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SESSÃO DE 21 DE JUNHO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José de Madeiros
Francisco José Machado
Tem segunda leitura, e não é admittido á discussão, o projecto do bill apresentado na sessão anterior pelo sr. deputado João Arroyo. - Têem tambem segundas leituras, e são admittidos, um projecto de lei do sr. Guilherme Pacheco, outro do sr. Cardoso Valente e uma renovação de iniciativa dos srs. Sousa e Silva, Poças Falcão e Hintze Ribeiro. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. presidente Madeira Pinto, D. José de Saldanha, Santos Crespo, Julio de Vilhena e Firmino Lopes.- Requerimentos de interesse particular apresentados pelos srs. Jacinto Candido, Figueiredo Mascarenhas, Antonio Villaça e João Arroyo.- Justificações de faltas dos srs. Ferreira Galvão, Avellar Machado e Oliveira Valle.- Auctorisa-se a publicação no Diario do governo da representação da associação dos manipuladores do tabaco do Porto, apresentada pelo sr. João Arroyo. - Mandam para a mesa projectos de lei os srs. visconde de Silves, Julio de Vilhena e Manuel José Vieira. - O sr. Antonio Candido apresenta e justifica uma proposta de felicitação a Sua Magestade a Rainha de Inglaterra, pelo cincoentanario da sua elevação ao throno. Associam-se a esta proposta os srs. Julio de Vilhena, por parte da minoria, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros, por parte do governo. Discorda o sr. Consiglieri Pedroso, e seguidamente é approvada a proposta, resolvendo-se, por indicação do sr. presidente, que se communicasse esta deliberação ao ministro de Sua Magestade Britannica em Lisboa. - Entra em discussão o parecer relativo á ultima eleição que teve logar na assembléa de Villa Chã. - O sr. Antonio Castello Branco protesta contra as novas arbitrariedades que diz praticadas nessa eleição e impugna o parecer. Responde-lhe o sr. Baptista de Sousa, relator. - O sr. Antonio Viilaça participa a constituição da commissão de estatistica e pede que lhe seja agregado o sr. Alfredo Pereira. A camara approva. - O Pr. Menezes Parreira manda para a mesa um parecer da commissão de obras publicas e o sr. Francisco Machado três pareceres da commissão de guerra.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 108, tratado com a Allemanha, usando em primeiro logar da palavra o sr. José Castello Branco, que o combate largamente. Responde-lhe o sr. Antonio Ennes, relator, que fica com a palavra reservada.
Abertura da sessão - As duas horas e tres quartos da tarde.
Presentes á chamada 63 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Simões dos Reis, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Pires Villar, João Arrojo Menezes Parreira, Sousa Machado, Correia Leal, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Mazziotti, Pereira Carrilho, Augusto Fuschim, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Cardoso Valente, Scarnichia, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Alves de Moura, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarcnhas, Guilherme Pacheco, Alpoim, José Maria dos Santos, Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio Pires, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel dAssuinpção, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marca] Pacheco, Marianno de Carvalho, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Dantas Baracho, Tito de Carvalho e Vicente Monteiro.
Não compareceram á sessão os srs. : - Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Campos Valdez, Antonio Centeno, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Jalles, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Pimentel, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Goes Piato, Matoso Santos, Francisco de Barros, Francisco Matoso, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, João Pina, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Ferreira Galvão, Ferreira de Almeida, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz e Pedro Diniz.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Segundas leituras
Projecto de lei
Artigo 1.° É relevado o governo da responsabilidade em que incorreu, suspendendo a garantia assente no § 7.° do artigo 145.º da carta constitucional na cidade do Porto, desde o dia 24 de março até ao dia 5 de abril do corrente anno.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, 20 de junho de 1887.= João Arroyo,
Não foi admittido á discussão.
Projecto de lei
Senhores.- A experiência do alguns annos, volvidos sobre a execução das leis de 2 de maio de 1878 e 11 de junho de 1880, tem-se encarregado de mostrar a necessidade instante de alterar e modificar algumas das disposições d'estas leis, com providencias que alarguem a limitada orbita da sua organisação normal e abram maiores horisontes á civilisadora missão d'esta utilissima instituição, contribuam para realisar o objectivo d'estas mesmas leis, e completar o seu pensamento, dando á instrucção primaria uma direcção mais efficaz e vigorosa, confiada a corporações que pelas suas mais amplas attribuições e melhores recursos, imprimam a esta instituição o desenvolvimento e prosperidade que tanto carece, a despeito mesmo dos pre-
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juizos e preconceitos vulgares, iniciem e completem, com vigoroso esforço, a cruzada santa de salvar das eventualidades da miséria, por uma retribuição condigna e merecida, os desprotegidos obreiros da instrucção primaria, e trabalham afincadamente na construcção das escolas, edificando-as em condições de servirem para o ensinamento das salutares doutrinas d'esta sublime instituição. É esta a aspiração e o objectivo do projecto que submetto á esclarecida opinião dos representantes da nação.
A lei de 2 de maio de 1878, ao passo que creou nas cidades de Lisboa e Porto escolas normaes primarias de 1.ª classe para ambos os sexos, facultou tambem nos outros districtos a creação de institutos similares de 2.ª classe; mas, se a letra da lei não trahiu o pensamento do legislador, é forçoso confessar que o não traduziu com a largueza e precisão que demandava, porque, no nosso meio social, as necessidades do ensino normal primario satisfazem-se por completo sómente com as duas referidas escolas, sem necessidade de outras de 2.ª classe, que serviriam unicamente para se atrophiar e prejudicar, devendo por isso revogar-se a disposição do artigo 47.° da lei que faculta e auctorisa estas creações.
Para o funccionamento das duas escolas normaes de 1.ª classe é indispensavel crear duas grandes circumscripções escolares, uma com a sede em Lisboa, outra com a sede no Porto, formadas pelo agrupamento de um determinado numero de districtos, mutuamente interessados no seu progresso e desenvolvimento pela obrigação em que ficam constituidos de contribuir para a sua conservação e sustentação pela forma consignada na lei; mas, para que o ensino normal consiga alcançar todo o seu objectivo, é indispensável que seja só complementar, e que o sou curso comprehenda tres annos, para todos os alumnos de um e outro sexo, a cuja matricula, no primeiro anno, só sejam admittidos os que mostrarem n'este acto que não têem menos de dezesete annos completos, nem mais de trinta.
As pensões estabelecidas pela lei de 2 de maio são tão exiguas e deficientes, para a sustentação em Lisboa e Porto, de alumnos de um e outro sexo, que propomos tambem que sejam fixadas em 126000 réis por mez para cada um; porque a experiência mostra a necessidade e indispensabilidade deste augmento, em cidades como Lisboa e Porto, especialmente para alumnos descendentes de familias que não possuem recursos para os auxiliar. Com este augmento não se aggravam os encargos dos districtos, porque se restringe, proporcionalmente, o numero de alumnos, que têem a subvencionar, unicamente, dos seus proprios districtos, para não serem obrigados a subsidiar alumnos estranhos, e ficarem com o direito de aproveitar, no magisterio primario de seus districtos, os seus serviços. Para Lisboa e Porto, alem dos subsidios, livros, despezas do expediente das aulas e premios a que ficam sujeitos tidos os districtos das duas circumscripções escolares, acrescem tambem, os demais encargos do artigo 46.° da lei, os quaes, para poderem ser plenamente desempenhados, é indispensavel que os municipios autonomos façam parte integrante das circumscripções escolares normaes, e fiquem sujeitos a todas as suas disposições, para os effeitos d'esta, lei.
O professorado normal primario, de um e outro sexo para as duas escolas, attenta a vastidão dos seus programmas de ensino, não póde ser inferior ao numero de seis professores, para cada sexo, com o ordenado annual de 640$000 réis, para cada um, sem differença alguma de sexos; alem do necessario para o ensino da grammatica, da musica e canto. Os vencimentos do actual professora do normal são tão diminutos e mesquinhos que ultrapassam todos os limites do rasoavel e do justo; porque não correspondem á posição e graduação de um pessoal equiparado ao da instrucção secundaria; nem estão em porporção com as imperiosas necessidades da sua decorosa e decente sustentação, em duas cidades, onde é o aluguer da casa
lhes absorve quasi metade d'aquelles vencimentos. Mas o que mais carece de ser modificado e reparado é a desigualdade injustificavel e flagrantissima estabelecida entre os vencimentos de todo o pessoal escolar de um e outro sexo, sem rasão que a determine, sanccionando uma excepção odiosa em desfavor de um sexo a quem se commettem os mesmos encargos, os mesmos serviços e as mesmas obrigações que ao outro mais favorecido, mas a quem se nega tambem a mesma igualdade de direitos e retribuições.
É este excepcional desfavor não se limita unicamente a vencimentos, mas comprehende tambem as gratificações concedidas, que são inferiores às do sexo masculino, e estende-se até ao pessoal menor das mesmas escolas, nas quaes os vencimentos das porteiras e serventes do sexo feminino são interiores aos empregados de igual categoria do sexo masculino.
No projecto acha-se reparada esta flagrante desigualdade, e equiparados todos os vencimentos e gratificações, entre os dois sexos, e entre categorias da mesma graduação.
Em completo desaccordo com a organisação normal proposta está a doutrina do artigo 65.° da lei de 2 de maio de 1878, cuja revogação propomos, porque desde que existem instituições creadas para habilitar professores de um e outro sexo, de ensino primario, continuar a constituir jurys para examinar candidatos ao magisterio elementar e complementar, é uma excepção que se não coaduna nem allia com os fins da escola normal primaria.
Os conselhos escolares do Porto, acompanhados pela commissão inspectora das suas escolas normaes, e o de outro parecer do conselho superior de instrucção publica exarado nos seus relatorios de 1885 e 1886, sustentam a necessidade de estabelecer uma excepção fundada e justificada, em favor da creação de um pessoal menor, para as escolas normaes do Porto e suas annexas em attenção às suas excepcionaes circunstancias, com relação a qualquer outra da mesma especie. O edificio normal do Porto, especialmente construido para installação das escolas dos dois sexos, e suas respectivas escolas annexas, com seus pateos ajardinados, e de exercícios ao ar livre, jardins de ensino pratico, horta, jardim botanico, estufa, gabinete da histologia, museus, gabinetes de physica, chimica e historia natural, é um edificio de primeira grandeza o um monumento de gloria nacional, que carece do um pessoal competente e sufficiente para guarda e conservação de todo o importante e valioso material que n'elle se acha; de quem se encarregue e cure da guarda dos pateos do entrada, da limpeza, conservação e desenvolvimento dos seus jardins e estufa; e de quem tenha tambem a seu cargo a policia e limpeza de suas escolas annexas, que não podem estar ao cargo do pessoal menor das escolas normaes. Para satisfazer a todas estas necessidades inadiaveis propomos tambem a creação de todo o pessoal, fixando-lhe os respectivos vencimentos.
As duas escolas privativas e annexas às normaes do Porto devem ser consideradas e elevadas á categoria do escolas modelos com todos os graus de ensino, desde o jardim de infancia, ensino pratico de pedagogia e curso preparatorio para admissão às escolas normaes; e igual disposição se deve applicar tambem às de Lisboa, ainda que estabelecidas em edificios estranhos; mas o que é necessario para todas é a elevação a 500$000 réis annuaes dos vencimentos dos seus actuaes professores, que não podem subsistir com os insufficientes vencimentos que actualmente percebem de 250$000 réis.
A lei de 11 de junho de 1880 estabeleceu que no praso de dez annos a contar da sua publicação estariam organizados os panos das circumscripções escolares; creadas todas as escolas, segundo a densidade da população, e construidos todos os edificios escolares. São decorridos já sete annos desde que a mesma lei foi publicá-la, e, por emquanto nem se acham feitas as circumscripções escolares,
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nem construidas as respectivas escolas. É nossa profunda convicção que, por maiores que sejam os desejos e a boa vontade dos corpos locaes a que o ensino primario está confiado, nada podem fazer em seu beneficio, por absoluta falta de recursos proprios na grande maioria das parochias e municipalidades. Para se poder alcançar o completo objectivo das leis de instrucção primaria é necessario modificar as suas disposições de modo que a direcção de toda a instrucção primaria e os seus encargos sejam transferidos das corporações locaes a cujo cargo se acham, e passem para as juntas geraes de districto sob immediata fiscalisação e approvação do governo. N'este sentido, no intuito de ver surgir luz do meio d'este cabos tenebroso em que a instrucção primaria se acha entre nós, dotar condignamente o professorado primario e fixar de uma vez as circumscripções escolares, e iniciar e completar a construcção de edificios escolares apropriados ao ensino, é que nos propozemos formular o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° são creadas duas circumscripções normaes primarias de 1.ª classe; uma com a sede na cidade de Lisboa; outra com a sede na cidade do Porto; e revogado o artigo 47.° da lei de 2 de maio de 1878.
Art. 2.° A circumscripçao escolar de Lisboa comprehende os districtos de Castello Branco, Beja, Evora, Faro, Funchal, Leiria, Lisboa, Portalegre e Santarem.
Art. 3.° A circumscripção escolar do Porto comprehende os districtos de Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Guarda, Porto, Vianna, Villa Real e Vizeu.
Art. 4.° Os municipios autonomos, para todos os effeitos d'esta lei, fazem parte das circumscripções escolares de seus respectivos districtos, e ficam sujeitos a todas as disposições d'esta mesma lei.
Art. 5.° O curso normal primario das escolas de Lisboa e Porto é de tres annos para todos os alumnos, de um e outro sexo.
§ unico. No primeiro anno d'este curso não se poderá matricular alumno algum, de um e outro sexo, sem mostrar, no acto da matricula, que não tem menos de dezesete annos completos, nem mais de trinta annos.
Art. 6.° Em cada uma das escolas normaes de Lisboa e Porto haverá seis professores para o sexo masculino, e seis professoras para o sexo feminino, com o ordenado de 600$000 réis annuaes cada um, alem dos professores de gymnastica, musica e canto.
§ único. As gratificações que n'estas escolas são concedidas às directoras escrivãs e bibliothecarias do sexo femenino, são augmentadas e igualadas a identicas gratificações concedidas às mesmas dignidades do sexo masculino.
Art. 7.° As juntas geraes do districto de Lisboa e Porto, sedes das duas escolas normaes, alem dos encargos impostos pelo artigo 46.° da lei de 2 de maio de 1878, são obrigadas, cada uma, a subsidiar com uma pensão de 12$000 réis, por mez até quarenta e oito alumnos dos seus districtos, - vinte e quatro de cada sexo, durante a frequencia e exames.
Art. 8.° Cada uma das juntas geraes dos outros districtos das circumscripções escolares é obrigada a subsidiar com a mesma pensão de 12$000 réis, por mez, até dezoito alumnos de seus respectivos districtos, nove de cada sexo; e a pagar tambem os livros, premios e mais despezas de expediente das aulas.
Art. 9.° Os alumnos pensionistas de ambos os sexos ficam obrigados a servir o magisterio publico primario, por oito annos, nos seus respectivos districtos, e, no caso de recusa, a restituir a importancia de todas as pensões rececebidas, dos livros, premios e expediente das aulas, com os respectivos juros.
§ 1.° Ficam tambem obrigados a iguaes restituições os alumnos pensionistas, de um e outro sexo, que abandonarem ou deixarem de completar o curso; assim como os que o completarem, mas não concorrerem ao provimento das cadeiras a concurso, nos seus districtos.
§ 2.° Dá-se a recusa prevista neste artigo, desde que os alumnos, de um e outro sexo, se não apresentem no concurso, dentro do respectivo praso, ou que deixem de tomar posse, e entrar no exercicio das cadeiras, em que forem providos, dentro de trinta dias do respectivo provimento.
Art. 10.° Tres annos depois da publicação d'esta lei não serão permittidos mais exames de admissão ao magisterio publico, ficando revogada a disposição do artigo 65.° da lei de 2 de maio.
Art. 11.° Nas escolas normaes de Lisboa e Porto, os vencimentos dos empregados menores do sexo feminino são elevados e igualados aos de identica categoria do sexo masculino.
Art. 12.° Em cada uma das escolas normaes de Lisboa e Porto, e para cada sexo, é creado um logar de conservador guarda dos respectivos museus, gabinetes de chimica, physica e historia natural, com o vencimento annual de 180$000 réis.
§ unico. Havendo n'estas escolas pessoal habilitado que, sem prejuizo de outros serviços, a seu cargo, possa desempenhar estas funcções, e exercel-as cumulativamente, perceberá a gratificação por cada escola.
Art. 13.° Nas escolas normaes do Porto, em attenção às suas condições e circumstancias, é creado um pessoal menor para guarda, limpeza e conservação dos pateos, jardins, horta, jardim botanico, estufa e gabinete de histologia, composto de um guarda portão, com o vencimento de 86$400 réis, um jardineiro com 216$000 réis, e dois adjuntos, cada um com o vencimento de 158$400 réis.
§ unico. Nas escolas normaes de Lisboa será creado o mesmo pessoal logo que estejam em circumstancias de lhe ser necessario.
Art. 14.° As escolas privativas annexas às normaes de Lisboa e Porto são consideradas escolas modelos, com todos os graus de ensino, jardim de infancia, curso preparatorio para as escolas normaes e ensino pratico de pedagogia.
§ unico. Os professores d'estas escolas, de um e outro sexo, vencem 500$000 réis annuaes.
Art. 15.° Nas escolas privativas annexas às normaes de Lisboa e Porto são creados logares de ajudantes dos porteiros, para cada sexo, com o vencimento de 180$000 réis; e logares de serventes para cada sexo com o ordenado de 144$000 réis por anno e para cada um.
Art. 16.° É o governo auctorisado a crear, se as circumstancias o reclamarem, uma circumscripçao normal primaria de 1.ª classe, nos tres districtos dos Açores, e a estabelecer, no mais central a sede d'esta circumscripção escolar, estabelecendo-se ahi a respectiva escola.
Art. 17.° A instrucção primaria elementar e complementar é incumbida e encarregada às juntas geraes de districto, que, por concurso documental, e proposta graduada das commissões inspectoras das escolas normaes, ou das juntas escolares districtaes, nomearão, com confirmação do governo, os professores de ambos os sexos de instrucçâo elementar e complementar.
Art. 18.° Em cada districto, excepto Lisboa e Porto, é creada uma junta escolar, que será composta do mesmo numero de vogaes que têem as commissões inspectoras das escolas normaes e eleita pela mesma forma.
§ unico. Estas juntas escolares, assim como as commissões inspectoras serão sempre ouvidas com roto deliberativo, em tudo quanto disser respeito á instrucção primaria.
Art. 19.° Os professores primarios de ensino elementar, excepto em Lisboa e Porto, vencerão de ordenado réis 180$000 por anno e mais 2$000 réis de gratificação por cada alumno approvado no respectivo exame.
§ unico. Os ajudantes d'estes professores têem sómente direito ao vencimento annual de 120$000 réis cada um.
Art. 20.° Os professores de instrucção primaria elementar, em Lisboa e Porto, vencerão, cada um, 250$000 réis
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de ordenado, e 2$000 réis de gratificação, por cada alumno approvado, em instrucção primaria.
§ unico. Os seus ajudantes vencerão, cada um, o ordenado de 180$000 réis por anno.
Art. 21.° Os professores primarios de ensino complementar, excepto em Lisboa e Porto, vencerão o ordenado, cada um, de 250$000 por anno, e a gratificação de 2$000 por cada alumno que for approvado no ensino complementar.
§ unico. Os ajudantes destes professores vencerão o ordenado de 180$000 réis cada um d'elles.
Art. 22.° Os professores de instrucção primaria complementar, em Lisboa e Porto, vencerão, cada um, o ordenado de 300$000 réis, e 2$000 réis de gratificação por cada alumno que for approvado em instrucção complementar.
§ unico. Cada um dos ajudantes d'estes professores vencerá o ordenado de 200$000 réis por anno.
Art. 23.° As juntas geraes de districto, para todos os effeitos d'esta lei, e como despeza sua obrigatoria, consignarão em seus orçamentos ordinarios annuaes as verbas necessarias para fazer face a todas as despezas d'esta lei, por meio de um addicional lançado sobre todas as contribuições directas do estado, pagaveis em seus respectivos districtos.
Art. 24.º Ficam extinctos todos os addicionaes lançados pelas juntas de parochia, camarás municipaes e juntas ge-raes de iistricto, para as despezas de instrucçào, por virtude das mesmas leis e substituídas unicamente pelo addicional a que se refere o artigo antecedente.
Art. 25.° As juntas geraes de districto, dentro era seis mezes depois de publicada esta lei, tendo ouvido as respectivas camaras municipaes, ácerca da mais conveniente circumscripção escolar de seus concelhos, organisarão o plano geral da circumscripção de todo o districto, com referencia a cada concelho, e, com voto deliberativo das commissões inspectoras, ou juntas escolares, farão subir á presença do governo o mesmo plano.
Art. 26.° O governo confirmará ou fará alterar o mesmo plano segundo as melhores conveniencias locaes, e desde que for aprovado nenhuma outra modificação lhe póde ser introduzida, senão por virtude de reclamação fundamentada e auctorisada pelo governo.
Art, 27.º As juntas geraes de districto, desde que lhes forem approvadas as circumscripções escolares, procederão immediatamente á escolha de cem ou mais typos de construcções escolares, e adoptarão o que mais conveniente lhes parecer com confirmação do governo.
Art. 28.° Approvada pelo governo a escolha do typo ou typos feita pelas juntas, e levantadas as respectivas plantas e projectos completos de cada escola a construir, com todos os seus accessorios, dependencias, mobilia e material de ensino, e conhecido o seu custo, e multiplicado, pelo numero de escolas a construir em cada districto, saber-se-ha qual é a importancia total precisa para todas estas construcções.
Art. 29.° Fica o governo auctorisado a proceder, pelos meios mais convenientes ao levantamento de todo o capital necessario para estas construcções, por meio de obrigações amortizaveis, em cincoenta annos, uma vez que os encargos, para juro e amortisação não excedam 5,5 ao anno.
Art. 30.º As juntas geraes de districto receberão do governo, á proporção que forem construindo as escolas, sob immediata inspecção e fiscalisacão do governo, as quantias precisas para o pagamento do custo das mesmas construcções, que deverão ser concluidas n'um praso não excedente a dez annos.
Art. 31.º As juntas geraes de districto inscreverão nos seus orçamentos ordinarios annuaes, como despeza sua obrigatoria, as quantias precisas para pagar uma terça parte da annuidades, que lhes respeitarem e pertencerem, por meio de um addicional sobre todas as contribuições directas do estado, pagaveis em cada districto, que dará entrada nos cofres publicos.
Art. 32.° As duas terças partes restantes dos encargos provenientes dos capitães levantados para estas construcções serão pagas pelo governo, que annualmente descreverá no orçamento geral do estado as receitas necessarias para fazer face às despezas provenientes d'estes encargos.
Art. 33.° Fica o governo auctorisado a estabelecer as condições e o modo como se devem construir os jardins de infancia, junto das escolas annexas às normaes de Lisboa e Porto, a fazer os regulamentos para a plena e inteira execução desta lei, e a codificar toda a legislação sobre instrucção primaria.
Art. 34.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, 20 de junho de 1887.= José Guilherme Pacheco, deputado pelo circulo 31 (Paredes).
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda.
Projecto de lei
Senhores. - Em differentes legislaturas têem vindo a esta camara representações dos thesoureiros de bancos e de sociedades anonymas do Porto e Lisboa, mostrando a injustiça com que estão incluidos na classe 3.ª da tabella B, parte 1.ª annexa á lei de 14 de maio de 1872 e regulamento de 28 de agosto de 1872, classe em que se encontram os directores de bancos e companhias, com os quaes por nenhuma rasão podem ser equiparados no pagamento da contribuição industrial.
A diversa natureza das funcções que exercem e a grande differença nos interesses, são por si só rasão bastante para que os thesoureiros de bancos e companhias anonymas não devam estar incluidos, para o effeito do pagamento da contribuição industrial, na mesma classe em que se encontram os directores desses bancos e companhias.
Ha, pelo contrario, tal homogeneidade entre os thesoureiros de bancos e companhias anonymas e os guarda-livros e primeiros caixeiros de escriptorio, emquanto á sua categoria e, honorarios, que os mais rigorosos principios de justiça indicam naturalmente a alteração da lei citada no sentido de serem aquelles thesoureiros incluídos na classe 5.ª da mesma lei e assim collectados conjunctamente com os guarda-livros e primeiros caixeiros de escriptorio.
Por estes motivos tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei, esperando que a illustrada commissão de fazenda o considere, alterando-o como julgar conveniente e esclarecendo a camara sobre o que n'elle julgar justo:
Artigo 1.° Os thesoureiros de bancos e sociedades anonymas serão considerados, para os effeitos da lei da contribuição industrial, como pertencendo á 5.ª classe da tabella B, parte 1.ª, annexa á lei de 14 de maio de 1872.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 15 de junho de 1887. = Os deputados, Eduardo de Abreu = João Cardoso Valente.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de fazenda.
Proposta para renovação de iniciativa
Renovâmos a iniciativa do projecto de lei que teve segunda leitura em sessão de 14 de abril de 1885.
Sala das sessões, 20 de junho de l887. = Luiz Fisher Berquó Poças Falcão = Arthur Hintze Ribeiro = Antonio Augusto de Sousa e Silva.
Lida na mesa foi admittida e enviada á commissão de legislação criminal, ouvida a de fazenda.
A proposta refere-se ao seguinte:
Projecto de lei
Senhores.- O decreto de 16 de maio de 1832, creando tres tribunaes judiciaes de segunda instancia, dois no continente e um nos Açores, equiparou os em graduação, e aos
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e empregados de secretaria em graduações e seus juizes vantagens.
A tabella dos ordenados dos empregados de justiça, que faz parte do decreto de 26 de setembro de 1836, reduzindo os ordenados então estabelecidos, respeitou ainda assim a igualdade dos vencimentos nos tres tribunaes.
Finalmente, a tabella n.º 2, que acompanha o decreto de 13 de janeiro de 1837, augmentando ainda as reducções nos ordenados a que me refiro, deixou-os comtudo equiparados nas tres relações.
Succedeu, porém, que em junho de 1838, por uma simples lei de orçamento, foram diminuídas os vencimentos dos empregados da secretaria do tribunal da relação dos Açores, deixando-os assim em desigualdade de condições com os seus collegas de categoria identica, nos tribunaes de segunda instancia do continente.
Começando, portanto, a existir em 1838, sem rasão de ser, uma desigualdade revoltante, entre os ordenados da empregados da secretaria da relação dos Açores, e os dos de igual categoria das relações de Lisboa e Porto, mais veiu ainda aggravar essa desigualdade a carta de lei de 20 de março do anno findo, concedendo a estes ultimos a vantagem de aposentação, e outras que não se tornaram extensivas aos primeiros.
Por mais que se apresente, não é possivel encontrar rasão de ser para taes desigualdades, maxime não existindo ellas nos vencimentos dos juizes dos tres tribunaes, nem nas suas attribuições, e se attentarmos em que a um menor movimento de causas para julgar corresponde tambem no tribunal da relação dos Açores menor numero de juizes e de empregados, destruido ficará o argumento único e para mim de nenhum valor, de deverem ser menos retribuidos os empregados da secretaria d'esta relação.
Confiado, portanto, na justiça que assiste aos empregados a quem me refiro, tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os empregados da secretaria da relação dos Açores continuam, como antes de junho de 1838, a ser equiparados aos de igual categoria das relações de Lisboa e Porto, tornando-se-lhes por isso extensivas as disposições da carta de lei de 20 de março de 1884,
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Camara dos senhores deputados. 13 de abril de 1880.= Arthur Hintze Ribeiro = Pedro Augusto de Carvalho = Visconde das Laranjeiras (Manuel)- Antonio Augusto de Sousa e Silva.
REPRESENTAÇÕES
Da parceria, proprietária da fabrica de tabacos Brigantina, com sede na cidade do Porto, pedindo que se de andamento ao processo, que se acha affecto ao governador civil do Porto para a transferencia d'esta fabrica para Villa Nova de Gaia.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada ao governo.
Da camara municipal do concelho de Alfandega da Fé, pedindo lhe seja concedido levantar do fundo de viação municipal a quantia de 5:000$000 réis, para ser applica-a á installação das repartições publicas.
Apresentada pelo sr. deputado Madeira Pinto e enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.
De empregados da secretaria do governo civil de Evora, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado D. José de Saldanha e enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.
Da mesa de santa casa e hospital da misericórdia de Vouzella, pedindo a isenção do pagamento da contribuição de registo pela transmissão da herança para a requerente do seu bemfeitor, José Ribeiro Cardoso.
Apresentada pelo sr. deputada Júlio de Vilhena, devendo ter destino igual ao de um projecto de lei do mesmo sr. deputado e que ficou a leitura.
De operários da industria rolheira, pedindo que seja elevado a 180 réis, por cada kilogramma, o direito da exportação de cortiça em prancha.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Crespo e enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.
De empregados na manufactura rolheira de Villa Nova de Famalicão, no sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Firmino João Lopes e enviada á commissão de fazenda.
REQUERIMENTOS DE IMERESSE PARTICULAR
Dos officiaes inferiores João Theodoro da Silva Rosa, Rodrigo da Silva, João Joaquim de Sousa Migueis Ramos, José Alexandre, Manuel Rodrigues Falcão, José Faria Lapa, António de Moraes e Silva, Antonio Jacinto, João Ruivo, Francisco Candido da Costa e Manuel Pinto da Costa, pedindo que não seja approvada a proposta de lei n.º 104-F, apresentada em sessão de 31 de maio ultimo, e se mantenha a organisação do quadro das praças de guerra decretada em 30 de outubro de 1884, estabelecendo-se, porém, uma escala geral, composta dos sargentos de engenheria e artilheria, para a promoção a official.
Apresentados pelo sr. deputado Jacinto Condido e enviado á commissão de guerra.
Dos officiaes almoxarifes, Carlos Augusto e José Joaquim Alves da Mota, pedindo que lhes seja concedida, gratificação igual á que for approvada para os officiaes arregimentados da sua graduação.
Apresentados pelo sr. deputado Figueiredo Mascarenhas e enviados á commissão de guerra.
Dos primeiros sargentos graduados, aspirantes a officiaes, Arthur Julião Maciel Alves, Carlos Alberto Pinto da Cruz, Antonio do Sacramento de Araujo B. Camizão e Antonio Manuel de Matos Ferreira, pedindo que lhes sejam applicadas as disposições do decreto de 24 de dezembro de 1863.
Apresentados pelo sr. deputado Eduardo Villaça e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
De Gustavo Adolpho Mauperrin, thesoureiro da extincta thesouraria da direcção geral dos correios, telegraphos o pharoes, pedindo augmento de ordenado.
Apresentado pelo sr. deputado Eduardo Villaça e enviado a commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.
De Antonio Rodrigues Alves, guarda a pé de 1.ª classe da alfandega do Porto, reformado, pedindo melhoria de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Arroyo e enviado á commissão de fazenda.
JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS
Participo a v. ex.ª, que o sr. deputado José Galvão faltou às ultimas sessões por motivo justificado, e pelo mesmo motivo terá de faltar a mais algumas sessões. = O deputado, Simões dos Reis.
Declaro que, por motivo de serviço publico, faltei á sessão de 18 do corrente mez. = Avellar Machado.
Declaro que, faltei às sessões dos dias 7, 8, 10, 11,
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14, 16, 18 e 20 do corrente mez, por motivo justificado.- Dr. Oliveira Valle. Para a secretaria.
O sr. Presidente: - O sr. Arrojo pediu para ser publicada no Diario do governo a representação da associação dos manipuladores do tabaco do Porto, que s. exa. mandou hontem para a mesa.
Consulto a camara.
Foi permittida a publicação.
O sr. Manuel José Vieira: - Mando para a mesa um projecto de lei, relativo á cultura de canna de assucar no districto do Funchal. As rasões que o justificam, acham-se desenvolvidas no relatório que o acompanha, e por isso me abstenho de de novo, as reproduzir.
Vae assignado pelos meus collegas nesta casa, que commigo representámos especialmente o districto do Funchal, bem como por outro nosso distincto collega, que, igualmente conhecedor das circumstancias do mesmo districto, se dignou honrar com a sua assignatura o projecto que apresento.
Peço a v. exa. lhe mande dar o expediente que o regulamento prescreve.
Dispenso-me de ler o relatório, e leio apenas o projecto, que é o seguinte:
(Leu.)
Ficou para segunda leitura.
O sr. Visconde de Silves: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorisando a camara municipal de Faro a desviar do fundo de viação a quantia de 1:000$000 réis em cada um dos annos de 1887, 1888, 1889, 1890, 1891 e 1892, para applicar á conclusão dos paços do concelho.
(Leu.)
Ficou para segunda leitura.
O sr. Júlio de Vilhena: - Mando para a mesa um projecto de lei, isentando de contribuição de registo a herança de José Ribeiro Cardoso, legada á misericordia de Vouzella.
(Leu.)
Ficou para segunda leitura.
O sr. Antonio Candido: - Disse que se celebrava hoje o jubileu de Sua Magestade a Rainha de Inglaterra, Imperatriz das Índias.
As grandes virtudes d'esta senhora, que, ha cincoenta annos, governa a nação ingleza, recebiam n'este dia a universal homenagem de justiça e de amor, a que ellas têem segurissimo direito.
Está relacionada, por laços de sangue, á familia real portugueza; a Inglaterra é nossa amiga e alliada desde muito. Por estas rasões, propunha que a camara consignasse na acta um voto de congratulação á augusta soberana que, entre as adorações dos seus subditos e os respeitos de todo o mundo, vê passar hoje o ultimo dia do glorioso cincoentenario do seu reinado.
A Rainha Victoria é uma das mais bellas figuras d'este seculo. N'este seculo, em que tantas instituições têem baqueado, em que têem caido tantas dynastias, em que tão vigorosas formas de poder se têem desfeito, ella tem sabido conservar sempre o seu immenso prestigio, tem podido manter a sua influencia moral e política, tem logrado avivar, de dia para dia, o lustre e o esmalte do seu nome de princeza.
N'estes ultimos cincoenta annos a Inglaterra tem feito grandes cousas. No interior, uma enorme revolução economica; na politica internacional, a expansão, cada vez maior, do seu dominio, com fortuna desigual, é certo, mas sempre com gloria e com honra.
De uma e de outra ordem de factos acrescenta o orador, resáe sempre a bella e profunda significação da historia ingleza, isto é, aquella admiravel harmonia, nunca desmentida, das causas do egoismo nacional com os grandes interesses da civilisação humana.
Isto não é, não póde ser, o simples resultado de uma influencia individual; isto só póde ser produzido pela força impulsiva da raça, educada e disciplinada por uma grande tradição. Mas só pela ignorancia das causas e dos factos, que constituem a causalidade positiva da historia, é que póde deixar de attribuir-se á Rainha Victoria grande parte nos successos e nas fortunas do povo inglez. É alem d'isto, que é incontestavel e que é incontestado, fica bem, fica admiravelmente ao aspecto moral da Inglaterra, frio e grave, o perfil feminino, delicado e correcto, dessa senhora, que, ao mesmo tempo que tem continuado virilmente as tradições da política ingleza, tem sabido inspirar a formosissima lenda do seu coração de mulher, do seu coração de esposa e de viuva, lenda de poesia e de virtude, lenda sympathica, verdadeiramente adoravel!
E isto não é sem valor; na vida dos individuos, como na existencia das nações, é preciso, é indispensavel o idealismo exaltado do coração e do espirito...
A esta hora a graciosa Rainha atravessa as das de Londres, num cortejo maravilhoso, formado por Principes da Europa e do Oriente. Ha pouco, o velho Imperador da Allemanha recebia em Berlim as saudações de todos os estados civilisados, e, como uma grande figura de outro tempo, superior e solemne, presidia a uma assembléa, como raras vezes se tem visto no mundo. Vae realisar-se, dentro de pouco tempo, o jubileu de Leão XIII, e o veneravel Pontifice, que tanto tem querido consolar a consciencia e pacificar as nações, receberá no Vaticano, por essa occasião, os vivos testemunhos da sympathia, da admiração e do respeito que tem inspirado universalmente.
Estes factos, disse, concluindo, o orador, encerram uma grande lição. Provam que o espirito humano é cada vez mais justo, reconhecendo e premiando o valor eminente, onde quer que elle existe, e, o que mais é, mostram a reconciliação, cada vez maior, da tradição com a liberdade, tendem a pacificar a politica, que já não póde ser revolucionaria, e annunciam um fim de seculo, que será mais tranquillo e mais feliz do que se esperava.
Termina pedindo que seja considerada urgente a proposta que mandou para a mesa.
(Extracto revisto pelo orador.)
(Será publicado o discurso, quando s. exa, o restituir.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que se consigne na acta um voto de respeitosa felicitação a Sua Magestade a Rainha da Gran-Bretanha pelo cincoentanario da sua elevação ao throno, e ao povo inglez, que hoje commemora, com as preclaras virtudes da soberana, meio seculo de gloriosa prosperidade nacional . = Antonio Candido.
Sendo declarada urgente entrou em discussão.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, cumpro um dever gostoso associando-me, em nome do governo, às palavras eloquentemente proferidas e mais nobremente sentidas, do orador que me precedeu, o sr. Antonio Candido Ribeiro da Costa.
São antigas as relações de amisade, que prendem os dois paizes e as duas dynastias. Essas relações vão buscar a sua rasão de ser, e a sua raiz, por assim dizer, a alguns dos factos culminantes da historia deste paiz. E se, em um caso ou outro, os interesses diversos, e por vezes em collisão, têem podido trazer difficuldades, e crear attritos, é certo que nos seus traços geraes, nas suas grandes linhas, a harmonia e a confiança tem sido constantes entre o governo da Gran-Bretanha e o governo de Portugal. Nestas circumstancias, o povo portuguez toma parte, e experimenta satisfação com todos aquelles acontecimentos, que significam e denotam a prosperidade, a grandeza, o desenvolvimento nacional do povo da Gran-Bretanha, e principalmente se affectam de modo directo á soberana, que durante
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cincoenta annos tem presidido aos destinos d'aquella gloriosa nação, e que no largo e dilatado periodo do seu reinado tem visto transformar o mundo pelas conquistas da sciencia, tem presenceado e podido presidir ao movimento extraordinario, que em todos os factos do desenvolvimento das relações humanas determinam as descobertas, que se ligam às applicações do vapor e da electricidade.
Essa soberana viu expandir o seu imperio e alastrar-se a sua população por toda a parte do mundo, assumindo proporções muitas vezes superiores áquellas, já de si tão vastas, que encontrou no principio do seu reinado.
Essa soberana e particularmente venerada n'este paiz, não só pelas relações de constante amisade e deferencia, que sempre soube manter para com a nossa familia real, desde o reinado de D. Maria II, com quem entreteve constantemente as relações da mais affectuosa sympathia, tradição esta que se tem seguido com os augustos herdeiros d'aquella senhora, como com respeito ao proximo parentesco entre os membros das duas familias reaes; o que tudo explica n'este, momento, com relação a Portugal, a presença dos herdeiros da corôa portugueza entre os principes, que a estas horas formam esse cortejo grandioso a que o illustre deputado alludiu, e que estará seguindo agora por entre milhões de seres humanos, das salas do palacio Buckingham para as abobadas históricas da abbadia de Westminster.
O governo faltaria, pois, ao seu dever se n'estas circumstancias se não associasse á manifestação d'esta camara, como já o fez na dos dignos pares, e juntando os seus votos aos d'aquelles que n'este momento se congratulam com a nação ingleza e com a soberana virtuosa e illustre, que durante cincoenta annos tem presidido aos seus destinos, e cujo reinado assignala na historia d'aquelle paiz uma pagina das mais brilhantes.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Não tema a camara que eu, inspirando-me apenas na posição especial, que mantendo n'esta casa, venha lançar uma nota menos delicada ou menos primorosa sequer, na manifestação que vae fazer-se em homenagem á soberana de Inglaterra.
Pedi a palavra simplesmente para declarar a v. exa. que me abstenho de votar a proposta do illustre deputado o sr. Antonio Candido, por isso que no momento actual me parece inopportuno, para não dizer imprudente, estar a levantar tão alto a glorificação historica de um reinado cujo semi-centenario coincide com o dilacerar pungente, que ameaça hoje dividir, por tantos titulos, a illustre nação ingleza.
O sr. Antonio Candido referiu se ao cortejo de Principes e embaixadores que a estas horas acclamam a Rainha Victoria atravez das das de Londres embandeiradas em gala.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros igualmente se referiu a esse cortejo pomposo e deslumbrante. Apenas ninguem se lembrou do pobre povo irlandez, que, como um protesto e uma queixa, está n'este momento reclamando a justiça que lhe é devida, e que de certo não encontra a sua expressão no bill coercitivo que o parlamento de Westminster agora mesmo discute!
Não quero n'esta occasião, sr. presidente, fazer politica para fóra das fronteiras do meu paiz. Sou republicano em Portugal e quando não possa associar-me a manifestações como esta, serei sempre respeitoso para com todo o acto de deferencia que se dirija aos representantes de estados amigos.
Se o sr. Antonio Candido se tivesse limitado na sua moção a uma homenagem pessoal á Rainha de Inglaterra, eu nada teria que dizer. Mas quiz fazer historia e pretendeu julgar a politica de um reinado. Ora a esse julgamento é que eu não posso dar o meu voto.
E note v. exa. que não é sómente no parlamento portuguez que se levanta um voz discorde, como a minha. Hoje mesmo o telegrapho acaba da transmittir-nos a noticia de que trezentos altos dignitarios da Inglaterra, incluindo muitos lords, recusaram o convite official para assistirem ao jubileu que se está a estas horas celebrando em Londres.
Quando assim procedem tantos illustres subditos de Sua Magestade a Imperatriz das Indias, não é muito que em Portugal haja quem se recorde da pobre Irlanda e proteste contra os seus injustos e injustificados soffrimentos.
O sr. Julio de Vilhena: - Associo-me inteiramente ao voto da illustre maioria representada pelo meu nobre amigo o sr. Antonio Candido.
Não é esta a occasião de discutir a politica interna da Inglaterra. Seria altamente censuravel que o parlamento inglez, em qualquer occasião, e maiormente quando celebrassemos uma festa, e que saudassemos o nosso soberano, fizesse a critica das nossas questões internas. Entendo, por consequencia, que não é este o momento, nem ha momento algum em que se possa justificar a interferencia do parlamento portuguez apreciando as questões internas da Inglaterra. (Apoiados.) E se não ha momento algum em que tal se possa fazer, muito menos o poderia ser este, em que por um dever de cortezia nos vamos associar a uma festa, a uma congratulação dirigida pelo povo inglez á sua soberana. (Apoiados.)
Considerando o parlamento portuguez como representante do paiz, não posso deixar de me associar no meu nome, e no dos meus amigos politicos á moção do illustre deputado.
A Inglaterra é desde longa data alliada de Portugal. Portugal não está, nem nunca esteve, sob o protectorado da Inglaterra; mas a politica de Portugal é hoje e ha de ser no futuro, para engrandecimento do paiz, uma politica essencialmente colonial, a politica da Inglaterra tambem o é essencialmente colonial e por consequencia, pelas aspirações e pelos interesses, ha uma perfeita communidade de idéas entre as duas nações.
Portugal é o alliado natural da Inglaterra, e por isso como representante do paiz e no exercicio das minhas funcções publicas, saudo tambem a soberana cujo jubileu se festeja.
Alem disso, nós somos essencialmente monarchicos e a esta hora o representante da monarchia portugueza, o Principe Real, representando tambem o paiz, acha-se prestando a sua homenagem de consideração á Rainha de Inglaterra.
Se o futuro herdeiro da corôa portugueza é o representante monarchico d'este paiz, e se o nosso paiz é essencialmente monarchico, parece-me conveniente que nos colloquemos ao lado do representante da dynastia de Bragança e que o acompanhemos tambem na saudação que n'este momento dirige á soberana de Inglaterra. (Apoiados.)
Em vista disto, em meu nome, como membro da opposição, o em nome de todos aquelles que me apoiam, associo-me inteiramente às palavras eloquentes do sr. Antonio Candido.
Vozes: - Muito bem.
Posta á votação a proposta foi approvada.
O sr. Presidente: - Parece-me que a camara concordará em que se dê conhecimento da resolução da camara ao ministro de Sua Magestade Britannica n'esta côrte. (Apoiados (geraes.)
Leu-se na mesa o seguinte:
PARECER N.° 113
Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes apresentou-vos na sessão de 16 de abril ultimo o parecer n.° 81, relativo á eleição do circulo n.° 18 (Alijó), e no qual concluiu pela nullidade dos actos eleitoraes sómente na assembléa primaria de Villa Chã.
Foi esse parecer approvado em sessão de 27 do mesmo mez, repetindo-se, por isso, a eleição n'aquella assembléa
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no dia 29 de maio, devidamente designado para esse fim.
É sobre o respectivo processo, que agora nos cumpre dar novo parecer, que complete o primeiro na parte, que respeitou ás operações eleitoraes julgadas validas das mais quatro assembléas do circulo.
Os papeis enviados pelo presidente da referida assembléa ao ministerio do reino, e por este á camara, são: um dos cadernos dos eleitores: as notas escriptas e assignadas pelos secretarios do nome dos votados e do numero de votos successivamente apontados por algarismos durante o apuramento; e a acta da eleição.
Consta d'esta que, sendo de 726 o numero de listas, contando a do presidente, que votou, apesar de não ser eleitor da assembléa, obtiveram:
Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro .... 504 votos
Joaquim Teixeira Sampaio .... 222 votos
numeros respectivamente iguaes aos ultimos escriptos pelos secretarios nas notas do apuramento para cada um dos nomes dos candidatos.
Nos cadernos, porém, diz a acta, que o numero de descargas fôra n'um de 725, e n'outro, que é o que foi enviado ao ministerio do reino e que a commissão teve presente, de 724, sendo assim n'este que houve inexactidão, por se ter omittido uma descarga.
Ora o resultado do escrutinio nas mais quatro assembléas do circulo, conforme está já indicado no parecer n.º 81, foi de 1:228 votos para o candidato Pinto Pizarro e de 1:369 para o candidato Teixeira de Sampaio.
E d'este modo veiu a obter em todo o circulo:
Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro, 1:228 mais 504 .... 1:732 votos
Joaquim Teixeira de Sampaio, 1:369 mais 222 .... 1:591 votos
ou seja aquelle mais 141 votos do que este.
A acta menciona, que depois de haverem votado os eleitores das freguezias de Villa Verde, Carlão, Santa Eugenia, Pegarinhos, Populo, e Ribalonga, e principiando a chamada dos eleitores da freguezia de Villa Chã, ultima a votar por ser a da séde da assembléa, se levantára um pequeno tumulto, que promptamente se apaziguára, abandonando n'essa occasião os seus logares na mesa dois vogaes d'ella, um dos quaes levára comsigo um dos cadernos, que, todavia, lhe fôra apprehendido e entregue á mesa, que se conservava constituida com o presidente e restantes vogaes, e que depois de mais de uma hora de espera para que aquelles dois voltassem a occuppar os seus logares, sem que elles apparecessem, se completou com outros cidadãos por proposta de um vogal, approvada por todos os eleitores presentes sendo a substituição dos vogaes ausentes publicada por edital affixado na porta da egreja.
«Depois d'isto - acrescenta a acta - apresentou-se na egreja a força armada, a qual, segundo disse o commandante da mesma, havia sido requisitada pelo presidente da assembléa, que fez esta requisição sem consulta e approvação da mesa; e vendo a maioria da mesa que não havia motivo para a presença da força n'aquelle local e para a interrupção do acto eleitoral, pois que sómente eram quatro horas e meia da tarde e a assembléa estava em completo socego, resolveu a mesma maioria que a força se retirasse e que se proseguisse nos actos eleitoraes, ao que o presidente se oppoz, dando ordem, única e exclusivamente sua, á força para ahi se conservar, e apoderando-se dos cadernos e mais papaeis da eleição, para por esta fórma obstar a que se cumprisse a já dita resolução da mesa. Como esta discussão entre a maioria da mesa e o seu presidente se prolongasse por mais de duas horas sem que chegassem a accordo, não obstante Ter a auctoridade administrativa empregado todos os meios suasorios para que o presidente cumprisse a lei, e como o mesmo presidente se retirasse do seu logar para a porta principal da egreja, levando na mão todos os papeis da eleição, o administrador do concelho intimou o mesmo presidente a fazer entrega dos referidos papeis aos vogaes da mesa, que se achavam nos seus respectivos logares, recusando-se o presidente a entregal-os aos já ditos vogaes, mas fazendo d'elles entrega ao mesmo administrador, o qual immediatamente os entregou á mesa. Depois d'isto, e porque já eram sete horas e vinte e cinco minutos da tarde (sol posto) resolveu a mesa terminar o acto eleitoral n'este dia para proseguir no dia seguinte...»
No dia seguinte, sendo dez horas da manhã, e não tendo comparecido o presidente da assembléa, foi por esta proclamado outro cidadão para presidir, e continuou a eleição com toda a regularidade, votando os eleitores presentes da freguezia de Vilia Chã, fazendo-se depois a chamada geral, e seguindo-se todos os mais actos legaes posteriores.
A camara foi apresentado um protesto de tres eleitores da assembléa, Manuel José dos Santos Mello, José Teixeira da Rua, e Antonio dos Santos Affonso, exarado em escriptura publica lavrada no 1.° de junho pelo tabellião de Alijó, Mansilha Junior, e em que se allega textualmente o seguinte:
1.° Que dentro da assembléa os amigos da auctoridade, e quando principiava a votar a freguezia de Carlão, promoveram desordens com manifesto intento de afastar os eleitores da opposição, entrando na egroja a força armada, que prendeu illegal e arbitrariamente um eleitor, continuando depois o acto eleitoral com a força armada dentro da egreja, que só retirou depois de terem fugido alguns eleitores intimidados pela mesma força;
2.° Que sendo quasi seis horas da tarde e restando só para votar a freguezia de Villa Chã, a maior da assembléa, e não podendo votar toda nem mesmo a maior parte d'ella, o presidente da assembléa propoz á mesa, que se encerrassem os trabalhos para recomeçarem no dia seguinte, proposta que a mesa approvou. Em seguida os amigos da auctoridade, armados de rewolvers e dirigidos pelo candidato governamental e por seus dois irmãos, promoveram novo e mais violento tumulto, dando vivas ao governo e honras ao presidente da assembléa, sendo logo chamada a força armada, a cujo commandante, que era um capitão de cavallaria, o presidente pediu força necessaria para a guarda da urna, visto que os trabalhos eleitoraes se achavam suspensos; ao que o alludido capitão respondeu, que estando ali o delegado especial do governador civil, dr. Francisco Botelho, de Villa pouca, primo do candidato governamental, só elle obedecia e não ao presidente;
3.º Que na occasião do tumulto, e por ordem do mesmo delegado do governador civil, fôra illegal e arbitrariamente preso o escrutinador da opposição José Correia Noura, sendo immediatamente tirado para a sachristia da egreja e ali conservado até á noite no meio de uma força de infanteria, e que emquanto este facto se dava com o mesmo escrutinador, um dos amigos da auctoridade, João Guedes Pinto, de Ribalonga, se dirigira ao secretario da mesa da opposição, Francisco Manuel Affonso, e armado de uma faca, o obrigou a retirar da mesa;
4.º Que, depois de inutilisados assim os membros da mesa pertencente á opposição, o delegado do governador civil tumultuaria e illegalmente, e só por acto da sua despotica vontade, os substituiu por outros da sua feição politica, e contra este despotismo protestou energicamente o presidente da assembléa;
5.º Que o mesmo delegado do governador civil queria forçar o presidente da mesa a continuar os actos eleitoraes com os membros intrusos, ao que o mesmo presidente legal e tenazmente se oppoz, dizendo que só funccionaria com a mesa legalmente eleita; em seguida o delegado do
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governador civil apoderou-se violentamente da uma e cadernos da eleição, e o presidente vendo a mesa despoticamente destituida e abandonado pela força armada, que sómente obedecia ao despotismo do delegado do governo expressamente para ali mandado para viciar o acto eleitoral, e protestando energicamente, ainda que debaixo da mais violenta coacção, contra todos estes factos, retirou-se da assembléa com todos os eleitores da opposição. Que no dia seguinte os amigos da auctoridade, capitaneados pelo delegado especial do governo, simularam a continuação da eleição com a força armada dentro da egreja, não consentindo que dentro della entrasse ninguém da opposição.
Feita, como fica, uma completa exposição dos factos; e
Considerando que, sendo o protesto absolutamente gracioso, não póde prevalecer contra a acta, ainda que fosse firmado, em vez de menor, por maior numero de cidadãos, do que os sete que assignaram a acta;
Considerando que nem sequer figura entre os três eleitores, que protestaram, o que presidira a parte do acto eleitoral ou algum dos vogaes da mesa, que, propostos por elle e approvados pela assembléa, foram depois substituídos durante a eleição;
Considerando que nos termos do próprio protesto não podia affirmar-se, que qualquer irregularidade ou attentado praticados até que o presidente e eleitores da opposição se retiraram da assembléa no dia 29 de maio tivesse influido no resultado da votação desse dia;
Considerando que no dia seguinte, sendo chamados os eleitores da freguezia de Villa Chã, e deixando de votar sómente 137, segundo mostra o caderno das descargas, todos elles, se vivos, validos e presentes fossem, e votassem no candidato Joaquim Teixeira de Sampaio, não fariam com seus votos deslocar a, maioria obtida pelo candidato Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro, que ficava ainda assim com mais, 4 votos;
Considerando que a falta de remessa á camara de um dos cadernos não obsta á verificação dos factos eleitoraes em vista de todos os elementos do processo;
Considerando que a falta de assembléa de apuramento, e por isso a falta de diploma do deputado eleito, provém do facto de a eleição se ter repetido, como a lei permittia, n'uma só assembléa primaria;
Considerando que em matéria eleitoral só são causas de nullidade as infracções de lei e as faltas de formalidades que affectem a essência do acto sujeito a julgamento e influam no resultada da eleição, como expressamente determina o § 4.° do artigo 14.° da lei de 21 de maio de 1884:
E a vossa commissão de parecer que se approve a eleição da assembléa primaria de Villa Chã, e que, completado assim o parecer n.° 81 com respeito á eleição de todo o circulo n.° 18 (Alijo), seja proclamado deputado pelo mesmo circulo o cidadão Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro.
Sala da commissão de verificação de poderes, 11 de junho de 1887. = José Maria de Andrade = Alfredo Pereira = António Lúcio Tavares Crespo = Baptista de Sousa, relator = Tem voto dos srs. deputados: Alves da Fonseca = Dr. Oliveira Valle.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. António de Azevedo Castello Branco: - Sr. presidente, depois do voto dado por esta commissão a respeito da eleição do deputado pelo circulo de Alijo, relativamente á assembléa de Villa Chã, que determinou a repetição do acto eleitoral nesta assembléa, eu devia ficar silencioso, abstendo-me de discutir, ou de fazer a mínima referencia ao parecer, que está dado para discussão e que conclue pela validade do acto eleitoral e pela proclamação do deputado progressista. E já a terceira vez que peço a palavra sobre as occorrencias, eleitoraes do circulo de Alijo, e já me fatiga este inglório e baldado lidar em prol de uma causa que reputo perdida, porque mais uma vez prevalece a força contra o direito.
Pedi porém a palavra unicamente porque não queria que o meu silencio significasse a acquiescencia às conclusões do parecer. Tenho o dever indeclinável de protestar mais uma vez contra as arbitrariedades, contra os abusos, contra os latrocínios eleitoraes, que foram reproduzidos repetidos vezes rio concelho de Alijo. (Apoiados.)
Serei muito breve, porque as minhas palavras significam apenas um simples protesto, e deixo a outras o cuidado e o labor improfícuo de combater a doutrina eleitoral do parecer, se ainda se illudem com o valor dos argumentos em frente das audacias da política facciosa. As conclusões do parecer são pela approvação da eleição e que seja proclamado deputado o or. Sebastião Maria da Nobrega, meu amigo particular e patrício. Esta declaração significa que não é o espirito da animosidade, que me leva a tomar a palavra e que unicamente me levou a fallar neste assumpto o sentimento de ter visto que, para o triumpho da sua candidatura, foi mister calcar aos pés os princípios da liberdade eleitoral, que em Alijo foi cruelmente ultrajada. (Apoiados.)
A acta da eleição revela que no dia 29 do mez passado se praticaram graves irregularidades, e, ainda que a forma por que a acta está redigida, tem um tom de innocencia idylica, innocente com as pastoraes de Longus, comtudo o sr. relator teve de inserir no seu parecer diversos periodos do protesto que são exactamente a antithese dos periodos que se acham inseridos na acta. (Apoiados.)
Na essência vê-se que o acto eleitoral foi interrompido por virtude de graves occorrencias e attentados, fugiram dois escrutinadores e um secretario, e comtudo a acta não dos dá explicação dos motivos da ausência destes membros da mesa, devendo todavia ser grande o motivo da sua fuga. (Apoiados.)
Vê-se que tambem mais tarde desappareceu o presidente, que houvera na assembléa a presença de força militar, que mais uma vez interveiu na eleição de Alijo, não para manter a ordem publica, o livre exercício do suffragio e a execução da lei; mas para incutir terror á opposição, afugentar os eleitores tímidos e favorecer ar machinações dos agentes do candidato do governo. (Apoiados.)
Quem redigiu a acta quiz certamente esbater completamente as cores d'este quadro até ao ponto de não dar relevo a factos aliás importantíssimos, e foi a imaginação do illustre relator quem deu uma forma mais artística a todas estas irregularidades, pondo por seu turno na sombra as violências de que alguns membros da mesa foram victimas. (Apoiados.)
A leitura destes documentos da-nos a convicção de que com a repetição do acto eleitoral, as tranquibermias, deixem-me usar d'este termo vulgar, se tenham agora aperfeiçoado; para que a camara dos illustres deputados ficasse cônscia de os que agentes eleitoraes progressistas de Alijo conhecem toda a arte de falsificar o suffragio e que não trepidam perante os mais criminosos ataques á liberdade eleitoral, quando principalmente se conta com a impunidade e com extrema benevolência de uma maioria parlamentar. (Apoiados.)
O illustre relator diz-nos depois que, reconhecendo que estes actos são irregulares, os protestos não vem comtudo acompanhados de documentos comprovativos de que as irregularidades foram graves o que de facto se deram, como narram os signatários do protesto.
Eu desejava que o sr. relator me dissesse que espécie de prova se podia adduzir neste caso.
Haveria tempo para se fazer uma justificação? Espere então a camara e não conheça do acto eleitoral, senão depois de vir aquelle documento, ou de se ter procedido aos corpos de delicio sobre as occorrencias criminosas que se
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deram em Villa Chã. Eu proporia o adiamento da discussão do parecer, se não estivesse convicto de que a proposta seria rejeitada e não costumo fazer propostas inúteis, só para ter o prazer de as ver rejeitadas e de chamar facciosos aos adversarios.
Temos pois o protesto e a acta. Quanto a mim são documentos de igual valor, poisque a lei não dá o caracter de infalliveis aos signatarios da acta, nem esta se póde ter como authentica por simples presumpções.
Discordando a acta do protesto quanto á narrativa dos actos eleitoraes, eu tenho de recorrer aos antecedentes. Ora todos os antecedentes concorrem para que se reputem muito mais verdadeiras as allegações do protesto do que a narrativa da acta.
A longa historia da discussão parlamentar e a longa historia d'aquillo que se tem dito na imprensa sobre todos os factos occorridos em Alijo, mostram bem que o mesmo acto eleitoral foi irregular como os anteriores e que o concelho de Alijo se encontra n'um estado anormalissimo. (Apoiados.)
Sr. presidente, um jornal, referindo-se áquelle estado, dizia: que durante o período de sete mezes se tinham praticado nove assassinatos. Não quero dizer que fosse o candidato progressista auctor, mandante, ou cumplice de taes crimes; todavia esse jornal diz que estes acontecimentos se relacionam com o exacerbamento das paixões políticas e com o abuso das auctoridades, que deixam andar os criminosos em liberdade, como se tivessem praticado acções honrosissimas, que merecessem o apoio da opinião publica e premio até do governo.
Estes factos indicam que no concelho de Alijo tem predominado uma política administrativa, cuja responsabilidade não pertence unicamente as auctoridades de lá, mas tambem ao governo, que não tem feito restabelecer o império da lei e que se limita a dar ordens vás, que o seu delegado no districto não cumpre e de que talvez se na com os seus parciaes mais intimos.
Na sessão de 31 de maio dizia o sr. presidente do concelho: «Vou dai á camara as unicas informações que tenho; mas antes d'isso preciso declarar que me preoccupei muito com o que poderia acontecer debaixo do ponto de vista da alteração da ordem publica na assembléa de Villa Chã; porque tinha esta prevenção, ainda n'esta semana, ha tres ou quatro dias, não posso precisar bem em qual d'elles foi, telegraphei ao sr. governador civil de Villa Real, para lhe recommendar o máximo cuidado pela manutenção da ordem e da liberdade da urna, não duvidando até insinuar-lhe que o governo tinha em pouca conta o resultado da eleição, fosse elle qual fosse, favoravel ou desfavoravel á situação, porque acima de tudo o que desejava e recommendava é que se mantivesse a ordem publica e a mais completa liberdade da uma».
Aqui está o que o sr. ministro do reino respondeu á minha pergunta sobre as occorrencias da ultima eleição na assembléa de Villa Chã. S. exa. não se importava com o sr. Nobrega, o que queria era ordem e liberdade eleitoral; infelizmente, porém, o que o administrador do concelho de Alijo e o governador civil não queriam era que o sr. Sampaio viesse á camara, e por isso zombaram do telegramma do sr. ministro do reino com o seu proverbial impudor e desvairamento politico.
Não conheço o tens das instrucções que o sr. ministro do reino deu ao governador civil; mas estou ouvindo este magistrado dizer; «para cá do Marão governam os que cá estão».
É um provérbio transmontano, muito do sabor das auctoridades progressistas, principalmente. (Apoiados.)
Aprecie a camara como lhe aprouver a acta da eleição de Villa Chã, esse capitulo de um romance tetrico, em que fui ha salteadores...do suffragio, e alegre se o governo por ver augmentado o numero da sua farta maioria; mas não será isso o que o fará perdurar nem alcançar maiores triumphos na sua carreira governativa.
A experiência do nosso regimen parlamentar assim o tem provado exuberantemente.
Ainda não houve governo nenhum que não se importasse com a perda de uma só eleição; todos preferem essa maioria numerosíssima, que é muitas vezes causa de uma morte imprevista. Lembro-me a este propósito do seguinte caso:
Um alienista celebre tinha ao seu cuidado uma enferma, que se queixava de que tinha no ventre um concilio de bispos que celebravam as suas reuniões e discussões dentro das entranhas da pobre mulher.
Succedeu, porém, que a enferma morreu, e, feita a autopsia, verificou-se que o que ella tinha era um tumor no cecum. (Riso.) Seja isto contado como se fora uma parábola, e bom será que os governos não morram com tumores similhantes, nem com maiorias tão túmidas.
Revertendo ao essencial do assumpto, aqui deixo lavrado o meu protesto contra as arbitrariedades e attentados eleitoraes de Alijo.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Baptista de Sousa: - O illustre deputado e meu amigo, o sr. António de Azevedo Castello Branco, nas primeiras palavras que proferiu sobre o parecer em discussão commentou todo o seu discurso, pois começou por dizer, que vinha simplesmente protestar contra o que chamou arbitrariedades, preputencias, e abusos de toda a ordem praticados durante a eleição da assembléa de Villa Chã, do circulo de Alijo, ou contra factos que assim qualificou, mas não póde demonstrar que existissem, pois s. exa. valeu-se apenas das declarações gratuitas de um protesto assignado por três indivíduos, e que acceitou como sendo a expressão da verdade, apesar da ausência absoluta de provas.
Não é admissível que se acredite o que disseram esses três indivíduos, que assignaram o protesto, e se recuse acreditar o que disseram os sete signatários da neta.
E sendo assim, e visto o propósito com que s. exa. fallou, eu poderia deixar de responder, porque não tendo sido o parecer impugnado não tinha que o defender.
Sem accusação, que nunca é um protesto, não ha necessidade de defeza.
No parecer n.° 81 sobre a eleição de Alijo, e agora n'este sómente sobre a eleição da assembléa de Villa Chá, houve por parte da commissão a mais absoluta lealdade na exposição dos factos, ou houve até talvez exagero de lealdade.
Pelo que respeita á acta, transcreveu se parte della, e alludiu se ao resto; mas pelo que toca ao protesto transcreveu-se todo textualmente, para mostrar a toda a camara, que nenhuma occultação se fazia de quanto três eleitores quizeram dizer no protesto, habilitando-se deste modo todos os srs. deputados a ver o que contra o acto eleitoral se allegara ou fora opposto.
O que é notável é que, pondo em confronto o que diz a acta com o que diz o protesto, o illustre deputado, que me precedeu, fallasse em termos que, por certo contra o seu intento, pareciam desconceituar o caracter das pessoas, que assignaram a acta, insinuando que esta não seria de uma veracidade tal que se podesse acceitar, porque o testemunho dos signatários era progressista.
Ao passo que hoje diz isto, quando os signatários da acta eram regeneradores, e se discutiu o parecer n.° 81, s. exa., e aquelles que o acompanharam na impugnação delle, clamaram contra mim, que era tambem o relator, dizendo que as actas tinham em tudo fé publica, o que me obrigara a fazer uma certa distincção com respeito aos factos, que a mesa eleitoral era chamada a verificar e testemunhar, para os separar de questões sobre que ella fizesse apreciações, e exercesse critério jurídico, usurpando jurisdicção que pertence a esta camara ou ao tribunal especial de verificação de poderes. Agora não se quer acceitar
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esta jurisprudencia, porque não aproveita aos impugnadores do parecer.
A fé publica das actas, precisamente na parte em que a têem, é posta absolutamente de lado. (Apoiados.) O que é que se oppõe a ella? As allegações totalmente graciosas do protesto de tres apaixonados. (Apoiados.) Quando as suas affirmações equivalessem a depoimentos, o que a lei prohibe e seria perigoso admittir, pelo numero se resolveria a questão, pois é claro que tres testemunhas, ainda que sem suspeita, não podiam valer mais, nem tanto como sete, que são os que assignaram a acta. Alem disso ha uma circumstancia importantíssima, que a commissão propositadamente poz em relevo no parecer, e que não foi attendida pelo meu illustre contradictor. O presidente da assembléa eleitoral e tres vogaes da mesa, propostos por elle e approvados pela assembléa, tiveram interferência em parte dos trabalhos da eleição, retirando-se depois, pelo que tiveram de ser substituídos. Estes, que seriam os primeiros queixosos, não se encontram no numero dos que protestaram. Parece-me que elles é que deviam maguar-se com as chamadas prepotencias e que deviam protestar. (Apoiados.) Pois elles não se doeram, e outros é que gritam! (Apoiados.)
Se me é permittido tambem a mim uma vez apontar por informação, um facto para a historia das occorrencias de Alijo, direi que o presidente da assembléa eleitoral, se protestasse, era exactamente em sentido contrario ao daquelles que assignaram o protesto lavrado perante o tabellião, apesar do mesmo presidente ser chefe, ou um dos chefes do partido regenerador no concelho.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Como é que v. exa. póde provar isso?
O Orador: - V. exa. não ouviu as minhas primeiras palavras a este respeito. Eu disse que, se me fosso permittido tambem a mim apontar um facto por informação; recebida de uma testemunha, referiria aquelle. Pois v. exa. e o illustre deputado que me precedeu, irmão de v. exa., quando se discutiu o primeiro parecer sobre a eleição de Alijo, não estiveram a historiar o que se passou n'aquelle concelho, como lhes aprouve, sem a minima prova, dizendo que o que sabiam era apenas por informações? V. exas. apresentaram aqui a seu sabor o que lhes occorrêra do que tinham ouvido.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - O que faz uma má causa!
O Orador: - Todavia a accusacão é muito peior do que a defeza, porque á defeza não é permittido fazer uma única vez aquillo que a accusacão esteve sempre a fazer. (Apoiados.)
Eu sei por informações, que o presidente da assembléa eleitoral, durante as operações a que presidia, mostrou mais de uma vez desagrado pelas violências a que o queriam provocar a favor do candidato da opposição.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Isso não é exacto.
O Orador: - Eu tenho estas informações e s. exa. terá outras. Mas veja s. exa. como é escorregadio o terreno, quando a gente se desvia do caminho do parecer, único objecto da discussão, para fazer historia com estes factos que se apresentam apenas recebidos por informações. Desde que eu o fiz uma vez, pedindo só por essa vez permissão para o fazer, s. exa. mostra logo como eu poderia ter procedido ao ouvir tantas narrações de factos, O protesto diz:
(Leu.)
O mesmo protesto, como se vê, não accusa irregularidade alguma, que podesse influir no resultado da eleição senão pelo que respeita á votação dos eleitores da freguezia de Villa Chã. Consta a assembléa eleitoral de sete freguezias, que pela ordem da sua distancia da mesma assembléa são:
(Leu.)
Ora os eleitores foram de tal modo intimidados, que houve a seguinte votação:
(Leu.)
Sendo a uma assim tão concorrida, faltando votar em algumas freguezias apenas seis eleitores, segundo acabo de referir e mostra o caderno, que foi enviado á camara, póde-se acceitar como verosímil sequer o que se diz na primeira parte do protesto, que os eleitores intimidados saíram da assembléa e não votaram?!
Pois seis, nove, dez, ou doze por freguezia não seria talvez naquelle momento o numero dos ausentes, dos doentes, dos fallecidos, ou daquelles que, para ficarem bem com todos os vizinhos, se abstinham de concorrer ao acto eleitoral? (Apoiados.)
E em todo o caso não era o presidente que devia garantir-lhes a liberdade?
No dia seguinte .votando a freguezia de Villa Chã, deixaram de concorrer 137 eleitores e votaram 113. Nesta freguezia é que o numero dos que não compareceram é maior do que o numero dos que votaram. Mas fazendo a máxima concessão quer a impugna o parecer, indo alem de tudo o que é possível, e acceitando para argumento, que os 137 eleitores, que deixaram de concorrer á urna, votavam no candidato da opposição, ainda assim obteria o candidato governamental sobre o seu antagonista mais 4 votos. Já vê, pois, v. exa. que na o póde haver mais generosidade, nem se podem fazer mais concessões do que a commissão faz no seu parecer. (Apoiados.)
Diz o illustre deputado, o sr. António de Azevedo Castello Branco, que em Alijo se praticaram nove assassinatos durante sete mezes. Já disse, e repete agora interrompendo-me, que não fora o candidato governamental que mandara praticar esses assassinatos. (Apoiados.)
Mas estes factos, posto que sejam muito para lastimar, são, por isso, chamados para esta discussão com a mesma procedência com que foram chamados outros, e até alguns que se referem no protesto. Que importa, que houvesse esses assassinatos para o fim que temos em vista? Para os costumes, para a moralidade do concelho, é isso muito digno de toda a attenção no sentido de se impedir que o estado anormal do concelho concorra para a estatística criminal de um modo tão horroroso, mas para a eleição de Villa Chã não têem absolutamente a mínima relação esses, assassinatos com o acto eleitoral. (Apoiados.)
S. exa. referiu-se tambem às declarações do sr., ministro do reino feitas nesta casa. Não me compete glosal-as e muito menos tenho procuração para defender o sr. ministro do reino das accusações envoltas no discurso do deputado; mas parece-me que tendo o sr. ministro do reino declarado a auctoridade sua delegada, que mais se importava com que a ordem publica não fosse perturbada do que com a Victoria do deputado governamental, mostrou assim s. exa. e ao Partido a que s. exa. pertence, que podiam confiar absolutamente na justiça do ministerio ainda que á custa d'ella tivesse de ser sacrificio algum amigo politico. Não vejo n'isto senão motivo para elogiar o sr. ministro do reino, que de certo tinha a maior satisfação em ver entrar n'esta camara, como ha de succeder, em minha opinião, o candidato eleito por Alijó. Digo mais: estou intimidade convencido, que s. exa., quando ainda, ha pouco, não tinha assento na camara dos dignos pares e era simplesmente deputado, estimaria antes perder a sua propria
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eleição, do que houvesse para a sua victoria attentados que perturbassem a ordem publica. (Apoiados.)
Vejo, portanto, que ha mais motivo para louvores do que para censuras como aquellas que por parte do sr. deputado António de Azevedo Castello Branco foram trazidas para a discussão, simplesmente para protestar mais uma vez contra a eleição que se discute.
Parece-me desnecessário gastar mais tempo com o assumpto. Demasiado tenho dito com relação às allegações ou protesto do illustre deputado, a quem tenho a honra de responder, e de certo não diria tanto, note-se bem, se não fora a deferência que me merece.
Nós somos ambos da mesma terra, onde, como s. exa. declarou, se costuma dizer para alem do Marão mandam os que lá estão, e a ambos se nos impunha o dever de discutir este parecer sobre a eleição de Alijo: a mim, alem de um motivo commum, por ter o honroso cargo de relator da commissão, e a s. exa., por ter de mostrar aos seus correligionários dessa terra de alem do Marão, como pugna no parlamento pela sua causa e do partido a que pertencem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Villaça: - Pedi a palavra por parte da commissão de estatística para mandar para a mesa a participação de se achar constituída a mesma commissão e juntamente para propor que lhe seja aggregado o sr. Alfredo Pereira.
Mando tambem para a mesa os pareceres, por parte das commissões de fazenda e obras publicas, sobre a proposta de lei que se refere á conclusão das obras dos portos artificiaes de Ponta Delgada e Horta.
Os pareceres foram a imprimir.
Leu-se a seguinte:
Participação
Por parte da commissão de estatistica, communico a v. exa. e á camara que a mesma commissão se acha constituída, tendo encolhido para presidente o sr. Madeira Pinto e a mim para secretario, havendo relatores especiaes. = O deputado, Eduardo Villaça.
Para a acta.
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
Proponho, por parte da commissão de estatística, que seja aggregado á mesma commissão o sr. Alfredo Pereira. = Eduardo de Abreu.
Foi approvada.
O sr. Menezes Parreira: - Mando para a mesa o parecer da commissão de obras publicas sobre a renovação de iniciativa do projecto de lei apresentado á camara em 8 de abril de 1880, que auctorisa o governo a mandar construir um porto artificial em Angra do Heroísmo.
Mandou-se publicar no Diario da camara.
O sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra, sobre o projecto de lei n.° 26-D, de 20 de março do anno passado, cuja iniciativa foi renovada em 26 de abril de 1887 pelo sr. deputado Avellar Machado, e que tem por fim permittir ao alumno do real collegio militar, João António Ferreira Maia, a permanência no mesmo collegio até á idade em que foi permittida a Bemvindo do Carmo Leal Guimarães, pela carta de lei de 21 de junho de 1880.
Mando igualmente para a mesa, por parte da mesma commissão, o parecer sobre o projecto de lei apresentado pelo sr. Casal Ribeiro, no mesmo sentido do antecedente, em relação ao alumno do real collegio militar, Manuel Thomás de Sousa Azevedo.
Mando, finalmente, o parecer, que tem por fim auctorisar o governo a tornar definitiva a concessão provisória, feita á camara municipal de Chaves, pela carta de lei de 23 de junho de 1879, das muralhas e fossos que circumdam a villa.
Foram a imprimir.
O sr. Presidente: -Vae entrar-se na ordem do dia. A discussão do parecer sobre a eleição de Alijo continuará amanhã antes da ordem do dia.
ORDEM no DIA
Discussão do parecer n.° 108, relativo ao convenio entre Portugal e a Allemanha
Leu-se.
É o seguinte:
PROJECTO DE LEI N.° 108
Senhores. - A convenção firmada em Lisboa, a 30 de dezembro passado, entre os governos da Allemanha e Portugal, demarcando a linha de separação das possessões portuguezas e allemãs no sudoeste e no nordeste do continente africano, interessa ao presente e ao futuro da província de Angola e, em especial, do seu districto, - o de Mossamedes, - mais fértil em promessas de prosperidade, tanto por ser 6 que melhor se propicia a colonisação europea, quanto por estar situado ao alcance dos grandes focos de actividade civilisadora e dos espansivos centros de população, que os inglezes e os hollandezes desde largos annos estabeleceram nos extremos da África Austral. Por outra parte, relaciona-se com as necessidades e conveniências da província de Moçambique, cuja administração e cujo commercio não podem prescindir de uma fronteira septentrional, que cubra as communicações do litoral com o interior, e que se possa fechar a intrusões e vedar a contrabandos. E por estes motivos, particularmente ponderosos quando Portugal tanto precisa acautelar e defender o seu património ultramarino contra a necessidade violenta, que se está impondo aos mais poderosos estados da Europa, de darem saída para novos territórios e mercados aos excedentes da população e da industria, a vossa commissão dos negócios estrangeiros e internacionaes estudou com intensa solicitude a mencionada convenção, e pede-vos licença para expor o resultado consciencioso do seu estudo, não com a largueza consoante á importância do assumpto e á predilecção que está consagrando o espirito publico às questões africanas, mas com quanto permittem a índole dos trabalhos das commissões parlamentares e as regras e praxes a que entre nós andam sujeitos.
O artigo 1.° da convenção define a fronteira meridional da província de Angola, e demarca o território dentro do qual poderá desenvolver-se sem concorrência da Allemanha, para leste dos presentes limites effectivos dessa província, a nossa actividade colonisadora. Estas delimitações, - aparte por emquanto o seu traçado, porão termo, se a convenção for ratificada, a uma incerteza, a uma indeterminação do nosso e do alheio, do occupado e do abandonado ao primeiro occupante, que não sendo sempre protegida por direitos irrecusáveis ou força material que assegurassem, quando preciso fosse, os nossos interesses na África meridional, constituíam uma situação, aventurosa e perigosa, e que de dia para dia se ia tornando mais insustentável.
Como é notório, a fronteira sul de Angola nunca foi rigorosamente determinada pelo governo ou pelos geographos portuguezes, nem assegurada pelo reconhecimento de potências estrangeiras, a não ser na convenção de 28 de julho de 1817, celebrada com a Gran-Bretanha, que a fixou no parallelo 18.° de latitude sul. Esta fixação, porém, teve o defeito de ser arbitraria, e nunca passou de meramente graphica; assim como não correspondeu a nenhum acci-
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dente da geographia physica, daquelles que habitualmente se adoptam para balizas dos estados, não se baseou em direito histórico ou posse effectiva. Os estabelecimentos na costa occidental da África ainda em 1817 não haviam descido para o sul de S. Filippe de Benguella, pois que apenas se tinham feito tentativas para organisar outros em Angra do Negro, que veiu a ser posteriormente, o porto de Mossamedes; e as pretensões do governo de Portugal a dilatar pela mencionada costa a sua auctoridade, a fora as que o marquez de Aguiar fez exarar no alludido instrumento diplomático, não excediam o Cabo Negro, tambem limite do reconhecimento marítimo ordenado por Martinho de Mello e Castro e effectuado em 1785 pelo tenente do mar António José Valente. E porque tal era a realidade das. cousas, esta realidade sobrepoz-se ao reconhecimento, mais comprehensivo, da Gran-Bretanha, e por isso, depois de 1817; como antes, continuaram os documentos officiaes emanados das nossas secretarias d'estado e os tratados nacionaes de geographia africana a considerar a província de Angola limitada pelo Cabo Negro, ou quando mais pela Bahia dos Tigres, pontos estes de que aliás continuava a distar muito a effectividade do domínio da corôa de Portugal.
Foi, ao que parece, o benemerito marquez de Sá da Bandeira quem primeiro cuidou de fazer concordar, não esse dominio, mas a sua cartographia, com a convenção luso-britannica; reconhecendo, porém, que o 18.° parallelo não era uma linha natural, traçada pela geographia physica, permittiu-se o desculpável arbítrio, de adiantar cerca de 24 para sul a fronteira angolense, dando-lhe o Cabo Frio, na carta que coordenou em 1863, por ponto de partida no litoral.
Esta demarcação não foi sujeita a nenhuma ratificação de governos estrangeiros; nos nossos archivos não se descobriu nem se arrecadou titulo nenhum de qualquer espécie que podesse impol-a ao direito internacional; e o venerando estadista que lhe transmittiu a sua auctoridade pessoal não a póde transportar da carta para o terreno, erigindo em Cabo Frio quaesquer monumentos ou padrões da soberania portugueza; no entanto, o consenso nacional admittiu-a e confirmou-a, como representando, ao menos, o limite das nossas pretensões, e os geographos e cartographos estranhos deixaram-na passar em julgado. E, assim, Angola ficou tendo uma fronteira meridional, o Cabo Frio, (18° 24 latitude S.) determinada pelo mappa official do marquez de Sá; outra, o parallelo 18° S., estatuída na convenção com a Inglaterra, de 1817; e uma terceira, as linhas extremas da zona da nossa occupação e influencia política, que pouco vieram a passar de Mossamedes, na costa, e do Humbe, na margem direita do Cunene, ao mesmo tempo que não tinha fronteira nenhuma acceita pelas potências a quem não obrigavam os antigos ajustes firmados entre Portugal e a Inglaterra.
Emquanto á delimitação da província por sueste, nem a própria cartographia tinha pretendido até agora marcal-a. Ainda hontem, em 1880, os nossos estabelecimentos estavam confinados pela margem direita do Cunene á altura da foz do Caculovar, para além da qual, se tínhamos extensas e íntimas relações commerciaes, só exercíamos os direitos precários e eventuaes que nos podiam alcançar, aqui e acolá, a força, os presentes e o magico prestigio do nome de Portugal; entretanto, força é dizel-o, esta concentração não significava uma renuncia á expansão, e portuguez nenhum admittia que o dominio da corôa estivesse ou devesse estar circumscripto ao território demarcado por esses estabelecimentos e coberto pela área da sua acção política. Pelo contrario, considerávamos-nos investidos, em relação ao interior da África, numa soberania nominal indefinida. Não pensávamos em traçar limites para os lados de leste e sueste, porque tínhamos lá Moçambique, o Zambeze, e até as memorias e as ruinas de Monomotopa, a chamarem-nos, a attrahirem-nos pêlo sertão dentro. Não tendo por esses lados vizinhança de nações européas ou de estados indigenas a que houvessemos de reconhecer os direitos de propriedade territorial, que a civilisação, e só ella, valida, reputávamos este estado de cousas como o mais commodo e proveitoso para nós: que mais podíamos desejar, realmente, do que ter às portas dos nossos presídios e das nossas feitorias uma região incommensuravel, á espera de que podessemos e quizessemos senhoreal-a e aproveital-a? Tinhamos ou julgávamos ter sobre ella direitos sem deveres actuaes, propriedade sem encargos nem responsabilidades presentes; tinhamos ali um sobrecelente de territorio nacional, uma reserva de colónias para dotação do nosso futuro.
E, diga-se, este modo de ver ambicioso era até certo ponto justificado, pois que não sabíamos, não podíamos saber, em que rio ou montanha, em que parallelo ou meridiano, cessavam as relações dos nossos commerciantes sertanejos, tinham parado as viagens dos nossos exploradores antigos ou modernos, haviam deixado de fructejar as sementes de influencia e prestigio derramadas pelos nossos antepassados até no coração da África, para decidirmos que ahi, e não mais adiante, havendo ainda terra adiante, devia terminar o dominio portuguez.
Mas esta situação, se era commoda e admittia justificações, não podia ser segura; algum dia haveriam forçosamente de perturbal-a desconfianças e sustos, inspirados tanto pelas duvidas que permittia a fronteira meridional de Angola como pela absoluta indeterminação dos seus limites de leste e sueste. Os sustos principiaram no meiado d'este século. Quando em Wahlfish-bay começaram a apparecer inglezes do Cabo, e esses e outros estrangeiros, caçadores de elephantes, exploradores de jazigos de cobre, missionários protestantes, se entranharam no sertão, e surdiram nas margens do Cunene, e devassaram o Cubango, e penetraram até á Donga, percebeu se em Angola que mais valeria á província ter fronteiras menos dilatadas e melhor definidas, que, embora lhe reduzissem a expansão, a defendessem de intrusões. Se não se chegou a temer que uma occupação inimiga a cerceasse pelo sul, receiou-se que uma occupação estranha a comprimisse contra a costa, cortando-lhe ou encurtando-lhe as communicações com o interior, onde borbulham as fontes e se juntam as correntes do seu commercio. Este receio não deve ter sido estranho á exploração do território entre o Cunene e o Cubango, emprehendida por Bernardino José Brochado, e ao reconhecimento á foz do Cunene, verificado pelo governador Fernando Leal; e posteriormente, talvez porque servisse de incitamento a tentativa, que em 1857 arriscou uma colonia allemã, de se fixar na Huilla, este ponto foi definitivamente occupado pelas auctoridades de Mossamedes, estendendo-se quasi simultaneamente a occupação ao Humbe e fortalecendo-se nos Gambos. Mas ainda então, e esta circumstancia é um indicio de quanto seria, senão irrealisavel, difficil, descermos até Cabo Frio, não passámos sequer para a margem esquerda do Cunene, nem diligenciámos acercar-nos do seu curso inferior; e comquanto os sertanejos mantivessem trato com o Bocusso e outras regiões marginaes do Cubango, este rio continuou a estar fora da nossa acção official, ficando tambem franqueado aos estrangeiros, que nos andavam a ornear, o fértil planalto que o separa do Cunene.
E este era ainda, com poucas differenças, o estado das cousas passados annos, em 1884. Nesta data, os perigos que antes se haviam esboçado em Wahlfish-bay, desenharam-se em ponte grande, correndo pela costa acima a abeirarem-se do Cabo Frio. O cônsul e commissario germânico n'aquelle porto inglez, o sr. dr. Göring, e os gerentes da companhia allemã da Africa Austral, adquiriram por compra as terras de alguns chefes namaquas, submetteram depois o soba dos dámaras ao protectorado do imperio, e a curto trecho esse protectorado prolongou-se pelo litoral desde o
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rio Orange até 18° 2' 7'' de latitude S., e espraiou-se para o sertão até Andara, absorvendo Angra Pequena e reduzindo á praia a possessão britannica de Wahlfish-bay. Este gravíssimo e inopinado acontecimento, que ao próprio governo de Inglaterra deu cuidados, preoccupou naturalmente o governo portuguez, apesar de seguro da lealdade e amizade do gabinete de Berlim, e sobresaltou, porventura exageradamente, as auctoridades e o commercio de Angola, bem como os nossos africanistas dedicados, alguns dos quaes se assustaram pelo futuro do porto de Mossamedes. A vigorosa acção colonisadora da Allemanha encontrava no seu caminho a província de Angola sem fronteiras reconhecidas por ella, e sem titulos nenhuns, dos que têem valor perante a sua jurisprudência colonial, á posse dos terrenos d'alem Cunene e do sul do curso inferior deste rio. De mais, esses territórios estavam sendo, mais do que nunca, tidos como banaes, salpicando-os ou sulcando-os a cada instante ondas e correntes de emigração do sul, tanto de indígenas como de colonos, ao mesmo tempo que sobre elles incidiam a curiosidade da sciencia e a cobiça do commercio e da industria mineira. Viajantes de todas as nações, entrados pela costa, ou saídos do Cabo, ou adiantados do Transvaal, esquadrinhavam assentos para novas colónias, e exploravam, ou tentavam explorar com pouca fortuna, as suas vias fluviaes, como fizeram Galton, Green, Andersson, Pelgrave, Hartley, Smuts, Hahn, Mayo e outros. Missões protestantes, inglezas e allemãs, diligenciavam submetter á sua influencia moral, e por ella á influencia política dos governos de que eram porventura instrumentos, os sobas do Ovampo e da Cuanhama. Planeava-se a fixação de colonias allemãs em zonas tão entranhadas no nosso domínio ou tão avizinhadas d'elle como Luceque. Por outra parte, os boers, e assim os de Humpata como os da região do Orange, punham as vistas nos Amboellas, no Bié e no Bailundo, appetecendo os seus campos, de bons pastos, para receberem os sobejos da população do Transvaal ou os dissidentes do seus governantes. Chefes namaquas projectavam, e chegavam a tentar, ao que parece, transferir-se com os seus povos para norte da terra de Dámara, o que porventura determinaria uma refluição dos ovampos para mais próximo ou mais dentro dos limites portuguezes; e bandos numerosos de hottentotes e bushmen, aguerridos na escola dos caçadores de elephantes e dados a viverem de roubos de gados e saques de libatas, affoitavam-se a subir por entre o Cunene e o Cubango, tendo já por mais de uma vez apparecido nas cercanias da Huilla. Accentuava-se, pois, um movimento de progresso dos povos da Africa Austral na direcção do norte e de encontro ao districto de Mossamedes, e era de prever que lhe daria novo impulso a occupação allemã, que necessariamente havia de produzir deslocações e embates, e de repellir os elementos da população que não podesse absorver.
Perante estes perigos e ameaças, o que naturalmente faria uma nação poderosa era, a toda a pressa, definir, onde estivesse indeterminada, a fronteira que lhe convinha e julgava poder adoptar, segural-a com actos de posse e guarnecel-a de meios de defeza. Sem ser poderoso e comquanto não receiasse violências nem perfidias, o governo portuguez alguma cousa emprehendeu n'este sentido. Cumprindo-lhe principalmente acautelar o plan'alto de entre Cunene e Cubango, que serve os concelhos sertanejos do districto de Mossamedes, o ministro dos negocios da marinha e ultramar deu instrucções, logo em 1885, para que uma expedição, organisada em Mossamedes e na Humpata, fosse ao Cubango arvorar a bandeira portugueza e estreitar relações com os sobas que encontrasse no seu trajecto; e se esta expedição, effectuada nos princípios de 1886, não logrou todos os resultados que della se esperavam, ao menos submetteu e castigou alguns potentados do alto Cunene e estabeleceu um posto de occupação em Cassinga, nas
margens do Chitanda, ponto que domina os caminhos do sul para o norte. Foi acertada esta determinação; ella própria, porém, faz notar a falta de outra semelhante, que facilitasse o proposito, depois revelado pelo governo nas negociações diplomáticas com a Allemanha, de fazer reconhecer o parallelo do Cabo Frio como limite portuguez. Se desejávamos, se julgavamos poder, e se de feito podíamos, manter similhante limite, apesar de separado da vanguarda da nossa occupação por vastos territórios em parte impenetrados, era no Cabo Frio, era na lagoa Etosha, era na terra ou no rio Ovampo, que nos cumpria ir praticar actos de soberania e lavrar títulos de posse que pudéssemos adduzir perante o gabinete de Berlim, tanto mais quanto, occupadas essas posições, protegidos ficavam os valles do Cunene e do Cubango e o interessante planalto que os separa. Mas se tão colossal empreza não foi tentada, nem proposta, nem alvitrada, é que a consideraram irrealisavel, tanto com os recursos da provincia de Angola como com os auxílios que de prompto lhe poderia facultar a metrópole, as próprias pessoas que aspiravam a levar o nosso domínio, não sómente ao Cabo Frio, senão até ao Karri-Karri e á fronteira dos Matabelles. Essas pessoas, nobre e patrioticamente ambiciosas, tiveram, pois, um ensejo de reconhecer de um modo pratico quanta disparidade havia entre as suas ambições e os meios materiaes de que o paiz dispõe para as satisfazer. Não nos sendo possível traçar no terreno, estabelecer de facto, as fronteiras de sul e sueste de Angola, como ajudou a proval-o a expedição de 1880, o governo não tinha motivos nem podia allegar pretextos para se recusar a entrar num accordo ácerca dellas com o governo allemão, quando assim lho propoz, em dezembro de 1885, o sr. barão de Schmidthals. A falta de accordo se nos deixava livre a acção para irmos fortalecendo os direitos ou validando as pretensões, tambem deixava desafrontada a acção da Allemanha, bem mais rápida e vigorosa. Evidentemente o accordo haveria de nos custar concessões, aliás pareceria antes imposição; mas a nossa intransigência seria temeridade, e temeridade sem a desculpa de uma profunda convicção do próprio direito. Mais nos valia moderarmos as aspirações do que arriscai-as todas. Dominando já em África em tão vastas regiões que quando considerámos nellas esmorece a nossa fraqueza, seria loucura recusarmo-nos a perder, ou a não adquirir, algumas léguas ou graus de sertão, do mais desfavorecido pela natureza e mais desconhecido pela civilisação, para a troco dessa duvidosa perda segurarmos ao districto de Mossamedes as communicações, os mercados, a zona natural de expansão e de defeza, de que precisa para realisar os felizes destinos que lhe estão promettidos. Ser-nos-ía mais vantajoso, talvez, termos preparado as negociações com as occupações, e reconhecimento dos direitos com os factos; mas o governo não podia mandar esperar a Allemanha á porta da secretaria dos estrangeiros e mandar parar os seus agentes em África. E se os negociadores não podiam considerar-se em termos de igualdade relativamente aos meios de que cada um dispunha para fazer valer junto do outro os seus interesses, a desegualdade ser-nos-ía mais sensível no terreno da concorrência, desobrigada de mútuos respeitos em África, do que no campo diplomático.
Mas, apesar d'essa desegualdade, a negociação foi felicíssima, no entender da vossa commissão. Os limites de Angola, que ella definiu, se na carta ficaram muito aquém das nossas aspirações, no interior alargaram-se para muito alem dos pontos que lhes marcavam habitualmente opiniões auctorisadas, e que não passavam do curso superior do Cubango. A carta do marquez de Sá da Bandeira não abrange, para leste, senão as povoações marginaes d'esse rio. Ainda em 1886, quando já tratávamos de nos acautelar contra as occupações estrangeiras, o governador geral de Angola, nas instrucções que deu á expedi-
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ção destinada ao Cubango, não duvidou declarar que lhe não parecia conveniente passar para leste d'esse rio; e todavia a convenção levou-nos de uma assentada ao Zambeze. Afigura-se-nos até que a linha fronteiriça que esse acto diplomatico estabeleceu, pelo menos até cortar o Guando ou Chobé, favorece melhor os nossos interesses bem entendidos do que essa outra, embora mais comprehensiva, que o ministerio dos negocios estrangeiros propoz no seu memorandum de 4 de agosto de 1886. Esse ministerio, entendendo, e bem, que lhe cumpria pugnar pelo direito ou
pretensão antiga de espraiarmos a provincia até ao Cabo Frio, julgou-se obrigado a tomar este accidente geographico como ponto de partida da demarcação que propozesse; e admittido elle, englobada no dominio portuguez a região que fica ao norte do Kaoko, a geographia physica e politica estavam indicando que a demarcação restante deveria envolver tambem o resto da facha comprehendida entre o Cunene e o Cubango ao norte, e ao sul o parallelo do Cabo Frio, a lagoa Etosha, o Ovampo e o Omaramba. Mas a verdade é que esta facha ficaria sendo como uma excrescencia da provincia, ligada a ella pela politica, mas d'ella separada pelo relevo orographico, pelo systema das aguas, pela etimologia, pela historia, pelas relações commerciaes.
Os riquissimos planaltos que constituem o sertão do districto de Mossamedes, por mais que se queiram prolongar, terminam nos rios onde se vão juntar as aguas que
D'elles escorrem, o Cunene e o Cubango; e no espaço comprehendido entre elles, onde faltam veios de agua que marquem os ultimos declives d'esses planaltos, estendem-se em grande parte desertos arenosos, pantanos e florestas impenetraveis, que tambem constituem uma divisoria natural. A população que predomina ao sul d'esses dois grandes rios é a dos ovampos, que pertencem ao mesmo ramo a bantu que os damaras e os hottentotes, cujo centro da area de habitat é na Africa Austral. Os commerciantes portuguezes do sertão vão, é certo, a toda a parte do continente negro; mas não passam habitualmente para o sul no valle do Cubango, Mocusso nem se adiantam no valle do Cunene para baixo do Humbe. As principaes relações mercantis dos ovampos são com os damaras e os namaquas, e por via d'elles com o Cubo e com Wahlfish-bay; um dos chefes dos damaras, Kamaherero, considera-os como seus vassalos; ao mesmo tempo, os estrangeiros a cuja convivencia elles estão mais habituados são os que os visitam vindos do sul, que é o foco de civilização que irradia, embora frouxamente, até á sua selvageria. E este conjuncto de circumstancias faz com que, na realidade, a terra de Ovampo, e as regiões que a marginam a este e oeste, estejam excluidas de facto, da unidade, do todo harmonico e homogeneo, do districto de Mossamedes, com o qual nem sequer têem communicação facil, como o prova a quasi impossibilidade em que se têem visto, tanto os exploradores saídos do nosso territorio de penetrarem para baixo do Cunene ou do Cubango, como os viajantes partidos do sul de transporem estes rios na disrecção do nortes. Ainda recentemente os srs. Capello e Ivens, apesar da sua interpidez, desistiram de descer para alem do Humbe embora desejassem explorar o curso inferior do Cunene, e no Cubango mal chegaram ás alturas da Cafima.
Valer-nos-ía a pena, porém, violentar as fronteiras naturaes da região em que estamos estabelecidos para collocar as fronteiras politicas no Cabo Frio e no rio Ovampo?
Parece-nos que não. Para oeste da terra de Ovampo, o paiz, a julgar pelo pouco que d'elle se sabe, é pobre, escasso de população, quasi sem agricultura, e infestado por salteadores hottentotes; para leste, onde não é inteiramente desconhecido, é tão desfavorecido da natureza que o engeitam os proprios indigenas, sendo n'umas partes desprovido de aguas, n'outras pantanoso, e em muitos logares ouriçado de florestas, que oppozeram formidavel resistencia a Andersson quando cortou da damba Ovampo pura o seu Okavango. A parte mais util, populosa, rica, agricultada, commercial que fica entre as duas fronteiras, a proposta e a acceita, no seu traçado mais occidental, é, pois, o paiz dos ovarnpos; mas se o perdemos, ou antes se o não adquirimos, podemos consolar-nos com a certeza de que não seria facil avassalal-o, e de que a sua conservação custar-nos-ía luctas incessantes e despendios enormes, sem contar que a nossa soberania sobre elle envolver-nos-ía em inevitaveis conflictos com os poderosos damaras e os seus protectores actuaes.
De mais, a linha do Cabo Frio e do Ovampo tinha a desvantagem de não tendo barreiras naturaes, pôr os nossos dominios em contacto immediato com esse formigueiro de povos, com esse vespeiro de emigrantes, com essas aventuras de colonisação, que vão correndo do sul para o norte. No norte do Kaoko, ficariamos encostados aos damaras, que trazem pendencias com os namaquas, cujo chefe Witteboy já pretendeu romper por entre os seus vizinhos para se alojar ao norte d'elles; isto é, em territorio que seria nosso. Na lagoa Etosha teriamos nas cercanias o território onde já se estabeleceu uma republica de boers, a Upingtonia, á qual se attribuiram intenções hostis para com a colonisação germanica. Estas posições sujeitar-nos-íam, pois, a sermos envolvidos nas luctas, nos conflictos, nas dissensões, e até nas ciladas e manobras de vizinhos inquietos ou poderosos, e a recebermos o embate dos movimentos que a occupação dos allemães forçosamente hão de provocar na Africa Austral. Ao mesmo tempo, desde que acceitassemos direitos de soberania n'uma região como essa, contigua ás margens sul do Cunene e do Cubango, que é um dos theatros mais frequentes e dos mais constantes centros de operações das quadrilhas de hottentotes e bushmen, essa soberania custar-nos-ía o encargo e a responsabilidade, que os vizinhos civilisados não deixariam de querer tornar effectiva, de uma policia que seria quasi impossivel até para uma grande poda tencia militar.
Pelo contrario, a fronteira estabelecida na convenção, como que isola, em quasi todo o seu percurso, os territotorios portuguezes, deixando ficar entre elles, - a não ser no ponto em que se avizinham da terra de Ovampo, - e as regiões irrequietas da Africa Austral, uma zona em grande parte erma, insalubre, bravia, que ha de resistir por muito tempo á colonisação europêa, sendo provavel que a emigração do sul salte por cima d'ella, como já saltaram os boers que se estabeleceram na Humpata, e que os allemães por muito tempo não consigam fixar-se ali. Os cursos do Cunene e de Cubango, na parte em que atravessam a Africa nos sentido dos de leste e oeste, formam, pois, mais do que uma fronteira, formam uma linha de defeza, uma zona de protecção, que, se é interrompida ao norte do paiz do Ovampo, ahi mesmo póde ser fechada, embora a distancia, pelos estabelecimentos portuguezes. No relatorio em que o chefe de Humpata, o tenente Arthur de Paiva, propoz a occupação de Cassinga na margem do Chitanda, diz este intrepido official: «A occupação d'este ponto póde obstar, não só ás costumadas correrias dos cuanhamas é hottentotes nos Ambuellas e Galangue, como a qualquer invasão estrangeira, que, para se apossar dos Sambos e outros pontos do norte, tem necessariamente de passar por ali, se vier do sul. Tambem, pois, no espaço entre os dois rios, onde a fronteira convencionada não é uma barreira natural, tem o nosso territorio facil defeza; e este conjuncto de circumstancias é de uma vantagem inapreciavel para um paiz, como o nosso, que não dispõe de elementos militares sufficientes para os poder dispersar por vastissimos dominios.
A commissão não lamenta, pois, que o governo não podesse fazer acceitar a linha de limites que propoz no seu memorandum de 4 de agosto de 1885, na parte formada pelo cordão orographico que corre do Cabo Frio para leste, e pelo Ovampo e Omaramba. Emquanto á parte mais oriental da demarcação, reconhece que teria sido para desejar
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que ella, ao encontrar o Guando ou o Chobé, lhe seguisse o curso até ao Zambeze, conforme indicou o memorandum do ministerio dos negocios estrangeiros de 22 de setembro de 1886. Nascendo o Guando em territorio portuguez, e sendo o rio, Guando ou Chobé, que vae lançar-se no Zambeze ao sul dos Barotse, ao que se suppõe navegavel até á foz, justificadas foram as diligencias feitas pelo governo para o conservar em todo o seu curso dentro da nossa fronteira; entretanto, não convinha de certo correr o risco de romper as negociações com a Allemanha por causa da posse de uma via de communicação quasi inutilisada pelo facto de ir desembocar na região do Zambeze mais interceptada por cataractas e rápidos, e por causa de alguns kilometros quadrados d'esse valle dos Barotse, que é, no conceito dos exploradores, um dos tractos de terra africana mais defendidos contra a invasão europêa por pestes e pragas. Tambem não parece curial que, tendo a Allemanha acceitado para fronteira o Cubango, reservasse para si o dominio sobre Andara, situada na margem septentrional, na margem portugueza, d'esse rio; a reserva, porém, explica-se por terem os agentes allemães, anteriormente á convenção, avassalado o soba da localidade, e não possuir Portugal nenhum titulo mais valioso do que o d'esse avassalamento com que o podesse contraditar; e ainda mais cabalmente se justifica a accedencia do nosso governo a essa combinação pelo desejo que o animava de mostrar, pelos interesses e pelos melindres da outra parte contratante, todas as deferencias e condescendencias que a dignidade nacional não excluisse. Não podia ser outro o sentimento dos negociadores portuguezes, e Andara, perdida n'uma região onde provavelmente só muito tarde poderia chegar a nossa acção politica e civilisadora, e inteiramente arredada dos nossos caminhos commerciaes, não merecia que se lhe sacrificasse a minima das vantagens e seguranças que ha direito a esperar de um accordo sincero e de uma vizinhança amigavel com a Allemanha.
A vossa commissao considera, pois, o artigo 1.º da convenção sobre que está emittindo parecer como inteiramente honroso e proveitoso para Portugal, folgando de que possa ter tão feliz termo á perigosa situação de incerteza em que se achavam os limites meridional e oriental do districto de Mossamedes. E a, convenção, cumpre notal-o, não sómente deve debellar os perigos e as contestações que ameaçavam, quando não os nossos direitos adquiridos, as nossas faculdades de adquirirmos outros, senão que ficará sendo uma segurança e uma defeza para o dominio que nos reconhece, impedindo que entre elle e o da Allemanha se intrometiam novos occupantes. Reconhecimentos de soberania ha que, quando feitos apenas por uma potencia, não obstam só por si a que os inutilise de facto o não reconhecimento de outras potencias; mas este que se obteve do gabinete de Berlim, em virtude das circumstancias geographicas e politicas do territorio sobre que versa, não está subjeito a ser contestado por terceiros, pelo menos relativamente á fronteira meridional que nos ficou, porque nenhuns ha que possam ter interesse, na contestação. Deriva d'elle, portanto, uma posse definitiva e pacifica, que é de esperar que não tardará a ser sanccionada por toda a Europa.
Esta vantagem valia, por certo, algumas concessões de territorios, principalmente por parte de quem de tantos dispõe e tão poucos utilisa; mas na realidade não custou um palmo de terra de que devessemos esperar, por a termos semeado, uma arvore de fructo, ou em que houvessemos plantado um palmar. A região ingrata que renunciámos não estão vinculados interesses nacionaes do presente nem glorias do passado. A historia patria não lhe conhece senão a costa, onde, aqui e acolá, os navegadores de outras eras escreveram nomes geographicos portuguezes, que os estrangeiros traduziram mas não obliteraram; os nossos exploradores só de longe a têem avistado. Não lho podemos ter affecto nem d'ella precisâmos. A fronteira convencionada conserva dentro dos seus marcos, não sómente todas as condições de segurança, de desafogo e de prosperidade commercial de que podem precisar o districto de Mossamedes e a provincia de Angola, senão tambem os elementos territoriaes necessarios á fundação d'esse grande imperio africano, estendido entre oceanos, com que tem sonhado o nosso patriotismo. Todo o sertão, ainda não occupado por europeus ou incluido no estado livre do Congo, com que habitualmente commerciam já, e onde podem encontrar mercados, os concelhos de Mossamedes, da Huilla, dos Gambos, da Humpata, do Humbe, ou ficam sendo portuguezes ou ficam fóra da esphera da acção dos allemães, e não sáem do nosso dominio, real ou facultativo, nem sequer os dois caminhos do Bocusso traçados na carta de Sá da Bandeira, o antigo, pela Cafima, e o moderno, pela margem esquerda do Cubango. A populosa Cuanhama, que a Capello e Ivens pareceu destinada para nucleo de um poderoso estado indigena, e donde, não ha muito, foi arrancada a bandeira portugueza por suggestões de missionarios protestantes, estará de futuro abrigada de influencias hostis á nossa. Os biénos, em cujo planalto tão urgente é que se consolide a soberania de Portugal, podem proseguir nas suas viagens e explorações, em que raro descem do 15.° parallelo, sem nunca encontrarem diante dos passos o cordão dos dominios germânicos. Os caminhos de costa a costa, pelo Zambeze, e tanto os conhecidos como os possiveis e os desejados, continuam a correr todos em regiões a que já podemos chamar nossas ou que a Allemanha não impedirá que o sejam: pertencem-nos, nos termos da convenção, as Amboellas, a Cangamba, os valles do Cuite, do Guando, do Ninda, e não nos fica embargado o progresso no Lobale, nas margens do Lungué-bungue, no Lialui, ao longo dos interessantes cursos do Cabompo, do Cafué, do Loangôa, para ahi escolhermos o melhor itinerario para o Zambeze medio e inferior e para a costa oriental. A provincia de Angola fica, portanto, com todas as suas communicações livres, conserva franco accesso a todos os mercados interiores que melhor lhe podem abastecer os portos, continua a ter uma area de dilatação que só por si contentaria as ambições coloniaes de um grande estado. E para que o nosso susceptivel brio nacional não tenha de soffrer a minima contrariedade, até as linhas penteadas que assignalam nas cartas africanas as gloriosas viagens dos exploradores portuguezes contemporaneos, não são cortadas por nenhuma fronteira estranha, senão no logar em que uma d'ellas se confunde com o traço profundo da exploração de Livingstone, no valle dos Barotse.
Passando ao estudo do artigo 1.° da convenção ao do artigo 2.°, em que se marcam os pontos e as linhas geographicas que no nordeste da Africa separarão as possessões portuguezas das allemãs, a vossa commissao permitte-se igualmente recommendar esse artigo á approvação legislativa. A convenção de 28 de julho de 1817 com a Gran-Bretanha, limitou no Cabo Delgado a nossa provincia de Moçambique; a que estamos examinando fez subir esse limite para o Rovuma, e estendeu-o pelo M'sinje até ao Nyassa. Não podiamos aspirar a maior dilatação n'esta parte do continente, onde duas grandes potencias da Europa têem disputado uma á outra e ao sultanado de Zanzibar a terra a palmos e a influencia politica dia a dia.
O artigo 3.° não é dos menos importantes da convenção, dadas as legitimas aspirações de Portugal a ligar pelo interior as suas provincias de Moçambique. O compromisso acceito pela Allemanha, que e hoje a nação europêa que mais arrojadamente se abalança a emprezas coloniaes e menos timida se mostra para com as pretensões soberanas dos outros povos, a nunca metter acquisições e protectorados seus entre essas provincias, importa a segurança de que essas aspirações não serão estorvadas por quem menos obrigado era, por actos diplomaticos ou antigos compromissos de amizade e alliança, a respeital-as e consentil-as, sem
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contar que tambem significa, moralmente, uma honrosa deferendia para com Portugal, considerado como nação colonial. Depois da propaganda de descredito, emprehendida contra nós e perante a Europa por tantos africanistas estrangeiros que têem figurado os nossos dominios ultramarinos como segregados á civilisação, podemos considerar com um desaggravo o accordo pelo qual o governo do imperio, um dos mais auctorisados representantes d'essa civilisação, deixa á nossa acção tutellar e á nossa cultura progressiva uma zona vastissima do continente negro, sem que a isso a compellissem direitos historicos inconfutaveis ou titulos de posse indiscutiveis.
As clausulas dos artigos 2.° e 3.° compensariam, pois, qualquer desvantagem que importassem para a nossa soberania as disposições do artigo 1.° Mas na realidade nenhuma ha a lamentar. É duvidoso que a região que se estende para o sul da fronteira, convencionada até Cabo Frio, possa algum dia remunerar a sua occupação e colonisação; mas, em todo o caso, a fazenda, as vidas, os es forços e os sacrificios que ella nos custaria se ficasse sendo nossa, mais proveitosamente se empregarão no planalto da Huilla e na região do Bié, ajudando esses oasis da Africa, collocados no caminho da colonisação do sul, mas onde a productividade do solo está quasi inutilisada pela difficuldade das communicações com o litoral, a darem ás outras possessões ultramarinas de Portugal o exemplo, que tão preciso está sendo, de contribuir para a prosperidade da metropole. E se porventura nos tenta a cobiça o commercio do Ovampo e de outras terras que não podemos segurar, temos um meio, a que quaesquer barreiras aduaneiras difficilmente obstarão, de lhes encaminhar o maior movimento para o porto de Mossamedes, ou para outros que venham a aproveitar-se entre elle e a foz do Cunene: é construir a linha ferrea, porventura a primeira que se devia ter emprehendido na Africa portugueza, para a Huilla e até ao Humbe, linha que a esta hora está sendo estudada, ao que se diz, com felizes e inesperados resultados. Ligado assim o nosso territorio com o oceano, o districto de Mossamedes nada terá que receiar, commercialmente, da vizinhança e concorrencia dos allemães, que têem a embargar-lhes as prosperidades na Africa austral a falta absoluta de portos no extenso litoral que senhoreiam. De Table-bay para o norte, a não ser Wahlfish-bay, todos os portos, todas as enseadas, todas as angras, que o vento e as correntes do sudoeste não entulharam de areias, são, e depois da convenção continuam a ser, portuguezes.
Esta consideração, senhores, contribue tambem para que a commissão não hesite em recommendar á vossa acquiescencia a seguinte:
Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o convenio entre Portugal e a Allemanha sobre delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional, assignado em Lisboa aos 30 de dezembro de 1886.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 7 de junho de 1887. = Joaquim Alves Matheus = Vicente R. Monteiro = J. Frederico Laranjo = J. P. de Oliveira Martins = Carlos Lobo d'Avila = José de Saldanha Oliveira e Sousa = João Eduardo Scarnichia = Antonio Ennes, relator.
N.º 107-Q
Senhores.- A conveniencia de definir e precisar claramente os limites sul da nossa hoje mais que todas importante e vasta provincia africana de Angola, conveniencia desde muito reconhecida pelos governos da metropole e provincial, tornara-se desde fins de 1884 uma necessidade de inadiavel satisfação.
Permanecêra até esse anno fora de toda a soberania ou posse por parte de um estado civilisado, salvo em um ou outro ponto da costa, a vasta região comprehendida entre o Cabo Frio e o rio Orange.
Já pela natureza dos terrenos d'essa região, já por ser tão ampla a nossa livre esphera de expansão pelos sertões de Angola, Benguella e Mossamedes, nunca Portugal pensára em occupar ou por outra fórma assegurar dominio n'esta parte de Africa.
A conservação d'esses territorios no estado de rés nullius, emquanto pelo menos a dominio n'elles exercido por parte de potencia europêa, era para nós uma completa garantia de que interesses vitaes da provincia de Angola, no que respeita ás feracissimas e importantes regiões do sul, as mais proprias para admittir e deixar prosperar o elemento europeu, não seriam ameaçados por uma possivel invasão vinda das terras para alem do Cunene.
Modificadas, porém, em 1884 as condições politicas d'essas regiões, o governador de Angola, o sr. Ferreira do Amaral, de accordo com as instrucções de Lisboa, diligenciou logo no anno immediato definir com mais clareza e accentuar melhor a nossa posse e dominio nos territorios situados entre o Cunene e o Cubango e ainda no paiz dos Ambuellas. Com a terminação da guerra do Nano ficára, em paz o districto de Benguella, e essa circumstancia favorecia a expedição organisada em principios de 1885 para aquelle fim.
Á frente d'essa expedição fora collocado o capitão João Ernesto Henriques de Castro, muito conhecedor do sertão de Benguella, e que deveria em Caconda organisar uma columna volante, a qual esperaria ali os boers de Humpata para esse fim reunidos sob o commando do tenente Arthur de Paiva, devendo seguir todas as forças expedicionarias de Caconda em direcção ao Cubango e ao paiz dos Ambuellas.
Não teve inteiro exito esta expedição. Alcançou-o melhor outra mais limitada em pessoal e recursos, cujo commando foi igualmente confiado ao tenente Paiva.
De ambas as vezes se encontraram, porém, vestigios de exploração e tentativas de alargamento de influencia por parte de subditos estrangeiros, tentativas que chegavam até Luceque, e que justificavam completamente as instancias repetidas vezes feitas para a metropole e para Loanda pelos governadores geraes e conselho do governo, e bem assim pelo governador de Mossamedes, para assegurar por um convenio internacional o limite sul da provincia.
Uma duvida levantada na Europa entre os governos de Portugal e Allemanha sobre constituir o Cabo Frio ou o parallelo de 18° esse limite junto á costa, offereceu occasião ao governo imperial para em 1 de dezembro de 1885 manifestar o desejo de encetar comnosco negociações tendentes a definir com mais rigor a esphera de interesses de ambos os governos nas regiões proximas da costa sueste de Africa.
Mais tarde, em 27 de julho do anno findo, encetou-se com effeito essa negociação em uma proposta allemã, que indicava o rio Cunene como limite natural entre as possessões dos dois estados, seguindo o mesmo limite por esse curso de agua desde a sua foz até á margem fronteira do posto portuguez de Humbe, e sendo constituido d'ahi em diante por um parallelo prolongado para o interior, salvo a necessidade de quanto possivel se ter em vista na fixação da fronteira acima determinada as confrontações dos estados indigenas.
A esta proposta contestou o governo portuguez affirmando, como lhe cumpria, o seu direito até ao parallelo do Cabo Frio, e substituindo á fronteira indicada pelo governo do imperio uma outra que, adaptando-se quanto possivel aos accidentes naturaes do terreno, se achava, em seu entender, mais de accordo com a situação das cousas em Africa, no que respeita ao dominio colonial das duas potencias.
Acrescentou, porém, o governo que essa sua contra proposta poderia sofrrer importantes modificações, caso fosse possivel ao governo imperial ampliar ás possessões
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reciprocas dos dois estados na costa de oeste as disposições do novo convenio, no qual deveria tambem ficar consignado o solemne reconhecimento por parte da Allemanha da exclusiva faculdade, reservada para Portugal, de ampliação de dominio e alargamento de influencia nas vastas regiões da Africa central situadas entre as nossas provincias de Angola e Moçambique.
A annuencia por parte do imperio a estas duas condições trouxe comsigo a necessidade de acceitar, como compensação offerecida á Allemanha, a delimitação junto á costa Occidental pelo curso do Cuncne, não até o Humbe, o que traria inconvenientes manifestos, mas unicamente até ás primeiras cataractas d'este rio; seguindo d'ahi a fronteira por um parallelo até proximidades de Carora no Cubango, e constituindo em seguida o curso d'este rio, primeiro na direcção sul e depois para oeste até Andara, e d'ahi um parallelo até ao Zambeze nos rapidos de Catimo, o limite entre as regiões por onde poderá de futuro exercer-se livre e desembaraçada a acção civilisadora das duas potencias.
Liga o governo consideravel importancia ao convenio ou declaração assignada em Lisboa em 30 de dezembro ultimo. Não só contribuo elle para assegurar de modo solemne limites naturaes para o sul de Angola e norte de Moçambique, não só vem affirmar de novo por intermedio de uma das nações mais poderosas do mundo o respeito pelos titulos que temos adquirido a fazer valer a nossa acção e a accentuar o nosso dominio em uma das mais extensas e ricas zonas da Africa tropical, mas ainda põe em toda a luz a boa voatade reciproca e a consideração mutua subsistentes entre Portugal e a Allemanha.
Valiosos em todo o tempo esses sentimentos de cordialidade adquirem actualmente, dadas as relações de vizinhança dos dois povos na Africa, uma importância sobre a qual se torna do todo o ponto inutil insistir.
É por todos estes motivos que o governo vem hoje confiadamente submetter á vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o convenio, entre Portugal e a Allemanha sobre delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional, assignado em Lisboa aos 30 de dezembro de 1886.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho de 1887. = Henrique de Barros Gomes.
Declaração entre os governos de Portugal e da Allemanha sobre a delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional
O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e o governo de Sua Magestade o Imperador da Allemanha; animados de identico desejo de estreitar ainda mais as relações amigaveis existentes entre Portugal e a Allemanha, e de assentar uma firme e segura base para a pacifica cooperação das duas potencias no intuito de desenvolver na Africa a civilização e o commercio; resolveram estabelecer na Africa meridional limites definidos, dentro dos quaes cada uma das duas potencias tenha plena liberdade de acção para o constante progresso da sua actividade colonisadora.
Para este fim os abaixo assignados, Henrique do Barros Gomes, do conselho de Sua Magestade Fidelissima, e seu ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, e o conselheiro de legação Ricardo de Schmidthals, enviado extraordinarioe ministro plenipotenciario de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, devidamente auctorisados, convieram, em nome dos seus governos, nos artigos seguintes:
Artigo 1.° A fronteira entre as possessões portuguezas e allemãs no sudoeste de Africa seguirá pelo curso do rio Cunene flesde a sua embocadura até ás cataractas que aquelle rio forma no sul do Humbe, ao atravessar a serra Canná. Deste ponto em diante seguirá o parallelo até ao rio Cubango, d'ahi o curso d'este rio até o logar de Andara, que ficará na esphera dos interesses allemães, e d'este logar seguirá a fronteira em linha recta na direcção de leste até os rapidos de Catima no Zambeze.
Art. 2.° A fronteira que a sudoeste de Africa fica separando as possessões. portuguezas das allemãs, seguirá o curso do rio Rovuma, desde a sua foz até á confluencia do rio M'sinje, e d'ahi para o oeste o parallelo até á margem do lago Nyassa.
Art. 3.º Sua Magestade o Imperador da Allemanha reconhece a Sua Magestade Fidelissima o direito de exercer a sua influencia soberana e civilisadora nos territorios que separam as possessões portuguezas de Angola e Moçambique, sem prejuizo dos direitos que ahi possam ter adquirido até agora outras potencias, e obriga-se, em harmonia com este reconhecimento, a não fazer n'aquelles territorios acquisições de dominio, a não acceitar n'elles protectorados, e, finalmente, a não pôr ahi quaesquer obstaculos á extensão da influencia portugueza.
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves toma sobre si identicas obrigações, no que respeita aos territorios que, segundo os artigos 1.° e 2.° d'este convenio, ficam pertencendo á esphera da acção da Allemanha.
Art. 4.° Os subditos portuguezes nas possessões allemãs de Africa, e os subditos allemães nas possessões portuguezas africanas, gosarão, no que respeita á protecção de suas pessoas e bens, á acquisição e transmissão de propriedades immobiliarias e ao exercicio de sua industria, do mesmo tratamento, sem differença alguma, e dos mesmos direitos dos subditos da nação que exercer a soberania ou o protectorado.
Art. 5.° O governo portuguez e o governo allemão reservam-se negociar ulteriormente accordos especiaes que facilitem o commercio e a navegação e regulem o trafico nas fronteiras das suas possessões africanas. = (L. S.) = Barros Gomes = (L. S.) = Schmidthals.
Artigo addicional
Este convenio entrará em vigor e será obrigatorio para os dois governos depois de approvado pelas côrtes portuguezas, e officialmente publicado nos dois paizes.
Feito e assignado em duplicado em Lisboa, aos 30 dias de dezembro de 1886.= (L. S. ) = Barros Gomes = (L. S.) - Schmidthals.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho de 1887.= A. de Ornellas.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Sr. presidente, vou discutir o tratado que a nação portugueza acaba de fazer com o imptrio allemão para a delimitação da fronteira sul da sua provincia de Angola.
Ao entrar n'esta discussão começo por declarar á camara, que sinto um tal qual embaraço, que deriva não só da grandeza do assumpto que se debate, mas que tem tambem rasão de ser na minha maneira especial, toda pessoal, de pensar sobre cousas coloniaes.
Eu, sr. presidente, não sou systematico na defeza do regimen colonial tal qual e comprehendido e realisado era Portugal. Não sou partidario incondicional da manutenção d'este regimen porque entendo que a nação, onde não abundem riquezas, não possa entreter com colonias que não remunerem largamente em generos e dinheiro os esforços, que com ellas se façam. O melhor que ha a fazer então, é alienal-as com habilidade. Esta maneira de ver, esta maneira de sentir, que ou tenho, nem é nova, nem deve ser estranha á camara; ha dois annos foi ella aqui brilhante-
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mente sustentada por mais de um orador, e as rasões então adduzidas levam-me a pensar ainda hoje, que as nações pequenas não podem ter senão restrictas colonias, para se não enfraquecerem em esforços e sacrificios que esgotam a metropole se ficam sem compensação.
Ha dois annos discutiu-se a organisação do Congo portuguez. Na conferencia de Berlim haviam sido reconhecidos, por parte das potencias, os direitos de propriedade de Portugal, a uma zona collocada na margem direita do Zaire. Para effectivar essa posse, uma das principaes medidas que o governo portuguez entendeu dever trazer á camara foi a regulamentação do nosso dominio n'essa porção de margem direita do Zaire.
N'essa occasião tomei a palavra sobre o assumpto e expuz franca e largamente, despido inteiramente de considerações de ordem politica, manifestando-me contra as idéas do ministerio que então se sentava n'essas cadeiras, e que eu apoiava. Sustentei então que aquella região, collocada na margem direita do Zaire, não podendo ser uma rendosa feitoria, nem uma fazenda proveitosa, não podendo ser ao mesmo tempo um centro de adaptação das populações europêas ao clima africano não comprehendia como nós fossemos comprometter esforços, dinheiro e vidas, só para termos bons cabindas ao serviço da nossa armada.
Eram estas as minhas idéas de então, e espero que o futuro as confirmará.
Ha poucos dias ainda que prestou juramento nas mãos do sr. ministro da marinha, o novo governador do Congo; aguardaremos os seus trabalhos e os seus relatórios para verse até que ponto era propheta nas minhas supposições.
Sustentar colonias unica e exclusivamente como padrões gloriosos do passado e como testemunhos permanentes na historia e no tempo do que se fez de grandioso e quanto se é impotente hoje para fazer o que é util, poderá ser poetico mas é pouco proficuo.
E as nações que, fóra d'esta corrente de utilitarismo moderno, do utilitarismo colonial, se deffinham abraçadas aos seus padrões gloriosos, morrem suffocadas e estranguladas pelas exigencias da civilisação da Europa que tão avessa é a gloriolas.
E não se imagine que estou phantasiando.
O movimento geral da Europa está chamando vivamente a attenção de todos aquelles que se dão ao estudo da sociologia, e tentam explicar esta emigração universal da raça ariana á descoberta de novas terras.
Raro paiz escapa a esta voracidade de novas conquistas, de novas apropriações de territorios.
A Inglaterra, como que estrangulada na sua cinta aquosa, como se trasbordasse n'um excesso de população, dilata-se por todas as regiões do inundo, tendo já apropriados 300.000:000 de habitantes de todas as raças..
A Russia nos raros intervallos que lhe deixa a systematica realisação do dourado sonho do seu extraordinario fundador, dilata-se para a Asia, e, para o sul, ameaça o imperio britannico da India e para este, transpostas as barreiras do Amur, alastra pelos campos da Manchuria.
A França gloriosa e militar, de espirito tão apparentemente avesso aos modernos problemas coloniaes, sustenta guerras, nem sempre gloriosas, mas sempre despendiosissimas, nos confins do Oriente, estabelece o seu dominio em Madagascar e em Obok e trata com Portugal a delimitação dos seus territorios na costa occidental da Africa.
E até a Italia, o paiz das bellas artes, em cima do qual parece pairar ainda o espirito idealista do Dante, se aventura nos areaes do Mar Vermelho, em cata d'aquelles formosos valles onde murmuram os rios fecundantes da Abyssinia.
E a Allemanha que ha poucos aunos ainda pela voz do seu chanceller entendia que a melhor colonia de Inglaterra não valia um osso do mais miseravel dos seus pomeranios, por processos seus, expeditos e pouco cortezes, arrisca-se a uma guerra com a Hespanha pela posse de um pequeno trato de terreno na Oceania, o vem tratar com Portugal a delimitação da nossa fronteira sul de Angola pela qual entestâmos já com as suas colonias na Africa meridional.
E como se vê uma emigração universal da Europa que não póde justificar-se, só pelos caprichos dos seus homens de estado, desejosos de perpetuar o nome com as glorias da conquista.
Ha causas de outra ordem, filhas da ambição e do industrialismo invasor que caracterisa as modernas civilisações tão differentes no caracter das civilisações primitivas, que formadas onde o clima era suave e generoso e pagava com usura todos os esforços, por isso mesmo ficaram n'um periodo imaginativo, e como que estagnaram, porque nenhuma das outras faculdades podia desenvolver-se n'aquelle meio.
E a esta influencia não podia eximir-se; o homem que ha de ser sempre o melhor dos productos do meio em que existe.
As civilisações secundarias formadas em terrenos menos generosos, ao mesmo tempo que transpozeram mais depressa, esse periodo imaginativo, tornaram-se por isso mesmo mais proprias para a lucta da civilisação, attingindo, para logo, este periodo scientifico moderno, na qual as actuaes gerações se affirmam por um desejo de saber, e pela necessidade de satisfação de prazeres materiaes e de gosos que só podem ser realizados pelo industrialismo.
E é por este modo que, se deve procurar a origem da corrente moderna d'este industrialismo que procura hoje encontrar novos mercados fóra da Europa, onde não ha consumo sufficiente para o excesso de producção.
É necessario procurar, novas terras; mas é necessario tambem ir levar como factor economico e de civilisação a regiões inhospitas todos es elementos de prazer material. Este é o lado philantropico da questão.
Não é só ainda a necessidade de abrir novos mercados, mas tambem a urgencia de ir procurar para as industrias sempre crescentes as substancias que a Europa não podia fornecer-lhe em abundancia, como a guta percha, o cautehou, o Indigo, e todas as mais substancias gordorosas e amylacias que a Europa não póde dar em quantidades que bastem.
Não é só ainda a necessidade de ir procurar estes elementos de industria, é a necessidade de buscar subsistencias; e assim é que vamos buscar o trigo ao Egypto, o arroz á Birmania, e quem sabe que numero de subsistencias nos estará reservando o futuro que vamos pedir ás nossas possessões africanas.
Portugal não podia ficar estranho diante d'este movimento, porque ficava ameaçado na sua concorrencia com as nações estrangeiras, e d'ahi provém a necessidade de fazer tratados offensivos e, defensivos que tenham por base a separação do que é nosso do que é dos outros, e creio que é este o pensamento que presidiu ao tratado que estamos a discutir.
Para apreciar a maneira como este tratado foi conduzida em todas as suas phases, eu não tenho outros elementos alem dos que foram fornecidos pelo Livro branco ha pouco distribuido, e como commentario, na maneira de avaliar o procedimento do governo estrangeiro com quem negociámos, não tenho senão o habilissimo discurso pronunciado ha dois annos n'esta casa pelo sr. Barros Gomes, actual ministro dos negocios externos.
Ha dois annos, quando se discutia a resposta ao discurso da corôa que alludia á conferencia de Berlim, ainda então aberta, s. exa. fez aqui um notabilissimo discurso, memoravel pela erudição e polo saber, de que era relevante prova.
Volvidos dois annos, hoje, fui ler esse discurso com á attenção igual aquella com que então o ouvi, e se n'elle não encontrei de uma maneira clara e preceptiva o modo de tratar com as nações poderosas entretanto as censuras
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de s. exa., a magna de que estava possuido pela maneira como tinhamos sido abandonados pela Inglaterra, e pela confiança cega que tinhamos depositado na nossa antiga aluada, mostram que é sua opinião que devemos sempre acautelar-nos contra as nações estrangeiras, que só dão para garantia dos tratados que fazem com as nações pequenas a sua generosidade, que nem sempre é grande e muitas vezes pouco efficaz.
É com a luz que dimana do discurso do sr. Barros Gomes que eu vou apreciar as negociações entaboladas para a delimitação das fronteiras meriodinaes da nossa provincia de Angola.
As pretensões da Allemanha aos territorios ao sul do, Cunene datam de 1884.
Em 5 de setembro d'aquelle anno o commandante do navio allemão Elisabeth participava ao governo do seu paiz, que a 7 de agosto tomára posse do territorio situado, desde o rio Orange até Cabo-Frio, isto é, até 18.° 24 ao sul do Equador.
Participava mais n'essa occasião que deixara apenas uma estreita orla de terreno sobre o qual a Inglaterra já tinha incontestavel direito, que era o terreno de Walfisch Bay.
E facto muito para notar que a Inglaterra, ameaçada nas suas pretensões á posse d'aquelles terrenos, logo que teve conhecimento da occupação de Angra Pequena, pensou em circumscrever o dominio allemão, a estes territorios, e, por intermedio do governo do Cabo, assim o deu a entender.
Mas a Allemanha retorquiu que tivera pensamento identico e a altaneira Inglaterra teve de ceder.
O sr. Schmidtals, ministro da Allemanha em Lisboa, participava com a data de 18 do outubro de 1884 ao sr. Barbosa du Bocage, então ministro dos negocios estrangeiros de Portugal, que a Allemanha occupára os territórios entre Cabo Frio e o rio Orange, tomando Cabo Frio como limite sul da possessão portugueza.
Como não tenho outros documentos para justificar o que estou dizendo senão o Livro branco, é possivel que haja lacunas na minha exposição porque deve ter havido uma, serie de negociações, cujos documentos, ou por confidenciaes ou por outro motivo extranho, não apparecem, inhibindo-me de apreciar as rasões, que devem ter determinado mudanças de opinião, que ás vezes não se justificam bem, pelos documentos apresentados no Livro branco. Por conseguinte, feita esta declaração, vou reportando-me aos documentos que aqui estão publicados.
O sr. Barbosa du Bocage, em 30 de junho de 1885, isto é, quasi um anno depois, fez sentir ao nosso ministro na Allemanha, que no Livro branco allemão havia um erro de facto, que por prejudicial para Portugal se apressava a rectificar, e era o de marcar como limite sul das nossas possessões de Angola, o parallelo 18.° E esta observação do ar. Barbosa du Bocage era tanto mais rasoavel, quanto na participação que tinha sido feita pelo governo allemão, em data de 18 de outubro de 1884, vinha marcado Cabo Frio como limite sul da provincia portugueza de Angola.
A Allemanha não deu resposta a esta observação, ou porque tivesse já um pensamento reservado, com relação a este territorio, ou porque realmente reconhecesse a justeza da observação, sem se dar ao trabalho de a rectificar.
O facto foi que o governo portuguez ficou sem resposta a esta sensatissima reclamação. E assim se passou algum tempo, até que em dezembro de 1885, sem bem lograr saber-se que ponderosas rasões imperaram na chancellaria allemã, a Allemanha veio offerecer-se para tratar com Portugal.
O sr. Schmidtals no seu memorandum de 1 de dezembro de 1885 diz ao nosso ministro, que ainda era o sr. Barbosa du Bocage: «A linha de limite entre o territorio de Angra Pequena sob o protectorado da Allemanha e a colonia portugueza de Mossamedes careca de fixação difinitiva ... Convencido da authenticidade e exacção d'estas indicações, tomou o governo allemão no anno passado posse da costa até 18° da latitude, que reputava território sem possuidor...»
Esta affirmação, feita de uma maneira tão categorica, deveria fazer suppor aos negociadores do futuro tratado luso-allemão, que a Allemanha estava naturalmente pouco disposta a reconhecer os nossos historicos direitos.
E julgo que, se porventura se não julgasse dispensada de procurar motivos para assim proceder; se d'elles carecesse, deveria ter fallado com o illustre relator d'este projecto de lei, que se incumbe no seu, aliás bem feito, relatorio de apresentar toda a somma de rasões, com que se póde justificar mais do que a alienação, o nenhum direito que temos aos territórios ao sul do Cunene.
Eu depois direi como s. exa. se incumbe, na sua franqueza, de justificar o procedimento da Allemanha, em contradicção com as asserções do sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O governo portuguez deu-se pressa em acceder aos desejos manifestados pela Allemanha de demarcar os reciprocos limites, e acceitou, em these, a offerta de entrar em negociações, para chegar a um accordo difinitivo, reservando, comtudo, sempre a sua opinião de que Portugal tinha incontestavel, direito, aos territorios collocados até 18° e 24 ao sul do Equador, até Cabo Frio.
E entre as muitas rasões que apresentaram o sr. Barbosa du Bocage, que folgo de ver presente para lhe prestar a minha homenagem de admiração pelo seu talento, e o sr. ministro que depois continuou estas negociações, havia uma a que ambos ligavam importancia por insuspeita. Nas cartas do instituto geographico de Weimar e a carta de Justhus Perthes de Gotha vem marcado como limite sul das nossas possessões, o parallelo 18° e 24 até Cabo Frio.
Este reconhecimento .por um instituto de tal importancia, era um elemento poderoso de argumentação contra a invasão dos nossos territorios.
Era esta uma das rasões que s. exa. allegava.
Sempre com esta reserva, encetaram-se as negociações; e vem o memorandum de 27 de julho de 1886 dizer-nos quaes eram as idéas da Allemanha com relação á delimitação das nossas fronteiras.
Propunha a Allemanha o seguinte: que a nossa provincia de Angola ficasse limitada ao sul pelo curso do rio Cunene até á affluencia do Caculovar, isto é, até ao planalto do Humbe, e d'ahi se traçasse uma linha parallela até encontrar o Zambeze. Seriam, estas as nossas fronteiras de sudoeste.
Basta olhar para a carta para ver que este projecto era completamente inacceitavel, porque importava desde logo uma cedencia importantissima de territorio, a que tinha-mos incontestaveis direitos, e alem d'isso não correspondia a uma expressão geographica que definisse logicamente a nossa fronteira, porque se era feita em parte pelo curso do rio Cunene; o resto era uma linha mathematica, que não correspondia de modo algum a uma exigencia da geographia orographica ou hydrographica.
Esta proposta importava, como já disse, uma cessão de territorios; e a Allemanha offerecia-nos como compensação da cedencia dos nossos territorios o seguinte: o governo imperial, pela sua parte, desistia de todos os seus direitos e pretensões aos territorios ao norte d'aquella linha, e simultaneamente obrigava-se a abster-se de qualquer interferencia politica futura na mesma região.
Quer dizer, em troca d'aquella cessão definitiva de territorios importantissimos, em troca da cessão de quasi todo o curso do Cubango, a Allemanha cedia-nos uns direitos hypotheticos, mais do que isso, nullos.
Era, como se vê, uma proposta risivel, proposta que não poderia ser acceita por fórma nenhuma, e que o governo portuguez muito sensatamente declinou.
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O sr. Barros Gomes - sempre com aquelle espirito de humildade evangelica, de que dá sobejas provas no documento que estou apreciando, e n'um tom doce e affavel que contrasta com a sua maneira irritada de apreciar de outros tempos - o nosso ministro que ainda quando nos ameaçam da extorsão de territorios importantissimos, tem sempre palavras de agradecimento e favor na bôca do governo portuguez para com o governo allemão que nada nos dá e que tanto nos levar para saciar a sua ambição, o sr. Barros Gomes sempre respeitosamente, contraprotesta mostrando-se muito obrigado pelas intenções benevolas da outra parte contratante e dá as suas desculpas de não acceitação na contraproposta em data de 4 de agosto de 1886.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros n'aquelle primeiro momento, para começo de vida, foi ao mappa procurar o parallelo de Cabo Frio, e um pouco arbitrariamente, mas em fim animado do bom desejo de manter para Portugal o mais que podesse do territorio ao sul do Cunene, estabelece na sua proposta uma fronteira, um pouco phantasista, propondo que a delimitação ao sul da provincia de Angola fosse pelo parallelo de Cabo Frio, traçando-se uma linha que fosse dar a Chomohahi, e d'ahi, seguindo o relevo orographico até Otimorongo, cortando em seguida parallelamente fosse dar á Lagoa Etocha. Depois continuaria seguindo o rio Omuramba até ao seu encontro com o parallelo 18° e por esta linba geographica seguiria ate Mai-ini, e d'ahi pelo curso do T'chobe até entrar no Zambeze.
Comquanto fosse uma fronteira delimitada em parte por linhas mathematicas a que não correspondia um relevo de montanha, era todavia, esta de todas as propostas a mais sensata, porque dava satisfação aos incontestaveis direitos que Portugal tinha aos territorios ao sul do Cunene.
Esta proposta, que não era outra cousa mais que a affirmação ou a expressão do direito que nós tinhamos áquelles territorios, foi no emtanto acompanhada sempre n'aquelle espirito de humildade, que parece presidir a este instrumento diplomatico de protestos de amor e desejos de conciliação, nem sempre gloriosa, e algumas vezes humilhante.
S. exa., no seu memorandum de 4 de agosto, foi dizendo:
«Submettendo a contraproposta ao exame do governo imperial, o gabinete de Lisboa não se nega, mais ama vez convem affirmal-o, a acceitar a tal respeito aquellas modificações que em Berlim pareçam convenientes.»
Não são, sr. presidente, as modificações que aos interesses das duas nações sejam convenientes, são as que importem ao gabinete berlinez.
Quer isto dizer, que o governo portuguez sentia-se tão pouco conscio dos seus direitos, que, ao mesmo tempo que formulava a sua proposta, ía sangrando-se em saude. O governo allemão que, perante a nossa fraqueza, não tinha já necessidade de contemporisar, não acceitou a proposta do governo portuguez, e depois de fazer umas rectificações a algumas asserções do memorandum de 4 de agosto, diz o seguinte na sua pro-memoria de 9 de setembro:
«O governo imperial considera esta discussão tatuo mais superflua, quanto se trata n'esta occasião menos de uma fixação de limites, conforme a posse actual, que de um accordo para o futuro, ácerca da esphera de interesses dos dois paizes.»
Apertado pela evidencia dos nossos direitos, declara querer tratar só da fixação de limites, conforme a posse actual; quer um arranjo para o futuro, feito em paz e socego, e em harmonia com isso propõe os primeiros limites do curso do Cunene. E para justificar a sua pouca generosidade, allega que, com a acceitação da fronteira que propunhamos:
«A Allemanha teria de ceder grandes territorios no Ovampo e nas margens do Cubango. A esta desistencia não corresponde equivalente em mais larga liberdade de acção para outros territorios, etc.»
Isto é assombroso de impudencia, sr. presidente, e alem de impudente era irrisorio, pela sem rasão com que allegava a Allemanha direitos que não tinha. Que direitos e que territorios são esses a que se refere a pro-memoria imperial? O sr. ministro sabe bem que havia simplesmente a pretensão aos territorios a 18°,2. nos quaes a posse da Allemanha nunca fôra notificada nem praticada, e a elles só allude o instrumento diplomatico dirigido ao governo portuguez.
Quereria, porventura, referir-se ao terreno das margens do Cubango? Mas esses terrenos que o governo tinha de ceder, não es cedeu, quando se firmou o tratado definitivo e por isso em nada nos compensou da nossa da vida. Refiro-me ao territorio de Andara, na margem esquerda do Cubango.
No contrato definitivo ficou-lhe pertencendo Andara, embora encravada em terras portuguezas, com grave perigo de complicações para o futuro, como terei de demonstrar.
O que nos dava em troca? Vejamos:
(Lendo.)
«Poder-se-ía em todo o caso, tomando por base a ultima carta de Africa, de Justhus Perthes, secção 9.ª, precisar alguns pontos e indicar, por exemplo Karora, no Cubango, e Sioma, no Zambeze, que demoram pouco mais ou menos no parallelo do Hunbe, para melhor determinar a direcção da fronteira.»
Em resumo, propunha sempre a linha do Cunene e não cedia em cousa alguma das suas primeiras pretensões.
Manifestou o governo portuguez o desejo de fixar para limite sul da nossa provincia de Angula o curso do Cunene e do Cubango, delimitação que era rasoavel, dados os esforços já feitos para nos assenhorearmos d'estas duas arterias importantissimas da Africa central, e em resposta ao governo imperial, com data de 22 de setembro, o sr. Barros Gomes consente na cessão dos territorios a que tinha direitos reconhecidos em tratados e outros instrumentos internacionaes (textualmente) - e pede a extensão do accordo á nossa fronteira nordeste da provincia de Moçambique.
A Allemanha queria, porém, estabelecer de uma maneira definitiva outra linha de fronteiras.
A esta proposta do governo allemão o sr. Barros Gomes fez ainda uma tentativa de conciliação, pondo de parte já a cessão d'aquelles territorios que no principio das negociações reputava de muita importancia. Propõe então que se adopte para linha de limite o curso do Cunene, o no seu memorandum de 22 de setembro diz: «Parece pois ao governo portuguez que será possivel ainda acceitar uma modificação na sua ultima contra-proposta, adaptando-se para linha de limite o curso do Cunene até ás caractas, no prolongamento da serra de Cheila ou Canná, d'ahi um parallela até ao Cubango e o curso d'este rio, até se approximar, na margem norte do T'Chobe e confluencia d'este com o Zambeze.
Esta linha tinha duas vantagens na opinião de s. exa.; ao mesmo tempo que assegurava para Portugal dois cursos de rios importantissimos, assegurava-nos tambem a posso incontestavel do planalto collocado entre Humbe e o Cubango, regiões fertilissimas, e onde muito ha a esperar n'um futuro mais ou menos proximo.
Comprehende-se, que perante esta proposta que importava nem mais nem menos, que a renuncia a todos os territorios sobre que tinhamos incontestavel direito, que a Allemanha pouco tivesse a dizer, e limitasse as negociações com o governo portuguez que entrára n'uma via de cedencia tão franca e generosa, a fazer observações como quem não parece estar convencido e deseja regatear as pequenas e insufficientes concessões que faz.
Assim fez e ainda veiu affirmar que não sendo bem reconhecido o curso inferior do Cubango, era possivel que de futuro trouxesse serias complicações entre os dois pai-
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zes o reconhecimento de todo esse curso inferior, como limite da nossa, provincia do Angola.
Propunha pois uma modificação que dava ainda em resultado mais cessões de territorio.
Propunha, pois, que chegando a Andara se traçasse d'ahi uma linha parallela, que fosse encontrar a Zambeze, junto dos rapidos de Catima, ficando por esse parallelo estabelecido o nosso limite sul.
Como o governo imperial allemão tinha já por um tratado entrado em relações com o regulo de Andara, que estava collocado na margem direita, e por consequencia pertencendo ao dominio que em these acceitára, o governo allemão allegava que não se compadecia com os brios da nação abandonar um territorio que estava já sob a protecção da Allemanha e propunha ao governo portuguez deixar encravado nas nossas possessões aquelle ponto de Andara.
De maneira que perante uma concessão tão importante, como era a cedencia dos territorios collocados ao sul do Cunene, até 18° ou 24°, a Allemanha não podia ceder o pequeno trato de terreno situado na margem esquerda do Cubango, pelo facto de ter entrado em negociações um dos seus representantes com o regulo.
Correspondia, pois, á nossa generosa fraqueza, de uma maneira pouco correcta. (Apoiados.) Dava-nos tambem uma lição a nós que tanto demos do que era nosso, ha seculos.
O sr. Barros Gomes acceitou. Desde que s. exa. tinha entrado no terreno escorregadio das concessões, que mais era que concedesse este pequeno triangulo comprehendido entre o Zambeze e Cubango e aquelle parallelo de Andara os rapidos de Catima?
Cedeu mais uma vez, mas no justo e muito louvavel intuito de assegurar melhor a posse do Humbe a que Portugal ligava grande interesse, desejou que o parallelo comprehendido entre Humbe e Cubango começasse a marcar-se da primeira cataracta do Cunene.
D'esta maneira deixava entre o territorio de Humbe e o nosso limite sul um terreno de difficil apropriação, pantanoso, e doentio: as terras de Banja e Cuambi.
Justissimo foi este intuito que nos assegurou a possibilidade de termos a nossa possessão importantissima de Humbe a coberto de irradiações extranhas e dava-nos uma compensação que faria tranquillisar o espirito publico cujo sobresalto tanto preoccupava o sr. Barros Gomes nas observações que por vezes fez ao governo allemão. As camaras íam abrir-se, este documento havia de ser trazido ao parlamento, o paiz havia de ter conhecimento d'elle; e por melhores que sejam as rasões adduzidas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, por mais elevados que fossem os recursos da sua intelligeneia, por maiores que sejam os seus esforços, os factos na sua simplicidade, eram estes: Portugal cedia á Allemanha, sem compensação, valiosos e importantissimos terrenos em milhares de kilometros quadrados, sem que por parte da Allemanha houvesse uma unica concessão de valor.
As nações pequenas precisam ter muito bom senso, quer na formação das suas allianças, quer na feitura dos seus tratados. Foi lançarmo-nos ás cegas na nossa tradicional alliança ingleza que nos trouxe os vexames porque passámos até á assignatura da grande acta da conferencia de Berlim.
Ora não substituamos hoje uma alliança que, se não é sympathica é justificavel pela tradição, por uma nova alliança cheia de esperanças, mas ao mesmo tempo cheia de perigos. (Apoiados.)
Uma compensação esperava o sr. Barros Gomes obter: era introduzir uma clausula similhante a outra que já tinhamos introduzido no tratado com a França, a proposito da fixação de limites da Guiné. E assim obteve. Farei depois a sua critica. Outra concessão obteve tambem. O limite norte da nossa provincia de Moçambique que era conhecida pelo limite de Cabo Delgado estava por fixar. O sr. ministro dos negocios estrangeiros propoz para limite nordeste o curso do Rovuma até encontrar o Niassa e d'ahi um parallelo que cortando este lago viesse entestar com as fronteiras orientaes de Angola.
Era esta a proposta do sr. Barros Gomes. O governo allemão, que em toda esta convenção, nem em palavras amaveis, nem em concessões foi generoso, o que não é para admirar n'elle, que já tinha usado para com a poderosa Inglaterra aquella linguagem violenta e altaneira que fazia em tempo o enlevo do sr. Barros Gomes, quando se lamentava de que o governo portuguez não tivesse com esta nação uma linguagem similhante, - o governo allemão, linda d'esta vez não deixou de ter escrupulos e, em nome de futuras complicações possiveis, veiu pedir que a linha do Rovuma, como limite norte de Moçambique, fosse até á confluencia d'este rio com o Luchulingo e d'ahi começasse a traçar-se o parallelo que iria até Angola.
O governo portuguez, propoz, em substituição de Luchulingo, a confluencia do M'sinjé, que o governo allemão aceitou, e em virtude d'essa generosa concessão, e satisfeita a insignificante exigencia, firmou-se o tratado.
Entretanto o governo ,portuguez, depois de terminadas as negociações, principiou a preoccupar-se dos seus triumphos, e ha aqui n'este instrumento diplomatico um documento importantissimo que na sua simpleza dá bem a conhecer ao parlamento e ao paiz o bom espirito de generosidade que por parte do governo allemão presidiu sempre a estas negociações.
O sr. Barros Gomes desconfiado da demora da assignatura, sobre tudo pela falta da remessa dos plenos poderes para assignar, officiou ao sr. marquez de Penafiel, nosso ministro na Allemanha, dizendo-lhe as rasões que tivera para fazer a ultima proposta de modificação, pedindo a s. exa. que se informasse dos motivos por que os plenos poderes não tinham sido enviados ao sr. barão de Schmidthals para ser assignado o tratado em Lisboa. O tempo urgia.
O sr. marquez de Penafiel, que pessoalmente não conheço, contra o qual, como ministro, tenho apenas a preoccupação que me insinuou no espirito o celebre discurso do sr. Barros Gomes, informa que tivera uma entrevista que lhe fôra pedida, e á qual fora com satisfação, porque significava isso o desejo de se chegar a algum accordo, e tudo levava a crer que ouviria poucas objecções, isto já quando Portugal se dispunha a ceder todos os territorios ao sul do Cunene, e limitava a sua aspiração a uma pequena concessão.
Diz o sr. marquez de Penafiel no seu officio de 12 de outubro:
«Não correspondeu porém á minha espectativa o começo da exposição do sr. Krauel.
«Os argumentos produzidos foram todos fundados no interesse para a Allemanha, da extensão do territorio preparada pelas relações estabelecidas com chefes indigenas, quando nós não podiamos allegar occupação, e a importancia das nossas relações com o interior era muito contestavel.
«Para não me embrenhar n'uma discussão, que alem de poder ser interminavel era ociosa, se o governo allemão estava decidido a não attender senão ao proposito de alargar os seus futuros dominios em Africa, etc.»
Por consequencia, perante a decisão em que estava o governo allemão de estender e alargar os seus futuros dominios na Africa, s. exa. julgava ocioso estar a discutir, e o que havia de melhor era ceder logo tudo quanto houvesse por bem de arrebanhar-nos o governo allemão. E ganhámos muito com isso!
Quando apreciar o valor e o alcance do artigo 3.° do tratado em discussão, eu mostrarei o que ganhámos.
Mais affirmou o sr. marquez de Penafiel no seu officio
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dirigido ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, uma phrase para a qual chamo a attenção da camara.
O nosso ministro não se deu logo por vencido e appellou para Lisboa. A este recurso observa o sr. Krauel:
(Lendo.)
«... mais, acrescentou o sr. Krauel, que o governo allemão desejava evitar recusa do governo portuguez a proposta sua por escripto...»
Quer dizer, que a respeito do tom humilde de pedinte com que nós negociámos sempre esse tratado, a Allemanha desejava evitar reivindicações justissimas por parte do governo portuguez! Elle que na o recusára nada, que cedêra tudo!
É o supremo desprezo para castigo á nossa humilhação! (Apoiados.)
E como o tempo urgia foi preciso assignar o tratado.
(Movimento do sr. Antonio Ennes.)
Mas s. exa. afflige-se?! Elles tinham rasão de assim nos tratar, porque, como s. exa. diz, nós não tinhamos direito nenhum, isto era tudo uma comedia que estavamos a representar, como demonstrarei depois com o relatorio de s. exa.
Mas como o tempo apertava, assignou-se o tratado. Ahi houve modificações apresentadas á proposta do tratado por parte da Allemanha, houve uma proposta para o desdobramento de um artigo em dois, e eu para não cansar a camara passo por cima d'essas negociações que precederam a assignatura difinitiva.
O tratado celebrado entre Portugal e a Allemanha tem cinco artigos.
Pelo artigo 1.° o governo portuguez reconhece de accordo com o governo allemão, como fronteira sul dos seus limites de Angola, o curso do Cunene desde a sua embocadura até ás cataratas de Canná.
D'este ponto era diante seguirá o parallelo até ao rio Cubango, d'ahi o curso deste rio até ao logar de Andara, que ficará na esphera dos interesses allemães...
Esta esphera dos interesses allemães é uma cousa que me parece que ha de dar-nos de futuro algumas complicações, quando se tratar de definir até onde chega a esphera dos interesses da Allemanha.
O governo deixa aqui, nem mais nem menos, do que um fermento de grandes complicações. (Apoiados.)
No artigo 2.° delimita-se a fronteira norte da nossa provincia de Moçambique que, como disse, já é formada pelo curso do rio Rovuma até á confluencia do rio M'singe e d'ahi para oeste, pelo parallelo até á margem do lago de Nyassa a entestar com os limites orientaes da provincia de Angola.
Ora o artigo 3.° é que é a nossa grande conquista! Eu peço um pouco de attenção á camara para este artigo que representa a nossa conquista e ao mesmo tempo a nossa falta de senso.
Sua Magestade o Imperador da Allemanha reconhece a Sua Magestade Fidelissima o direito de exercer a sua influencia soberana e civilisadora nos territorios que separam as possessões portuguezas de Angola e Moçambique, sem prejuizo dos direitos que ahi possam ter adquirido até agora outras potencias e obriga-se, em harmonia com este reconhecimento, a não fazor n'aquelles territorios acquisição de dominios, a não acceitar n'elles protectorados, e finalmente a não pôr ahi quaesquer obstaculos á extensão da influencia portugueza.
Este artigo está vaga e indeterminadamente redigido e não corresponde, por fórma nenhuma, ao reconhecimento dos direitos de Portugal a esses territorios, e o que é mais, a Allemanha, a poderosa Allemanha, a cuja sombra nós agora tanto a peito temos do acobertar-nos, nem ao menos teve para nós aquella generosidade com que a Inglaterra illudiu a nossa boa fé ha dois séculos, quando no seu tratado de 23 de junho de 1661, nos promettia defender na Europa e nas colonias com as suas forças de terra e mar.
Nem este simples engodo para a nossa humilhação nos traz este tratado com a Allemanha!
Nem isso, porque o que ella nos reconhece é o irrisorio direito de exercer a nossa influencia soberana em territorios onde não haja contestação de direitos por parte de outra nação, porque na hypothese de a haver a Allemanha fica estranha e não põe no prato da balança, em nossa defeza, a sua influencia como nação preponderante da Europa.
Entendia que, visto fazermos á Alleraanha a cessão d'esses territorios, isso lhe importasse a obrigação de n'um tratado que tem de ser reconhecido pelas outras potencias da Europa, a Allemanha se compromettesse a fazel-o reconhecer por essas potencias que nos podem contestar os nossos direitos na Africa central.
Mas não é assim. Se outros allegarem direitos, nós derimiremos essa contenda como podermos e soubermos.
Esta é uma clausula irrisoria! Este contrato não é igual para as duas partes; pela nossa parte ha um facto, a cedencia de territorio a que tinhamos direito.
(Interrupção.)
Por parte da Allemanha não se nos dá senão o reconhecimento da nossa soberania.
Para isso não precisâmos da auctorisação da Allemanha.
Para exercermos a nossa influencia soberana e civilisadora na Africa Central, não precisâmos de nação alguma: só dos nossos esforços.
Eu tenho aqui a acta da conferencia de Berlim, na qual, no seu capitulo VI, quando se trata das declarações relativas ás condições a empregar para que as novas posses sejam consideradas effectivas, diz que a potencia, que hoje tomar conta de territorios na Africa, tem primeiro que tudo de notificar ás outras potencias o facto de ter tomado posse, e depois garantir por meio de auctoridades e por um certo numero de actos a effectividade d'essa posse.
Nós, pelo reconhecimento da Allemanha, nem por isso perdemos a obrigação de ir advogar os nossos interesses na África Central contra outros que tenham direitos...
O sr. Antonio Ennes: - Essa obrigação refere-se aos territorios da costa.
O Orador: - É verdade, mas v. exa. sabe que os principios que regem para a costa, são os mesmos que regera para o resto de Africa não occupada.
Sr. presidente, um tratado feito n'estas condições, e digo isto em boa fé e sem espirito de aggravo, nem ao caracter nem á respeitabilidade do sr. Barros Gomes, com cuja amisade pessoal muito me honro; um tratado n'estas condições, não constitue uma gloria, nem para o seu talento nem para a tua habilidade. (Apoiados.) E o melhor que s. exa. poderia negociar, creio.
Mas não é uma honra tel o negociado. É essa minha opinião. Mas... tudo tem um mas... depois de ler o relatório apresentado pelo sr. Antonio Ennes, relatorio que, áparte umas observações que contrariam e invalidam as affirmações diplomaticas do sr. Barros Gomes, revela um grande conhecimento de assumptos coloniaes; depois de ler este relatorio cheguei á convicção de que o sr. Barros Gomes tinha conversado com s. exa., ou ia conversando a par e passo que ía negociando.
É difficil achar uma nota de descrença maior sobre os nossos direitos, e um desconhecimento dos nossos esforços passados.
S. exa. quando trata de justificar a felicidade que presidiu a esta negociação diz o seguinte:
(Leu.)
S. exa. sabe que o direito internacional moderno, differe do direito internacional antigo, e que ha cincoenta annos as nossas relações coloniaes eram unicamente com a Inglaterra, a unica nação da Europa seriamente interessada
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nos negocios africanos, e tanto se pensava assim que nós, constituimos esta doutrina como a nossa melhor defeza na questão do Zaire.
Mas ainda agora nas negociações do sr. Bocage e do sr. Barros Gomes vem citado o parallelo 18° e 24.
Já sei que o sr. relator me irá dizer que o reconhecimento é só na costa, porque da costa para dentro não tinhamos posse effectiva.
Mas esta rasão não colhe, e não colhe porque em todas as cartas geographicas, que merecem conceito pelo rigor scientifico cem que são feitas, vem citado o Cabo Frio como limite da nossa possessão de Angola. E ainda em relação ao parallelo 18°, fez muito bem em notar o sr. Bocage ao ministro da Allemanha que era facto que se fallava no parallelo 18°, mas que em todas as nações se tomava o parallelo do Cabo Frio como limite.
S. exa. não tinha outra cousa que fazer, desde que, por encargo da sua posição, como relator, tinha de defender o tratado, ou havia de confessar que não se podia fazer melhor, ou havia de amesquinhar os direitos de Portugal áquellas paragens. E n'esse proposito continua s. exa. no seu relatorio.
(Leu.)
Com relação á posse effectiva aos territorios collocados n'este parallelo, tem s. exa. rasão; mas essa posse effectiva tambem não póde allegar a Allemanha, para nos ceder os territorios collocados acima do parallelo 18°: mas em quanto a direitos historicos, pergunte s. exa. ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, que sabe de mais o direito que nós tinhamos aos territorios collocados n'este parallelo.
O illustre relator d'este projecto, continuando a sustentar a insignificancia dos nossos direitos, diz mais:
(Leu.)
Perdõe-me s. exa. que lhe diga que isto não inteiramente exacto. Este assumpto é rudimentar, e s. exa. encontra isto em qualquer pequeno atlas de geographia. Nos atlas inglezes encontra s. exa. traçado no parallelo 18° o limite sul da nossa provincia de Angola.
Depois, por isso que não tinhamos direitos historicos, nem posse effectiva, nem serviços feitos á civilisação e progresso africanos era que fundamentassemos o nosso incontestavel direito, o illustre relator do projecto vae entrar em considerações, umas tiradas da geographia physica, outras tiradas da politica para reputar esta negociação muito util.
A linha de demarcação primeiramente proposta pelo governo portuguez, ou antes pelo sr. Barros Gomes, era, sob o ponto de vista historico, a mais racional.
Não correspondia completamente a uma expressão geographica, porque havia ainda alguma cousa desconhecida, tal era a região collocada entre o rio Etocha e Mai-ini. Entretanto correspondia até certo ponto a uma justa delimitação orographica porque significava o reconhecimento como limites da provincia de Angola as cristas ou os ultimos contrafortes das montanhas e o curso de rios importantes.
O governo allemão, porém, não annuiu a isso, e propoz uma linha de demarcação que, só, sob o ponto de vista da etimologia, era racional.
Os angolenses, pelas raças, estão separados das do sul: quer dizer, as raças ao norte do Cunene não têem relações com as do sul.
E os nossos interesses commerciaes não se estendem tambem áquella região e não corremos por isso o risco do envadir os interesses allemães, se já lá os houver, mas isto não quer dizer que, em materia de facto, Portugal devesse ceder territorios sem receber da nação com quem contratou uma compensação valiosa, porque não se póde tomar a serio que seja compensação condigna da cessão de territorios a possibilidade de exercermos a nossa acção civilisadora na Africa central.
Ninguem pol-a contestava. E; se nol-a não contestarem agora, depende, ou de um favor especial da sorte, ou de circumstancias de ordem politica, porque a Allemanha não se incumbirá de tornar validos os nossos direitos perante as nações da Europa. Ella não se fez cargo de fazer reconhecer este tratado por essas nações. (Apoiados.)
O que a Allemanha unicamente nos concedeu foi deixar-nos exercer a nossa influencia civilisadora no centro de Africa.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Ha mais alguma cousa. Obrigou-se a não ir lá, a não levar lá a sua influencia.
O Orador: - Já é alguma cousa da sua parte; mas, se s. exa. o sr. ministro dos negocios estrangeiros me dá licença, observar-lhe-hei que isso é uma cousa facil de obter.
Para isso serve-nos ainda a ethnologia.
A Allemanha deixou-nos o protectorado da Africa central, pela impossibilidade que têem as raças germanicas, de se fixarem n'aquelles territorios. Não podem com o clima.
Constituo isso um apanagio das raças latinas.
A Allemanha cedeu de um direito que não podia exercer. Deu ao demonio o que não podia obter por amor de Deus.
Ainda ha outra rasão.
Comprehende v. exa. que, desde que se tratava definitivamente de fazer um tratado de limites, seria um cumulo de irrisão que uma das potencias contratantes consignasse para si o direito de ultrapassar esses limites.
Não desejo cansar mais a attenção da camara, e agradeço-lhe a benevolencia com que me ouviu. E para terminar, devo dizer, que depois de ter feito inteira justiça aos bons desejos de quem fez este tratado, reconheço com dor, que elle para nós não constituo gloria alguma, que sob o ponto de vista propriamente patriotico e politico, Portugal cedeu do que tinha, e não recebeu em troca senão illusorias promessas. (Apoiados.)
Com relação á realidade do facto, a linha do Cunene e Cubango é mais conveniente que a linha proposta; é um ponto em que me é grato estar de accordo com o illustre relator; acho preferivel áquella linha de limite; mas o que não quero de modo algum affirmar é que se devesse ceder aquelles terrenos, sem receber compensações valiosas. E compensações tanto mais valiosas e precisas, quanto s. exa. sabe que sobre alguns dos territorios reconhecidos como pertencentes a Portugal ha já reclamações.
E para não estar a emaranhar-me em considerações de outra ordem, devo dizer, que acredito pouco, que a benevolencia da Allemanha vá até ao ponto de nos libertar de complicações, que nos possam advir de um reconhecimento tão extenso do direito de soberania exercida sobre o territorio de Africa. Faço tambem votos para que Portugal, entrando de vez na comprehensão de sua missão no regimen colonial, possa tirar d'ahi algum proveito material. Porque, para glorias, nós já temos muitas. E preciso algum dinheiro. É preciso que as colonias pagem os esforços que fazemos com ellas. Se não pagam, então o melhor que ha a fazer, é vendel-as.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
O sr. Antonio Ennes: - Sr. presidente, o discurso do illustre deputado, o sr. José de Azevedo Castello Branco, sereno, comquanto injusto, revelando profundo conhecimento da geographia africana e das questões de administração ultramarina, tornou extremamente grata a minha missão de relator do projecto, porque tanto me agradam as discussões proficuas em que se oppõe opinião a opinião, quanto me repellem e me desgostam as luctas em que só embatem paixões partidarias.
Começou o illustre deputado por expor idéas geraes ácerca da administração ultramarina. Não acompanharei s. exa. n'esse terreno, porque desejo circumscrever-me cui-
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dadosamente ao projecto em discussão, e só tratar das condições do tratado. Direi apenas, e de passagem, que não sou tão partidario da alienação de territorios coloniaes como o illustre deputado, por isso que as colonias que hoje não remuneram os sacrificios feitos por ellas podem remunerai-os ámanhã, e porque aquellas que são apenas padrões de glorias, sem remuneração utilitaria, correspondem tambem a necessidades moraes dos povos, que não vivem só de pão.
Inclino-me antes a uma politica. prudente e circumspecta que, não dilatando demasiadamente, desproporcionadamente, o nosso dominio colonial, não nos prive tambem de dar ás colonias, ás provincias ultramarinas, o fomento, a cultura, a civilisação que têem direito de esperar de nós, e que nós lhes devemos até por interesse da metropole.
Não sou, repito, partidario da alienação das colonias, até porque similhante proceder offenderia o sentimento publico, a que todos devemos respeito; comtudo, de bom grado me associaria ao sr. deputado Castello Branco n'uma propaganda que convencesse as pessoas, que se occupam dos negocios do ultramar, de que não devem estar sempre a olhar para a historia e para os mappas. Olhem tambem para os orçamentos do estado, para os recenseamentos da população, para os quadros do exercito e da armada, para o estado do nosso pessoal administrativo, considerem nas estatisticas do commercio e da industria, porque em todos esses documentos e em todas essas ordens de factos se encontram subsidios indispensaveis para o estado sisudo e util das questões do ultramar.
V. exa. sabe, sr. presidente, que ultimamente tem-se caído entre nós no erro de isolar demasiadamente os assumptos ultramarinos dentro da administração do estado, fazendo-se até uma politica ultramarina estranha, quando não hostil, á politica geral, a que compete attender conjuncta e harmonicamente os diversos e divergentes interesses publicos; esse erro, que já está tendo consequencias ruinosas, é que precisa uma correcção energica.
Hoje, mais do que nunca, era necessario até que o ministerio do ultramar estivesse dentro do ministerio da fazenda, e bem de paredes meias com o ministerio das obras publicas, commercio e industria, e é por isso que eu tenho sustentado na imprensa e sustento aqui hoje, que não nos convém dilatar os dominios ultramarios senão tanto quanto for absolutamente indispensavel á sua segurança e ás condições essenciaes da sua prosperidade. E professando esta doutrina, não me parece que possa ser accusado de desamor para com as possessões ultramarinas; devo antes ser comparado com um chefe de familia pobre, que não quer ter mais filhos, para elles não virem tirar o pão aos filhos que já tem.
Sr. presidente, feita esta curta digressão, como desafogo de um certo sentimento de reluctancia, que me inspira a idéa da alienação de territorios portugueses, prometto á camara e a v. exa. não me tornar a desviar dos pontos principaes da questão que se discute.
O illustre deputado, na apreciação que fez das negociações e da convenção que d'ellas resultou, collocou-se n'um ponto de vista no meu entender falso; por isso é que s. exa. viu cedencias onde as não houve, e condescendencias desairosas no que melhor se deve considerar como troca de concessões.
Sr. presidente, este tratado tem diversos aspectos e admitte apreciações diversas, conforme se entende que os territorios que elle deixa na posse da Allemanha eram ou não inquestionavelmente pertencentes á corôa de Portugal. A questão do estado do nosso dominio na Africa Austral não póde decidir só por si, e hei de logo proval-o, do merito ou demerito, da vantagem ou desvantagem, do tratado; entretanto, reconheço que é importantissima para quem tem de julgal-o, e por isso desejaria que o sr. deputado que me precedeu no uso da palavra tivesse começado o seu discurso por provar que Portugal tinha direito a esses territorios, que s. exa. accusou o governo de ter cedido, e cedido gratuitamente, a uma potencia estrangeira.
Mar essa comprovação não era facil.
(Interrupção.)
Já prevejo que a opposição irá buscar armas á contradicção que parece existir entre as opiniões do meu relatorio e as do sr. ministro dos negocios estrangeiros, que durante as negociações sustentou, em face do gabinete de Berlim, que a fronteira meridional da provincia de Angola era o parallelo do Cabo Frio; devo observar, porém, que é muito possivel que o nobre ministro se limitasse apenas, n'este ponto, a sustentar as premissas estabelecidas pelo seu antecessor, o sr. conselheiro Bocage, que chegou até a reclamar, por via diplomática, contra uma carta official allemã que marcava a mencionada fronteira no 18° do meridiano da costa.
A tal supposta contradicção, de mais, está exigindo de mim uma declaração muito peremptoria.
Já ouvi n'esta camara, na discussão da concordata, e começo a ouvir outra vez, empregar contra o sr. ministro dos estrangeiros os argumentos que s. exa. ou os seus agentes nas negociações diplomaticas empregaram junto dos governos estrangeiros, ou para se auctorisarem a não acceitar as propostas d'esses governos ou para os determinarem a acceitar as propostas portuguezas. Ora, esta pratica parece-me inconvenientissima, tão inconveniente até que, se chega a radicar-se no parlamento, teremos de voltar ao uso de discutir em sessões secretas as convenções internacionaes, e de acabar com a publicação do Livro branco. Colloca os ministros, aqui, na situação de não poderem muitas vezes defender-se e justificar-se sem faltarem a deveres imprescriptiveis de delicadeza, e tolhe-lhes, emquanto negoceiam, a liberdade de espirito. Eu proprio, que não tenho responsabilidades diplomáticas, ver-me-ía agora embaraçado se precisasse explicar mais claramente á camara porque é que se devem considerar irresponsaveis as opiniões que os ministros emittem, perante as chancellarias estrangeiras, ácerca dos projectas de tratados que pretendem rejeitar ou desejam melhorar; felizmente que similhante explicação é desnecessaria. Está no espirito de todos; sabe dal-a o mais rudimentar bom senso. O sr. deputado Castello Branco, se ouvir o seu creado de mesa, no acto de apreçar um ananaz, dizer ao vendedor que o fructo é pêco, que está combalido, que é insalubre n'esta estação, certamente que não despede o zeloso propugnador dos seus interesses, accusando o de ter comprado um ananaz por elle proprio considerado como ruim e deteriorado. Bem sei que a comparação é em todos os sentidos remotissima; mas dispensa explanações menos discretas. Não fallemos mais n'isto! Não fallemos mais n'este assumpto escabroso, mas fique entendido que não me prendo, de modo nenhum, com as apreciações que o sr. conselheiro Barros Gomes acaso fez da sua obra, para uso externo, emquanto andou empenhado em aperfeiçoal-a ainda mais. Desejo que os argumentos com que defender o tratado sejam apreciados em si e pelo que valerem, e não pela sua conformidade com os de que usou o sr. ministro dos estrangeiros, n'uma situação que lhe impunha obrigações e lhe prescrevia intuitos inteiramente differentes dos meus intuitos e das minhas obrigações.
Posto isto, sr. presidente, vamos á questão cujos termos já enunciei. O sr. deputado Castello Branco, partindo do principio de que o dominio portuguez na Africa se dilatava, de direito, até ao parallelo do Cabo Frio, considera a presente convenção como um acto pelo qual o governo cedeu á Allemanha todos os territorios comprehendidos entre esse parallelo e os cursos do Cunene e do Cubango; eu, impugnando o principio fundamental do meu illustre adversario, vejo n'esse tratado apenas um accordo pelo qual Portugal e a Allemanha repartiram entre si os territorios inoccupados, que se entendiam entre a provincia portugueza de Angola e a possessão allemã de Angra Pe-
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quena. E este meu modo de ver, sr. presidente, é o unico que se póde justificar com a historia, a cartographia e os tratados diplomaticos.
Quem invoca a convenção anglo-portugueza de 28 de julho de 1817 para prova do direito que tem a corôa de Portugal a reputar-se investida na soberania do continente africano até ao parallelo do Cabo Frio, esquece-se de que essa convenção, dado que só por si baste para constituir um direito qualquer, a não ser perante o governo da Gran-Bretanha, não sómente não menciona, como limite portuguez, o Cabo Frio, senão que apenas fixa esse limite no 18° da latitude S., e não no 18° parallelo...
O sr. Pinheiro Chagas: - V. exa. dá-me licença?
O Orador: - Pois não!
O sr. Pinheiro Chagas: - Que differença acha v. exa. entre 18.° grau e 18° parallelo?
O Orador: - Uma differença enorme. O limite fixado na convenção é um ponto, não é uma linha; é um ponto marcado na linha da costa, e não uma linha traçada por terra dentro.
O sr. Pinheiro Chagas: - Mas todos os pontos do 18° parallelo estão no 18° grau de latitude S.
O Orador: - Certamente; mas a convenção só pretendeu estabelecer a delimitação da costa, porque era a que interessava ao seu fim, que não consistia em demarcar as possessões portuguezas na Africa, mas tão só em estabelecer a região litoral em que os subditos portuguezes podiam exercer o trafico da escravatura.
(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas.)
Perdão; tendo v. exa. pedido já a palavra, parece-me mais conveniente para a regularidade da discussão que exponha desenvolvidamente as suas objecções quando usar d'ella. Mas se o limite estipulado na convenção de 1817 é o 18° parallelo, é esse parallelo até onde? Indefinidamente? Até onde ha parallelo e terras de Africa? Não póde ser. Nunca ninguem o entendeu assim, a não ser muito recentemente e para conveniencia das negociações com a Allemanha. O proprio marquez de Sá da Bandeira, que bem desassombrado era nas reivindicações de direitos nacionaes, no mappa que coordenou em 1863 não deu por limite á provincia de Angola o parallelo 18°; a linha ponteada que n'esse mappa representa a fronteira pouco avança do litoral, pára muito áquem do curso do Cubango e até do Ovampo, e equivale a um signal de indeterminação. O marquez du Sá entendia que a fronteira de Angola, a não ser na costa, era indeterminada. E já que e tou fallando da carta, d'esse benemerito, notarei tambem que, se elle marcou o Cabo Frio como ponto extremo, da parte do S., do dominio portuguez, teve o cuidado de corrigir o arbitrio d'essa marcação. A circunstancia que vou apontar talvez tenha escapado a muitas pessoas, aliás versadas na cartographia africana: na edição de 1863 da carta de Angola do marquez de Sá, como em todas as outras, ha umas observações á margem que dizem, textualmente: «A provincia portugueza de Angola tem por limites maritimos o rio Cacongo e o Cabo Frio, ou mais exactamente o 5° 12, e o 18° de latitude meridional». Ora, como em questões geographicas o que é mais exacto é o que unicamente é exacto, como não ha fronteiras por approximação, deduz se d'estas observações que o proprio marquez de Sá reconheceu e confessou que o limite meridional de Angola, a que podiamos allegar direito em nome da convenção de 1817, era o ponto da costa por onde passa o 18° parallelo, e que se elle, na sua cartographia, o adiantou até Cabo Frio, foi tão só por não corresponder aquelle ponto a nenhum accidente geographico.
Mas isto ainda não é tudo, sr. presidente. Depois da convenção de 1817, e apesar de n'essa epocha se entender que bastava o reconhecimento de um dominio territorial ultramarino pela Gran Bretanha, para fazer entrar esse dominio no direito internacional, ainda entre nós continuaram os documentos officiaes e os tratados de geographia a considerar a provincia de Angola limitada ao sul pelo cabo Negro e não pelo Cabo Frio ou pelo 18° parallelo. Tenho á mão muitas provas desta asserção; ahi vão algumas. Aqui está a Memoria géographica e politica de Angola e Benguella, publicada em 1834 por Joaquim Antonio de Carvalho e Menezes; este livro logo na primeira pagina assevera que o limite do districto de Benguella é o Cabo Negro, situado a 15°,5 approximadamente. N'esta outra Memoria, que Antonio Joaquim Guimarães Junior escreveu em 1844 sobre a exploração da costa ao sul de Benguella, na Africa occidental, e fundação do primeiro estabelecimento commercial na bahia de Mossamedes, o auctor, apesar de conhecer praticamente essa costa, marcou como extrema da provincia, não já o Cabo Negro, mas a peninsula dos Tigres, que lhe fica pouco ao sul. E note-se, sr. presidente, que a noção admittida no nosso mundo official não discrepava d'esta. Em 1824, o conde de Subserra, nas instrucções que deu ao governador de Angola nomeado n'esse anno, instrucções que honram sobremaneira o nome, aliás pouco lembrado, que as firmou, e que contêem doutrina que os estadistas de hoje não devem engeitar, lá apparece por mais de uma vez o Cabo Negro indicado como limito de Angola; no § 41.°, por exemplo, recommenda-se ao governador que mande levantar uma carta hydrographica desde Loango até Cabo Segro, e no 51.° ordena-se-lhe que mande explorar a costa para o sul do cabo Negro, por não ser este ponto um limite natural. E ainda em 1838, sendo ministro da marinha o futuro marquez de Sá da Bandeira, ao passo que recommendou a outro governador de Angola, Antonio Manuel de Noronha, nas instrucções secreta? que lhe dirigiu, que segurasse o territorio do Zaire, em relação aos territorios meridionaes nenhuma recommendação lhe fez que indicasse que a corôa de Portugal se julgava com direito adquirido a dilatar a soberania para alem do Cabo Negro, pois apenas lhe apontou a conveniencia de examinar o porto de Pinda junto ao Cabo Negro e a costa ao sul até 20°., e ver o que se devia fazer nos limites da provincia.
Sr. presidente, esta exposição é enfadonha, mas precisei d'ella para demonstrar que valor tinha o direito historico, que agora se pretende deduzir da convenção de 1817, no conceito dos homens publicos que viveram nos tempos proximos da data dessa convenção: nunca o fizeram valer, quasi não deram por elle, talvez por terem bem presente ao espirito o fim com que fôra celebrado esse acto diplomatico. Todavia, eu não quero ir tão longe, não quero provar mais do que é essencial á minha defeza, ou antes á defeza do projecto de lei de que sou relator, e por isso dar-me hei por satisfeito se a camara deduzir de tudo quanto tenho dito, em primeiro logar, que a fronteira meridional da provincia de Angola não tinha, até agora, senão um ponto determinado por convenção diplomatica, o 18° do meridiano da costa; em segundo logar, que essa determinação constava meramente de uma convenção particular celebrada entre Portugal e a Gran Bretanha, que não envolvia de modo nenhum o reconhecimento das outras potencias da Europa.
Teriamos, porém, sr. presidente, alguns outros titulos validos, e capazes de se fazerem valer, á posse d'esses territorios que o sr. deputado Castello Branco disse terem sido cedidos pelo governo á Allemanha?
Não me consta.
S. exa. allegou que em muitas cartas estrangeiras vinha marcado o 18° parallelo ou o parallelo do Cabo Frio como fronteira portugueza; mas tambem é certo que não mencionou nenhuma especificadamente, e que eu nenhuma conheço.
O que ha, sem duvida, é diversas cartas feitas lá fóra, em que o Cabo Frio apparece indicado como limite da provincia de Angola na costa, sendo uma cVellas a de Justus Pethers; mas, sr. presidente, a cartographia não basta para dar nem para tirar direitos de soberania, felizmente
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SESSÃO DE 21 DE JUNHO DE 1887 1359
para nós, visto que os nossos cartographos são menos numerosos e menos auctorisados no mundo scientifico e mundo politico do que os estranhos.
Emquanto ao concurso das nações ou dos governos, tambem não sei que elle tivesse nunca occasião de reconhecer o nosso dominio sobre os territorios de que estamos tratando; e, relativamente á Allemanha, posso asseverar que nos archivos portuguezes não ha documento nenhum, de que possa inferir-se que os seus governantes fizeram, directa ou indirectamente, similhante reconhecimento.
É verdade que o sr. conselheiro Barbosa du Bocage quiz ver, nos termos da nota de 18 de outubro de 1884, em que o sr. barão de Schmidthals communicou ao nosso governo as recentes occupações allemãs nas costas de Africa, uma prova de que o gabinete de Berlim considerava como portuguez o territorio situado ao norte do Cabo Frio; mas este modo de ver resultou de um equivoco evidente.
Se essa nota mencionava o Cabo Frio como limite septentrional das occupações e dos protectorados germanicos na Africa austral, não foi por começar n'esse ponto o dominio portuguez, mas tão sómente por terminar n'elle o territorio dos dámaras, cujos chefes se enfeudaram manha.
E isto explica e justifica a supposta contradicção, que o sr. deputado Castello Branco censurou no procedimento dos allemães.
Se elles, em outubro de 1884, notificaram que o seu territorio de Angra Pequena terminava da parte do norte no Cabo Frio, foi porque só até ahi tinham os seus agentes, a esse tempo, feito contratos com os indigenas; como, porém, entendiam que ainda n'esse ponto não estava a sua esphera legitima de acção limitada pelo nosso dominio, posteriormente dilataram-se mais para o norte até 18° 2 7º, como em outra nota informou o sr. barão de Schmidthals. Nada ha, pois, que reprehender n'este assumpto no procedimento da Allemanha, nem o seu governo podia prender-se com o argumento, sincero ou não, que o sr. Bucage pretendeu tirar da nota de 18 de outubro de 1884 para o convencer de que havia reconhecido o nosso dominio até ao 18° parallelo.
O sr. Pinheiro Chagas: - O sr. conselheiro Bocage fez muito bem em se aproveitar d'esse argumento!
O Orador:- Apesar de não estar convencido do seu valor, não é assim?
N'esse caso, tambem o sr. Barros Gomes teria feito bem em sustentar que a nossa fronteira era o 18º parallelo, ainda quando não estivesse persuadido d'isso: porque é então que se faz valer a falta de conformidade que se observa entre as doutrinas expostas por s. exa. nas negociações e as do relatorio da commissão?
Ia eu dizendo, sr. presidente, que alem da convenção de 28 de julho de 1817, nenhum acto diplomatico reconheceu a Portugal direitos de soberania sobre qualquer porção do territorio que esta convenção deixa na posse da Allemanha; acrescentarei que os proprios direitos derivado d'aquella convenção nunca, durante mais de meio seculo, foram exercidos, foram convertidos em realidade, pelo governo portuguez.
Sr. presidente, póde dizer-se que nós nem conhecemos, quer no littoral quer no interior, a região africana que demora ao sul do Cunene e do Cubango e que se diz que em nossa. Poucas regiões ha, no vasto continente africano, que escapassem mais inteiramente á actividade incansavel dos nossos exploradores, dos nossos missionarios o dos nossos commerciantes; e tanto assim que quem olha para o mappa, para o de Justus Perthes por exemplo, vê marcados sobre os pantanos e os areaes do norte de Kaoko, do paiz dos ovampos, da margem esquerda do Cubango, os itinerarios de muitos viajantes inglezes e allemães, mas não encontra escripto um unico nome de viajante portuguez. Expedições nossas foram por mais de um mez á foz do Cunene, mas não se adiantaram para a sertão nem pesquisaram a costa do sul, e por isso ainda hoje se duvida se esse mysterioso rio terá algum braço que vá desaguar n'essa costa, assim como ainda ha dois annos se não sabia se o Coroca tinha communicações com elle, apesar d'esta corrente se lançar no mar a pouca distancia relativa dos nossos estabelecimentos.
Estes estabelecimentos tambem nunca se dilataram nem sequer para o planalto comprehendido entre o Cunene e o Cubango; e para o sul d'estes rios só consta que alguma vez se adiantaram, eventualmente, alguns commerciantes sertanejos. Nunca exercemos, pois, nem sombra de dominio sobre os territorios contiguos ao 18° parallelo; nem sequer conhecemos de nome os nossos suppostos compatriotas do litoral comprehendido entre a foz do Cunene e o Cabo Frio; e nunca fizemos caso nem d'aquelles territorios nem d'estes povos, senão quando nos persuadimos que outra nação queria estender sobre elles a sua soberania!
Esta é realidade das cousas, e é dessa realidade que se deve partir para apreciar com justiça a convenção que estamos discutindo.
Sr. presidente, deu a hora e eu não posso terminar aqui as minhas considerações. Peço, pois, a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão de ámanhã.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
N.° 124-A
Senhores. - Á vossa commissão de obras publicas foi presente a renovação de iniciativa do projecto de lei, apresentado á camara em 8 de abril de 1885, tendo por fim auctorisar o governo a mandar construir um porto artificial em Angra do Heroismo; sendo-lhe tambem presentes as representações dirigidas no mesmo mentido pela junta geral d'aquelle districto, e pela classe artistica terceirense.
A vossa commissão, de accordo com o governo, julga de todo o ponto indispensavel que desde já mande o governo organisar o plano e orçamento d'aquella obra, cuja realisação é de indubitável urgencia, habilitando-se a apresentar sobre elles, com a brevidade que as circumstancias recommendam, uma proposta de lei que auctorise a sua construcção.
Se for convertida em lei a proposta n.º 115-C, ficarão concluidos respectivamente em cinco e seis annos os portos da Horta e de Ponta Delgada, e não é justo, nem conveniente aos interesses da nação, collocar em circumstancias de tal fórma differentes as tres cidades açorianas, que duas d'ellas possuam todos os elementos de prosperidade, e a outra seja abandonada a uma rapida e inevitavel decadencia.
Da facilidade de accesso ao porto de Angra depende a sorte do commercio e da industria terceirenses, não se comprehendendo que uma ilha tão importante como a Terceira seja olvidada pelos poderes publicos.
Acha-se plenamente demonstrada a necessidade de construir um porto na Horta, e a vossa commissão, apresentando os dados estatisticos que se seguem, pretende evidenciar a justiça que assiste á cidade de Angra.
[Ver tabela na imagem]
População:
Cidade de Angra do Heroismo ....
Cidade da Horta ....
Ilha Terceira ....
Ilha do Faial ....
[Ver tabela na imagem]
Producção cerealifera em hectolitros:
Trigo ....
Milho ....
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1360 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
[Ver tabela naimagem]
As obras do porto de Angra foram ordenadas pelo duque de Bragança em 17 de maio de 1832; mas este decreto nunca se executou.
E é preciso que se não diga que a Terceira só era lembrada quando a invasão estrangeira constrangia os últimos defensores da independência a procurar um asylo longe do continente, ou quando os soldados que combatiam pela liberdade não encontravam outra terra onde tremulasse a bandeira constitucional.
Os serviços prestados á nação portugueza não podem ser esquecidos pelos seus representantes.
A vossa commissão é, pois, de parecer que os documentos sujeitos ao seu exame sejam enviados ao governo para os fins acima mencionados.
Sala da commissão de obras publicas, 21 de junho de 1887. = Manuel Affonso de Espregueira = Francisco de Lucena e Fara = Antonio Eduardo Villaça = Luiz de Melo Bandeira Coelho = José Augusto Barbosa Colen = Augusto Pinto de Miranda Montenegro = Ignacio Emauz do Casal Ribeiro = Eduardo Abreu = J. de Menezes Parreira, relator.
PARECER N.º 187-A
Senhores. - A vossa commissão do ultramar foi presente o requerimento, que deu entrada na camara dos senhores deputados da nação portuguesa, na sessão de 17 de maio findo, e que foi mandado para a mesa pelo sr. deputado Alfredo Pereira.
Para apreciar devidamente o pedido, que nesse requerimento faz João Raphael Pereira de Carvalho, antigo amanuense da secretaria do governo geral de Angola, de melhoria da reforma, que lhe foi concedida por decreto da 24 de agosto de 1881, conseguiu a vossa commissão do ultramar que, pela direcção geral do ultramar, lhe fossem fornecidos vários documentos officiaes, a alguns dos quaes se referia o requerimento.
Entre todos esses documentos figura, por copia, o officio, datado de 17 de março de 1882 e dirigido á camara dos senhores deputados da nação portugueza, pelo então sr. ministro da marinha e ultramar, o sr. conselheiro José de Mello Gouveia, que declarou que ao ex-amanuense da secretaria do governo geral da província de Angola, João Raphael Pereira de Carvalho, não fora, para a aposentação, levado em conta o tempo de serviço militar, porque a isso se oppõe a carta de lei de 28 de junho de 1864, que somente admitte para as aposentações os serviços prestados nos quadros das repartições do ultramar e do reino!
Entre os mesmos documentos, todos de grande valia para o caso em questão, existo, tambem por copia, a consulta do procurador geral da corôa e fazenda, de 17 de março de 1882, com relação á contagem para a aposentação do tempo do serviço militar do segundo official do ministerio da marinha, José Mathilde da Cunha.
Essa consulta, importante debaixo de todos os pontos de vista que seja encarada, affirma que não ha preceito legal, que mande contar para a aposentação o serviço militar, e concluo insistindo em que seria conveniente que o governo tomasse em todos os ministérios uma resolução uniforme, caso se julgue auctorisado a fazel-o, e no caso contrario, recorra ao parlamento, para, de uma vez, se pôr termo a centenares de reclamações particulares, que embaraçam o andamento de negócios bem mais importantes aos valiosos interesses da administração.
Por tudo o que fica exposto a vossa commissão do ultramar, attendendo muito especialmente ao que determina o artigo 131.° do regimento interno da camara dos senhores deputados, de 22 de março de 1876, e abstendo-se de emittir juizo sobre a matéria, é de opinião que o requerimento de João Raphael Pereira da Carvalho deve ser remettido ao governo, para o que invoca o que tambem está disposto no § 2.° do artigo 193.° do mesmo regimento.
Sala das sessões, em 16 de julho de 1887 = António Ennes = Alfredo César Brandão = Alfredo Pereira = Henrique de Sá Nogueira = João de Sousa Machado = Joaquim Alves Matheus = J. P. Oliveira Martins = J. J. Maria de Oliveira Valle = José Frederico Laranjo = Alfredo Mendes da Silva = Elvino de Brito = João Eduardo Scarnichia = Tito Augusto de Carvalho = José de Saldanha Oliveira e Sousa, relator.
Redactor = S. Rego.