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Discurso que devia ser transcripto a pag. 806, col. 3.ª, lin. 29.* do Diario de Lisboa, na sessão de 15 de março

O sr. Carlos Bento: — Peço desculpa á camara de ter de occupar ainda a sessão actual, fazendo algumas considerações sobre o projecto em discussão.

Na sessão passada tinha eu declarado que me parecia que o illustre ministro da fazenda, no calculo que tinha apresentado sobre as probabilidades que garantem ao estado a integridade da somma recebida até aqui pelo monopolio do tabaco, tinha sido um pouco illudido, como não admira que o seja quem tem vivos desejos de que as suas idéas sejam aceitas.

Disse isto com tanta confiança, quanto é certo que o illustre ministro da fazenda para a feitura do orçamento do calculo das probabilidades do ingresso do rendimento, não pôde consultar dados estatisticos que garantissem a efficacia do augmento que s. ex.ª promette emquanto á quantidade do genero de que se trata consumido no paiz.

S. ex.ª recorreu ás estatisticas já publicadas, e sobre ellas é que fundou, na minha opinião com a approximada exactidão, a probabilidade, eliminando no orçamento o elemento do contrabando, de que mais tarde me occuparei. Digo que s. ex.ª calculou com a approximada exactidão á vista dos documentos que teve presentes, quaes são as sommas que o thesouro vem a auferir depois da mudança do systema proposto por s. ex.ª. Mas s. ex.ª, quando tratou de estabelecer a probabilidade de um certo rendimento que vem constituir um augmento de mais de duzentos e tantos contos, que é o quanto presume ha de dar este rendimento, estabeleceu a sua base sobre dados completamente arbitrarios.

Eu não digo que o sr. ministro o fizesse voluntariamente; foi pelo facto de não ter á sua disposição dados positivos sobre os quaes podesse firmar este calculo. Mas na ausencia d'estes dados positivos, o sr. ministro não pôde deixar de concordar que o calculo da sua probabilidade está reduzido á mais ephemera condição com relação ao fundamento que pôde ter a respeito d'este genero.

Eu direi mais, em continuação ao argumento apresentado por mim na sessão passada, que duvido de que nós possamos contar como acrescimo de rendimento de um genero, ao qual nós vamos estabelecer um direito superior aos direitos que em Inglaterra se pagam pelo mesmo genero.

No relatorio do sr. ministro da fazenda diz se que = para o pagamento dos direitos do tabaco não se foi buscar o typo das antigas tabellas inglezas, em que os direitos eram mais elevados, e que os que se propõem no projecto são um pouco menores do que os que se pagam nas alfandegas de Inglaterra =; querendo tirar d'ahi implicitamente o argumento de que podemos contar que hão de ser cobraveis entre nós os direitos que s. ex.ª calculou. Mas sendo certo que os direitos, segundo o projecto, são maiores, quanto á manufactura dos charutos, do que os que actualmente se pagam em Inglaterra, deve isto servir de argumento para se duvidar de que a imposição de um direito mais forte do que se paga em Inglaterra possa garantir o augmento do consumo d'aquelle genero.

O ministro inglez que modificou o direito excessivo que havia em Inglaterra, reduziu o direito sobre os charutos a 5 shellings por libra do peso, inferior ao direito de 20800 réis que nós estabelecemos para o mesmo genero; sem contar n'este calculo os 3 por cento addicionaes que figuram no nosso imposto, e que não figuram n'este imposto em Inglaterra, porque os 5 por cento que não entram neste novo direito e que figuram no consumo do tabaco em Inglaterra, passam mesmo n'aquelle paiz por uma velharia; e não se atrevem a tocar n'essa velharia, por isso mesmo que esse imposto rende 5.600:000 libras.

Mas, digo eu, o ministro Inglez estabeleceu este direito sem o augmento d'esses 3 por cento addicionaes, que aqui se propõem, alem de ser já superior ao que se cobra em Inglaterra, augmenta com o direito addicional.

Á vista d'estas circumstancias não me posso lisonjear de que o consumo d'este genero, tributado mais fortemente do que actualmente o é em Inglaterra, nos deva garantir um acrescimo de receita. O que é natural é que este genero tome a direcção de um paiz mais rico, onde a classe opulenta conta membros mais numerosos, que é onde por consequencia se lhe offerece um incentivo para o commercio; dando-se de mais a mais a circumstancia da inferioridade do direito, como effectivamente se dá.

Não duvido que as differentes qualidades do genero concorram de futuro ao nosso mercado, mas limitadamente com relação ás qualidades superiores, sobre o que se não pôde apresentar uma base ou um calculo; observando porém nós o relatorio do illustre ministro da fazenda vemos que o grande consumo no nosso paiz é precisamente do genero do preço mais inferior. Nem isto admira.

Este é o segredo de todo o direito de consumo. A multiplicidade das quotas é que faz a grande somma de direitos, não são os generos destinados mais especialmente ás classes mais opulentas da sociedade; e é por isso mesmo que os economistas dão pouca importancia ao imposto sobre objectes de luxo: mas os economistas não lhe dão importancia alguma; porque dizem que esse direito tem pouca significação. Dizem que a respeito da qualidade de um genero que reverte mais em favor das classes mais abastadas, não se pôde contar tanto com o augmento do seu consumo, como do consumo das qualidades mais inferiores.

É effectivamente o que nós vemos no mappa apresentado por s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, que diz, por exemplo, que =os charutos de 10 réis apresentam uma importancia de uns 600:000$000 réis, e que os charutos de 20 réis apresentam a importancia de 176:000$000 réis =, uma das verbas mais importantes da receita deste ramo entre nós.

Por consequencia, á vista das considerações que á priori se podem estabelecer, e dos factos que naturalmente se deduzem, não se pôde concluir, parece-me, com toda a segurança que são realisaveis as esperanças, nas quaes se funda uma differença de rendimento, sobre a hypothese de que ha de augmentar consideravelmente o consumo de um genero que effectivamente está tributado mais fortemente, do que actualmente está na nação mais rica da Europa.

E ainda digo mais. Parece-me que o mappa estatistico sobre o qual o sr. ministro da fazenda apresentou as suas conclusões, pelo menos sem explicações, as quaes s. ex.ª dará em logar conveniente, eu pelo menos não o posso comprehender inteiramente, porque s. ex.ª suppõe que o consumo n'este paiz, no primeiro mappa é de 1.344:000 kilogrammas, ou approximadamente 1.345:000, porque no mappa está 1.344:906 kilogrammas. S. ex.ª suppõe que este é o consumo do paiz, e suppõe que, para que este consumo tenha logar, é preciso que na alfandega se despachem 1.448:000 kilogrammas, porque deduzindo d'aqui as quebras que deve ter este genero, dá approximadamente 1.344:000 kilogrammas.

Mas no calculo subsequente s. ex.ª suppõe que são despachados na alfandega 1.300:000 kilogrammas, havendo uma differença de 148:000 kilogrammas, os quaes o sr. ministro da fazenda suppõe que hão de ser preenchidos por direitos do tabaco manipulado, que paga um direito mais elevado. Sobre isto é que eu peço com todo o empenho que em occasião opportuna s. ex.ª se explique.

Não comprehendo esta hypothese, a qual me parece que não está fundada em facto algum. O mesmo sr. ministro, quando quer calcular o custo por que o tabaco fica aos contratadores, começa por dividir os 400:000$000 réis do seu capital pelo numero de 1.344:000 kilogrammas, suppondo assim n'esse caso que todo este tabaco é despachado, quando pelo calculo anterior suppõe que só 1.300:000 kilogrammas dará entrada nas alfandegas.

No ultimo mappa da alfandega de Lisboa, de 1861-1862, vejo que se despacharam 1.329:070 kilogrammas de tabaco, ou abatendo 4:000 kilogrammas de tabaco manufacturado, 1.325:070. Somma differente da de 1.300:000 kilogrammas que o sr. ministro da fazenda, emquanto a mim sem fundamento, julga que n'um momento dado ha de vir ao despacho das alfandegas.

Desde o momento em que o consumo é de 1.344:900 kilogrammas de tabaco, torna-se necessario que pelas alfandegas entre uma porção tal de tabaco que, deduzidas as quebras, se resolva n'esta cifra.

Então o calculo não é exacto. Para que o fosse não devia ser feito em presença do mappa do consumo, n'este caso.

Não assentando pois o mappa nos verdadeiros dados estatisticos, pelo menos no que respeita aos documentos até agora publicados (não posso saber quaes são os ultimos dados estatisticos, o que todavia não quer dizer que o sr. ministro e a commissão não os possuam), não encontro motivo nenhum para que se faça um calculo, suppondo que ha de ser despachada na alfandega uma quantidade inferior á que é necessaria para o consumo.

Nas reflexões que tenho até agora feito sobre o assumpto, não me tenho feito cargo do argumento da modificação que ao calculo das probabilidades pôde trazer o elemento do contrabando; tenho-me limitado a demonstrar que os calculos apresentados pelo sr. ministro da fazenda não podem, pela deficiencia de esclarecimentos, ter a auctoridade necessaria para que a camara vote com segurança uma mudança tão radical de systema n'um imposto d'esta ordem.

Eu acho arriscada a tentativa, e tanto mais que não me persuado de que a mudança do systema da arrematação para aquelle que se propõe, traga comsigo o augmento de consumo no nosso paiz, quando o governo fica tendo menos meios de fiscalisação do que aquelles de que dispunham os individuos que dirigiam o negocio do contrato do tabaco.

— O que se tem visto ate hoje e que o consumo não tem augmentado consideravelmente; o rendimento sim, esse tem augmentado muito, ainda que não haja acompanhado o progresso que tem tido em outros paizes.

O rendimento do tabaco para o estado era em 1800 de 844:000$000 réis, e presentemente é de 1.748:000$000 réis, ou, segundo o ultimo mappa da alfandega grande de Lisboa, de 1.768:000$000 réis. Quer dizer, este regimento entre nós dobrou n'este espaço de tempo, em cento e cincoenta annos, conservando-se na maior parte dos generos os preços de venda precisamente o que eram na epocha a que me refiro.

E admirâmo-nos nós muito de que o rendimento em Inglaterra tenha quadruplicado, sem nos lembrarmos da circumstancia de que, alem de ter duplicado a população, o imposto que era de 1 shelling e 7 pences, é hoje de 3 shellings e 5 pences!

Quando a illustre commissão no seu relatorio apresenta como um dos inconvenientes do monopolio o estabelecer um preço invariavel, de certo considera esse inconveniente na presença da falta de concorrencia que o monopolio determina. Mas o ser invariavel o preço depois de seculo e meio é inquestionavelmente uma vantagem para os consumidores do tabaco, a respeito de alguns dos artigos de mais extenso consumo.

Eu não sei que se possa dizer o mesmo a respeito de grande quantidade de productos, e que o preço a respeito deste genero era elevado na occasião em que se impoz. Póde-se admittir a hypothese, mas ha de se considerar o preço a respeito de toda as especies a que elle se applica como um preço exagerado, quando tem atravessado invariavelmente na maior parte das qualidades cento e cincoenta annos de existencia? Parece-me que á primeira vista não se poderá tirar esta consequencia.

E n'este ponto eu chamo a attenção da camara para uma circumstancia.

E com a mudança do systema temos nós as garantias de que o estado ha de auferir a integridade do imposto da maneira por que se estabelece no projecto?

Note a camara outra circumstancia. O sr. ministro da fazenda junta ao direito que o genero paga na alfandega todo o imposto que mesmo em Inglaterra se distribue de outra fórma.

O illustre ministro diz: = Eu melhorei o systema inglez. O imposto de fabricação, que em Inglaterra é causa de um grande vexame, deixa de ser distincto; simplifiquei esse processo sensivelmente, supprimi esse vexame, o genero paga todo o imposto logo á entrada da alfandega =. Entendo que isto é uma questão de nome. O nome do imposto fiscal pago na alfandega não muda ao imposto de fabricação a sua natureza, o que elle tira é a garantia da cobrança.

O governo inglez tambem sabia que era mais simples pagar todo o imposto na alfandega; não eramos nós que lhe haviamos de levar essa idéa. A Inglaterra tem tido homens muitos illustrados á testa da administração das finanças, que perceberiam desde logo que era muito mais simples pagar todo o imposto de um genero á entrada na alfandega, do que distribui-lo successivamente com maior vexame do contribuinte. De certo digo que não tinha escapado á penetração dos estadistas inglezes, que não havia nada tão simples como o pagamento do imposto de uma só vez; mas em Inglaterra entendeu se que para garantir ao estado a cobrança do imposto era necessario distribui-lo de maneira que não fosse pago todo á entrada, porque então ficava mau feitio contrabando invadir uma só linha de fortificações fiscaes; mas nós, com uma facilidade que me assusta, vamos corrigir os erros que o governo inglez conserva ha tantos annos!

E a este respeito cita o sr. ministro da fazenda no seu relatorio a opinião de dois inglezes, mr. Parmell e mr. Bowring, que indicaram que se devia fazer esta modificação. No parecer de uma commissão de inquerito que em 1835 teve logar em França, encontrei eu extractada a opinião desses cavalheiros, e diziam elles, mas isto como um conselho que davam ao governo ou á administração, do systema em França que =juntasse os dois direitos =. Porém esses cavalheiros diziam tambem que =quando se tratasse de fixar direitos era indispensavel faze-lo com toda a prudencia =.

Em todo o caso a opinião d'estes cavalheiros não foi seguida em França, que era o paiz ao qual recommendavam este arbitrio. Apesar da divisão do imposto produzir mais vexames, entendeu-se em Inglaterra que esses vexames eram uma indispensavel garantia dos meios empregados para cobrar o imposto; e nós, note a camara, na occasião em que imitamos a Inglaterra neste ramo, prescindimos desde logo de uma garantia de que ella ainda não prescindiu, apesar de ter modificado tão radicalmente a sua legislação fiscal em tantos pontos importantes, e de a ter modificado debaixo da inspiração dos principios economicos mais adiantados, porque se pôde dizer que a proclamação dos principios mais adiantados em economia politica principiou em Inglaterra e tem conquistado o mundo.

E nesta simples consideração demonstro eu á camara os motivos da minha apprehensão, de que a medida proposta não possa alcançar os desejados e os esperados effeitos.

Esta circumstancia do pagamento do direito de fabricação á parte do pagamento de um direito de alfandega, leva-nos immediatamente á consideração do modo por que o imposto é cobrado em Inglaterra.

Em primeiro logar é preciso saber que as circumstancias em que existe aquelle paiz em relação á percepção deste imposto são inteiramente differentes d'aquellas em que nós estamos para garantir a sua arrecadação.

Este imposto tem, para ser fiscalisado em Inglaterra, duas

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administrações distinctas. Uma é a administração das alfandegas, outra é a administração de excise. A administração do excise tem um numero consideravel de empregados, é uma alfandega interna; e esse grande numero de empregados explica se porque o rendimento dos differentes ramo» que constituem o excise, importa, creio, que em 17.000:000 ou 18.000:000 libras. Por consequencia o direito do tabaco em Inglaterra não está garantido exclusivamente pela fiscalisação da primeira linha das alfandegas. Esse direito está garantido por administrações distinctas, independentes, numerosas e altamente habilitadas (apoiados); tão habilitadas que a administração do excise até tem laboratorios chimicos aonde ensina chimica aos seus empregados. Veja a camara, vejam todos, que condições especiaes se dão na administração em Inglaterra, fiscalizadora de sommas importantes, para garantia de que o estado não seja fraudado.

Desde 1788 que, em Inglaterra, a administração do excise tem ingerencia na recepção do imposto do tabaco. Os vexames d'esta administração são taes e tantos para assegurar a integridade do rendimento, que successivamente se tem modificado em relação a outros objectos; mas aquelles vexames existem ainda com relação ao tabaco e bebidas espirituosas, porque se entendeu que sem a garantia d'essa fiscalisação, embora com vexames contra os quaes se reclama, não podia o estado contar com a integridade da somma que aufere de similhante imposto.

Mas diz-se no relatorio do sr. ministro que nada ha a receiar do contrabando, porque um genero que em grande volume continha pequenos valores não podia offerecer materia ás explorações do contrabando. Oh! Sr. presidente, pois isto pôde sustentar-se na presença da imposição de um direito oito vezes maior, e superior ao valor d'esse mesmo genero? (Apoiados.) Pois um genero, por pequeno valor que tenha, deixa de convidar o contrabando quando o fisco lhe augmenta consideravelmente o valor? (Apoiados.) Pois occultar-se-ha com maior facilidade uma caixa de assucar, do que uma caixa com tabaco? E quem não sabe que tem havido no paiz contrabando de assucar, cujo direito não soffre comparação com o direito do tabaco? (Apoiados.) Sabe-o toda a gente. Não se diga pois, que ha uma garantia para a fiscalisação em o genero ser de pouco valor e de grande volume. O valor está augmentado pela necessidade que temos de auferir uma grande receita de um genero sobre que converge attenta a avidez do fisco de todas as nações, que tem querido tirar d'elle um partido importante. Isto é tanto assim, e é tão importante a sua fiscalisação, que na Inglaterra ha essas duas linhas de alfandega que difficultam o contrabando; e entre nós, como muito bem disse n'uma sessão precedente o meu amigo o sr. José de Moraes, entre nós, aonde artificialmente se dava essa circumstancia, porque até agora a fiscalisação do contrato do tabaco era a fiscalisação do excise particular, acontece muitas vezes, que os empregados da fiscalisação do contrato do tabaco apprehendem objectos de contrabando relativos a outros direitos que devem ser pagos nas alfandegas do reino.

Tambem desejava a possibilidade de uma mudança para um systema que desse menos inconvenientes, mas não podemos dar um passo deliberado nessa mudança, n'essa transição, sem uma garantia de que não venha prejudicar a importancia de um rendimento, cujo desfalque terá de ser substituido de uma maneira deploravel para as finanças do paiz, isto é, pelo imposto directo ou pelo indirecto, tributando o pão, a carne, o vinho e outros generos alimenticios (apoiados). Eu confesso que n'esta parte estou de accordo com a maioria, ou quasi a unanimidade da camara; antes o tabaco pague mais do que os outros generos (apoiados).

Mas, apesar de todas estas garantias que existem em Inglaterra para assegurar a cobrança d'este imposto, que vejo eu? Vejo que o consumo no momento actual póde-se calcular em 543 grammas por individuo, ao passo que em França de 1856 a 1857 esse consumo é de 730 grammas por cabeça. A differença, portanto, da Inglaterra em relação á França não é muito superior á nossa com relação á Inglaterra.

Se o nosso systema actualmente seguido é tão mau que compromette o maior consumo, e por consequencia o maior rendimento do genero, note a camara este argumento que me parece procedente, se na opinião apresentada pelo nobre ministro o nosso systema é mau porque traz uma differença de consumo em relação á Inglaterra, digo que o systema de Inglaterra é mau, porque faz uma differença era relação ao consumo da França. Não dou o argumento como meu, mas é uma consequencia do argumento apresentado pelo illustre ministro da fazenda no seu relatorio, quando diz que nós deviamos seguir o exemplo da Inglaterra, por isso que não pôde contar com a energia da administração franceza na repressão do contrabando. Perguntarei eu, se este argumento é verdadeiro em toda a sua extensão, como pôde dar-se a possibilidade do governo reprimir o contrabando estando a administração deste ramo nas suas mãos, e faltando-lhe os meios de que dispõe a administração ingleza? Vejamos ainda as circumstancias especiaes e geographicas do paiz de que se trata.

Em primeiro logar parece-me que fronteiras terrestres extensas offerecem menos difficuldades do que as costas bastantes inhospitas da Inglaterra. A lista dos naufragios que têem logar n'aquellas costas demonstra que o accesso não é de muita facilidade.

Depois ha um grande numero de individuos encarrega j dos da fiscalisação, individuos que pela natureza da posição em que se acham, não podem deixar de prestar bom serviço. Fallo dos que constituem a reserva da marinha ingleza dos guarda-costas que Inglaterra tem á sua disposição, e que em occasiões ordinarias, e em circumstancias normaes fazem o serviço da fiscalisação, e em occasião de guerra ou de necessidade extrema, são chamados á defeza da independencia nacional. De modo que uma parte destes individuos são um recurso para a boa fiscalisação das costas, e servem de recurso maritimo militar em occasiões difficeis.

Já se vê pois que ha uma grande variedade de elementos, todos revestidos de força, de energia e de vontade, que é condição especial para reprimir o contrabando em Inglaterra.

E no entretanto, haverá alguem que sustente que na Inglaterra não é immenso o contrabando do tabaco? Creio que não haverá ninguem.

O illustre deputado cita a opinião de mr. Parmell, como para demonstrar a necessidade de introduzir uma modificação no pagamento dos direitos; roas eu tambem dizia que mr. Parmell calcula que de 1815 a 1825 o contrabando por anno não foi menor de 2.000:000 libras; somma igual á importancia annual do imposto n'aquelle periodo.

E se o illustre deputado seguiu a opinião de mr. Parmell para a modificação dos direitos, eu tenho alguma consideração pela revelação que elle faz sobre a grandeza do contrabando.

Sr. presidente, eu recorro tambem ás estatisticas que o illustre ministro da fazenda citou. O illustre ministro no seu relatorio apresenta uma estatistica que encontra em uma obra de Maurice Block, na qual se apresenta Portugal como nação que consome pouco do genero de que tratámos; mas n'essa mesma estatistica apresenta-se a Inglaterra consumindo muito menos do que á França, e segundo a opinião de s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, é o systema inglez preferivel ao systema francez. Logo não é a circumstancia do consumo que determina esta preferencia. Se o systema é o meio ou a causa para se consumir menos que em outros paizes, o que se segue é que o systema inglez é peior que o seguido em outras nações, porque dá logar a que se consuma menos. Se o argumento prova contra nós, deve provar contra o systema inglez.

Note bem a camara que as minhas convicções a este respeito são estas. Eu não estou dizendo que o systema inglez, considerando o só debaixo do ponto de vista economico, não seja superior ao francez (o sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Apoiado.), mas digo tambem que nós não podemos ir transformar a economia politica em acção, pelo prazer de fazer triumphar um systema economico e mesmo politico que em França não triumphou, nem na Austria, nem em outras nações. E se houvessemos de sacrificar a nossa opinião á de outras nações, não seria pela victoria dada a um principio economico, esteril neste ponto, porque estes objectos de consumo não inspiram a maior sympathia, nem despertam a menor sensibilidade dos economistas, aliás sensiveis quando se trata da generalidade de objectos de consumo necessarios á vida dos povos.

E visto que estamos tratando de passar de um systema para outro, e como isto nos parece assegurar não só uma grande conveniencia, mas, ao mesmo tempo, um grande triumpho por seguir o exemplo de uma nação illustrada, direi, que me parece, que o systema francez tem sido demasiadamente deprimido, e sinto por isso a necessidade de defender a França que não precisava d'isso.

Sr. presidente, até se deu a entender que o systema da régie significava uma humilhação para a nação que o adoptou. Mas quando se pensa que quem estabeleceu o monopolio ou administração por conta do estado foi um homem que se chamava Napoleão, podemos ficar um pouco tranquillos de que não seja menos nobre, nem menos grandioso o papel que o estado representa administrando por sua conta. Napoleão declarou que o estado deve administrar este imposto, porque de outra fórma teria de recorrer aos emprestimos...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — E a historia do bloqueio continental.

O Orador: — Eu não discuto a historia de Napoleão; mas devo notar ao illustre deputado, que medidas de guerra não são medidas economicas. A medida do estabelecimento da régie, era uma medida fiscal, e a medida do bloqueio era uma medida de guerra. A medida da régie era uma medida fiscal e inspirada pela depreciação que tinha experimentado a administração do tabaco, seguindo o systema que hoje se quer estabelecer, apesar das precauções que se tomaram para atalhar os inconvenientes que se previram na adopção d'esse systema.

A régie foi adoptada em França, e o resultado immediato foi que o imposto do commercio do tabaco chamado livre, que não tinha produzido, creio eu, mais no ultimo anno do que 16.000:000 de francos, passou immediatamente a produzir o rendimento de 23.000:000 em 1811.

Tenho visto aqui argumentar muito com algarismos de 25.000:000$000 réis de rendimento do fabrico do tabaco em Inglaterra. Este rendimento deslumbra, mas é preciso saber que o rendimento de 24.000:000$000 réis de igual imposto em França que se cita no relatorio, é um rendimento antigo, e digo antigo, porque no tempo em que vivemos os annos são seculos.

Em 1863 o rendimento d'este imposto não fôra de francos 24.000:000...

O sr. Ministro da Fazenda: — Diga 24.000:000$000 réis.

O Orador: — Sim, 24.000:000$000 réis. O rendimento d'este imposto referido ao anno de 1863 fôra de réis 27.000:000$000 (apoiados).

E aos cavalheiros, a quem lisonjeia a grandeza da somma, peço que reflictam no passo agigantado que em tão pouco tempo deu este rendimento, e que se pôde verificar com exactidão pelo respectivo orçamento; ahi se vê que este rendimento em 1863 foi de 215.000:000 de francos, e para o anno de 1864 vem calculado já em 220.000:000 de francos.

Por consequencia já se vê que o systema francez tem feito um progresso incalculavel; e a mudança successiva em outras epochas para diversos systemas fez atravessar aquelle paiz por uma crise fiscal importante, debaixo do ponto de vista do rendimento. Ninguem ignora que a mudança que se effectuou para a liberdade deu uma grande perda logo no primeiro anno, e tão grande que difficilmente se indemnizou dos prejuizos causados pela depressão do rendimento.

A respeito d'este imposto ainda direi, que ha vantagens incontestaveis entre o que se passa em França e o que se passa em Inglaterra. Este imposto, que já rende mais em França do que em Inglaterra faz pagar em França 2,50 francos por cabeça, ao passo que em Inglaterra faz pagar 4,40 francos por cabeça. Não se queira estabelecer esta differença de uma maneira tão empírica como me pareceu querer estabelecer-se nos documentos apresentados pelo illustre ministro da fazenda.

E não posso deixar de dizer n'este ponto, que não me parece que dêem esses documentos todas as garantias de exactidão nos prognosticos fiscaes que se fazem, e não parece que dêem todas as garantias pelas inexactidões ou algumas inexactidões com que vejo avaliar os factos que se passam n'outros paizes.

O illustre ministro da fazenda diz no seu relatorio que o augmento do consumo em Inglaterra quadruplicou. Parece-me que já demonstrei á camara que ha uma inexactidão n'este algarismo quanto ao consumo.

O consumo não quadruplicou, nem absoluta, nem proporcionalmente. O consumo por habitante é hoje precisamente o mesmo, ou menos alguma fracção do que era em 1800, este é o facto.

Disse-se, e note bem a camara esta circumstancia, disse-se que em França o imposto tinha apenas triplicado. Parece-me que ha n'isto uma dupla inexactidão. Já demonstrei que na Inglaterra o consumo não tinha quadruplicado, o direi que na França tem mais que triplicado. E o que diz tambem Maurice Blook na sua obra de administração, e tem mais que triplicado, como é facil de ver dentro de um periodo muito curto.

A França em 1815 consumiu de tabaco 8.981:000 kilogrammas. A mesma França em 1856 consumiu de tabaco 27.219:000 kilogrammas. Quer dizer mais que triplicou, 19.000:000 kilogrammas de augmento desde 1815 a 1856. E considere a camara como é lento o augmento da população em França, que tempo houve em que esteve estacionario, e os economistas discutiram muito este ponto. O augmento da população effectua-se em Inglaterra mais rapidamente do que em França, e no entretanto o consumo em França que em 1815 era de 8.981:000 kilogrammas, sobe dentro em quarenta annos a 27.219:000 kilogrammas, apresentando uma differença de 18.238:000 kilogrammas a mais.

Não é por consequencia exacta a apreciação que se faz, dizendo-se-nos que por este projecto havemos de tirar todas as vantagens que se dão em Inglaterra, quando parte d'estas vantagens, nem a respeito de Inglaterra são verdadeiras.

E por isso digo, que se nós não formos exactos quanto á historia do que se passa nas outras nações, como poderemos inspirar confiança a respeito da prophecia que se faz do que se ha de passar entre nós?

Eu declaro a v. ex.ª, que quando insisto n'este ponto não tenho a menor vontade de o fazer para mostrar que certas apreciações que se estabelecem não estão inteiramente de accordo com os factos; não o faço pelo prazer de mostrar inexactidões, mas porque é d'ahi que procedem as graves apprehensões que tenho de que se não podem realisar as esperanças apresentadas no relatorio da proposta do governo, esperanças que não podem inspirar-nos confiança, da mesma sorte que a não pôde inspirar a narração dos factos passados.

Como podemos acreditar nas prophecias da administração, quando não podemos ligar inteiro credito ao que se nos diz a respeito do passado? Por isso é que eu digo que as minhas, apprehensões n'este ponto continuam a ser tão fortes como até aqui.

O systema da passagem do monopolio para a liberdade tem sido experimentado em diversas epochas e em differentes nações; não nos faltam experiencias, como o declara o proprio relatorio do sr. ministro.

Nós já tivemos um systema de liberdade de commercio e fabrico do tabaco.

Por alvará de 23 de agosto de 1642 foram removidos os contratadores, extincto o estanco, e permittida a livre cultura do tabaco, sua introducção, fabrico e venda. Isto porém durou só até 1644, porque logo se viu que não se podiam colher os resultados fiscaes que se esperavam, isto é, o augmento das rendas publicas provenientes d'este genero, e que pelo contrario ellas diminuiam. Restabeleceu-se pois o estanco por alvará de 26 de junho de 1644.

Era Hespanha aconteceu o mesmo. As côrtes de 1814 discutiam a liberdade do commercio deste genero e a queda do monopolio, quando a entrada de Fernando VII fez com que não fosse o monopolio que caísse, mas sim as côrtes que o queriam abolir.

Em 1820 as côrtes d'aquelle paiz tiveram o mesmo desejo de acabar com este monopolio, mas com certa hesitação, o que é natural quando se trata de prestar culto á liberdade em assumptos economicos, pelo receio de que d'ahi possam resultar embaraços ás finanças do estado. Eu sou tambem sincero adorador d'esses principios de liberdade; mas os interesses financeiros do paiz obrigam-me a ser cauteloso para me não deixar levar d'esses bons desejos de liberdade até ao ponto de prejudicar os contribuintes.

Mas dizia eu, em 1820 as côrtes de Hespanha decretaram que tivesse logar o livre commercio e fabrico do ta

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baco; decretaram a liberdade do fabrico deste genero. Este decreto começou a vigorar em março de 1821, porque foi decretado com á antecipação que sempre se tem julgado indispensavel nos outros paizes para operações desta ordem; mas logo em 29 de junho desse mesmo anno, tendo apenas essa medida quatro mezes de existencia, foi tão grande o terror de que se possuiram as côrtes e o governo, que se tornou necessario estabelecer regras que se foram modificando até ao ponto de se restabelecer o estanco da mesma fórma que existia antecedentemente. Foram pois as mesmas côrtes que o restabeleceram; não foi nenhuma revolução politica que viesse restabelecer o que a politica antecedente tivesse abolido, foram as mesmas côrtes que tinham decretado aquella medida que se viram obrigadas a revoga-la, pelos inconvenientes fiscaes que apresentava.

Os documentos hespanhoes então publicados dizem claramente que o mau resultado d'esta medida foi devido a que o paiz não estava preparado para a receber. Não sei se se poderá dizer que nós estamos hoje em circumstancias diversas.

Quer V. ex.ª saber o que aconteceu em Hespanha, em 1856 mesmo com aquelles que estavam mais inthusiasmados pela adoptação de uma medida desta ordem, por isso que lhe não negavam o seu voto?

A commissão hespanhola encarregada de dar a sua opinião sobre um projecto, que morreu depois de ter sido muito discutido, e de terem sido ouvidos sobre elle todas as associações e todas as auctoridades, sem exceptuar as universidades, que tambem foram todas consultadas sobre a conveniencia da abolição do monopolio, deu o seu parecer a favor da abolição. Era composta de sete membros, e um apresentou logo um voto em separado.

Mas o que é mais curioso é que dois membros da maioria d'essa commissão, que assignaram o parecer no sentido da abolição do monopolio do tabaco, não estando tranquillos com a sua consciencia pelo voto que deram, apresentaram depois novo voto em separado, declarando que não podiam conformar se com a idéa da abolição do monopolio por outro monopolio; que o projecto do modo que estava, transformava o monopolio do estado em monopolio de particulares, e elles não entendiam de maneira alguma que se devesse fazer d'esta fórma a mudança, que comtudo approvavam em principio; porque tendo assignado o parecer da commissão, queriam uma modificação a esse parecer, e essa modificação era a respeito das licenças; queriam que se tirassem as licenças, e que todos podessem fabricar livremente, e ninguem dirá que o principio da liberdade se deva proclamar em toda a extenção, que a liberdade da industria deva significar a liberdade de cada particular poder fabricar aquillo que quizer e como quizer. Mas esses membros da maioria da commissão, que votaram pela abolição da régie e pela liberdade, votavam a passagem de um monopolio que se achava nas mãos do estado para a liberdade; não a passagem do monopolio nas mãos de particulares. Diziam elles:

«Para que se quer alterar esta indole natural e proveitosa da elaboração do tabaco para a entregar artificialmente sem vantagem e talvez com prejuizo do thesouro, ao exclusivismo da grande fabricação, que sem poder dar maiores vantagens, contém tão grandes inconvenientes?»

Quem eram estes homens que tiveram apprehensões sobre uma medida d'esta, ordem, por não a julgarem humanitária no sentido da divisão do trabalho? Eram os mesmos signatarios do parecer da maioria, pelo qual se mudava de systema, e se passava da régie para a liberdade!

Os documentos publicados no Diario de Lisboa, para nós firmarmos as nossas idéas e votarmos sobre esta medida, apresentam o facto de que os proprios individuos que em Hespanha votaram pela liberdade, estavam com medo d'ella!

Em o nosso projecto não 80 se sacrifica a agricultura ao commercio, por isso que se prohibe a cultura do tabaco no paiz; mas sacrifica-se o commercio á industria, porque se estatue que o despacho do genero -seja feito exclusivamente pelos fabricantes. O nosso projecto vae muito mais longe que o projecto hespanhol, em limitar assim a divisão da industria. Que diriam os membros da maioria da commissão, que adoptaram o projecto hespanhol, se vissem n'elle disposições analogas ás que se encontram no nosso projecto?

Eu devo declarar francamente a v. ex.ª e á camara que se por acaso ha perigos em se passar da régie para a liberdade, e a experiencia tem demonstrado que os ha, o que em alguns paizes faz com que se não mude do systema da régie, eu tenho visto muito maiores perigos em passar da arrematação de particulares para a liberdade; muito mais -perigos, confesso-o sinceramente.

O primeiro de todos é a inutilidade da realisação da mudança.

Nós queremos que haja liberdade, de direito e de facto; queremos que o facto corresponda ao direito; e eu tenho visto que o medo que existe nas nações, quando se trata de passar para a liberdade, é que esta não se consiga senão em nome; não se consiga senão a mudança do monopolio para outra parte.

Em França fez-se em 1835 um inquerito importante, exemplo que eu desejava ver seguir entre nós.

Da commissão desse inquerito fazia parte como presidente mr. Dupin, presidente da camara dos deputados, e tambem como relator um administrador distincto, mr. Vivien. Procedeu-se ás mais minuciosas indagações a que é possivel proceder sobre um assumpto qualquer commettido a homens illustrados, colligiuse uma importante somma de documentos que se apresentaram á consideração das camaras; e a commissão diz no seu relatorio o seguinte:

«A commissão pois é de parecer que a liberdade de fabricação, preferivel ao regimen actual, debaixo do ponto de vista do interesse industrial, seria esse interesse pago pelo consumidor, se o imposto permanecesse tal qual é, porque os preços actuaes não comprehendem lucro industrial, ou prejudicaria o thesouro se se reduzisse o imposto para manter o preço da venda actual.

«Á exploração do estado succederia a de alguns industriaes, que exerceriam, em toda a extensão da palavra, o monopolio do fabrico.

«A liberdade do fabrico parece igualmente difficil de conciliar com os interesses do thesouro. A experiencia das diversas tentativas em differentes epochas o demonstra.»

E a estas considerações acrescentava a da impossibilidade da fiscalisação, impossibilidade que tem tanta importancia na existencia do systema proposto, que o illustre ministro no seu projecto emprega todos os meios que a imaginação lhe suggeriu, estabelecendo penas severas para ver se consegue realisar o que a tantos parece difficil.

Por esta occasião deverei dizer, que os preços em França não são elevados; e isto prova ainda que se não pôde condemnar o systema financeiro d'aquella nação, que, a dizermos a verdade, talvez se não affectasse muito com qualquer censura, por severa que fosse, a respeito d'elle, porque esse systema, na minha opinião, tem mostrado os recursos d'aquelle paiz, a quasi inexhaurivel origem dos seus recursos financeiros. Mas digo que a conservação da régie n'aquelle paiz responde indirectamente ao que entre nós se quer empregar para nos dar uma esperança, a qual me parece que infelizmente ha de ser fallaz.

É necessario que nós vejamos qual é ali a vantagem do consumidor. No relatorio da commissão de 1835 dizia-se que a situação da França era superior, debaixo do ponto de vista do custo do genero, á situação em que se achava a Inglaterra. Mas ha mais alguma cousa.

Depois da França ter conservado durante muitos annos desde 1816 a existencia de preços fixos a respeito d'este genero, foram em 1860 esses preços elevados; passando de 8 a 10 francos por kilogramma. E não obstante n'um dos relatorios apresentados em 1861 ás camaras legislativas francezas diz se claramente — que apesar d'esse augmento, ainda o tabaco em França era mais barato do que em Inglaterra; porque na França o direito representava 10 francos por kilogramma de tabaco manipulado, e em Inglaterra só o direito representava 8,27 francos por kilogramma sem contar a materia prima, sem contar a industria, sem contar o commercio e sem contar a indemnisação de todos aquelles que entram com os seus capitães para a producção e transporte d'esses generos que têem o direito de ser indemnisados. Por conseguinte que o valor de 8 francos e 27 centesimos não era em Inglaterra o custo do genero, era a importancia do direito, e em França o preço de 10 francos por kilogramma, é o preço do genero. Davam-se 10 francos e tinha se o genero era França, e em Inglaterra davam-se 8 francos e 27 centesimos.

Já se vê que o preço em França ficava mais barato depois do augmento que teve logar em 1860 do que é effectivamente em Inglaterra. E entre nós o que acontece?

Eu já demonstrei... isto é, já manifestei á camara as apprehensões que tinha de que os interesses dos contribuintes, podem vir a ser prejudicados pela adopção d'esta medida. Infelizmente, e oxalá que esteja era erro n'um como n'outro caso, estou persuadido de que os consumidores não podem ganhar com a medida que se propõe (apoiados). Assim temos de renunciar á mais cara de todas as esperanças, e temos de praticar violencias para com o mais grato dos nossos sentimentos qual era de que ao menos, já que impunhamos sacrificios ao thesouro, podessemos proporcionar beneficios ao consumidor.

Mas não podemos contar com esta certeza; e parece-me que vem em meu auxilio n'este ponto o relatorio do illustre ministro da fazenda.

Eu peço licença a v. ex.ª e á camara para ler algumas passagens d'esse mesmo relatorio.

-O illustre ministro da fazenda querendo demonstrar que o contrabando não podia ter logar no nosso paiz, apesar das modificações importantes que se realisaram nos direitos, diz o seguinte: «No rapé não pôde haver receio de contrabando, não só porque o nosso rapé tem um fabrico particular, diverso do dos outros paizes e accommodado ao gosto do publico, mas porque o seu preço é menor, pois se vende a 2$091 réis o kilogramma, ao passo que em Hespanha custa 3$263 réis, e em França 2$160 réis».

Pois não é porque o francez se não gabe de ter aperfeiçoado não só a qualidade d'este genero, como o preço do seu custo; porque a França tem aperfeiçoado de tal modo a fabricação de que 40 francos que eram em 1815, creio que excedeu em 1861 a 21 francos. E tanto o elemento da producção se tem elevado ao mais alto ponto, que até a commissão de inquerito dizia que é impossivel que a industria particular (O sr. Casal Ribeiro: — Apoiado.) possa produzir o kilogramma de tabaco por 37 centesimos, creio eu, como produz a régie em França.

E querem saber o que acontece em Portugal? E que o monopolio dos particulares produz tabaco mais barato do que podia produzir em França a industria particular na opinião de homens muito distinctos.

Quando eu li esta parte do relatorio disse comigo — o illustre ministro combatendo a arrematação do contrato do tabaco, faz o seu elogio mais completamente n'este ponto do que aquelles que a defendessem.

E mesmo aqui está uma resposta ao argumento apresentado pela illustre commissão contra os monopolios em geral; porque a illustre commissão diz que um dos defeitos do monopolio é não se accommodar ao gosto do paiz, não lisonjear o paladar, n'uma palavra o appetite d'aquelles que têem de usar do genero; mas o sr. ministro diz o contrario:

«No rolo em onças e cigarros tambem se não deve temer o contrabando, nem hoje existe, porque não ha esta especie de tabaco em Hespanha e em França se vende a 10980 réis o kilogramma, ao passo que entre nós o seu preço é de 10743 réis.»

A qualidade e o preço d'este genero em França, segundo a opinião de homens muito distinctos, não poderá ser melhor, pendo entregue á industria particular; e entre nós pelo monopolio de uma companhia temos genero melhor e mais barato do que poderiamos obter por meio de uma industria particular como a França.

Continua o sr. ministro:

«Pelo que respeita aos charutos de 10 réis, não os ha nos outros paizes iguaes na qualidade o no peso de 4,80 grammas, que se vendem por um preço tão modico.»

Note a camara que este genero é um dos principaes do consumo do actual contrato; somma a 600:000$000 ou 700:000$000 réis. Ora, a respeito d'este genero não ha nem o preço nem a qualidade em nenhum paiz que possa competir com o nosso; e está comprehendida a Inglaterra; e creio pelo que ouvi dizer que effectivamente os charutos de qualidade ordinaria são peiores em Inglaterra do que aqui.

Mas continua o relatorio:

«Em referencia á folha picado em onças, o seu preço entre nós é de 1:917 réis, ao passo que era Hespanha a do tabaco filippino se vende a 10919 réis, e a do tabaco commum a 1$727 réis o kilogramma, differença que não dá bastante margem para os nacos e despezas de contrabando; a folha picada superior vende se em França a 2$160 réis, e a inferior, que não pôde concorrer com a nossa, a 1$800 réis.»

Seguem-se reflexões a respeito do consumo dos generos de maior preço, e que são os em que, diz o illustre ministro, pôde haver contrabando. Mas direi agora, estes generos que estão muito abaixo, não offerecem um incentivo ao contrabando, segue-se que os preços mantidos ainda se podem elevar, sem que os individuos que negoceiam n'estes generos percam com elles.

Que garantia tem o governo de que esses preços não serão elevados? Até agora tinhamos já eram os termos e as condições prefixas das disposições com que se contratava com o tabaco; agora que certeza temos nós de que esses preços não hão de augmentar? Será pela concorrencia? Qual concorrencia? Pois não limitamos a existencia das fabricas, por entender que são prejudicados os direitos de fiscalisação, e não sabemos que de facto, independentemente da vontade de ninguem, o monopolio ha de existir por muito tempo? Pois não era essa a perdição dos paizes em que o monopolio passava da régie para o dominio do publico, em que se dizia que se não fazia senão mudar de monopolio? E não é muito mais de tuppor que isso não deixe de acontecer no nosso paiz? Na ausencia dos factos dessa concorrencia, como podemos lisonjear-nos de que os preços se hão de manter no estado actual? Digo mais, estou persuadido que talvez alguns generos que não offereciam grandes vantagens aos contratadores, e que os aceitavam porque haviam outros generos que davam maior vantagem, todos juntos, é claro que por isso podiam fazer um favor no preço. O que a experiencia mostra, é que o commercio tem muito maior difficuldade de reduzir os preços quando o pôde fazer, que tem de os elevar, quando não pôde deixar de passar por essa circumstancia, que me parece que as qualidades e os preços destes generos não offerecem vantagem, tem todo o risco de augmentar os seus preços, mesmo por uma circumstancia que todos nós sabemos, que n'esta passagem de pesos ordinariamente o productor augmenta sempre no seu sentido e não no sentido do consumidor; por exemplo, n'esta mudança que entre nós tem havido do systema de pesos antigos para o systema metrico-decimal, tem acontecido isso. Quando se têem alterado os valores é sempre contra o consumidor (apoiados).

E pergunto, podemos nós manter o systema antigo para a venda do tabaco, quando o proscrevemos para a venda dos outros generos? Creio que não.

Portanto, ainda quando não fosse por outras rasões, os preços augmentam e hão de ser sempre contra o consumidor.

E suppõe V. ex.ª que esta consideração é puramente dictada pela minha imaginação? Quando o governo francez elevou o preço do tabaco, invocou, com rasão para isso, o systema do peso metrico-decimal; e ha uma obra de um economista muito conhecido que, se não dá como rasão principal d'esse augmento a mudança do systema de pesos, diz que = o governo se aproveitou d'ella como pretexto =. Ora, quando os governos aproveitam pretextos d'esta ordem, não se pôde suppor que os aproveitem os particulares?

A verdade é que não temos garantias de que os preços diminuam (apoiados).

Os preços, segundo nos diz o sr. ministro, não podem soffrer concorrencia, porque esses preços são mais baratos do que em nenhum outro paiz que se acha nas nossas circumstancias. Mas eu receio d'essa concorrencia, apesar da esperança que o sr. ministro nos dá. Como o contrabando deste genero, apesar do preço d'elle, se pôde effectuar, eu receio que esse contrabando tenha logar, mesmo apesar d'essa differença.

Eu penso que não se pôde negar que ha contrabando no paiz (apoiados). N’outros paizes ha mais, mas no nosso de certo não deixa de o haver.

Então como não se poderá suppor que augmente o contrabando, quando a fiscalisação exista a cargo do governo, o que de certo será em peiores condições do que nas mãos dos particulares? E n'este ponto supponho que, os que dizem que se não pôde fazer a fiscalisação por conta do estado, aquelles que encarecem as difficuldades da fiscalisação pelo systema da régie, vem naturalmente a dizer que

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a fiscalisação dos nossos contratadores, é mais efficaz do que na mão dos governos.

Eu não desejo, alongar a discussão alem dos limites estrictamente necessarios, e mesmo porque não desejo abusar da, attenção que a camara tão benevolamente tem tido a bondade de me prestar; mas não pôde deixar de se conhecei; que a materia é quasi inexhaurivel, e quando as consequencias que podem resultar da medida que vamos adoptar, podem ser tão serias e tão graves, nunca se pôde levar a mal mais alguma largueza que á discussão se dê.

O resultado d'este projecto é importante para o nosso paiz. São nada menos de 1.748:000$000 réis de receita que o, thesouro auferia pelo systema que hoje vigora, e cujo systema se quer deitar a terra e substituir por outro. Por consequencia, parece-me que vale bem a pena de examinar uma transformação de imposto que nos pôde desfalcar em uma receita tão consideravel, como é aquella a que me refiro.

Nestas circumstancias eu declaro tambem a v. ex.ª que temo sobretudo esta transição repentina e sem haver nada preparado, porque por muito boa vontade que haja, por muitas garantias que se offereçam, de certo ao espectador imparcial sempre esta transição deve causar receio. Quando os contratadores deixam de o ser, as pessoas que estavam debaixo do seu dominio, deixam de estar ligados pelos» mesmos laços que até aqui o estavam, e não ha certeza de que não possam abusar ou subtrahir o augmento de rendimento, isto independente da vontade dos contratadores actuaes, a alguns dos quaes faço justiça, e de que sou sinceramente amigo. Mas a administração do tabaco n'estas circumstancias não é a mesma.

A respeito dos estanqueiros dá se o mesmo caso. A instituição não é a mesma, não têem as mesmas relações que tinham com os contratadores e os perigos que resultam ao governo da avaliação de um deposito immenso, que pôde deixando ter as garantias que davam até agora! Depois, com a passagem de um contrato para outro, os empregados já sabiam que passavam a servir no novo contrato; tinham a certeza de ser passados de um contrato para outro, e por isso estavam nas circumstancias e interessavam-se pela fiscalisação, o que não se ha de dar agora.

Por consequencia, digo que esta transição offerece grandes inconvenientes, e parece-me que o sr. ministro é demasiadamente positivo quando julga que não pôde haver grandes riscos no que respeita ao conhecimento da existencia de generos que têem de pagar direitos muito mais elevados do que aquelles que satisfizeram até agora. Os inventarios, os varejos, as declarações dos contratadores, realmente são meios á disposição do governo. Mas pergunto eu — estará o governo n'esta parte n'uma condição que offereça garantias?

Falla-se no relatorio era ementa. Para que? Para nos dar a media do consumo do tabaco por habitantes em diversos periodos. E não se falla n'ella para nenhuma outra cousa.

Pois bem, essa repartição está estabelecida de uma maneira muito deficiente: compõe-se de um só empregado. E ainda assim, quando uma pessoa podesse prestar o serviço necessario, não seria facil encontrar quem exercesse aquelle logar nas circumstancias financeiras da retribuição d'elle.

Neste estado de cousas, mesmo com a melhor fé do mundo da parte desse empregado, podem dar-se grandes abusos no sentido de defraudar o governo em direitos que importam em soturnas enormes; e podem-se dar porque esse empregado não tem á sua disposição os meios necessarios de fiscalisação.

O adiantamento do tempo, a urgencia em relação ao termo do actual contrato, mal nos podem dar a garantia da conveniencia da adopção de uma medida d'esta importancia.

Nós não estudámos, não podemos investigar certos esclarecimentos, que em todos os paizes os inqueritos sobre pontos similhantes têem fornecido aos homens publicos, que devem resolver negocios d'estes. Temos de resolver de hoje para ámanhã uma questão. d'esta ordem, na ausencia de documentos que o governo teria á sua disposição, se ha mais tempo se occupasse d'este assumpto.

Se o governo tivesse podido commerciar condicionalmente a arrematação do contrato, se o governo tivesse apresentado uma lei condicional para o poder arrematar quando a praça desse um augmento de renda, teria de certo, na minha opinião, que está de accordo com precedentes meus, procedido do melhor modo possivel em relação ás nossas necessidades.

E o que aconteceu ha tres annos. O governo levou á praça a arrematação do contrato do tabaco; a praça, não por considerações de imaginação fundadas em calculos pouco deficientes, forneceu-lhe um augmento de renda de perto de 200:000$000 réis; e o governo arrematou pelo praso de tres annos. Este augmento parece-me mais convincente do que os que são garantidos pelos processos feitos no relatorio.

Eu entendo que o governo devia ter trazido ás côrtes, em tempo competente, a solução d'este negocio, e tendo em vista, no que respeita á cobrança d'este imposto, as melhores condições economicas; e no momento actual, para não sacrificar as vantagens fiscaes do thesouro, devia fazer esta experiencia na praça.

Pois se a praça offerecesse, durante um praso de tres annos, que não é consideravel, o augmento de 300:000$000 ou 400:000$000 réis, não seria isto aceitavel nas nossas circumstancias actuaes, achando-nos com um deficit consideravel, e com uma primeira parte da ordem do dia n'esta casa, em que todos nós pedimos um caminho de ferro, uma obra, cousas importantes, urgentes e de um grande alcance, mas dependentes de subvenção do governo? Pois se

n'esta occasião se desse a certeza de não só se receber a renda intacta, tal como se recebia até hoje; mas um augmento, não era essa uma circumstancia que justificava a existencia por mais tres annos do systema estabelecido? Parece-me que sim.

Não posso deixar de deplorar sinceramente que não se tivesse recorrido a este meio para se inaugurar um systema que não convem n'este paiz, e tanto mais que não era de esperar que a praça se fizesse surda ás invocações da administração, mas antes que a arrematação podia dar vantagens n'um espaço de tempo limitado sem compromettimento no futuro de idéas economicas mais amplas.

O que esta lei quer é o dinheiro do imposto por um outro systema, na esperança de que o estado ha de lucrar mais; entretanto eu tenho a convicção de que o imposto não ha de ser melhorado, tenho a convicção de que o resultado não ha de corresponder a essa esperança.

Eu desejava saber (não preciso recorrer á interrogação, posso responder a mim mesmo) se o sr. ministro da fazenda visse que o systema que pretende inaugurar trazia consigo um deficit para a fazenda vinha propor á cansara esta medida. Não vinha.

Ora, se petos calculos apresentados por s. ex.ª não se pôde contar com a garantia da integridade do imposto que se recebe actualmente, como já me fiz cargo de demonstrar, que nos resta fazer? Eu, que tenho a infelicidade de não estar de accordo com as idéas do governo, confesso que não sei. Era-me preciso estar um pouco nos segredos do gabinete para poder saber © que convinha ao meu paiz.

O que eu veja é que se approxima a hora em que cessa de direito o systema estabelecido até aqui; é que estamos discutindo uma lei na ausencia dos esclarecimentos que era necessario que acompanhassem; e vejo isto quando, como já mostrei, em Hespanha, na apresentação de uma proposta d'esta ordem, se deram seis mezes só para que uma commissão nomeada para esse fim apresentasse o seu parecer!

Pois parecia-me que um assumpto de tamanho alcance não se devia passar assim de leve; exigiam-n'o os interesses do paiz.

Na situação actual uma das circumstancias que mais podem compromete-la é esta passagem rapida do monopolio das mãos dos particulares, para o que se chama liberdade de commercio nas mãos do publico… Não digo bem; a lei diz: «O despacho, por exemplo, do tabaco não se pôde fazer senão pelos fabricantes». Logo essa liberdade não existe no dominio do commercio, digo que este monopolio, já uma cousa tão distincta e tão diversa, apresenta perigos no presente e para o futuro.

Entendo que talvez ainda se podia recorrer a um meio, não de terminar definitivamente o que nos dá o preço, e prepararmo-nos provisoriamente para evitar o risco da transição, e é por isso que estou de accordo com o pensamento da régie provisoria, e entendo que é indispensavel, nos levam a recorrer a ella. No entanto não sou enthusiasta da régie no nosso paiz, mas se os illustres deputados se assustam com os encargos que o governo tomaria sobre si pela adopção da régie, hão de reconhecer que os encargos e vexames da régie passam para o estado do mesmo modo (apoiados). Pois o governo não toma sobre si immediatamente todo o pessoal da fiscalisação do contrato do tabaco na importancia de 120:000$000 réis?

Pois o governo não tem de ir nomear empregados para indagarem aonde se cultivará a herva santa? Não tem ainda de mandar fiscalisar se os generos são preparados sem inconveniente para a saude publica? Como se pôde fiscalisar na extensão que os illustres deputados indicam, sem um grande numero de empregados que não seja igual ao da régie de qualquer paiz proporcionalmente applicado ao nosso?

Parece-me que um illustre deputado que a camara e o paiz perdeu, o sr. José Estevão, tinha indicado um meio para occorrer a essa objecção do receio do augmento extraordinario de empregados por causa da régie por conta do estado.

Effectivamente tem augmentado consideravelmente o numero de guardas, e não sei se o contrabando tem diminuido tão efficazmente como isso. Apparecendo o augmento de contrabando, não se virá pedir a esta camara o augmento de guardas para a fiscalisação? Deixará a camara de os votar? Logo, ha de ter a régie indirectamente, porque se houver ámanhã differença, como entendo que deve haver, e como receio que ha de haver, ha de acontecer o que teve logar no outro dia. Lembro-me que n'uma das ultimas sessões do anno passado, em que o nosso furor legislativo dobrava a força idas azas da nossa actividade, fez com que votassemos com muita facilidade uma grande quantidade de medidas. N'essa occasião, invocando-se a necessidade a que actividade dos caminhos de ferro trazia para augmentar a fiscalisação, veiu uma proposta sem a limitação da somma para se augmentar a nossa fiscalisação, porque os estabelecimentos dos caminhos de ferro davam uma tal actividade ao commercio, que se o fisco não estivesse presente quanto antes, a fazenda perderia muito. Assim se dizia.

Nós recebemos esta proposta, e votamo-la, isto é, eu não, fixando-se o augmento da despeza em 40:000$000 réis, mas naufragou na outra casa de parlamento, e essa tão urgente necessidade foi substituida pelo despacho de quatro homens para a alfandega de Elvas, com 20$000 réis mensaes cada um. Vejam pois que á menor difficuldade se augmenta immediatamente o pessoal, sem que exista a chamada régie.

Presto homenagem aos principios pelos quaes os nobres, deputados combatem a régie; mas vejam que a proposito de qualquer fiscalisação o pessoal augmenta-se da mesma maneira.

Digo pois a V. ex.ª que se quizerem preencher as indicações que ficam a cargo do governo, se esta lei pasmar, como policia e fiscalisação de direitos o pessoal que foi votado, é pequeno para desempenhar bem a missão que tem de exercer.

Alem d'isso precisa-se uma nova organisação. E como e quando se ha de ella fazer? Amanhã, depois, nos primeiros dias em que estiver já em execução esta lei? E o contrabando, que n'esta parte não me parecem tão moroso como nós> outros, pois é bastante avisado, não ha de já ter tirado grande parte dos resultados das disposições da nova lei, que não tem ainda os regulamentos necessarios?

Essa espera de regulamentos é na minha opinião um grande mal; e ainda mais, uma má circumstancia que alguns desses regulamentos não vão já incluidos na mesma lei. Citarei para exemplo uma disposição a respeito dos despachos das mercadorias.

Suppõe o sr. ministro que é indifferente que o tabaco seja transportado em qualquer navio e pela fórma porque ha de ser transportado? A lei hespanhola marca o modo por que o tabaco ha de ser introduzido; é um meio de fiscalisação, um meio de fiscalisados interesses da fazenda. E n'este ponto direi de passagem que se sacrificou a agricultura. E certo que a industria agricola não auferia actualmente grandes meios do contrato do tabaco, e então este sacrificio não se pede dizer que seja do presente, mas é do futuro.

Depois, por este projecto tambem as nossas possessões ultramarinas ficaram privadas do beneficio que até aqui tinham, porque uma das condições do contrato era ser obrigado a comprar 5:000 arroba de tabaco de Angola. Mas desappareceu esta protecção. Veja a camara que por esta medida tem a renunciar a um grande numero de beneficios e esta protecção indirecta ha de custar-nos alguma cousa. Nós havemos de proteger as nossas colonias ou seja com dinheiro, ou com favores em algumas leis.

Mas esta lei não protege a agricultura, nem a pôde proteger; não protege a agricultura nem a industria, como já disse e o dizem todos os homens entendidos nesta materia.

Não protege a industria porque não se pôde contar que ella saia das mãos dos homens onde hoje existe; não protege o commercio, porque esses fabricantes são os que exclusivamente podem despachar.

E n'este ponto a lei é mais severa de que era a proposta lei hespanhola. Esta lei estabelece a cultura do tabaco nas ilhas, mas eu já declarei que esta liberdade que se dia vae estabelecer-se, é ephemera e impossivel. E não posso ainda deixar de insistir nas observações que fiz a este respeito.

O artigo concede a cultura do tabaco nas ilhas; e das explicações que deu o sr. Guilhermino de Barros eu vejo que as duvidas subsistem da mesma fórma. O nobre deputado disse que = o que faltasse para completar uma certa somma que é destinada para este fim, e o que rendessem as alfandegas, a differença, digo, havia de ser compensada pela cultura =. A objecção apresenta-se da mesma fórma. Infelizes dos primeiros pés de tabaco que se crearem, porque hão de pagar toda a differença que houver entre o pedido e a receita! Infeliz da cultura que primeiro se estabelecer, porque ha de responder pela diminuição dos direitos de consumo! E é isto liberdade de cultura? (Apoiados.) Já se vê pois que a modificação é indispensavel, e parece-me que o illustre deputado não estava alheio á idéa. do que ha de succeder, quando disse que = o governo não havia de ter duvida em aceitar as modificações que se mostrassem ser de conveniencia =.

Em conclusão declaro que estou persuadido de que, pela força imperiosa das circumstancias em que nos encondia-mos, este projecto tem de ser modificado; que este projecto, pela urgencia do tempo, se chegar a ser convertido em lei, não pôde ser a lei que ha de fazer face ás difficuldades em que o governo se ha de achar em 1 de maio d'este anno.

Resta-me concluir, e para que se não diga que fallei dois dias sem dizer a minha opinião, digo que — o que o governo tem a fazer é preparar-se para, se não poder realisar uma lei, contra a qual, nos termos em que se acha, eu voto, é indispensavel que o governo dê ao paiz as garantias de que não deixa á industria particular, no momento d'esta transição, os recursos que constituem este peculio, o systema de manufactura que está á disposição dos contratadores do tabaco, principalmente porque é contrario ao contrato; e os contratadores, quando se passa de uma administração para outra, entregam os generos 20 por cento do preço da avaliação do contrato.

No momento actual todos os systemas são maus, e n'isto difiro essencialmente do nobre ministro da fazenda, que no seu relatorio do orçamento diz que = todos os systemas eram bons =. Digo que n'esta ultima hora (e é na ultima hora que estamos tratando d'isto) todos os systemas podem comprometter um pouco o governo, mas parece-me que de todos o que mais pôde comprometter é o que se propõe.

E não admira da difficuldade que ha em formular uma opinião, no momento em que estamos. Os illustres deputados pensam que chamados nós n'um momento a decidir uma questão d'esta ordem, mais depressa do que nenhuma intelligencia e nenhuma assembléa deliberante tem de marchar, se pôde decidir a questão sem nenhum inconveniente?

E preciso que os illustres deputados entendam que ainda quando este projecto fosse bom nas circumstancias actuaes, e com a pressa com que tem de ser executado este systema era mau. Digo que nas presentes circumstancias todos os systemas são maus, mas o que nos offerece menos duvidas? É o que tem sido lembrado por alguns illustres deputados, com o nome de régie, mas não é uma régie com muitos empregados, com a idéa de tornar permanente este systema, não senhor. A minha opinião é que o governo devia ter principiado por pedir á praça a sua opinião sobre a probabilidade de augmentar esta receita. Não o fez, mas pôde

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faze-lo ámanhã. Declaro francamente á camara, que ainda creio que o governo ha de chegar a um compromisso. Não posso prognosticar qual esse compromisso deva ser, mas o que tambem não posso é pôr a minha opinião á disposição de factos que hão de ser differentes daquelles que teriam logar em virtude de uma solução tomada segundo a marcha ordinaria.

Á legislação actual sobre este objecto está a terminar, creio que falta um mez, e n'este intervallo ha alguns dias, nos quaes as camaras não podem funccionar. É claro que se não se adoptar algum compromisso, quem tem de legislar sobre este assumpto não são as camaras, são os factos que de certo hão de tomar uma decisão mais prompta e menos prudente do que aquella que nós podiamos tomar e que devia ser digna do corpo legislativo (apoiados).

Tenho concluido. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

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