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N.°55

SESSÃO DE 14 DE ABRIL DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azeredo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Mouta Veiga

José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, deu-se conta de um officio da 1.ª vara da comarca de Lisboa, pedindo para um Sr. Deputado poder depor como testemunha, o que foi deferido; e tiveram segunda leitura dois projectos de lei e uma proposta de renovação de iniciativa. - Prestam juramento, como Deputados, os Srs. Manuel Francisco de Vargas e Antonio Maria Pereira Carrilho - Não é considerado urgente o assumpto de que o Sr. Queiroz Ribeiro deseja occupar-se - frequentes apedrejamentos dos comboios. - O Sr. Ministro da Fazenda lê o manda para a mesa uma proposta de lei sobre o convenio com os portadores da divida externa. - É aggregado á commissão de fazenda o Sr. Deputado Carrilho. - O Sr. Joaquim Jardim apresenta um projecto de lei.

Na ordem do dia discute-se o projecto de lei n.º 19, que cria um lyceu nacional em Lisboa. Usam da palavra os Srs. Eduardo Burnay, Augusto Ricca e Pinto dos Santos. - Apresentam pareceres de commissões os Srs. Alipio Camello, Costa Pinto e Clemente Pinto. - É apresentada uma representação da Camara Municipal de Ferreira do Zezere.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 20 minutos da manhã.

Presentes - 56 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo César Brandão, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Cesar Claro da Ricca, Belchior José Machado, Carlos Malheiro Dias, Eduardo Burnay, Fernando Mattozo Santos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Matheus dos Santos, Hypacio Frederico de Brion, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Antonio de Sant'Anna, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Coelho da Motta Prego, José da Cunha Lima, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Marianno José da Silva Prezado, Marquez de Reriz, Matheus Teixeira de Azevedo e Visconde de Reguengo (Jorge).

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Agostinho Lucio e Silva, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Boavida, Antonio Maria Pereira Carrilho, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Domingos Eusebio da Fonseca, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, João Augusto Pereira, João Joaquim André de Freitas, Joaquim Pereira Jardim, José Caetano Rebello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José de Mattos Sobral Cid, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Juior, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Homem de Mello da Gamara, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Ferreira Caibrai Paes do Amaral, Alexandre José Sarsfield, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Antonio Tavares Festas, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Fuschini, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Paçô-Vieira, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco José de Medeiros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Guilherme Augusto Santa Rita, Ignacio José Franco, João Monteiro Vieira de Castro, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Pôças Leitão, José Adolpho de Mello e Sousa, José da Gama Lobo Lamare, José Mathias Nunes, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manuel de Sousa A vides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodolpho Augusto de Sequeira e Visconde de Mangualde.

Acta - Approvada.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

EXPEDIENTE

Officio

Do juizo da l.ª vara da comarca de Lisboa, pedindo seja concedida licença ao Sr. Deputado Custodio Borja para prestar juramento neste juizo e fazer as declarações legaes, para proseguimento do inventario orphanologico por fallecimento de Maria Theodora da Cruz Sobreiro.

Consultada a Camara, foi concedida a auctorização pedida neste officio.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - O porto maritimo da Figueira da Foz, servido por duas importantes linhas ferreas e como posição geographica privilegiada, poderia offerecer um consideravel movimento commercial se melhores fossem as condições de facilidade a segurança do seu accesso, por via maritima.

A pequena profundidade e instabilidade da orientação do canal da sua barra tornam, porem, difficil e perigoso o seu accesso, mesmo para as embarcações de pequeno calado de agua que o demandam.

Para obviar, quanto possivel, a estes inconvenientes, e para promover o incremento do seu trafego, constituiu-se em 1876, por iniciativa da benemerita Associação Commercial da Figueira, a Companhia Figueirense de Reboques Maritimos e Fluviaes, que tem prestado relevantes serviços á, exploração commercial do porto.

Constituindo se, porem, esta companhia, desde logo se reconheceu que o producto das taxas que pudesse cobrar seria insufficiente para fazer face aos seus encargos e despesas, e que mal podia subsistir e desempenhar a sua util missão, se não fosse auxiliada por qualquer subsidio especial.

A lei de 12 de abril de 1876, solicitada pela Associação Commercial, procurou desviar entes embaraços, criando um imposto de 1/4 por cento sobre o valor de todas as mercadorias importadas e exportadas pela barra da Figueira, que tem sido cobrado pela respectiva alfandega, e entregue como subsidio á mesma companhia.

O commercio da Figueira, embora onerado com o novo imposto, recebeu o com muito agrado, porque na diminuição de fretes e seguros e no augmento do trafego mercantil encontrava avantajada compensação ao encargo que provinha da lei.

Só por effeito, porem, de muita solicita e parcimoniosa administração e com muitas dificuldades teem as receitas chegado para fazer face aos encargos da exploração da empresa, sem que mesmo as suas acções tenham recebido qualquer dividendo.

Estas dificuldades, porem, augmentam ainda muito na actual conjuntura.

Os rebocadores e barcaças teem um longo periodo de serviço e encontram-se consideravelmente damnificados e deteriorados; e a companhia encontra-se sem recursos para prover á acquisição de novo material ou á conveniente reparação do que possue.

A Associação Commercial da Figueira da Foz, receando que as difficuldades occorrentes determinem a cessação do serviço da companhia, fez-me a honra de me enviar uma representação pedindo para que seja elevado a 1/2 por cento a taxa do referido imposto, criado por lei de 12 de abril de 1376.

Considerando que o onus proveniente d'este augmento de imposto, que é diminuto, incide sobre o commercio da Figueira, que é quem o pede, por intermedio da Associação Commercial, que o representa;

Considerando mais que a cessação do serviço da companhia fará diminuir muito consideravelmente o movimento de importação e exportação d'aquelle porto, com prejuizo das receitas do Estado e das linhas ferreas da Beira Alta e de oeste;

Considerando, emfim, que obras importantes teem sido executadas no porto da Figueira, e que é de incontestavel vantagem que sejam proporcionados os meios para serem convenientemente valorizadas as sommas empregadas nos melhoramentos materiaes do país.

Por estes motivos, e porque o que se pede de forma alguma affecta os interesses do Estado, antes os augmenta, tenho a honra de propor-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A taxa do imposto criado por lei de 12 de abril de 1876, para subsidio á Companhia Figueirense de Reboques Maritimos e Fluviaes, é elevada a 1/2 por cento sobre o valor de todas as mercadorias importadas e exportadas pela barra da Figueira.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = J. G. Pereira dos Santos.

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Conhece bem o Parlamento Português, que já declarou o coronel de artilharia Joaquim Carlos Paiva de Andrada benemerito da patria, quanto a vida d'este illustre official tem sido uma cadeia ininterrupta e honrosissima de inestimaveis serviços, consagrados ao alargamento e desenvolvimento do nosso dominio colonial e ao bom nome do país.

Foi dos primeiros a comprehender entre nós que as possessões ultramarinas são dignas das maiores dedicações, que Portugal, para honra do seu passado, tranquillidade do seu presente e gloria do seu futuro, devia empenhar os maximos esforços para as illuminar com a luz da civilização, e que ellas possuem riquezas suficientes para indemnizarem generosamente todos os sacrificios e dispendios empregados na sua exploração e prosperidade. E assim foi dos primeiros, em tempos modernos, que abandonou as commodidades e a alegria de uma vida facil e feliz para ir para o sertão e esbanjar ali os thesouros de sua actividade, energia e intelligencia e os recursos da sua saude.

É longa, longuissima, a serie brilhante dos seus serviços. Muitos d'estes não tiveram ainda chronista on historiador que os registasse para o futuro, porque o seu auctor só cuidava de honrar a patria, que tanto estremece, e não de archivar titulos para glorificações futuras.
Mas na Secretaria e Ministerio da Marinha e Ultramar existem ainda assim documentos sufficientes para se poder um dia reconstituir, nas suas mais bellas etapes, esta existencia de abnegação e sacrificio pelos mais altos interesses do país.

Ha mais de vinte e cinco annos que começou a sua odysseia africana. Os territorios de Gaza, os que actualmente constituem a Companhia de Moçambique e os que, pelo tratado de 1891, entraram na esphera da influencia britannica, todos ellos percorreu desde então em todos os mentidos, em dezenas de viagens, muitas vezes em lutas de occupação, passando sedes horrorosas, dias de fome e innumeros perigos e soffrimentos. Por isso o seu nome alcançou excepcional prestigio entre as tribus d'essa vastissima região, prestigio em que só lucrou a causa da soberania portuguesa.

Foi elle que determinou os cursos dos rios Busi, Pungue e Arnangua, foi elle que comprehendeu a importancia do Pungue junto á foz, que instou para que se estudasse o porto, verificando-se então que é superior aos de Quelimane e Inhambane, e lançando-se as bases de uma povoação, que é hoje a florescente cidade da Beira e que de dia para dia vae tomando as proporções de um notavel emporio commercial.

Foi elle ainda que em 1885 dirigiu uma, victoriosa campanha contra os regulos Rupire e Massua, pasmando então as terras d'esses regulou para os dominios da Coroa.

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Foi seu tambem o plano da campanha de 1886, contra o terrivel regulo Bonga, que tantas vergonhas infligira á bandeira portuguesa, e um dos mais prestimosos e dedicados collaboradores na execução d'esse plano, coroado do mais brilhante exito.

Terminou a campanha pela destruição, a fogo, das aringas onde Bonga imperara dezenas de annos, com escarneo para a nossa soberania, vencendo e trucidando todas as expedições enviadas contra elle, e conservando depois centenas de craneos dos nossos officiaes e dos nossos soldados, como funebres reliquias das suas victorias, espetadas nos altos paus da sua aringa, para serem vistas, com desprezo, por todos os portugueses que subiam ou desciam o Zambeze na ida ou no regresso de Tete. Foi Paiva de Andrade igualmente que pôs toda a sua tenacidade, animado pela crença de que se empenhava numa missão patriotica, ao serviço da organização da Companhia de Moçambique, que tão profunda transformação tem operado nos antigos e quasi abandonados districtos de Sofala e da Zambezia, e de muitas outras companhias subsidiarias, focos de actividade e de acção para o progresso e desenvolvimento da vastissima provincia de Moçambique.

Foi, finalmente, elle que, em 1894, dirigiu, apenas com os recursos locaes e com o auxilio de duas pequenas canhoneiras de guerra, uma difficil campanha contra a familia e adherentes do vencido Bonga, que procuravam reconstituir se ao norte do Zambeze e contra os antigos capitães de Manuel Antonio de Sousa, agora revoltados, e dominando na outra margem do mesmo rio. Viu-se envolvido num apertado cerco. Durante semanas teve as communicações cortadas, tanto para o lado do Sena como para o de Tete.

Num dos combates Paiva de Andrade foi ferido. Por fim conseguiu dominar toda a resistencia, esmagou por completo os rebeldes numa campanha cheia dos mais traiçoeiros perigos, campanha que elle dirigiu de blusa, á paisana, sem encargos para o Estado, com tanta honra e proveito para a nação portuguesa.

A muitos outros episódios da vida heroica e devotada d'este illustre servidor da patria nos poderiamos ainda referir, mas não o precisamos fazer, porque o nome de Joaquim Carlos Paiva de Andrade é dos mais aureolados entre nós pelo respeito publico.

Este official, que não recebe um ceitil dos cofres publicos, encontra-se no fim de trinta e oito annos de serviço em situação de não poder repousar de uma vida de tanta actividade e tão prestimosos feitos, obtendo com a reforma o que todos os outros seus camaradas alcançam, com menos tempo de serviço, bem mais sedentario e pacifico do que o que este tem prestado.

O periodo que vae de l de agosto de 1879 a 31 de janeiro de 1884 não se lhe conta como periodo de serviço, porque no seu registo militar elle figura como tendo passado com licença registada. E comtudo foi talvez esse o periodo mais activo dos seus trabalhos em Africa e aquelle em que planeou e preparou systematicamente o cêrco em que, depois em 1885 e 1886, pôde envolver primeiro regulo Rupire, e por ultimo o terrivel e sanguinario Bonga.

De 12 de setembro de 1892 até agora, tambem nem um dia se lhe conta para effeitos de reforma, não obstante o facto d'elle ter estado em todo, esse periodo ao serviço da Companhia de Moçambique, para a qual foi requisitado, nos termos da lei de 12 de abril de 1892. A requisição do Sr. Paiva de Andrade, feita pela Companhia ao Governo, ao abrigo d'esta lei, foi suggerida pelo distincto official da armada, que então geria a pasta do ultramar, o Sr. Conselheiro Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, por saber quanto seria util para o pais que aquelle official ficasse em plena liberdade de continuar a sua vida em constantes serviços, ora em Africa, ora em Portugal, ora em diversos países da Europa.

A lei de 12 de abril de 1892 estabelece muito claramente que aos officiaes do exercito ou da armada e aos funccionarios civis empregados das Companhias de Moçambique, Inhambane e Ibo contar-se-ha o tempo para promoções, aposentações, reformas e medidas honorificas como se estivessem servindo em qualquer provincia ultramarina por nomeação regia.

O contar-se, pois, a Paiva de Andrade, para effeitos de reforma, o tempo que elle tem servido na Companhia de Moçambique, dando-lhe os mesmos premios do seu talento, da sua actividade e do seu valor, não representa mais do que acatamento a uma disposição legal.

Fundados em todas estas considerações, que se me afiguram fixadas em principios de justiça e equidade, temos a honra de vos apresentar a seguinte projecto de lei:

«Artigo 1.° Ao coronel de artilharia Joaquim Carlos Paiva de Andrada será contado, para os effeitos da reforma, o periodo decorrido de l de agosto de 1879 a 31 de janeiro de 1884, e o que vae de 12 de setembro de 1892 até ao presente, em que tão relevantes serviços prestou á soberania portuguesa em Africa e á Companhia de Moçambique.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 12 de abril de 1902. - José Mathias Nunes = José Nicolau Raposo Botelho = Alberto Botelho = Ernesto Nunes da Costa Ornellas = Francisco José Machado = Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla».

Foi admittido e enviado á commissão de guerra.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado a esta Camara na sessão de 7 de fevereiro de 1899, pelo Sr. Deputado Eusebio Nunes, projecto que teve segunda leitura na sessão de 23 do mesmo mês e anno, e que tem por fim auctorizar o Governo a declarar sem effeito a concessão feita á Santa Casa da Misericordia de Elvas, pela carta de lei de 21 de maio de 1896, do edificio em ruinas do extincto convento de S. Domingos e a concedê-lo á Camara Municipal do mesmo concelho, para no terreno respectivo construir uma praça publica, melhorando assim as condições hygienicas da cidade. - Mario Monteiro.

Foi admittida e enviada á commissão de administração publica.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° Fica o Governo auctorizado a declarar sem effeito a concessão feita á Santa Casa da Misericordia de Elvas, pela carta de lei de 21 de maio de 1896, do edificio do extincto convento das freiras de S. Domingos, da mesma cidade, em ruinas.

Art. 2.° Fica o Governo auctorizado a conceder o mesmo edificio do convento de S. Domingos, em ruinas, á Camara Municipal de Elvas, para no terreno respectivo construir uma praça publica, melhorando assim as condições hygienicas do local em que foi situado o mesmo convento.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - Constando-me que se encontram nos corredores da Camara para prestar juramento os Srs. Deputados Manuel Francisco Vargas e Antonio Maria Pereira Carrilho, convido os Srs. Pinto de Magalhães e João Arroyo a introduzirem-nos na sala.

Foram introduzidos, prestaram juramento e tomaram assento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Queiroz Ribeiro pediu a palavra para um negocio urgente, mas como a mesa o não considerou como tal vae ler-se a respectiva communicação para a Camara resolver.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Leu-se. É o seguinte:

Aviso urgente

Desejo interrogar o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre os frequontes apedrejamentos dos comboios nas linhas do Norte e Neste, do que foi um exemplo frisante o facto succedido hontem com o trem em que seguia para Lisboa o Sr. Deputado Pereira Carrilho. = Queiroz Ribeiro.

Não fui considerada urgente.

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de lei que auctoriza o Governo a realizar a conversão da divida externa unificando os títulos de 3, 4 e 4 1/2 por cento em um typo unico, de juro de 3 por cento, amortizavel em 99 annos ou 198 semestres, mas dividido em tres series, correspondentes aos typos actualmente existentes.

Mandando esta proposta de lei para a mesa, preciso acompanhá-la de uma declaração. Não vão com ella os documentos que o Governo entende dever apresentar á Camara para esclarecer este assumpto, porque não estão ainda impressos; serão, porem, distribuidos, quando for distribuido o parecer respectivo da commissão de fazenda.

A proposta foi á commissão de fazenda. Vae publicada na integra no fim da sessão.

O Sr. Augusto Louza: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Em nome da commissão de fazenda proponho que seja adregado á mesma commissão o Sr. Deputado Conselheiro Antonio Maria Pereira Carrilho. = Augusto Louza.

Foi approvada.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que pediram a palavra e tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Joaquim Jardim: - Mando para a mesa um projecto de lei que concede a isenção de direitos para o material e apparelhos, machinas e mais accessorios que, por não se fabricarem no país, soja necessario importar para a illuminação electrica das Caldas da Rainha.

Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei pelo qual é criado em Lisboa um lyceu nacional.

Leu-se. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 19

Senhores. - As vossas commissões de instrucção primaria, secundaria e de fazenda, reunidas, examinaram com a devida attenção a proposta de lei n.° 13-D e julgaram-a de indiscutivel justiça e reconhecida opportunidade.

O Governo, persistindo no louvavel plano de promover o levantamento e progresso da instrucção nacional, elaborou a presente proposta que, sem duvida, ha de merecer o justo assentimento e applauso dos que dedicam os seus esforços á educação da mocidade que frequenta o primeiro lyceu do reino.

Entende o Governo, e com elle as vossas commissões, que o edificio, onde se acha installado o lyceu da capital, é não só insufficiente para nelle se poder ministrar o ensino a 1:200 alumnos, mas ainda que as grandes distancias que o separam de muitos d'elles constituem um grande mal que urge remediar.

Todos reconhecem tambem que é absolutamente impossivel construir, ou tomar de arrendamento, um edificio que a uma grande capacidade reuna a qualidade de ser igualmente commodo para todos os que o frequentem; e, sendo tambem certo que a população escolar ha de ir augmentando successivamente até 1:600 a 2:000 alumnos, torna-se evidente a necessidade de um outro lyceu, pelo menos, alem do existente.

O Governo, por isso, propõe a criação de um lyceu nacional que, facilitando a desaccumulação dos alumnos do Lyceu Central, torne ao mesmo tempo mais accessivel a educação secundaria official áquelles que residam nos pontos mais afastados da cidade.

A um ponto, tambem importante, se devia attender na proposta do Governo, qual era o de manter a uniformidade de methodos e processos de ensino nos dois estabelecimentos; o Governo, por isso, propõe que nos dois lyceus superintenda o reitor do Lyceu Central, que será coadjuvado na sua ardua missão por um vice-reitor e um corpo docente escolhido, de preferencia, de entre os actuaes professores dos lyceus nacionaes, em commissão no Lyceu de Lisboa.

Assim, satisfaz a presente proposta a uma das mais instantes necessidades do nosso ensino secundario, e ás reclamações unanimes dos que teem ligados os seus mais caros interesses á vida do Lyceu da capital: por isso somos de parecer que a referida proposta merece ser approvada, depois de convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Haverá em Lisboa, alem do Lyceu Central já existente, um lyceu nacional, para melhor funccionamento do ensino secundario na capital.

§ unico. Fica o Governo auctorizado a tomar de arrendamento edificio que sirva para a installação do lyceu nacional, mediante as informações que lhe forem prestadas pela Direcção Technica das Construcções Escolares, pela Inspecção Sanitaria Escolar e parecer do reitor do Lyceu Central de Lisboa.

Art. 2.º O reitor do Lyceu Central de Lisboa superintenderá tambem no lyceu nacional, onde haverá um vice-reitor nomeado pelo Governo de entre os respectivos directores de classe e que desempenhará as attribuições que, pela legislação em vigor, pertencem aos reitores dos lyceus, salvo as restricções provenientes da sua situação relativamente ao reitor do Lyceu Central.

§ 1.° A nomeação do vice-reitor será feita sob proposta do reitor do Lyceu Central de Lisboa.

§ 2.° O vice-reitor terá direito á gratificação annual de 250$000 réis.

Art. 3.° O Governo fará a distribuição da população escolar pelos dois lyceus de Lisboa, central e nacional, sob proposta do reitor de Lyceu Central, tendo em attenção todas as circunstancias que tornem equitativa e proficua ao ensino essa distribuição.

Art. 4.° O provimento dos professores do lyceu nacional será feito nos termos da legislação vigente.

§ 1.° Para o primeiro provimento do pessoal docente do novo lyceu, serão nomeados de preferencia os professores do lyceu do reino que, actualmente, exercem em commissão o ensino no Lyceu Central de Lisboa.

§ 2.º Os professores e mais empregados do lyceu nacional de Lisboa serão, para os effeitos do artigo 11.° e tabella n.° l do decreto de 22 de dezembro de 1894, considerados como professores e empregados do Lyceu Central.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

José Dias Ferreira (com declarações) = Augusto Louza - Anselmo Vieira = Alberto Botelho = Conde de Paçô-Vieira = Raposo Botelho = Abel Andrade = D. Luiz de Castro = Marianno de Carvalho = Rodrigo A. Pequito - Alberto Navarro = José Joaquim Mendes Leal - João de Sousa Tavares = Vaz Ferreira - Carlos Malheiro Dias = José Maria Pereira de Lima = Alipio Albano Camello, relator.

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N.º 13-D

A accumulação da população escolar no Lyceu Central de Lisboa nos ultimos annos tornou necessaria a adopção de providencias que obstem aos inconvenientes resultantes de tal accumulação.

Não podem continuar por mais tempo, a dentro da mesma casa, mil e duzentos estudantes. Nem á cidade de Lisboa é suficientemente ministrado o ensino secundario mediante um só lyceu. Por evidentes não carecem de ser demonstradas estas affirmações.

A presente proposta de lei cria um lyceu nacional, que, a par do lyceu contrai existente, determinará a desaccumulação da população escolar no lyceu central, e tornará mais facil a frequencia lyceal pelos proprios estudantes que residirem nos pontos mais extremos da cidade.

No intuito de conservar a maxima unidade no processo de ministrar o ensino secundario na capital do reino, simplificar o serviço e diminuir a despesa com o pessoal do novo lyceu nacional, dispõe a presente proposta que o lyceu nacional será dirigido por um vice-reitor, subordinado ao reitor do lyceu central. Esse vice-reitor é um director de classe do lyceu nacional, nomeado pelo Governo, sob proposta do reitor do Lyceu Central.

Ainda determina a proposta de lei que o Governo fará annualmente, antes da abertura dos cursos nos dois lyceus, central e nacional, a conveniente distribuição da população escolar pelos dois lyceus. Nessa distribuição attenderá a todas as circumstancias que a tornem equitativa e proficua ao ensino, como por exemplo, á residencia dos aluirmos, ao limite maximo da população escolar em qualquer dos lyceus.

A distribuição da população escolar será feita sob proposta do reitor.

Na organização do quadro do pessoal docente do novo lyceu nacional teem preferencia por esta proposta os professores do lyceu do reino que, actualmente, exercem em commissão o ensino secundario no Lyceu Central de Lisboa. Assim devia ser. Os professores do lyceu do reino, que se acham commissionados no lyceu central de Lisboa, foram escrupulosamente seleccionados entre os professores do lyceu do reino, que mais se distinguiram pelas provas restadas no respectivo concurso, ou pelo zêlo manifestado durante o magisterio lyceal.

Ainda a proposta de lei estabelece para os professores e mais empregados do lyceu nacional os vencimentos que a tabella n.º l do decreto de 22 de dezembro de 1894 fixa para os professores e mais empregados dos lyceus centraes. A diversidade de vencimentos, a que se refere aquella tabella, resulta principalmente das diferentes condições de vida, que se encontram nas respectivas sedes.

São estes os motivos em que se baseia a proposta de lei, que, baseado no parecer do Conselho Superior de Instrucção Publica, nos termos do decreto n.° 3, de 24 de dezembro de 1901, artigo 6.° n.° 2.°, tenho a honra de submetter á vossa elevada apreciação.

Proposta de lei

Artigo 1.° Haverá em Lisboa, alem do Lyceu Central já existente, um lyceu nacional, para melhor funccionamento do ensino secundario na capital.

§ unico. Fica o Governo auctorizado a tomar de arrendamento edificio que sirva para a installação do lyceu nacional, mediante as informações que lhe forem prestadas pela Direcção Technica das Construcções Escolares, pela Inspecção Sanitaria Escolar e parecer do reitor do Lyceu Central de Lisboa.

Art. 2.° O reitor do Lyceu Central de Lisboa superintenderá tambem no lyceu nacional, onde haverá um vice-reitor nomeado pelo Governo de entre os respectivos directores de classe e que desempenhará as attribuições que, pela legislação em vigor, pertencem aos reitores dos lyceus, salvo as restricções provenientes da sua situação reativamente ao reitor do Lyceu Central.

§ 1.° A nomeação do vice-reitor será feita sob proposta do reitor do Lyceu Central de Lisboa.

§ 2.° O vice-reitor terá direito á gratificação annual de 250$000 réis.

Art. 3.° O Governo fará a distribuição da população escolar pelos dois lyceus de Lisboa, central o nacional, sob proposta do reitor do Lyceu Central, tendo em attenção todas as circumstancias que tornem equitativa e proficua ao ensino essa distribuição.

Art. 4.° O provimento dos professores do lyceu nacional será feito nos termos da legislação vigente.

§ 1.° Para o primeiro provimento do pessoal docente do novo lyceu, serão nomeados de preferencia os professores do lyceu do reino que, actualmente, exercem em commissão o ensino no Lyceu Central de Lisboa.

§ 2.º Os professores e mais empregados do lyceu nacional de Lisboa serão, para os effeitos do artigo 11.° e tabella n.° 1 do decreto de 22 de dezembro de 1894, considerados como professores e empregados de Lyceu Central.

Art. 5.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 24 de fevereiro de 1902. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°

O Sr. Eduardo Burnay: - Sendo esta a primeira vez que vem occupar a attenção da Camara, pede que lhe dispense a sua benevolencia, porque, sendo complexo o assumpto de que vae occupar-se, receia não o poder tratar com o desenvolvimento e ao mesmo tempo com a clareza que desejava.

Ao pedir a palavra sobre este projecto, a sua intenção não foi a de, propriamente, o discutir, mas sim a de fazer, a proposito d'elle, algumas considerações sobre o regime actual da nossa instrucção secundaria, assumpto de que já se quis occupar na sessão legislativa passada e na que vae decorrendo.

Para isso apresentou os respectivos avisos previos; mas nunca os pôde realizar, por não lhe ter chegado a palavra.

Não desconhece a necessidade da criação de mais um lyceu em Lisboa, como ninguem, de certo, a desconhece, desde que se sabe que o actual Lyceu Central é frequentado por 1:200 alumnos, e que o Governo se obrigou a facultar a instrucção secundaria a todos os alumnos que se apresentem.

A frequencia enorme que os lyceus estão tendo, relaciona-se com o regime da instrucção secundaria, estabelecido em 1894. Até então, como todos sabem, a frequencia dos lyceus era diminuta, e isto porque o ensino se ministrava, na sua grande maioria, nos estabelecimentos particulares.

Mas pergunta: a manter-se essa frequencia, bastarão os dois lyceus na capital? Não lhe parece; serão necessarios, a seu ver, pelo menos tres.

Quer-lhe parecer, porem, que a frequencia aos lyceus, ainda que continue o actual regime, não só não augmentará, mas não se manterá.

Quanto ao edificio em que ha de estabelecer-se o Lyceu Nacional, criado por este projecto, elle, orador, para que lhe possa dar o seu voto, considera necessario que elle se estabeleça em condições differentes d'aquellas em que se encontra o actual, que não reune as condições exigidas para o fim a que é destinado.

Não quer isto dizer que se faça um edificio sumptuoso, como o que se começou a construir em Jesus, cujos alicerces teem de profundidade, na phrase de um Digno Par, 300:000$000 réis, mas sim um edificio modesto, sem luxos, e reunindo todas as condições hygienicas e de situação, para que bem possa preencher o fim a que se destina. E um edificio em taes condições pode, na opinião

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d'elle, orador, construir-se em seis meses, e portanto ser aproveitado já no futuro anno lectivo.

[...] varios [...] da provincia, e pode assegurar que [...], onde não ha luimpesa, nem o material neceswsario para o ensino. O de Lisboa está em [...] condições. É por isso devido, em parte, ao reitor, que [...] proprio faz a policia do estabelecimento, e que, se por um lado tem vantagens, por que evita os graphicos que se vêem nas paredes dos estabelecimentos congeneres das provincias, por outro parece-lhe menos conveniente, porque a missão que incumbe ao reitor é muito superior a essa.

Bem sabe que esse procedimento do reitor é devido á escassez de empregados encarregados da policia, e por isso só merece elle louvores, visto que assim mostra o cuidado que toma pelo importante, estabelecimento que lhe está confiado; mas entendo que o não devem collocar nessa situação e fornecer-lhe os elementos necessarios para que elle se possa dispensar de tal serviço.

Entendo, alem d'isso, que os guardas encarregados do policiamento devem ter um uniforme, um distinctivo qualquer, que represente, por assim dizer, a auctoridade de que estão investidos, pois, a seu ver, a apparencia externa, não é demais neste caso.

Se a policia interna, no Lyceu Central de Lisboa, nada deixa a desejar, porque a tudo attende o seu reitor, o mesmo não pode dizer-se com relação ao que se passa fora do Lyceu, e isso devido em grande parte á sua situação, pois é frequente verem-se os alumnos, nos intervallos das aulas, metter-se com as pessoas que passam, e até com a Guarda Municipal, sendo repellidos a cachação, como tambem se vêem entrar nas tabernas proximas para lanchar e frequentar outras casas onde se deixa dinheiro, se perde a saude, e se adquire uma preversão precoce.

A questão da situação do edificio é portanto, como já disse, um elemento principal a attender.

A opportunidade da criação d'este lyceu depende, em parte, da organização que se der ao ensino secundario; e por isso lha parece ser esta a occasião opportuna para fazer o balanço dos resultados obtidos do actual regime, de ver, emfim, o que tem produzido este regime, o que ha a esperar d'elle, e o que é preciso fazer para o modificar.

A este respeito, deve dizer que a reforma iniciada em 1894, principalmente devida á iniciativa do Sr. João Franco Castello Branco, auxiliado pelo Sr. Conselheiro Jayme Moniz, tem panegyristas absolutos e detractores absolutos. Uns entendem que ella constitue um verdadeiro modelo, a maior sublimidade em materia do pedagogia, em instrucção secundaria. Outros entendem que ella é, apenas, uma escola de cretinização da mocidade.

Por sua parte, elle, orador não é nem por uns, nem por outros: está com aquelles que reconhecem as qualidades onde ellas existem, e os defeitos onde elles estão. Nesta questão não é iconoclasta; não tem a menor pretenção de derrubar ninguem que esteja sobre, um pedestal. Apreciará portanto a questão exactamente como ella é, tratando-a com a maior singeleza possivel.

Deseja fazer a apreciação do actual estado da instrucção secundaria, mas não póde fazê-lo sem recordar rapidamente, o que era o regime anterior, para dessa comparação se poder deduzir o que vale o regime, actual.

Pelo anterior regime, nós tinhamos aquillo a que poderemos chamar o modelo francos. Depois de 1870, porem, passamos a adoptar o modelo allemão, até que em 1892 se fez a reforma da instrucção secundaria. Até ahi o regime era o seguinte: os exames faziam-se por cadeiras, de maneira que, durante o curso secundario, faziam-se 20 ou 30 exames.

Evidentemente, era necessario corrigir tal systema, e, nessa parte, a reforma vem na maior opportunidade, baseando se principalmente sobre os seguintes pontos: organização de ensino official, disciplinas, programmas e [...]. os seus principaes defeitos, porem, forçou inutilidade e inapplicação pratica dos preparatorios, regime pedagogico, demasiadamente intensivo e abuso de exames.

Sendo sou intuito occupar-se da actual reforma, comparando a com a anterior, não pode elle, orador, eximir-se a prestar toda a homenagem devida, á iniciativa de quem a apresentou.

É ella devida á conjugação de duas iniciativas: a do Sr. João Franco, a quem presta a homenagem da sua estima, e a do Sr. Jayme Moniz, que, como todos sabem, foi um dos mais distinctos e aureolados professores no alto ensino academico.

Prestada esta homenagem, julga-se elle, orador, com toda a liberdade de apreciar essa reforma e a maneira por que ella foi elaborada. Sendo assim, parece que o que estava naturalmente indicado ao elaborá-la era fazer um estudo detido, pausado, de qual era a situação, não só em relação ao regimo vigente e ás difficuldades que se apresentavam, mas tambem em relação ao nosso ensino e ás suas necessidades; era, alem disso, fazer a caracterização, perfeita e rigorosa, de quaes as condições em que estamos e de que meios dispomos para resolver esse problema, tanto em relação á instrucção secundaria, como á instrucção superior.

É geral a tendencia para copiarmos o que, sobre este assumpto, existe na Allemanha; mas é necessario notar que os meios não são os mesmos. Na Allemanha o meio é um, e entre nós é outro. E porque? Porque as civilizações attingiram intensidade differentes as raças são differentes; as condições do meio, chamadas condições mesologicas, são differentes. Não podemos, pois, ter a pretenção de ir copiar aquillo que lá existe, quando queiramos fazer uma reforma de instrucção secundaria.

Alem d'isso, entre o cerebro allemão e o cerebro português ha grande diversidade, trabalham elles de uma maneira completamente differente.

Relativamente á mentalidade portuguesa, todos sito concordes em que ella é de uma extrema vivacidade; ao passo que o allemão é o contrario.

Neste ha um poder de concentração consideravel, mas não tem a apprehensão tão rapida.

Se não podemos, pois, ter a pretenção de ir copiar o que lá existe, bem podia fazer-se uma reforma noutros moldas. A reforma vigente foi vaga de mais: parece-lhe que quem a fez não formulou nitidamente o seu problema, porque nem sequer se diz n'ella, claramente, o que é instrucção secundaria.

Um dos pontos a que não se associa, quanto ás modificações introduzidas na reforma, é no que respeita ao methodo de ensino.

Não comprehendo que se metta de infusão a sciencia na cabeça da criança.

Outro defeito que lhe nota é a fórma por que estão organizadas as disciplinas; reputa-as excessivamente fragmentadas, de sorte que,, ao cabo de um corto numero de annos, o alumno tem já perdido aquillo que ganhou no principio.

No que diz respeito aos livros e programmas, considera-os tambem excessivos, e pelo que se refere ao professorado, diz a reforma que deve ser encolhido o que appareça com mais intelligencia e saber. Dever-se-ha porem, para o ensino secundario, exigir essa grande intelligencia e saber? O que é principalmente necessario é capacidade e competencia adaptadas especialmente ao fim.

Um homem de grande intelligencia, mais com tendencias para summidade do que para professor, podo dar um illustre conferente, numa academia, mas dá um péssimo professor.

Portanto, o recrutamento dos professores não deve fazer-se só pela intelligencia o saber; deve ser feito, como,

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por exemplo, na Italia, por meio de diplomas, sendo depois o individuo obrigado a ir fazer um tirocinio de dois annos.

Evidentemente, na reforma actual ha excellentes intenções e muita cousa aproveitavel, que elle, orador, desejaria salientar; mas como lhe falta o tempo, limita-se unicamente, no cumprimento de um dever, a apresentar á Camara algumas bases a que chamará a reforma da reforma, e que podem resumir-se no seguinte:

1.° Fazer do ensino secundario não só um instrumento de desenvolvimento intellectual, mas um systema de instrucção mais pratico;

2.° Determinar a obrigatoriedade d'esse ensino, para certos cursos especiaes;

3.° Admittir professores singulares das disciplinas;

4.° Conseguir a garantia do alistamento, nos institutos officiaes, dos que quiserem acolher-se a esse regime;

5.º Criar para os institutos particulares que se submettam ao regime official, um systema de inspecção pedagogica.

Quanto ao regime official:

1.° Procurar reduzir o curso ordinario a seis annos;

2.° Attenuar o systema gradativo, evitando o excesso e accumulação de muitas disciplinas em cada anno;

3.° Simplificar e facilitar os programmas;

4.° Diminuir muito o curso de latim;

5.º Ministrar algumas noções de grego.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora.

O Orador: - Diz que mais cinco minutos lhe bastavam para poder justificar estas bases; em todo o caso é forçado a acatar a advertencia da mesa e dá por findas as suas considerações, mandando para a mesa a seguinte

Emenda

Proponho que o § unico do artigo 1.º fique assim redigido:

§ unico. Fica o Governo auctorizado a tomar de arrendamento ou construir economicamente edificio appropriado para a installação de um lyceu em condições materiaes e pedagogicas modelares. - Eduardo Burnay.

Foi permittido.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. enviar as notas tachygraphicas).

O Sr. Alipio Camello; - Mando para a mesa o parecer das commissões de legislação civil e de fazenda sobre o projecto n.° 25-A de 1902, que tem por fim criar uma comarca com a sede na villa de Ourique.

Foi a imprimir com urgencia.

O Sr. Jayme Arthur da Costa Pinto: - Mando para a mesa o parecer das commissões de administração publica e de fazenda sobre o projecto de lei n.° 37-B, que tem por fim auctorizar a Camara Municipal de Cabeceiras de Basto a levantar todas as quantias que tiver o fundo de viação e applicá-las ás suas despesas geraes, ficando isenta de contribuição para o mesmo fundo até o anno de 1920.

Foi a imprimir com urgencia.

O Sr. Claro da Ricca: - Sr. Presidente: cabe-me a honra, pelo acaso da inscripção, de responder ao proficiente discurso do illustre Deputado o Sr. Eduardo Burnay, e tanto maior prazer tenho nessa honra quanto é certo que desde longo tempo estou habituado, como antigo alumno de S. Exa., a apreciar as brilhantes qualidades de espirito e de caracter que o adornam.

Sr. Presidente: o illustre Deputado falou não só com a auctoridade profissional de professor distincto, que é, de uma escola superior, mas com a sua auctoridade pessoal de homem que estuda e sabe estudar com raro cuidado qualquer assumpto. (Apoiados).

Vou procurar acompanhar o illustre Deputado em todas as suas considerações, não com a minha auctoridade pessoal, que é nulla (Não apoiados), mas com a auctoridade do cargo de professor que tenho a honra de exercer no primeiro lyceu do país, e auxiliado pelo conhecimento directo e pessoal que tenho da applicação pratica do regime da instrucção vigente.

Felizmente, o illustre Deputado collocou a questão num campo de onde não a tenho que desviar.

Todos os pedagogistas e todos os homens de Governo, sempre que se trata do desempenho de uma alta funcção social, como é a educação de um povo, abdicam de todas as suas crenças partidarias e põem em jogo a intensidade do seu talento e o seu são criterio para a resolução do problema.

Foi o que S. Exa. fez; collocou a questão num campo neutro de politica, e é nesse campo que eu acceito a questão e vou tentar responder ás observações de S. Exa.

O illustre Deputado o Sr. Eduardo Burnay produziu um brilhante discurso, que me parece poder dividir-se em duas partes caracteristicamente distinctas. Na primeira parte S. Exa. fez uma apreciação, embora rapida, do projecto que achou, e é de facto, muito conciso e muito restricto na extensão das suas ideias, mas que é de facto multo amplo, amplissimo mesmo na extensão das vantagens que da sua approvação hão de resultar para a mocidade estudiosa de Lisboa. (Apoiados).

Na segunda parte, S. Exa. fez uma apreciação, umas vezes geral, outras vezes especial, especialissima mesmo, da reforma de instrucção secundaria; a minha resposta não pode, por consequencia, deixar de seguir um caminho analogo. Dividi-la-hei tambem em duas partes.

Na primeira parte do seu discurso, S. Exa. accentuou uma hypothese, cuja admissão, a meu ver, representa uma injustiça praticada para com os homens que se sentam nas cadeiras do Poder, e d'essa hypothese deduziu uma these que reputo inconcludente. Disso S. Exa. que se o Governo não prover de remedio a todas as doenças de que enforma a actual reforma de instrucção secundaria, a frequencia nos lyceus ha de fatalmente diminuir, e por consequencia serão inuteis todos os novos lyceus que se criem. Na minha humilde opinião, a hypothese de S. Exa. representa uma injustiça, pois posso affirmar que o Governo está no firme proposito de, logo que tenha tido completa, cabal e integral execução a actual reforma de instrucção secundaria, isto é, depois de terminado o setimo anno lectivo da sua applicação pratica, ouvindo o conselho technico dos professores e as pessoas auctorizadas, fazer as alterações e modificações em todos os pontos da reforma que d'essas alterações e modificações carecerem.

É injusta a hypothese de S. Exa., mas qualquer que fosse essa hypothese eu não chego á conclusão que S. Exa. deduziu.

Porque é que deve diminuir a frequencia nos lyceus? Essa frequencia só podia diminuir, a meu ver, por uma derivação d'essa frequencia para os institutos particulares; mas isso não se tem dado, não se dá, nem ha de dar-se, porque contrariava a consequencia logica da propria reforma.

Qual foi uma das consequencias da reforma de instrucção secundaria? Foi despertar no espirito dos interessados na educação dos alumnos a ideia da conveniencia para os estudantes de frequentarem os nossos lyceus officiaes.

De facto, é nos lyceus officiaes onde o magisterio com todas as prerogativas só exerce em toda a sua soberania, porque nos lyceus officiaes os professores estão isentos das consequencias funestas e servis da lei economica da procura e da offerta do trabalho e das dependencias existentes entre quem paga um trabalho e quem o executa, exercendo, portanto, a sua alta missão com toda a isenção e soberania.
Alem d'isso, nos lyceus officiaes os individuos que teem a honra de ser proprietarios das varias cadeiras passaram por provas tão numerosas e densas

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que Devem offerecer a todos uma garantia segura de procederem bom [...] a missão a que foram chamados.

Não ha pois, no meu ver humilde, razão nenhuma para suspeitar que possa haver derivação futura da frequencia dos lyceus para escalas particulares, e não ha, portanto, a recear a inutilidade futura de lyceus que do novo se criem.

Na segunda parte do decurso do illustre Deputado, S. Exa. accentuou então todas as suas criticas, umas geraes, outras especiaes e até especialissimas sobre a actual reforma da instrucção secundaria.

Mas um facto notei eu, e notou decerto S. Exa.; o illustre Deputado não accusou, nem podia accusar de boa fé, os principios fundamentaes que constituem os alicerces d'esta majestatica e majestosa obra que se chama, a reforma de instrucção secundaria, verdadeiro titulo e padrão de gloria para aquelles estadistas que tiveram a felicidade de assignar o decreto que a foz vingar, alguns dos quaes se sentam hoje, de novo, nas cadeiras do Poder.

S. Exa. não atacou os principios fundamentaes, as bases da reforma; limitou as suas considerações a todos os accessorios d'esse plano geral. De resto, sabe V. Exa. a que estado de decadencia tinha chegado a instrucção secundaria no nosso país, mercê especialmente de dois factos que concorriam para que esse estado decadente fosse uma verdadeira affronta para o decoro nacional.

Um desses factos estava representado pela ideia, então dominante, do reduzir o periodo de ensino no minimo espaço de tempo possivel, agglomerando em cada anno materia de dois e tres annos; o outro facto, ainda mais pernicioso, consistia na desconnexão do methodo e dos processos do ensino.

Do primeiro facto resultava que em quatro ou cinco annos os nossos rapazes aprendiam o que lá fora se aprendo em muito mais tempo; de sorte que a maioria d'esses rapazes arrastava-se pelas escolas superiores sem perceberem o mais leve raciocinio e sem poderem fazer applicação pratica das suas faculdades intellectuaes. E não era porque os nossos estudantes não possuam bellas qualidades do espirito; teem até uma imaginação viva e ardente, uma intelligencia precoce muito notavel e uma memoria tenaz, mas todas essas faculdades se perdiam e se atrophiavam como consequencia da ideia de fazer encurtar o prazo de tempo de aprendizagem.

Do segundo facto derivava que os professores nas suas cathedras suppunham-se senhores absolutos e ensinavam as suão disciplinas como entendiam e em completa independencia dos outros; não havia harmonia, não havia unidade de ensino.

Os methodos então estavam abaixo das mais leves noções pedagogicas.

Era indispensavel produzir uma reforma completa da instrucção secundaria. Foi o que se fez. As vantagens já se fazem sentir e hão de tornar-se manifestas quando a primeira camada de estudantes preparada por ella entrar não escolas superiores.

Mas disse eu: V. Exa. não atacou, nem podia atacar de boa fé, e de outra forma era incapaz de o fazer, os principios que constituem a base fundamental da reforma de instrucção secundaria; S. Exa. limitou as suas considerações a apreciações sobre todos os accessorios d'esse plano, modelando-as sobre todas as accusações que se teem feito não só na imprenso, como tambem em conferencias, em folhetos e ainda mesmo, por outras vezes, no Parlamento.

Todas essas accusações de caracter geral posso eu synthetizá-las em grupos de cinco naturezas ou em cinco grupos; outras não de caracter especial e estas acompanha-las hei tambem especialmente no decorrer do meu discurso.

Todas as accusações feitas á reforma actual de instrucção secundaria, que nos colloca, no que respeita a instrucção, na vanguarda de todos os países cultos, todas essas accusações podem contar-se de facto em cinco grupos.

No primeiro grupo está incidida a desproporção, que se reputa manifesta, entre o ensino classico e o ensino das humanidades modernas; no segundo grupo a má organização e distribuição dos programmas; no terceiro grupo a deficiencia do professorado; no quarto grupo a parte puramente hygienica da reforma, o estudo da relação entre a capacidade physica do rapaz e o esforço intellectual que lhe é exigido; finalmente, no quinto grupo a coacção do ensino livre e a duração do ensino official.

Eu, que neste momento tenho a honra de ter a palavra, vou emittir a minha opinião sobre todas essas accusações, em cuja comprehensão estão incluidos todos os factos expostos pelo illustre Deputado, no seu discurso de hoje.

Primeiro grupo: desproporção entre o ensino classico e o ensino das humanidades especiaes.

A este respeito parece que pode, formular-se a seguinte pergunta:

Deve ensinar-se o latim nos nossos lyceus?

Esta pergunta pode ter tres resposta: não deve ensinar-se, ou deve ensinar-se com menor intensidade do que se faz hoje, ou finalmente deve ensinar-se tal como hoje se faz.

No que respeita á primeira resposta deve dizer que a solução vantajosa para este problema, mal resolvido era todas as nações, seria o estabelecimento de duas ordens de institutos secundarios, uns com o latim em grande desenvolvimento, e com menor desenvolvimento das humanidades modernas, outros com pequeno desenvolvimento do latim, e com grandes desenvolvimentos do estudo das humanidades.

O curso dos institutos da primeira categoria constituiria habilitação para os cursos superiores especiaes como direito, medicina, cursos philosophicos, etc.; o dos institutos de segunda categoria constituiria habilitação para cursos mais praticos: como engenharia, carreiras militares, etc. Esta era a mais vantajosa solução que se podia dar ao problema, e é esta a solução que se prevê no brilhante relatorio que precede a reforma. (Apoiados).

Porque é que ainda não está em execução?

Porque as circunstancias do país não o teem permittido. Affirmando a minha opinião, eu deixo consignado que seria esta a solução que ou desejava ver dar a este problema.

No que respeita á segunda resposta, de que se deve ensinar o latim mas em menor intensidade, reputo essa ideia inacceitavel. O latim constitue uma sciencia tal que ou ha de ter todo o desenvolvimento no seu estudo ou nenhum. O latim em meias doses, em tinturas de ensino, constitue um latim de inutilidade manifesta para o aproveitamento do seu estudo.

A terceira resposta, que torno a dar, é que se deve ensinar o latim tal qual como hoje o temos nos nossos lyceus.

Pois se nós não podemos dar a melhor solução á quentão, isto é, se nós, pelas circunstancias economicas do país, não podemos adoptar senão um typo unico de institutos secundarios, o que havemos de fazer senão adoptar um cujo curso que sirva de habilitação para todas as carreiras superiores?

Se nós formos ver o que se passa lá fora, notaremos que na Allemanha ha tres ordens de institutos; os gymnasios, os reaes gymnasios e as escolas de habilitação secundaria para as carreiras praticas. Nos gymnasios tem o latim nove annos de ensino, nos reaes gymnasios diminue-se um pouco o periodo do seu ensino, e nas outras escolas não existe.

Na França, ainda ha pouco tive occasião de o ver no Jornal Official, votou-se na Camara uma remodelação da instrucção secundaria, que acompanha passo a posso a nossa reforma com a differença de estabelecer quatro ordens de institutos, tres com o latim e uma sem latim; essa

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divisão obedece ao principio de fornecer habilitações diversas segundo o fim que o estudante tem em vista. Mas esta solução, que se afigura vantajosa á primeira vista, tambem tem inconvenientes, que se estão dando.

Todos nós sabemos que um alumno quando começa a estudar o curso preparatorio secundario não tem ideias definidas sobre qual o fim que se propõe attingir, nem o pae sabe muitas vezos a carreira que mais convem ao futuro do rapaz.

De modo que um estudante pode matricular-se num instituto de determinada categoria por se destinar a uma certa carreira, mas chegando ao fim do curso preparatorio, reconhecer que as suas tendencias soffreram uma modificação e portanto já não se querer destinar á carreira a que se propunha, mas a outra. Então ou annulla o estudo feito e começa a estudar em instituto de outra categoria, ou então teremos, e esse é um inconveniente grave, os exames supplementares de equivalencia entre os cursos dos lyceus de varias categorias, exames estes que só servem para perturbar a harmonia do ensino e que constituem verdadeiros "contrapesos de sciencia", sempre condemnaveis.

É por isso que, na nossa actual situação economica, a melhor solução a dar ao problema será manter um unico typo de instituto de instrucção secundaria, não podendo deixar de nelle existir o latim; e para existir o latim é necessario estudá-lo em todo o seu desenvolvimento, porque, repito, tinturas de latim, de uma sciencia que exige um estudo aturado, representaria trabalho improficuo e inutil. (Apoiados).

O latim, alem de produzir uma gymnastica intellectual muito aproveitavel nos estudantes, fornece-lhes elementos para elles bem poderem aprender a lingua nacional, e parece-me que o lyceu, se não tem o dever de preparar escriptores e oradores, deve preparar os alumnos de maneira que saibam bem manejar, com a palavra e com a penna, a lingua portuguesa.

O segundo ponto que foi atacado na exposição brilhante de S. Exa. foi a questão da má organização e distribuição dos programmas. Permitta-me S. Exa. que eu lhe diga que, em minha convicção, não ha um só professor de instrucção secundaria que não reconheça o facto que S. Exa. apontou. (Apoiados).

Os programmas estão de facto mal organizados e distribuidos, mas teem uma vantagem altamente manifesta sobre todos os outros programmas que teem existido: estabelecem uma connexão intima, uma ligação profunda, uma harmonia indispensavel entre todas as disciplinas que estão contidas na extensão desses programmas. Antigamente todos os programmas de instrucção secundaria estavam feitos de maneira que havia diques, enormes soluções de continuidade, linhas de separação prejudicialissimas entre as varias disciplinas, que deviam estar todas unidas e colligadas. Hoje a transição das disciplinas de umas para as outras faz-se nesses programmas como na optica se faz a transição da luz para a sombra pela penumbra, gradualmente, desde a linha limite da luz até á linha limite da sombra, num crescendo suave e lentamente sensivel; essa grande vantagem é preciso que fique e ha de ficar.

Devia o Governo ter já reformado os programmas dos annos que já tiveram applicação pratica o execução lectiva?

Não; o Governo deve aguardar que o 7.° anno lectivo tenha a sua execução pratica, e então, e só então, proceder á reforma conjunta de todos os programmas, mantendo a intima e pedagogica connexão que os distingue e tanto valoriza. E é esse o intento do Governo.

Reformando pouco a pouco os programmas, hoje os do 1.° anno, amanhã os do 2.° e depois os do 3.°, etc., como é que se poderia manter essa connexão?

De forma alguma. É por isso que ainda não foram modificados. Ora, poderá objectar-se o seguinte: então reconhece-se que os programmas estão mal organizados e determinados, e o ensino tem continuado assim?

Não, Sr. Presidente. Todos os professores, meus collegas, teem tido o bom senso de, quando é necessario, alterar os programmas de modo a melhorar mais utilmente o ensino, e até hoje não ha um só d'esses professores a quem o Governo tenha pedido contas d'esse facto, praticado no melhor dos intuitos.

Outro ponto a que S. Exa. se referiu, e que tem sido incluso em todos os ataques á reforma da instrucção secundaria, é a deficiencia dos professores. Eu sou o primeiro a confessar a V. Exa. que todos os professores, novos e velhos, dos lyceus do continente e das ilhas, foram criados num regime de instrucção completamente diverso, e orientaram por esse facto o seu espirito de uma maneira differente. V. Exa. sabe muito bom que não se muda de orientação intellectual com a mesma facilidade com que se muda de sobrecasaca; os professores estão fazendo, anno a anno, mês a mês, dia a dia, mudança nos seus processos, modificando as tendencias naturaes do seu espirito para o harmonizar com a orientação e o alto espirito pedagógico da actual reforma, e tantos mais annos decorram do execução da reforma tanto mais se ha de caminhar para o elevado fim que ella teve em vista.

Outra accusação a que S. Exa. se referiu é que não existe proporção entre a capacidade physica dos alumnos e o esforço intellectual que lhes é exigido. Este ponto tem sido tratado largamente, dizendo-se que não se attendeu á harmonia que deve existir entre a educação physica e a intellectual.

Sr. Presidente: é minha opinião, e opinião pouco auctorizada, porque não sou especialista na materia, que em nenhuma das reformas feitas até hoje se attendeu tanto á coadunação da educação physica e da educação intellectual como naquella de que nos estamos occupando; e explico a razão da minha convicção. V. Exa. sabe que um dos principios basicos da reforma é o do ensino progressivo, methodico, racional e uno. No primeiro anno o ensino é perfeitamente intuitivo; o professor fornece aos alumnos todas as noções indispensaveis para a facil percepção da lição.

O rapaz, com a attenção que não pode deixar de manter na aula, vae seguindo intelectualmente o professor, que, quando julga conveniente para manter a attenção dos alumnos, suspende a lição, dirigindo perguntas á classe, apontando os individuos que a ellas devem responder.

D'esta forma o trabalho do alumno em casa consiste numa simples revisão da materia explicada na aula, cuja acquisição foi uma consequencia natural da attenção a que é forçado durante a exposição do professor.

Aqui tem V. Exa. como nas primeiras idades, em que o organismo physico da criança maior cuidado exigiria, no que respeita ao trabalho a que é forçado, procurou naturalmente o espirito hygienico da reforma alliviar o esforço intellectual do estudante.

O ensino vae depois nas outras classes medias e superiores augmentando de intensidade, mas numa progressão que acompanha gradualmente o desenvolvimento physico do alumno.

Não vejo que se possa censurar a actual reforma da instrucção secundaria por não obedecer a este principio altamente humanitario, da coadunação da educação physica com a educação intellectual.

Sr. Presidente, por ultimo falta-me tratar do quinto grupo, coacção do ensino livre e duração do tempo official, em que synthetizarei algumas accusações de caracter geral que o illustre Deputado o Sr. Burnay fez contra a reforma de instrução secundaria.

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V. Exa. tem ouvido com que isenção partidaria e pessoal tenho tramado a questão; já manifestei a minha opinião em varios pontos d'esta questão e tenho de a manifestar novamente.

A coacção do ensino livro é hoje um principio que se reputa de optimo effeito pedagogico. No que respeita a dilatação do tempo do ensino official, Sr. Presidente, é certo que foi esse ponto a maior difficuldade que ao teve de vencer permito os pães e os interessados na educação dos menores, para fazer vingar a actual reforma. A dilatação do tempo do ensino official é um principio altamente hygienico e proporcionador da proficuidade do ensino.

Antigamente os rapazes acompanhavam durante muito pouco tempo o ensino que lhes era fornecido livremente pura os preparar a entrar nas escolas superiores. Mas, Sr. Presidente, encurtarmos nós o tempo durante o qual o rapaz tem de fazer acquisição progressiva, methodica e racional da instrução secundaria é prejudicar profundamente a instrucção que devem adquirir. (Apiados).

Os aluamos poderiam entre nós aprender em menos tempo do que nas outras nações doutas todas as materias do curso secundario? Podem effectivamente, mas sem fazerem uma assimilação completa d'esses conhecimentos e sem saberem ordenar essa assimilação entre os conhecimentos já assimilados; alem d'isso seria esse encurtamento de tempo muito prejudicial ao seu desenvolmento physico, porque iria atrophiar o alumno com um excesso unti-racional de trabalho de intelligencia.

Sr. Presidente, são estas as considerações de caracter geral que o illustre Deputado a quem tenho a honra de responder fez contra a reforma de instrucção secundaria. Neste grupo de quinta natureza, estão incluidas as respostas a considerações geraes e a muitas accusações particulares que S. Exa. fez.

Limitou- se depois R. Exa. a fazer algumas considerações especiaes sobre alguns accessorios da reforma de instrucção secundaria e citou, como um argumento contrario á reforma, o seguinte facto:

«Ha tempo, falando num comboio, com um professor do Lyceu de Lisboa, sobre o aproveitamento dos aluamos disse este que na sua aula tinha 70 alumnos, dos quaes aproveitaria só 6, talvez 15, e mais nenhum!»

Sr. Presidente, o facto que S. Exa. apresentou perante o meu espirito afigura-se-me como uma glorificação da reforma actual. Os alumnos que não adquirirem a instrucção secundaria hão de continuar a frequentar os lyceus até a conseguirem; só passam os que sabem.

O que se quer é evitar que pelos bancos das escolas superiores continuem a passar individuos, como antigamente, sem o desenvolvimento intellectual e os conhecimentos indispensaveis para bem aproveitarem do ensinamento das materias dos cursos superiores a que se destinara.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bom, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado).

(Não reviu).

O Sr. João Pinto dos Santos: - Folga de ter pedido a palavra sobre o assumpto em discussão, depois dos discursos brilhantes dos dois illustres oradores que sobre elle teem falado, mostrando perfeito conhecimento do ensino secundario, que tanto interesse desperta em todos os países, e que entre nós não deve merecer menor.

Tenciona fazer tambem considerações de ordem geral sobre a reforma em vigor, de mesmo modo que S. Exas. fizeram; mas, como a hora vae adeantada, reserva-as para amanhã, no a camará lh'o consentir, aproveitando agora o pouco tempo que lhe resta para se referir propriamente no projecto.

Carece- se, evidentemente, de um lyceu, porque não se pode admittir que os poderes publicos assistam despreoccupadamente á agglomeração de 1:200 crianças que teem a infelicidade de frequentar o Lyceu Central de Lisboa, e á impossibilidade de conseguir de prompto edificio em boas condições hygienicas.

Estranha que o projecto nada diga a respeito da despesa que é necessario effectuar para a criação d'esse lyceu, e elle, orador, bom deseja que alguem o esclareça sobre este ponto.

Alem d'isto o lyceu que se pretende criar sae para fora das condições de existencia dos outros lyceus nacionaes, sem que todavia seja um lyceu central. É este um dos pontos de que discorda.

Tem na maior consideração o Sr. Dr. José Maria Rodrigues, que é um professor distinstissimo; mas evidentemente S. Exa. não pode superintender em um lyceu que já tem 600 crianças e exercer a sua acção sobre um outro lyceu que ainda deve ter maior frequencia. Evidentemente não pode ser assim.

Convem, portanto, que o lyceu tenha o mesmo typo dos outros lyceus nacionaes, não ficando dependente do reitor do Lyceu Central, não só pela difficuldade de vigilancia, mas pelas condições especiaes em que ficaria quem tivesse de o reger.

Note-se e quer elle, orador, accentuar bem que não diz isto com a menor ideia de magoar o Sr. Dr. José Maria Rodrigues; mas unicamente com o intuito de deixar o lyceu que vae criar-se em condições de autonomia semelhantes á dos outros lyceus nacionaes.

Um outro ponto que lhe merece especial attenção é o que se refere á divisão da população escolar.

O relatorio fala na residencia dos alumnos; mas neste caso ficam certos alumnos privados de frequentarem o lyceu central, pelo facto de não residirem na arca que elle comprehende, por isso lhe parece que o novo lyceu deve ser antes um desdobramento do Lyceu Central, onde se ministre o ensino de umas classes, ficando as outras onde estão.

Desde que assim não seja, continuará do mesmo modo a agglomeração.

Deve ainda notar que tanto na proposta do Governo, como no parecer da commissão, se faz referencia aos decretos dictatoriaes de 22 de dezembro de 1894, quando tambem existe a lei de 1896.

Isto provém certamente do gosto que S. Exas. teem pelos actos da dictadura, de preferencia ás disposições legaes.

Do mesmo modo que o Sr. Eduardo Burnay, tombem elle, orador, não é absolutamente contrario á reforma de instrucção secundaria. Entende que ella tem cousas boas e cousas más, por que a verdade é que, apesar do brilhante discurso do Sr. Ricca, ella não é isenta de defeitos e contém ato grandissimos saltos e deficiencias.

Mas estas apreciações reserva elle, orador, para amanhã, se o Sr. Presidente e a Camara nisto concordarem.

Consultada a Camara, resolveu afirmativamente.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. enviar as notas tachygraghicas).

O Sr. Presidente: - Eu vou consultar a Camara a esse respeito.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Clemente Pinto: - Mondo paro a mesa um parecer sobre as emendas ao projecto n.° 20, ensino de pharmacia.

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão, sendo a primeira chamada ás 10 e meia e a segunda ás 11 horas.

A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 2 horas e 10 minutos da tarde.

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SESSÃO N.° 55 DE 14 DE ABRIL DE 1902 11

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Fazenda

Proposta de lei n° 48-A

Senhores: - A proposta de lei que venho submetter ao vosso esclarecido exame visa á conversão da divida externa, a que se refere a carta de lei de 20 de maio de 1893 e que comprehende: a divida perpetua, representada pelo consolidado externo de 3 por cento, e as dividas amortizaveis de 4 por cento, emissão de 1890, e de 4 1/2 por cento, emissão de 1888 e emissões de 1889.

Assenta esta conversão: na reducção do capital, na unificação do juro e em tornar amortizavel toda a mencionada divida.

E porque se cria assim para a mesma divida um regimen definido e definitivo, a conveniencia, necessidade até, da substituição dos actuaes titulos por outros novos, o que, de resto, sob qualquer ponto de vista que se considere, é de indiscutivel vantagem: desapparecerá todo o vestigio da dolorosa situação que temos atravessado.

O typo de juro escolhido para os novos titulos foi o de 3 por cento, -por ser o que melhor se prestava á reducção do capital, correspondentemente ás bases adoptadas, e mais facilitava a troca dos titulos existentes pelos novos titulos.

Actualmente, os titulos de divida externa a que me estou referindo tinham direito, alem do terço do juro primitivo - reducção estabelecida pelo decreto de 13 de junho de 1892, e confirmada pela lei de 20 de maio de 1893 -, á partilha por metade no excesso da receita das alfandegas acima de 11.400 contos de réis, e analoga participação na vantagem resultante da diminuição do premio do ouro abaixo de 22 por cento. A este encargo, que era encargo de juro, havia ainda a accrescentar a amortização do 4 por cento e do 4 1/2 por cento, devendo findar a do primeiro em abril de 1965 e a do segundo em outubro de 1963.

Aquella reducção do juro, ao terço do juro primitivo, não se acompanhou, porem, da correspondente modificação na amortização do 4 por cento e 4 1/2 por cento, a qual continuou a fazer-se nas mesmas condições que se o juro fosse integral, isto é: nas duas parcellas que constituiam a annuidade, reduziu-se a correspondente ao juro, e deixou-se subsistir a da amortização. A annuidade deixou por isto de ser constante, para ser crescente, visto que a vacatura do juro era inferior ao accrescimo da amortização.

Assim é, que a partir de 1902-1903 a annuidade para o 4 por cento cresce de 137 a 348 contos de réis, ou de 211 contos de réis, e para o 4 1/2 por cento de 1.039 contos a 2.685 contos de réis, ou de 1.646 contos de réis, isto é, o encargo para estes dois typos de divida augmenta de 1.857 contos de réis (de 1.176 a 3.033 contos de réis).

Considerando, porem, por agora, e taes como foram fixados pela lei de 20 de maio de 1890, só o juro e a participação no excesso dos rendimentos aduaneiros - o premio do ouro nunca tendo attingido a taxa indicada-os tres typos de titulos de que me occupo receberam no anno economico findo:

Juro fixo Supplemento - Alfandegas Total

O 3 por cento l 0,221758 1,221545 por cento
O 4 por cento l 1/2 0,295551 1,629620 »
O 41/2 por cento l 1/2 0,382539 1,832190 »

Conforme a proposta de lei que tenho a honra de apresentar-vos, o juro sobre o capital nominal actual fixa-se em 50 por cento do juro primitivo dos tres typos de titulos a que ella se refere, ou: para o 3 por cento - l 1/2 por cento,

ou a mais do que o recebido no ultimo, anno........ 0,278455 por cento para o 4 por cento - 2 por cento, ou a mais do que o recebido no ultimo anno.................... 0,370380 »
para o 4 1/2 por cento - 2 1/2 por cento,

ou a mais do que o recebido no ultimo anno.............. 0,417810 »

Deve, porem, desde já notar-se que este juro é fixo: - a participação no accrescimo dos rendimentos aduaneiros cessa desde que seja estabelecido o novo regimen proposto. Adoptadas aquellas percentagens para juro sobre o capital nominal actual da nossa divida, a unificação do typo de juro a 3 por cento, importa, para que o encargo seja o mesmo, reducção no respectivo capital nominal. Assim:

1/2 por cento sobre o actual capital nominal de 3 por cento produz o mesmo que 3 por cento sobre 1/2 d'esse capital;

2 por cento sobre o capital nominal de 4 por cento produz o mesmo que 3 por cento sobre 2/3 d'esse capital;

2 1/2 por cento sobre o actual capital nominal de 4 1/2 produz o mesmo que 3 por cento sobre 3/4 d'esse capital.

D'aqui, para os effeitos do juro, a reducção do capital nominal indicada na base I da proposta.

Considerarei agora a amortização. Esta será semestral e em 99 annos.

O 3 por cento actual, que é perpetuo, ficará sendo amortizavel. Mas dar-lhe, no tocante ao juro, condições analogas ás dos outros titulos e transformá-lo em amortizavel, parecerá á primeira vista conceder-lhe vantagem especial. Attenda-se, porem, que em caso algum o reembolso pela amortização excederá 50 por cento do valor nominal actual, e que o governo tem alem d'isto a faculdade de o amortizar por compra no mercado. Reduzido o capital nominal a metade do actual, se a compra se fizer á cotação de 60, isto equivalerá a amortizar o capital nominal actual á razão de 30 por cento, e de 32,5 por cento, 35 por cento, 37,5 por cento e 40 por cento se a compra se effectuar respectivamente ás cotações de 65, 70, 75 e 80. O que d'isto resulta em diminuição de encargos indica-se adeante.

O 4 por cento já era amortizavel. Apesar d'isso essa amortização não se fará pelo capital nominal actual, mas por 5/6 d'esse capital, ou menos 16 2/3 por cento, o que importa, para o capital reduzido a 2/3 do primitivo, o fazer-se a amortização por mais 1/4 d'esse capital reduzido. Na serie correspondente a esta especie de divida, pagar-se-á, pois, juro só sobre 2/3 do capital nominal actual, mas a amortização será com o premio de 2/3 do capital nominal reduzido. Ainda para esta serie ha a faculdade de amortização por compra no mercado.

Para o 4 1/2 é analogo o systema; a amortização do capital nominal é, porem, integral. Era um direito adquirido, e o preço de collocação d'estes titulos foi bastante alto para que se podesse conseguir qualquer reducção no reembolso. Reduz-se a 3/4 o capital nominal actual, e só sobre este capital reduzido ha a pagar juro; o quarto restante será representado por titulos sem juro, com o mesmo numero e amortização simultanea á dos titulos principaes a que correspondem. Nenhuma outra vantagem é concedida a estes ultimos titulos.

Do plano de conversão que fica exposto, as tres seguintes series de titulos:

l.ª serie: - Correspondente ao actual 3 por cento. - Capital nominal 50 por cento do capital nominal actual. Amortização podendo ser por sorteio ou por compra no mercado, á vontade do Governo.

2.ª serie: - Correspondente ao actual 4 por cento. - Capital nominal, vencendo juro, 2/3 do capital nominal actual; capital a amortizar 5/6 do capital nominal actual. Amortização por sorteio ou por compra no mercado, á vonade do Governo.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

3.ª seria: - Correspondente ao actual 4 1/2 por cento. Capital nominal, vencendo juro, 3/4 do capital nominal actual; capital a amortizar, todo o capital nominal actual. Amortizarão só por sorteio.

Do exposto resulta a reducção do capital nominal da nossa divida externa, sobre que ficamos pagando juro, a 59,19 por conto do capital nominal actual, e a reducção do capital a amortizar a 62,38 por cento, igualmente do capital nominal actual.

Os encargos que d'este plano advem são, para cada uma das series, ou seguintes:

1.ª serie: - Para juro e amortização, em numeros redondos, de 93.886 contou de réis - annuidade 2.972,5 contos de réis.

2.ª seria: - Para juro de 5.428,6 contos de réis e amortização de 6.785,8 contos de réis - annuidade 179,9 contos de réis.

3.ª serie: - Para juro de 42.977 contos de réis e amortização de 57.303 contos de réis - annuidade 1.449,1 contos de réis.

Encargo total 4.601,5 contos de réis.

No quadro seguinte approxima-se este resultado do que, conforme o regimen actual, havia a pagar no ultimo anuo economico:

[Ver tabela na imagem]

Differença - 916,4

Mas, como já tive occasião de dizer, no regimen actual as annuidades correspondentes ao 4 por cento e 4 1/2 por vento crescem successivamente. A differença, pois, de 916,4 contos de réis diminue successivamente em cada anno futuro, em que se compare o encargo da conversão proposta com o do regimen actual, chegando até o encargo resultante d'este a ser muito superior ao de aquella. Com effeito, nos ultimou 14 annos do actual regimen, o encargo d'elle proveniente excederia a annuidade acima em quantias indo de 18 até 881 contou de réis.

E isto suppondo que a partilha no rendimento aduaneiro nunca seria superior á do ultimo anno.

Ainda mais: como a amortização de 3 e 4 por cento se poderá fazer por compra no mercado, a annuidade correspondente ao plano da proposta reduz-se, para o 3 por cento:

se a compra for, em media, a 60, a 2.837,9, ou menos 134,6 contos de réis.

se a compra for, em media, a 65, a 2.848,3, ou menos 124,2 contos de réis.

se a compra for, em media, a 70, a 2.860,3, ou menos 112,2 contos de réis.

se a compra for, em media, a 75, a 2.873,5, ou menos 99,0 contos de réis.

se a compra for, em media, a 80, a 2.890,7, ou menos 81,8 contos de réis.

Os encargos medios, correspondentes aos juros fixados pela lei de 20 de maio de 1893, inscrevem-se na columna I do seguinte mappa. O confronto que d'esse mappa resulta approxima-se mais da verdade, posto que ainda taes numeros não sejam homogeneos para comparação: nem no regimen actual o 3 por cento é amortizavel, nem a amortização de 4 e 4 1/3 por cento se faz no mesmo periodo que o fixado na conversão proposta:

[Ver tabela na imagem.]

Para serem comparaveis, necessario seria determinar a annuidade, nos dois regimens, para o mesmo periodo de amortização de 198 semestres e suppondo amortizavel o 3 por cento, o que daria:

[Ver tabela na imagem]

É, pois, certo que o onus a mais resultante da conversão proposta é no maximo de 916,4 contos de réis; onus que relativamente ao encargo actual irá successivamente diminuindo, de anno para anno, acabando mesmo por ser o regimen proposto monos oneroso do que seria o regimen actual.

Em resumo:

No 3 por cento actual, o capital reduz-se a metade, isto é, de 187.772 contos de réis, passamos a dever 93.886 contos de réis. Esta divida que era perpetua, que pesaria sempre sobre o Thesouro, estará paga no fim de 99 annos - pouquissimo tempo na vida de uma nação - com o encargo annual de 2.972,5 contos de réis. Mas como a amortização dos novos titulos, correspondentes a este typo actual da nossa divida, se pode fazer por compra no mercado, á cotação media de 65, pagar-se-ão os 93.886 contos de réis que ficamos devendo com 61.025,9 contou de réis, ou, com o encargo annual de 2.848,3 contos de réis. Com 554,6 contos de réis mais do que se paga actualmente libertar-se-á Portugal, em 99 annos, de um encargo annual perpetuo de 2.294 contos de réis, no minimo.

No 4 por cento, reduz-se de 8.143 a 6.785,8 contos de réis o capital que se fica devendo, mas só de 5.428,6 contos de réis, isto é, de 2/3 do capital actual, se ficará pagando juro. Com o encargo annual de 179,9 contos de réis, ou mais 18,4 contos de réis do que se pagou no ultimo anno, satisfar-se-á esta divida em 99 annos.

Mais de 179,9 contos seria o que, pelo systema actual,

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SESSÃO N.º 55 DE 14 DE ABRIL DE 1902 13

haveria a pagar em 1917-1918, crescendo d'ahi para deante o encargo, até que em 1964-1960 seria de 372,0 contos de réis, ou mais 192,1 contos de réis do que pela proposta.

No 4 1/2 por cento, do capital actual de 57.303 contos de réis só se pagará juro sobre 42.977 contos de réis; ficar-se-á, porem, devendo todos os 57.303 contos de réis. Neste typo de divida não ha reducção no capital a pagar, mas ha diminuição no encargo pelo alongamento do prazo. Para pagar esta divida em 99 annos, será o encargo annual de 1.449,1 contos de réis, isto é, mais 219,2 do que se pagou no ultimo anno, por este typo da divida, mas d'aqui a 20 annos o encargo seria annualmente de quantia aproximadamente igual áquella, e d'ahi para deante mais em cada anno, até que no ultimo haveria a pagar 2.875,7 contos de réis ou mais 1.426,6 contos de réis do que se ficará pagando pela conversão proposta.

Haverá, pois, na totalidade da divida de que me occupo uma reducção no capital que ficará vencendo juro de 253.218 para 142.291,6 contos de réis, e no capital a pagar de 253.218 coutos de réis para 157.975 contos de réis.

O encargo para satisfazer capital e juro será, no maximo, de 4.601,5 contos de réis, e superior de 916,4 contos de réis ao que se pagou no ultimo anno. Mas como, nas condições actuaes, o encargo cresce de anno para anno, aquelle augmento de encargo é só com referencia ao anno passado; comparado com o que haveria a pagar no anno que vem seria menor, com o do outro anno ainda menor, e assim successivamente, chegando até em annos futuros, a partir de 1949-1950, a ser maior o encargo pelo regimen actual do que pela conversão proposta.

Por um augmento de encargos que tem por maximo 916,4 contos de réis, e por media 480,5 contos de réis, isto sem contar com a faculdade de amortização por compra no mercado, ficar-se-ia devendo menos 95.243 contos de réis, paga-se-ia em 99 annos toda esta nossa divida externa, substituir-se-iam por titulos novos e de exactas indicações, titulos que constantemente recordam uma dolorosa crise e alimentam uma permanente desconfiança, estabelecer-se-ia um regimen definitivo e fixo para a mesma divida, sem partilha que motive entremetterem-se estranhos no que só a nós pertence regular.

Mantem-se, nas bases II e III da proposta, pelo que respeita ao serviço da divida externa, o que até agora se tem feito.

Continuarão a fazer-se, no Banco de Portugal, as entregas, em conta da Junta do Credito Publico, da parte dos rendimentos aduaneiros necessarios para o pagamento dos encargos da divida de que se trata; a constituição, funcções e attribuições da referida Junta, manter-se-ão estrictamente consoante as disposições dos decretos de 14 de agosto de 1893 e 8 de outubro de 1900.

As disposições da base II estão em plena execução; é, porem, conveniente garantir-nos por todo o periodo da existencia do novo regimen da permanencia do que existe e da conservação inalteravel do que respeita á constituição, funcções e attribuições da Junta do Credito Publico.
Assim permanecerá esta instituição genuinamente portuguesa na sua composição, e sem que possa vir a haver no exercicio das suas attribuições intervenção, directa nem indirecta, mediata nem immediata de elemento algum estranho.

A manutenção do serviço da divida externa, nestes termos; é considerada como sendo garantia da execução do regimen que se propõe.

Mantida a, autonomia financeira, economica e administrativa da Nação Portuguesa, como terminantemente o diz o § unico da base II, eliminada a partilha no accrescimo dos rendimentes aduaneiros, fica-nos completa liberdade de acção para remodelar as nossas, pautas, fazer tratados de commercio, cobrar impostos internos nas alfandegas, etc., sem que tenhamos de preoccupar-nos ou de nos preoccuparem com reclamações mais ou menos justificadas.

Á vossa esclarecida apreciação entendo pelo exposto dever subjeitar a seguinte, proposta de lei:

Artigo 1.° É o Governo auctorizado a converter a actual divida publica externa, de que trata a lei de 20 de maio de 1893, comprehendendo:

O 3 por cento consolidado;

O 4 por cento amortizavel, emissão de 1890;

O 4 1/2 por cento amortizavel, emissão de 1888 e emissões de 1889, nos termos das bases annexas á presente lei e que da mesma lei ficam fazendo parte integrante.

§ unico. O Governo dará conta ás Côrtes do uso que fizer d'esta auctorização.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Bases que fazem parto integrante da presente lei

I

A divida publica externa, a que se refere o artigo 1.º da presente lei, será convertida em titulos do typo unico de juro de 3 por cento, amortizaveis em 198 semestres e formando tres series:

l.ª Serie: correspondente ao 3 por cento, amortizavel pelo valor nominal dos novos titulos, o qual será o valor nominal actual reduzido a metade.

2.ª Serie: correspondente ao 4 por cento, amortizavel pelo valor nominal dos novos titulos accrescido de 1/4, sendo esse valor nominal o valor nominal actual reduzido de 1/3, e pagando-se juro somente sobre este valor nominal assim reduzido.

3.ª Serie: correspondente ao 4 l/2 por cento, amortizavel pelo valor nominal actual, e emitttida nas condições seguintes:

a) em titulos com juro de 3 por cento, e de capital nominal correspondente a 3/4 do capital nominal actual;

b) em titulos especiaes, de capital nominal correspondente ao quarto restante do capital nominal actual, titulos sem juro e sem nenhuma outra vantagem especial, tendo a mesma numeração que os titulos de que trata a alinea anterior e amortizaveis conjuntamente com estes titulos.

§ 1.° A amortização dos titulos da l.ª e 2.ª series poderá ser feita por sorteio ou por compra no mercado, á escolha do Governo.

§ 2.° A amortização dos titulos da 3.ª serie será feita exclusivamente por sorteio, conforme as respectivas tabellas de amortização.

II

Para garantia do integral cumprimento dos encargos que resultam das disposições da base precedente, fica expressamente determinado o seguinte, que vigorará até completa amortização dos titulos que forem convertidos, nos termos da referida base:

1.° O Governo applicará especialmente e de preferencia ao serviço da divida externa, representada por aquelles titulos, os rendimentos aduaneiros do continente do reino, na Europa, exceptuando os dos tabacos e cereaes;

2.° Os thesoureiros das alfandegas entregarão todos os dias á Junta do Credito Publico quantia sufficiente para perfazer a tricentesima parte, em ouro, do total necessario para os encargos annuaes (juro e amortização) da divida externa actual que for convertida, nos termos d'esta lei, e para as despesas do serviço da mesma divida;

3.° No caso em que as receitas aduaneiras de um dia sejam inferiores á quantia necessaria, o deficit será preenchido com as receitas do dia ou dias seguintes;

4.° Logo que, no decurso de um semestre, a Junta do Credito Publico tiver recebido quantia igual á metade, em ouro, da necessaria para os encargos annuaes (juro e amortização) da referida divida externa actual que for con-

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14 DIARIO DA CAMAUA DOS SENHORES DEPUTADOS

vertida, nos termos d'esta, e para as despesas do respectivo serviço, cessarão, nesse semestre, quaesquer entregas dos, thesoureiros das alfandegas á Junta do Credito Publico, recomeçando só no semestre seguinte;

5.º Se por qualquer circumstancia imprevista as entregas feitas na junta do Credito Publico, durante qualquer semestre, não tiverem preenchido a metade da quantia total, em ouro, necessaria para os encargos annuaes da divida de que trata esta lei, o Governo preenchera o deficit pelas demais receitas e rendimentos do Thesouro Português;

6.º A Junta, do Credito Publico deverá transferir todos os quinze dias, pelo menos, para os estabelecimentos encarregados do serviço da divida publica portuguesa, em países estrangeiros, as quantias que tiver em cofre, a fim de que o annuncio do pagamento dos coupons se faça quinto dias antes dos seus respectivos vencimentos, e a amortização dos titulos seja effectuada pontualmente.

§ unico. Fica, porem, declarado, para todos os effeitos, que as disposições contidas nesta base de modo algum affectarão ou poderão prejudicar a autonomia financeira, economica e administrativa da Nação Portuguesa.

III

São mantidas, e vigorarão pelo mesmo periodo fixado na base anterior, as disposições dos decretos de 14 de agosto de 1893 e 8 de outubro de 1900, que regularam a constituição, funcções e attribuições da actual Junta do Credito publico.

IV

Em execução e para os effeitos da base I d'esta lei, cessarão, a datar de 1 de julho de 1902, inclusive, a participação da divida externa nos rendimentos aduaneiros e a eventual vantagem que pudesse resultar da diminuição do premio de ouro abaixo de 22 por cento, estabelecidas pelos §§ 1.º e 2.° do artigo 1.° da lei de 20 de maio de 1893.

V

Feita, nos termos da presente lei, a definitiva regularização da divida externa portuguesa, nenhuma vantagem poderá ser de futuro concedida aos titulos de qualquer das tres series, a que se refere a base I, que se não torne extensiva ás demais.

VI

Fica o Governo auctorizado:

1.° A resgatar, por importancia não superior a 10 por cento do seu valor nominal, os certificados emittidos como representarão da parte não paga dos quatro coupons vencidos no periodo decorrido desde a publicação do decreto de 13 de junho de 1892 até á publicação da lei de 20 maio de 1893 (l de julho e l de outubro de 1892, 1 de janeiro e 1 de abril de 1893), e a satisfazer a importancia do sêllo dos novos titulos;

2.° A fazer as demais despesas necessarias para effectuar a conversão, nos termos d'estas bases, não devendo porem exceder l/3 por cento do valor nominal dos titulos a converter.

Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, em 14 de abril de 1902. = Fernando Mattozo Santos.

Foi enviada á commissão de fazenda.

Representação

Da Camara Municipal de Ferreira do Zezere, pedindo auctorização para lançar uma percentagem de 100 por cento sobre as contribuições do Estado.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara e enviada ás commissões de administração publica e de fazenda.

Justificação de faltas

Participo a V. Exa. e á Camara que o Sr. Deputado Arthur Montenegro não tem comparecido á sessão por incommodo de saude. = F. Beirão.

Para a acta.

O redactor = Albano da Cunha.

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