois de apresentar esses factos, depois de demonstrar que aquelle magistrado praticou illegalidades e arbitrariedades, depois delevar, com toda a verdade, ao conhecimento dos srs. ministros os actos praticados pelo governador geral da India, depois de os ter fundamentado e documentado, aguardarei silencioso e respeitoso as declarações do governo, e só depois poderei ter o direito de o vir accusar, se, porventura, na minha qualidade de representante do paiz, julgar dever fazel-o.

Aqui está explicada a rasão por que não tenho, por agora, querido envolver o governo na responsabilidade do governador geral da India. A explicação parece-me simples, pelo menos a minha intelligencia diz-me que ella é bastante clara.

Vejo que não tenho tido a fortuna de agradar sempre ao sr. Thomás Ribeiro. S. exa. mostra-se contrariado com as proposições por mim avançadas n'esta casa. Essas proposições tenho-as eu apresentado como o tenho podido fazer nos limites da minha pobre intelligencia; a proporção; porém, que for reconhecendo os meus erros, se porventura os tenho commettido, irei tratando de os corrigir, e não deixarei n'essas correcções, de aproveitar as lições que o illustre deputado, o sr. Thomás Ribeiro, me for dando.

Sr. presidente, mais uma vez peço a v. exa. que me tire d'esta situação ingrata e difficil, marcando para ordem do dia a minha interpellação, e mesmo para que o sr. Thomás Ribeiro possa vir defender o funccionario por mim arguido, e que tanta sympathia merece a s. exa.

Tenho dito.

O sr. Guilherme de Abreu: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da negocios ecclesiasticos e de justiça, sejam enviados com urgencia a esta camara os documentos seguintes:

1.° Copia do officio de 24 de dezembro de 1878, que o sr. arcebispo de Braga dirigiu ao governo, por aquella secretaria, d'estado, dando-lho parte de haver tomado posse do convento dos Urseslinas, e enviando a planta do edificio para o novo semanario diocesano.

2.° Copias dos autos de arrematação das obras do novo seminario, de 13 e 15 de maio e de 9 de julho de 1879;

3.° Nota do numero de processos de concursos para provimento de igrejas parochiaes que, desde março de 1875 até ao fim de fevereiro de 1880, foram enviados ao mesmo sr. arcebispo para informar, e do numero dos que já voltaram informados. = Gruilherme d'Abreu.

Mandou-se expedir.

O sr. Arrobas: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

1.º Requeiro se peça ao governo que, pelo ministerio das obras publicas, envie a esta camara, com a possivel urgencia, os seguintes documentos:

I. Mappa do custo kilometrico da parte do caminho de ferro do sul e sueste que se acha em exploração;

II. Mappa do rendimento bruto annual kilometrico, e do custo annual de exploração por kilometro do caminho de ferro do sul e sueste, desde o começo da exploração do mesmo caminho;

III Mappa do custo de kilometro annual e das despezas de exploração do caminho do ferro do Douro e Minho, desde o começo da exploração. = Arroios.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, se peça ao governo que satisfaça os meus pedidos de esclarecimentos com respeito a despezas illegaes feitas pelo mesmo ministerio. = Arrobas.

3.° Requeiro que se insista com o governo, pelo ministerio da fazenda, para que remetta a esta camara, com urgencia, os esclarecimentos por mim pedidos com respeito ás avarias do assucar. = Arrobas.

Foram mandados expedir com urgencia.

O sr. Candido de Moraes: - Por parte da commissão de guerra mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre a proposta do governo, que tem por fim dispensar o major Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, sem prejuizo de antiguidade, de concluir no ultramar o tempo a que era obrigado pelo decreto de 2 de maio de 1877, que condicionalmente o promoveu aquelle posto, sendo-lhe validadas as demais disposições do mesmo decreto.

Supponho que este parecer, tendo por fim galardoar serviços que, com a maior distincção, um militar podo prestar a sua patria, (Apoiados.) não póde deixar de merecer a approvação unanime da camara.

A camara de certo ainda não se esqueceu da profunda impressão que causou no nosso paiz, e em toda a Europa, a viagem arrojada e perigosa que o ousado explorador levou a cabo com rara felicidade e grande vantagem para o paiz. (Apoiados.)

Em presença de serviços tão relevantes, atrevo-me a pedis a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se dispensa o regimento para que este parecer possa entrar já em discussão.

Estou certo de que este meu requerimento não soffrera impugnação. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - A camara ouviu o requerimento que o sr. Candido de Moraes acaba de fazer, para se dispensar o regimento, a fim de entrar já em discussão o parecer da commissão de guerra que o mesmo sr. deputado mandou para a mesa. Consulto-a sobre esse requerimento.

Resolveu-se affirmativamente.

Leu-se na mesa o seguinte:

Parecer

Senhores. - A commissão de guerra, conformando-se completamente com as considerações que precedem a proposta de lei, para ser dispensado o major, sem prejuizo de antiguidade, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, de concluir no ultramar o tempo a que era obrigado pelo decreto de 8 de maio de 1877, que condicionalmente o promovera aquelle posto, é de parecer que a referida proposta seja convertida no seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a dispensar o major, sem prejuizo de antiguidade, Alexandre Alberto da Rocha

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Serpa Pinto, de concluir no ultramar o tempo a que era obrigado pelo decreto de 8 do maio de 1877, que condicionalmente o promoveu aquelle posto, sem que por isso fiquem invalidadas as demais disposições do mesmo decreto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação era contrario.

Sala das sessões, em 16 de março de 1880. = Julio Carlos de Abreu e Sousa = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Barão do Paço Vieira = Antonio Augusto de Sousa e Silva = Joaquim José Pimenta Tello = Antonio José de Avila = João Candido de Moraes, relator.

O sr. Thomás Ribeiro: - Tomou-me de surpreza a discussão d'este parecer, e comtudo não me queixo, porque votei que se dispensasse o regimento para entrar desde já em discussão.

Eu voto que se de ao sr. Serpa Pinto o posto effectivo a que me parece que tem direito, senão pela lei actual, pelo que é propriamente, um peémio. O que não posso fazer é approval-o da maneira como elle está redigido.

O sr. Serpa Pinto é um moço muito brioso e tem já um logar muito distincto nos armaes e nos fastos da nação portugueza, para se lhe approvar como um favor aquillo que só lhe devo dar como premio. (Apoiados.)

Sei que o sr. ministro da guerra não quer fazer offensa a um bravo official, como o sr. Serpa Pinto, e muito menos o sr. ministro da marinha a dois officiaes que tão feliz e heroicamente acabam de cumprir um dos maiores e mais uteis trabalhos que em Portugal se tem incumbido a dois officiaes. (Apoiados.)

Estou certo de que o governo e os poderes publicos hão de saber cumprir o seu dever para quem soube tão briosamente cumprir tambem o seu para com a patria. (Apoiados.)

Por isso mesmo peço ao governo e a illustre commissão de guerra, e especialmente ao meu amigo o sr. Candido de Moraes, relator d'este parecer, que emende, que modifique de qualquer fórma a redacção d'este artigo.

O sr. Serpa Pinto atravessou a Africa, e quem faz isto, não podo ter medo de voltar para lá a fim de ganhar o seu posto, não póde ter receio algum de ir para uma das terras mais policiadas e mais sadias de Africa. Quem andou por aquelles sertões e desertos entre os cafres e as feras, não precisa que se lhe vote este posto como premio. (Apoiados.)

Peço á camara que não seja mesquinha n'este acto de consideração o de justiça para aquelle nobre official; mas que se modifique, repito, a redacção, de fórma que se entenda que elle tem direito por distincção a este posto, e não que se lhe faz um, favor dispensando-o de ir para a Africa alguns mezes.

É o que tinha a dizer em nome do brio d'este official e em nome da nossa dignidade.

O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Ouvi com toda a attenção as observações que acaba de fazer o illustre deputado, e devo dizer-lhe, com toda a franqueza que me é propria, que não posso considerar as palavras a que se referiu como um acto de menos consideração para com tão distincto official, que por um acto de maior arrojo e pelos serviços importantes que fez e com a maior distincção, não póde deixar de merecer a maior consideração de todo o paiz e do governo.

A prova de que as palavras a que se referiu o illustre deputado, e que se acham n'esta lei, não são de modo algum uma manifestação menos favoravel, e do menos applauso, aquelle official, é que o governo já tem dado, por outro lado, provas da maneira como deseja galardoar aquelle distincto official. (Apoiados.)

Portanto, sem questionar a palavra, que alias é a que me parece que a lei emprega quando os officiaes do exercito portuguez vão a Africa em serviço, e não completam ali o seu tempo; creio que isso não embaraça de fórma alguma, para que se considerem esses serviços muito distinctos.

A palavra dispensa tem propriamente referencia, a dispensa da lei, e esse é que é o facto. (Apoiados.)

A lei é dispensada porque não foi cumprida, e a palavra, dispensa, aqui, refere-se puramente a esse não cumprimento da lei.

Mas o que deu causa ao não comprimento da lei? Foi o serviço relevante praticado por aquelle distincto official, e a maneira como elle procedeu. Logo não ha contradicção alguma entre considerar os actos daquelle official como muito distinctos, e a necessidade de tomando em consideração esses actos, dispensar o cumprimento expresso da lei. (Apoiados.)

O que é certo é que o sr. Serpa Pinto, por maior que fosse a sua distincção, pela lei em consequencia da qual foi fazer serviço em Africa, estava obrigado a cumprir una certos preceitos; desde que os não cumpriu, tem de dispensar-se a lei n'essa parte. (Apoiados.)

Portanto não me parece que uma consideração destrua a outra. Em todo o caso eu, por parte do governo e pela minha parte, não tenho duvida em declarar que considero os actos do sr. Serpa Pinto n'esta coramissão em Africa, como dignos da maior consideração do paia. (Apoiados.)

O sr. Conde de Bomfim (José): - Não podia deixar do fazer algumas considerações em relação á questão que se ventila, desde o momento que se trata dos serviços importantes no continente africano, praticados por um official do exercito portuguez, que foi tambem meu companheiro de trabalhos, na sua primeira jornada, aquelles rebeldes climas, onde se arrosta com innumeras difficuldades.

O sr. Serpa Pinto é um official distincto, não só pela sua elevada intelligencia e saber; mas tambem hoje é elle considerado, entre compatriotas e estranhos, pela gigantes empreza que acaba de emprehender n'aquelles inhospitos plainos em preza que levou a cabo com encorajada gloria.

O nosso paiz, que já de ha muito se quedava estacionario, ante o movimento concentrico das nações da Europa e da America, que cada dia organisam expedições scientificas ao interior da Africa, retoma novamente o seu logar honrosamente, devido aos ousados esforços de Serpa Pinto Capello e Ivens, que veem collocar seus nomes ao lado daquelles dos mais distinctos exploradores d'aquellas regiões.

Portanto, fazendo eu justiça ao sr. ministro da guerra, que pela sua elevação de sentimentos, pelas suas qualidades de militar brioso, muito illustrado e justo, tem unicamente em vista considerar tão prestadios serviços, e conhecendo perfeitamente bem, que na proposta que s. exa. apresentou não podia até certo ponto deixar de observar os preceitos legaes a este respeito, porque ás leis militares marcam as condições dentro das quaes os postos de accesso para os que vão servir nas nossas colonias podem ter logar; mas estando convencido tambem, de que s. exa. por isso mesmo que considera estes serviços distinctissimos, e não deseja senão que por todas as formas o paiz preste homenagem aquelles, que, pelo zêlo de trabalhar, e por dedicação pela patria, arriscam as suas vidas, não entrará da certo em duvida de permittir que se eliminem do projecto as palavras "dispensando-se o tempo de serviço", a fim de serem substituidas por outras que consignem melhor a idéa, de que o posto se torne effectivo desde já, como galardão a qualidade do serviço prestado pelo sr. Serpa Pinto ao seu paiz, e salvem completamente todas as interpretações, que possam melindrar este official, ou como que prejudicar a idéa de recompensa que se lho concede, embora feitas por aquelles que pouco versados são das cousas militares: por estas rasões eu espero, que s. exa. de boa mente acecitará estas singelas, indicações, que sem outra qualquer idéa, tomo a liberdade de apresentar.

Tenho dito.

O sr. Candido de Moraes: - Eu creio que o relevantissimo serviço prestado pelo sr. Serpa, Pinto e pelos seus

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companheiros na exploração africana, não é d'aquelles que se podem galardoar com uma remuneração qualquer (Apoiados.)

Supponho que a unica remuneração a taes serviços, a serviços tão relevantes, é a consignação d'elles nos fastos nacionaes. (Apoiados.)

Qualquer acto que pratiquemos significando o alto apreço em que o paiz tem o serviço prestado por aquelles benemeritos officiaes, seja qual for o valor que tenha, como glorificação ha de sempre valer muito pouco em relação aos meritos d'aquelles nossos compatriotas.

Considero, portanto, muito secundaria a questão de fórma.

O que fez o sr. Serpa Pinto, que é a quem se refere este projecto, não se póde pagar.

Serviços d'aquelles não são susceptiveis de paga, não têem equivalentes.

O que nós podemos fazer é procurar mostrar uma estima correspondente aos seus meritos clevadissimos, fazendo com que seja consignado nos fastos nacionaes o alto apreço em que são tidos os serviços que prestou ao paiz.

Seja qual for a fórma, a significação que podo ter qualquer acto que praticarmos em relação ao sr. Serpa Pinto, é dar-lhe esta demonstração.

Pela minha parte affirmo a camara que foi considerando assim este assumpto, que acceitei o cargo de relator d'este projecto, e declaro tambem que foi debaixo d'este ponto de visto que a commissão acceitou textualmente a proposta apresentada pelo governo.

Seguramente nós, quando procuravamos dar uma demonstração de consideração e respeito para com aquelle cavalheiro, não podiamos acceitar uma formula que não correspondesse ao fim que tinhamos em vista.

Parece-me, portanto, inutil acceitar outra redacção.

E é tão expresso o modo como nos consideramos o sr. Serpa Pinto, e como naturalmente consideraremos os seus companheiros, que julgo desnecessario prolongar mais esta discussão acceitar qualquer modificação na redacção do projecto.

O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Eu não faço questão da palavra, o que desejo é que fique bem assente que a palavra dispensar a lei não significa de modo nenhum menos consideração pelos serviços d'aquelle official.

É necessario dispensar a lei, a lei dispensa-se, mas isto não é de certo o premio nem a significação do apreço d'aquelles serviços. Esses tem outra remuneração, como muito bem disse o sr. relator da commissão, e o apreço d'elles tem-se revelado em outros actos do governo e do paiz.

Portanto os serviços não estão designados ou não podem ser designados por uma palavra qualquer d'este projecto de lei. A dispensa foi necessario fazel-a, porque a lei é lei, e havia de se cumprir se não houvesse essa dispensa.

Mas a significação dos serviços do sr. Serpa Pinto não fica preterida nem prejudicada, por fórma alguma por essa palavra.

Entretanto não tenho duvida de que seja empregado o termo que melhor signifique ou seja mais agradavel em rogação aos serviços do sr. Serpa Pinto.

O sr. Thomás Ribeiro: - Escrevi para mandar para a mesa uma proposta que não está bem redigida, porque não me foi possivel, em assumptos que realmente me são completamente estranhos, redigil-a melhor.

Estou convencido de que, com as explicações dadas por parte do governo, pelo sr. ministro da guerra, e por parte da commissão, pelo illustre relator, a palavra que a principio offendeu os meus ouvidos e os de alguns srs. deputados póde deixar de causar a mesma impressão que nos causou então.

O sr. ministro e a commissão têem desejos de melhorar, se é possivel, a redacção do artigo, para que não pareça um favor, o que não é uma paga, mas um premio por um serviço distinctissimo.

Talvez podesse acceitar-se, pouco maio ou menos, a seguinte redacção.

"É o governo auctorisado a conceder, desde já, ao major Serpa Pinto, pelos seus distinctissimos serviços, a offectividade do posto que lhe foi conferido no decreto de 8 de maio de 1877, sem que por isso fiquem invalidadas as demais disposições do mesmo decreto."

Nós não temos intenção de fazer com que o sr. Serpa Pinto lenha mais antiguidade do que realmente tom no posto de major, e por consequencia parecia-me que d'esta fórma ficava melhor expresso o pensamento do governo e da commissão.

O sr. Candido de Moraes: - Desde que todos estamos de accordo na significação do projecto, atrevo-me a propor que elle seja votado, salva a redacção. Depois ver-se-ha qual a melhor fórma de exprimir o que é um sentimento geral da camara.

Posto á votação o projecto, foi approvado salva a redacção.

O sr. Conde de Sabugosa: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação civil, ácerca da questão proposta nesta casa pelo sr. Emygdio Navarro, na sessão de 28 de janeiro.

Leu-se a ultima redacção do projecto de lei n.° 97.

Mandou-se expedir para a camara dos dignos pares.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto de lei n.º 106, sobre a reforma da instrucção secundaria

O sr. Thomás Ribeiro: - Tenho obrigação, antes de ler as diversas disposições do projecto, de ler na physionomia do governo e na da camara quaes são os seus desejos e os seus intuitos, e se não me engano, e se ainda sei ler alguma cousa nas physionomias, está a parecer-me que todos desejam que eu seja o mais breve possivel na exposição das poucas observações que tenho a apresentar a camara.

Esta discussão vae realmente bastante longa, e eu tive grande desejo, para confessar todos os meus peccados a v. exa., visto que estamos em tempo santo, de entrar na discussão da generalidade d'este projecto, e então podia eu alongar-me um pouco mais acerca do que entendesse dever dizer com relação ao modo como me parece que se deve ensinar a instrucção secundaria.

A camara, que já me conhece desde longa data, principalmente aquelles que têem a desgraça, como eu, de serem mais velhos, e por consequencia terem assistido a mais sessões parlamentares, sabe que eu sou respeitador dos grandes e elevados talentos, e por isso entendi que na discussão da generalidade devia ceder o primeiro logar aos mais graduados na sciencia, e aos mais praticos no ensino.

Aqui tem, portanto, v. exa. e a camara a rasão por que eu, apesar dos meus bons desejos, não me atrevi a interpolar ou antepor a minha palavra a dos illustres deputados que, pelos seus conhecimentos, que suo muitos, e pela sua experiencia, que tem sido proficua, podiam trazer mais luz a esta discussão, do que as palavras que eu proferisse.

Aqui esta como muitas vezes se transformam as situações.

Eu, que devia pertencer a situação dos theoricos, tive de conformar-me com a sorte, e passar para a parte dos praticos.

Eis a rasão por que hontem aproveitei o primeiro ensejo que se me offereceu, quando fallava o sr. conde de Bomfim, para pedir a palavra sobre a especialidade. E agora, antes de continuar, permitta-me v. exa. que diga que o meu patricio e velho amigo, o sr. Pereira Dias, foi um pouco injusto, quando se referiu a algumas palavras proferidas

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pelo sr. conde de Bomfim, porque s. exa. fallou do umas classes que estão ainda hoje legaes em Portugal.

Nós temos ainda hoje a classe da nobreza. Supponho que foi esta a palavra que levantou as susceptibilidades do meu amigo o sr. Pereira Dias; e, sinceramente, não me parece que tivesse rasão.

Mas o illustre deputado, que é tão sensato o que só costuma dizer o que é preciso dizer-se, sem ir mais adiante, n'esta parte quiz tomar o exordio do discurso do meu illustre amigo o sr. conde de Bomfim, o referir-se a umas palavras que me pareceram bem pronunciadas por s. exa.

O sr. conde de Bomtim referiu-se a tres classes: referiu-se ao povo, a burguezia e a nobreza; e eu tenho de adivinhar, não sei realmente em qual d'estas classes encontrou pecha o illustre deputado! O povo não creio que a tenha.

Sr. presidente, o povo é tudo; e todos nos somos povo por mais alto que a fortuna, a sorte ou o merecimento nos tenha collocado. (Apoiados.)

Todos nós somos povo; e realmente assim é que somos o povo portuguez. E n'estas palavras "povo portuguez" entra o Rei de Portugal como primeiro cidadão da sua patria; assim como tambem nas palavras "povo hespanhol o povo francez" entram todas as dignidades d'estes paizes.

A nobreza foi a ultima classe apresentada pelo meu illustre amigo! Ora o povo é precisamente o que nos entendemos. Nós muitas vezes dizemos que somos povo pela aristocracia. E a este respeito lembram-me umas palavras que vi n'um livro escripto em França ha alguns annos, referindo-se a uma das epochas mais notaveis das transformações sociaes, qual foi a da revolução franceza. Dizia aquelle escriptor, fallando da sua classe, que era nobre: "Nós, nobres, fizemo-nos povo, porque o povo se tinha feito rei!" Estas palavras encerram uma grande lição de philosophia!

Nós muitas vezes, para nos aristocratisarmos, dizemos que somos do povo, justamente porque o povo tem hoje fóros que compelem aos grandes poderes. (Apoiados.)

Se os povos da Europa fossem ainda os párias do Oriente, era possivel que tambem cá houvesse os bramines que não querem ser offendidos nem sequer com a sombra d'aquelles miseraveis. E ainda bem, sr. presidente, que todos nos honramos por pertencer a uma classe que abrange todas as classes. (Apoiados.) Mas n'este ponto é que esta o erro do illustre deputado: s. exa. pertence a classe do povo e todos pertencemos a ella. (Apoiados.)

Sr. presidente, burguezia é que não creio que exista em Portugal: por mais que a procure, custa a encontral-a.

Eu homem quando ouvi as eloquentes reflexões apresentadas pelo sr. Rodrigues de Freitas, quando dizia que a lei de instrucção publica tinha naufragado n'umas, para nós, tristes palavras, porque ninguem queria ser o que já se dizia que era, lembrei-me de que esta lei podia naufragar numa palavra, e fui ver se n'ella havia a palavra "burguezia"; porque, n'esse caso, a minha intenção era propor que fosse eliminada da lei.

Perguntem os illustres deputados a alguem, por esse mundo, se é burguez! V. exa. verão, que elle vae buscar, um medalhão ou um habito do Christo, para se libertar dessa pecha! Todavia o ser burguez é uma honra que nunca se comprehende, como tal n'este paiz de pseudo-fidalgos!

A barguezia em toda a parte tem logar muito distincto e attribuições que devem fazer a gloria ou, pelo menos, a fortuna das nações.

Em Portugal não conheço senão um povo burgo, e é um povo que tem industria muito conhecida: e o povo de Lorvão, onde se fazem palitos. (Riso.) Ali as freiras, senhoras fidalgas, chamaram sempre aquella povoação o burgo.

A nossa desgraça é esta - ou nos chamamos povo ou fidalgos. Mas as classes têem-se transformado, e ha de transformar-se com ella a prosodia. É uma necessidade.

V. exa. vae encontrar a palavra burguez nos velhos diccionarios, e ámanhã nos modernos não a encontrará; v. exa. encontra a palavra artifice nos antigos diccionarios, e ámanhã nos diccionarios modernos não a encontrará, porque já todos se consideram artistas e não artifices. Emfim, vamos adquirindo as nossas dignidades, e chegaremos a um estado em que devemos ser respeitados, qualquer que seja a classe em que nos encontrarmos.

Mas é bom que a cada uma destas cousas corresponda uma realidade, e é mau quando nos condecorâmos com certos nomes pomposos que não estão nas nossas aptidões.

É por isso que eu tive a primeira rasão para tambem como o sr. conde de Bomfim, não approvar a generalidade d'este projecto. Não desejo de nenhuma fórma ser desagradavel a qualquer pessoa, nem ao governo que teve vontade de fazer uma boa obra, nem a commissão extraparlamentar, que trabalhou a pedido do sr. Sampaio, nem á commissào d'esta casa que coadjuvou o governo na elaboração do projecto, nem a maioria e minoria d'esta casa que approvaram o projecto na generalidade.

Estamos n'uma discussão que não tem nada de politica, e oxalá que discussões d'estas nunca o sejam, porque aã discussões sobre a instrucção publica, sobre os projectos da fazenda o sobre as colonias, quero-as ver sempre livres d'este peccado original; e quando a politica é facciosa, é pcccado original.

Não tenciono alongar-me muito nas minhas considerações; mas, para não estar a pedir a v. exa. a palavra a proposito dos differentes capitulos, peço a v. exa. e á camara que me permittam que mando agora para a mesa as propostas que tenho que offerecer a alguns d'elles. A camara não me ha de recusar este favor. (Apoiados.)

Quando eu vou procurar marinheiros e homens que saibam de navegação e commercio, quando preciso de homens que saibam o que valem os generos no ultramar, quanto póde custar o seu transporte, quaes são os generos de commercio que no ultramar se podem aclimar, quaes são os que podem, com proveito dos de lá e dos de cá, ser para lá transportados, o que me da o governo? Dá-me duas doses mais de bacharéis.

Quando eu desejo que todas as profissões, que as nossas industrias deixem de ter precisão das industrias estrangeiras numa certa e determinada occasião, o que me dá o governo, que podia dar-me escolas profissionaes? Dá-me mais duas doses de bachareis!

O illustre relator e meu patricio e amigo proferiu-se aos bachareis com um desfavor que realmente elles não merecem; s. exa. disse que os encontrava falhos dos mais rudimentares principios, a ponto de que alguns mal podiam comparar-se com certos barbeiros de aldeia.

O illustre deputado, o illustre relator da commissão que altamente se levantou n'esta camara, que tão vantajosamente se apresentou diante de nos, esqueceu-se de que era filho da universidade de Coimbra, esqueceu-se de que era tambem um bacharel de uma das suas faculdades; esqueceu-se de que eu mesmo hoje podia fazer uma pergunta, a qual pouquissimos poderiam satisfazer n'esta camara.

Está presente o sr. Barbosa Leão, que vae gostar de ouvir a pergunta que vou fazer, e que é muito simples: quem sabe aqui n'esta casa, orthographia: Quem tem a consciencia de saber orthographja portugueza n'esta casa?

O sr. Barbosa Leão lembrou-se de emendar este erro fatal propondo elle uma orthographia nova. Se não houvesse esta necessidade não tinham sido tantas as locubrações do sr. Barbosa Leão.

Conheço sabios em Portugal que confessam francamente que não sabem orthographia.

E não queira crer o illustre deputado que este defeito é simplesmente nosso, que este defeito é simplesmente de Portugal; eu tenho aqui uns apontamentos pelos quaes v. exa. vera que devemos defender, ao menos, a nossa classe. N'esta parte vou mostrar que a França, a culta

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França, que nos dá exemplo para tudo, até para fazermos mais bachareis, em letras e sciencias, a França tem tambem muitos bachareis que não sabem orthographia. Vou ler um documento, que é official; é uma circular do ministerio da instrucção publica de França.

Ahi se lê:

"Sr. reitor. - Ouvimos dizer que se confere o grau de bacharel com muito pouco escrupulo; na verdade temos recebido cartas e requerimentos, cuja falta de orthographia é realmente de estranhar."

Como disse, isto é um documento official. Ora, poderemos óos por uma cousa d'estas vir aqui dizer que os nossos bacharéis não podem sequer ser equiparados a um barbeiro, e isto quando se quer adduzir argumento ou argumentos para se crearem mais bachareis, que não terão ainda assim as aptidões que podem ter os da universidade do Coimbra? Pareceu-me que realmente s. exa. estava combatendo a sua propria obra.

A gramrnatica e a orthographia! Ora, sr. presidente, é preciso que nós nos lembremos de que os homens mais sabios d'este paiz e de outros paizes, dos tempos modernos e dos tempos antigos, têem muitas vezes errado, não só na orthographia, como até na grammatica. Eu não queria cansar a v. exa. com exemplos d'estes; desejei apenas varrer a testada de uma classe a que me honro de pertencer; mas sempre quero dizer a v. exa., que um dia um homem sabio d'este paiz, conversando comungo a respeito de erros de orthographia e de grammatica, dizia-me: "Se você quer encontrar erros de grammatica, veja o proprio Virgilio". Fiquei realmente assombrado com esta revelação. Eu imaginava que Virgilio era o homem que souberá melhor latim, e que soubera melhor a sua grammatica. Pois na verdade citou-me aquelle cavalheiro uns versos de Virgilio, e fiquei convencido.

V. exa. ha de lembrar-se d'aquelles versos

Ille ego gui quondam gracili modulatus avena
Carmen, et egressus silvis vicina coegi...

e ha n'elles um erro.

O erro está n'este coegi, porque pelo que o sujeito passou a terceira pessoa, e o verbo devia ser coegit.

Fico por aqui, porque tinha medo de que me lembrassem aquelle grammaticão de que falla o Tolentino. Eu, por isso mesmo que tenho n'este paiz a pecha do poeta, não quero citar mais versos n'esta occasião. É preciso que todos nos disfarcemos o mais possivel a nossa principal profissão. (Riso.)

Dizia eu, e é verdade, que o nosso mal está em nos termos afidalgado a um ponto extraordinario. (Apoiados.) Ha um adagio fatal entre nos. Todos os pães de familia em Portugal mais ou menos o applicam - para os meus filhos, ou armas ou letras.

Este adagio póde ser-nos fatalissimo se o respeitarmos extremamente.

Quanto ás armas, já estamos um pouco enfastiados d'isso, mas as letras, essa é a nossa unica occupação, e pôr fim era melhor que nos applicassemos ás letras, não como fim, mas como meio de aperfeiçoar as nossas faculdades.

Em Inglaterra não se fazem bachareis em letras e em sciencias, no fim dos cursos cada um segue para as industrias, para o commercio, para a agricultura, e não trata de mais nada. Ali ha só duas classes que cursam as universidades: a dos homens distinctos, que querem seguir o sacerdocio ou o magisterio; ou então os senhores de grandes fortunas, que querem ter os seus logares no parlamento.

Em França, na Allemanha, e em outros paizes não é o mesmo.

Mas se na Allemanha, como disse o illustre relator da commissão, que fallou com muita proficiencia, ha professores e professoras vitalicios e não vitalicios, pagos e gratuitos, porque é isto? É clara a rasão, é porque na Allemanha, como na França e mesmo na Belgica, ser sabio não é só uma honra, é tambem uma industria. (Apoiados.) Ali pode-se ser sabio só para ser sabio. Mas se s. exa. quizer crear academias de sabios em Portugal, como se hão de sustentar estes sabios?

Eu desejava que o sr. ministro do reino, de cujas opiniões politicas posso divergir, mas a quem não posso negar uma alta capacidade nem o bom desejo de fazer o bem do seu paiz, tivesse aproveitado esses dotes tão elevados para fazer desviar esta corrente temerosa que nos leva a todos a sermos sabios, a sermos bachareis como somos commendadores, o nos fizesse alguma cousa util ao projecto que se discute.

Vou ler outra proposta.

Estive tambem na India, que tem aqui distinctos representantes. Tive a honra de servir ali n'um logar secundario, e vi do perto o que nos éramos e o que é a India.

A India é a terra dos fidalgos e dos párias.

Nós alguma cousa boa fizemos na India, e foi fazer familia. Quando os nossos grandes homens foram aquelle grande estado e o conquistaram, comprehenderam bem que Portugal não podia dominar ali como a Inglaterra nos seus estados do ultramar, e que tinham necessidade de fazer familia. Tomaram os interesses da gente conquistada, e casaram-os com os interesses dos seus officiaes que foram do reino, e assim constituiram familia, e hoje a India é perfeitamente uma parte de Portugal.

Mas na India, seja-me licito dizel-o, é que está reunido todo o vicio da fidalguia. Ali fomos encontrar os bramines os mais fidalgos do mundo, e os mais intransigentes. Leva-mos-lhes para lá os filhos segundos dos nossos fidalgos, o que lhes requintou ainda mais a fidalguia.

N'aquelle estado, que é o reflexo e o espelho de Portugal, ha uma grande aspiração ás sciencias e ás letras; ali nada se faz, porque os mesteres são ali considerados como uma cousa degradante. Nem os proprios ourives, que são aqui muito considerados, podem lá usar o suriapan, que é um chapeu de sol de panninho encarnado, porque tal honra é apenas destinada ás altas cabeças. (Riso.)

Houve um ministro, que se lembrou fazer uma grande reforma na India, e teve um pensamento na verdade conciliador, quiz transformar uma aula que havia ali n'uma escola do mesteres; e sabe v. exa. como isto se fez? Ordenou-se que os lentes de mathematica e de philosophia racional e moral ensinassem navegação e commercio, cousa em que elles naturalmente nunca haviam pensado. (Riso.) O resultado foi não sair d'aquella escola, como não podia sair discipulo algum.

Ora fazer uma reforma assim não me parece justo nem pratico. (Apoiados.)

Do que nós precisamos sobretudo é passar desde já das theorias para o campo da pratica. (Apoiados.)

Agora dirijo-me principalmente ao sr. ministro do reino, fazendo-lho um pedido.

Tenho notado que em Portugal ha muitos compendios para a mesma disciplina, compendios que são approvados pelo conselho superior de instrucção publica, creio que se chama tambem assim, no projecto que se discute.

Ora o meu pedido, não só ao sr. ministro actual, como aos que se lhe seguissem, consiste que se adoptem compendios não in distracto, isto é, que possam servir tanto para a França, como para a Bélgica, como para Portugal, mas como aquellas edições que se faziam noutro tempo em França para a educação dos principes. Seria conveniante que se fizessem taes compendios para a educação do povo, isto é, ad usum Lusitania, como o eram aquelles ad usum Delphini.

Não sei porque em vez de cousas que para nada servem não ha de ensinar se a historia da escola de Sagres, e dos nossos descobrimentos, emfim a historia das nossas glorias, o que seria do certo muito mais util. (Apoiados.)

Porque não ha de ensinar se principalmente a geographia accommodada aos nossos risos, e aquella que tenderia a

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desenvolver o amor pelas terras que possuimos alem mar? (Apoiados.)

Se isto se tivesse feito não teria o illustre relator do projecto, que se discute, occasião de dizer que a maior parte dos bacharéis não sabem onde ficam no mappa geographico algumas das nossas possessões. (Apoiados.)

O sr. ministro do reino disse ha pouco, num dos seus discursos, que desejava fazer o bem. Pois para o fazer encarregue s. exa. quem apresente compendios que sejam propriamente, como já disse, ad usum Lusitonace, e para este estado de transição que vae crear fará um grande beneficio ao paiz.

Por que motivo preferimos nos para o ensino a lingua franceza a ingleza? Por que motivo vejo eu que se manda, nos lyceus districtaes, ensinar, como obrigatoria, a lingua franceza, e não, como obrigatoria, a lingua ingleza?

Em primeiro logar, com quem fazemos nos o commercio no Tejo e do Douro? Não é com os negociantes e com os navios inglezes? Parece-me que sim.

Digo mais, se alguem aqui vem commerciar, são seguramente muito mais os inglezes do que os francezes.

Quem são os nossos vizinhos na India? São seguramente os inglezes, que por toda a parte nos abraçam; com elles commerciâmos, tratamos com elles, celebramos tratados de commercio, e a sua moeda vae ser a nossa pelo ultimo tratado. Emfim, todas as relações, todas as conveniencias nos prendem hoje fatalmente na India a Inglaterra.

Por que motivo, pois, quer o governo que seja a lingua franceza, e não a lingua ingleza, que se ensine nos lyceus?

Quem temos nos por vizinhos na Africa Oriental, mesmo em Zanzibar, ao norte? Saiba o sr. ministro da marinha que hoje exerce uma influencia enorme ali a Inglaterra.

Nós temos na China inglezes, temos no porto do Natal, no interior e no que era antigamente, e ainda ha pouco tempo, a republica do Transvaal, no Cabo, e em toda a parte.

Com elles nos tratamos, commerciamos e nos entendemos em tudo e por tudo, e nada com os francezes, ou muito pouco.

Pergunto ao illustre ministro quem é que faz o nosso commercio em as nossas possessões? São, porventura, navios francezes? São as companhias francezas de navegação que lá nos levam os nossos productos? São duas companhias inglezas, pura e exclusivamente inglezas; com ellas temos de tratar e fazer o nosso commercio. Por consequencia, queria que s. exa. me dissesse por que motivo se ha de preferir sempre a lingua frauceza.

Ainda ha pouco nos estabelecemos nas nossas colonias de Africa oriental estações telegraphicas que nos dão as companhias inglezas. Temos uma estação hoje em Moçambique e em Lourenço Marques.

Ora, se temos que fazer todos os nossos telegrammas em inglez, porque é que se ensina de preferencia o francez? Não sei, não o comprehendo.

Refiro-me tambem ás ilhas dos Açores. Com quem é que as ilhas dos Açores tem principalmente commercio? Com a Inglaterra e com os Estados Unidos.

(Interrupção que se não percebeu.)

Perfeitamente; é preciso isso. Por todas estas rasões, e por todas aquellas que não é preciso dizer, porque são obvias, peço a commissão o ao governo que acceitem uma emenda que mando neste sentido para a mesa, para que sejam conjunctamente obrigatorios os estudos da lingua franceza e ingleza; ou, a ter da ser preferida uma d'ellas por qualquer motivo que não comprehendo, seja a ingleza, porque nos é absolutamente precisa.

Digo isto, porque sei as difficuldades com que luctei na India. Tive de aprender o inglez.

Se queremos fazer vida pratica então entremos no caminho pratico.

O que nos póde dar a França?!

Muitos livros?!

Em primeiro logar não quero que os nossos compendios sejam trazidos nem da França, nem da Inglaterra; quero, sim, que de lá venham os modelos, e que sobre elles só façam compendios puramente portuguezes.

Agora emquanto a litteratura, que muitas vezes nos vem da França, essa dispensava-a.

Por todas as rasões peço e desejo, que o illustre ministro me acceite estas emendas que vou propor.

Não vi que nenhum dos srs. deputados, que me antecederam no debate, fizesse estas propostas, é por isso que as faço, e convicto de que, se o governo e a commissão se dignarem acceital-as, farão um grande beneficio a este paiz.

Eu quizera ver neste projecto alguma cousa sobre estudo physico. É necessario que a educação physica acompanhe os exercicios intellectuaes, para não haver desequilibrio, que muitas vezes póde ser fatal.

Aqui não ha nada a este respeito, e não sei se o haverá em outro projecto de lei, porque temos ainda o projecto da instrucção primaria para discutir.

Quizera que s. exa. se não esquecesse de que nos, em comparação com as outras nações, somos physicamente debeis, e que se é preciso acudir-nos pelo lado intellectuar é tambem preciso acudir-nos pelo lado physico, para que não cheguemos por esta escala decrescente a ser todos anemicos, na phrase da moderna poesia.

Faço tambem outro pedido ao sr. ministro do reino, e é, que torne mais baratas as taxas das matriculas nos diversos lyceus, visto que quer uma lei largamente liberal. (Apoiados.)

Vou agora passar a ler as minhas propostas; são bastantes, mas em grande parte compendiam tudo quanto tenho dito, e talvez alguma cousa que me não lembrasse.

Tenho ainda um desejo, e é que não se usasse com este projecto o que se tem usado para com todos os outros.

Nós mandamos as nossas emendas, com a boa vontade de quem deseja ser util ao seu paiz, não é simplesmente com o prurido de as fazer que as redigimos; é por julgarmos que ellas podem ter vantagem para melhorar a lei em alguns dos seus pontos.

Bem sei que a camara tem precisão de trabalhar de pressa, mas vale mais trabalhar bem; o agora digo tambem como Montaigne - vale mais ter a cabeça bem organisada de que bem cheia.

Eu entendo que nos fazemos muito bem em trabalhar bem, ainda melhor do que em trabalhar muito.

Nós mandamos as nossas emendas para a mesa, vem depois o relator da commissão respectiva com a resposta, dizendo se essas emendas foram acceites ou não, e o sr. secretario, que alias lê admiravelmente, faz a leitura do parecer competente; mas, como aqui não ha boas condições acusticas, quem está no meu logar ou proximo d'elle não ouve, e estamos, portanto, todos os dias a votar sem sabermos se o que votamos é bom ou mau, nem se as nossas emendas foram acceites ou não.

Visto que estamos n'uma discussão litteraria, e em maré de citações, eu digo: nisi utils quod facimus stulta est gloria.

Se acaso o que proponho não ha de servir de nada, para que hei de cansar o sr. secretario a ler, para que hei de cansar os typos a imprimir, e para que hei de cansar a camara a ouvir as minhas reflexões e as minhas propostas?

O que eu desejava é que n'uma lei d'estas, e em todas as outras em geral, fossem impressas as emendas, fossem distribuidas pela camara essas emendas depois de impressas, e se valesse a pena haver alguma discussão sobre ellas, houvesse essa discussão.

Emfim, v. exa. e o sr. relator da commissão regularão isto como lhes parecer melhor.

As minhas emendas são as seguintes:

"No artigo 2.°, que a nomenclatura dos estabelecimentos

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officiaes de ensino seja a seguinte: lyceus centraes, lyceus districtaes, lyceus municipaes."

Isto é pouco e é pequeno, mas por fim de contas por que havemos de lhes chamar lyceus nacionaes? Nacionaes são elles todos pelo facto de serem de Portugal. Parece-me que os lyceus ficavam bem chamando-se-lhes centraes, districtaes e municipaes, se a maioria da camara assim o quizesse.

Vamos adiante.

No § 1.° do artigo 3.°, que a primeira circumscripção se addicione Castello Branco."

Parecia-me mais conveniente, para os interesses de Castello Branco, que o seu lyceu ficasse ligado á circumscripção de Lisboa do que ficasse ligado a segunda circumscripção; mas entendam-no como quizerem.

Proponho mais:

"No artigo 6.°, que o ensino da lingua ingleza seja obrigatorio em todos os lyceus, mesmo de preferencia á lingua franceza."

"No § unico do artigo 8.°, que se tirem as palavras: nos teixos do § unico do artigo 5.°, substituindo-se por estas: a expensas do thesouro, passando o § unico a § 1.°"

"E que se acrescento este outro § 2.º:

"Fica auctorisado o governo a crear nos diversos lyceus centraes ou districtaes, independentes de qualquer pedido ou representação, cadeiras para disciplinas profissionaes, ficarão ipso facto, como despeza obrigatoria para o respectivo districto, duas terças partes da que se fizer com estas cadeiras, e uma terça parte para o estado."

Espero que seja acceite esta auctorisação, que é offerecida por um deputado da minoria.

Tenho n'esta parte tanta confiança nos bons desejos do sr. ministro, e na proficuidade da minha proposta, que lhe offereço esta auctorisação.

Que o artigo 21.° seja redigido pela seguinta fórma:

Os lyceus municipaes (proposta primitiva) poderão ser elevadas pelo governo a categoria de districtaes, se as juntas geraes, camaras municipaes, associações ou individuos e requerem, ouvido o conselho superior de instrucção publica (se for esta a sua denominação), e responsabilisando-se os requerentes pela terça parte da despeza effectiva do estabelecimento."

Este era talvez o caminho que devia ter seguido o projecto na sua primitiva apresentação; mas, visto que o sr. ministro considera, talvez bem, que por emquanto devem ser alheias, aos quadros dos lyceus estas cadeiras profissionaes, com esta auctorisação fica completamente livre para poder dar alguma satisfação ás necessidades instantes do ensino profissional, e ir fundando gradualmente essas cadeiras quando entender que ellas se devem fundar, e que são sufficientes as posses dos districtos a que o mesmo ensino se destina.

Proponho ainda:

"No artigo 27.°, que se modifique a disposição de modo que nos uutros lyceus sejam validos os exames feitos ali."

Quando o governo reconheceu, pela apresentação da sua reforma da instrucção primaria, que os municipios e os districtos estão demasiadamente sobrecarregados, e não podem com tanta despeza, obrigal-os a mais do que a esta terça parte para as escolas municipaes é querer o impossivel.

O sr. ministro do reino suppoz, ou viu perfeitamente que os municipios já não podiam com a instrucção primaria porque trouxe á camara uma proposta para modificar a lei que foi votada no tempo do sr. conselheiro Sampaio; por isso eu proponho esta alteração em relação ao dinheiro a exigir dos cofres dos municipios, e que elles não podem satisfazer como vem determinado no projecto.

Creio que estava isto no animo de todos os que trataram d'este assumpto.

"No artigo 30.°, que se diga em que consistem os exames de saida, e que não sejam os antigos exames de madureza."

Convem que não fique esta amplissima faculdade para os programmas. (Artigo 32.°)

Eu vi que todos os illustres professores, que tornaram a palavra sobre esta questão, desejam muito os exames de madureza.

Encontro em outros paizes os exames de saida, que não são o conjuncto de todos os conhecimentos adquiridos durante todo o curso do lyceu. Escolhem-se umas certas disciplinas, ou um grupo de disciplinas, o que pareça mais conveniente para o curso superior a que o alumno se destina, e por essas disciplinas se faz o exame; mas não é exame de todas as disciplinas, porque isso é cansar baldadamente as faculdades do alumno.

Que no § unico do artigo 38.° se faça a seguinte alteração:

"A transferencia de professores dos lyceus municipaes para os districtaes, ou de qualquer destes para os centraes, só poderá ter logar por cadeiras identicas, ou onde se professem disciplinas do grupo em que se habilitaram e que têem regido, precedendo informações do inspector, e voto afirmativo do conselho superior de instrucção publica (ou como se chamar)."

Não vejo bem qual a rasão por que um professor, que se ache regendo uma cadeira em um lyceu districtal, quando haja uma vacatura de cadeira de igual disciplina, no lyceu central, não possa ir para essa cadeira sem que tenha dez annos de exercicio.

Não poderá ás vezes o acaso ter dado ao lyceu de segunda ordem, em uma certa cadeira, um professor mais distincto do que outro que, porventura, exista em um lyceu central? Parece-me que sim.

Proponho tambem:

"Que nas hypbtheses dos n.ºs 7.° e 8.° do artigo 67.°, e bem assim do artigo 68.°, se indique o processo a seguir, designando-se a auctoridade a que pertenço.

N'este projecto ha uma omissão, porque o governo e a illustre commissão não nos diz quaes são as auotoridades que têem de intervir no processo, nem como se organisam, nem como se levantam os autos; nem perante quem tem de ir as auctoridades escolares.

Não sei, portanto, onde chega a intervenção da auctoridade judicial, nem onde chega a intervenção da auctoridade administrativa.

Desejo que o sr. ministro do reino, nesta parte, deixe o menos que poder ser a auctoridade administrativa.

Eu supponho que vamos ter em breve as mais livres eleições do mundo; a politica não irá bater ás portas dos administradores de concelho, nem dos regedores. Tudo isto poderá ser verdade, mas como não sei quantas semanas, quantos mezes, ou quantos annos durará o statu quo, peço por isso ao sr. ministro do reino que afaste d'essa parte o mais possivel a auctoridade administrativa.

Como não sei ainda quaes as vistas do governo a este respeito, nada posso dizer, nem censurando nem applaudindo.

"Que no uso das attribuicões que ao governo confere o artigo 58.º não esqueça marcar a que fica incumbida a inspecção escolar do districto do Funchal."

A illustre commissão e o governo esqueceram-se da inspecção escolar do districto do Funchal, que em nenhuma parte apparece! Temos os inspectores no reino, os sub-inspectores nas ilhas, mas não se pensou no Funchal!

É preciso que lá vá o inspector da primeira circumscripção, que é Lisboa; mas para isso deve então a armonisar-se esta disposição com as tabellas, porque não é possivel dar-lhe a mesma gratificação para tambem fazer este serviço, que tem alguma difficuldade.

Peço a attenção do governo e da illustre commissão para um ponto que foi maravilhosamente tratado por varios dos meus amigos e dos meus adversarios politicos, que se refere ao ensino livre, ao ensino nos estabelecimentos particulares.

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Diz assim o projecto:

"Art. 59." Nenhum professor ou director de escola ou collegio particular poderá abrir o seu estabelecimento, sem previamente o participar ao inspector da circumscripção.

"§ unico. Se as qualidades individuaes do professor ou director, e a organisação ou local do estabelecimento não satisfizerem ás condições de moralidade, instrucção e salubridade, o inspector não permittira a abertura da escola ou collegio.

"Art. 60.° Os professores ou directores dos institutos particulares são obrigados a dar parte da abertura effectiva das aulas, e a remetter ao inspector os programmas de ensino e regulamentos, com a nota dos compendios e methodos de ensino adoptados, e dos nomes dos professores o alumnos matriculados.

"São tambem obrigados, no fim de cada anno lectivo, a enviar ao inspector a estatistica escolar."

Sr. presidente, devo dizer a v. exa., que gosto da liberdade em tudo, mas não a quizera completa n'estas cousas de instrucção.

Não venho aqui apresentar sobre isto uma opinião muito estudada. Emfim, a questão é seria e verdadeiramente grave, mas apenas posso referir o que se passa na parte do paia onde nasci e onde largos, annos vivi.

A maior parte dos paes de familia são excellentes camponezes, que vivem na sua aldeia e nos seus campos, mas que se deixam facilmente enganar pelo homem que vae das cidades fallar-lhes em differentes cousas que elles não entendem; e acreditando que é o maior sabio, entregam-lhe os seus filhos que elles tanto amam, e que sobretudo amam para lhes dar os primeiros elementos de saber.

Mas assim como o illustre ministro do reino, quando desempenhou brilhantemente o seu officio de ministro da justiça, entendeu que não podia permittir que, pelas disposições do codigo, toda a gente podesse procurar causas nos tribunaes - n'esta parte não sou da opinião do illustre ministro - e creou-se a classe da solicitadores; isto é, quiz precaver os males que dali podossem advir aos incautos que seriam illudidos pelos primeiros que os quizessem enganar, assim tambem n'esta questão do ensino desejava que se procedesse de fórma que se não deixasse o povo absolutamente exposto ao que o quizesse facilmente illudir. (Apoiados.)

Antes quizera plenissima liberdade de ensino; mas, assim como o nobre ministro entendeu que devia usar d'esta precaução, parecia-me que era conveniente que, com relação a este projecto, se prevenisse este pensamento.

E o que acontece, é que, como questão previa, ha duas operações no projecto: Uma operação provia de policia, que é o artigo 59.° que ha pouco li.

Este é o inquerito previo. Agora segue-se a outra, que é posterior, e consta do artigo 60.°, já por mim citado.

Sr. presidente, ou não deve existir esta doutrina no projecto, ou a existir então a disposição do artigo 60.° deve passar para o artigo 59.°, e ser tudo uma questão de policia previa.

Peço ao governo que attenda a necessidade de não haver senão um compendio para cada disciplina: se houver multiplicidade do compendios ha multiplicidade de difficuldades que são invenciveis. Este artigo dá a conhecer, que se deixa ficar perfeitamente cahotica esta parte do ensino secundario, e então peço que se acceite a seguinte emenda que mando para a mesa:

"Que tendo de haver inquerito previo, para o artigo 59.° passem as cautelas marcadas no artigo 60.°, onde se lê: remetter ao inspector os programmas do ensino e regulamentos, com a nota dos compendios e methodos de ensino adoptados, e dos nomes dos professores."

Ou o governo não quer esta auctorisação, ou a querel-a deve harmonisal-a passando para o artigo 59.° o que esta no artigo 60.°

No artigo 71.° apresentam-se como auctoridades o reitor, o inspector, ou qualquer outra auctoridade. Creio que é de toda a conveniencia que se diga quaes são as auctoridades académicas alem do inspector e do reitor, e por isso apresento a seguinte proposta:

"Que no artigo 71.° se diga quaes são as auctoridades académicas alem do inspector e do reitor."

Outra proposta que apresento é a seguinte:

"Que na tabella 1.º se augmente de 6:000$000 réis a 25:000$000 réis a verba para acquisição de instrumentos, premios, subsidios etc., segundo o disposto no artigo 73.º"

Sr. presidente, 6:000$000 réis para montar todos os lyceus do reino, dando-lhes a todos um gabinete rasoavel para as suas experiencias, dando-lhes instrumentos, premios, subsidios, é não lhes dar nada. Se o governo quizer fazer alguma cousa mais n'esse sentido, então é preciso que augmentemos muito a verba. Eu proponho 20:000$000 réis, e não é muito; mas 6:000$000 réis não dão nada a nenhum dos lyceus, e ora bom que se começasse por alguma cousa.

De mais a mais o governo apresenta neste projecto uma economia; eu peço ao governo que não faça economias no ramo de ensino, porque tudo que se tem gasto ainda é muito pouco.

Outra proposta que mando para a mesa é a seguinte:

"Que se diminuam quanto possivel as taxas das matriculas, principalmente aos alumnos dos lyceus.

"Que se acabe com a multiplicidade de compendios, deixando um so approvado pelo governo, ouvidas as estações competentes.

"Que seja prohibido expressamente aos professores dos lyceus exercerem o ensino particular, embora tenha de se lhes augmentar os ordenados."

Sr. presidente, este projecto que se discute tem para mim dois senões grandes, e é talvez por isso que o não approvo. Tem doso grande de bachareis, e nós precisamos de tudo o mais, menos disto; e tem para mim o deixar ficar como estava, entregue aos preparadores, como lhe chama Julio Simon, o ensino secundario.

Desde o momento que n'um projecto, se taxa o numero de annos que devem durar os cursos dos lyceus, e se levantam as matriculas dos estudantes, vale a pena ir para os preparadores, onde talvez possam conseguir o exame, que é a que aspiram os paes, sem saberem que vale mais o saber do que fazer esses exames.

Em toda a parte é assim; não é só em Portugal, e em paizes onde talvez não haja tantas erros de grammatica e de orthographia, como se encontram nos nossos bachareis.

Tenho concluido; e peço a v. exa. e a camara que me desculpem o ter-lhe roubado tanto tempo com as minhas considerações que tencionava apresentar em resumo; mas v. exa. comprehendo que em assumpto tão importante cada qual deve offerecer o que pôde, ou pelo menos manifestar desejo de que fique a lei é mais completa e perfeita, por isso que d'ella depende, em grande parte, a felicidade do paiz.

Vozes: - Muito bem! muito bem!

(O sr. deputado não reviu este, nem nenhum dos discursos que pronunciou n'esta sessão.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que no projecto n.° 106, que se discute, se façam as seguintes alterações:

1.ª No artigo 2.°, que a numenclatura dos estabelecimentos officiaes do ensino seja a seguinte: Lyceus centrais, lyceus districtaes, lyceus municipaes.

2.ª No § 1.º do artigo 3.°, que a primeira circumscripção se addicione Castello Branco.

3.ª No artigo 6.°, que o ensino da lingua ingleza seja obrigatoria em todos os lyceus, mesmo de preferencia a lingua franceza.

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4.ª No § unico do artigo 8.°, que se tirem as palavras "nos ermos do § unico do artigo 5.°" substituindo-as por estas "a espontas de thesouros passando o § unico a § 1.º

E que se acrescente este outro § 2.°: Fica auctorisado o governo a crear nos diversos lyceus centraes ou districtaes, independente de qualquer pedido ou representação, cadeiras para disciplinas profissionaes e ficando isso facto, como despeza obrigitoria para os respectivos districtos, duas terças partes da que se fizer com estas cadeiras, e uma terça parte para o estado.

5.ª Que o artigo 21.° seja redigido pela seguinte fórma: Os lyceus municipaes (proposta primitiva) poderão ser elevados pelo governo á cathegoria de districtaes, se as juntas geraes, camaras municipaes, associações ou individuos o requererem, ouvido o conselho superior de instrucção publica (se for esta a sua denominação), e responsabilisando-se os requerentes pela terceira parte da despeza effectiva do estabelecimento.

6.ª No artigo 27.°, que se modifique a disposição de medo que nos outros lyceus sejam validos os exames feitos ali.

7.ª No artigo 30.°, que se diga em que consistem os exames de saida, e que não sejam os antigos exames de madureza. Convém que não fique esta amplissima faculdade para os programmas (artigo 32.°).

8.ª Que no § unico do artigo 38.° se faça a seguinte alteração: A transferencia do professores dos lyceus municipaes para os districtaes, ou de quaesquer d'estes para os centraes, só poderá ter logar para as cadeiras identicas ou onde se prefessem disciplinas de grupo em que se habilitaram e que têem regido, precedendo informações do inspetor e voto affirmativo do onselho superior de instrucção publia (ou como se chamar).

9.ª Que nas hypotheses dos n.ºs 7.º e 8.º do artigo 67.º, e bem assim nas do artigo 62.º se indique o processo a seguir designando a auctoridade a que pertene.

10.ª Que no uso das attribuições que ao governo confere o artigo 58.º não esqueça marcar a quem fica incumbida a inspecção esolar do Funhal.

11.ª Que tendo de haver inquerito previo, para o artigo 59.º passem as cautelas marcadas no artigo 6.º onde se lê: remetter ao inspector os programmas de ensino e regulamentos, com a nota dos compendios e methodos de ensino adoptados, e dos nomes dos professores.

12.ª Que no artigo 71.º se diga quaes são as auctoridades academocas alem do inspector e de reitor.

13.ª que na tabella 1.ª se augmente de 6:000$000 réis a 25:000$000 réis a verba para a acquisição de instrumentos, premios, subsidios, etc., segundo o disposto no artigo 73.º

14.º que se diminuam quanto possivel as taxas das matriculas, principalmente aos alumnos dos lyceus.

15.ª Que se acabe com a multiplicidade de compendios, deixando um só approvado pelo governo, ouvidas as estações ompetentes.

16.ª Que seja prohibido expressamente aos professores dos lyceus exercerem o ensino partiular, embora tenha de se lhes augmentar o ordenado. = Thomás Ribeiro.

O sr. Tavares Crespo (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia do capitulo primeiro sufficientemente discutida, e depois se passe á votação por artigos, sem prejuizo das propostas que foram ou possam ser mandadas para a mesa.

Foi approvado este requerimento.

O sr. Fernando Caldeira (para um requerimento): - O meu requerimento foi prejudicado pelo do sr. Crespo: o meu fim era pedir auctorisação para remetter para a mesa uma proposta ao artigo 5.º; mas como isso é permittido, eu envio-a para a mesa.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que a illustre commissão depois do artigo 5.°, e revendo-o e alterando-o, se for preciso, inclua n'este capitulo outro artigo, no qual se determine que:

No districto em que, decorrido um certo periodo depois da publicação da lei, não tiverem sido creadas as escolas municipaes secundarias ou numero pelo menos igual a terça parte do numero dos municipios, a junta geral creará uma escola para cada grupo de dois, tres ou quatro, designando para séde da escola o mais importante. Terá este a seu cargo toda a despeza com o material da escola, alem da sua parte nas restantes despezas, que serão distribuidas por todos os do grupo na proporção da sua importancia economica. = Fernando Caldeira.

Foi enviada á commissão.

O sr. Tello: - Mando para a mesa uma proposta ao capitulo 1.º

Sinto não poder apresentar os fundamentos da minha proposta.

(Leu-se.)

É a seguinte:

Proposta

Proponho que no artigo 1.º ás palavras "Braga e Vizeu" se acrescente "e Faro". = Joaquim José Pimenta Tello = Francisco Manuel Pereira Caldas.

Foi enviada á commissão.

Postos á votação os artigos 1.º, 2.°., 3.°, 4° e 5.°, que constituem o capitulo 1.°, foram approvados sucessivamente.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a ultima redacção do projecto hoje approvado.

Leu-se, e é a seguinte:

Artigo 1.° É garantida, desde já, a Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, independentemente de qualquer galardão honorifico pelos seus, distinctissimos serviços, a effectividade do posto de major a que foi promovido por decreto de 8 de maio de 1877, prescindindo-se da condição do tempo de serviço na Africa, mas sendo mantidas todas as demais disposições e clausulas do referido decreto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de reducção, 16 de março de 1880. = Mariano de Carvalho. = Tem voto dos srs. Antonio Candido e Emygdio Navarro.

Foi approvada e mandou-se expedir para a outra camara.

Tambem se deu conta de ultima redacção do projecto de lei n.º 99, que se mandou expedir do mesmo modo.

Entrou em discussão o capitulo 2.º do projecto de lei n.º 106.

O sr. Azevedo Castelo Branco: - Eu tinha pedido a palavra quando se discutia este projecto na generalidade; porém o meu pedido foi prejudicado pelo requerimento do sr. Henrique de Macedo, que a camara approvou; agora, no decurso da discussão da especialidade, apresentarei á camara as observações que se me offereçam.

Ouvi attentamente os oradores que me precederam, e prestei mais a attenção que me prescrevia e determinava o grande merito que reconheço em todos; e a alguns prestei mais attenção que me capitava o ancanto singular da sua palavra e a sua especial providencia.

Folguei de assistir a discurso d'este projecto, porque ella foi na verdade muito esclarecida, muito tranquilla, e honra com effeito o parlamento. Applaudo o governo por ter apresentado esta proposta de lei, e congratulo-me por fazer parte d'esta camara na occasião em que um assumpto tão momentoso foi submettido á sua approvação.

Eu, sr. presidente, sou tambem desgraçadamente um bacharel formado em direito, um d'esses bachareis a quem alguns dos nossos collegas se referiram com palavras tão

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pungentes quanto melancolicas; presto, comtudo, ás letras um modestissimo culto, e tenho grande veneração a sciencia, que por má ventura apenas contemplo do longe, como quem vê com admiração e enlevo os immaculados esplendores de uma montanha inaccessivel. Entretanto, é tal o amor que consagro a instrucção do meu paiz, que seria falseal-o permanecer silencioso quando se tratava da discussão e exame de um projecto que reputo da mais aquilatada importancia.

Discute-se agora na especialidade o capitulo II; é n'elle, pois, que eu vou fixar a minha attenção por alguns momentos expondo a benevola consideração da camara umas ligeiras observações.

O sr. Rodrigues de Freitas, no discurso eloquente e ponderoso que hontem escutei com a maxima attenção e deleite, pareceu-me significar que se dava n'este projecto demaziado desenvolvimento e preferencia ao estudo das linguas, o sobretudo parecencia que s. exa. queria que, não sei se o latim e o grego, mas pelo menos o latim, fosse relegado inteiramente para os seminarios.

Concordando, na quasi totalidade, com as opiniões emittidas pelo illustre deputado, tenho comtudo de manifestar algumas divergencias pelo que concerne a este ponto especial.

Pela minha parte entendo que não ha completa cultura intellectual sem que haja conhecimento das linguas antigas, e não é, como eu logo direi, porque deseje crear no nosso paiz enxames de bachareis em letras; é porque entendo que o estudo da litteratura é um elemento essencialissimo para a boa intelligencia e mais exacta comprehensão da historia. Assim como a epigraphia, a archeologia, a esculptura, a architectura são elementos indispensaveis para se averiguar e conhecer perfeitamente a vida de um povo ou antes de todos os povos, do mesmo modo o é a litteratura, porque ella representa vivamente o espirito, o pensamento, a consciencia e o mais elevado sentir dos povos. O que vemos nós? Vemos, por exemplo, que não poderiamos reconstruir a familia primitiva das tribus arianas, nem estudar-lhe a organisação se não tivéssemos conhecimento do sanskrito e com elle a leitura do Rig-Veda, onde está concentrado o pensamento, todo o ideal d'aquelle povo.

Por meio do uma analyse delicada alcançamos esboçar a traços luminosos o perfil d'aquelle povo immerso na obscuridade das primitivas epochas, fazendo avultar a feição caracteristica do seu viver lamiliar e social.

Do mesmo modo pelo Zend-Avesta, pelo maravilhoso poema do Firdousi, penetrâmos nos lares da Persia antiga.

Dir-se-ha que, n'este caso, quero mais cadeiras de linguas, e desejo que se aprendi tambem o sanskrito? As minhas exigencias não vão tão longe.

Aprenda-se o grego, o latim. Nós, que pertencemos a um dos povos que formam o brilhante grupo dos povos latinos; não podemos despresar completamente o estudo das linguas antigas, e muito menos as litteraturas que jamais se comprehenderão bem ignorando-se as linguas originaes.

Pelo grego, lendo a Illiada, vamo-nos pôr em contacto com os grandes heroes da idade de bronze, e digo idade de bronze, porque é a esta idade que pertence aquella grandiosa epopêa, segundo a opinião de Quinet, no seu luminoso livro chamado o Espirito novo, opinião robustecida, ou antes confirmada pelas recentes descobertas archeologicas feitas na região onde fôra Troya; e pela Odyssea, assistimos ás scenas da vida patriarchal da Grecia.

Pelo latim, com a leitura da Virgilio, acompanhâmos o piedoso heroe da Eneida, que é, permitta-se-me dizel-o assim, o symbolo das emigrações primitivas dos povos asiaticos para a Europa, segundo a opinião valiosissima de Fustel de Coulanges no seu memoravel livro a Cidade antiga.

Ora, saltando para epochas mais vizinhas, mais nossas familiares, á luz do mesmo criterio; não podemos subtrahir-nos a considerar os Lusiadas como um livro que encerra em si, como um astro esplendido em que se condensou uma nebulosa, a narrativa dos feitos extraordinarios quasi lendarios dos primeiros seculos da nossa vida nacional, vida infelizmente quasi apagada, mas rediviva sempre para a gloria dos factos de immorredoura fama.

Mais se aprendo da vida do povo portuguez, no seculo XVI, em Gil Vicente, do que em muitas chronicas; o numa pequena canção perdida nos campos, ás vezes mais só aprendo do que numa narrativa historica feita por uma academia de eruditos.

Demais a genealogia da nossa lingua, a afinidade com as outras linguas romanicas, só o latim a póde manifestar satisfactoriamente.

Por consequencia entendo que o estudo da litteratura favoneia vantajosamente o estudo da historia, e nos não podemos desprezar o estudo desta, porque seria menosprezar a genealogia da familia humana, seria menosprezar as suas grandes luctas atraves dos seculos. Não é historia official a de que fallo. É outra que nos leve aos tempos mais remotos, para indagar qual é a origem natural do homem, a formação da familia e a da sociedade.

Pois quem não deseja saber quem foram seus pães, seus avós, qual foi o inicio da sua familia, as peripécias da sua existencia, as dores que soffreram, os lances que passaram e as aspirações que realisaram, ou aquellas, que nunca poderam traduzir em factos. Não é a historia official, a das narrativas lendarias e rhetoricas, e a que, segundo Michelet, se chama - resurreição.

Não desejo converter o parlamento em academia; tambem não desejo de maneira alguma cansar a camara com um alongado discurso; o meu intuito é unicamente significar que o estudo da litteratura se me afigura indispensavel para o estudo da historia; e o das linguas antigas necessario para a mais clara comprehensão das litteraturas respectivas; porém estou mui longe de pretender dar um predominio extraordinario no nosso paiz ao espirito litterario.

E isto porquê?

Porque acima de tudo precisâmos dos estudos industriaes, de homens que os ensinem e que proporcionem os meios necessarios para podermos concorrer com os povos estrangeiros na grande lucta do trabalho; carecemos de ter uma agricultura regida por preceitos scientificos; é mister propagar e estimular um certo amor pelo campo, que não existe; (Apoiados.) e isso não se póde de modo algum alcançar unicamente lendo as Georgicas de Virgilio, ou lendo Hesiodo, ou visitando Horacio em Tibur.

É preciso diffundir pelo povo o estudo agricola, e não vejo n'este projecto consignado este meu pensamento.

Todos os annos se estão fazendo muitas leis; podemos considerar-nos como um dos povos mais fecundos em legislação; porém quaes são as grandes vantagens que d'esta fecundidade promanam?

Vejo que pelo decreto de 1869 foi creado um curso agricola em todos os lyceus do reino, e até hoje não me consta que esse curso se abrisse. (Apoiados.)

Esse curso devia ser regido pelo intendente de pecuaria, onde não havia agronomo.

Hoje ha agronomos era todos ou quasi todos os districtos, e intendentes de pecuaria, e sem querer irrogar-lhes censura, direi que muitos passeiam a sua ociosidade pelas capitaes dos districtos, sem se tirar resultado algum da existencia de taes funccionarios.

Estamos sempre a affirmar que somos um paiz essencialmente agricola, que a nossa primeira industria é a agricultura; e sendo assim, parecia-me conveniente que, tratando-se do ensino secundario, houvesse nos lyceus, nas sedes dos districtos onde têem as suas residencias officiaes os referidos empregados, um curso elementar de agricultura, um curso de economia rural e outro de zootechnia, (Apoiados.) como se decretara em 1869.

O sr. Julio de Vilhena desejava que o ensino, e conse-

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guintemente o paiz, se americanise; tambem desejo que se americanise e germanise; entenda-se, porém, que não me alegra ver no céu d'este paiz as nuvens da metaphysica, bastam as nuvens do oceano.

O regulamento de 28 de fevereiro de 1877 contém excellentes disposições, tendentes ao derramamento da instrucção publica, mas tem o defeito de não se executar.

No meu districto ha um agronomo e um intendente de pecuaria; mas o curso não existe, e os meus illustres collegas poderão informar se effectivamente existem cursos agricolas nos seus districtos. (Apoiados.)

N'este mesmo regulamento se mandam fazer conferencias, e, todavia, nunca se fizeram. (Apoiados.)

Se alguma conferencia se faz é unicamente, em regra, para produzir effeitos rhetoricos; se porventura algum agronomo, ou algum intendente de pecuaria, se apresenta a fazer essa conferencia, d'ella não dimana, resultado algum pratico, como infelizmente todos reconhecem. (Apoiados.) Na Prussia, graças a grande propaganda do ensino agricola, aquella terra sáfara corresponde ao trabalho do homem com donosa fertilidade.

É indispensavel, sr. presidente, que se procure destruir um certo scepticismo, que tem o povo, com respeito ao ensino agricola; é urgente que se desvaneça este erro de tão más consequencias.

Mas porque julga o povo que nenhum d'estes individuos, que tem uma carta scientiiica, lhe póde dar conhecimentos praticos e uteis?! Porque as conferencias quando se fazem ostentam unicamente uma luxuriante vegetação de theorias, mais ou menos floridas de tropos, muito agradaveis, muito fulgurantes, mas que não produzem fructos com que o povo se possa nutrir. O ensino é uma cultura, não é uma bucolica de rhetorica. Na Inglaterra e na Prussia não o consideram assim.

Ora, é indispensavel que os agronomos e intendentes, de pecuaria não só dêem nos lyceus o ensino theorico, mas que fazendo as conferencias, as vão fazendo como verdadeiros missonarios ruraes, e encolham aquellas regiões especiaes, onde vão em certas quadras do anno, explicar aos proprietarios as regras theoricas; que vão tambem estudar o que ha de bom na experiencia, agricola de seculos, porque ha muito n'ella que aprender.

Alguns d'aquelles funccionarios, porque são conhecedores de uma grande sciencia, reprovam ás vezes sem o maior discernimento quanto os lavradores estão castumados a fazer ha seculos, a sua sciencia empirica de que não podem ouvir dizer mal, porque d'ella têem tirado todos os proventos para si, e para as suas familias, e isto é pessimo.

Fallam com profundo desdem da pratica que muitas vezes a experiencia tem affirmado ser a melhor, (Apoiados.) sendo alias preciso que elles estudam os methodos usados pelos lavradores, unicamente para os aperfeiçoar, e não para os condemnar a priori. Emfim, ia eu tambem fazendo uma conferencia, (Riso.)

O meu pensamento é que se crie um curso em cada lyceu, de economia rural o de zootechnia.

Não provém d'aqui excesso algum de despeza, porque o intendente recebe uma parte do seu vencimento pelo estado, e a outra parte pelo cofre da junta geral do districto, e essa parte é uma gratificação para auxiliar os agronomos das quintas regionaes, e os agronomos recebem os seus vencimentos tambem pelos cofres das juntas geraes. Percebem seus vencimentos quer trabalhando, quer vivam em ocio.

Todos elles estão recebendo vencimentos sem que, infelizmente, tenham uma cadeira para reger, e de alguns sei eu que estão muito desejosos de mostrarem a sua utilidade, mas sem o poderem fazer.

Disse o sr. Rodrigues de Freitas, que achava que se dava muita extensão ao estudo das linguas. Estou conforme em parte com a opinião de s. exa. Desejava, eu porém, que deixasse de ser obrigatorio o latim e o grego, e que se alterasse o projecto, creando-se mais umas cadeiras de linguas de que n'elle se não faz menção. Talvez a minha proposta possa causar hilaridade.

Estamos iodos os dias a bradar que temos necessidade de colonisar a Africa, de nos estendermos por aquellas regiões em que exercemos dominio ha tres seculos, apenas com o direito de conquista, sem mais direito algum, d'aquelles que a civilização nos devia dar, (Apoiados.) nos que dizemos que tão as nossas colonias, que nos hão de dar elementos de vida e prosperidade, aquellas que nos hão de levantar a altura das maiores nações da Europa, embora sejamos um povo pequeno, porque não havemos de propor tambem que se ensinem os dialectos indigenas?!

Eu não sei como é que os nossos juizes, como é que os nossos funccionarios militares se entendem com os indigenas; não comprehendo bem como se faz o commercio com elles.

Pedir para os lyceus a lingua bunda não é um epigramma da minha parte. Considero indispensavel que todos os nossos funccionarios fallem muito correctamente a lingua bunda na Africa, já se vê. (Riso.)

Isto não está prevenido n'este projecto.

Se effectivamente isto de fallar em colonias não é uma phantasmagoria, se não somos levados a isso unicamente pelo desejo de não parecermos estranhos ao espirito que paira na atmosphera do toda a Europa, de que a Africa deve ser explorada e civilizada; se não nos deixamos levai simplesmente n'essa torrente da opinião, como adormecidos, n'esse caso devemos attender a este ponto como cousa seria, e parece-me que devem crear-re escolas onde se ensinem os dialectos africanos.

Em 1877 fez-se uma lei, que dizia o seguinte:

(Leu.)

N'este anno de 1877, em que tanto se fallava da Africa, em que a este respeito se fizeram numerosas conferencias, tanto na Inglaterra como na França e na Belgica, Portugal tambem sentiu-se inspirado pelo amor da Africa, que parecia ter-se então descoberto.

Fez se aquella lei, que está ainda á espera de um regulamento para ter execução.

Como já disse a v. exa., nós somos um povo que tem a monomania das leis.

Somos uns legisladores fecundos.

Umas estão á espera do regulamentos para terem vida; outras têem regulamentos, mas nunca se executaram, cairam no esquecimento, porque não passam do producto ephemero de um certo prurido de legislar, que nos distingue, e assim como vieram assim desappareceram, estereis, sem terem dado fructos alguns.

Se esta lei ha de ser um dia posta em execução, como creio que o ha de ser quando se attender á necessidade de dar incremento e vitalidade ás nossas colonias, por meio de uma bem regulada emigração, parece me que, para se conseguir o nosso desideratum, todos os missionarios, todos os funccionarios encarregados de ir levar á civilisação aquellas regiões, devem ir habilitados com um curso regular das linguas indigenas, bem como os que ali queiram commerciar.

Estou de accordo com os srs. Rodrigues de Freitas e Thomás Ribeiro, nas observações que fizeram a respeito da criado de cursos profissionaes, e associo-me á proposta que se fez n'esse sentido: mas creio que emquanto estas escolas e tiverem dependentes da vontade das camaras municipaes, emquanto essa creação não lhes for imposta como uma obrigação especial, nunca taes escolas hão de ser creadas.

Nós vemos que o estado é muito facil em fazer concessões de cadeiras de instrucção primaria; todavia, muitas juntas de parochia, que apenas têem de fornecer uma mesa de pinho, uns utensilios insignificantes, nem mesmo essa pequena doação fazem para obterem as escolas.

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As camaras municipaes estão no mesmo caso.

Tudo quanto seja augmentar uma só verba de despeza, lhes faz medo.

Os que são favoneados pelo suffragio popular, para occuparam os logares de vereadores, quando se lembram de que terão de augmentar um ceitil ao orçamento, recuam pavidos ante a catadura minaz do suffragio.

Se formos lá fazer uma conferencia, para lhes mostrar a conveniencia e a vantagem de certas despezas, todos aceitam com o coração aberto, tanto as palavras que proferimos, como os argumentos em que nos fundamos, acham um encanto tudo quanto se diz, e retiram-se gratamente impressionados; mas nada se obtem de vantajoso para o povo.

Desde o momento em que haja de se lhes pedir dinheiro para qualquer cousa, dizem logo - o estado é que tem obrigação de satisfazer a essas necessidades publicas.

Isto é um defeito da centralisação, que é como aquella pieuvre de que nos falla Victor Hugo nos Trabalhadores do mar, que está sugando a vitalidade da nação, envolvendo-a nos seus tentaculos tenazes.

Os municipios e os districtos dizem que não têem mais que dar, porque se o estado tem a seu cargo o instruir, que instrua nas escolas superiores, nos lyceus, nas escolas municipaes e parochiaes.

Não desejando, alongar mais as minhas considerações, vou concluir, mandando para a mesa uma proposta pedindo que se addicione ao artigo 6.° a creação da cadeira do economia rural e de zootechnia, sendo regida pelos funccionarios a que já me referi, o que igualmente se crie nos lyceus o ensino das linguas principaes das nossas colonias, á similhança do que a Inglaterra tem feito.

Terminarei dizendo o seguinte:

O sr. ministro do reino affirmou ha dias, que nos éramos arrastados pela corrente democratica, e o sr. deputado Rodrigues de Freitas, meu illustre amigo, asseverou que não éramos arrastados, mas sim attrahidos por ella; ou estou de accordo com a opinião de s. exa. e se temos de fazer esta viagem, não póde ser nos galeões do seculo XVI, é necessario que vamos em um navio construido segundo a mechanica moderna, com todos os apparelhos que a sciencia do hoje nos forneça, porque só assim poderemos fazer viagem segura para o novo mundo da democracia.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que façam parte dos cursos dos lyceus dois cursos, um de economia rural, outro de zootechnia, e que n'elles se ensinem os principaes dialectos das nossas colonias. = Azevedo Castello Branco.

Foi admittida.

O sr. Pires de Lima (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar o capitulo 2.°, que está em discussão.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Alves Matheus: - Antes de tudo agradeço ao illustre relator da commissão a delicadeza que teve, cedendo da palavra em meu favor, o ao mesmo tempo aproveito a occasião para na defeza d'este projecto, tomar sobre mim e nos limites do minhas minguadas faculdades uma parte da missão que cabe especialmente ao mesmo e digno relator, que tão brilhantemente illustrou já este grande debate.

Em poucos parlamentos, ou talvez em nenhum, succeda o facto, que se está presenciando em Portugal, de se discutir uma importante lei do ensino da maneira a mais elevada o ao mesmo tempo a mais serena e desassombrada de paixões partidarias. (Apoiados.)

Esta discussão nobilita a camara, honra o paiz, e estou certo que ha de ser citada no futuro como um dos testemunhos mais irrefragaveis da sisudeza, da cordura e da dignidade d'esta assembléa.

Não desejo alongar o debate, e muito menos pretendo esclarecel-o; não o permitte o estado da minha saude, nem a tanto me auctorisa a minha pouquissima intelligencia, e pedi a palavra tão somente para me referir a alguns pontos dos eloquentes o notaveis discursos proferidos nesta casa pelos illustres deputados os srs. Rodrigues de Freitas, Julio de Vilhena, Simões Dias, e tambem pelo meu illustre compatricio e antigo amigo o sr. Thomás Ribeiro.

Começarei por agradecer ao sr. Rodrigues de Freitas as palavras de estremado favor, com que, ha dias, honrou n'esta casa o meu humilde nome, e que eu, por justissima modestia, devo lançar a conta, não do meu merecimento, que é muito apoucado, mas sim da sua benevolencia que é sempre grande.

Eu, que tanto respeito a sua alta intelligencia e que ainda hontem apreciei devidamente o seu formosissimo discurso, sinto, lastimo-me, e confranjo-me, até, por mais uma vez me ver na triste e indeclinavel necessidade de contradictar algumas das idéas de s. exa.

Sr. presidente, a discussão sobre o latim vae muito adiantada n'esta aula, ou paço da representação nacional, e por isso não farei largas e eufadosas fallas sobre a litteraria e cultissima lingua de Tacito e Cicero.

Em resposta ao illustre deputado poderia dizer, que o conhecimento do latim não serve somente para revigorar e exercitar a memoria, mas é tambem, para os povos de raça latina, de manifesta e incontroversa utilidade para comprehender a terminologia das suas respectivas linguas, em grande parte derivadas do latim. (Apoiados.)

Poderia dizer, que os nossos jurisperitos, encontrando nas obras escriptas em linguas vivas copiosos e vastissimos recursos para estudarem profundamente a sciencia do direito, nem sempre se julgam dispensados de consultar as obras de Lobão, embrechadas de textos latinos, e os preciosos livros de José de Mello Freire, compostos em correcta e elegantissima latinidade.

Podia dizer a s. exa., que, não obstante o ensino profissional e technico haver alcançado nos ultimos annos larguissimo desenvolvimento nos Estados Unidos, ainda n'este paiz se despendem quatro annos no estudo do latim.

Podia affirmar a s. exa., que na Allemanha e na Inglaterra o estudo d'esta lingua é feito com seriedade e profundeza.

Não ha muito que se me deparou n'um livro allemão sobre a guerra franco-prussiana, escripto por um distineto mathematico e engenheiro, uma citação da celebre e bem conhecida obra de Vegetio sobre a arte militar. A citação feita por este escriptor, que pertence a um dos estados maiores prussianos, era muito apropositada, e foi trasladada do original nos proprios termos latinos.

Sr. presidente, tanto o illustre deputado o sr. Vilhena, como o sr. Rodrigues de Freitas, e ultimamente o meu estimado amigo o sr. Thomás Ribeiro, sustentaram a opinião de que, em vez de algumas disciplinas do curso geral o complementar, era mais conveniente e proficuo o estabelecer-se e dilatar-se o ensino profissional e technico, o ensino da chimica, da mechanica e da physica applicada ás artes e ás industrias.

Sr. presidente, estas idéas são na verdade excellentes, e a sua realisação haveria de representar entre nós grandes e notaveis progressos. Tambem quero a instrucção e o melhoramento das classes que trabalham, e que com asperos labores granjeiam o pão de cada dia.

Tambem quero o ensino democratisado e descendo, ou antes penetrando com as suas luzes, com os seus beneficios e com as suas applicações praticas, ao seio das classes mais desfavorecidas da fortuna.

Venho do povo; estão com o povo os meus affectos;

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nasci n'esse chão raso, e humilde, e regado dos suores do trabalho, que, quando honradamente exercitado, mais vale mais honra e nobilita, do que os brasões heraldicos e os pergaminhos hereditarios. (Apoiados.)

E aproveitarei este lanço para responder a um ponto muito importante do discurso do sr. Rodrigues de Freitas, quando negou que a terra fosse um valle de lagrimas. São as proprias canceiras, as penurias, as privações e as miserias das classes operarias, que a preço de durissimas fadigas ganham um sustento escassissimo e muitas vezes insufficiente, e que não raro confundem os suores que lhes caem do rosto com os prantos que lhes rebentam dos olhos; é este facto, doloroso e commovente, que contribuo, alem de outros ensinamentos, para eu acreditar que a terra, não obstante e illuminarem-na as luzes da sciencia, e os esplendores da civilisação, é verdadeiro valle de lagrimas. Para melhormente responder ao illustre deputado, que nega isto, eu podia levantar-me acima do sombrio quadro, onde as classes operarias labutam, tressuam e soffrem, e signalar nas amarguras, que a todos repungem, e nas lagrimas, que todos choram, o ineluctavel tributo da humanidade. Eu creio nos poderes da intelligencia, creio nos progressos da sociedade, creio nos triumphos da civilisação, creio que haja povos prosperos, mas não que possa haver nunca individuos felizes, por mais altas que sejam as suas faculdades, e por mais opulentos que sejam os seus haveres.

O ideal do illustre deputado é o ideal moderno; está no futuro, onde as generosas illusões da sua alma entresonham um faustissimo prospecto de perfectibilidade e de felicidades, que eu reputo incompativeis com a constituição moral do homem.

O meu ideal, devo dizer qual é, ainda sob pena de incorrer na pecha a que se referiu ha pouco o sr. Thomás Ribeiro, quando disse que deviamos diligenciar sempre por disfarçar, ou dar menos relevo, em certas occasiões, a classe a que pertencemos, ou a especialidade que professamos. O meu ideal está n'outra parte, e está em grande parte, no passado. Está no logar sacratissimo, onde uma cruz se levantou para redemir a humanidade, o a qual, apesar de nos não restituir o eden primitivo, consagrou na resignação a virtude que mais nos conforta o espirito o nos balsamisa as feridas abertas pelos infortunios e pelas dores sobre esta terra, que a religião tão ajustada como piedosamente appellida de valle de lagrimas.

Sr. presidente, eu interesso-me vivamente por tudo o que possa emancipar as classes trabalhadoras do jugo da ignorancia, da fome e da miseria. Saúdo com enthusiasmo e com amor todas as reformas, todos os ensinos, todas as instituições que tendam a melhorar as condições intellectuaes e moraes d'estas classes; mas, como é possivel estabelecer e desenvolver já com largueza o ensino profissional e technico n'um paiz onde quasi dois terços da população não sabem ler, onde, de 700:000 individuos da idade de sete a quinze annos, mais de 500:000 não frequentam as escolas, e o numero dos que lá vão esta na proporção de 1 para 32 habitantes? (Apoiados.)

Como será immediatamente realisavel tal progresso n'um paiz onde a centralisação, a maneira de uma rede com apertadas malhas de ferro, tem paralysado e comprimido todo o espirito de iniciativa; aonde por influição de preconceitos pertinazes, (Apoiados.) de habitos viciosos, que fomentam a desidia, a negligencia e a inercia, todos esperam que os governos façam tudo, e quasi desejam que elles lhes metiam, permittam dizel-o, a papinha na boca, como fazem as amas ás creanças!

A mesma idéa exprimiu aqui hontem por outros termos e muito judiciosamente o meu illustre amigo, o sr. Pereira Dias.

O ensino da chimica e da mechanica, o estudo do desenho, o outros conhecimentos derramados pelas classes trabalhadoras são, na verdade, de uma innegavel importancia e utilidade, mas os governos não podem fazer tudo; pertence isso principalmente a iniciativa individual e local, que nos povos anglo-saxonios tem produzido assombrosos prodigios.

As idéas dos illustres deputados são incontestavelmente boas; mas, por emquanto, permittam-me s. exas. que lhes diga que me parecem uma utopia. Não se melindrem, nem magoem, os illustres deputados, com a qualificação que dou ás suas opiniões, porque as utopias em prol da humanidade suo sempre producto dos engenhos mais allumiados e das almas mais magnanimas, e os sonhos de hoje podem converter-se nas realidades de ámanhã.

Sinto não ver presente o illustre deputado, o sr. Julio de Vilhena, que impugnou aqui as vantagens do estudo da phylosophia racional.

Eu sinto que, de uma intolligencia tão elevada e de um espirito tão avisado, saisse uma proposição que, a todas as luzes, me não parece verdadeira.

Se o conhecimento da physiologia é necessario para bem se apreciar a natureza physica do homem, muito mais importante e necessario é o estudo da phylosophia, que, estudando a natureza moral, nos ensina a conhecer as faculdades da alma, as suas funcções, os seus productos e as leis que regem a intelligencia humana.

Como, sem conhecimento da philosophia, estudar com vantagem o direito natural, cujos principios absolutos fundamentam e sobreexaltam a dignidade do homem e do cidadão? Como, sem conhecimento da natureza moral do homem, estudar fructuosamente o direito publico, que não é mais do que a applicação do primeiro a organisação politica da sociedade? Como, sem a philosophia, estudar com vantagem a historia, que Alexandre Herculano eloquentemente definiu a sciencia social, que estudando o passado o compara ao presente, no intento de allumiar e melhorar o futuro?

A hermeneutica e critica são parte essencialissimas da philosophia, que não serve somente aos theologos para provarem os milagres, como disse o sr. Vilhena, mas que é indispensavel a todos os que quizerem abrir caminho e investigar a verdade atreves dos complicados e obscuros dominios da historia.

Não queremos os methodos da philosophia escolastica; não queremos que os alumnos se entretenham a armar e enfileirar, em linha de batalha, sillogismos que não prestam para nada.

Os methodos da philosophia escolastica estão desde muito condemnados e abandonados, não obstante as escolas e universidades da Inglaterra não se terem ainda emancipado completamente d'elles, não obstante esse homem eminente, esse illustradissimo cetadista, por nome Gladstone, dar a ver do continuo em seus escripios geitos e ressaibos do velho escolasticismo.

O ensino da philosophia, por methodos ractonaos e com preceitos simples, será sempre de primeira necessidade, não só para os que se dedicam aos estudos theologicos, mas tambem aquelles que cursam as sciencias politicas e sociaes.

O illustre deputado, o sr. Julio de Vilhena, elogiou em nobres palavras o procedimento avisado, discreto e liberal dos individuos do clero, que fazem parte d'esta assembléa, e que, com a sua cooperação franca, leal e limpa de quaesquer paixões, tem acompanhado o governo na elaboração e discussão de uma lei de ensino, que, pelo ordinario, inflamma lá fóra as grandes paixões e desencadeia as grandes tempestades. Mas s. exa. acrescentou que, por parte do clero, havia talvez submissão de mais em acceitar a doutrina do artigo 61.°, que confere ao estado a faculdade de inspeccionar os seminarios diocesanos.

Não houve submissão demais, que possa traduzir-se por subserviencia.

No partido progressista reconhecem-se superioridades, mas não se acceitam dictaduras. (Apoiados.)

Os homens que, dignamente, commandam as hostes, não impõem aos individuos as suas opiniões. (Apoiados.) Nas questões propriamente politicas estaremos ao lado do go-

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verno, que ainda não desmereceu, e espero que não ha de desmerecer nunca, a nossa confiança politica. (Apoiados.) Mas nas questões de instrucção e de administração, nem o governo nos intima as suas vontades, nem nos enfeudamos a ninguem a nossa rasão, a nossa consciencia e a nossa independencia. (Vozes: Muito bem.) E com a mesma independencia, com que impugnei alguns pontos d'este projecto, teria impugnado tambem o artigo 61.° se me convencesse de que elle continha doutrina offensiva da liberdade, ou attentoria das prerogativas e da dignidade do episcopado. Mas não é assim. O artigo 61.° diz o seguinte:

(Leu.)

É claro que, por este dizer, as disciplinas que se ensinam nos seminarios differentes d'aquellas que constituem os cursos preparatorios para as sciencias ecclesiasticas, têem o caracter de ensino particular, e, portanto, entram na lei commum e ficam sujeitas a superior inspecção do governo. E, ainda que o governo exercesse inspecção directa sobre os seminarios, não exorbitava por isso das suas attribuições e dos seus direitos, porque é elle quem subsidia esses estabelecimentos e nomeia os professores.

Mas o governo não se intromette na organisação e regimen do curso de sciencias ecclesiasticas, nem mesmo por este projecto se arroga a faculdade de fiscalisar o ensino das disciplinas que para ellas são preparatorias. Deixa isto a illustração e a solicitude do episcopado.

Os governos só têem superintendido nos seminarios para darem fiel cumprimento ao decreto de agosto de 1859, com o qual o illustre estadista, o sr. Martens Ferrão, fez um serviço relevantissimo a instrucção do clero.

Não obstante este pobre, modesto e pacifico clero portuguez ter sido tratado até hoje com gravissima injustiça no que é pertencente a sua dotação, sempre promettida e nunca realisada, é certo, e é forçoso confessar, que ha vinte e um annos, esta parte, todos os governos se têem desvelado, se têem empenhado sinceramente por melhorar a instrucção do clero, e habilital-o a exercer a sua elevada missão com decoro e dignidade. (Apoiados.)

O meu illustre amigo, o sr. Thomás Ribeiro, impugnando o capitulo II, que está em discussão, disse que por elle o governo nos dava mais doses de bachareis. Se os bachareis a mais, que houvesse no paiz em consequencia da adopção d'este projecto, tivessem a intelligencia, a illustração e o alto merecimento do nobre deputado, eu diria: - sejam bemvindas mais doses de bachareis.

E se s. exa. se referiu ao grau de bacharel em letras que está consignado no projecto do governo, direi que este pensamento só tem por fim crear um estimulo a frequencia dos lyceus.

Disse s. exa., referindo-se ao sr. relator da commissão, que elle tinha collocado a universidade de Coimbra em uma situação muito desfavoravel.

Mas eu posso asseverar a v. exa., que não houve da parte do sr. relator a minima intenção de lançar descrédito ou deslustre sobre a universidade. O meu illustre amigo é que, declarando ha pouco que havia bacharéis incapazes e comprehenderem os mappas geographicos e de descobrirem n'elles um ponto qualquer das nossas possessões ultramarinas, lançou sobre elles talvez mais descredito e mais desfavor, não se podem interpretar da maneira como s. exa. o fez as palavras do sr. relator da commissão.

Lamentou tambem s. exa. que no curso geral se não estabelecesse a cadeira do inglez, levou o seu amor ao inglez a ponto de o preferir, em geral, ao francez, e manifestou até desejos de que se substituisse o estudo d'esta lingua pelo conhecimento da ingleza.

Ora, s. exa., que é tão illustrado e tão intelligente, ha de permittir-me que lhe diga que me admirou profundamente esta proposição.

O francez é a lingua universal, é lingua de todos os paizes civilisados, é para todos poderosissimo instrumento de instrucção. E o governo e a commissão não excluiram o inglez; lá está consignado no curso complementar, e, alem d'isso, nas capitães dos districtos, onde só haja, lyceus districtaes, quem tiver desejos de aprender o inglez, terá occasião e não lhe hão de faltar condições e meios para o conseguir.

Agora conversarei, por um pouco, com o illustre relator da commissão, cujos discursos longos, substanciosos e brilhantes justificaram plenamente o acertado pensamento que eu tive, quando propuz no seio da commissão a s. exa. para relator deste projecto. S. exa. desempenhou-se d'este encargo por maneira que attesta, com a vastidão do seu saber, a sua alta e bem comprovada competencia.

O illustre relator, apreciando algumas idéas que expuz aqui, a primeira vez que tive a honra de fallar sobre este assumpto, qualificou de "unctuosa e evangelica" a minha linguagem.

A minha linguagem é unctupsa, porque revê, talvez, as exsudações da terra por onde rastejam as gramineas, mas não é, apesar d'isto, absolutamente impotente para admirar a palavra de s. exa., ungida das aspirações e aos orvalhos celestes, que descem primeiro ás luminosas eminencias, por onde adejou vigoroso, arrojado e triumphante o seu talento.

Se a minha linguagem é evangelica, e portanto moderada, pacifica e inoffensiva, não merecia as tempestades de argumentação e de eloquencia que o illustre relator despenhou sobre mim.

Foi s. exa., porventura, em demasia severo e menos justo na interpretação que deu aos meus intuitos, e na apreciação que fez das minhas palavras. Eu não deprimi, nem amesquinhei o projecto, e era incapaz de o fazer, tendo elle a assignatura do dignissimo ministro, do reino, a quem tributo alta consideração e respeitosa amisade. Discordar não é deprimir, impugnar não é amesquinhar.

O sr. Ministro do Reino: - Apoiado.

O Orador: - Pelo contrario, elogiei o projecto nos seus principios fundamentaes, elogiei-o na bem disposta organisação dos cursos, elogiei-o na indole e na escolha das disciplinas, elogiei-o na habilissima combinação dos estudos classicos, dos antigos com os estudos modernos, e se nesta combinação ha originalidade, como o illustre relator affirmou e eu acredito, não a neguei, nem deprimi, louvei-a e encareci-a.

Combati a multiplicidade de disciplinas estudadas simultaneamente, e tambem o fraccionamento de algumas, porque tudo isto estava no programma que o digio relator me mostrou numa das sessões da commissão, e no qual eu vi estabelecido no curso do primeiro anno o ensino de portuguez, francez, arithmetica e desenho.

Se a commissão reconsiderou e renunciou a esse programma, não tenho senão a congratular-me com ella, por mais essa manifestação da sua illustração, da sua prudencia e do seu bom juizo.

Mas, s. exa. fez aqui as mais instantes recommendações ao sr. ministro do reino, para que fosse cauteloso na escolha do pessoal encarregado de redigir o programma, e a porfia n'essas recommendações faz-me crer que s. exa. receia que aquelle programma prevaleça e venha a ser executado.

Tenho pena, muita pena, do que conjunctamente com este projecto não viesse a camara, não digo todo o regulamento, mas ao menos o programma completo das disciplinas, porque assim podiamos melhor avaliar a sua filiação, ou a sua connexão mais ou menos immediata; podiamos ajuizar se haveria multiplicidade de disciplinas, cujo estudo simultaneo fosse incompativel com a intelligencia e com o aproveitamento dos alumnos; (Apoiados.) podiamos ter evitado que se levantassem duvidas ou conjecturas desassistidas de fundamentos, e que estivessemos a esgrimir aqui contra fabricas phantasiosas e erguidas no ar.

Mas eu, confiado nas declarações do illustre relator da commissão, que foram calorosamente apoiadas e confirma-

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das pelo sr. ministro do reino, espero que s. exa. haverá de vigiar mui de perto, e com todo o cuidado, a redacção do programma, e não deixara essa redacção confiada somente ao alvedrio da secretaria.

Convençamo-nos, de uma vez para sempre, de que se o programma não for bom, ainda que a lei seja optima, não dará resultado util, (Muitos apoiados.) e talvez não dê nada. (Apoiados.)

O illustre relator da commissão, referindo-se a mim e a outros oradores que entraram n'este debate, disse que, ainda que o fraccionamento das disciplinas não estivesse no projecto, devia estar; e acrescentou, que era inevitavel o fraccionamento. Como rasão mais principal citou s. exa. o latim, em que se estudava primeiro a grammatica e depois se passava a traducção.

S. exa. de certo quiz mais mostrar-nos a sua habilidade entretendo-nos com sophismas, do que convencendo-nos com argumentos.

A grammatica é uma parte componente, integrante e inseparavel da respectiva lingua.

Uma lingua é um organismo e uma estructura, em que não ha deslises, saltos, intercadencias, ou soluções de continuidade.

Quem estuda a grammatica de qualquer lingua, principia logo a aprender a traducção. Quando o alumno passa para a traducção propriamente dita do livros latinos, vae já com o conhecimento da significação de um grande numero de palavras.

O illustre relator da commissão, quando estudo no verbo laudo, aprendeu logo o seu significado.

Alem disso, s. exa. sabe que modernamente, e pelos bem conhecidos systemas de Ollendorf e Ahn, estuda-se a grammatica e conjunctamente a traducção. Sabe isto perfeitamente.

Eu insurgi-me contra a multiplicidade de exames, e nomeadamente contra os exames de saida, e não me arrependo d'este delicto. Estou convencido do que os exames de passagem, havendo n'elles rigor, imparcialidade e justiça, tomando parte n'elles professores habilitados, dignos e honestos, é uma prova sufficiente para averiguar e conhecer a capacidade dos alumnos.

Haja a maxima cautela e a inflexibilidade mais austera na escolha do professorado. Não vingam nem fructificam as reformas em terreno mal alqueivado e mal disposto.

Antes de se reformarem as instituições, seria muito mais acertado e prudente reformar os homens e os costumes.

No nosso paiz aquillo que vulgarmente se chama favoritismo e patronato assentou os seus arraiaes, e conquistou um predominio, que já se não disputa.

Este paiz é decididamente o paraizo dos pedidos, das recommendações e dos empenhos.

Nós mettemos empenhos para tudo: empenhos aos governos para que colloquem nos logares publicos, não os concorrentes mais dignos, mas os nossos mais predilectos; mettemos empenhos aos tribunaes, para que nos dêem rasão, ainda que não tenhamos justiça; empenhos aos professores, para que dêem a ignorancia os diplomas do saber; e são estes maus habitos, são as demaziadas complacencias e os excessos de benevolencia, que tudo transtornam, prejudicam e pervertem, desacreditando e viciando as instituições que a principio pareciam mais solidamente fundadas, e destinada a dar bons e vantajosos resultados.

Sr. presidente, mais de uma vez nos vemos obrigados a supprimir e engeitar muitas d'essas instituições, que lá fóra ganharam raizes e conquistaram creditos.

Nós tivemos, por exemplo, os minervaes estabelecidos n'uma lei de instrucção secundaria referendada pelo sr. bispo do Vizeu, e os minervaes cairam; tivemos os exames de madureza, cujos jurys eram compostos de professores de cursos superiores, mas que, por lidarem n'uma esphera intellectual mais elevada, nem sempre propunham argumentos, e interrogavam, os alumnos em harmonia com as forças da sua intelligencia, e esses exames cairam; tivemos as commissões ambulantes, que prestaram bons serviços, mas que praticaram tambem verdadeiras atrocidades, reprovando, algumas vezes, os bons, os optimos, que frequentavam os lyceus, e approvando os peiores, os mais inhabeis!

Temos tambem tido programmas os mais opulentos e apparatosos, e copiados, não raro, de livros estrangeiros, e esses programmas cairam em total descredito. (Apoiados.)

Eu entendo que não nos afastamos da corrente da civilisão, nem quebramos os laços de solidariedade dos povos mais adiantados, nem haveriamos do merecer o stigma affrontoso de retrogados por não termos exames de saida!

Não tenho horror ao que se faz lá fóra; quero todas as melhorias e progredimentos, que são as mais honrosas demonstrações da força e da vitalidade dos povos.

Disse o illustre relator da commissão, vottando-se para mim em formado replica, que queria a luz que mais resplandecesse, e que viesse dos mananciaes mais vivos. Tambem eu quero a luz. Quero a luz a desescurccor todos os espiritos, a espancar todos as ignorancias e a resgatar todas as servidões; quero a luz a descer em torrentes a intelligencia e ao coração do povo, para que elle seja esclarecido no conhecimento dos seus direitos o deveres, para que tenha, com a consciencia da sua força, o conhecimento da sua dignidade, para que não seja nunca, nem victima das cruezas e flagicios do despotismo, nem instrumento inconsciente de convulsões anarchicas. (Apoiados.) Quero a luz como a suprema redemptora da ignorancia; (apoiados.) quero a escola como fecundissima sementeira de beneficios e do bençãos para a sociedade; quero a instrução extensiva e intensivamente derramada, fornecendo-se aos povos os amplos o desanuviados itinerarios, em que ha um facho para cada espirito e uma norma para cada consciencia, e fornecendo a humanidade as energias e as posses de que ella carece, para no seio da fraternidade e da harmonia universal realisar os seus nobres e gloriosos destinos. (Apoiados.)

Mas a creança que apenas abre os olhos a luz não póde supportar os raios intensos do sol; nem ao preso, que sae do carcere, podemos impor a obrigação de caminhar de pressa.

Quer o sr. relator da commissão que adoptemos entre nos a larga descentralisação dos Estados Unidos, e tambem da Inglaterra, a qual é uma das mais bellas demonstrações do individualismo inherente ao temperamento e ao caracter da raça anglo-saxonia?

Se se applicasse ao nosso paiz a descentralisação, tal como ella existe n'aquelles povos, s. exa. havia de ver, em poucos dias, um triste e pouco aprazivel espectaculo, o espectaculo da desordem, da contusão e até da dissolução social.

Quer o iilustre deputado que implantemos no nosso paiz as escolas primarias mixtas, que, a principio, foram consideradas como um progresso nos Estados Unidos, mas que hoje estão provocando as mais enérgicas e vehementes reclamações por parte da imprensa, por parte das familias e das Associações do ensino?

Quereria s. exa., que nos estabelecessemos nos nossos lyceus cadeiras de instrucção religiosa, onde se ensinassem os dogmas, onde se explicassem as epistolas de S. Paulo, e onde se estudasse a historia da igreja até os tempos da reforma, como se faz nos gymnasios e nas escolas reaes da Allemanha? Tal innovação não me seria repugnante, porque eu quero a instrucção religiosa largamente disseminada, porque vejo n'ella um dos mais seguros penhores da ordem, da liberdade, da justiça e da civilisação; mas s. exa., tão ardente partidario do que se fez la fóra em pontos de ensino, talvez não quizesse nos nossos estabelecimentos de instrucção secundaria uma cousa que não é nova, antes é muito antiga na Allemanha, que s. exa. glorificou aqui com os mais levantados e enthusiasticos encomios.

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Eu admiro tambem a grande nação allemã; admiro a Allemanha na riqueza e na originalidade da sua lingua; admiro-a no seu movimento scientifico, que é o mais rapido, o mais fecundo e admiravel dos tempos modernos; admiro-a nos seus famosos e brilhantes modelos litterarios, na multiplicidade quasi innumeravel das suas escolas e no larguissimo derramamento da sua instrucção; (Apoiados) mas não a admiro em muitos dos seus sabios, revolucionarios nas theorias e nos livros, mas auctoritarios e subservientes na vida politica e na pratica social. (Apoiados.)

E não quero a Allemanha para modelo de governo do meu paiz. (Apoiados.)

Eu nunca proporei para modelo do meu paiz, e declaro que no que vou dizer não me refiro a ninguem especialmente, qualquer nação que esteja organisada como uma potentissima machina de guerra, que sorva a substancia e a seiva dos que trabalham, e que abra no templo augusto da civilisação essas largas, fundas e medonhas brechas, onde ficam nodoas sangrentas e ruinas melancolicas, (Apoiados) e donde irrompem e golfam, não os clarões de luz esplendida, que illumina a intelligencia dos povos, mas as lavaredas do incendio, que scintilla, destroe e aniquilla os monumentos da arte e os thesouros do saber. (Vozes: - Muito bem.)

Para modelos do meu paiz eu prefiro a Bélgica com a sua liberdade e a sua prosperidade, a Suissa com a sua simplicidade e a sua instrucção, a Hollanda com o seu trabalho e com a sua industria. (Apoiados.)

Portanto, póde o illustre relator fallar diante de mim das nações mais adiantadas, que não mo incommoda nem me perturba.

Eu fui sempre progressista. Ha vinte e um annos que tenho a honra de militar n'este partido, e nunca ninguem me achou mal no seu gremio, nem deslocado á sombra da sua bandeira. (Apoiados.)

Na tribuna parlamentar, na imprensa e nos comicios, em toda a parte onde se falla, se lida, e se entrevem mais ou menos na opinião e na governação dos povos, tenho defendido sempre as liberdades e as franquias populares, (Apoiados.) tenho sustentado constantemente as idéas mais rasgadas e mais generosas do progresso e da civilisação. (Apoiados.)

O illustre deputado, quando disse aqui, relativamente ao ensino technico e profissional, que elle não podia ainda em larga escala ser estabelecido e fundado entre nós, porque era necessario attender-se aos habitos e até aos interesses nacionaes, se não são infiéis os meus apontamentos, enfileirou-se tambem ao meu lado, porque julgou essa instrucção intempestiva e inopportuna. Vou terminar.

Agradeço em meu nome, em nome da commissão, e em nome da camara, a benevolencia, a consideração e o bom aviso com que o sr. ministro do reino tem recebido todas as ponderações, todos os additamentos e todas as emendas tendentes a melhorar este projecto.

Estou convencido de que s. exa. presta um relevantissimo serviço á instrucção e á civilisaçào do paiz, porque este projecto, não obstante alguns defeitos que possa ter, ha de satisfazer, em grande parte, ao seu justissimo fim, e levantar do seu abatimento os nossos estudos secundarios.

E a v. exa. e a camara agradeço a generosa benerolencia com que me escutaram.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e por alguns dos srs. ministros.)

O sr. Alves da Fonseca (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga suficientemente discutida a materia d'este capitulo, sem prejuizo da proposta que foi apresentada, e das que houverem de o ser, e que a commissão terá de examinar.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Penha Fortuna: - Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao sr. deputado, porque foi pela camara julgada discutida a materia do capitulo.

O sr. Penha Fortuna: - V. exa. não poderá dar-me a palavra; mas o que me parece que v. exa. não póde tambem é prohibir qualquer deputado de mandar para a mesa propostas relativas ao capitulo.

O sr. Alves da Fonseca: - Isso não esta prejudicado pelo meu requerimento.

O sr. Presidente: - Os srs. deputados podem mandar para a mesa quaesquer propostas relativas a este capitulo. Isso é mesmo do regimento.

O sr. Penha Fortuna: - Então mando para a mesa a minha proposta.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que a palavra "letras" do artigo 10.° se acrescente "e sciencias" e que se modifique n'este sentido a doutrina do artigo 16.° = Penha Fortuna.

Enviada á commissão.

O sr. Conde de Bomfim (José): - Mando para a mesa uma proposta.

Leu-se na mesa e é a seguinte:

Proposta

Proponho que no artigo 6.°, quando se trata da designação das disciplinas, se inclua mais "a eloquencia", que, na ordem ali mencionada, póde ser a 5.º, e fará parte de todos os differentes cursos.

Sala das sessões, 16 de março de 1880. = Conde do Bom-im (José).

Enviada á commissão.

O sr. D. Miguel de Noronha: - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Capitulo 2.°

Proponho que o ensino da gymnastica faça parte do urso dos lyceus.

Proponho que as aulas dos lyceus sejam concedidas a quaesquer professores para lições nocturnas de instrucção secundaria. = D. Miguel de Noronha, deputado pelo circulo dos Olivaes.

Enviada á commissão.

Posto a votação o capitulo 2° por artigos, foram approvados successivamente todos.

O sr. Presidente: - Está, portanto, approvado o capitulo 2.°, salvas as propostas que durante a discussão foram offerecidas, e que vão á commissão.

Agora vae dar-se conta de um officio que foi recebido do ministerio da justiça.

Leu-se. Pede-te n'elle licença para que o sr. deputado Henrique de Macedo possa ir depor, como testemunha, em um processo no tribunal da Boa Hora.

Foi concedida a licença pedida.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

E N.º 165

Senhores deputados da nação portugueza. - A nós, como interpretes dos interesses de todos os associados do monte pio progresso villanovense, cumpre-nos, exige mesmo a missão que acceitamos, que pugnemos por todos os modos, a ponhamos em campo todos os mais serios esforços, para que aquella instituição destinada, como todas as associações de soccorros mutuos, a preencher grandes fins, possa alcançar um futuro prospero o duradouro.

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Compenetrados de que seja este o nosso dever, apresentamo-nos perante os illustrados representantes do paiz expondo-lhes as nossas, por certo rascaveis e justas, reclamações, com respeito a um assumpto que brevemente terá de ser ponderado pelo parlamento portuguez, o qual sem duvida saberá fazer justiça e tomar no devido peso as considerações que lhe são dirigidas por quem se considera menos protegido.

Queremos referir-nos a proposta de eoi n.° 9, apresentada ao parlamento pelo exmo. ministro da fazenda, a qual diz respeito a imposição de um imposto geral sobre o rendimento, medida financeira que, como expõe o illustre ministro no relatorio que precede as suas propostas, se acha ao presente em vigor em nações estranhas, onde a civilisação tem lançado potentes e solidas raizes.

O artigo 1.° da mencionada proposta, sendo por nós sufficientemente considerado, fez-nos crear serias duvidas, que cremos justificadas, sobre se a sua doutrina, que passamos a transcrever, tem applicação ao monte pio, a frente de cuja direcção nos achamos, e, em geral, ás associações de igual indole.

Com effeito, as suas palavras: "É creada uma contribuição geral sobre o rendimento, a qual ficam sujeitas todas as pessoas nacionaes ou estrangeiras, que tenham rendimento superior a 150$000 réis", parecem-nos um tanto obscuras pelos motivos que passamos a expor.

No termo pessoas, a quem o imposto devera ter applicação, estarão comprehendidas as pessoas moraes, taes como são definidas no artigo 32.°, titulo IV, do codigo civil, e conseguintemente ficarão obedecendo a esse gravame as associações ou corporações temporarias ou perpetuas?

Eis a hesitação que se nos deparou logo ao examinarmos aquella proposta; e eis ahi tambem o fundamento, a causa determinante da representação que nos sujeitamos ao sabio exame dos eleitos do povo.

Seria por certo, e verdadeiramente penoso, que as associações do caracter do monte pio progresso villanovense, cujas condições de existencia, cujo meio de vida são acanhadissimos, nas quaes as minguadas prestações dos associados são absorvidas, por assim dizer, em soccorros e auxilios que se lhes faculta; seria penosissimo, repetimos, que essas associações fossem sobrecarregadas nos seus redditos com um encargo, dictado por certo por idéas mais justas e mais plausiveis do que as de dizimar o fructo precario das economias de tantos individuos; encargo que se faria sentir com bem negros resultados, visto o seu fundo ser na totalidade composto de papeis de credito.

As associações de soccorros mutuos, alem disso, são instituições que pela sua indole e pelo seu prestimo se tornam credoras de toda a rasoavel protecção por parte dos poderes publicos, pois é grandioso o concurso efficaz que prestam para a prosperidade moral e physica dos individuos.

As associações, ainda mais devem ser incitadas entre nos, para que em periodo não distante possam attingir o pasmoso grau de prosperidade que têem tido na Belgica, e o desenvolvimento a que têem attingido em muitas outras nações.

D'estas mesmas idéas estamos certos de que esta profundamente compenetrada a representação nacional; e por isso nas nossas considerações não temos em vista se não propugnar para que uma lei de tanto vulto sáia menos gravosa na parte que nos diz respeito, e ao mesmo tempo isenta de duvidas e subterfugios por onde ella venha a perder toda a sua efficacia, dando motivo a injustiças e arbitrariedades, que depois appareçam á luz com todos os seus pungidissimos effeitos.

São estes os unicos effeitos que nos incitam a dirigirmo-nos ao parlamento; e ao terminar ousamos implorar aos doutos representantes da nação, que envidem os seus mais ardentes e salutares esforços para que a citada proposta de lei n.° 9 não tenha applicação a associações do caracter do monte pio progresso villanovense, sendo para isso esclarecida convenientemente a doutrina do mencionado artigo 1.°

D'este modo, os representantes do povo, os interpretes dos seus interesses o fautores da sua prosperidade, darão um publico e solemne testemunho de se tornarem credores da veneração da patria. - E. R. Mcê.

Villa Nova de Gaia, e secretaria do monte pio progresso villanovense, 8 de março de 1880. - (Seguem as assignaturas.)

E N.° 171

Senhores deputados da nação portugueza. - Os abaixo assignados, pilotos da barra da foz do Douro, acabam de ler no jornal o Commercio do Porto, que em sessão da camara dos senhores deputados, de 3 do corrente, o sr. deputado Tavares Crespo dissera achar-se submettido a consideração de s. exa., o ministro da marinha, um requerimento de Joaquim Francisco Moreira, Antonio José Ferreira e João Vicente de Carvalho, capitães de navios, no qual pedem a revogação do artigo 5.° n.º 1.° do regulamento geral do serviço de pilotagem, approvado por carta de lei de 6 de maio de 1878, requerimento reforçado, no mesmo sentido, por 45 negociantes, directores do companhias de seguro e carregadores de navios d'esta praça.

Os supplicantes, pilotos da barra do Douro, pedem-vos, senhores deputados da nação portugueza, vos digneis ponderar que este apoio aquelle requerimento é dado por mercê e favor, e solicitado pelos interessados, e que seria inconvenientissima, sob todos os pontos de vista, a referida revogação porque o serviço de pilotagem d'esta barra, exigindo que os pilotos d'ella tenham toda a robustez, muita pratica e toda a agilidade, ou, em outros termos, que tenham olho vivo e pé leve, nenhum dos tres signatarios do requerimento se acham n'estas condições.

Se o supracitado regulamento carecesse da revogação que pedem, entendem os supplicantes que deveria ser para restringir o maximo da idade a trinta annos, e não para a ampliar, porque lhes parece que mesmo trinta e cinco annos já são de mais para começar a vida de piloto.

Os supplicantes estão convencidos que o vosso muito saber e perspicacia, senhores deputados da nação portugueza, attendendo ás conveniencias publicas, e a que o referido regulamento as satisfaz plenamente por se achar num subido grau de perfeição, a ponto de poder servir de modelo, não consentirão que se toque, sem uma larga experiencia de annos, n'um unico ponto d'elle; por isso os supplicantes, pilotos da barra da foz do Douro, vem respeitosamente - Pedir-vos, senhores deputados da nação portugueza, que insteis com o governo, para conservar o maximo da idade de trinta e cinco annos, disposta no artigo 5.° n.° 1.° do regulamento geral do serviço de pilotagem das barras e portos do continente do reino e ilhas adjacentes, approvado por carta de lei de 6 do maio de 1878.

Porto, 6 de março de 1880. - (Seguem as assignaturas.)

E N.º 172

Senhores deputados da nação portugueza. - Os abaixo assignados, vogaes da junta de parochia da freguezia de Verride, tendo conhecimento de que pelo exmo. ministro das obras publicas fóra apresentada uma proposta, para ser approvado o contrato provisorio com a companhia real dos caminhos de ferro para a construcção de uma outra via de Torres Vedras, que partindo de Lisboa vae entroncar em Pombal com a linha do norte, vem respeitosamente ponderar a v. exas., que antevendo a vantagem de similhante melhoramento, não a reconhecem comtudo pelo que diz respeito ao entroncamento em Pombal.

Aos abaixo assignados afigura-se-lhes que, desviando-se

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o traçado d'aquella linha da estação de Pombal, e seguindo de Leiria directamente a Lavos, e d'aqui pela margem esquerda do Mondego, passando nas proximidades do Bicando e Verride a entroncar na linha do norte, no sitio do Talhador, entre Alfarellos e Villa Nova do Anços, ou na Granja de Olmeiro, era de muito mais vantagem, pelas considerações que passam a expôr.

São bastante importantes as duas freguezias de Lavos o Paião, não só pela sua grande população, mas tambem pela riqueza de suas vinhas, que produzem approximadamente tres mil pipas de vinho, pela fertilidade dos seus terrenos, pelas suas importantes salinas e arrozaes, e pela abundancia de pescaria das costas da Leirosa, Lavos e Cova, sendo em grande escala a exportação d'estes productos.

Approximando-se tambem este traçado, a que vimos de nos referir, do porto da Figueira da Foz, liga mais directamente esta importante terra com a cidade de Lisboa, lucrando, portanto, as grandes relações commerciaes que existem entre uma e outra.

Existem no Bicanho, e nas proximidades d'esta villa de Vemde, duas importantes nascentes de aguas sulforosas, que muito se recommendam pela sua riqueza medicinal, acrescendo a circumstancia de que Verride, terra essencialmente agricola e importante pela fertilidade de seus terrenos, exporta bastante milho para diversos pontos do paiz.

Tambem n'esta villa da Verride se estabeleceu ha annos uma companhia ingleza, tendo montado uma machina de serrar pedia, destinando-se a exportar para Inglaterra alguns marmores, e differentes peças de cantaria, bem como para differentes pontos do paiz, e que por certo daria maior desenvolvimento a esta industria, passando nas suas proximidades aquella linha ferrea.

Com o entroncamento da linha do norte no sitio do Talhador, ou Granja do Olmeiro, ou mesmo de Formoselha, lucra muito a cidade de Coimbra, porque se approxima muito mais da Figueira da Foz, sendo tambem do reconhecida vantagem para esta importante villa aquelle entroncamento.

Por todos estes motivos, os abaixo assignados, conscios da justiça d'esta sua representarão, confiam em que v. exa. tomarão na devida consideração o que acabam de expôr, por isso - Pedem deferimento - E. R. Mcê.

Verride, 14 de março do 1880 - (Seguem as assignaturas )

E N.° 41

Illmos. e exmos. srs. deputados da nação.- Pela lei de 6 de junho de 1864 as camaras municipaes são obrigadas a consignar nos seus orçamentos a terça de seus rendimentos, para a construcção das estradas municipaos de 1.ª e 2.ª classe; e a camara municipal de Moimenta da Beira tem cumprido religiosamente com esse dever, possuindo por isso accumulado, um peculio, sem que, desde então, tenha empregado sequer um real com o destino marcado n'essa lei, e muitas são as rasões, pelas quaes tem ella deixado de ser cumprida.

A principal d'essas rasões é, não ter necessidade de estradas municipaes de 1.ª classe que lhe dêem boa viação entre este concelho e os limitrophes, pois, limitado por leste com Sernancelhe, por o sul e sudoeste com Satam e Fragoas, pelo este com Mondim, por leste-nordeste com Taboaço, tem facil communicação com Mondim e Sernancelhe, pela estrada real n.º 44, que tem direcção leste ao este, e tambem a terá brevemente com os concelhos de Satam, Fragoas e Taboaço, pela estrada districtal n.° 40 em construcção, e que terá a direcção do sudoeste a leste-nordeste, cujas estradas só cruzam dentro d'esta villa

Pelo norte limita este concelho com o de Armamar, e d'esse lado sómente nos cumpriria fabricar 3 kilometros, se n'essa direcção não estivesse, como está marcada, uma estrada districtal.

Quanto ás estradas municipaes de 2.ª classe, ou vicinaes, não está estudado o plano, nem o districto possue actualmente pessoal technico habilitado, que possa destinar ao emprego d'esse serviço.

Exmos. srs. deputados da nação, as conquistas da civilisação moderna crearam á sociedade necessidades, que impõem pesado sacrificio aos povos, e vós sabeis que elles quanto menos podem, mais são sobrecarregados cora o peso das contribuições, e a camara municipal de Moimenta da Beira não póde, e por isso não devo fazer contribuir mais do que para despezas ordinarias os seus municipes; mas tendo extrema necessidade de dar um passo na senda dos progressos materiaes do seu concelho, construindo, não só uma cadeia comarcã, que tenha as condições exigidas pela hygiene, pela segurança, pela humanidade e pela moralidade, mas tambem uma torre para o seu relogio official.

N'estes termos, exmos. srs. deputados da nação portugueza, a camara municipal de Moimenta da Beira - P. que voteis uma lei, que a auctorise a desviar da dotação das estradas concelhias, creada segundo a lei de 6 de junho de 1864, a quantia de 5:000$000 réis, sendo róis 3:500$000 com destino aquella cadeia, e 1:500$000 réis para a construcção da torre para o relogio official. - E. R Mcê.

Paços do concelho de Moimenta da Beira, 10 de março do 1880 - (Seguem as assignaturas )

E N.° 42

Senhores deputados da nação portugueza. - A camara municipal do concelho do Santa Cruz, do districto do Funchal, interpretando o sentir geral dos seus municipes, vem respeitosamente solicitar do parlamento a approvação das medidas que, no interesse geral dos povos d'esta ilha da Madeira, acabam de ser apresentadas pelos dignos deputados que representam os diversos circulos d'esta provincia.

É obvio o alcance de taes medidas se attender a que a Madeira lucta de ha annos com os desastrosos effeitos de uma crise agricola.

As vinhas, sua principal fonte de riqueza, desappareceram, a canna de assucar decaíu de valor com a baixa dos assucares, os cereaes baixaram com a prodigiosa concorrencia dos cereaes americanos; n'uma palavra, todas as fontes de riqueza publica ou se estagnaram, ou estão decadentes.

N'estas circumstancias, só do conjuncto de algumas medidas acertadas póde renascer a esperança de fazer voltar a Madeira, senão á sua prosperidade passada, ao menos a uma medianía mais solida, esta, porem, só poderá assegurar se pela approvação das propostas ultimamente apresentadas no parlamento pelos dignos deputados por este districto.

A isenção por dez annos do imposto de exportação sobre o vinho da Madeira, a prorogação das disposições da carta de lei de 4 de fevereiro de 1876, que admittiu no continente do reino e nas ilhas dos Açores o assucar produzido na ilha da Madeira, livre de direitos; a permissão do pagamento das contribuições em prestações, o empréstimo de 200.000$000 réis applicado ao aproveitamento de aguas o tiragem de levadas, e, finalmente, a arborisação das serras por conta do governo, taes são as propostas que este municipio pede sejam approvadas.

Juntando a nossa voz á dos dignos deputados pela Madeira, tornamos nossas e reunimos n'um unico clamor, as aspirações dos povos não só d'este concelho, mas de todos os do archipelago da Madeira, e por isso ousâmos erguer esta humilde supplica até o seio da representação nacional, na esperança de sermos attendidos. - P. á camara dos senhores deputados lhe defira - E. R. Mcê. - (Seguem os assignaturas )

Sessão de 16 de março de 1880

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E N.º 43

Senhores deputados da nação portugueza. - A camara municipal da cidade do Funchal, representante do primeiro concelho do districto do mesmo nome, vem perante os eleitos da nação solicitar com instancia que sejam discutidos e approvados, nesta sessão, os projectos de lei apresentados pelos representantes d'este districto, relativos a prorogação da lei de 4 de fevereiro de 1876, que isentou do pagamento do direito de importação no continente do reino o assucar de producção d'esta ilha, o que pede a isenção do pagamento do direito de exportação dos nossos vinhos, ou pelo menos que seja esse direito equiparado ao que paga o vinho de Portugal, e o projecto sobre a arborisação das nossas serras.

São tão desenvolvidos os relatorios que precedem esses projectos, tão especiaes as circumstancias d'este districto, e tão difficil e conhecida a situação economica e agricola que atravessamos actualmente, que esta camara, para não cansar a attenção da camara dos senhores deputados, se julga dispensara de repetir os argumentos e considerações que justificam estas medidas e a urgencia da sua approvação, limitado-se a implorar da benevolencia da camara uma resolução breve.

Funchal, em vereação de 26 de fevereiro de 1880. - (Seguem as assignaturas).

E N.° 44

Senhores deputados da nação portugueza. - Os abaixo assignados, presidente e mais vereadores da camara municipal do concelho de Carrazeda de Anciães, vem ao seio da representação nacional apresentar as considerações, que lhes despertou o conhecimento das propostas tributarias do exmo. ministro da fazenda.

Não desconhecem os abaixo assignados o estado precario das finanças do paiz, e que esse estado reclama de todos os cidadãos um patriotico e indispensavel sacrificio; mas entendem que esse sacrificio não deve ser de tal ordem que esterilise as fontes da receita publica, e vá crear para um futuro proximo um estado mais grave ainda que o actual.

As medidas tributarias, ultimamente apresentadas no parlamento, poderão melhorar momentaneamente o estado da fazenda publica, mas é certo que attenta a má
escolha da matéria collcctavel e do processo de arrecadação do imposto, dentro em pouco se ha de reconhecer pelo decrescimento da riqueza, e, portanto, da receita do estado, que o allivio fóra apenas apparente e ficsicio, e que o mal que affligia as finanças da nação recrudesceu com a applicação de tão inconvenientes remedios.

Quando se ataca com tal intensidade todas as manifestações da riqueza de um povo, quando uma fonte de rendimento já collectada é ainda sobrecarregada com segundo e terceiro imposto, quando o incommodo e vexame produzido por certas contribuições é ainda consideravelmente aggravado, não póde esperar-se outra cousa senão um definhamento progressivo da riqueza, uma diminuição da producção, uma paralisação do commercio e das industrias e da prosperidade, e uma reducção era breve tempo de toda a receita publica.

O novo imposto sobre o rendimento, sob a fórma de um imposto novo, não é mais que uma duplicação de impôs tos, quer se considere applicado a propriedade, já onerada com os encargos predial e de real de agua, quer a industria já contribuida, quer aos capitães sobrecarregados já com o imposto sobre os bancos e companhias e com a decima de juros.

O imposto sobre o rendimento, admissivel como imposto unico, é um onus pesadissimo reunido ás multiplices e variadas contribuições existentes.

Alem d'isto, a propria natureza deste imposto, obrigando o estado a penetrar e introduzir-se no viver domestico de cada um, o que para muitos é mais duro que o pagamento do mesmo imposto, acrescenta ao proprio encargo da contribuição o incommodo e vexame a que sujeita o contribuinte.

O imposto do real de agua, sem duvida de todos os impostos o que mais repugnancia promovia pelos vexames a que sujeitava, póde pela proposta n.° 8, ser dado por arrematação. Tudo o que este imposto tinha de vexatorio vão agora ser centuplicado com a arrematação do mesmo imposto, e se até agora já era oneroso e incommodo, tornar-se-ha com a arrematação intoleravel.

Se se entende que este imposto não produz o que poderia e deveria produzir, o que ha a fazer é melhorar o systema de fiscalisação, e não introduzir entre o estado e o contribuinte um medianeiro, que procurara por seu interesse explorar exageradamente a contribuição especulando com o direito do que fica armado.

Por este motivo os abaixo assignados, convencidos de que as medidas tributarias do sr. ministro da fazenda não podem melhorar o estado das nossas finanças, antes as devem comprometter cada vez mais, protestam desde já contra essas medidas, especialmente contra o novo imposto sobre o rendimento e a auctorisação para a arrematação do real de agua.

Esperam que os representantes da nação, conhecidos das circumstancias do povo, não darão a sua approvação a propostas que podem seriamente comprometter o bem estar e prosperidade do paiz. - E. R. Mcê.

Camara municipal do concelho de Carrazeda de Anciães, 9 de março de 1880. -(Seguem as assignaturas.)

E N.º 45

Senhores deputados da nação. - A camara municipal de Montemor o Velho, composta na sua maioria da proprietarios-lavradores, e representante de um municipio em que todos vivem da industria agricola, faltaria ao seu dever, na presente conjunctura, se não viesse, ante a representação nacional, expor, com a linguarem rude e sincera dos homens do campo, a triste situação dos que em Portugal vivem da terra.

Não é só a contribuição predial que pesa sobre os proprietarios. Affecta-os igualmente a do real de agua, que, recaindo sobre productos agricolas, diminue o preço d'estes. Prejudica-os a pauta aduaneira e a contribuição industrial no preço dos objectos manufacturados, que carecem de adquirir, e na elevação do salario dos seus rendeiros e operarios. Embaraça-lhes o melhoramento da terra e conseguintemente o desenvolvimento da producção a decima de juros, que encarece o capital. Finalmente, aggravam a situação do proprietario-lavrador os impostos que pesam sobre os empregados publicos e outras classes, e que, diminuindo-lhes os meios de viver, limitam o consumo dos productos da terra.

E em compensação de todos estes gravames, que vantagens offerece a nossa legislação ao proprietario rural? A livre importação de cereaes estrangeiros, mediante um direito que não esta em relação com as despezas da cultura entre nós; é a livre emigração de braços, que, se a agricultura nacional fosse mais protegida, encontrariam no paiz facil e lucrativo emprego.

Para aggravar ainda mais a situação da nossa propriedade territorial, a natureza dá-nos, ha annos, o oidium, a phylloxera, a molestia das batatas, das laranjeiras, dos castanheiros e dos pinheiros, as inundações e mil outros flagellos!

Não parece, pois, asado o ensejo para tributar com direitos relativamente pesados a exportação do gado gordo, da cortiça e do outras riquezas agricolas.

Nem é, tão pouco, opportuna a occasião para aggravar as contribuições que já pesam sobre a propriedade, ou para

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crear impostos novos, que, embora destinados a tributar todos os rendimentos, hão de recair principalmente na renda predial, que não pôde, como as outras, facilmente esconder-se.

Os abaixo assignados não desconhecem que o mais pesado de todos os impostos é o deficit. Mas afigura-se-lhes que este póde desapparecer, ainda que n'um praso um pouco mais longo, com o melhoramento da repartição e arrecadação dos actuaes impostos e com o desenvolvimento da riqueza publica.

Senhores deputados, o paiz lucta actualmente com difficuldades excepcionaes. Não ha trabalho; o preço da terra e dos gados, tendendo sempre para descer consideravelmente, mostra um mal estar geral, principalmente nas povoações ruraes, e a emigração sempre crescente indica a pobreza do paiz. Parece, n'estas circumstancias, preferivel a empobrecer mais a nação com impostos novos, promover o augnuento da materia collectavcl, e experimentar até onde podem subir os impostos actuaes. A experiencia de 1872 a 1878, em que a receita do estado cresceu cerca de réis 7.000:000$000, sem que o augmento do imposto justifique este excesso de receita, esta indicando as vantagens do caminho que aos abaixo assignados se afigura mais consentaneo com os interesses nacionaes.

Com estes fundamentos, pois, a camara municipal de Montemor o Velho, submissa e respeitosamente pede a camara dos senhores deputados, que não dê a sua approvação ás propostas do exmo. ministro da fazenda, tendentes a augmentar a contribuição predial, a crear uma contribuição geral do rendimento e a tributar a exportação de alguns productos agricolas.

Montemór o Velho, em sessão de 14 de fevereiro de 1880. - (Seguem as assignaturas.)

E N.º 46

Senhores deputados da nação portugueza. - A cadeia da Guarda não tem a capacidade sufficiente para conter os presos que costumam entrar n'ella, nem as salas adequadas ás classes dos crimes e ao sexo.

A este grande mal, que torna a prisão uma escola de desmoralisação pela promiscuidade de homens e rapazes, accusados de crimes inteiramente diversos, acresce que a cadeira tem péssimas condições hygienicas, que tornam os soffrimentos mais penosos aos infelizes, que têem de entrar n'ella e ahi permanecer por algum tempo.

Os que antes da entrada eram robustos e cheios de vida, tornam-se depois anemicos e lividos, em consequencia do ar infecto que respiram, sendo, por certo, mil vezes preferivel o viver entre os indomitos selvagens dos rudes sertões da Africa, a viver na cadeia da Guarda, verdadeira masmorra, só propria de tempos em que se professavam theorias penaes diametralmente oppostas ás da actualidade.

Em vista d'estas considerações, que nada têem de exageradas, como se prova pelos officios dos dignos agente do ministerio publico na comarca e delegado de saude no districto, a camara municipal d'esta cidade, guiada pelos sentimentos de humanidade e no intuito de minorar os soffrimentos aos presos, pretende mandar construir uma nova cadeia que offereça as condições hygienicas e capacidade que a actual não tem, pois alem de ser um verdadeiro supplicio para o espirito, deteriora o organismo a ponto de que todo o que n'ella entra, e ahi permaneça por alguns mezes, fica impossibilitado do se dedicar aos trabalhos dos nossos campos por carencia absoluta de forças.

Para realisar este indispensavel melhoramento, que sobreleva a todos os outros, alias muito importantes, o que a civilisação urgentemente reclama, entende a camara do concelho da Guarda que, não sendo possivel aggravar mais as contribuições municipaes directas e indirectas, sem grande abalo para os municipes, só com os fundos da viação municipal se poderá levar a effeito obra tão importante.

Com isto não quer a camara significar que este municipio tenha muitas estradas, e que despreza as vantagens provenientes da viação municipal; significa simplesmente que estes melhoramentos podem ser adiados para tempos de maior prosperidade financeira do concelho, emquanto que a construcção de uma nova cadeia, nas condições verdadeiras exigidas por lei, é inadiavel e é reclamada pelos sentimentos do caridade para com os infelizes, que jazem na actual, sem luz, nem ar, expostos a uma morte lenta.

Pelos fundamentos allegados a camara municipal da Guarda pede aos illustrados srs. deputados da nação portugueza se dignem conceder-lhe a faculdade de, para este melhoramento, applicar 8:000$000 réis, da viação municipal, e bem assim auctorisação para vender o actual edificio do tribunal e cadeia e duas propriedades rusticas chamadas, o Rocio em Valhelhas e o Cabeço das Perdizes no Jarmello, revertendo o producto da venda para a construcção da nova cadeia e tribunal. - E. R. Mcê.

Paços do concelho da Guarda, em sessão de 19 de fevereiro de 1880. - (Seguem as assignaturas).

Delegação da procuradoria regia na comarca da Guarda. - Illmo. e exmo. sr. -Respondendo ao officio de v. exa. com data de 13 de fevereiro de 1880, sob o n.° 396, em que v. exa. me pergunta "se a cadeia d'esta cidade tem a capacidade proporcionada ao movimento regular dos presos que n'ella costumam dar entrada, e bem assim se tem salas adequadas ás classes dos crimes e sexos" sou a dizer o que segue:

Tem a cadeia da Guarda, como v. exa. sabe, tres salas - uma ao rez do chão, enxovia - duas no primeiro andar, uma que serve de prisão aos homens e outra ás mulheres. Nenhuma d'estas salas tem capacidade para comportarem mais que quatro a cinco pessoas, e no entanto as duas primeiras têem, regularmente, cada uma d'ellas doze a quinze presos! Nenhuma das prisões tem luz nem ventilação que bastam!

Na enxovia que, como prisão, só seria acceitavel quando as prisões ainda não eram uma questão social, mas instrumentos, de supplicio e castigo, só então deveria ser destinada a tal fim, hoje nunca. É no entanto a necessidade leva-me a ter ali não só presos condemnados a penas maiores, mas até os que estão a cumprir penas corroccionaes, e ainda simples indiciados! Doe-me a alma de o fazer; mas não penso ter na sala do primeiro andar vinte ou mais presos. Seria absurdo. Não pôde, pois, fazer-se a separação de presos, por crimes e idades. Ficam, portanto, estas prisões, em vez de meio de correcção, escolas de crime e desmoralisação!

Emquanto á sala, que serve de prisão ás mulheres, é insuficiente para o movimento, que ha n'esta cadeia, e por ser uma sala só, não póde haver separação de presas nem pelas idades, nem pela differença de crimes.

Em vista do que venho de dizer, não podem nem presos nem presas trabalhar. Não têem espaço para tal as salas, nem luz.

Emfim uma tal cadeia é digna de tempos que já passaram, e em que as cadeias serviam ao prazer da vingança, e aos interesses dos dominadores; hoje, porém, que os criminosos devem, em geral, ser considerados uns desgraçados, mais dignos de compaixão do que de incriminações, as penas a inflingir-lhes devem mirar mais a moralisal-os, que a atormental-os, e aquelle fim numa tal cadeia é impossivel, ao passo que este consegue-se completamente.

Eis o que se me offerece dizer em resposta ao officio em que v. exa. fez a honra de me pedir informações acerca da cadeia d'esta cidade, que se a pena de morte ainda existisse bem se podia chamar a ante-camara do ultimo supplicio.

Deus guarde a v. exa.. Guarda, 14 de fevereiro de

Sessão de 16 de março de 1880

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1880. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara municipal da Guarda. = O delegado, Carlos Augusto Pinto.

Illmo. e exmo. sr. - Em resposta ao officio de v. exa., n.° 397, de 13 do corrente, cumpre me dizer-lhe que nas cadeias, d'esta cidade, não se encontra cousa que se pareça com a menos importante das condições hygienicas exigidas em taes estabelecimentos.

Estas poucas palavras resumem toda a verdade, que não procuro desenvolver por ser superfluo, e para não cansar a attenção de v. exa.

Deus guarde a v. exa. Guarda, 17 de fevereiro de 1880. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara municipal da Guarda. = Delegado de saude, Julio Cesar de Andrade.

Rectificações

Na sessão de 13 de março, discurso do sr. deputado Guilherme de Abreu, pag. 877, col. 2.ª, linhas 16 e 17, onde se lê = Directa e explicitamente, nada indirecta e implicitamente = leia-se = Directa e explicitamente, nada: indirecta e implicitamente =.

Na dita sessão, discurso do mesmo sr. deputado, pag. 878, col. 2.ª, linha 34, onde se lê = immensos = leia-se = innumeros =.

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