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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
61.ªSESSÃO
(NOCTURNA)
EM 8 DE AGOSTO DE 4908
SUMMARIO. - Lida a acta, é approvada.
Ordem da noite: Continuação da discussão do projecto de lei n.° 25 (Orçamento Geral do Estado). - Usa da palavra o Sr. Estevam de Vasconcellos, fazendo varias considerações. - O Sr. Ministro da Marinha (Augusto de Castilho) apresenta uma proposta de accumulação relativa ao Sr. Deputado Ramada Curto. - O Sr. Conde de Azevedo participa a installação da commissão de pescarias e propõe que a essa commissão sejam aggregados varios Srs. Deputados. - O Sr. José Cabral manda para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre a proposta n.° 5-B (casas baratas). - O Sr. João Ulrich participa que a commissão de exame á administraçâo do reinado anterior o escolheu para secretario e ao Sr. Diogo Peres para relator. - Sobre o projecto de lei em discussão usa da palavra o Sr. Abel Andrade. - Requerida a contagem, pelo Sr. Brito Camacho, verificou-se não haver numero legal, sendo encerrada a sessão.
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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Presidencia do Exmo. Sr. Alfredo Pereira
Secretarios - os Exmos. Srs.:
João Pereira de Magalhães
Eduardo Valerio Augusto Villaça
Chamada: - Ás 8 horas e tres quartos da noite.
Abertura da sessão: - Ás 9 horas da noite.
Presentes: - 61 Srs. Deputados.
São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Alvaro Rodrigues Valdez Penalva, Amadeu de Magalhães Ijafante de La Cerda, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Aurélio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Mangualde, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Viilaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Francisco Cabral Metello, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Correia Mendes, Henrique de Mello Archer da Silva, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Duarte de Menezes, João Feliciano Marques Pereira, João Henrique Ulrich, João José da Silva Ferreira Netto, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João Soares Branco, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José de Ascensão Guimarães, José CabralCorreia do Amaral, José Estevam de Vasconcellos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis da Gama, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Roberto da Cunha Baptista, Vicente de Moura Continuo de Almeida d'Eça.
Entraram durante a sessão os Srs.: - Antonio Centeno, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde de Azevedo, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Calvet de Magalhães, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Pereira de Lima, Manuel Antonio Moreira Junior, Sabino Maria Teixeira Coelho, Visconde de Coruche, Visconde da Torre, Visconde de Villa Moura.
Não compareceram a sessão os Srs.: Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José de Almeida, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto César Claro da Ricca, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Arro-chella, Conde de Castro e Solla, Diogo Domingues Pores, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Carlos de Mello Barreto, João Correia Botelho Castello Branco, João Ignacio de Araujo Lima, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Pedro Martins, Jorge Vieira, José Antonio da Rocha Lousa, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Vieira Ramos, José Malheiro Reymão, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Rodrigo Aifonso Pequito, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Ollivã, Visconde de Reguengo (Jorge).
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SESSÃO NOCTURNA N.° 61 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 3
ABERTURA DA SESSÃO - Ás 9 horas da tarde
ORDEM DA NOITE
Continuação da discussão do projecto de lei n.° 25 (Orçamento Geral do Estado)
O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Sr. Presidente: o primeiro orador opposicionista, que falou na discussão do orçamento, principiou por declarar com uma modéstia inteiramente descabida, porque todos reconhecem o seu alto valor parlamentar e a sua competencia em assuntos financeiros, que apenas abria o debate em nome da opposição dissidente, pela circunstancia muito eventual de estarem ausentes ou doentes alguns dos seus collegas.
Eu principio por declarar que apenas abro o debate em nome da minoria republicar, pela circunstancia muito simples de ter de abandonar nesta occasião os trabalhos parlamentares para ir reassumir as minhas funcções de medico municipal.
Se não fora este facto eu teria escolhido para me inscrever, em assunto tão grave, outra altura do debate que fosse mais adequada á deficiencia das minhas aptidões e ao meu limitado tirocinio parlamentar. (Não apoiados).
Nas succintas e despretenciosas considerações que vou ter a honra de expor a V. Exa. e á Camara procurarei encarar o problema dos impostos.
E todos com prebendem decerto quanto esse problema é interessante na discussão do orçamento desde que se attenda a que, aparte os 4:500 contos provenientes dos proprios nacionaes e de outros rendimentos d" somenos importancia, os impostos constituem a fonte exclusiva de onde se extraem os recursos de que o Estado pode lançar mão para as despesas essenciaes á sua manutenção e para os melhoramentos que pela sua estructura material ou pelo seu alcance social contribuem para a prosperidade do país. (Apoiados).
D'ahi já se conclue a sua grande importancia.
Mas essa importancia ainda mais avulta pelo seguinte:
Os impostos não podem deixar de ter, pela acção que exercem em todos os phenomenos de producção, circulação e consumo, uma influencia decisiva na vida economica dum país, nas suas condições de existencia, na sua productividade agricola, no seu desenvolvimento industrial, em tudo o que concorre para a sua evolução progressiva, quando elle possue elementos de viabilidade que lhe permittem manter a sua autonomia politica e financeira, ou para o seu descalabro quando não possue esses elementos. (Apoiados).
Por isso mesmo que o assunto é de uma tal gravidade e de uma tal repercussão em toda a vida nacional, muito mal teem procedido aquelles que em Portugal se teem limitado a considerar os impostos como um processo de angariar recursos para o Estado, aumentando-os a esmo muitas vezes, com simples addicionaes, sempre que as circunstancias do Thesouro se tornem mais afflictivas. (Apoiados).
Basta attender á forma como hoje se encara em economia social este problema tão complexo para se ver bem como tem sido absurdo o systema geralmente adoptado entre nos para o lançamento de novos impostos.
Por isso mesmo que esse criterio não se tem baseado num conhecimento rigoroso das razões que determinara o imposto e das consequencias que elle pode produzir, os seus resultados não podem deixar de ter sido contraditorios e funestos.
O imposto não se cobra apenas para. que o Estado gaste em seu proveito e em beneficio dos seus agentes e apaniguados uma parte da riqueza nacional, que a todos pertence, e que antes deve redundar em beneficio da communidade.
Igualmente o imposto não se pode considerar uma transacção em virtude da qual os Governos correspondam aos sacrificios dos contribuintes, organizando e mantendo serviços que possam equivaler integralmente ás quantias cobradas.
Finalmente, o imposto nem sequer se pode classificar como uma especie de premio de seguro por meio do qual os contribuintes adquiram uma garantia efficaz de que os seus direitos serão sempre acatados, de que não se produzirá o menor attentado contra as suas regalias individuaes, que tudo emfim venha a decorrer nos limites da mais rigorosa justiça.
E se assim é, se o imposto constitue uma formula tão imperfeita embora indispensavel, a que o Estado tem de recorrer para garantir a sua propria manutenção, que ao menos se procurem tirar d'elle algumas vantagens sociaes, que não seja apenas um instrumento de oppressão e extorsão, que constitua antes um correctivo para as grandes iniquidades, para os privilégios monstruosos que a sociedade mantém.
É esta a minha orientação sobre o assunto mas comprehendo bem que a camara a julgue demasiadamente avançada. Com prebendo bem que ella me não acompanhe nas minhas aspirações, as quaes n'este ponto como em tantos outros se confundum com as dos socialistas collectivistas, muito embora me tenha limitado a declarar republicano, por isso mesmo que julgo a solução do problema economico dependente da solução do problema politico e não supponho possivel a realização de quaesquer medidas de caracter social num país administrado da forma como Portugal o tem sido com o regime monarchico.
E longe de mim, Sr. Presidente, a ideia de impor a minha orientação pessoal nesta discussão do orçamento.
Quero mesmo admittir por um momento que o imposto deva exercer uma funcção exclusivamente fiscal, que não possa mesmo concorrer para a solução do problema social.
É esta, de resto, a opinião de muitos economistas. Mas ha um ponto em que tudos estão de acordo - é que o imposto, quando não seja justiceiro, deve ao menos ser justo, quando não corrija as iniquidades sociaes, deve ao menos não as aggravar, tornando ainda mais precarias as condições de vida das classes pobres.
Ora admittida mesmo esta orientação opportunista, eu affirmo que o imposto em Portugal não tem assentado em bases scientificas.
Ainda se não pensou neste país em subordinar a distribuição dos impostos á capacidade contribuitiva d'aquelles que teem de os pagar, adaptando-os ás suas condições individuaes.
Ainda se não pensou em que o sacrificio deve ser para todos equivalente, isto é, que os impostos devem ser lançados de maneira que depois da sua cobrança todos os contribuintes se mantenham nas mesmas condições relativas em que anteriormente se encontravam.
E precisamente o contrario do que succede entre nós.
Os grandes potentados politicos, os caciques e influentes eleitoraes, os que se sabem impor a todos os Governos depois de pagarem as suas contribuições continuam vivendo com o mesmo conforto e ostentando a mesma opulencia.
Pelo contrario, o pequeno proprietario, que não dispõe de influencia politica, ou o pequeno industrial, que não é ouvido nas altas regiões do poder, soffrem muitas vezes pelo simples facto do pagamento dos impostos um tal des-
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equilibrio nas suas finanças, que se veem forçados a reduzir as despesas da sua modesta exploração agricola ou o material da sua modestissima officina de trabalho.
É a grande massa proletaria que nos grandes centros de Lisboa e Porto se agglomera em bairros infectos e insalubres, como não se alimentaria melhor, como não manteria mais proveitosamente a sua resistencia organica, como não resistiria mais ao contagio de tantas doenças infecciosas, se não fora o barbaro imposto de consumo!
Finalmente, ainda se não pensou em Portugal em estabelecer o chamado minimo de existencia, isto é, aquillo que se deve considerar fora da incidencia do imposto, por constituir o que é absolutamente indispensavel para a subsistencia de um individuo ou de uma familia. Nem ainda se pensou em garantir algumas isenções especiaes e justissimas para os contribuintes que, por terem de occorrer a maiores encargos de familia, veem aggravadas as suas condições de existencia.
E no entanto é certo que em alguns países como na Noruega, Suissa, Allemanha os impostos estão distribuidos de forma que são menos sobrecarregados os individuos que teem a seu cargo um numero maior de filhos ou de pessoas de familia e isto é inteiramente justo, razoavel e moralizador porque são precisamente ellas os que mais concorrem para o desenvolvimento da riqueza nacional. (Apoiados).
Sr. Presidente: sobre este assunto tinha eu uma nota interessantissima para a apresentar á Camara mas não a encontro neste momento.
Sempre direi no entanto que na Noruega os contribuintes estão distribuidos em quatro classes: os celibatarios e os individuos casados sem filhos; os que possuem uma familia de uma a tres pessoas, os que a teem de quatro a seis pessoas; e os que occorrem á subsistencia de mais de sete pessoas de familia. E esta distribuição está feita de maneira que para um rendimento de 1:104$000 réis a parte collectavel para os contribuintes da 1.ª classe é de 838$000 réis e para os da ultima de 607$200 réis.
Portanto admittindo mesmo que os impostos devam ter uma funcção exclusivamente fiscal e que não devam abrigar quaesquer pretensões de resolver o problema social é justo, é necessario que não aggravem ainda mais as condições de vida.das classes trabalhadoras.
E isto não apenas por um principio banal de humanitarismo ou em homenagem a quaesquer aspirações socialistas, mas por uma simples questão de bom senso.
Dadas as complicações sempre crescentes e as exigencias sempre progressivas do trabalho é indispensavel para o proprio interesse do capital e para o fomento da riqueza publica que o proletariado seja bem alimentado e reuna certas condições de bem estar. (Apoiados).
Exposta a minha orientação sobre a materia na generalidade passo a expor a V. Exas. á Camara o que penso ácerca da sua applicação num determinado país.
Sou o primeiro a comprehender que o imposto ideal, o imposto progressivo sobre o rendimento, que durante tanto tempo fez as delicias dos sociologos e dos politicos mais avançados, continua a constituir em todos os países uma aspiração muito platonica, um desideratum inexequivel.
Por maiores que sejam as vantagens dos impostos directos, porque são precisamente os que garantem um rendimento mais seguro e os que podem até certo ponto attenuar as iniquidades sociaes, é certo que os impostos indirectos continuam a prevalecer em todos os países.
Para confirmação deste facto passo a ler á Camara uma estatistica de onde se deduz a percentagem dos impostos directos em relação ás receitas totaes de alguns Estados da Europa.
(Leu).
Como V. Exa., Sr. Presidente, e a Camara veem essa percentagem é de 42,44 na Espanha; de 28,13 na Italia; de 23,50 na Hollanda; de 18,18 na Inglaterra; de 16,79 na França; de 19,90 na Hungria; de 17,10 na Austria; de 12,41 na Belgica e de 6,15 na Russia.
Se apresentei esta estatistica e insisto nestes confrontos é muito especialmente com o intento de. destruir a lenda, que os Srs. monarchicos tantas vezes teem espalhado, de que nos republicanos por uma mera especulação politica tentamos impor aos Governos deste país a suppressão de todos os impostos indirectos.
Não, Sr. Presidente! Nós procuramos - e já o temos demonstrado nesta Camara - fazer politica com uma orientação mais elevada e intuitos menos mesquinhos.
Por isso eu confesso, sem me preoccupar com quaesquer effeitos politicos, que os impostos indirectos teem sido e continuam sendo u principal fonte de receita nos países mais civilizados e progressivos.
E tanto assim o, que os dois países onde os impostos directos apresentam maior percentagem - a Espanha e a Italia - não se podem decerto considerar como modelos de boa administração, de prosperidade financeira e economica.
Podemos portanto assentar em- que no actual estado de cousas não é possivel uma remodelação radical dos impostos que produza a substituição completa dos indirectos pelos directos.
O que porem se está procurando fazer é reduzir os impostos indirectos aos productos que não são essenciaes á alimentação e ao bem estar das classes pobres, procurando ao mesmo tempo a verba necessaria para recompensar essa reducção no imposto de rendimento sobre as varias espécies de riqueza e no imposto sobre as successões.
Para exemplificação vejamos o que se tem passado na Inglaterra.
Confrontando as percentagens das receitas ordinarias observa-se o seguinte:
O income tax (imposto de rendimento que recae sobre os individuos cujas rendas são superiores a 750$000 réis annuaes) e que em 1871 e 1891 constituia 15 por cento da totalidade das receitas passou em 1901 a constituir 21 por cento.
O imposto sobre as successões que em 1871 attingia 5 por cento e em 1891 8 por cento d'aquellas receitas passou em 1901 a attingir 10 por cento.
Por sua vez os impostos alfandegarios e de consumo que em 1871 chegaram a 61 por cento, em 1891 desceram a 49 por cento e em 1901 a 45 por cento.
Devo accentuar que os impostos de consumo na Inglaterra já não incidem sobre os generos alimenticios de primeira necessidade, recaindo exclusivamente sobre as bebidas espirituosas, café, tabaco, cerveja, cação, chá, algumas frutas secas e em pequena quantidade sobre o trigo.
No anno de 1901 a Inglaterra para occorrer ás despesas extraordinarias provenientes da guerra do Transvaal não foi procurar o acréscimo de receita aos impostos de consumo; consegui-o antes no income tax, isto é, no imposto que incide exclusivamente sobre a riqueza sem aggravar directamente as condições de vida das classes trabalhadoras.
Por isso a Inglaterra é o país onde o problema da prophylaxia da tuberculose se teem resolvido com maior efficacia.
Em Portugal não houve ainda sequer o desassombro de encarar a questão dos impostos das successões.
Pois é indispensavel que esta questão, de um grande alcance social, seja ponderada e discutida.
Seja qual for a consideração que nos mereça a propriedade individual e sem procurar neste momento descrever a sua origem e evolução através da vida economica dos povos o que é incontestavel é que um imposto sobre as successões encerra uma grande justiça. (Apoiados).
E o Estado que garante ao proprietario e ao capitalista a possibilidade de transmittir os seus bens aos seus filhos;
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por isso mesmo é de uma grande equidade que o Estado usufrua alguns proventos dessa transmissão. (Apoiados).
Na França o imposto sobre as successões está regulado por uma forma progressiva, mas ao mesmo tempo tão suave, que o individuo que herda de seus pães uma fortuna de 200 contos de réis, tem de pagar ao Estado 2,5 ,por cento, isto é, a quantia de 5 contos de réis.
Não será isto absolutamente justo e regular? (Apoiados).
Não se deverão porventura tributar por este processo equitativo ao alcance do Estado aquelles que mais devem contribuir para para as suas despesas?
E ainda a proposito do imposto do rendimento devo notar que não é apenas na Inglaterra que elle tem dado resultados muito vantajosos.
Na Allemanha igualmente os tem dado o erwerbsteuer que incide sobre todas as rendas annuaes superiores a 225$000 réis, e na Italia, apesar da crise economica que este país vem atravessando ha largos annos, o imposto do rendimento rende hoje dez vezes mais do que em 1864.
Finalizando as minhas considerações sobre o que em materia de impostos se passa nos países mais importantes da Europa, eu vou restringir-me ao assunto no que diz respeito a Portugal.
Em primeiro logar é incontestavel que os impostos entre nos não rendem o que deveriam render (Apoiados) e não rendem o que deveriam render, porque a maior parte dos empregados de fazenda, pelas dependencias em que se encontram dos caciques e influentes locaes, não cumprem os seus deveres como era mester. (Apoiados).
Por esse motivo, a nossa riqueza territorial não se encontra tributada como o devia estar; e sobre uma parte importante da riqueza mobiliaria não chega a incidir qual quer imposto, em virtude da nossa defeituosissima organização tributaria.
Mas primeiramente desejo occupar-me do imposto do consumo.
Esta questão já se debate no nosso país ha annos; mas inicialmente apenas em estudos isolados, que não lograram despertar a attenção publica.
A Liga Nacional contra a Tuberculose, fundada em 1889, é que veio dar uniformidade a esses estudos, em que collaboraram os medicos que encaram o problema da prophilaxia como elle deve ser encarado e o limitado numero de pessoas que neste país se interessam pelo bem-estar das classes prolectarias.
E folgo em ver presente nesta Camara o Sr. Dr. Miguel Bombarda, que foi o elemento mais dedicado e perserverante dessa Liga.
Elle sabe bem como foi intensivo o seu trabalho de propaganda em conferencias successivas, que divulgaram nos centros mais importantes do país preceitos de hygiene individual e social, que proficuamente poderiam concorrer para a solução do problema.
Mas de toda essa propaganda apenas se conseguiu um resultado: foi levar ao espirito do publico a noção de que a tuberculos e é uma doença contagiosa e, por isso mesmo evitavel.
É certo que a convicção desta verdade já penetrou em todas as classes e em quasi todos os meios & apenas é para lamentar que os serviços clinicos estejam organizados por forma que em geral nem se sabem quaes são os tuberculosos. (Apoiados).
Todas as aspirações da liga que podiam depender da acção dos poderes constituidos fracassaram por completo e o problema encontra-se posto nos mesmos termos em que se encontrava ha annos, aparte a manutenção espectaculosa de uma Assistencia, para a qual contribuem todos os municipios do país sem d'ella tirarem o menor proveito. (Apoiados).
Veja V. Exa., Sr. Presidente, se alguma das conclusões approvadas no Congresso de Vianna do Castello de 1902 conseguiu qualquer sancção da parte dos Governos, veja V. Exa. como tudo o que lá se votou ficou inutil e inane.
As conclusões a que o Congresso chegou foram as seguintes:
(Leu).
Como a Camara vê, nessas conclusões, aparte um ou outro alvitre menos concretizado e menos exequivel, encontra-se condensado tudo o que em materia de impostos se poderia immediatamente legislar em beneficio do Thesouro e sem maior gravame para as classes pobres.
N'esse mesmo Congresso apresentaram-se estatisticas e fizeram-se confrontos de onde se conclue a influencia decisiva que o imposto do consumo exerce na alimentação publica.
Este facto tem toda a importancia, porque rebate por completo a opinião d'aquelles que tão peremptoriamente afiirmam que a extincção ou a reducção do imposto do cousumo pouco influe no preço dos géneros alimenticios.
Eu sei muito bem, Sr. Presidente, que não é apenas o imposto do consumo que contribue para a carestia da vida; eu sei muito bem que a especulação do intermediario concorre para esse facto.
O que, porem, é incontestavel, é a elevação constante que os generos alimenticios teem tido em Lisboa á medida que o imposto do consumo tem aumentado. (Apoiados).
Para provar, basta recordar alguns numeros que no Congresso de Vianna do Castello foram expostos pelo Sr. Dr. Silva Carvalho.
Principiarei por me referir ao preço médio das rações alimentares da Misericordia de Lisboa nos annos que decorreram de 1860-1861 a 1889-1890.
Em 1860-1861 era de 115,75 réis; gradualmente foi subindo até 167 réis em 1889-1890.
No Asylo das Criadas essas rações subiram do 1888 a 1901 de 75,93 réis a 92,97 réis.
Tiveram portanto um aumento de 25 por cento.
Estas notas são muito eloquentes.
Ellas destroem todas as duvidas e rebatem as affirmativas que o Sr. Pinto da Motta avançou nesta Camara em resposta ás considerações que expus na discussão da resposta ao Discurso da Coroa.
A media do consumo da carne por habitante nos diversos países da Europa é a seguinte:
(Leu).
Como se vê por esta estatistica, apenas ha um país na Europa onde o consumo da carne é menor do que em Portugal.
É a Italia.
E devo accentuar que são precisamente estes países, onde a alimentação é mais deficiente e que teem descurado todas as medidas de hygiene, aquelles que apresentam um contingente maior de tuberculosos.
Sr. Presidente: Ainda ha poucos dias eu li num jornal nacionalista um repto aos Deputados republicanos, para que estes apresentassem uma proposta de suppressão do imposto do consumo, acompanhada por um aumento correspondente de receita.
Curiosissimo repto!
Decerto eu desejaria apresentar a esta Camara uma proposta n'aquellas condições.
Mas em primeiro logar convém recordar que, como muito bem lembrou num artigo da Lucia o meu collega Sr. João de Menezes, esta discussão do Orçamento para ser efficaz deveria ser precedida de um largo inquerito a todas as repartições do Estado.
Só assim se poderiam destrinçar os serviços que são dispensaveis e os empregados que se tornam inuteis.
De um exame do Orçamento, por mais circunstanciado e rigoroso que elle seja, não se podem inferir quaesquer illações seguras.
Lendo o Orçamento, todas as despesas parecem justi-
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ticaveis e ninguém suppõe que seja excessivo o que se gasta com o funccignalismo.
Apenas um inquerito rigosos a todas as repartições publicas nos poderia elucidar ácerca dos empregados que se limitam a receber os seus ordenados sem prestarem o menor serviço ao Estado.
Outra medida que se tornaria indispensavel para a suppressão do imposto do consumo - tal como elle vigora neste país - seria uma remodelação completa do nosso systema tributario, tão tumultuario, iniquo e prejudicial aos legitimos interesses do Thesouro, que sobre uma parte importante da riqueza mobiliaria não chega á incidir o menor imposto.
Existem, é certo, varios impostos de rendimentos com designações mais ou menos adequadas e resultados mais ou menos effectivos.
Dá-se mesmo a circunstancia curiosa de subsistir uma chamada contribuição industrial que vae recair sobre individuos que, pelo serviço que desempenham, e pelos lucros que auferem, de maneira alguma se podem considerar industriaes.
Uma lei de imposto de rendimento que honra o seu autor e o partido progressista foi a de 1880, formulada por Barros Gomes, a qual nunca se chegou a cumprir.
Essa lei procurava realmente collocar sob a incidencia do imposto todos os rendimentos disfrutados, embora não produzidas no continente e ilhas adjacentes.
E esta incidencia seria inteiramente justificada, porque não é regular nem equitativo que sejam dispensados de contribuir para as despesas geraes do Estado os que em Portugal vivem em condições vantajosas de fortuna, usofruindo o rendimento de capitães collocados no estrangeiro.
Pode se talvez objectar que os individuos sobrecarrega dos por esse imposto passariam a residir noutros países.
O receio é infundado, porque sempre que se tem procurado lançar qualquer imposto que vá recair sobre a riqueza, a mesma ameaça se tem repetido sem que se traduza em quaesquer factos positivos.
Os que teem interesse, prazer ou commodidade em residir num dado país não se deslocam para outro país pelo simples facto de incidir sobre os seus rendimentos um imposto que, em geral, não vae alem de 2 ou 3 por cento.
E a outra objecção de que um tal imposto é por sua natureza vexatorio e muitas vezes insusceptivel de uma fiscalisação rigorosa não pode igualmente invalidar a justiça e opportunidade da sua applicação, por isso mesmo que todos os impostos acarretam vexames e nenhum d'elles se cobra integralmente.
Assente a impossibilidade, sem grave prejuizo para o Thesouro, da suppressão immediata do imposto do consumo, eu vou dar uma surpresa ao Sr. Ministro da Fazenda.
Depois de haver exposto doutrinas, que em face do nosso regime tributario se podem considerar ultra radicaes, depois de haver defendido principios que se confundem com as proprias aspirações socialistas, eu limito-mo a lembrar ao Sr. Ministro a conveniencia de renovar a sua proposta de reducção do imposto de consumo, apresentada em 1905.
Não se pode decerto ser mais opportunista, nem levar mais longe o espirito de conciliação.
E para demonstrar á Camara que subsistem hoje os mesmos argumentos que o Sr. Espregueira apresentou ha tres annos para justificar a reducção do imposto do consumo, passo a ler alguns trechos do relatorio que então acompanhou as suas propostas de fazenda:
(Leu).
Como a Camara vê, tudo absolutamente tudo, o que o Sr. Ministro da Fazenda escreveu no seu relatorio de 1905, conserva hoje toda a sua opportunidade.
O imposto de consumo continua a aggravar as condições de vida das classes pobres e a reducção aliás restricta que S. Exa. propunha, n'aquella occasião justifica se hoje pela mesma ordem de razões.
Ainda vou dar ao Sr. Ministro uma nova surpreza. Não sendo possivel calcular rigorosamente o prejuizo real que o Estado soffreria com a reducção proposta em 1905, por isso mesmo que ella não deixaria de acarretar um acrescimo de consumo e por isso mesmo que o Estado não deixa de ser consumidor, tendo a seu cargo as despesas de alimentação em varios estabelecimentos publicos, como quartéis e asylos, eu vou propor uma diminuição de despesa que até certo ponto recompensaria aquelle prejuizo.
V. Exa., Sr. Presidente, sabe muito bem o. carinho e a solicitude com que o actual Governo tem procurado manter toda a obra da ditadura franquiata (Apoiados), muito embora estejam nelle representados os dois partidos politicos que juraram guerra de morte a essa ditadura e prometteram revogar toda a sua obra. (Apoiados).
Pois esse carinho e essa solicitude foram até o extremo de não se averiguar se entre os decretos da ditadura havia algum que alem de aumentar os encargos do Thesouro não apresentasse sequer garantias de exequibilidade.
É precisamente o que succede com o que criou a famosa caixa de aposentações para as classes operarias.
A ditadura franquista depois de haver extorquido todos os direitos e esmagado todas as liberdades, entendeu que devia ludibriar o proletariado português. (Apoiados).
E para isso engendrou atabalhoadamente um decreto sobre aposentações operarias, que não foi procedido de um estudo consciencioso e que não apresentava a menor possibilidade de execução.
Sr. Presidente: Eu não desejo neste debate, que decorre sereno e calmo lançar uma nota irritante a proposito dessa ignobil ditadura, de que eu teria sido uma das victimas se se tivesse chegado a execuar o decreto de 31 de janeiro; não desejo sequer fazer-lhe qualquer apreciação, tão justamente apreciada ella já tem sido pelos meus collegas deste lado da Camara.
Mas não posso deixar de me referir um pouco detalhadamente ao decreto das aposentações operarias; tenho mesmo de corroborar a orientação que tive occasião de expor logo que elle se tornou publico.
No jornal o Mundo escrevi n'essa occasião um artigo em que divergia por completo da forma como a ditadura procurara resolver essa questão tão complexa e em que previa o que realmente depois succedeu, isto é, a inexequibilidade absoluta da nova caixa de aposentações. E principiava por accentuar o absurdo e o contrasenso de se procurar resolver uma questão que em poucos países ainda se encontra resolvida, taes são as difficuldades e embaraços da sua solução, com uma simples consulta previa aos interessados por intermédio dos jornaes. (Apoiados).
Na propria França, onde o assunto tem sido objecto de longas discussões tanto na Camara dos Deputados como no Senado, precedidas de largos inqueritos a todas as aggremiações mutualistas e a todos os centros operarios, o problema ainda se encontra insoluvel.
Pois esta questão tentou-a liquidar a ditadura franquista pela forma simplista e summaria que se vae ver.
O Estado, por mero arbitrio dos ditadores, contribuia com 200 contos de réis annuaes para a caixa das aposentações e quando as quotas dos operarios inscritos excedessem aquella quantia lançava-se um addicional sobre a contribuição industrial e sobre as decimas de rendas de casas superiores a 5$000 réis annuaes.
Este processo de resolver o assunto é simplesmente edificante. (Apoiados).
Na Allemanha que é o país onde esta questão se encontra resolvida ha mais tempo e por forma efficaz, os
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patrões e operarios, contribuindo com quotas quasi iguaes constituem a parte mais importante das receitas das caixas de aposentações, concorrendo apenas o Estado com uma contribuição relativamente pequena.
As receitas das caixas de seguros alie mas para a reforma são constituidas pela seguinte forma:
Pairoes, 15.880:000 marcos.
Operarios, 14.950:000 marcos.
Estado, 2.880:000 marcos.
E isto é inteiramente justo, por que o Estado, que já tem de occorrer á assistencia dos que adoecem ou se invalidam sem terem direito a qualquer subsidio ou reforma não deve assumir os encargos maiores da aposentação dos operarios.
Estes encargos devem antes recair sobre os industriaes em cuja riqueza elles collaboram e em cujo serviço tantas vezes arruinam a saude.
O decreto da ditadura franquista num país, cuja situação financeira é tão precaria principiava por lançar sobre o Estado um encargo annual de 200 contos e quando as quotas sobrescritas fossem alem dessa quantia ia aggravar a situação de muitos contribuintes, cujas condições de vida não são mais favoraveis que as dos proprios operarios. (Apoiados).
Mas quem investigasse as circunstancias do nosso meio social, deveria logo prever que a Caixa das Aposentações Operarias, instituida por esta forma, não offerecia sequer possibilidade de execução.
Eu fiz esta previsão, e logo que fui eleito Deputado prometti a mim mesmo liquidar o assunto cesta Camara com os proprios documentos oificiaes.
Para isso principiei por requerer uma nota dos operarios inscritos na famosa caixa. Veiu esta nota, que tenho presente. E de 213 socios.
Mais tarde requeri uma nota da totalidade das quotas sobrescritas. Tenho-a igualmente presente. É de 161$560 réis.
Ora eu pergunto á consciencia da Camara senão se deve considerar uma caixa encravada essa caixa de aposentações, que decretada e installada ha alguns meses apresenta um tal numero de socios e um tal rendimento de quotas. (Apoiados).
Igualmente pergunto ao bom senso da Camara se é justificavel ou admissivel que o Estado continue a concorrer com duzentos contos annuaes para uma obra, que não passou de uma mystificação de momento e cuja inexequibilidade já não pode hoje offerecer a menor duvida.
E essa verba de duzentos contos de réis que eu proponho que seja applicada á reducção do imposto de consumo.
E se o Sr. Ministro da Fazenda entender que ella é deficiente para recompensar o Thesouro, do prejuizo que possa vir a soffrer em virtude da reducção proposta em 1905, eu restringirei o meu alvitre e limitar-me-hei a propor que a reducção se torne exclusivamente extensiva ás carnes.
Evidentemente não me preoccupo, nem me impressiono com a critica dos que me possam arguir de menosprezar os interesses das classes trabalhadoras, dando o golpe de morte numa reforma social, que lhes poderia aproveitar.
Sempre tenho sustentado e continuo sustentando a doutrina, de que reformas sociaes apenas se podem executar com exito em países de relativa prosperidade economica e financeira, onde existem sentimentos de solidariedade e civismo.
E de todas ellas a menos complicada e complexa e por isso mesmo o mais exequivel, é uma lei de accidentes de trabalho, que já vigora em todos os países civilizados.
Em Portugal apenas existe sobre o assunto o meu projecto de lei apresentado no inicio da actual legislatura o qual continua dormindo no seio das respectivas commissões o somno das coisas inoportunas, segundo a frase tão caracteristica do jornal que é orgão do partido regenerador. (Apoiados).
Sr. Presidente: na discussão do orçamento geral do Estado e no ponto de vista restricto em que me colloquei procurei acima de tudo ser coherente com a orientação sociologica, que sempre tenho seguido, a com a defesa, que sempre tenho procurado fazer com desassombro e sinceridade dos legitimos interesses, das legitimas aspirações das classes proletarias.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Marinha (Augusto de Castilho): - Mando para a mesa a seguinte
Proposta de accumulação
Em conformidade do disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Senhores Deputados da Nação permissão para que possa accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as do seu emprego e commissões dependentes d'este Ministerio o Sr. Deputado Antonio Duarte Ramada Curto.
Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 8 de agosto de 1908. = Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha.
Lida na mesa, é approvada.
O Sr. Moreira de Almeida: - Requeiro que se proceda á contagem dos Srs. Deputados presentes.
Fez-se a contagem.
O Sr. Presidente: - Declara acharem-se presentes 55 Srs. Deputados, pelo que podem proseguir os trabalhos.
O Sr. Conde de Azevedo: - Mando para a mesa a seguinte
Participação
Participo a V. Exa. que se acha installada a commissão de pescarias tendo como presidente o Sr. Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça e ao participante como secretario. = O Deputado, Conde de Azevedo.
Manda igualmente para a mesa a seguinte
Proposta
Em nome da commissão de pescarias proponho que á mesma sejam aggregados os Srs. Deputados Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, João José Ferreira Netto e Joaquim José Pimenta Tello. - O Deputado, Conde de Azevedo.
Lida na mesa, é approvada.
O Sr. José Cabral: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre a proposta de lei n.° 5-B, que tem por fim promover a construcção de casas em boas condições para classes pouco abastadas e operarios.
Vae a imprimir.
O Sr. João Ulrich: - Mando para a mesa a seguinte
Participação
Participo a V. Exa. e á Camara que a commissão de exame á administração do anterior reinado me escolheu para seu secretario, sendo nomeado para relator da mesma commissão o Sr. Deputado Diogo Domingues Peres.
Sala das sessões, em 8 de agosto de 1908. = O Deputado, João Henrique Ulrich.
Para a secretaria.
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O Sr. Abel Andrade: - Fala em seguida ao Deputado republicano Sr. Dr. Estevam de Vasconcellos; mas, em verdade, não responde, porque, á parte uma ou outra apreciação politica - bem poucas foram ellas - concorda plenamente com a orientação do seu discurso.
Não tem o imposto em Portugal uma organização scientifica. Contestar esta asserção equivaleria a desconhecer a theoria moderna do imposto ou o regime tributario de Portugal. Por processos empiricos, obedecendo sempre a necessidades de momento, tem sido tecida no nosso país a emmaranhada rede dos impostos.
Não se tem attendido á capacidade productora do contribuinte, o que determina irritantes desigualdades nos sacrificios impostos ao contribuinte. Muito poderia dissertar sobre este ponto, mas não o faz; concorda, a este respeito, com a orientação do orador que o precedeu.
O imposto de rendimento apenas é contribuido com verdade pelo empregado publico, sempre tão mal julgado, e pelos portadores dos titulos da divida publica.
E quanta iniquidade vae na distribuição da contribuição predial?! Não quer referir-se, neste momento, a semelhante aspecto do problema, apesar de ter presente um processo, pacientemente organizado, desta contribuição. Ha de faze-lo ainda nesta sessão legislativa. No caso contrario publicará o resultado das suas investigações no Diario desta Camara.
Dirá apenas de passagem que a predial rende, entre nos, para o Estado muito menos do que devia render.
Qual deve ser o rendimento da contribuição predial?
Estabelecida a percentagem certa e permanente de 10 por cento sobre a importancia do rendimento collectavel inscrito, a que se refere o § 2.° do artigo 7.° da lei de 17 de maio de 1880, a questão reduz-se a determinar o quantum do rendimento collectavel da propriedade.
Havendo duvidas e incertezas sobre a determinação desse rendimento, todos reconhecem que o rendimento collectavel de 38.259:744$523 réis está muito longe da verdade.
Não nos demoramos na exposição e critica dos processos empregados para determinar o rendimento collectavel da nossa propriedade. Ainda ha pouco tempo, um collega nosso, o Sr. Anselmo Vieira, publicou um livro A questão fiscal e as finanças portuguesas, em que se entregou a semelhante estudo. Tanto o livro, como o estudo, estão bem ao lado dos melhores trabalhos do género publicados no estrangeiro.
Já Silva Carvalho, no Relatorio sobre o estado financeiro de Portugal, apresentado ao Principe D. Fernando em 14 de maio de 1836, dizia que a décima (imposto predial), depois de cobrada pelo novo regulamento, devia render mais 25 por cento. E, mais adeante, acrescentava: "a decima, na maior parte do reino, está muito mal distribuida".
Ao diminuto rendimento da decima (dizimus) se referem ainda Miguel de Bulhões no livro A Fazenda Publica em Portugal, e Ferreira Borges nos Principios de syntetologia, publicado em Londres, em 1831.
Rebello da Silva e Carlos Ribeiro, aquelle na Economia rural, de 1867, e este no Relatorio sobre o imposto predial, de 1872, permittem fixar o rendimento collectavel em 47.000:000$000 e 56.000:000$000 réis. E quanto se valorizou a propriedade desde 1867 e 1872 até aos nossos dias?
As monographias publicadas em 1900 no Portugal au point de vue agricole e os relatorios de alguns agronomos justificam a doutrina que attribue só á propriedade rustica contribuição predial no valor de 7.000:000$000 réis.
O Sr. Anselmo Vieira, depois de estudar demoradamente este assunto, conclue:
"Qualquer que seja o documento de informação, a que nos soccorremos, elle ministra-nos elementos seguros, pelos quaes se conclue que a propriedade rustica e urbana, produzindo de impostos geraes e locaes 6:000 contos de réis, não dá o que deve dar, a despeito das taxas de contribuição serem, em alguns casos, de 15, 18, 20 e mais por cento, o que prova á evidencia a sonegação de rendimentos. Se os cálculos mais modestos aproximam de 70:000 contos de réis o rendimento collectavel de toda a propriedade rustica, a simples taxa de 10 por cento bastava para fazer produzir a contribuição predial 7:000 a 8:400 contos de réis, se a taxa fosse, entre o imposto para o Estado e as percentagens para as corporações locaes, de 12 por cento, como é em França".
Mas todas estas indicações poderiam reputar-se insufficientemente fundamentadas. Não temos a estatistica da nossa riqueza predial. Tudo são hypotheses.
Parece-lhe poder fazer a demonstração da mesma these, que até ao presente se estabelecia por simples conjecturas.
Dos relatorios das commissões nomeadas pelo decreto de 17 de março de 1893 consta que em matrizes prediaes do valor de 752:337$424 réis as commissões encontraram materia collectavel no valor de 1.026:915$719 réis, ou seja um aumento de 274:578$295 réis, que corresponde a 36,4 por cento.
Assim:
[Ver tabelas na imagem]
(a) Matrizes que já tinham sido revistas.
(b) Esta commissão ainda não tinha apresentado o resultado dos seus trabalhos.
(c) Em todo o districto menos no concelho de Alemquer.
(d) Esta ccmmissão ainda não se tinha constituido.
As mesmas commissões, continuando o seu trabalho, encontraram, em matrizes prediaes do valor de réis 2.062:300$000, materia collectavel no valor de réis 3.011:500$000, ou seja um aumento de 949:200$000 réis, que corresponde a 46,03 por cento.
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Assim:
[Ver tabela na imagem]
As mesmas commissões, proseguindo no seu trabalho, encontraram em matrizes prediaes no valor de 2.684:4210$76 réis, materia collectavel no valor de 4.041:117$427 réis, ou seja um aumento de 1.356:696$351 réis, correspondente a 50,05 por cento.
Assim:
Synthese dos trabalhos da commissão de inspecção e avaliação de predios, nomeada por decreto de 18 de março de 1893
[Ver tabela na imagem]
Observa-se, pois, que a um aumento 110 valor das matrizes reformadas, de 1.309:962$756 réis (2.062:300$000 - 752.377$424 = 1.309:962$576 réis), corresponde um crescendo da percentagem (36,4 por cento) igual a 9,63 por cento (46,03 por cento - 35,4 por cento = 9,63 por cento).
Mais se observa que a una aumento no valor das matrizes reformadas, de 622:121$076 réis (2.684:421$076 - 2:062:300$000 = 622:121$076 réis), corresponde um crescendo de percentagem (46,03 por cento) igual a 4,02 por cento (50,05 por cento - 46,03 por cento = 4,02 por cento).
Se o crescendo da percentagem continuasse uniformemente, como na avaliação das matrizes no valor de réis 1.309:952$576, isto o, se aumentasse na razão de 9,63 por cada 1.309:962,75 réis de matriz predial reformada, ao aumento, no valor das matrizes prediaes reformadas, de 622:121$076 réis (2.684:421$076 - 2.062:300$000 = 622:121$076 réis), corresponderia um crescendo de percentagens igual a 4,5 por cento.
Ora succede que, tendo-se encontrado o aumento de percentagem, de 4,02 por cento, para o aumento do valor das matrizes reformadas, de 622:121$076 réis, é permittido admittir que a percentagem aumenta de 4 por cento com a reforma das matrizes reformadas no valor de 622:121$076 réis.
Como das matrizes prediaes reformadas, no valor de 2.684:421$076 réis, a 31.818:548$248 réis (rendimento collectavel no anno de 1894, por decreto de 30 de julho de 1894), vão 29.134:127$172 réis obteremos assim a percentagem total:
[Ver formula na imagem]
Ora 234% de 31.818:548$428 réis = 74.455:392$809 réis o aumento uniforme de 4% por cada 622:121$076 réis, alem da percentagem de 50%, determina o rendimento collectavel de 74.455:392$899 réis.
Com esta base, e com a percentagem de 10%, a predial devia render 7.500:000$000 réis. E rende, pelo orçamento, para 1908-1909, a quantia de 3.494:200$000 réis!
A predial deve render mais 3:500 a 4:000 contos de réis, desde que se obrigue a pagar quem deve pagar.
Deviam ser corrigidos os trabalhos das commissões de 1893? Certamente. Mas convém ponderar que, tendo de haver correcções para mais e para menos, é honesto conservar-se o numero achado.
As commissões de 1893 apenas examinaram propriedades inscritas nas matrizes; não examinaram as omissas, que eram em grande numero. E havia-as omissas, rusticas e urbanas.
As commissões de 1893 apenas examinaram em muitos concelhos prédios descritos ha mais de 20 annos. E são estes os que produzem actualmente maior rendimento.
Não o difficil concluir que na predial se encontra urna formidavel contribuição para o equilibrio do nosso orçamento.
Fez-se em Franca uma situação politica para realizar a separação entre a Igreja e o Estado. A Italia organizou Ministerio para resgatar os caminhos de ferro. A França d'este momento tem um gabinete que pretende apenas organizar o imposto de rendimento e resgatar o Sueste. E a Inglaterra preoccupa-se, sobretudo, com o problema da assistencia.
Porque não ha de organizar-se em Portugal uma situa-
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ção politica para obrigar a predial a render o que deve render?! Que obra patriotica seria a desse Ministerio!...
Receou o illustre Deputado referir-se nesta camara conservadora á funcção socialista do imposto. Pela minha parte, e sou um conservador, não teem razão de ser esses receios. Reconheço essa doutrina. Os Estados, ou por sua livre vontade, ou forçados pela corrente das ideias, farão mais ou menos socialismo opportunista com o imposto progressivo. A Inglaterra a par do imposto de consumo tem o imposto de rendimento (income taxe) de caracter progressivo, e as taxas successivas, sobretudo desde 1894, são progressivas. Na Prussia, a lei de 1891 criou a einkom-mensteuer, de base progressiva.
A França caminha timidamente neste terreno.
A sua contribuição mobiliaria possue caracter progressivo. Parecido regime é o do imposto sobre as successões.
Insurgiu-se o Deputado republicano contra o imposto do consumo, que tanto afflige as classes trabalhadoras.
E necessario reduzir ou eliminar essa tortura social. Lembra o exemplo da Itália que, tanto nas cornraunas abertas, como nas fechadas, vae substituindo gradual e prudentemente o imposto de consumo por outras receitas, inclusive subsidio do Estado a essas communas. Siga-se o exemplo da Bélgica que, pela mão de Frère Orban, fez a grande reforma social.
Recordou o Deputado Sr. Estevam de Vasconcellos a proposta de 1905 do Sr. Conselheiro Espregueira. Reduza-se o imposto de consumo, como se propunha em 1905, e substitua-se a renda, que desapparece, pela verba de 200:000$000 réis com que a ultima situação politica pretendeu organizar a caixa de aposentações para as classes operarias e trabalhadoras.
Concorda com a orientação do Deputado republicano. Essa caixa de aposentações com a subvenção de réis 200:000$000 e mais receitas do decreto de 29 de agosto de 1907 é irrisoria. Acabe-se com isso, restituindo as quotas aos ingenuos pensionistas. Aproveite o Estado esses 200:000$000 réis e termine com uma instituição que desacredita entre nós uma das mais bellas invenções da previdencia moderna. Festejaria uma reforma que diminuisse o imposto de consumo na cidade de Lisboa proporcionalmente á diminuição da despesa de fiscalização com a reducção da area proposta em 1905 e á economia dos réis 200:000$000 da caixa.
Fez o Deputado republicano o elogio caloroso da lei Barros Gomes sobre o imposto de rendimento. Acompanho-o nesse applauso. Mas maior seria o assentimento do orador á lei Barros Gomes, se a Camara não houvesse alterado, deturpando um pouco, a orientação da proposta do Ministro.
Não insiste nesta orientação. Concorda com o orador na generalidade da sua orientação. Inutil seria pretender arrombar uma porta... aberta.
O adversario é hoje o Sr. Dr. Antonio Centeno. Vae responder ao discurso do illustre Deputado. Não pode deixar de faze-lo, mesmo depois do magistral discurso do Sr. Conselheiro Espregueira.
Não é indifferente á commissão do orçamento que, num discurso despido de paixão politica, o Sr. Dr. Antonio Centeno discorde da sua orientação. A singular aptidão do Deputado, a que se refere, em questões, financeiras e de orçamento, dão-lhe ha muitos annos um logar inconfundivel nesta Camara.
A commissão do orçamento pretendeu fazer uma obra sua. Conhecia a independencia com que na Belgica e na Italia procedeu sempre, na analyse do orçamento, a secção central da Camara dos representantes belgas e a junta geral do orçamento italiano. Sabia que á autonomia dessa secção central e dessa commissão do orçamento se attribuiu a perfeição do orçamento, verdadeiramente modelar, d'aquelles países. Sentia-se mal dentro, do nosso modelo, textualmente copiado do figurino francês. Começou de reagir.
O trabalho da commissão representa um principio de emancipação.
E quando fala em autonomia não se refere mesmo indirectamente ás pressões do Governo ou de qualquer Ministro. O assunto é delicado, e deixa a um publicista frances, Maxime Leroy, o cuidado de definir a autonomia de que fala. O trecho que vae reproduzir parece escrito por portugueses.
Maxime Leroy, num livro interessante, As transformações do poder publico, editado no anno ultimo, tem um capitulo (o V), que se intitula: Subordinação do Parlamento á administração. Ahi se lê o seguinte trecho: "Os relatores do orçamento queixam-se da impossibilidade de examinar com utilidade os projectos de credito e os estados de despesa, que lhes enviam as administrações publicas... Deve acrescentar-se que os relatorios do orçamento são preparados, se não integralmente escritos, por empregados escolhidos pelos relatores, ou benevolamente postos á sua disposição pelas proprias administrações".
Deve a commissão do orçamento obter do Governo e das estações officiaes todos os esclarecimentos necessarios para a formação do seu juizo a respeito do orçamento, e redigir conscienciosamente o seu parecer. Mas, sob pena de se converter em pueril ficção a fiscalização parlamentar do orçamento, não deve a commissão ser chancella da obra do Governo ou reflector benevolo dos desejos da administração. A commissão do orçamento deve redigir o seu parecer, e não o parecer do Governo ou das administrações dos serviços.
A secção central belga realiza a primor esta orientação Apresenta por escrito perguntas ao Governo, a que o Governo responde precisamente. A seguir, a secção critica as respostas do Governo. É a este respeito notavel o trabalho da secção central, desde 28 de novembro de 1907 a 22 de abril de 1908, sobre o orçamento do exercicio de 1908.
Vae referir-se de modo especial a esse trabalho. É necessario que todos se convençam de que, na pratica do novo regime que está iniciado, não vae desprestigio do poder, nem absorpção de funcções. O novo regime representa apenas uma condição necessaria para a fiscalização parlamentar do orçamento, feita por uma commissão delegada da Camara. Nada mais.
A secção central belga, ao discutir o orçamento das receitas (voies et moytns) para 1908, formulou muitas perguntas ao Governo.
Ao apreciar a influencia da crise americana na finança belga, perguntou:
"No debate da discussão do privilegio do Banco Nacional, o Governo mostrou-se favoravel á ideia do dearing house. Que esforço fez para o realizar? A que resultado chegou?
O Governo não estuda os meios necessarios para attenuar o exodo ou o effeito do exodo das moedas de 5 francos?
Não pensa em cunhar mais moeda divisionaria?
Pode calcular-se o prejuizo do Banco Nacional se arrecadar as moedas exportadas?
O commercio e a industria soffrem o reflexo das crises que se produziram noutros países e que obrigaram o Banco Nacional a elevar successivamente a taxa de desconto. O Governo deve ter-se preocupado com esta situação. Que providencias conta tomar para eliminar ou attenuar os effeitos de semelhantes repercussões?"
Ao apreciar a baixa do imposto sobre o alcool perguntou:
"Alguns membros da secção central julgam que se desenvolve o fabrico fraudulento do alcool, explicando-se assim a diminuição do fabrico do alcool declarado.
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Qual a opinião do Governo? Como a fundamenta?"
Ao discutir-se o orçamento para 1907 o Governo Belga, em resposta a uma pergunta da secção central, disse que reformaria em breve a perequacão cadastral.
Decorreu o anno de 1907, e o Governo nada fez. A secção central, ao apreciar o regime de impostos, relata os factos succedidos no anno ultimo a respeito da perequação cadastral; recorda, a promessa do Governo; cita a pag. 37 do documento n.° 20, em que ella se encontra, e conclue muito se deseja que a reforma não se demore. E a seguir pergunta:
"Alguns membros da secção central desejam conhecer as intenções do Governo ácerca da perequacão cadastral. Quando está terminado o trabalho? Quando se applicará o resultado do trabalho?
A proposito da contribuição de registo, perguntou:
"Não tenciona o Governo solicitar da Camara, nesta sessão, o exame do projecto de lei que reduz a contribuição de registo e de transcrição, era beneficio da pequena propriedade?"
Como estas, succedem-se, nos pareceres da secção central sobre os 16 orçamentos especiaes da Belgica, as perguntas sobre as mais diversas questões de administração publica. A todas ellas responde o Governo precisamente.
A attitude da secção central ácerca do orçamento do Ministerio dos Negocios Estrangeiros mostra até onde vae a intervenção daquella delegação da Camara. Algumas perguntas da secção central:
"Não é excessivo o pessoal subalterno do Ministerio dos Estrangeiros?
O Ministerio proseguiu as negociações para facilitar as citações no estrangeiro?
O Ministerio proseguiu as negociações para fechar convenções internacionaes sobre accidentes de trabalho?
Qual o vencimento dos cônsules e vice-consules de carreira, e sua comparação com os cônsules e vice-consules dos países vizinhos?
Não seria possivel garantir ao Recueil consulaire uma periodicidade regular e dar-lhe um aspecto typographico mais nitido e moderno?
A todas estas perguntas, formuadas por escrito, responde o Governo com a máxima nitidez, por escrito também. Para a Camara formar uma ideia da minucia com que o Governo responde, vou ler a resposta á ultima pergunta sobre o Recueil consulaire:
"O Recueil consulaire publica-se por fasciculos; a maior parte d'elles apenas teem um relatorio, ou muitos sobre o mesmo país.
O custo do fasciculo é muito variavel; vende se em separado, e o preço varia tambem com o numero de paginas.
Convém observar que a epoca do anno mais favoravel para a remessa dos relatorios dos agentes de serviço no estrangeiro depende de circunstancias locaes, a que é necessario attender.
O Ministerio dos Negocios Estrangeiros e força se por fazer publicar esses trabalhos o mais depressa possivel, e, se pretendesse impôr-lhes uma periodicidade regular, arriscava se a retardar-lhes a publicação.
Quanto ao aspecto typographico do Recueil consulaire e á qualidade do papel, são regulados pelo contrato que termina no fim de 1911.
O custo actual do Recueil é minimo; a assinatura custa 1,25 francos por volume de 500 paginas. Muitos fasciculos custam apenas 30 centimos.
Parece difficil melhorar as condições materiaes da impressão dessa publicação, sem aumentar o preço e portanto, reduzir a venda.
De acordo com os homens de negocios, que são os leitores habituaes do Recueil consulaire, devem introduzir-se algumas reformas nesta publicação".
Deste modo comprehende a camara como se exerce a fiscalização parlamentar do orçamento belga. E todos comprehendemos como deve exercer-se a fiscalização parlamentar do orçamento português.
Alguma cousa fez a commissão do orçamento neste sentido. Se a sua orientação tiver espirito de sequencia, está iniciada uma revolução salutar nos processos da nossa contabilidade.
A publicação da nota das despesas nora o magisterio dos lyceus, da situação dos editicios escolares, da contribuição de seguros arrecadada, das dividas do Ministerio do Reino e das Obras Publicas, dos documentos relativos ás finanças das provincias ultramarinas, dos esclarecimentos relativos aos serviços florestaes e do poito de Lisboa revelam essa autonomia da commissão do orçamento, que tambem se affirmou em muitas disposições do projecto de lei n.° 25. E a revelação da necessidade de trazer ao Parlamento, arrancando e ás facilidades do Acto Addicional, o orçamento das provincias ultramarinas e do districto autonomo de Timor; e o rasgado programma de reformas que, no entender da commissão, deve introduzir-se na technica do orçamento, revelam á saciedade o espirito de independencia, que inspirou todos os trabalhos da commissão. Haja o espirito de sequencia, a que se referiu o Sr. Dr. Antonio Centeno, e está feita uma revolução, iniciada pela commissão, e a que o Governo, e de modo especial o Sr. Ministro da Fazenda, prestaram franco assentimento.
Pretendeu a commissão simplificar a contextura do orçamento e torná-lo de intelligencia facil. Para conseguir esse fim desintegrou a proposta de lei em três projectos, os n.ºs 23, 24 e 25, adaptando a Portugal a emenda Berthelot. Não insiste na vantagem dessa desintegração, que se acha largamente fundamentada no parecer. Vae apenas tratar de apreciar a critica do Sr. Dr. Centeno.
Na opinião do Sr. Dr. Centeno a lei de receita e despesa deve autorizar a arrecadação das receitas, descrever as despesas do Estado e conter os meios necessarios para equilibrar o orçamento, isto o, as disposições que criam receitas se é necessario supprir um déficit ou as destinem a determinado fim, se o orçamento fecha com superavit. O contrario é inconstitucional e representa uma deshones-tidade financeira.
Não concorda com esta orientação do Sr. Dr. Centeno.
O orçamento é um estudo de previsão de receitas e despesas, segundo as leis preexistentes. Não quer repetir a doutrina do parecer. Mas ou se considere a lei do orçamento uma lei material ou formal, o orçamento apenas assegura a execução das leis preexistentes.
Cousa notavel! Os proprios publicistas das nações em que a lei de receita e despesa contém disposições estranhas á fixação das receitas e descrição das depesas, revindicam nos seus livros a verdadeira doutrina.
A França abusa das disposições parasitarias da lei do orçamento? Não o faz em nome das theorias proclamadas pelos seus publicistas. Diz Boucard e Jère: "O orçamento applica apenas as leis preexistentes".
A Italia uma o outra vez enveredou por essa orientação? Pois caminha por mau terreno. Diz-lhe o sábio professor da Universidade de Napoles, gloria de finança italiana: "Nem segue o melhor caminho: nem pratica as mais correctas normas constitucionaes": São palavras de Nitti.
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O Sr. Dr. Centeno, com o arrojo da sua these, que serviu apenas para mostrar o brilho do seu espirito - sempre interessante, mesmo quando sustenta uma causa indefensavel - sustentou uma doutrina absolutamente nova, e contraria aos mais elementares preceitos da simplicidade orçamental.
Discutir no orçamento as providencias necessarias para supprir o deficit orçamental? Ou para destrinçar o saldo?
Como discutir o Orçamento Geral do Estado a par de reformas que produzam 2.000:000$000 ou 3.000:000$000 réis de impostos? A par, por exemplo, do contrato como Banco de Portugal?
Como discutir o Orçamento Geral do Estado a par de reformas de serviços que consumam 500:000$000 réis ou 1.000:000$0000 réis de receitas?
Nem se discutiria o orçamento, nem as disposições de equilibrio orçamental.
Alem de que, a theoria do Sr. Dr. Centeno desorganizaria as leis, permittiria a approvação de propostas ou projectos imperfeitamente estudados e perturbaria a analyse do orçamento, cuja approvação desmerecia.
É absolutamente nova a these do Sr. Dr. Centeno. A pratica parlamentar das disposições parasitarias do orçamento tem sempre uma destas origens: rapidez do processo legislativo, subtracção de reformas á apreciação do Parlamento, rivalidade entre as duas Camaras, na Inglaterra e na America, e de qualquer das duas Camaras com o Presidente, na America.
Em nenhuma nação se julgou jamais que o orçamento era o logar mais proprio para discutir as reformas de equilibrio orçamental.
O Sr. Antonio Centeno: - Disse que a lei de receita e despesa deixa comprehender as disposições de caracter temporario, annual, necessarias para cobrir o deficit ou destinar o superavit...
O Orador: - Embora não tivesse apprehendido assim a theoria do illustre Deputado, subsiste toda a argumentação d'elle orador. Ou se trate de providencias de caracter permanente ou temporario, annual, não é a lei de receita e despesa o logar mais proprio para as discutir, desde que, por essas providencias, se devem obter 3.000:000$000 ou 4.000:000$000 réis, quando o orçamento fecha com um deficit.
Modelar é o orçamento da Confederação Suissa. Os orçamentos de 1907 e de 1908 fecham com um deficit de 2.140:000 francos e 1.270:000 francos, que não indicam o meio de supprir.
O orçamento da Italia para 1908-1909 fecha com um superavit de 43.385:299 liras e não indica o destino desse saldo.
O orçamento belga para 1908 regista o saldo de 407:270 francos, a que não indica a applicação.
Mas existe uma notavel contradição na theoria do Sr. Dr. Centeno. Reconhece que no orçamento não devem ser alteradas as leis de despesa, podendo ser modificadas as leis da receita. E a propria intelligencia da emenda de Berthelot, que, referindo se ás despesas limitadas pelas leis anteriores, não indica essa restricção para as receitas.
A theoria do Sr. Dr. Centeno conserva-se nos orçamentos com deficits. Mas. como destinar os saldos dos orçamentos de superavit, sem modificar os serviços?
Impossivel.
A logica obriga o Sr. Dr. Centeno a reconhecer que é, pela sua theoria, permittido modificar no orçamento o regime de receitas e organizações de serviços. E para esta conclusão não deseja conduzir-se o illustre Deputado.
A doutrina da commissão do orçamento nem é anti-constitucional, nem representa uma deshonestidade financeira. A theoria do illustre Deputado é que é illegal, por contraria ao disposto no § 1.° do artigo 8.° da lei de 25 de junho de 1881, que diz: "o Orçamento Geral do Estado descreve a receita e a despesa do Estado", e do artigo 9.° da lei de 20 de março de 1907, que não dispõe de modo diverso.
Feita assim a demonstração de que é insustentavel a theoria do Sr. Dr. Centeno, vae apreciar algumas considerações feitas pelo illustre Deputado.
Disse o illustre Deputado que o artigo 11.° e § unico do projecto n.° 25 não traduzia precisamente a doutrina da emenda Berthelot. E para o demonstrar aproximou um artigo do texto daquella emenda, que se encontra a pag. 4 do parecer. Tem razão o illustre Deputado. A com-missão adaptou e não traduziu a emenda Berthelot. Por isso o capitulo IV se intitula Adaptação da emenda Berthelot a Portugal.
A doutrina do artigo 11.° e § unico, embora suggestionada pela emenda do illustre Deputado francês, decerto traduz precisamente a pratica belga, combinada com o direito allemão, que neste ponto é digna do ser imitada.
A doutrina do corpo do artigo 14.° do projecto n.° 25 já se acha demonstrada.
A lei de receita e despesa autoriza a arrecadação das receitas e descreve as despesas do Estado, constantes das leis preexistentes.
É uma disposição doutrinaria e, sobretudo, uma indispensabilidade da pratica legislativa. Convém não sobrecarregar a discussão do orçamento com reorganizações de serviço e modificações essenciaes do regime organico de impostos. Mas por vezes a administração exige, e a livre discussão do orçamento não se oppõe, que na lei de receita e despesa se insiram providencias que não tenham caracter permanente, e sejam absolutamente necessarias para a gestação financeira do anno e execução do orçamento.
Pode na lei de receita e de despesa estabelecer-se o regime do álcool ou organizar-se a contribuição predial? Hão, por certo. Mas podem introduzir-se providencias isoladas, de ordem secundaria, destinadas, por exemplo, a corrigir as imperfeições observadas durante o ultimo anno, numa ou outra lei fiscal, se taes providencias forem necessarias, absolutamente necessarias, para a gestação financeira do anno e execução do orçamento.
Esta é a doutrina de Dubois, Swet de Naeyer, Léon, Say e Stourm.
A primeira parte do § unico do artigo. 11.° foi influenciada pelo texto de Paul Labaud, professor da Universidade de Strasbourg, na obra Le droit public de Vempire al-lemand, traducção de Bouyssy, 1904, titulo VI, capitulo XV, secção I, n.° 3.°, pag. 276:
"A lei do orçamento pode, sob o ponto de vista material, não ter conteudo, e limitar-se a verificar que o orçamento é fixado, em receitas e despesas, em tantos marcos; em seguida é costume indicar separadamente as despesas permanentes unicas ou extraordinarias. Todavia a lei pode conter disposições relativas á gestão financeira e execução do orçamento; por exemplo: poder de contrahir emprestimos, segundo as disposições tradicionaes das leis de emprestimos, empregar os recurso do Imperio, fazer ou não cobranças de certas receitas...
"Todavia o Reichstag não pode, de modo algum, introduzir, por autoridade propria, na lei de orçamento, modificações ás leis existentes... O Governo tem o costume de não admittir o empacotamento da lei do orçamento com semelhantes disposições contrarias a lei".
Mas interpreta o texto de Labaud mais pela pratica belga, a que se refere o parecer, a pag. 2, do que pelo commentario do proprio Labaud.
A segunda parte do § unico do artigo 11.° foi extra-
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SESSÃO NOCTURNA N.° 61 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 13
tada do texto de Dubois, Etude ser le système belge en matière de budget de l'etat, Paris, 1904, capitulo VI, pag. 259:
"As modificações introduzidas numa lei de imposto, por occasião do orçamento das receitas, devem revestir a forma de propostas de lei, e não de emendas".
Nestes termos, podem ser objecto de disposições da lei de receita e despesa, nos termos do § unico do artigo 11.°:
- a ligeira modificação de uma taxa fiscal;
- fixação do preço da ração;
- fixação do preço de passagens, etc.
Ha contradição entre o corpo do artigo 11.° e a doutrina do § unico? Decerto: a contradição que existe entre a regra e a excepção. Mas essa observação, se é curiosa, não pode reputar-se decisiva. Decisiva seria a demonstração de que não havia condições que justificassem a regra do artigo 11.°, nem motivos especiaes que determinassem a excepção do § unico. E essa demonstração não a fez o illustre Deputado.
A segunda parte do § unico do artigo 11.° não pode ser contestada. Assim podem essas providencias ser devidamente apreciadas pelo Parlamento.
Disse o illustre Deputado que a commissão do orçamento se deixou impressionar em extremo pela emenda Berthelot, cujos merecimentos não foram reconhecidos pela França. Na verdade, a emenda não foi convertida em lei da republica.
Mais disse que a commissão do orçamento havia citado os factos da França, devendo, entretanto, reconhecer, que n'aquella republica era irnpossivel inserir numa lei de receita e despesa uma disposição, que, como a do artigo 18.° da lei de 12 de junho de 1901, determinou tão consideravel aumento de despesa.
A doutrina do artigo 11.° e § unico não traduz apenas a orientação da emenda Berthelot. O standing order de 9 de dezembro de 1702 e as constituições de tantos Estados americanos obedecem ao mesmo criterio. A commissão pretendeu, sobretudo, introduzir no país a pratica do Parlamento belga. E essa é de reputação europeia.
Na verdade o Parlamento Frances não approvou a emenda Berthelot. Mas Boucard e Jère, relatando esse facto, commentam "que agora o mal parece ir remediavel".
E vae uma campanha formidavel em toda a França contra a pratica das addições orçamentaes a que a emenda Berthelot poria termo. A frente dessa campanha formam Rouvier e Jaurés.
E convém não tirar da sorte desta emenda Berthelot a conclusão que expôs o Sr. Dr. Antonio Centeno.
Ahi por 1896 começava de sentir-se em França a necessidade de entravar o aumento das despesas publicas provenientes das addições orçamentaes. A commissão do regimento, por iniciativa de Boudenoot, prescrevia um formulario muito complicado para as emendas ao orçamento que trouxessem aumento de despesas ou diminuição de receitas. Teriam de ser votadas até por escrutinio secreto. A Camara não se pronunciou sobre esta proposta.
Em 1900, na mesma orientação de Boudenoot, appareceu na Camara um artigo addicional de Berthelot, com 282 assinaturas de Deputados.
Destinava-se esse artigo "a restituir ao trabalho legislativo o tempo absorvido pela interminavel discussão do orçamento e a entravar o aumento das despesas publicas".
Propunha Berthelot que nenhum credito relativo a empresas ou quaesquer trabalhos novos, a aumento de vencimentos, indemnizações ou pensões, a criações ou extensões de serviços, empregos ou pensões poderia ser inscrito no orçamento sem estar autorizada por lei especial a respectiva despesa.
Houve uma viva discussão no Parlamento francês. Berthelot modificou o seu artigo addicional. Mas a Camara approvou, afinal, um complemento de Rouvier ao artigo 51.° do regulamento da Camara dos Deputados de 16 de junho de 1876, e o artigo addicional de Berthelot, que constitue o artigo 51.° bis.
Diz assim o complemento de Rouvier:
"Quanto á lei do orçamento, nenhuma emenda ou artigo addicional que tenda a aumentar as despesas pode ser apresentado depois das tres sessões seguintes á distribuição do relatorio em que se encontra o capitulo visado".
O artigo 51.°-bis diz:
"Nenhuma proposta que pretenda aumentar vencimentos, indemnizações ou pensões, criar serviços, empregos e pensões, ou applicá-las sem respeito pelas leis em vigor, pode ser feita sob forma de emenda ou artigo addicional ao orçamento".
A Camara Francesa não approvou a emenda de Berthelot em 1900; mas, nas sessões de 15 e 16 demarco desse mesmo anno, havia conquistado o complemento de. Rouvier e o artigo addiccional de Berthelot, que apenas em parte substituiam a emenda d'elle mesmo Deputado.
Mas bastam o complemento de Rouvier e o artigo addi cional de Berthelot? Não.
Ouçamos o depoimento de Perreau, antigo Deputado e professor da faculdade de direito de Paris:
"Depois do voto da emenda Berthelot, averba total dos créditos imputaveis á iniciativa parlamentar diminuiu sensivelmente. Diminuiu o numero das emendas apresentadas. Entretanto os Deputados parece terem encontrado na pratica dos projectos de lei um meio seguro de evitar o obstáculo e regressar aos erros anteriores".
Disse o Sr. Centeno que não era possivel em França inserir na lei de finanças uma disposição que, como a do artigo 18.° da nossa lei de 12 de junho de 1901, determinasse tão consideravel aumento de despesa.
Justiça deve ser feita a todos. Procurei este anno no Ministerio da Fazenda obter uma nota do aumento de despesa proveniente das disposições inseridas em algumas leis de receita e despesa, desde 1900 era deante. Não pude obtê-la, por ser mui difficil redigi-la com exactidão.
Mas trabalho analogo está feito para a França.
No seu relatorio sobre o exercicio de 1899, Camillo Pelletan reproduz um quadro que lhe foi fornecido pela administração das finanças. Indica os aumentos de despesas provenientes de emendas ao orçamento desde 1889 e 1897. O calculo relativo a 1908 foi feito por Prevet, relator da commissão de finanças do Senado.
A verdade é que, se fossem executados o complemento de Rouvier e o artigo addicional de Berthelot, ficava ainda a ampla liberdade de os Ministros inserirem na lei do or-mento as disposições que quisessem, sobre todos os ramos de administração publica. Mas o artigo addicional de Berthelot, apesar de constituir o artigo 51.° bis do regimento, não é respeitado.
Para exemplo do que affirmo ahi está a lei do orçamento de 31 de, setembro de 1908. Tem 84 artigos e versa os mais diversos assuntos. Reorganiza impostos, cria empregos, modifica o regime das pensões, versa sobre a situação do professorado, altera a lei de 14 de julho de 1905 sobre a assistencia. I
Fervilham os artigos que tiveram origem em propostas de Deputados, contra o disposto no artigo 51.° bis.
Desse regime disse Raymond Poincaré, no relatorio apresentado ao Senado:
"Julgamos dever chamar a attenção do Governo sobre o numero sempre crescente das disposições que se inserem na lei de finanças, e que teem por fim melhorar, em proveito de certa categoria de funccionarios as condições
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da aposentação. Caminha-se empiricamente, ao acaso, sem uma vista de conjunto. Um beneficio pede outro; exige se segundo beneficio depois do primeiro, terceiro depois do segundo. É indispensavel renunciar ao habito pernicioso das alterações fragmentarias, e que a questão das aposentações seja objecto de um estudo geral. Aumentam-se todas essas despesas sem qualquer calculo preciso... Por este processo aumentam as despesas e os creditos correspondentes".
[Ver tabela na imagem]
Ou seja, em dez annos, um augmento de 25 1/2 milhões de francos ou 5.642:888$268 réis.
A emenda Durnont, Deputado do Jura, que se transformou nos artigos 35.° e 36.° da lei de orçamento de 31 de dezembro de 1907, sobre assistencia á velhice, deve custar annualmente, segundo o calculo do relator Raymond Poincaré, 2.256:000 francos ou 460:224$000 réis.
Pretendeu a commissão do orçamento preparar o terreno para evitar o desequilibrio orçamental, cortando os aumentos de despesa pelas addições orçamentaes.
Conseguirá tudo? Não. Mas evita, pelo menos, a repetição do artigo 18.° da lei de 12 de, junho de 1901, a que se referiu o Sr. Centeno. E já não é pouco.
Sabe de resto a comrnissao que são necessarias providencias complementares. Sem o espirito de sequencia, nos annos ulteriores, está absolutamente perdido o trabalho da commissão do orçamento. Neste ponto concorda o orador com o Sr. Centeno.
Entre as providencias complementares menciona, como absolutamente necessarias, o funccionamento da commissão de contas publicas e a intervenção do Parlamento na preparação do orçamento. Ou sob a forma de um conselho, como a thesouraria na Inglaterra, ou sob a forma de comités parlamentares, como na França e na America, ou por meio da commissão do orçamento, é necessario que o Parlamento collabore com o Governo na preparação do orçamento.
Não pode ser funccão exclusiva da administração preparar o orçamento.
Meditemos nas palavras de Perreau, que traduzem, com verdade flagrante a situação em Portugal:
"Os relatorios apresentados em nome da commissão do orçamento denunciam, muitas vezes o espirito particularista das administrações publicas, que se oppõem sempre á realização de quaesquer economias serias e duradouras. Em França o Ministro da Fazenda, ao preparar o orçamento, não possue, pela lei constitucional, qualquer superioridade effectiva relativamente aos seus collegas. Redige a justificação da lei de finanças e organiza o orçamento das receitas; mas, quanto a despesas, limita-se a centralizar as propostas que recebe dos outros Ministros, que, por lei, preparam o orçamento dos respectivos ministerios. Léon Say chama Ministro de equilibrio ao titular da pasta da Fazenda, que, se pode fazer observações, suggerir economias, enviar circulares aos seus collegas no Ministerio, emprega todos esses processos com mais ou menos successo conforme o prestigio do seu talento e da sua situação politica. Não pode fazer mais, sem usurpar poderes. A lei não lhe reconhece a faculdade de rever e, muito menos, a de reduzir os projectos dos outros Ministros.
Como não existe qualquer fiscalização preventiva em materia financeira, as administrações publicas conseguem defender-se efficazmente de qualquer tentativa de reducção de despesas.
Possuem uma tendencia natural e invencivel para considerar irredutiveis os créditos que uma vez foram votados no orçamento. Os relatores das commissões parlamentares do orçamento e da fazenda teem indicados exemplos de despesas, que foram feitas com o fim exclusivo de esgotar os créditos respectivos, e, consequentemente, obter a, conservação da mesma verba nas propostas ulteriores.
Embora factos desta ordem constituam verdadeiras excepções, é certo que as administrações publicas nutrem pouca sympathia pelas economias realizadas á sua custa. (Perreau, Des restrictions au droit d'initiative parlamentaire, Paris, 1903, pag. 4 e 5).
Como é possivel confiar em que as administrações publicas, unicas encarregadas de determinar as verbas de despesa que devem inscrever-se no orçamento, poderão resignar-se a propor economias compativeis com a organização dos serviços? Sem duvida que pertence á commissão do orçamento fiscalizar as propostas do Governo; e, na realidade, consegue realizar, em alguns annos economias de milhões de francos, que em parte são compensadas pelos aumentos de despesa introduzidos durante a discussão do orçamento. Pertence aos relatores dos diversos serviços attender ás necessidades effectivas e propor as reducções realizaveis. Mas, alem de que esta fiscalização individual, exercida por homens cuja competencia nem sempre é igual á sua boa vontade, pode ser superficial e insufficiente, convém não esquecer que as conclusões dos relatores terão muitas vezes por adversarios, na commissão do orçamento e no Parlamento, os proprios Ministros, que, em taes circunstancias, interpretara as aspirações das administrações de que são chefes (Perreau, observação citada, pag. 7).
"As vezes as emendas ao orçamento são discretamente inspiradas pelo Governo ou pelos seus amigos; constituem o meio de a administração rehaver, mediante o concurso de um Deputado amigo, parte das concessões que fez á commissão do orçamento".
(Perreau, observação citada, pag. 43).
São decisivas as observações de Perreau. O Parlamento deve intervir na preparação do orçamento.
O illustre Deputado Sr. Antonio Centeno criticou a doutrina, collocação e o caracter constitucional dalguns artigos do Projecto n.° 25. A essa critica se refere muito ligeiramente.
O artigo 23.° pode não ter duração aunual. Podemos emprestimos, a que se refere esse artigo, não se realizar no anno economico de 1908-1909.
O § unico do artigo 36.° não encerra a criação de qualquer logar. O auditor, a que se refere este § unico, é o auditor do Ministerio da Fazenda, criado por decreto n.° 3 de 24 de dezembro de 1901, artigo 5.°
Mas, para evitar todas as duvidas, a corumissão acceita qualquer emenda que diga expressamente que este auditor, a que só refere o § unico do artigo 36.°, é o mesmo auditor a que se refere o artigo 5.° do decreto n.° 3 de 24 de dezembro de 1901. E assim desapparecem todas as duvidas. Pretende apenas a commissão do orçamento que esse auditor seja sempre um juiz de primeira instancia.
Quanto ao artigo 17.°, a pratica vigente envolva a máxima publicidade, publicando-se sempre um decreto no Diario do Governo. Mas se o illustre Deputado deseja assegurar essa pratica, que de resto se acha garantida pelo
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regime da Junta do Credito Publico, com uma emenda, pode enviá-la para a mesa. E será acceita a sua doutrina.
O artigo 2.° diz que a contribuição predial é fixada e distribuida annualmente. Onde? Nas tabellas de receita. Não ha, pois, contradição com o disposto no § 8.° do artigo 15.° da Carta Constitucional.
Conhece bem o illustre Deputado a situação financeira do país e sabe, portanto, que não pode presumir-se com fundamento serio o breve desapparecimento das leis de salvação publica. Se puderem ser revogadas, não constitue qualquer impedimento a circunstancia de constituirem lei do reino: revogam-se como se revogam as leis.
Tanto a doutrina do artigo 22.° não é annual, que vem, textualmente reproduzida, em todas as leis de orçamento, por exemplo, desde 1884 por deante.
Com uma outra observação do Sr. Dr. Centeno concorda plenamente. Acima de todas as reformas e mais do que todas ellas vale a reforma dos costumes. Mas não representa já a reforma de costumes o processo superior que o illustre Deputado e o Deputado republicano Sr. Dr. Estevam de Vasconcellos empregaram ao inaugurar a discussão do orçamento?!
(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).
O Sr. Presidente: - Está inscrito o Sr. Martins de Carvalho; mas como S. Exa. não está presente, vou dar a palavra ao Sr. Zeferino Candido.
O Sr. Brito Camacho: - Requeiro a contagem.
Procede-se á contagem.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 48 Srs. Deputados; não ha portanto numero legal para a Camara poder continuar os seus trabalhos. A proxima sessão é na segunda-feira, ás 11 horas da manhã, e a ordem do dia é a mesma que estava dada, começando se pela discussão do projecto n.° 22, questão vinicola.
Está levantada a sessão.
Eram 11 horas e 30 minutos da noite.
O REDACTOR = Gaspar de Abreu de Lima.