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N.º 63

SESSÃO DE 24 DE ABRIL DE 1902

Presidencia do exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta e lidos tres officios, os Srs. Alberto Charula e José Beça instam pela construcção do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, respondendo-lhes o Sr. Ministro das Obras Publicas com a apresentação da respectiva proposta de lei. - O Sr. Antonio Cabral pede providencias contra o procedimento das autoridades administrativas do Peniche e de Barcellos, relativamente a offensas ao direito de propriedade e á Misericordia de Barcellos. - O Sr. Fialho Gomes insta pela remessa de documentos que pediu pelo Ministerio da Fazenda. - O Sr. Ramirez occupa-se do apparecimento da febre aphtosa nos concelhos do Guadiana, do caminho de ferro do Villa Real de Santo Antonio a Faro e do lastimoso estado em que se encontram as estações do caminho de ferro do sul. Responde-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas. - O Sr. Vellado da Fonseca requer esclarecimentos pelo Ministerio da Marinha. - O Sr. Abel Andrade apresenta um projecto de lei, e os Srs. Vaz Ferreira e Augusto Louza pareceres de commissão.

Na ordem do dia prossegue a discussão do projecto de lei n.° 67, conversão, usando da palavra os Srs. Augusto Fuschini e João Arroyo. - A requerimento do Sr. Ressano Garcia é mandado publicar um documento lido pelo Sr. Arroyo.

Abertura da sessão - Ás 2 horas e l quarto.

Presentes - 87 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Bélard da Fonseca, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla Conde de Paçô-Vieira, Domingos Eusebio da Fonseca Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Matheus dos Santos Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano de Sousa e Lacerda, José da Cunha Lima, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Simões, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral e Rodrigo Affonso Pequito.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alipio Albano Camello, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Eduardo Burnay, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Monteiro Vieira de Castro, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José Dias Ferreira, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Julio Maria de Andrade e Sousa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Foças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Marianno Cyrillo de Carvalho, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodolpho Augusto de Sequeira, Visconde de Mangualde, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Rocha Louza, Carlos Malheiro Dias,

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Frederico dos Santos Martins, Ignacio José Franco, José da Gama Lobo Lamare e Manuel de Sousa Avides.

Acta - Approvada.

Officios

Da presidencia da Camara dos Dignos Pares do Reino, remettendo a mensagem que acompanha a proposição de lei da mesma Camara, modificando a tabella do suposto do sêllo.

Para a commissão de fazenda.

Do Ministerio da Fazenda, remettendo, em satisfação no requerimento do Sr. Deputado Manuel Affonso de Espregueira, copia do officio da Direcção Geral da Thesouraria, acompanhado da nota, a que o mesmo se refere, da prata adquirida pelo estado desde l de julho de 1890 até 31 de dezembro do anno proximo findo, com indicação do producto eu moeda depois da amoedação e respectivos lucros.

Para a secretaria

Da Legação de Hespanha em Lisboa, agradecendo á Camara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa o voto de profundo pezar, consignado na acta das sessões do dia 19 do actual mês, pelo fallecimento de Sua Majestade El Rei de Hespanha D. Francisco de Assis.

Para a secretaria.

O Se. Presidente: - Devia dar a palavra ao Sr. Deputado Oliveira Mattos para realizar o seu aviso previo, mas, como S. Exa. não está presente, vou dá-la ao Sr. Alberto Charula, que a pediu para antes da ordem do dia.

O Sr. Alberto Charula: - Tenho a certeza de que ao levantar pela primeira vez a ultima vez nesta assembleia legislativa, seria tomado do profundo enleio e viva commoção, se o meu intuito fosse o de fazer uma estreia parlamentar, e versar um assunto de interesse sim, mas não da magnitude, interesse e até paixão d'aquelle de que ma vou occupar.

Como é em favor do bem e da justiça que vou falar e venho despido de toda a preoccupação de estilo e de forma, declaro a V. Exa. que me sinto perfeitamente á vontade, tranquillo e senhor de mim.

Em 25 de fevereiro ultimo tive a honra de mandar para a mesa, endereçado ao nobre Ministro das Obras Publicas, uni aviso prévio, em que, visando, o concurso para a exploração e construcção de caminho de ferro de Mirandella a Bragança, eu pensava obter do Governo a declaração dos meios e da forma por que contava viabilizar e tornar effectivos os serviços e bases do programam d'esse concurso ainda por cumprir, não obstante haver apparecido um proponente em condições vantajosas.

Esse concurso foi pouco depois annullado e substituido por outro cujo turmo teve logar em 15 do corrente mês, caducando por isso e, por assim dizer, toda a razão de ser parlamentar d'aquelle meu aviso previo. E se, Sr. Presidente, eu assim não o communiquei a V. Exa., e não mandei para a mesa a respectiva nota de desistencia, foi porque mui calculadamente eu espreitava o momento de me ser concedido o uso da palavra para vir formular ao nobre Ministro das Obras Publicas algumas perguntas acêrca da forma de liquidação d'esse importante assunto.

As circumstancias, porem, precipitaram a urgencia das minhas considerações, e hoje que logrei obter a palavra, cousa tão difficil antes da ordem do dia, principalmente para um Deputado da maioria, ou venho dirigir algumas perguntas sobre Ministro e pedir a S. Exa. a honra de uma resposta que sirva para desvanecer todas as apprehensões e receios, naturalmente levados ao espirito dos regionaes d'aquella provincia, pelos brados alarmantes da não realidade do projecto e ainda pela lembrança dos respectivos insuccessos d'esta tentativa.

Eu não vou falar da justiça, dos interesses, das conveniencias e das vantagens do caminho de ferro de Mirandella a Bragança; a justiça, d'esse caminho de ferro está affirmada e confirmada num documento publico, a abertura do concurso. A necessidade, e indispensabilidade da sua construcção e exploração vem desde ha muito sendo conclamada pelos regionaes que impetram a graça d'esse beneficio; no entanto, eu sempre direi a V. Exa. e á Camara, que essa questão é tão capital e tão momentosa que se pode considerar como uma questão de vida ou de morte para aquelle districto, e todos nós, aquelles que temos olhos de ver e algum sentimento de interesse e piedade assim a devemos considerar, porque aquelle abandonado rincão de Portugal, a provincia de Trás-os-Montes, tem sido desprezada e posta de parte, donde ha muitos annos, sem que até hoje se lhe fizesse a duvida justiça.

A tentativa do caminho de ferro, devo dizê-lo de passagem, só agora teve começo de execução, traduzido num acto publico de viabilidade, e por isso os transmontanos teem já uma boa porção de agradecimentos para o nobre Ministro das Obras Publicas, para o Br. Presidente do Conselho, para todo o Governo; mas é preciso mais, e esse mais ha que fazê-lo.

A provincia de Trás-os-Montes, e nomeadamente a parte norte, pode bem considerar se, sem arremedou de rhetorica, como uma filha bastarda d'essa grande mãe patria, no que respeita ao desamor e dessemelhança com que, ao lado das demais provincias suas irmãs legitimas, tem sido tratada, mormente em relação aos beneficios da viação publica.

Sr. Presidente: não ignora V. Exa., nem o ignora a Camara, que representando essa provincia uma superficie de 1.111:000 hectares, possue apenas um minusculo caminho de ferro de via reduzida, que a não percorre em mais de 55 kilometros; que ha concelho no districto de Bragança que ainda não lograram cerzir se e ligar-se aos demais e ao país por uma unica via de communicação ordinaria, tendo apenas ao seu serviço impraticaveis e escabrosos caminhos vicinaes, e succedendo em alguns d'elles, como por exemplo, e do Miranda do Douro, que se torna mais facil, rapido e com modo chegar até lá por um trajecto procurado no vizinho Reino de Hespanha, do que por um qualquer outro aberto no proprio país!

Eu que tive a honra de ali viver, por espaço de quasi dois annos, e tive por isso de percorre-lo differentes vezes, experimentei lhe bem as desvantagens e agruras do primitivo atraso da viação.

E porque isto sei, porque isto conheço, não posso deixar de fazer algumas perguntas ao Sr. Ministro das Obras Publicas acêrca da momentosa questão do caminho de ferro, a fim de, como já disse, serenar a onda de anciedade que corre em todos os espiritos por saber o futuro que nos espera.

Pergunto:

1.° Está o nobre Ministro e o Governo na disposição firme e inabalavel de trazer ao Parlamento na actual sessão legislativa o bastante projecto de lei para a approvação d'aquelle caminho de ferro?

2.º No caso affirmativo, está o Governo decidido a fazer seguir sem demora esse projecto de modo a discutir se e votar-se ainda na mesma sessão em uma ou outra casa do Parlamento?

São estas as perguntas que venho formular, e cuja resposta desde já agradeço, convicto do que ellas hão de servir para desvanecer todas as apprehensões e receios que lavram no espirito dos povos d'aquella região.

O orador foi cumprimentado.

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O Sr. Madureira Beça: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para tratar do assumpto de que se occupou o illustre Deputado o Sr. Charula; mas como não quero tomar tempo á Camara, não reproduzirei nem ampliarei as considerações de S. Exa., limitando-me por agora a chamar a attenção do Governo para um unico ponto.

Pelos telegrammas publicad s nos jornaes da manhã, confirmados por outros que eu e outras pessoas recebemos, sabe V. Exa. que lavra grande excitação na cidade de Bragança, devido a haverem circulado boatos de que surgiam embaraços á approvação, pelas Camaras, do contrato para a construcção do caminho de ferro de Mirandella áquella cidade.

Hontem á noite, em Bragança, toda a população percorreu as ruas da cidade numa manifestação energica e ruidosa de desagrado; e consta-me que hoje se repetiu essa manifestação. A classe artistica abandonou o trabalho, o commercio fechou as portas e a exaltação tendo a augmentar.

Telegrammas que recebi de Macedo de Cavalleiros dizem ser tambem grande ali a exaltação dos animos.

Na minha opinião estas exaltações são, no fundo, justificadas até um certo ponto; mas a sua manifestação é talvez prematura, porque ainda confio que o Governo ha de cumprir as promessas que, verbalmente e por escrito, repetidas vezes tem feito. Confio na sinceridade das palavras do nobre Ministro das Obras Publicas, e tambem na lealdade do Sr. Presidente do Concelho. No entanto, como não é conveniente deixar progredir a agitação dos povos do districto de Bragança, sobretudo no momento actual, eu peço ao nobre Ministro das Obras Publicas que, em nome do Governo, faça qualquer declaração que leve a tranquillidade a todos os espiritos.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco Vargas): - Sr. Presidente: Antes de tudo, eu felicito o illustre Deputado, o Sr. Alberto Charula, pela estreia brilhante que hoje fez nesta casa, e congratulo-me com toda a Camara, por contar, no seu seio, um parlamentar que enfileira ao lado dos mais distinctos. Permitta-me V. Exa. e a Camara, e não me leve a mal o illustre Deputado, que, apesar da muita consideração que S. Exa. me merece, eu não entre em largas esplanações, acêrca do assunto por S. Exa. tratado, porquanto a melhor resposta que posso dar-lhe, aquella que seguramente mais o satisfará, tenho-a eu aqui. Não serão palavras, serão factos, e estes sobrelevam ao melhor discurso que eu pudesse, aqui pronunciar.

Res non verba.

É precisamente isto o que se dá hoje commigo.

No entanto, não posso deixar sem reparo uma observação feita pelo Sr. Charula. Disse S. Exa., cheio de amor patrio, que nos faz ás vezes levar a exageros, que a provincia de Trás-os-Montes, e sobretudo o districto de Bragança, havia sido tratado, por todos os Governos, como filho bastardo.

Ora, S. Exa. foi profundamente injusto no que acabou de dizer, e sobretudo relativamente a mim.

O Sr. Charula: - Eu disse: até hoje tem sido abandonado.

O Orador: - Eu agradeço a S. Exa. essa rectificação.

O Sr. Charula sabe o amor que tenho a Trás-os-Montes; sabe o que eu tenho feito em prol d'essa provincia, relativamente a viação; eu recordarei a V. Exa. e é Camara que foi sob a minha gerencia quo foram postas em hasta publica as duas pontes, a do Pinhão e a do Focinho. (Muitos apoiados).

Não tem, é certo, a provincia de Trás-os-Montes uma larga rede de estradas, como seria para desejar, e quanto á viação accelerada S. Exa. tem-me ouvido dizer sempre que a provincia de Trás-os-Montes é apenas cortada na sua orla sul pelo Caminho de Ferro do Douro, e que havia uma injustiça flagrante em que as duas capitães do districto não estivessem ligadas á rede de viação accelerada do país, e digo agora: era mais do que uma injustiça, era uma divida que era necessario pagar, e eu felicito-me por ser o Ministro que vem trazer á Camara uma providencia que tem por fim realizar este pagamento.

Dito isto, a resposta mais cabal e completa que posso dar ás observações dos Sra. Deputados Alberto Charula e Madureira Beça, é mandando para a mesa a seguinte proposta de lei, que autoriza o Governo a applicar parte do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, para occorrer aos encargos da construcção e exploração dos caminhos de ferro de Mirandella a Bragança, e da Regua por Villa Real e Chaves 4 fronteira. (Muitos apoiados).

(S. Exa. não reviu).

A proposta de lei vae publicada no fim da sessão.

O Sr. Antonio Cabral: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a attenção do Governo, muito dignamente representado pelo Sr. Ministro das Obras Publicas, para dois factos que traduzem outras tantas prepotencias praticadas, o que não é de estranhar, pelas autoridades que tão apropriadamente representam este Governo nas circunscrições administrativas do país.

A primeira d'essas prepotencias passou se no concelho de Peniche, e eu vou referi-la á Camara em duas palavras.

Tem ali o Sr. Antonio Rodrigues Pereira uma casa em que actualmente não habita, porque está residindo na Lourinhã. Como se deram alguns casos de meningite cerebro-espinal na villa de Peniche, o administrador d'aquelle concelho entendeu que; devia exigir do Sr. Antonio Rodrigues Pereira a casa que aquelle senhor ali possue, para nella estabelecer um hospital para doentes d'aquella enfermidade, e telegraphou para a Lourinhã, neste sentido, a esse senhor. O Sr. Rodrigues Pereira respondeu que não podia ceder a casa para aquelle fim, por isso que tinha de ir em breves dias habitá-la. Era uma desculpa a mais racional
justificada possivel, mas o administrador do concelho não se conformou com ella, e intimou o caseiro, que estava habitando a casa, para que lhe entregasse a chave, sob pena de o prender e arrombar a porta da casa, para metter ali os doentes. O caseirocommunicou immediata neste ao Sr. Rodrigues Pereira áquella arbitrariedade da autoridade administrativa, e recebeu como resposta "que não cedesse senão á violencia", mas o pobre homem, atemorizado com as ameaças do administrador, cedeu e entregou a chave.

De posse da chave, o administrador do concelho fez da casa do Sr. Rodrigues Pereira, arbitrariamente, contra todas as regras e direitos de propriedade e de liberdade do cidadão, um hospital de doentes atacados da epidemia de meningite cerebro espinal.

Ora devo dizer a V. Exa. Sr. Presidente, muito fria e serenamente, que o proprio administrador do concelho tinha uma casa em muito melhores condições para aquelle fim do que a casa do Sr. Rodrigues Pereira, e, portanto, parece que devia elle ser o primeiro a dar o exemplo de se sacrificar pela causa publica, pelas necessidades do momento, cedendo a sua casa para ali metter os doentes; mas o administrador, ao contrario, entendeu que a caridade bem entendida, devia começar por elle, e por isso guardou a sua casa para os fins que necessitava e foi occupar a do Sr. Antonio Rodrigues Pereira, que para ali queria ir habitar.
Alem d'isso, naquella villa, alem da casa do Sr. Rodrigues Pereira e da do administrador, ha outros edificios era muito melhores condições para nelles se metterem os doentes.

Portanto, entendo que o Sr. Ministro do Reino, que não vejo presente, e por isso peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas a fineza de lhe communicar estas minhas considerações, deve dar ordens terminantes ao administrador do concelhos de Peniche para que elle faça entrar o Sr. Antonio Rodrigues Pereira, immediatamente, no gozo da sua

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propriedade, a não ser que esto Governo entenda que o direito de propriedade não deva respeitar se. Se assim é, está muito bem, e aquelle administrador cumpriu o exemplo que lhe está, dando o Governo; se o Governo assim não entendo, peço ao Sr. Ministro do Reino que dê ordens terminantes no cacique de Peniche para que se metia na ordem, a fim de entregar novamente a casa ao seu proprietario.

Se esse proprietario usar dos legitimos direitos que tem, para processar o administrador do concelho, já nós sabemos que o Sr. Ministro do Reino nega autorização para isso, como já tem feito em muitos outros casos.

Eu pedi ha dias uma lista de regedores e administradores a respeito dos quaes tenha sido negada autorização para os respectivos processos crimes seguirem, e é um rol immenso.

Peço, portanto, ao Sr. Ministro das Obras Publicas a fineza de communicar ao Sr. Ministro do Reino este facto que apontei, porque attenta contra o direito de propriedade de cada um, e parece-me que este direito devo ser tido por todos na maxima consideração.

O outro facto para que desejo chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino é o seguinte. A Misericodia de Barcellos tem sido perseguida por todas as formas e maneiras pela autoridade administrativa d'aquelle concelho, digno, collega da do Peniche e digna representante do Governo.

A mesa da Misericordia de Barcellos é uma corporação digna de toda a consideração e respeito, por isso que tem administrado os bens de que está entregue com todo o zelo, com toda a probidade, propria dos cavalheiros que estão á frente d'aquella corporação administrativa. Mas como não pertencem á politica do administrador de Barcellos, este entendeu que devia perseguir aquella corporação por todas as formas. Começou por guerrear o orçamento de 1901-1902; em seguida fê-la intimar para, em certo se determinados dias, reunir e tomar umas certas resoluções.

Como a mesa da Misericordia entendeu que não tinha que obedecer á autoridade administrativa de Barcellos, porque julgou, e julgou bem, que só devo obedecer a ordens que sejam legitimas, tanto bastou para quo o administrador do concelho processasse a mesa da Misericordia de Barcellos, pelo supposto crime de desobediencia.

Mas como no país ainda ha justiça, ainda ha juizes como os havia em Berlim, no tempo do celebro moleiro Sans-Souci, a Relação do Porto despronunciou aquella corpo ração administrativa, homologando assim a doutrina legal que esta ainda inscripta na nossa legislação.

Viu-se o administrador do concelho sem meios de perseguir a mesa da Misericordia, e então o que fez?

Appellou para o Sr. Governador Civil de Braga, instando para que fosse dissolvida a mesa da Misericordia de Barcellos. Não só fez rogada esta autoridade, nem isso deve cansar espanto, desde que ella é delegada do Sr. Presidente do Conselho, quo dissolveu não sei quantas camaras municipaes de côr progressista, com o fim unico de ganhar as eleições.

Mas sabe V. Exa. quando se dissolveu a mesa da Misericordia? Foi 4 dias antes d'aquelle em que legalmente devia fazer-se a eleição d'essa mesa!... Note V. Exa.: 4 dias antes d'aquelle que fôra marcado para se fazer a eleição da mesa da Misericordia, foi que o Governador Civil de Braga entendeu dever dissolvê-la!... Mas não param aqui as prepotencias do Governador Civil de Braga: fez esta dissolução sem ouvir, como lhe cumpria, a mesa da Misericordia, sem sequer mandar syndicar do procedimento d'aquelle corpo administrativo e sem instaurar processo!

Dissolveu, contra todas as leis, aquella corporação administrativa, que era composta de cavalheiros dignissimos! O Sr. Governador Civil de Braga, dentro do prazo legal, devia marcar dia certo e determinado para se fazer a eleição; mas desde julho do anno passado, creio eu, até hoje, ainda não marcou dia para se fazer a referida eleição, estando assim indevidamente suspensa uma corporação administrativa, e sendo regida a Misericordia por uma commissão administrativa!

Isto é uma violencia que não pode tolerar-se, nem pode continuar. (Apoiados).

Peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas, muito serena, muito tranquillamente e sem intuitos de facciosismo, a fineza do pedir ao Sr. Presidente do Conselho que ponha cobro a esta prepotencia, a este assalto aos direitos que cada um tem num país constitucional, rasgando-se as disposições do pacto fundamental da nação portuguesa!

Ou então estamos em regime absoluto e é melhor tirar a mascara!. . Dissolver-se uma commissão administrativa, sem processo, nem syndicancia, fazer-se isso é dias antes do que estava marcado para a eleição e depois não se marcar prazo para a eleição, pesando sobre a corporação administrativa uma accusação, que não é verdadeira, nem fundamentada, parece contrario a todas as regras. (Apoiados).

Peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas, repito, a fineza de communicar ao Sr. Presidente do Conselho não só esta reclamação, de forma a fazer-se sem demora a eleição da mesa da Misericordia de Barcellos, mas o caso acontecido em Peniche, a fim de que a casa a que me referi seja restituida a seu dono. (Apoiados).

O Sr. Francisco Machado: - Em Torres Novas deu-se um caso parecido com esse!

O Orador: - O Sr. Francisco Machado veiu confirmar este facto, e é necessario acabar, por uma vez, com estas prepotencias, que não honram o Governo, nem aproveitam ás instituições. (Apoiados).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco Vargas): - Ouvi com toda a attenção as considerações feitas pelo illustre Deputado, o Sr. Antonio Cabral, e satisfazendo, com muito gosto, o pedido que S. Exa. fez, transmittirei ao Sr. Presidente do Conselho os assuntos a que S. Exa. se referiu, e estou certo que S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino ha de vir dar á Camara explicações, que satisfação completamente a S. Exa. (Muitos apoiados).

O Sr. Fialho Gomes: - Sr. Presidente: na sessão de 19 do corrente mandei para a mesa um requerimento, pedindo, pelo Ministerio da Fazenda, diversos esclarecimentos, acerca da existencia de fundos externos, em circulação e dos que estão na posse do Thesouro.

Vão passados, porem, seis dias e apesar da gravidade do assunto, até agora o Sr. Ministro da Fazenda não se dignou ainda satisfazer os meus justos pedidos.

Peço a V. Exa. se digne insistir com S. Exa., para que antes de terminar a discussão do projecto de lei, que está dado para ordem do dia, se apresse a mandar os documentos, porque eu careço d'elles, não só para illustração minha, mas para illustração do país, não esquecendo os bufos da secreta e seus consortes da fiscalização do sêllo, que ha dias vêem pejando as galerias, muito naturalmente na justa anciedade de assistir á approvação d'este convenio, documento irrefragavel da coherencia, patriotismo e probidade politica d'este paternal Governo, que para ahi está fazendo as delicias dos commissarios regios de antiga e moderna data, de embaixadores chineses e não chineses, de inspectores de finanças, de aguas mineraes e de escolas de toda a ordem; as delicias, emfim, de toda essa turba multa que para ahi se acotovella nas Secretarias do Estado, nas escolas e por toda a parte, devorando as mealhas do nosso empobrecido Thesouro.

Tenho dito.

O Sr. Frederico Ramirez: - Chama a attenção do Governo para um assunto que acaba de ser-lhe transmitido telegraphicamente, e cuja gravidade a Camara certamente reconhecerá.

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Refere-se ao apparecimento da febre aphtosa nos tres concelhos do Guadiana.

De ha muito que a epidemia da febre aphtosa tinha invadido o país, causando estragos consideraveis, mas até aqui a provinda do Algarve tinha-se conservado indemne. Pelo telegramma, porem, que hoje recebeu, vê que o mal já tambem ali chegou, e isso devido, seguramente, á falta de providencias por parte do Governo, pois que de todos era sabido que essa doença grassava com intensidade na Andaluzia, e sendo grande a exportação de gado, especialmente bovino, que d'ali se faz para o Algarve, natural era, se se quisesse preservar aquella provincia, que se prohibisse a entrada d'esse gado.

Uma vez, porem, que essas providencias não foram tomadas a tempo, e que o mal é já hoje inevitavel, pede ao Governo que o não deixe alastrar, mandando immediatamente para Villa Real de Santo Antonio, que é o centro de irradiação commercial, o veterinario de Faro, emquanto não puder ir outro de Lisboa.

Aproveita o ensejo de estar no uso da palavra, e visto que hoje se tratou de caminhos de ferro, para perguntar ao Sr. Ministro das Obras Publicas, se já tomou alguma resolução acêrca do ramal do caminho de ferro de Faro a Villa Real de Santo Antonio.

Tendo-se levantado duvidas acêrca de qual seria a melhor directriz a dar a esse ramal, o Sr. Ministro das Obras Publicas nomeou uma commissão, de que elle, orador, se honra de ter feito parte, composta de todos os Pares e Deputados algarvios e presidida pelo Director do Caminho de Ferro do Sul, a fim de se esclarecer, e essa commissão, rapidamente, e por unanimidade, deu o seu parecer.

Desapparecidas as duvidas, em vista d'esse parecer, parecia que o Sr. Ministro já devia estar habilitado a resolver o assunto; mas a verdade é que, até hoje, nada fez, e por isso se lhe dirige, perguntando o que ha a tal respeito.

Não nega a conveniencia e justiça dos caminhos de ferro hoje propostos, mas entende que não é menos conveniente, nem mesmo justo o prolongamento do Caminho de Ferro do Sul, e por isso espera do Sr. Ministro uma resposta que o satisfaça.

Chama ainda a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para o pessimo estado em que se encontram, em geral, as estações do Caminho de Ferro do Sul, e em especial a de Loulé, a respeito da qual um jornal d'aquella localidade já pediu providencias.

Estas estações estão em estado deploravel, não só no que respeita ao abrigo dos passageiros, como das mercadorias, dando-se o caso, como elle, orador, tem presenciado, de, por occasião das remessas de trigos, estarem os cereaes expostos ás intemperies, e, portanto, deteriorando-se.

E, a proposito da exploração d'este caminho de ferro, não pode felicitar o Sr. Ministro das Obras Publicas pelo facto de ter, em obediencia ao principio da centralização, modificado o Conselho de Administração dos caminhos de ferro, que tão bons serviços prestava.

Muitas considerações tinha ainda a fazer, mas vê-se obrigado a terminá-las, para deixar tempo ao Sr. Ministro para lhe responder.

(O discurso ao Sr. Deputado será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco Vargas): - Creio que faltam apenas quatro minutos para se entrar na ordem do dia. Vou ver, se posso responder a todos os assuntos tratados por S. Exa.

Em primeiro logar S. Exa. referiu-se á febre aphtosa que grassa em todo o país, e que agora só estendeu ao Algarve, accusando o Governo de não haver tomado nenhumas providencias a este respeito.

Por S. Exa. ter estado fora do Lisboa, não sabe que o Governo tratou da questão, com todo o cuidado, mandando até vir de Italia um especialista do tratamento d'e8sa doença. (Muitos apoiados).

S. Exa. accusou-me de não ter prohibido a entrada do gado hespanhol em Portugal.

Essa prohibição existiu, durante certo tempo, mas vendo o Governo que o mal já grassava por todo o pais, mandou abrir as fronteiras ao gado hespanhol, visto que d'esse facto já não podia provir maior prejuizo.

S. Exa. pediu que mandasse um veterinario para Villa Real de Santo Antonio. Devo dizer que esse pedido já está attendido. Não mandei o veterinario para Villa Real de Santo Antonio, mas ordenei que fosse para Alcoutim, que é o ponto que ali está mais atacado.

Pelo que respeita ao caminho de ferro de Faro a Villa Real de Santo Antonio, diz S. Exa. que tinha visto, e friso a palavra "visto", porque ella traduz perfeitamente o caso, diz S. Exa., repito, que tinha visto a proposta que apresentei ao Parlamento.

Se o illustre Deputado tivesse prestado attenção á leitura d'essa proposta, ficaria sabendo, que com as disposições tomadas pelo Governo, esse caminho de ferro, dentro de tres annos estará completo. (Muitos apoiados).

As estações do caminho de ferro do sul não estão, realmente, nas condições que seria para desejar. Eu não posso ter de ideia todas as minucias da má organização d'essas estações; nem tambem para esse estado, como S. Exa. ha de concordar, concorreram as medidas que tomei. (Apoiados).

Não quero com isto censurar ninguem, e até aproveito a occasião para fazer os mais levantados elogios ao Sr. Pereira de Miranda, pela sua administração naquelle caminho de ferro.

Mas o illustre Deputado esteve a referir-se tambem ao transporte do trigo, depois de descrever é pessimo estado em que se achavam as estações; emfim, esteve a referir-se á pessima administração...

(Áparte do Sr. Ramirez que não se ouviu).

É claro, tem V. Exa. muita razão, mas os transportes de trigo costumam ter logar em setembro, outubro e novembro, e o mal aventurado decreto, a que S. Exa. se referiu, é de dezembro. (Apoiados).

Queria o illustre Deputado que o decreto de dezembro produzisse effeitos em setembro, outubro e novembro? (Vozes: - Muito bem).

E por aqui termino as minhas considerações. (Muitos apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tenham papeis a enviar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. João Pereira - Peço a V. Exa. que me diga se já chegaram os documentos que pedi pelo Ministerio da Guerra.

O Sr. Presidente: - Ainda não chegaram.

O Sr. Vellado da Fonseca - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, me seja enviada com a maior urgencia, a copia da parte do relatorio do coronel Galhardo sobre a campanha contra o regulo Gungunhana em 1895, na parte que se refere e diz respeito ao alferes de cavallaria, João de Azevedo Lobo que nella tomou parte. = Antonio Maria Vellado da Fonseca.

Mandou-se expedir.

O Sr. Abel Andrade: - Mando para a mesa um projecto de lei concedendo a D. Carolina Eduarda Collaça da Cunha, viuva do Bacharel Joaquim de Almeida da Cunha, a pensão annual de 600$000 réis.

Fica para segunda leitura.

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Vaz Ferreira: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto n.º 81-A autoriza o Governo a approvar o contrato que a Camara Municipal de Braga fizer, em termos legaes, para o abastecimento de aguas da mesma cidade.

A imprimir.

O Sr. Augusto Sousa: - Mando para a mesa os pareceres das commissões de administração publica e de fazenda, sobre o projecto de lei n.° 39-A, autorizando o Governo a permittir que a Santa Casa da Misericordia da Mouta possa construir um edificio para asylo da meddicidade e albergue, no local onde houve o hospital e seus annexos.

Foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 67 que autoriza o Governo a converter a actual divida publica externa

O Sr. Fuschini: - Sr. Presidenta: S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho affirma que a opinião publica recebeu bem o projecto do convenio, porque se conserva sonegada, não o combate, nem derruba o Ministerio. Assim será.

As representações das grandes corporações do paiz, com excepção apenas de poucas em cujas direcções predominam elementos essencialmente partidarios, a opposição tenaz de todos os jornaes, exceptuando o pequeno numero d'aquelles que defendem todos os governos e todas as suas medidas por venalidade ou por estreito espirito faccioso, ou movimentos bom caracterizados da opinião publica, que o Governo procura impedir por todos os processos, perseguindo a imprensa, prohibindo comicios, emfim, as manifestações de todas as ordens, que se vêem e que se sentem, não as considera S. Exa., não as ouve, proque, sendo dentro da legalidade, não lhe causam receio.

Sr. Presidente: como se applica bem neste momento a bella phrase de Cladstone: quando os povos falam baixo ninguem os escuta; quando elevam a voz, chama-lhes revolucionarios!

Profunda verdade, admiravel synthese do maior estadista inglez do seculo XIX, egual aos maiores do mundo, que tão bem traduz as nossas condições actuaes!

O Sr. Presidente do Conselho não deve, ou não quer ouvir, o povo portuguez, porque hoje elle fala baixo e se conserva dentro da legalidade; mas decerto o ouviria amanhã se elle falasse mais alto.

O que estamos nós preparando com este pleno despreso pela opinião publica? A que nos levará este systema de esmagar e de illudir a opinião do país, que tenta manifestar-se pelos meios legaes?

Quantos males, quantas causas de dissolução social ou de revolução accumulam sobre a nação aquelles que sophismam a legal expansão de opiniões, que é a base segura e imprescendivel do regimem da liberdade?

O nome do estadista não cabe aos que resolvem os problemas actuaes dos povos, que dirigem o governam; o estadista; para bem merecer este nome, tem de prevenir o acautelar o futuro, evitar as difficuldades que os vicios e erros dos homens vão accumulando successivamente e um dia podem originar consequencia fataes, ou pelo menos gravissimas, para o bem das nações.

É mais larga a esphera de acção de um estadista, do que a simples resolução dos problemas e das difficuldades presuntos. Ha no verdadeiro estadista alguma cousa superior na moral e na intelligencia, que lhe desvenda o porvir e lhe define a grave responsabilidade dos seus actos ainda depois de termo da propria existencia. Um estadista precisa ter quasi genio, porque o talento vê no dia de hoje, e o genio vê no de amanhã.

A historia não é um simples apontoado chronologico de factos, de reinados, ou de batalhas vencidas, ou perdidas; hoje, a historia constitue uma pholosophia concretiza as leis da evolução humana, pelas quaes devemos regular o presente, a fim de acautelarmos o futuro. A historia dá-nos, pela experiencia dos outros, os meios de organizarmos a nossa vida social, por forma que não preparemos um futuro de desventuras e de desastres.

Vou citar á Camara um facto historico, aliás conhecido, que poderá talvez, offerecer, pelas nossas condições especiaes presentes, grande opportunidade.

Em 1789 estavam renidos em Versnilles os Estados Geraes. A grande agitação, procurrera de revolução, saccudia o povo francez. Junto de uma das janellas do palacio, Luis XVI conversava um dia com o Duque de Luynes, um dos representantes da nobreza.

N'este momento, grande tropel de povo amotinado passou perto das grades dos luxuosos e manificos jardins.

Luiz XVI olhou, eclamando: c'est une émente?

- Non, Sire, c'est une révolution, respondeu Luynes, com a verdadeira previsão de um estadista.

Sr. Presidente do Conselho de Ministros: a historia não é um simples apontoado de factos, de dynastias, de reis e de batalhas, a historia é uma philosophia onde devem ler e aprender os estadistas. Leia-a, estudo-a, Sr. Ministro, e medite...

Sr. Presidente: falando na questão mais importante que até hoje tem sido submettida ao Parlamento Portuguez, vou ser de grande serenidade, tão grande quanto m'o permittir o meu sangue meridional. Se pudesse, falaria hoje como falavam os areopagios na solemne assembléa da antiga Athenas; ás escuras, para que a sombra esfriasse o enthusiasmo e annullasse o gesto, deixando apenas a palavra, simples e sincera, levar o germen da verdade e da convicção ao entendimento do auditorio.

Desejaria eu que a minha palavra, sem côr, fria, mas sincera, depusesse no cerebro e no coração dos que me escutam o germen da convicção arraigada, que nutro no fundo do meu espirito.

Sr. Presidente: um homem, que vae falar nestas condições, não sente, nem concita paixões, traz apenas raciocinios e convicções. Ao appelo do Sr. Presidente do conselho, pedindo-nos sereno estudo sobre a questão mais grave da vida constitucional portugueza, a [...] appello responderei eu plenamente, sem pretender atacar quem quer se seja na propria individualidade, nem mesmo na politica, e retirando desde já qualquer phrase que possa parecer autonomica com este firme proposito.

Não quero, pois, senão apreciar factos; mas se esses factos envolverem homens, que culpa tenho eu de que elles tenham sido praticados?!

Sr Presidente: o Sr. Beirão, no primeiro dia em que foi iniciada esta discussão, dirigiu ao Governo algumas perguntas, e quo o Sr. Presidente do Conselho respondeu. São estas perguntas e respostas que vou apreciar.

O Sr. Beirão perguntou: ha qualquer acto de caracter internacional, já celebrado ou a celebrar com qualquer Governo estrangeiro, a respeito do assumpto em discussão?

O Sr. Hintze respondeu: "com a nitidez e seriedade que me são proprias, declaro que o Governo portuguez não tem compromisso diplomatico com qualquer Governo estrangeiro a respeito da conversão. O Parlamento é livre na apreciação e resolução do assumpto".

Eis o que rigorosamente consta das minhas notas perticulares e dos Summarios das Sessões. Conclue-se, pois, d'estas declarações:

1-º Que as bases são discutiveis e modificaveis;

2.º Que actos diplomaticos anteriores ao actual momento não existem;

3.ª que a resposta incompleta do Sr. Ministro do reino não prevê a hypothese de que possa haver actos diplomaticos posteriores á approvação das bases em discussão.

Eis o que rigorosamente) consta daa minhnn notas particulares e dos tíuminarioe das tímÔLS. Conolue-se, poi-1, d'esias declarações:
l.e Que ae bases aFio diiícntiveis e notlificuvniu;
2.° Quo actoti dip omat co i anterioA-t, r.o tctacl ipoL^iito n&o existem;
3." Que a respotta incompleta do Sr. ilinistro do Reino provê a hypoíheso do que poaon hnver uctou diplomáticos poeterioroa á approvaçuo dr.c br^ss om dii"cuty:k).

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SESSÃO N.º 63 DE 24 DE ABRIL DE 1902 7

O Sr. Presidente do Conselho affirmou tambem, que divergia do convenio Espregueira pelas seguintes razões:

1.º Porque era inconveniente estampilhar os antigos titulos em circulação, convindo trocá-los por titulos novos.

2.° Porque divergia do plano da elevação successiva de juros externos em determinado periodo até 2 por cento.

3.° Porque não concordava com a representação dos portadores da divida externa na Junta do Credito Publico.

4.° Porque a consignação dos rendimentos das alfandegas não devia ser concedida sem a expressa declaração de ficar salva a autonomia financeira, economica e administrativa do paiz.

5.° Porque o convenio-Espregueira envolvia um emprestimo, o que não é opinião sua fazer.

Estas razões estão todas no Summario, excepto a quinta que existe nas minhas notas particulares.

O Sr. Beirão perguntou: quaes são os meios com que o governo conta para as despesas do convenio e para os respectivos encargos?

O Sr. Hintze respondeu: o Governo não fará emprestimos, não está isso na sua intenção, porque julga ter os recursos necessarios para occorrer a essas despesas.

É incontestavel a exactidão d'estas perguntas e d'estas respostas, porque não só constam do Summario da Camara e das minhas notas particulares, mas prova e, tambem, o silencio dos dois oradores, que me escutam, os quaes sem duvida rectificariam em materia tão importante qualquer inexactidão de palavras ou de opiniões.

(Breve pausa).

Com entes elementos indiscutiveis vou, pois, apreciar o convenio. N'esta discussão, hoje como sempre, tenho o direito de não ser considerado pelos homens, que se sentam nas cadeiras do Governo, como um simples explorador da opinião publica.

Podem as minhas convicções, as minhas paixões se quiserem, nortear mal o meu pensamento, pode ser incompleto e mal dirigido o meu estudo; mas ninguem, até hoje, tem o direito de me chamar explorador da opinião publica, e muito menos o Sr. Presidente do Conselho, que me conhece de longa data e comigo trabalhou no ministerio de 1893. A phrase de s. Exa. decerto se não referiu a mim, porque seria injusta.

Pois bem, Sr. Presidente, sincera e maduramente fui pensar sobre a natureza das perguntas e das respostas, que acabo de condensar, e nobre o ultimo discurso pronunciado pelo Sr. Hintze Ribeiro, magnifico discurso, sem duvida o melhor que lhe tenho ouvido no Parlamento.

Pensei profundamente na phrase do Sr. Hintze Ribeiro - que o assumpto em discussão é o mais grave, gue se tem apresentado para a nacionalidade portuguesa - e procurei encontrar uma formula de conciliação entre as minhas opiniões adversas ao convenio e as do Governo, hoje favoraveis a este acto, cuja gravidade actual e futura reconhece o proprio Presidente do Conselho.

Vou, pois, desenvolver as minhas propostas. É certo que a minha força não ameaça; estou só, só com a minha justiça e as minhas convicções, são essas as minhas unicas forças; espero, todavia, que sejam acceitas as minhas ídéas, constituindo realmente uma verdadeira transigencia, era que ponho de parte principios fundamentaes acêrca do convenio, mais de uma vez expressos n'esta Camara.

Investiguemos em primeiro logar um ponto, que deve merecer, pelo menos, algum reparo.

Porque seria que o Governo, possuindo auctorizações especiaes e larguissimas na lei de 25 de junho de 1898, - a que auctorizou o passado ministerio progressista a negociar um convenio sobre a divida externa, - veiu pedir novas auctorizações?

É tanto mais singular o facto, quanto ao apresentar-se ao Parlamento o Governo actual me respondeu, contrariando a minha opinião, que a lei de 1898 não caducara e devia considerar-se em pleno vigor.

A este respeito, o Sr. Presidente do Conselho declarou que as bases actuaes não estão todas compreendidas na citada lei, o que é manifestamente erroneo, como facilmente se verifica. Por outro lado, o Sr. Ministro da Fazenda, no seu ultimo discurso, defendeu-se de accusações progressistas, mostrando que as bases em discussão estavam todas - todas! - comprehendidas na lei de 1898!

Como tudo é irregular e discordante nesta malfadada questão do convenio!

Mais ainda: o Presidente do Conselho actual presidiu tambem o ministerio de 1893, de que eu fiz parte; ora, esse ministerio, regulando a questão da divida externa, apresentou ao Parlamento uma proposta - depois transformada na lei de 20 de maio de 1893 - fixando as condições d'esta operação, isto é, reduzindo a texto definitivo e inalteravel as combinações anteriormente realizadas; porque não segue S Exa. agora o mesmo caminho, que o bom senso lhe aconselhou outr'ora e a experiencia demonstrou ser o melhor?

Quaes foram as razões de ordem logica ou politica, que alteraram as declarações expressas de S. Exa., quando o actual Ministerio se apresentou pela primeira vez á Camara?

Sr. Presidente, comprehende alguem, ou pode admittir-se, que seja o parlamento de uma nação o primeiro a acceitar bases, sobre que outrem, n'este caso os credores externos, tenha depois de resolver em ultima instancia?

Não se comprehende.

Porque a camara não pode ignorar como se vão passar os factos, mas se o ignora, vou eu expor-lh'os. Estas bases, que hoje discutimos, se forem approvadas pelo Parlamento, serão em seguida sujeitas a uma reunião de comités, provavelmente realizada em Paris.

Veja a camara, sujeitas aos comités, que as podem ou não acceitar, e ainda depois serão estes comités que devem aconselhar á generalidade dos credores a sua definitiva acceitação!

Ora, sinceramente, pergunto á Camara se o processo é digno para nós; se em tudo isto não ha qualquer cousa que melindra a dignidade e a soberania de uma nação livre?

Será isto, ao menos, util para o governo? Não é.

A vantagem do governo, quando não fosse o seu dever, era escudar-se com o parlamento, negociar sempre na referendum para e parlamento, para nós que somos emfim os representantes da soberania nacional e os unicos que turnos direito e capacidade legal para ligar o paiz a quaes quer compromissos.

Porque não procedeu, agora, o Sr. Presidente do Conselho, como praticou em 1893, adoptando identico processo que ao mesmo tempo garantia a dignidade e os interesses do paiz?

Quaes foram as razões d'este irregular procedimento?

Devem ser muito grandes, muito poderosas! O tempo e os factos darão resposta a esta pergunta; oxalá que essa resposta não seja grave e dolorosa.

Rasões ha, porém, de secundaria importancia, - porque decerto não foram essas que abalaram as firmes convicções de S. Exa. o Presidente do Conselho, - que podemos desde já definir.

A camara lembra-se, sem duvida, de um celebre relatorio do Sr. Madeira Pinto, que eu mandei em tempo para a mesa e não foi até agora publicado?

Tenho presente uma copia d'este famoso documento, onde se leem estes singulares periodos:

"O comité de Paris lembrava tambem a conveniencia de antes de se ultimar o convenio pedir o governo ás côrtes a approvação de novas bases, na parte em que pudessem exceder a auctorização já conferida pela carta de lei de 25 de junho de 1898, a fim de evitar que a ratificação

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do mesmo convenio ficasse dependente da sua discussão o approvação nas côrtes".

V. Exa. Sr. Presidente, comprehende?! Para evitar que a ultima discussão se faça no Parlamento, isto é, perante quem representa o paiz em assumpto de tamanha gravidade; pelo contrario, para que essa discussão se realizo em definitivo na reunião dos comités!

Lê se e não se acredita; todavia, foi o principio que o governo portuguez acceitou.

Comprehendo eu que os comités pensem por esta forma, que este caminho convenha aos seus interesses proprios; mas affirmo com a maior serenidade de espirito, apenas trahida pela commoção da minha voz, que não é certamente este processo, que mais se coaduna com as conveniencias do paiz e com a dignidade do governo e da nação.

Para demonstrar a V. Exa., Sr. Presidente, o meu espirito de transigencia, ponho de parte esta formalidade tão importante; acceitarei as cousas como ellas estão.

Vamos a ver se é possivel chegarmos a accordo sobre estão bases; vamos a ver, Sr. Presidente do Conselho, se mais uma vez lhe demonstro, o que ao seu lado lhe provei durante dez mezes, que não sou um ridiculo ambicioso, explorador das paixões populares...

O convenio Espregueira era pessimo; este é melhor, sem duvida.

Não os vou agora comparar em todos os elementos, porque para tal não tenho tempo. Hoje, pelos novos processos, discute-se n'esta camara, como se vendem fitas n'outros logares á medida. Nos aureos tempos do nosso parlamento não havia, nem as actuaes difficuldades em obter a palavra, nem as absurdas limitações da hora; discutia-se com profundidade e utilidade.

Mas, digo eu, se o convenio Espregueira era mau e este é melhor, não padece duvida que este ficará peor do que o primeiro, se, depois de feito, fôr acompanhado de qualquer declaração diplomatica, como fez a Servia.

Então não será apenas o controle estrangeiro, será a suzerania dos banqueiros, exercendo-se pela força das grandes potencias.

Acredito eu, porventura, em que um ministro portuguez seja capaz de praticar similhante acto? Não; mas é indispensavel fazer desapparecer qualquer duvida a este respeito no espirito publico; é necessario sobretudo armar os ministerios com o non possiomus contra pretensões e pedidos, como o do papa Pio IX quando lhe pediam o reconhecimento de Roma para capital politica da Italia.

Então, pensei que era preciso chegar a uma formula de transacção, que fosse acceitavel para o governo. Julgo havel-a encontrado.

Antes, porém, de a ler, consinta-me a camara que lhe narre um facto: haverá tres annos talvez, porque o tempo corre breve, atacava eu com violencia o Sr. Beirão, n'esse tempo ministro dos estrangeiros, porque S. Exa. tinha deixado passar tropas inglezas armadas pelos nossos territorios africanos da Beira.

Procurara eu, em vão, no tratado de 1891 um artigo, ou disposição especial, que auctorizasse semelhante facto e, como não o encontrara, aggredi o ministro.

Pois, Sr. Presidente, hoje penitencio-me por cata falta; fui injusto. O Sr. Beirão não podia fazer outra cousa, não em virtude do tratado, discutido e votado no parlamento, mas por causa de certas noptas reversas secretas, que foram sem auctorização legal annexas ao tratado!

Quem as fez? Como pedir a responsabilidade legal e moral a quem praticou este acto? Não sei; talvez o responsavel até já não pertença ao numero dos vivos... Tal é o valor da responsabilidade politica, de que tanto [...] n'esta camara! Chega tarde, quasi sempre; quando chega...

É certo que o Sr, Presidente do Conselho affirmou com palavras solemnes e claras que acêrca do convenio não se trocariam documentos, ou declarações diplomaticas. Acredito na palavra do Sr. Hintze Ribeiro; mas S. Exa. não é eterno, e sobretudo a sua existencia politica pode desapparecer amanhã; ora, as palavras de S. Exa. não ligam os seus successores.

Alem disso, um paiz não se administra com declarações ministeriaes; mas sim com resoluções do parlamento. Eis o que cumpre fazer.

Proponho, pois, a seguinte substituição ao projecto em discussão:

"Artigo 1.° O do projecto.

Art. 5.° São nullos para todos os effeitos, não envolvendo obrigação alguma para a Nação, quaesquer actos do Poder Executivo, anteriores ou posteriores ao accordo realizado sobre as bases de que trata o artigo antecedente, quando taes actos, secretos ou publicos, não estiverem expressa e claramente comprehendidos nas auctorizações d'esta lei.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario, bem como a lei de 25 de junho de 1898".

Mando ao Sr. Relator uma copia da substituição, que acabo de ler, a fim do que S. Exa. a possa estudar, apesar de a haver eu sufficientemente esclarecido com as considerações, que acabo de fazer.

Por esta forma, a questão fica resolvida, sem que possam subsistir duvidas na opinião publica. Os Srs. Ministros podem retirar-se descansados, porque, quem se lhes seguir, não poderá tentar caminho differente do que lhes traçou o raciocinio e a consciencia dos interesses publicos.

Alem d'isso, por este meio damos fortissima egide ao ministro, que pretenda resistir a imposições dos comités.

V. Exa. Sr. Presidente, comprehende que homens, ligados por interesses e conveniencias proprias, homens que não são portuguezes, nem até vivem em Portugal, hão de fazer todos os esforços possiveis para que estas bases sejam intrepretadas e alargadas no sentido d'esses interesses e d'essas conveniencias. Isto é obvio e elementar, creio eu.

Continuemos agora no empenho de chegar a uma transacção com o governo.

Considerei sempre a lei de 25 de junho de 1898 como havendo caducado com o desapparecimento da camara que a approvou. Não se entendeu, porém, assim; é, portanto, indispensavel no actual projecto de lei introduzir a declaração expressa de que a auctorização de 1898 cessou de ter existencia legal; aliás, em futuro mais ou menos proximo, poderemos ser surprehendidos por qualquer arranjo com os credores externos, feito nas larguissimas auctorizações de uma lei caduca e antiquada. Este facto teria precedentes entre nós, embora em materia bem menos importante.

Vejamos agora o ponto importantissimo da consignação dos rendimentos aduaneiros.

Disse o Sr. Presidente do Conselho: "eu não acceitei a consignação senão quando tive a certesa de que este principio não feria a autonomia politica, economica e financeira do paiz".

Estou de accordo; e ninguem pode deixar de o estar, admittido o principio, com esta justa declaração.

Não sou adversario da consignação de rendimentos; quem tiver lido o que a tal respeito tenho escripto, conhecerá as minhas opiniões.

Nas Liquidações Políticas, escriptas em 1895, quando resumi o meu plano financeiro no ministerio de 1893, no qual entrava uma conversão da divida externa, admitto o principio da consignação; julgo ainda hoje quasi impossivel qualquer operação importante sobre esta divida sem offerecer a consignação, principalmente depois do emprestimo dos tabacos que iniciou entre nós este deporavel systema.

A minha repugnancia está em a conceder sobre os ren-

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dimentos das alfandegas, por causas e razões já por mim muitas vezes repetidas, as quaes seria pois inutil expor á camara n'este momento.

Em que se funda, porém, o Sr. Presidente do Conselho para tão grande socego de espirito?

No § unico da base 2.ª que diz:

"§ unico. Fica, porém, declarado, para todos os effeitos, que as disposições contidas nesta base de modo algum affectarão ou poderão prejudicar a autonomia financeira, economica e administrativa da nação portuguesa".

Facilmente se contenta o Sr. Hintze Ribeiro com innocentes declarações!

As disposições contidas n'estas bases não afectarão... lá isso não affectam; agora os actos que podem derivar d'estas disposições, a sua sibyllina interpretação, esses podem profundamente affectar o prejudicar a dignidade e os interesses nacionaes.

Que longa serie de discussões e interpretações, de duvidas e incertezas não poderá trazer esta redacção tão ambigua e geral? Que perigos n'estas discussões entre grandes potencias e um paiz pequeno como o nosso?

Porque não havemos nós de definir claramente o que queremos salvaguardar, conjurando assim futuros perigos?!

Não apreciarei agora os argumentos apresentados pelo Sr. Presidente do Conselho em defeza da sua mudança de opiniões.

Prudentis est mutare consilium, muitos estadistas teem mudado de opinião.

Quasi de um dia para outro, Robert Peel mudou de crenças, e de feroz proteccionista passou a livre cambista na delicada questão dos cereaes em Inglaterra. Odiado pela multidão, como protector dos ricos productores, tornou-se depois o idolo dos pobres; e o seu retrato figurou por longo tempo nas cabanas e nas casas modestas como o do protector dos desvalidos, como o de quem havia embaratecido o pão dos pobres.

O Sr. Hintze Ribeiro declarou que não acceitaria a consignação, acceita a agora. Admittamos.

Quer S. Exa., e muito bem, garantir a autonomia do paiz? De accordo.

Pois n'esse caso a redacção do paragrapbo é obscura; vou offerecer-lhe outra, eil-a:

"Base 2.ª:

§ unico O Governo Portuguez declara muito expressamente que, em qualquer data d'este acordo, se reserva em absoluto a plena liberdade de modificar os direitos da importação (pautas aduaneiras) em harmonia com os interesses nacionaes, quer estas modificações tenham por fim melhorar a distribuição da riqueza publica, quer a celebração de tratados commerciaes uteis para á industria e para o commercio portugueses, quer por quaesquer outras cansas legitimas e de interesse publico.

Todos os signatarios d'este accordo, em seu proprio nome e em nome dos interessados de qualquer ordem que representem, ou possam representar, acceitam sem restricções esta declaração do Governo Portuguez, reconhecendo e respeitando n'ella, como em tudo respeitam e respeitarão, os direitos da soberania de Portugal".

Aqui, Sr. Presidente, já não ha ambiguidades. Ficam taxativamente expressos os direitos, que mais salvaguardam os nossos interesses economicos e financeiros; são reconhecidas claramente as bases da nossa soberania.

Direi mais; por esta forma desapparecem os maiores inconvenientes da consignação dos rendimentos aduaneiros. Espero, pois, que o governo, em seu proprio beneficio e do paiz, acceite a minha substituição, que vou mandar ao Sr. Relator, a fim de que elle a estude na sua redacção.

Sr. Presidente, apreciemos, finalmente, outro ponto importante, as despezas do convenio.

Estas despezas são de duas ordens: as accidentaes, a que chamarei despezas de installação, e as permanentes, os encargos annuaes da operação.

São despezas necessarias de installação: a substituição dos titulos e o sello correspondente.

Qualquer que fosse a formula da conversão, estas despezas tinham de fazer-se. A propria estampilhagem dos titulos do convenio Espregueira, alem dos seus gravissimos inconvenientes, não ficaria muito mais barata do que a respectiva substituição.

As despezas de installação, se me permittem a phrase, são faceis de calcular nas seguintes parcellas:

Contos em ouro

Custo dos novos titulos...................... 360
Sellos nos novos titulos..................... 1:000
Compra dos scrips............................ 500
Despezas com os comités..................... 300

Total................... 2:160

Este calculo é muito approximadamente egual ao que foi apresentado pelo Sr. Ressano Garcia.

Como faz o Governo face a estas despezas?

Naturalmente pelo systema do convenio Espregueira: pondo em circulação novos titulos de 3 por cento em quantidade sufficiente para conseguir esta somma; qualquer, porém, que seja o modo de pagamento, a questão é que estas despezas teem importante valor.

Digamos, em verdade, que as duas primeiras são indispensaveis: a dos novos titulos, para substituirem os actuaes maculados, e o da respectiva sellagem, conforme as leis dos paizes em que circularem. É indiscutivel que o principio da substituição dos actuaes titulos maculados é excelente.

Emquanto á compra dos scrips e ás despezas de expediente dos comités, a questão é muito differente e mais ingrata. Eu tive sempre a plena certeza de que, negociando se directamente com os comités, seriamos obrigados a fazer estes sacrificios.

Agora, o que eu affirmo ao paiz e á Camara é que em 1893, quando o Ministerio, presidido por S. Exa. o Sr. Hintze Ribeiro, fez as combinações das quaes nasceu a lei de 20 de maio de 1893, durante as numerosas reuniões que eu tive pessoalmente com os representantes dos credores externos, uma unica vez, de passagem e sem insistir, o Sr. Sprunger-van-Hie se referiu a estes scrips.

É claro que não acceitei a idéa e sobre ella nunca mais se falou, nem pelos scrips nada se pagou então; pelo contrario, a lei citada tirou-lhes todo o valor, se algum tiveram.

Ahi fica a minha affirmação, que não ha de ser contestada, assim como a declaração bem expressa e terminante de que a lei de 20 de maio de 1893 não soffreu a menor impugnação, depois de publicada.

Quando o Sr. Espregueira no anno passado pretendeu demonstrar o contrario n'esta Camara, oppuz-lhe formal negação. Não tinha então provas positivas; possuia, apenas, a minha convicção, a certeza absoluta dos factos e a minha auctoridade para os alarmar. Hontem, porém, o Sr. Presidente do Conselho produziu os documentos, que demonstram a verdade completa da minha affirmação. Estes documentos devia eu tê-los trazido comigo em boas copias ... Esqueceu-me.

A lei de 20 de maio de 1893 não levantou reclamações, eis o ponto indiscutivel; mais tarde, n'este discurso, se tiver tempo, mostrarei tambem que o Sr. Ministro da Fazenda laborou em deploravel erro, quando affirmou que o caminho seguido pelo ministerio de 1893, na questão da divida externa, não resultou da vontade dos homens do

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Governo, mas foi imposto pelas circumstancias. E absolutamente inexacta esta affirmação; o caminho seguido foi adoptado, livre e energicamente, pelo Governo de então, que suppoz ser elle o unico que bem defendia os interesses e a dignidade do paiz. Se tiver duvidas, pergunte ao Sr. Presidente do Conselho.

Dito isto, prosigamos na discussão do projecto. Esta despezas extraordinarias não me amedrontam.

Que importariam, na realidade, mais ou menos mil contos, se podessemos fechar convenientemente este periodo difficil da nossa vida nacional?

O mesmo não direi já acêrca das despezas permanentes que, durante largo periodo, resultarão do convenio e no primeiros annos montam a l.000:000$000 réis em ouro pobre as sommas que pagamos actualmente no regimen da lei de 1893.

O Sr. Presidente do Conselho disse no seu discurso que fará face a esta despeza com os recursos ordinarios do Thesouro, sem recorrer a emprestimos...

Registo a phrase e applaudo a intenção; mas desejo tambem algumas explicações.

Segundo os meus calculos, já por mais de uma vez apresentados a esta Camara, o deficit medio do nosso orçamento regula entre 4.000:000$000 réis e 5.000:000$000 réis em moeda corrente, suppondo o premio do ouro 45 por cento; ora, como cada unidade d'este premio corresponde ao encargo orçamental de 90:000$000 réis a 100:000$005 réis, segue-se, na realidade, que o nosso deficit medio provem do premio do ouro.

Estes factos passam-se no regimen da lei de 1803, sobre a divida externa; isto é, neste regimen o deficit desappareceria com o premio do ouro.

Circunstancias que todos conhecem, entre as quaes avulta termos trigo nacional sufficiente para o consumo, baixaram este premio do ouro a cerca de 30 por cento quer isto dizer que o deficit medio desceu tambem a cerca de 3.000:000$000 réis.

Admittamos que o effeito do convenio é a melhoria dos cambios. Não ha duvida em que o premio do ouro resulta da relação entre as quantidades entradas e saídas d'este metal no paiz; mas tambem não ha duvida em que o credito e a confiança do publico podem contribuir para melhorar, pelo menos temporariamente, as cotações cambiaes; comquanto o augmento da exportação do ouro pelos novos encargos do convenio tenda a annullar este beneficio.

Concedamos que esta causa desça o premio do ouro a 20 por cento, isto é, baixe o valor da libra esterlina a 5$400 réis: hypothese que ninguem deixará de achar um pouco côr de roza... Teremos, pois, no regimen da lei de 20 de maio de 1893, um deficit medio de 2.000:000$000 réis.

Quaes são os encargos do convenio que se projecta?

Segundo os calculos do Sr. Ministro da Fazenda sobem estes encargos a 916:000$000 réis em ouro; segundo os meus calculos, já publicados, attendendo ás sommas que são necessarios para as despezas de installação do convenio, estes encargos ascendem a 1.000:000$000 réis, ou, no caso de 20 por cento do premio do ouro, a réis 1.200:000$000 réis em moeda corrente.

Assim, attendendo a todas as circumstancias, o deficit medio no regimen do futuro convenio não poderá ser nunca inferior a 3.200:000$000 réis em moeda corrente.

A isto respondeu o Sr. Presidente do Conselho que os encargos do convenio, começando em l.000:000$000 réis em ouro, tendem a reduzir-se no futuro. É certo; mas, para que esta reducção seja apreciavel, é necessario que decorram alguns annos, 8 ou 10 pelo menos.

Este deficit é o actual e aquelle que, conservando-se as cousas no estado presente, se manterá por alguns annos.

Dirijo-me agora ao Sr. Presidente do Conselho: S. Exa. sabe que não confio de forma alguma na sua politica, seria quasi escusado dize-lo; mas o que não tenho é a menor desconfiança na sua íntelligencía e no seu caracter.

S. Exa. não estava presente quando ou disse que o seu discurso de hontem fora primoroso, acrescentarei apenas que não tenciono propor a minha candidatura a qualquer cadeira ao lado de S. Exa.

O Sr. Presidente do Conselho foi por longo tempo Ministro da Fazenda, conhece, portanto, excellentemente, a theoria e a pratica dos negocios financeiros, a elle me dirijo porque a elle respondo; com que recursos ordinarios do thesouro conta S. Exa. para fazer face a este deficit, a menos que não seja o augmento immediato de impostos?

Chego ao fim da primeira parte do meu discurso, tendo exposto, parece-me, com toda a clareza e sinceridade as minhas opiniões, offerecendo até onde posso chegar uma transacção ao Governo, ao qual não ataquei nem collectiva nem pessoalmente.

Acceitas as minhas acclarações, o convenio não ficará bom financeiramente, mas politica e administrativamente é admissivel.

Pergunto, pois, ao Sr. Presidente do Conselho, ao Sr. Ministro da Fazenda ou ao Sr. relator se julgam acceitaveis as propostas que mando para a mesa.

(Pausa).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro): -Unicamente por deferencia para com um membro do Parlamento, porque de resto, o illustre Deputado dispensou a minha resposta, tenho a dizer a S. Exa. que, desde que pediu ao Sr. relator que ponderasse as propostas que mandou para a mesa, a commissão ponderará e estudará essas propostas.

O Orador: - A resposta do Sr. Presidente do Conselho é caracteristica.

As minhas duas propostas não alteram a essencia das bases, apenas as aclaram, evitando actos e factos futuros, cujas graves consequencias para o paiz ninguem pode desconhecer. Não serão admittidas, é claro. O desejo de chegar a um accordo foi inutil; portanto, os que combatem o convenio devem fazer todos os esforços para evitar a sua approvação.

O silencio dos Ministros sobre pontos tão importantes das bases, prova duas cousas:

1.° Que qualquer declaração diplomatica ás potencias poderá ser feita depois de realizado o convenio.

2.° Que o celebre § unico da base 2.ª é uma simples burla, com que se pretende illudir a opinião publica.

Estou absolutamente convencido de que, se a minha proposta não for approvada, nos espera a sorte da Servia...

(Risos da direita).

Porque se riem? Por não saberem o que é a Servia, ou a situação em que se encontra esse pequeno reino?

Então eu lhes explico. Existe um pequeno estado balkanico denominado a Servia...

(Risos da esquerda).

... este pequeno reino, mal administrado, viu-se como nós obrigado a fazer um convenio com os seus credores externos.

Ora, parece que por lá havia tambem exploradores da opinião publica, que não viam com bons olhos o principio da fiscalisação externa; os ministros servios, como os de cá, adoçaram, pois, quanto poderam as condições do accordo e, quando o tiveram approvado e adormecida a opinião publica, fizeram ás potencias a declaração official e diplomatica das bases, em que haviam chegado a accordo com os seus credores externos.

As potencias interessadas responderam a este acto de cortesia: que ficavam inteiradas, como costuma dizer o Sr. Dias Ferreira.

Eis um facto bem simples na apparencia; na realidade, envolve elle o mais rigoroso principio de controle. As po-

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tencias interessadas foram assim tomadas como testemunhas de um contracto, a que a Servia se ligou, sujeitando-se ás consequencias logicas de o não cumprir e reconhecendo ás potencias o direito de julgarem a sancção, que lhe deverá ser applicada.

Eis um paiz lançado na tutela dos banqueiros e dos comités!

Agora, riam-se da Servia e da sua situação actual...

As minhas propostas procuram conseguir que o convenio fique não bom, isso é impossivel por este processo e com estas bases, mas ao menos em condições de não ser um desastre financeiro e uma macula nacional. Riam-se, pois, das minhas intenções, porque eu fico com a consciencia de haver cumprido o meu dever e o futuro me dará razão.

Emquanto a existirem, recursos ordinarios para pagamento do augmento de despesa proveniente do convenio, tambem não é fundada a declaração do governo. Dizer que de orçamento com deficit podem sair dos recursos ordinarios novas e importantes despesas, é sustentar um absurdo.

Os emprestimos serão a consequencia logica do convenio; nem mesmo se pretende este convenio senão para abrir novo periodo de recurso ao credito. É facil demonstral-o.

Alem d'isso, a primeira operação d'esta natureza já está por assim dizer contrahida. Consiste na prorogação do prazo do monopolio dos tabacos, que ao mesmo tempo facilitará a conversão dos respectivos titulos e um pequeno augmento na renda annual.

As argucias do governo não chamarão a isto emprestimo, será a terceira serie do emprestimo de 1891. E com esta distincção casuistica pretender-se-ha salvar a declaração ministerial.

O systema do Sr. Hintze Ribeiro é assás commodo. É grave, é serio o momento que atravessamos, diz elle ao paiz; convem, pois, discutirmos serenamente, diz-nos elle a nós; emfim, conclue S. Exa., se ha responsabilidades, não as apreciemos nem as julguemos n'este instante, approvemos o convento e mais tarde as liquidaremos.

Ora, eu penso de forma inteiramente differente. É n'estas graves condições dos povos que se torna necessario conhecer a natureza das causas e definir a responsabilidade dos homens, que os arrastaram ás difficuldades do momento, a fim de que possam ser debelladas essas causas e julgados esses homens.

Vou, pois, apreciar estas responsabilidades.

Em 1893, o governo, presidido pelo Sr. Hintze Ribeiro e de que eu fiz parte como ministro da fazenda, resolveu a questão dos credores externos, regulando os pagamentos da respectiva divida pela lei de 20 de maio do mesmo anno. Esta lei constituia uma resolução definitiva; para o demonstrar basta estudal-a nos seus termos expressos.

Contra esta lei não se levantaram difficuldades, nem reclamações algumas, como eu sempre affirmei e ha dias o demonstrou o Sr. Hintze Ribeiro, apresentando varios documentos á Camara.

Finalmente, a lei de 20 de maio não impedia qualquer futura remodelação dos impostos aduaneiros, como hontem o affirmou, sem o demonstrar, o Sr. Hintze Ribeiro.

Em 1896 publiquei eu um livro, defendendo como julguei conveniente as minhas doutrinas, os meus actos e o meu nome politico. Refiro-me ás Liquidações Politicas.

Não tenho de me arrepender de o haver feito; e tudo quanto escrevi neste livro é absolutamente verdadeiro.

Abramos o capitulo denominado a questão com os credores externos e leiamos alguns periodos, que ahi se encontram escriptos:

« Depois de larga apreciação dos documento escriptos e do estudo das circunstancias de cada paiz, o conselho de ministros - em 1893 - assentou no procedimento politico, que se pode traduzir nos seguintes principios:

1.° Sustentar o direito de conversão, como funcção exclusiva da soberania nacional.

2.º Não reconhecer como logica consequencia do primeiro principio, o direito dos governos estrangeiros tratarem directamente esta questão: embora, por meio de agentes diplomaticos portugueses, lhes fossem prestadas explicações e esclarecimentos.

3.° Não acceitar a intervenção dos comités, como representantes dos direitos e dos interesses dos respectivos credores, nem com elles tratar senão officiosamente.

4.° Preferir qualquer solução, tomada em mutuo accordo, o que envolvesse as obrigações dos tabacos 1.

Ora, decerto, não tinha eu, ha seis annos, o espirito prophetico para escrever estes periodos, que n'este momento me servem de resposta ás affirmações do sr. ministro da fazenda. Além d'isso, estão sentados n'essas cadeiras ministros da situação de 1893, pergunte-lhes o sr. ministro da fazenda se n'estas affirmações existe alguma inexactidão. Não existe. Sr. Mattoso Santos leia bem a historia.

Sr. presidente, vou entrar agora na parte mais delicada da minha exposição. Não vejo homens, vejo factos. Foram os actos successivos dos governos desde 1894, que arrastaram o paiz á triste necessidade de fazer, se o fizer, um convenio com a consignação dos rendimentos da alfandega. Vou demonstral-o, não para fazer retaliações, mas para evitar factos analogos e definir responsabilidades.

O sr. presidente do conselho bem sabe, porque tem excellente memoria, como eu pensava acêrca da conversão da divida, quando era seu collega.

O sr. presidente do conselho sabe tambem como eu pensava acêrca da conversão, quando em 1894 S. Exa. me fez a honra, e muita, de subir á minha modesta casa para me offerecer a missão ao estrangeiro, com carta branca, a fim de tratar da conversão da divida externa.

Foi uma honra que, sejam quaes forem e continuem ser as nossas relações pessoaes, não esqueço; foi uma honra e uma prova de confiança.

Mas, S. Exa. decerto não se esqueceu tambem da minha resposta...

Não acceito a honrosa missão, porque não é tempo ainda para tratar com vantagem para o paiz uma questão d'essa natureza; parece-me cousa gravissima tocar antes de tempo no regimen da lei de 1893.

Depois, em 1896, foi apresentada ao parlamento, pelo mesmo sr. Hintze Ribeiro, uma proposta de lei sobre a conversão da divida externa. Em verdade,
projectava-se uma verdadeira conversão, embora o plano fosse irrealisavel, uma verdadeira phantasia financeira, não envolvia o principio da consignação de rendimentos.

O grande defeito d'esta proposta, o verdadeiro erro do ministro, foi levantar intempestivamente uma questão d'esta natureza, mostrar aos estrangeiros que em Portugal se pensava sequer em modificar a lei de 20 de maio de 1893, que devia ser por nós considerada como um verdadeiro palladio nacional.

Em fevereiro de 1897 subiu ao poder o ministerio progressista. O sr. Ressano Garcia, então ministro da fazenda, fez-me a honra de querer ouvir as minhas opiniões acêrca da conversão da divida externa e sobre a situação financeira do paiz.

Deve s. exa. lembrar-se do meu conselho: não pensem em conversão, é impossivel fazel-a ainda em condições rasoaveis; não toquem na lei de 1893 que é hoje a nossa melhor garantia. Seria assaz perigoso.

Em setembro de 1897 fui a Paris. Apesar de não fre-

1 Liquidações politicas, pag. 155.

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quentar os centros financeiros, não me foi difficil de perceber que em certos pontos se machinava qualquer operação sobre a divida externa portugueza. A minha desconfiança foi então, e o futuro não me desenganou, de que se preparava um convenio, negociado cem os comités; exactamente com esses comités que não haviam podido protestar contra a lei de 1893.

Era a recrudescencia de ambições não satisfeitas, que iam procurar fazer pressão nos ministros portugueses, pensei eu, que tiveram a ingenuidade de levantar extemporaneamente a questão da conversão.

Cheguei a Lisboa e sem perda de tempo, convocando os meus poucos amigos, comecei a propaganda activa, systematica, enorme para um homem só, perigosa até; trabalhei dia a dia, com a idéa fixa de que era necessario conjurar um desastre para a minha patria. Tenho luctado até á hora actual; é provavelmente a minha ultima lucta...

O Sr. Presidente: - Deu a hora concedida pela camara, tem v. exa. mais um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - É a ultima lucta, não porque tenha receio de ameaças; mas porque vou estando velho e cansado, e é tempo de descansar.

Emfim, em 1898, era apresentada ao parlamento portuguez uma proposta de lei, auctorisando o governo a tratar com os credores externos um convenio sobre determinadas bases.

Essa proposta foi depois transformada na lei de 25 de junho de 1898. Estou convencido de que no intimo da consciencia todos os homens, que contribuiram para este facto, estão hoje arrependidos de o haverem feito.

Ora, todos estes actos evidentes, e outros que por ventura passaram desconhecidos, fizeram ver aos que se diziam representantes dos credores externos, que na realidade os governos portuguezes pretendiam por todas as formas obter dinheiro para attender a despezas loucamente crescentes.

Os emissarios portugueses succederam-se no estrangeiro; durante mezes fizeram-se tentativas para obter um convenio, cuja primeira condição era um emprestimo!

Ao mesmo tempo que assim se praticava na mais grave questão externa nacional, no paiz as despezas publicas cresciam por fórma aterradora. Esgotaram-se todos os recursos e era facil de prever que, mais cedo ou mais tarde, teriamos de nos entregar por qualquer fórma para obter dinheiro.

A politica nacional desorganisou-se. A titulo de avigorar as instituições monarchicas, limitaram-se os direitos civicos, quanto foi possivel; por meio de leis de excepção procurou-se systematicamente excluir de todas as corporações deliberantes do paiz os elementos republicanos e os proprios liberaes monarchicos, não filiados nos partidos de rotação.

A camara sabe que no principio do seculo XIX houve em França um homem, talvez o primeiro financeiro da restauração burbonica, o barão Luiz, que pronunciou uma phrase que é, e será sempre emquanto existirem homens e finanças, um verdadeiro axioma: dae-me boa politica, dar-vos-ei boas finanças.

Entre nós a politica e as finanças valeram-se. Collocados n'estas condições de mascarado absolutismo os povos cahem no estado de torpor e indifferença, como os indios do Paraguay, educados pelos jesuitas, ou começam n'elles a desenvolver-se os germens da revolução.

Foi um erro grave que praticaram os partidos, e ainda o é porque persistem no systema. Não venho dizer agora isto ao paiz no fim de nove annos; disse-o, escrevi-o muitas vezes e procurei pôr-lhe remedio, quando me pareceu ter força para o fazer.

Diga o sr. presidente do conselho o que eu lhe expuz, quando, em conversações intimas preliminares para a minha entrada no ministerio de 1893, falámos sobre reformas de caracter liberal: a tolerancia e a liberdade são ainda os meios de reorganisar a sociedade portuguesa, lhe affirmei eu.

Assim, o programma do ministerio de 1893 foi opportunamente tolerante e liberal; oxalá, elle tivesse sido cumprido leal e rigorosamente.

O que fizeram os partidos do codigo administrativo de 1878, a obra liberal do velho Sampaio, o que fizeram da lei eleitoral de 1884, que dava aos elementos avançados do paiz a garantia de acção e representação nas grandes inspirações politicas do paiz?

Substituiram-n'os por successivas reformas, tantas como os ministerios que se succederam, accentuando-se cada vez mais o caracter retrogrado e acanhado dos reformadores, que não foram movidos senão pelo espirito dos interesses partidarios e pessoaes.

Excluir os partidos avançados da esphera politica do paiz é lançal-os logicamente na revolução, ou leval-os á dissolução; ora, nem uma cousa nem outra conveem aos interesses de uma nação. Quando outras vantagens não tivessem os elementos avançados no mechanismo politico moderno - e teem muitas - constituem, pelo menos, um meio de activa fiscalisação dos actos publicos. Os partidos de rotação, ou aquelles que podem aspirar ao poder, podem ter, e em geral teem, reciprocas vantagens em se auxiliar, ou, pelo menos, em não se desmascarar; eis o que não succede aos partidos, grupos, ou homens, que não podem aspirar ao poder dentro de determinadas instituições.

A fiscalisação dos partidos adiantados é, pois, uma necessidade. Creia v. exa., sr. presidente, se nós tivessemos aqui, n'esta camara, junto a nós, quem dia a dia seguisse e apreciasse os nossos actos, - digo nossos porque tambem já fui ministro - sem fazer accordos, nem combinações, porque não as necessitaria, creia v. exa., sr. presidente, os negocios publicos correriam melhor e demonstrar se-ia mais uma vez a verdade do proloquio do barão Luiz: «a melhor politica produziria melhores finanças».

É possivel que este systema politico seja excellente para os interesses de determinados individuos; não o é, de certo, para o socego e o bem estar dos cidadãos. Pretender governar um povo com excessos de poder, desrespeito pelos direitos dos outros, desprego das leis, isto é, com uma formula de absolutismo insciente, no momento historico em que a democracia gira no sangue das novas gerações e os Imperadores e os Reis em direitos e deveres são eguaes ao ultimo cidadão, differençando-se apenas cm funcções sociaes decorridas das conveniencias dos povos, parece-me um profundo e lamentavel erro!

A fatalidade da hora impede-me de dar maior desenvolvimento a estas considerações; o que disse é, porém, bastante para demonstrar que foram estes o outros erros praticados pelas oligarchias partidarias, que nos impelliram para as graves condições actuaes.

O sr. Hintze Ribeiro reclama que lhe votemos o remedio para os males que elle proprio contribuiu para accumular e desenvolver!

Que responsabilidade pode ter o povo portuguez nas causas de desastre?

Não podia ter evitado, ou debellado essas causas, visto que na realidade lhe tiravam os meios legaes de fiscalisar os actos da administração publica, e ao menor movimento de protesto mais serio os governos o ameaçam com a força publica. Isto já vem de longe.

Lembre-se v. exa., sr. presidente, que em 1891 foi apresentado ao parlamento o emprestimo dos tabacos, garantido pelo rendimento do respectivo monopolio. Era uma obra de salvação, dizia-se; convinha votal-o como expiação dos nossos erros. E foi votado!

Ora, esse emprestimo derreteu-se, fazendo-nos exportar mais 60:000 contos em ouro, porque a redacção do juro da divida se deveria ter feito n'esse momento e não um

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anno mais tarde, e deixando-nos no orçamento uma annuidade de 2;500 contos em ouro!

No parlamento apenas dois deputados combateram esse emprestimo, apesar do perigo de poderem ser considerados pouco patriotas e talvez exploradores da opinião publica; um foi o sr. José Dias ferreira, outro fui eu.

Permitta me v. exa., sr. presidente, que eu leia á camara algus periodos do discurso, que então pronunciei e foi considerado excessivo e violento; eil-os:

« Agora nós. Agora nós, os homens que, durante annos, temos lactado inutilmente contra o curso das administrações que nos levaram a este fim desastroso.

Sabe a camara ao que vae ligar-se?

Quaes serão as funestas consequencias d'esta singular consignação de rendimentos do Estado, que ficam em poder dos concessionarios para elles se pagarem por suas proprias mãos?

A primeira, a mais importante, é que o paiz não mais fará, talvez, um só emprestimo sem consignação especial; que atraz dos rendimentos dos tabacos hão de ir os dos caminhos de ferro do Estado, os das alfandegas os das melhores receitas publicas e, afinal, o paiz pode cahir sobre a tutela financeira dos banqueiros, se não lhe succeder cousa analoga á do Egypto.

A segunda é que, estando grande parte da nossa divida em mãos de prestamistas, que não têem hypotheca especial, vendo elles ámanhã diminuidos os seus privilegios e depreciados os seus titulos, poderão reclamar, não sabendo nós até onde chegará a justiça d'essas reclamações».

Então, não existia ainda o exemplo da Servia, de que s. exas. se riram...

Hoje repete-se quasi o mesmo facto, com maior grandeza. É necessario approvar o convenio, é uma obra de redempção e de restauração do credito nacional.

Depois, se elle for approvado, continuar-se-ha o mesmo systema de administração e os mesmos homens repetirão os mesmos erros. Um dia chegará, e breve, em que a fiscalisação externa, sem disfarce, se imporá ao paiz. Então, ouvir-se-ha novamente: é uma questão de salvação publica, sujeitemo-nos com resignação ás consequencias logicas dos nossos erros.

A primeira condição para que nós possamos satisfazer os encargos d'este convenio seria a reorganisação da nossa politica nas bases da liberdade e da tolerancia, porque a herdade é ainda a melhor garantia da ordem social; a segunda consiste na reorganisação da fazenda publica.

Esta reorganisação será difficil, se a liberdade não trouxer para o mechanismo politico do paiz, a activa fiscalisação dos actos dos governos e dos partidos...

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

O Orador: - Disse.

Todas as propostas foram admittidas e ficaram em discussão com o projecto.

O Sr. João Arroyo: - No discurso que acaba de ter o prazer de ouvir, confessa á Camara que só conheceu o antigo orador, Fuschini, nas primeiras phrases que S. Exa. proferiu, quando começou por fazer allusões a uma má atemosphera que encontrou no publico contra o projecto em discussão, quando lançou vistas prescrutadoras sobre o futuro, aconselhou precaução e prudencia ao Sr. Presidente do Conselho, separou o talento para um lado e o genio para outro, e descobriu que o talento podia conhecer o dia de hoje, mas só o genio sabia conhecer o dia de amanhã.

Nestas phrases encontrou elle, orador, o antigo Sr. Fuschini.

O talento, evidentemente, era o do Sr. Presidente do Conselho; o genio, a modestia de S. Exa. que diga a quem pode pertencer.

Depois d'isto, não o encontrou mais, porque ditas estas palavras, S. Exa. entrou em apreciações da historia francesa do tempo da revolução, e a breve trecho perdeu-o de vista.

Pois então, o projecto que se discute, é, como por vezes S. Exa. disse, um desastre nacional, e de tal ordem que, no entender de S. Exa., sobre elle deve ser lançada a mesma sentença de condemnação, que do alto da sua sciencia majestatica lançou em 1891 sobre o contrato dos tabacos; desastre que pode lançar o paiz numa situação semelhante á da Servia e do Egypto, e S. Exa. manda para a mesa uma proposta em que o approva, apenas com um accrescentamento sobre um dos seus artigos?!

Para um tal procedimento, tão inexplicavel, seria preciso, se outra não fosse a causa, e essa tambem elle, orador, dirá á Camara, que S. Exa. fosse hoje privado da qualidade de dizer o que sente.

Se outra não fosse a causa, teria o direito de perguntar ao homem que, por todos os meios licitos, procurou lançar a opinião portuguesa numa situação de absoluta desapprovação do presente projecto, por que é que, neste momento sagrado, em que no Parlamento é chamado, como Deputado, a exercer o seu direito, se apresenta feito ermitão, querendo parecer que admira a doutrina do projecto e dando a sensação de um homem que neste momento não sabe arcar com as suas responsabilidades.

Poderia dizer-lhe isto, porque é chegado o momento em que, na scena parlamentar portuguesa, sem ataques pessoaes, com a justiça prestada a cada um, todos teem de vir pôr, na discussão, o que de mais intimo exista na sua consciencia.

Mas é que a razão é outra; o motivo é differente e esse ha de elle, orador, apresentá-lo e justificá-lo.

É que aquelle severo e extraordinario impugnador de tudo que respeitasse ao convenio e á conversão com os credores externos é passivo de enormes responsabilidades sobre o assunto, e hoje o que imperava nelle não era a falta de coragem civica; era o peso das suas responsabilidades.

Será este o assunto do seu discurso e ao terminá-lo, investirá, por momentos, S. Exa. na figura de Luis XVI, para, quando S. Exa. lhe perguntou: c'est un discours? respondeu-lhe, como o Duque de Luines, non, sire, c'est une consagration.

Depois, S. Exa., sempre desavoné do antigo typo parlamentar do nosso Deputado Fuschini, começou a fazer de mesureiro do Sr. Espregueira, que nem se quer teve a condescendencia de lhe dizer, que sim, e foi então um fazer sala continuo a S. Exa. como a penitenciar se da mais ligeira referencia que, porventura, lhe pudesse ter feito, e, francamente, não lhe parece, a elle, orador, que fique bem levar tão longe os meios de adoçar as difficuldades do momento.

A seguir, o Sr. Fuschini, no lever de rideau que constitue a parte inicial do seu discurso, fulminou o Sr. Presidente do Conselho com relação á frase que S. Exa. proferiu, a respeito de detractores da opinião publica.

Houve nestas palavras do Sr. Presidente do Conselho alguma referencia pessoal ao illustre Deputado? Não. Porque lhe pegou então?

Pois não falou o Sr. Beirão, o Sr. Dias Ferreira, o Sr. Ressano Garcia? Referiram-se S. Exas., acaso ás suas palavras? Não!

Porque foi então o Sr. Fuschini o unico orador que as salientou?

Não crê que S. Exa., um antigo parlamentar, fizesse isso sem motivo e esse motivo crê, elle, orador, que esteja ainda na consciencia intima do illustre Deputado, que ao ouvir as palavras do Sr. Presidente do Conselho, S. Exa. reconheceu que se lhe apresentava o seguinte dilema: ou o projecto é o que S. Exa. dizia, e então deve negar o seu passado, ou esse passado é perfeitamente legitimo, e hoje,

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em presença do convenio, fica apenas d'elle a impressão do remorso.

O Sr. Fuschini mandou para a mesa um accrescentamento e pediu que elle se inserisse no projecto, caso elle venha a ser approvado pelas Côrtes e sanccionado pelo Chefe do Estado.

É possivel que S. Exa., dominado pela sua paixão politica, entendesse do seu dever mandar esse additamento para a mesa; mas o que deve dizer-lhe é que não é capaz de encontrar em Portugal, sete homens que acceitem os poderes que S. Exa. quer conferir-lhes.

O diploma que a Camara vae votar respeita aos encargos da nação, representa a forma pratica, efficaz de fazer a reorganização definitiva da nossa divida, e nenhum homem haverá nunca em Portugal que possa accrescentar-lhe qualquer clausula de onde resulte prejuizo para a soberania portuguesa.

O illustre Deputado incommodou-se muito com o sorriso que julgou ver num collega nosso - não sabe qual - a proposito da citação que fez da Servia, quando defendia o accrescentamento que havia mandado para a mesa, e num esquecimento, momentaneo, dos primores da sua gentileza, S. Exa., voltado, não sabe para quem, reprehendia-o severamente pelo facto d'esse cavalheiro parecer ignorar que a Servia é um país balcanico.

É exactamente por essa attitude majestosa e doutrinaria de S. Exa., que muitas sympathias tem perdido através da sua vida e tem angariado muitas antipathias.

Permitta-lhe, porem, dizer como explicação do tal sorriso, que elle se produziu por que S. Exa. se referiu á situação da Servia em relação á Russia, e aqui está como se algum quináu geographico deve ser dado, não é á pessoa a quem S. Exa. se dirigiu, mas a S. Exa. mesmo.

Dito isto, entra no assunto com a largueza de vistas que elle requer e não para fazer a analyse de um acto qualquer de administração, mas para dizer, perante a Camara, o que sinceramente entende sobre elle, não só em relação á parte financeira, mas a respeito da parte que respeita a garantias.

Depois dos acontecimentos de 1891 e 1892 a lei de 1893 dera ao país uma solução, que era, não permanente, mas estavel. Desde então é opinião sua, que o Governo, fosse qual fosse, devia negociar sob a forma de um convenio, mas não devia realizar senão uma conversão, porque só esta estava indicada, como meio para o resurgimento do credito português; para o desapparecimento da situação insustentavel em que a realização de um convenio o collocara, sempre passiva de uma intervenção estrangeira; para se conseguir a diminuição do capital nominal da nossa divida e para a regularização, relativamente ao agio do ouro, d'essa situação.

Assim a obrigação da administração portuguesa era defender a lei de 1893, mas sabendo porque a defendia, como a defendia e até quando a devia defender.

Defendeu-a portanto, porque ella representava um diploma, á sombra do qual se podia esporar occasião de melhor fazer, sem nunca fechar as portas á possibilidade de uma resolução definitiva; e devia abandoná-la, precisamente, no momento em que a opportunidade se manifestasse.

Se foi assim que o Governo procedeu, cumpriu o seu dever; se procedeu de outro modo, praticou um erro. Mas felizmente a lei de 1893 foi defendida até que ao Governo foi possivel assentar as bases da presente proposta de lei.

É chegado, pois, a seu ver, o momento de se apreciarem as vantagens d'essa proposta, deixando para depois as exigencias.

Da proposta resulta a normalização do credito português, a reducção do capital nominal da divida, o abandono definitivo da intervenção estrangeira e a transformação da divida externa consolidada em divida amortizavel. Estas são as quatro vantagens que resultam d'ella, e ellas são sufficientes para as recommendar á approvação do Parlamento.

É preciso ver agora quaes as objecções que lhe são feitas.

A primeira que se destaca, é a que provém dos encargos inherentes á conversão, e que se dividem em encargos eventuaes e permanentes.

É facto que teremos de pagar scripts na importancia de quatro coupons, a sellagem dos novos titulos e as despesas de expediente da conversão; mas é preciso observar, e nisto responde tambem a uma observação do Sr. Ressano Garcia, que num documento d'esta ordem não se pode determinar a sua justiça absoluta e relativa sem comparar a totalidade das vantagens com a totalidade dos encargos. É necessario, alem d'isso, que desçamos do terreno da idealidade para o terreno dos factos.

Declarou o Sr. Presidente do Conselho que não necessitava de realizar emprestimos. É evidente que se o chefe do Governo apenas disse isto é que nada mais tinha a declarar; e falando S. Exa. assim, é opportuno dizer-se que o Governo soube prover-se de stock de titulos, necessario para em occasião opportuna o valorizar.

Dito isto, o orador refere-se aos encargos permanentes resultantes do convenio e expõe, em breves termos, as razões que levaram o Governo a não trazer ao Parlamento a nota especificada dos meios com que conta para occorrer a esses encargos, respondendo assim ás accusações, que sobre este ponto, se teem levantado na Camara.

Sustento depois, contra o que se tem dito, que a administração de Portugal não é inferior á dos outros países. Nos que affirmam o contrario, ha manifesto exagero e este provém da enorme, completa, injusta e ingrata separação que se faz entre o país que é governado, e os administradores que o governam.

Quer elle, orador, reivindicar para os homens publicos do seu país uma pagina de justiça na Historia.

O caminho feito desde 1852 até á actualidade, quer sob o ponto de vista de legislação, quer sob o ponto de vista de administração, é enorme, tanto no continente, como no ultramar.

Basta attentar no estado do país, quando se abriu o periodo da Regeneração, e compará-lo com o da actualidade.

O orador, depois de se espraiar em largas considerações sobre este ponto, diz, que se o país exige revisão extraordinaria do orçamento, tambem elle a quer, com a modificação na maneira de o discutir e votar.

Não basta fazer uma simples reducção nas despesas, porque d'ahi graves males pedem resultar. Por exemplo: nós já fizemos importantes economias na viação publica, mas essa reducção nos collocou em a necessidade de fazermos, hoje, obras cujo dispendio orça por perto de 2:000 contos.

A reducção portanto da despesa com a viação deixou de ser uma economia.

O que deseja é que o orçamento se simplifique, aproximando-se da escrituração de uma grande casa commercial, e deixando de ser, como hoje é, um enorme in folio,
improprio para a discussão.

Deseja tambem que elle se divida em dois volumes, um fixo e o outro variavel.

Parece-lhe que para desapparecer a censura maxima que se faz ao nosso orçamento é necessario fazer eliminar a differença entre a previsão e a gerencia.

Referindo-se em seguida ás garantias do convenio, felicita o Governo e o seu illustre chefe por ter conseguido arrancar completamente d'elle a ideia do contrôle.

Não faz referencia a diplomas anteriores, porque não é seu intento aproximar textos.

Entrando no capitulo da consignação aduaneira encontra de novo o Sr. Fuschini.

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SESSÃO N.º 63 DE 24 DE ABRIL DE 1902 15

Sempre se tem considerado que a consignação aduaneira será uma forma de contrôle, desde que ella possa admittir a possibilidade de uma intervenção estrangeira; mas o actual Governo entende que tal consignação não existe desde que seja reservada para a nação portuguesa, garantia esta que não fôra sequer lembrada antes de entrar nos Conselhos da Coroa o actual Governo.

A opposição entende que esta garantia é efficaz; mas quer que se altere a redacção, reduzindo-a a uma forma taxativa.

Entende elle, orador, que não deve mudar-se a redacção da forma geral em que está envolvida, porque a forma taxativa pode trazer-nos os mesmos inconvenientes que já deu em 1896, quando se pretendeu fazer alterações relativamente no imposto do consumo.

Seria de bom grado que o Governo formulou a proposta da garantia da consignação? É claro que não; mas se é verdade que Portugal se viu obrigado a acceitá-la é preciso que nos termos dos desejos do Sr. Fuschini, perante o Parlamento se liquidem as responsabilidades e se liquidem já. É preciso que saiamos d'aqui sabendo cada um o que a cada um pertence; qual é o que tem direito de falar em nome dos sagrados interesses da Patria e de invocar o sentimento do patriotismo português.

É preciso saber-se quem falava verdade ao país, ao dizer-se interprete dos altos sentimentos do país e quem o procurava illudir.

S. Exa. escreveu livros; a elles se referiu e de um d'elles leu trechos; mas não leu tudo e S. Exa. que tão merecido conceito forma das suas proprias obras, deve ler o que vem a pagina 197 das suas «Liquidações Politicas».

Mas isto é de pouca monta; é preciso ver tambem, como elle, orador, vê, o que diz o regulamento da Junta do Credito Publico no seu artigo 9.° § 3.°

Em 11 de setembro de 1893 o Director Geral da Thesouraria dirigiu ao Banco Allemão de Berlim um officio, que lê, mesmo em francês, para não o alterar com a traducção.

Esse officio é o seguinte

«Ministerio da Fazenda - Direcção Geral da Thesouraria - 1.ª Repartição.- Copia. - Processo n.° 2:193 - Livro 64. - Lisbonne le 11 septembre 1893. - Bank für Handel & Industrie - Berlin. - Messieurs. - En vous accusant recéption de votre lettre du 30 aoút dernier j'ai l'honneur de vous déclarer que le Gouvernement a été très surpris de l'existence d'une divergence d'opinion de votre part au sujet du reglement de la Junta do Credito Publico.

Relisant en effet vos lettres du 21 jnillet et de 11 août dernier nous arrivons à la conviction que toutes vos remarques ont été prises en considération dans le susdit reglement, exception faite de la responsabilité formelle de la Banque de Portugal qu'on ne pouvait pas engager expressement parce qu'elle n'était pas designée dans la lei du 20 mai 1893 ni dans celle du 26 fevrier 1892, mais qui subsiste par la force de sa lei organique quant au dépôt de la Junta comme relativement aux autres dépôts qu'elle reçoit.

Comme vous ne precisez pas quels sont vos doutes après les explications transmises dans notre lettre du 4 août et dans notre dépêche du 19, nous regrettons aussi d'avoir abouti à une déclaration indétinie de votre part après un travail dont on nous demandait la publication au plus vite et qui est le résultat des engagements qui nous avons remplis honngtement et loyalement.

Tout ce que la loi a voulu principalement - dotation de la dette - son administration indépendant du gouvernement, consignation des recettes donanières (tabacs et céréales exceptées) controle de la Junta et application de ces recettes, a été introduit dans le réglément.

Si on manquerait à ses préceptes ce serait l'occasion de vous plaindre, mais non par faute de dispositions dont vous nous parlez d'ailleurs d'une manière indéfinie comme j'ai eu l'honneur de voue le faire remarquer.

En attendant donc une apréciation plus juste de notre travail, agréez, Messieurs, l'assurance des mes meilleurs sentiments.

Le Directeur de la Trésorerie, Luiz Augusto Perestrello de Vasconcellos».

Traduz agora apenas nesta parte:

«Está tudo - dotação da divida, a sua administração dependente do Governo e a consignação das receitas alfandegarias, tudo está mettido no regulamento da Junta».

Quando este documento surprehendeu a administração portuguesa, o Governo podia combater, lutar dia a dia, e combateu e lutou, mas a base da consignação não pôde ser expungida da proposta.

Tem pena de não ter os necessarios dotes de eloquencia para criticar o leviano que em 1893 criou esta situação para Portugal; mas pelas torturas que soffreu, como todos os ministros que teem occupado a pasta dos estrangeiros, tem o direito de o tornar responsavel d'esse delicio e trazê-lo á plena luz da scena parlamentar, para sobre elle lançar a pena que merece.

Confessa que neste instante se sente preso de uma verdadeira onda de indignação, que faz com que esquecendo os limites da piedade e os ultimos symptomas de misericordia, exclame: Em terra e de joelhos o Ministro de 1893, o responsavel pela situação que foi criada a Portugal desde que semelhante papel foi assignado.

Continuando, endereça o orador os seus cumprimentos mais sinceros ao Sr. Carrilho, que soube dar ao país a demonstração do muito que podem a sua competencia e a sua intelligencia, e voltando-se para o Governo, cumprimenta-o igualmente, especializando o Sr. Ministro da Fazenda e dos Estrangeiros, e mais especialmente ainda o illustre chefe do Governo, que não é passivo das incoherencias de que foi accusado, mas que se, porventura, o fosse, tinha feito, ao arrostar com elle, quando fez esse sacrificio enorme, o maior serviço que podia fazer ao seu país.

Refere-se ainda o orador á conversão sob o aspecto da sua influencia sobre o credito português; e dirigindo-se aos detractores do projecto, diz-lhes que elle não contém cousa que signifique, sequer, a possibilidade da acção exterior na administração publica.

A patria que é invocada como uma monomania systematica por esses detractores, é mais alguma cousa do que elles dizem. Ella accentua-se principalmente como soberana desde a sua origem, e como tal se affirma de um modo irrefutavel no Salado, em Aljubarrota, em D. João II, no Infante D. Henrique, e se affirma ainda na era heroica das descobertas, quando levámos a todo o mundo o nome português, como se affirma tambem em 1640, e mais tarde nas mãos do Marquês de Pombal; depois na luta contra os franceses; em D. Pedro IV, e, finalmente, em Fontes, quando no congresso de Berlim, assentou o limite norte da nossa provincia de Angola.

É assim que ella ha de affirmar-se tambem na votação do diploma que se discute.

(O discurso será publicado na integra guando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ressano Garcia: - Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que seja publicado no Diario do Governo o documento a que se referiu o Sr. Deputado Arroyo.

O Sr. João Arroyo: - Mando para a mesa o documento a que se refere o requerimento do illustre Deputado o Sr. Ressano Garcia.

Foi admittida a publicação.

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15 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão de manhã. A ordem do dia é a mesma da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 15 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro das Obras Publicas

Proposta de lei nº 85-A

Senhores. - Encarecer a importancia economica da viação accelerada e a sua poderosa acção de fomento, encadeando raciocinios para a demonstrar e adduzindo provas subministradas pela estatistica do trafego dos caminhos de ferro nacionaes, é tarefa dispensavel, que irisaria a banalidade, tão palpavel e manifesto é o benefico in fluxo por elles exercido.

Tambem não vos daria novidade pondo em relevo a insufficiencia da nossa rede ferro-viaria, limitada por ora aos seus principaes lineamentos, e esses mesmos incompletos. A um periodo de actividade, durante o qual foram construidas as linhas actualmente exploradas, succedeu, mercê de circunstancias de todos conhecidas, outro de paralização de trabalhos. De 1893 até hoje construiram-se apenas alguns pequenos troços na extensão total de 43 kilometros, embora as receitas do trafego de todas as linhas do país subissem de 5.3l2:000$000 réis em 1893 a 7.790:000$00 réis em 1901.

Do muito que resta para fazer, destaca-se a construcção das linhas transmontanas, como divida improrogavel do país para com uma provincia por todos os titulos digna da solicitude dos poderes publicos, e que, apesar de contribuir com a sua quota-parte para a solvencia dos encargos impostos no Thesouro pela construcção dos caminhos de ferro, é a menos bem contemplada na partilha dos beneficios que d'elles resultam. As capitães dos districtos de Trás-os-Montes são as unicas que não estão directamente servidas por linhas ferreas. O desenvolvimento da agricultura e da industria mineira em vastas regiões encontra ali insuperavel estorvo na carestia dos transportes. Faltam as arterias principaes do systema circulatorio constituidas pelos caminhos de ferro da Regua a Chaves e de Foz-Tua a Bragança, limitado por ora ao curto troço que termina em Mirandella.

A concessão da primeira d'essas linhas foi auctorizada pela carta de lei de 7 de julho de 1898, nos termos da qual se passou, em 10 de outubro ultimo, o alvará de concessão definitiva.

Apesar dos auxilios promettidos pelo Estado, sem encargo para o Thesouro, principalmente sob a forma de isenção de impostos, a iniciativa particular descorçoou perante a contingencia do emprehendimento, a que faltava a certesa da remuneração immediata e sufficiente do capital. O mallogro das diligencias feitas para a constituição de uma empresa levou os concessionarios a requerer ha pouco a rescisão do seu contrato, que em boa verdade lhe não pode ser negada, attenta a impossibilidade confessada de o cumprirem após infructiferas diligencias demonstrativas da seriedade do seu proposito, e a vantagem de deixar livre a acção dos poderes publicos em prol da registo que a referida linha é destinada a servir.

A experiencia demonstrou, pois, que, sem a subvenção do Estado, representada pela construcção directa, pela subvenção kilometrica, ou pela garantia de juro, não se logra levar a cabo tão importante melhoramento.

Outro tanto succede á linha de Mirandella a Bragança.

Não pode, porem, o Thesouro, contrahir ao presente os encargos indispensaveis para se imprimir á viação accelerada o vigoroso impulso exigido pelas conveniencias economicas do país, e especialmente da provincia de
Trás-os-Montes. Não é opportuno o momento, em que se lançam as bases de um convenio com os credores externos, para serem inscriptas no orçamento geral do Estado, que ainda não attingiu o desejavel equilibrio, as verbas necessarias para prover á construcção em larga escala de novos caminhos de ferro.

A despeito da fé inabalavel que tenho na salutar acção de fomento da viação accelerada, seria eu o primeiro a proclamar que não chegou ainda a hora de pedir ao Thesouro novos sacrificios, indispensaveis para construir linhas ferreas, tanto mais que acaba de ser votada uma avultada quantia com destino ao desenvolvimento da viação ordinaria.

A lei de 14 de julho de 1899 offerece porem, o meio de nos furtarmos a tão desolador dilemma. Assegurado no Thesouro o rendimento liquido, superior ao effectivo, que então resultava do balanço dos orçamentos da receita e despesa dos Caminhos de Ferro do Estado, permitte o regime de economia distincta a que estão sujeitos consagrar ao desenvolvimento da viação accelerada e ao melhoramento da exploração das linhas existentes os recursos provenientes do crescimento natural das receitas, e de outras fontes modestas, cuja somma não é para desprezar.

Criou-se o fundo especial de caminhos de ferro, cujos recursos estão orçados com segurança em 270:000$000 reis para o proximo futuro anno economico. Apesar de se ter elevado o orçamento das despesas de exploração, que era irrisoriamente escasso tem-se podido construir alguns prolongamentos, continuar as obras da estação do Porto, realizar melhoramentos em varias estações, prover á acquisição de material circulante, um fabrico neste momento, sem o recurso de outr'ora a creditos extraordinarios.

Abriram-se á exploração os lanços de Tunes a Poço Barreto e de Poço Barreto a Silves sommando 18 kilometros, e concluir-se-hão no corrente anno civil o de Silves a Portimão, na extensão de 9 kilometros, e o de Pias a Moura, que mede cerca de 17 kilometros, os quaes, não tanto pela receita propria como pelo seu affluxo de trafego de longo percurso ás linhas já exploradas, durão ao fundo especial um accrescimo de receita annual de cerca de réis 30:000$000.

O lisonjeiro crescimento das receitas do trafego dos Caminhou de Ferro do Estado - que do 1.941:163$297 réis, em 1898-1899, se elevaram a 2.165:060$845 réis, em 1900-1901, e attingirão seguramente no actual anno economico, em vista das receitas arrecadadas até 31 de março, cêrca de 2.260:000$000 réis, isto é, mais 90:000$000 réis que a receita orçada para 1902-1903 - permitte assegurar que os recursos annuaes do fundo especial não serão inferiores a 300:000$000 réis.

Destina-os a lei ao pagamento immediato das despesas a fazer com acquisição de material circulante, obras novas das linhas em exploração, e construcção das linhas complementares e tributarias dos Caminhos de Ferro do Estado, ou ao serviço de quaesquer emprestimos realizados pelo Governo com o mesmo fim.

Até agora tem-se-lhes dado exclusivamente a primeira applicação. Pelo Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro do Estado foi apresentado em 23 de julho de 1900 um plano de trabalhos, distribuidos por um periodo de sete annos, no qual, mediante o uso da auctorização concedida na base 4.ª da citada lei, se construiria, alem de varios prolongamentos, a linha de Mirandella a Bragança e se fariam consideraveis melhoramentos nas linhas em exploração, adquirindo-se tambem material circulante em quantidade.

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Entendeu o Governo que, embora os encargos da necessaria operação de credito coubessem folgadamente nos recursos do fundo especial - que tem economia distincta das receitas geraes do Thesouro, em nada affectadas por essa operação - não era opportuno o ensejo para a realizar, como tambem o não é ao presente, o que exclue, portanto, a hypothese da construcção directa de linhas extensas e dispendiosas pelo Estado, ou a subvenção kilometrica a empresas concessionarias.

A garantia de juro - que outra cousa não é senão o encargo de um emprestimo, realizado não directamente pelo Estado, mas pelo concessionario, fortalecido na sua iniciativa por um auxilio que, sob a forma de adeantamento, o põe ao abrigo da insufficiencia de receitas nos primeiros tempos da exploração - offerece uma solução de problema, conciliatoria das exigencias do fomento e das justas aspirações de uma provincia inteira com as circumstancias financeiras da hora presente e com os dictames da prudencia governativa.

Não é talvez a garantia do juro a mais perfeita forma de subvenção, visto favorecer a tendencia das empresas para restringirem quanto possivel as despesas de exploração, ainda com prejuizo do serviço e portanto do publico. Sem discutir os prós e os contras da garantia do juro - que tem o seu correctivo na possibilidade do resgate em qualquer epoca da concessão - devo ponderar que nos problemas de ordem pratica, concernentes ás complexas questões economicas e administrativas, a melhor solução nem sempre é a mais idealmente perfeita e sim a que tem por si a maior somma de vantagens, não esquecendo a de ser realizavel no momento opportuno, como em relação á garantia de juro a experiencia acaba de demonstrar.

Teve o Governo uma proposta para a construcção e exploração da linha de Mirandella a Bragança com essa forma de subvenção. Entendeu que, embora a letra e o espirito da lei de 14 de julho de 1899 fossem consentaneos com o pagamento da garantia pelo fundo especial de caminhos de ferro, não devia interpretá-la por tal modo sem expressa auctorização legislativa; julgou tambem que o concurso publico era a forma legal e conveniente de fazer appello á iniciativa privada. Abriu-o, portanto, obtendo propostas vantajosas, cujos encargos eram moderados.

A proposta mais favoravel apresentada no concurso e que serviu de base ao contrato provisorio, agora submettido á vossa esclarecida apreciação, foi de 20:990$000 réis por kilometro, equivalente a 21:264$545 réis á taxa de 5 1/2 por cento, estipulada no contrato de Foz-Tua a Mirandella.

O capital total garantido é, pois, proximamente, de réis 1.910:265$000 ou 1.562:940$000 a 5 1/2 por cento. O orçamento da linha é de 1 .558:375$000 réis, não contando com os encargos do capital durante o periodo da construcção.

Vê-se, pois, quão vantajosa é essa proposta, que reduz ao minimo os encargos temporarios do Estado sob a forma de garantia de juro reembolsavel.

Igual processo convirá adoptar para a linha da Regua a Chaves, se os respectivos encargos cabem no fundo especial, como passo a demonstrar, começando por calcular o encargo proveniente da garantia na linha de Mirandella a Bragança.

Mede esta linha cêrca de 73,5 kilometros. O seu rendimento kilometrico inicial será seguramente superior ao do troço de Foz-Tua a Mirandella nos primeiros annos da exploração, que foi de 600$000 réis.

Basta recordar que este troço, privado de communicações com as faixas marginaes, tinha unicamente por tributaria a região alem de Mirandella, cujo trafego virá ao prolongamento projectado, accrescido do consideravel aumento a que dá logar a facilidade de transportes.

Por modesta que seja a previsão formulada, supporei, para maior segurança, que não ha receita liquida nos primeiros annos da exploração, tendo-se, pois, de pagar na integra a garantia de juro. Ao capital garantido de réis 25:990$00 por kilometro corresponde, a 4 1/2 por cento, o encargo de 85:961$900 réis em 73,5 kilometros, ou em numeros redondos 86:000$000 réis.

Com este encargo devem, porem, ser encontrados: o producto integral dos impostos de transito e sêllo na nova linha, que por lei pertence ao fundo especial de caminhos de ferro, assim como o augmento da receita liquida e o dos mesmos impostos nas linhas do Minho e Douro, devido ao novo trafego d'aquelle affluente.

Os impostos na linha Foz-Tua a Mirandella representam 7,8 por cento da receita do trafego. Applicando esta percentagem á receita do prolongamento, calculada por hypothese, no minimo de 600$000 réis por kilometro ou 44:100$000 réis no total, o producto respectivo é de réis 3:400$000 em numeros redondos.

Os participes das receitas do serviço combinado pertencentes ás linhas do Minho e Douro, incluindo os impostos, e as receitas do trafego da linha de Foz-Tua a Mirandella teem sido os seguintes nos ultimos dez annos:

[ver tabela na imagem]

Graças ao maior percurso nas linhas do Estado o rendimento d'estas, proveniente do serviço combinado, é, em media, 1,4 vezes maior que o rendimento total da linha affluente.

A mesma proporção pode com segurança ser applicada ao rendimento inicial da nova linha.

O participe do serviço combinado do Minho e Douro será pois 1,4 X 44:100$000 réis = 61:740$000 réis.

O coefficiente de exploração da linha do Douro tem sido em media de 0,54. Attendendo, porem, a que a despesa não cresce proporcionalmente ao affluxo do trafego, se se computar em 0,4 a proporção da despesa para a receita devida a esse novo contingente, a receita liquida accusará um augmento de 37:000$000 réis em numeros redondos.

Assim, o fundo especial receberá, os seguintes accrescimos, que teem de ser encontrados com a garantia de juro:

Producto integral dos impostos de Mirandella-Bragança........ 3:400$000

Augmento da receita liquida e de impostos no Minho e Douro.... 37:000$000 40:400$000

O maximo encargo da garantia de juro fica pois reduzido a cêrca de 45:600$000 = 86:000$000 - 40:400$000 réis para o fundo especial dos caminhos de ferro.

O encargo real é, porem, menor para o Estado, se se attender ás consequencias que ao Thesouro advem da

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exploração nova linha pela diminuição da garantia do juro no troço do Foz-Tua a Mirandella.

Foi em 1897 o ultimo anno em que ella foi paga integralmente; descendo, pelo crescimento do trafego, de réis 36:938$112 nesse anno a 44:722$504 réis em 1901.

Computando em 44:000$000 réis o affluxo do trafego, devido á nova linha, na de Foz-Tua a Mirandella, e applicando-lhe o coefficiente legal de explorarão de 0,5, vê-se que a, receita liquida que vae diminuir a garantia do juro, devida áquelle trafego, será de 22:000$000 réis, a que ha que juntar o augmento dos impostos de transito e sêllo, igual a 3:400$000 réis.

Juntem-se aos 25:400$000 réis assim poupados pelo Thesouro - pelo que recebe a mais e pelo que deixa de pagar - as importantes economias realizadas em transportes de malas postaes, em subsidies de marcha e outros transportes de serviço publico, e concluir-se-ha que a nova linha, longe de trazer encargo sensivel ao Estado, vem proporcionar-lhe gratuitamente as vantagens indirectas, que resultam do augmento da riqueza publica pelo progresso economico da região.

Os calculos feitos baseiam-se nos dados estatisticos da exploração. Quem conhecer as desfavoraveis condições da linha de Foz-Tua a Mirandella, apertada no fragoso valle do Tua e servindo quasi exclusivamente os pontos extremos, e quem esteja ao facto das importantes riquezas agricolas e mineiras desaproveitadas por carestia de transportes na região transmontana que se estende para alem de Mirandella - mais transitavel, e em que a zona tributaria da linha ferrea é incomparavelmente mais larga - não pode accusar de optimismo o computo dos encargos que deixo exposto.

A linha da Regua a Chaves mede, segundo o estudo feito em 1888, cêrca de 90 kilometros. As difficuldades de importancia que offerece a construcção até Villa Real acusam, alguns kilometros alem d'aquella cidade. Não será por isso exagerado, nem por excesso, nem por defeito, computar em 28:000$000 réis o capital kilometrico a garantir á taxa de 4 1/2 por cento, equivalente a 21:272$727 réis por kilometro á taxa de 5 1/2 por cento, desde o momento em que, como na proposta se permitte, o traçado seja subordinado a condições technicas diversas das impostas nos estudos de 1888.

Abstrahindo da secção de Chaves á fronteira, cuja construcção depende da determinação do ponto de juncção com a linha em Hespanha, e suppondo, como para a linha de Mirandella-Bragança, que nos primeiros annos não ha receita liquida e que a garantia do juro é paga integralmente, o encargo será de 90 X 1:170$000 réis = 105:300$000 réis, com o qual deve ser encontrado o producto integral dos impostos do transito e sêllo, e o augmento d'estes e da receita liquida nas linhas do Minho e Douro pelo affluxo do novo trafego.

Suppondo de 700$000 réis o rendimento kilometrico inicial da nova linha, que não é exagerado, attenta a importancia da zona servida, e de 7,8 a percentagem dos impostos, o producto d'estes será:

78/100 X 90 x 700$000 réis = 4:914$000 réis

Não ha dados seguros para determinar o affluxo de receita á linha do Douro; pode porem calcular-se com approximação.

Em 1892, em que a receita kilometrica de Foz-Tua a Mirandella era de 697$000 réis, o rendimento bruto d'esse affluxo era de 50:000$000 réis na linha do Douro. Em 1901 elevou-se já a 72:500$000 réis.

Ao comparar uma linha de 90 kilometros de extensão, servindo Villa Real, Villa Pouca de Aguiar, ponto de convergencia de numerosas estradas, Pedras Salgadas, Vidago e Chaves, com aquella de 55 kilometros, sem estações intermediarias rendosas, não será demais attribuir-lhe igual affluxo de trafego á linha principal. deve-se, porem, ter em conta o menor percurso d'esse trafego na linha do Douro.

Quanto é importante o affluxo do trafego das linhas secundarias, mostra-o o participe do serviço combinado das linhas do Minho e Douro nos ultimos dez annos, devido ao caminho de ferro de Guimarães, comparado com a receita propria d'esta linha:

[ver tabela na imagem]

O participe do Minho e Douro é, em media, 0,8 proximamente do rendimento total da linha affluente, apesar do pequeno percurso da maior parte do trafego combinado. Pode se, pois, admittir que essa relação está, para o affluxo da linha da Regua a Chaves, comprehendida entre a de Guimarães e a de Foz-Tua a Mirandella. Suppo-lo-hei, sem grande erro, igual a 1, computando o respectivo rendimento bruto em 50:000$000 réis a que correspondem 0,6 ou réis 30:000$000 de augmento de receita liquida e de impostos no Minho e Douro.

O fundo especial receberá, pois, para compensar a garantia do juro:

Impostos na nova linha............ 4:914$000

Augmento de receita liquida e impostos no Minho e Douro... 30:000$000 34:914$000

O encargo real maximo da garantia de juro fica reduzido a 70:300$000 réis = 105:300$000 - 30:000$000, que junto ao de Mirandella a Bragança, representará um onus total maximo de 115:800$000 réis, proximamente, por anno.

Esse encargo só se tornará effectivo na integra ao fim de cinco annos e representará cêrca de um terço dos recursos do fundo especial dos caminhos de ferro, suppondo que estes não augmentam, o que não é exacto.

Durante esse periodo de estudo o construcção das linhas transmontanas o fundo especial dos caminhos de ferro estará inteiramente disponivel para ir occorrendo ás despesas de construcção da estação central do Porto, do prolongamento da linha de Faro a Villa Real e da parte mais essencial da do Barreiro a Cacilhas, e com as acquisições de material circulante e obras novas nas linhas exploradas. No fim d'esse periodo, o troço de Paro a Villa Real, de pouco dispendiosa construcção e exploração e de consideravel rendimento pelo affluxo do seu trafego no extremo de uma linha de 340 kilometros, que tanto medeia entre Faro e Barreiro, dará para o fundo especial um augmento de receita de cêrca de 50:000$000 réis.

A transferencia do serviço de grande velocidade e de

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parte da pequena velocidade para Cacilhas produzirá accrescimo igualmente importante do receita liquida. As receitas do fundo especial dos caminhos de ferro serão pois muito superiores ás actuaes, de modo que embora se paguem as garantias de juro estipuladas, ficarão ainda livres, na peor hypothese, mais de 200:000$000 réis annuaes para outras obras e melhoramentos.

Num periodo de cinco a seis annos teremos, pois, acrescentado á nossa rede ferro-viaria as linhas da Regua a Chaves, de Mirandella a Bragança, de Faro a Villa Real de Santo Antonio, e do Barreiro a Cacilhas, que sommam 233 kilometros de extensão.

E longe de ser preciso inscrever no Orçamento Geral do Estado a minima quantia para occorrer aos respectivos encargos, diminuir-se-hão ainda as despesas devidas a garantias de juro e transportes de serviço publico.

Fiel ao programma de severa e economica administração que hoje mais que nunca por todos deve ser seguido, não pede o Governo o minimo sacrificio ao contribuinte. Basta-lhe aproveitar judiciosamente os recursos proprios dos caminhos de ferro, tirando da legislação vigente os beneficos frutos de fomente que ella pode produzir, e continuando assim a obra interrompida do desenvolvimento da nossa rede ferro-viario, que tanto pode contribuir para o progresso economico do país.

Foram estas as considerações que me animaram a submetter á vossa esclarecida apreciação a presente proposta.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 24 de abril de 1902. = Manuel Francisco de Vargas.

Proposta de lei

Artigo 1.° O Governo poderá applicar parte do fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado existente nos termos da lei de 14 de julho de 1899, para occorrer aos encargos da construcção e exploração dos caminhos de ferro de Mirandella a Bragança e da Regua, por Villa Real e Chaves, á fronteira, contrahidas sob a forma de garantia de juro, nos termos da presente lei.

Art. 2.º É approvado e confirmado, na parte que depende de sancção legislativa, o contrato de 19 de abril do corrente anno, que vae junto á presente lei e d'ella faz parte, celebrado entre o Governo e João Lopes da Cruz, para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança.

§ unico. Fica o Governo auctorizado a prescrever as regras que devam ser seguidas nos processos arbitraes a que se refere o artigo 73.° do mesmo contrato.

Art. 3.° É auctorizado o Governo:

1.º A acceitar a desistencia requerida por Alberto da Cunha Leão e Antonio Julio Pereira Cabral da concessão do caminho de ferro da Regua por Chaves e Villa Real á fronteira, que lhe foi feita nos termos da carta de lei de 7 de julho de 1898, por alvará de 10 de outubro de 1901, e a restituir aos mesmos concessionarios o deposito de réis 10:000$000, feito nos termos da clausula 54.ª do mesmo alvará;

2.° A adjudicar em hasta publica o precedendo concurso aberto na conformidade das bases annexas, que fazem parte integrante d'esta lei, a construcção e exploração do referido caminho de ferro.

Art. 4.° As importancias das garantias de juro, saidos do fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado, que em virtude do augmento da receita liquida das linhas a que se refere o artigo 1.° da presente lei, forem reembolsadas pelas empresas concessionarias, reverterão a favor do mesmo fundo especial, como restituição do adeantamento feito.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria do Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 24 de abril de 1902. = Manuel Francisco de Vargas,

Bases da auctorização concedida ao Governo para a adjudicação da construcção e exploração do caminho de ferro da Regua por Villa Real e Chaves á fronteira.

1.ª

A exploração será concedida pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do respectivo contrato.

2.ª

O prazo do concurso será de noventa dias.

3.ª

Os licitantes serão obrigados ao deposito previo de réis 5:000$000, que será elevado a 10:000$000 réis pelo licitante ao qual for adjudicada a concessão.

4.ª

As clausulas e condições da concessão serão as do contrato provisorio de 19 de abril do corrente anno, para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, modificadas em harmonia com as prescripções das presentes bases.

5.ª

A linha será dividida nas seguintes secções:

1.ª Da estação da Regua na linha do Douro a Villa Real;

2.ª De Villa Real a Villa Pouca de Aguiar;

3.ª De Villa Pouca de Aguiar a Vidago;

4.ª De Vidago a Chaves;

5.ª De Chaves á fronteira.

a) Os prazos para apresentação dos projectes serão, a contar da data do contrato:

Seis meses para a 1.ª secção;

Um anno para a 2.ª e 3.ª secções;

Dezoito meses para a 4.ª secção.

O prazo relativo á 5.ª secção será de seis meses, contados da data da communicação, ao concessionario, do ponto de passagem na fronteira, escolhido por accordo entre os governos português e hespanhol.

b) Os trabalhos de construcção de cada secção deverão começar no prazo de noventa dias, a contar da data da publicação, no Diario do Governo, da portaria que approvar o respectivo projecto, devendo estar concluidos no fim de tres annos os da 1.ª e 2.ª secções, e de quatro os da 3.ª e 4.ª secções, a contar das mesmas datas.

c) A construcção da 5.ª secção poderá ser adiada até que em Hespanha se proceda á construcção da linha que deve ligar-se com este caminho de ferro.

Servirão de base aos estudos as directrizes seguidas nos projectos de 1888 e de 1897.

O Governo poderá auctorizar que em troços de excepcional difficuldade de construcção o raio minimo das curvas desça a 100 metros e o limite maximo das pendentes se eleve a 25 millimetros.

6.ª

O Governo garante á empresa adjudicataria o complemento do rendimento liquido annual até 4 1/2 por cento em relação ao custo kilometrico da linha, estipulado no contrato, com exclusão do material circulante.

7.ª

A licitação versará sobre a quantia em que é computada para os effeitos da garantia o custo kilometrico da linha, que não poderá exceder o de 26:000$000 réis, tomado para base de licitação.

8.ª

A linha será dividida, para os effeitos da liquidação provisoria da garantia do juro, em lanços de extensão não interior a 20 kilometros na 1.ª secção e a 10 nas seguintes, que poderão ser successivamente abertos á explora-

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ção a partir da Regua, mediante previa approvação do Gopverno.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 24 de abril de 1902. = Manuel Francisco das Vargas.

Termo de contrato provisorio feito entre o Governo e João Lopes da Cruz para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança.

Aos 19 dias do mês de abril de 1902, no Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, e gabinete do Ministro, onde vim eu, Ernesto Madeira Pinto, do Conselho de Sua Majestade, Secretario Geral do mesmo Ministerio, ahi se achavam presentes, de uma parte o III.mo e Exmo. Sr. Conselheiro Manuel Francisco de Vargas, Ministro e Secretario do Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, primeiro outorgante em nome do Governo, e de outra parte o Sr. João Lopes da Cruz, de Mirandella, segundo outorgante, o qual provou, por documento authentico, que fica archivado na Secretaria Geral d'este Ministerio, ter feito o deposito de garantia de 8:000$000 réis na Caixa Geral de Depositos, exigido no artigo 10.º do programma do concurso para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, approvado por portaria de 14 de novembro de 1901, e modificado pela portaria de 24 de março de 1902, assistindo tambem a este acto o III.mo e Exmo. Sr. D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio, ajudante do Procurador Geral da Coroa e Fazenda; e por elle Exmo. Ministro foi dito na minha presença e na das testemunhas ao deante declaradas, que, tendo o Governo de Sua Majestade resolvido acceitar, por ser a mais favoravel, a proposta do segundo outorgante, João Lopes da Cruz, apresentada no concurso publico que se realizou no dia 15 de abril corrente, para a construcção e exploração do caminho de ferro de Mirandella a Bragança, a que se refere o annuncio publicado no Diario do Governo n.° 67, de 26 de março de 1902, tinha o Governo deliberado adjudicar provisoriamente, ao segundo outorgante, João Lopes da Cruz, a construcção e exploração do referido caminho de ferro, nos termos da sua proposta, e consequentemente reduzir a mesma adjudicação feita por despacho de 16 de abril corrente, ao presente contrato, que é considerado provisorio e fica dependente da approvação do poder legislativo.

Pelo segundo outorgante foi dito que acceitava este contrato, com a natureza de provisorio nos termos que ficam indicados, para todos os effeitos e responsabilidades legaes; declarando ambos os outorgantes que se obrigavam, cada um na parte que lhe pertença, a cumprir fielmente as condições d'este contrato provisorio, que são as seguintes:

Artigo 1.° A empresa effectuará á sua custa e por sua conta e risco, nos termos, pelo modo e no prazo estipulados nestas condições:

1.º A construcção de um caminho de ferro que, partindo de Mirandella, em continuação da linha de Foz-Tua a Mirandella, e passando por Macedo de Cavalleiros, termine em Bragança, sendo o dito caminho de ferro completo em todas as partes, com todas as expropriações, aterros e desastres, obras de arte, assentamento de vias, estações e officinas da pequena e grande reparação, e todos os edificios accessorios, casas de guarda, barreiras, passagens de nivel, muros de sustentação, muros de vedação ou sebes para separar a via ferrea das propriedades contiguas, e em geral as obras de construcção previstas e imprevistas, sem excepção ou distincção, que foram necessarias para o completo acabamento da linha ferrea.

§ 1.° A palavra empresa, sempre que foi empregada nestas condições, significa om concessionario primitivo, ou qualquer particular sociedade ou companhia, para quem elle trespasse, na conformidade das leis e com autorização previa dos Governo, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas em virtude do contrato.

§ 2.° As obras mencionadas no n.° 1.° d'este artigo, que a empresa é obrigada e, executar, serão feitas em harmonia com o projecto approvado por portaria de 25 de setembro ultimo o respectivo caderno de encargos, com as modificações e variantes que a empresa julgue conveniente propor e que forem approvadas pelo Governo, alem da variante prescripta na mencionada portaria.

§ 3.° A empresa effectuará os estudos necessarios e organizará nos termos usuaes os respectivos projectos, reservando-se o Governo o direito de fazer fiscalizar a execução dos trabalhos no campo.

§ 4.º O numero e classe das estações e suas dependencias serão determinados nos projectos definitivos. Nas estações do entroncamento as ampliações e melhoramentos que forem reclamados pelo maior desenvolvimento que ao serviço resultar da exploração da nova linha, e para facilidade das baldeações, serão feitos por conta da respectiva empresa adjudicataria, devendo em todo o caso haver uma estação principal, com as accommodações necessarias para passageiros, mercadorias e empregados; officinas, machinas e apparelhos para a leitura e concerto de material de exploração, armazens, telheiros e depositos para arrecadação e pintura de locomotivas, tenders, carruagens e vagons; fossos para picar o fogo; apparelhos e reservatorios para a alimentação das machinas.

§ 5.° Dos projectos approvados fará a empresa tirar duas copias, que serão authenticadas pela Direcção Geral das Obras Publicas e Minas: uma das copias será entregue á empresa e a outra á fiscalização.

2.° O fornecimento, conservação e renovação das locomotivas, carruagens para viajantes, vagons para mercadorias, machinas e utensilios para as officinas, plataformas giratorias, reservatorios e apparelhos hydraulicos, guindastes, signaes e em geral de todo o material fixo e circulante, designado ou não designado, que for necessario para manter a linha em perfeito estado de exploração.

3.° O estabelecimento de um telegrapho electrico ao lado da linha ferrea e a conservação e renovação dos materiaes e apparelhos que forem precisos para o manter em bom estado de serviço.

4.° Depois de terminada a linha, a empresa, no prazo de um anno, fará á sua custa, com assistencia do engenheiro delegado do Governo, a demarcação kilometrica e o levantamento da planta cadastral do caminho de ferro e suas dependencias, com a designação de todas as obras de arte executadas, e entregará ao Governo uma copia d'esta planta devidamente authenticada.

§ unico. Se a empresa não der, em devido tempo, cumprimento ao que neste numero é preceituado, o Governo fará executar, por conta de empresa e por pessoal nomeado pelo mesmo, os trabalhos de campo e de gabinete, relativos á medição, marcação kilometrica e levantamento da planta cadastral do caminho de ferro e suas dependencias, com a descripção de todas as obras de arte executadas.

Art. 2.° A linha ferrea será construida com leito e obras de arte para uma só via, á excepção das estações, em que haverá as necessarias vias de resguardo e do serviço.

Art. 3.° Quaesquer alterações ou modificações, que a empresa tenha por conveniente propor, serão formuladas em harmonia com as condições technicas dos projectos, mas não poderão ser executadas sem previa autorização do Governo.

Art. 4.° As terras para a formação dos aterros serão

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sempre extrahidas de maneira que se evite a estagnação das aguas, prejudicial á saude publica.

Art. 5.° A largura do caminho ao nivel da plataforma será de 3m,5 em aterro e de 4m,3 em desaterro, e ao nivel dos carris de 1m,9 num e noutro caso.

A largura de via será de 1 metro entre as faces interiores dos carris.

As dimensões dos fossos e inclinações dos taludes, quer em aterro quer em escavarão, serão reguladas pelos respectivos perfis transversais typos, adoptados nos projectos.

A entrevia, ou distancia entre duas vias, será, pelo menos, de 2 metros, entre as faces exteriores dos carris internos de cada via.

Art. 6.° O maximo dos declives será de 18 millimetros por metro.

Art. 7.° Os raios das curvas de concordancia não serão inferiores a 150 metros nas linhas geraes; nas de serviço e resguardo poderão baixar a 100 metros. Quando se empregarem estes raios, as respectivas curvas de concordancia deverão effectuar-se tanto quanto possivel sobre planos horizontaes.

O intervallo entre os pontos de tangencia de duas curvas consecutivas em sentido contrario não bera inferior a 50 metros.

Art. 8.° Os carris e outros elementos constitutivos da via ferrea devem ser de boa qualidade e dos melhores modelos, proprios a preencher o fim do seu destino.

Os carris a empregar serão de aço, e o seu peso não poderá ser inferior a 20 kilogrammas por metro corrente. Serão fixados pelo systema que a empresa julgar mais conveniente, segundo os ultimos aperfeiçoamentos e com previa approvação do Governo.

Art. 9.° As travessas a empregar na linha serão metallicas ou de madeira que sustente bem a pregação, e das qualidades, forma e dimensões que forem approvadas pelo Governo.

Art. 10.° Este caminho será fechado por meio de muros, desvios, ou grades de madeira, que o separem das propriedades contiguas, com barreiras de serventia abrindo para fora.

§ unico. A vedação poderá ser dispensada nos pontos em que o Governo, a pedido da empresa e ouvida a fiscalização, entenda que ella é desnecessaria para a segurança do publico e da exploração.

Art. 11.° A empresa deverá estabelecer, para serviço das localidades atravessadas pela linha ferrea, portos seccos destinados ao estacionamento, carga e descarga de mercadorias, em harmonia com os projectos approvados.

Art. 12.° A empresa construirá, de pedra, ferro ou tijolo, os viaductos, pontes, pontões, aqueductos e canos de rega, e as passagens superiores, inferiores e de nivel, em numero sufficiente e com as dimensões que exigir a sua estabilidade e segurança, o volume das aguas, a largura do caminho de ferro, e a das estradas ordinarias ou caminhos a que algumas d'essas obras devem dar passagem.

Art. 13.° Os cruzamentos do caminho de ferro com as est adas de 1.ª e 2.ª classe, caminhos municipaes ou vicinaes, poderão ser de nivel, excepto nos casos em que nos projectos estão designadas passagens superiores ou inferiores.

Em todos os cruzamentos ou passagens de nivel a empresa será obrigada a estabelecer barreiras, que abrirão para a parte exterior do caminho de ferro, havendo em cada uma um guarda encarregado d'este serviço.

Art. 14.º Quando o caminho de ferro passar sobre uma estrada de 1.ª classe, a abertura do viaducto não será menor de 6m,50; sobre uma estrada de 2.ª classe, de 6 metros; sobre uma estrada municipal, de 5 metros.

A altura do fecho da abobada acima do pavimento da estrada será de 5 metros, pelo menos; a largara entre as testas será de 3m,5 ; a altura dos parapeitos será de 0m,70, pelo menos.

Art. 15.° Quando o caminho de ferro passar por baixo de uma estrada de 1.ª classe, a largura do viaducto será de 6m,60; sendo districtal, 6 metros, e sendo municipal, 5 metros.

A abertura entre os pés direitos será, pelo menos, de 4m,5, comprehendidos os fossos.

A distancia vertical do intradorso á parte superior dos carris será, pelo menos, de 5 metros.

Art. 16.° Se houver que desviar a tracção de qualquer estrada existente, os declives do novo traçado não poderão exceder os que existiam na estrada ou caminho que é substituido.

O Governo, sobre proposta da empresa, poderá alterar esta regra.

O angulo formado pelo eixo da via ferrea com o da estrada desviada não poderá ser inferior a 30°.

Art. 17.° A abertura dos subterraneos será, pelo menos, de 5 metros entre as impostas, e de 4m,40 entre os pés direitos ao nivel dos carris; a altura acima d'este nivel até o intradorso da abobada de revestimento será, pelo menos, de 5m,50.

A empresa fará todas as obras necessarias para prevenir qualquer perigo de desabamento ou infiltração.

§ unico. O Governo, sobre proposta da empresa, poderá reduzir as dimensões dos subterraneos a que se refere este artigo.

Art. 18.° Nos pontos de encontro das estradas ordinarias com a via ferrea, durante a feitura d'esta, a empresa construirá as necessarias obras provisorias para que a circulação não seja interrompida.

Art. 19.° A empresa restabelecerá e assegurará á sua custa o curso das aguas, que se tenha suspendido ou modificado em consequencia das obras do caminho de ferro, ou indemnizará o proprietario, segundo as leis que lhe forem applicaveis.

Art. 20.° A empresa deverá empregar na construcção das obras materiaes de boa qualidade.

Os paramentos das abobadas, os cunhaes, os soccos e os coroamentos serão, quanto possivel, de pedra apparelhada, de boa qualidade; onde não a houver será tolerado o tijolo.

Art. 21.° As machinas locomotivas serão construidas segundo os melhores modelos conhecidos, e satisfarão a todas as condições actualmente prescriptas, ou ás que de futuro o forem, para pôr em circulação as mesmas machinas.

As carruagens dos viajantes deverão ser igualmente dos melhores modelos, suspensas sobre molas e guarnecidas de assentos. Have-las-ha de tres classes, pelo menos; todas serão cobertas, fechadas com vidraças e resguardadas com cortinas.

As de 1.ª classe terão assentos estofados, as de 2.ª classe assentos de estofo mais ordinario, e as de 3.ª classe assentos de madeira.

As carruagens de todas as classes deverão preencher, alem do que fica dito, todas as condições prescriptas pelo Governo no interesse da segurança publica.

Os vagons de mercadorias e gado, as plataformas e restante material será tudo de boa qualidade e solida construcção.

Art. 22.° O caminho de ferro, em todos os seus edificios necessarios para o serviço e mais accessorios e dependencias, como carris, travessas, e em geral todo o material fixo de qualquer especie, fica, desde a sua construcção ou collocação na linha, pertencendo ao dominio do Estado para todos os effeitos juridicos, nos termos do direito commum e especial dos caminhos de ferro e das diversas condições do contrato.

Todo o material circulante, carvão, coke e quaesquer outros provimentos, ficarão pertencendo ao dominio da

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empresa, para os mesmos effeitos e nos mesmos termos; com a declaração, porem, de que o material circulante não poderá ser alienado senão para o effeito de ser substituido com vantagem do serviço publico, e o mesmo succederá com o carvão, coke e quaesquer outros aprovisionamentos emquanto forem importados livres de direitos.

Art. 23.° Em compensação das obrigações que a em presa tomar sobre si pelo respectivo contrato, concerte o Governo á empresa, pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do contrato definitivo, a explorarão do caminho de ferro de Mirandella, nos termos e com as condições nelle estipuladas.

Art. 24.° A empresa deverá conservar, durante todo o prazo da concessão, a linha férrea e suas dependencias, com todo o seu material fixo e circulante, em bom estado de serviço, e no mesmo estado deverá entregar tudo ao Governo, tendo aquelle prazo, fazendo sempre para esse fim á sua custa todas as reparações, tanto ordinarias como extraordinarias.

§ unico. Se, porem, durante o prazo estabelecido no artigo antecedente, for destruida ou damnificado alguma parte do caminho de ferro, por motivo de guerra, sem culpa da empresa, o Governo a indemnizará, pagando-lhe o valor das reparações, depois de avaliadas, em dinheiro ou titulos de divida publica pelo seu valor no mercado.

Art. 25.° Logo que tenha espirado o prazo da concessão acima estabelecido, a empresa entregará ao Governo, em bom estado de exploração, o caminho com todo o seu material fixo e seus edificios e dependencias de qualquer natureza que sejam, sem que por isso tenha direito a receber d'elle indemnização alguma.

Tambem lhe entregará todo o material circulante em bom estado e em quantidade proporcionada ao serviço da linha, mas tanto o valor d'este como o do carvão de pedra, e de outros quaesquer provimentos, que entregar ao Governo, ser-lhe-hão pagos segundo a avaliação dos louvados.

Art. 26.° O Governo terá a faculdade de resgatar em qualquer epoca a concessão do caminho de ferro.

Para determinar o preço da remissão, tomar-se-ha o producto liquido obtido pela empresa durante os annos que tiverem precedido aquelle em que a remissão deva effectuar-se, até ao numero de sete, com exclusão dos dois annos menos productivos; a media annual constituirá a importancia da annuidade que o Governo pagará á empresa até terminar o prazo da concessão, não podendo, porem, ser inferior ao producto liquido do ultimo anno dos sete tomados para base do calculo.

A annuidade não poderá ser, em caso algum, inferior a 4 1/2 por cento do capital, em que pelo contrato for computado o custo da linha.

Quando o resgate se effectuar antes que tenha decorrido o prazo de sete annos, desde a abertura á exploração, tomar-se-ha para base do calculo o numero de annos decorridos, procedendo-se pela forma descripta.

O preço da remissão não comprehenderá o material circulante, nem o valor dos materiaes de exploração em deposito, que serão avaliados para serem pagos pelo Governo, na occasião de serem entregues, pelo preço da avalição.

Art. 27.° O Governo garanto á empresa adjudicataria o complemento do rendimento liquido annual ato 4 1/2 por cento em relação ao custo de cada kilometro que se construir, comprehendendo o juro e amortização do capital.

Art. 28.° Para os effeitos d'esta garantia do juro o preço kilometrico da linha a construir será a quantia de réis 25:990$000, segundo a proposta feita e acceita no concurso.

As despesas de exploração serão computadas em 50 por cento do producto bruto kilometrico, excluindo os impostos de transito e sêllo, fixando todavia um minimo de 700$000 réis e um maximo de 1:200$000 réis por kilometro.

Art. 29.° A garantia de juro, relativa a cada anno economico, será paga semestralmente, e constituirá encargo do fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado.

§ 1.º Para os effeitos da liquidação provisoria da garantia de juro,
considerar-se-ha a linha dividida em secções de extensão não inferior a 10 kilometros.

§ 2.° A garantia de juro só será devida em relação a cada secção que for considerada aberta á exploração, a contar de Mirandella, com previa approvação do Governo.

Art. 30.° Logo que o producto liquido exceder 4,5 por cento ao anno, metade do excesso pertencerá ao Estado, até completo reembolso das sommas adeantadas pelo Governo, em virtude da garantia de juro, de que tratam as condições antecedentes, bem como dos juros d'essas sommas, na razão de 4,5 por cento ao anno.

§ unico. Á respectiva empresa adjudicataria fica salvo o direito de reembolsar o Estado das quantias que elle tiver adeantado por virtude da garantia de juro e amortização, de que tratam as condições antecedentes, podendo usar d'esse direito na epoca ou epocas que julgar conveniente.

Art. 31.° O Governo publicará os regulamentos e usará dos meios apropriados para verificar as receitas e despesas da exploração, sendo a empresa obrigada a franquear-lhe toda a sua escripturação e correspondencia.

Art. 32.° Concede mais o Governo á mesma empresa a faculdade de construir todos os ramaes que possam alimentar a circulação da linha ferrea, a que se referem estas condições, precedendo o respectivo contrato especial com o Governo, e sem que este pela dita construcção lhe pague subsidio algum, ou lhe garanta qualquer beneficio.

Quando, porem, o Governo julgar necessario construir algum d'esses ramaes, e a empresa se não prestar a isso, o Governo reserva-se, muito expressamente, o direito de os construir ou de contratar a sua construcção com qualquer empresa, nos termos que lhe aprouver.

Art. 33.° Quando o Governo fizer novas concessões de caminhos de ferro, quer esses caminhos sejam parallelos á mesma linha, quer a atravessem ou nella venham entroncar ou sejam seu prolongamento, a empresa não poderá, sob pretexto algum, impedir os trabalhos precisos para o estabelecimento das mesmas linhas, mas terá direito a qualquer despesa que fizer por causa d'essas concessões e das obras a que derem logar na sua linha.

Art. 34.° Quando o Governo venha a ordenar a construcção de uma estrada, canal ou via ferrea que atravesse a linha concedida, deverá tomar todas as medidas necessarias para que não resulte impedimento ou obstaculo á circulação d'esta, nem o minimo augmento de despesa para a, empresa.

Art. 35.° A abertura de qualquer das vias de communicação, de que tratam os dois precedentes artigos, nas condições ali exaradas, não pudera auctorizar reclamação alguma por parte da empresa.

Art. 36.º As empresas concessionarias de quaisquer caminhos de ferro, que venham a entroncar com a linha que faz o objecto d'estas condições, terão a faculdade de fazer circular nella as suas carruagens, vagons e machinas, sujeitando-se aos respectivos regulamentou de policia e serviço, e pagando pelas pessoas e mercadorias uma portagem que, no caso de não haver acordo entre as empresas, será regulada segundo a relação entre a portagem e transporte estabelecida nas tarifas dos mais recentes cadernos de condições na França. Esta faculdade será reciproca para todas as linhas.

No caso em que as diversas empresas não possam chegar a acordo sobre o exercicio d'esta faculdade, o Governo decidirá a questão.

Art. 37.º Concede mais o Governo á mesma empresa

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a isenção de qualquer contribuição geral ou municipal nos primeiros vinte annos, depois do começo das obras; com tudo, nesta disposição, não são incluidos impostos de transito e sêllo lançados sobre o preço da conducção dos passageiros e mercadorias nos termos da legislação vigente.

Nenhuma contribuição especial será lançada sobre a linha ferrea durante a concessão.

Art. 38.º O Governo concede mais á empresa, durante o prazo de cinco annos, contados da data do contrato definitivo, isenção do pagamento de direitos de importação para os materiaes destinados á construcção e exploração depois de verificada a sua quantidade e destino pela fiscalização.

§ unico. A empresa conformar-se-ha com os regulamentos fiscaes que forem necessarios para prevenir o abuso d'esta concessão.

Art. 39.° Concede mais o Governo á empresa gratuita, mente os terrenos que possuir e forem necessarios para a construcção e exploração da linha e o transporte, com exclusão das despesas accessorias e do sêllo, na linha do Douro, de todos os materiaes necessarios para a construcção, por uma taxa de 8 réis por tonelada e kilometro.

Art. 40.° Quaesquer expropriações que a empresa houver de fazer para as obras do caminho de ferro serão reguladas amigavelmente, ou pelas leis respectivas, tanto geraes, como especiaes dos caminhos de ferro, devendo intervir o Ministerio Publico para auxiliar a empresa em nome de interesse geral, nos termos das leis em vigor, ou d'aquellas que venham a promulgar-se, para facilitar estas expropriações.

Art. 41.° Concede, emfim, o Governo á mesma empresa a faculdade de desviar correntes, e alterar a direcção de caminhos, uma vez que a construcção da linha férrea assim o exija, devendo em todos os casos regular-se pelas leis sobre expropriações por utilidade publica, que lhe deverão ser applicadas, e
sujeitar-se á previa approvação do Governo.

Art. 42.° Emquanto durar a garantia de juro o Governo decretará as tarifas de passageiros, gados e mercadorias.

Art. 43.° Logo que o Governo estiver embolsado das quantias que tiver adeantado em virtude da garantia de juros e amortização, o dos juros correspondentes a essas quantias, serão as tarifas estabelecidas por acordo entre o Governo o a empresa, em harmonia com as que vigorarem em outras linhas portuguesas que lhes sejam comparaveis, e consecutivamente, de cinco em cinco annos, proceder-se á revisão das mesmas tarifas.

§ 1.° Na falta de acordo entre o Governo e a empresa, acêrca das modificações a introduzir nas tarifas, adoptar-se hão, como maximos, os preços das tarifas das linhas ferreas exploradas pelo Estado e, não as havendo, a media das tarifas das linhas portuguesas exploradas por companhias.

§ 2.º Qualquer modificação, que em qualquer tempo se faça, será annunciada com um mês de antecedencia.

Art. 44.° Serão prohibidos os contratos particulares destinados a reduzir os preços das tarifas. Exceptuam-se d'esta disposição os transportes que dizem respeito ao serviço do Estado e as concessões feitas a indigentes.

Art. 45.° Nenhuma alteração de tarifas, de horarios ou de condições de serviço poderá ser annunciada ao publico pela imprensa, nas estações ou de qualquer forma, antes de obtida a approvação do Governo.

Art. 46.° As despesas accessorias não incluidas nas tarifas, taes como as de deposito, armazenagens e outras, serão fixadas pela empresa com a approvação do Governo.

Art. 47.° A recepção das taxas terá logar por kilometros; assim, 1 kilometro encetado será pago como se fosse percorrido. Exceptua-se d'esta regra toda a distancia percorrida menor de 6 kilometros, a qual será paga por 6 kilometros inteiros.

O peso da tonelada é de 1:000 kilogrammas.

As fracções de peso não serão contadas senão por centesimos de tonelada; assim, todo o peso comprehendido entre 0 e 10 kilogrammas pagará como 10 kilogrammas, entre 10 e 20 pagará como 20 kilogrammas, e assim successivamente.

Art. 48.° O transporte de objectos perigosos, ou de massas indivisiveis de peso superior a 5:000 kilogrammas, não será obrigatorio para a empresa. As condições d'este transporte poderão regular-se amigavelmente entre ella e os expedidores.

Feito, porem, acordo com um, não se poderá negar a fazê-lo nos mesmos termos durante tres meses, pelo menos, com todos os que lhe fizerem igual pedido.

§ 1.° Todo o transporte que necessitar, pelas suas dimensões, o emprego de um ou mais vagons, pagará pela carga inteira do vagon ou dos vagons que empregar, qualquer que seja o peso a transportar.

§ 2.° As mercadorias que a pedido dos expedidores forem transportadas com a velocidade de viajantes, pagarão na razão do dobro do preço ordinario.

§ 3.° Os cavallos e mais gado tambem pagarão, no mesmo caso, o dobro do preço das respectivas tarifas.

Art. 49.° As mercadorias, volumes, animaes e outros objectos não designados nas tarifas serão qualificados, para o effeito de pagamentos de direitos de transporte, nas classes com as quaes tiverem maior analogia. Esta classificação será feita pela empresa, de acordo com os fiscaes do Governo, com recurso para o Ministerio das Obras Publicas.

Art. 50.° Todos os objectos (excepto os preciosos especificados na tarifa), que pesarem menos de 10 kilogrammas, serão considerados como objecto de recovagem.

Art. 51.° Todo o viajante, cuja bagagem não pesar mais de 30 kilogrammas, não terá a pagar pelo transporto d'esta bagagem augmento algum do preço, alem d'aquelle que dever pagar pelo seu logar.

Art. 52.° Os militares e marinheiros em serviço, viajando em corpo ou isoladamente, pagarão apenas, por si e suas bagagens, metade dos preços estipulados nas tarifas respectivas.

Art. 53.° Os empregados do Governo, que forem incumbidos da fiscalização do caminho de ferro ou da cobrança de contribuição lançada sobre os preços do transporte ou da fiscalização sanitaria da linha, deverão transitar nella sem pagar quantia alguma.

Art. 54.° A empresa será obrigada a pôr á disposição do Governo, por metade dos preços das tarifas geraes, todos os meios de transporte estabelecidos para a exploração do caminho de ferro, quando elle precisar dirigir tropas ou material de guerra sobre qualquer ponto servido por linha ferrea.

Art. 55.° A empresa será obrigada a prestar gratuitamente os seguintes serviços:

1.° Transporte, em qualquer comboio que a Direcção Geral dos Correios e Telegraphos designar, das ambulancias postaes e dos empregados que manipularem as correspondencias;

2.° Concessão, nos comboios em que não haja ambulancias postaes, de dois compartimentos de carruagem de 2.ª classe para transporte das malas de correspondencia publica e dos seus conductores;

3.° Transporte do material dos correios e telegraphos;

4.° Limpeza externa das ambulancias postaes;

5.° Transporte de empregados da Direcção Geral, em serviço de inspecção e fiscalização de correios e telegraphos;

6.° Licença para collocação das linhas telegraphicas do governo nos postes ou apoios das linhas telegraphicas da via ferrea.

Art. 56.° O numero de viagens por dia será fixado pela empresa de acordo com o Governo, segundo as necessidades da circulação.

O maximo e minimo da velocidade dos comboios ordi-

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

narios viajantes e mercadorias, e dos comboios extraordinarios, bem como a duração do transito completo, serão sujeitos a obra da policia, para segurança publica, que o Governo tem direito do estabelecer, ouvida a empresa.

Art. 57.º Todo o comboio ordinario de viajantes deverá conter, salvo os casos imprevistos de extraordinaria concorrencia, carruagens de todas as classes em quantidade sufficiente para as pessoas que se apresentarem a tomar logar.

Art. 53.º O uso do telegrapho electrico será gratuitamente permittido no Governo para os despachos officiaes, e aos particulares mediante os preços de uma tabella estabelecida pela empresa de acordo com o Governo.

Art. 59.º O deposito definitivo de 8:000$000 réis será effectuado pela empresa adjudicataria antes da assignatura do respectivo contrato, como garantia da sua execução, e só poderá ser levantado quando a empresa tenha feito obras de valor equivalente ao triplo do seu deposito, passando essas obras a servir de caução.

§ unico. O adjudicatario que effectuar o deposito definitivo em titulos de divida publica, terá direito a receber os juros d'esses titulos; se o effectuar em dinheiro, ser-lhe-ha abonado o juro de 3 por cento ao anno.

Art. 60.º Os estudos e trabalhos da variante prescripta pela portaria de 25 de outubro de 1901 serão feitos pela empresa adjudicataria e submettidos á approvação do Governo no prazo de seis meses, a contar da data do respectivo contrato.

Art. 61.° A construcção do caminho de ferro de Mirandella começará dentro do prazo de dois meses, a contar da approvação do contrato definitivo, e estará concluida no de dois annos a 1.ª secção, Mirandella a Valdrez, e no de tres a 2.ª secção, Valdrez a Bragança, devendo estar concluidas todas as obras e a linha ferrea em estado de circulação com tudo o seu material fixo e circulante e dependencias, dentro dos prazos fixados.

Art. 62.º Se dentro dos prazos fixados para a conclusão das obras, ellas não estiverem terminadas, e a linha ferrea respectiva um estado de exploração, pagará a companhia adjudicataria, por cada mês de demora, uma multa, que será fixada pelo Governo, ouvido o engenheiro encarregado da fiscalização dos trabalhos e o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, que não excederá a 2:000$000 réis, para cada secção.

Art. 63.° Se a empresa não pagar as multas em que incorrer e lhe forem impostas (artigo 62.°), se não cumprir as outras clausulas estipuladas no contrato, ou se se recusar a obedecer á decisão dos arbitros, nos casos da sua intervenção, terá o Governo, por sua auctoridade, direito de declarar rescindido o contrato.

§ 1.° Neste caso a construcção do caminho com todas as obras feitas o material fornecido, depois de competenmente avaliada, será posta em hasta publica por espaço de seis meses, com as mesmas condições e arrematada á empresa que maior lanço offerecer. O preço da arrematarão será entregue á empresa, segunda outorgante, depois de deduzidas as despesas que o Governo tiver feito com o pagamento da garantia do juro e fiscalização.

Se dentro d'estes seis meses não houver quem arremate, serão as obras e material fornecido adjudicados ao Estado, sem indemnização alguma e o contrato rescindido para todos os effeitos juridicos.

§ 2.° A rescisão de contrato será feita por meio de decreto.

§ 3.° Do decreto de rescisão poderá a empresa recorrer para o tribunal arbitral, no improrogavel prazo de um mês, a contar do dia em que for publicado na Folha Official.

§ 4.° O Governo muito expressamente declara que, no caso se rescisão, não fica obrigado a indemnizar a empresa, qualquer que seja o fundamento, razão ou pretexto allegado para justificar a indemnização.

§ 5.º Igualmente declara o Governo que se não responsabiliza por quaesquer dividas da empresa, qualquer que seja o modo e titulo por que ellas forem contrahidas, nem garante nem cauciona contratos de empreitadas geraes ou parciaes ou outros que a empresa faça.

§ 6.° Fica bem entendido, e é expressamente estipulado que o Governo Português, não só em razão do dominio nobre a linha ferrea, mas como credor da conservação e exploração da mesma linha, tem preferencia sobre todos os credores da empresa, qualquer que seja a origem das suas dividas, obrigando-se a empresa, em todos os contratos que fizer relativamente á linha ferrea, a respeitar os direitos do Estado.

Art. 64.° Exceptuam-se das disposições dos artigos precedentes os casos de força maior devidamente comprovados.

Art. 65.° Se a empresa não conservar, durante todo o prazo da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, assim como todo o material fixo e o realante, em perfeito estado de serviço, fazendo sempre, para este fim, á sua custa todas as reparações que forem necessarias, assim ordinarias como extraordinarias, conforme as disposições do artigo 24.°, ou se for remisso em satisfazer as requisições que para esse fim lhe forem feitas pelo Governo, poderá este mandar proceder á necessarias reparações por sua propria auctoridade, e neste caso tem direito de apropriar-se de todas as receitas da empresa, até completar a importancia das despesas feitas, augmentadas de um quinto a titulo de multa.

Art. 66.° No caso de interrupção total ou parcial da exploração do caminho de ferro, o Governo proverá por sua propria auctoridade, provisoriamente, para que a dita exploração continue por conta da empresa, e intimá-la-ha logo para ella se habilitar a cumprir com a sua obrigação respectiva.

§ 1.° Se tres meses depois de intimada na forma d'este artigo, a empresa não provar que está habilitada para continuar a explorarão da linha ferrea, nos termos do contrato, incorrerá, por esse mesmo facto, depois da declaração do Governo, na pena de rescis e, o perder o direito a todas as concessões que por elle lhe forem feitas, e o Governo entrará immediatamente na possa do caminho de ferro e de todas as suas dependencias sem indemnização alguma.

§ 2.° Ficam salvos das disposições d'este artigo os casos de força maior devidamente comprovados.

Art. 67.° Quando o Governo tomar conta do caminho de ferro, finda a concessão, terá direito de se pagar de quaesquer despesas que sejam necessarias para o pôr em bom estado de serviço, pelo valor do material circulante, carvão e mais provimentos, os quaes objectos ficarão servindo, nos ultimos cinco annos, de hypotheca especial a esta obrigação.

Art. 68.º A execução de todas as obras do caminho de ferro concedido pelo contrato, o fornecimento, collocação e emprego do seu material, fixo o circulante, ficam sujeitos á fiscalização dos engenheiros que o Governo nomear para esse fim.

Art. 69.° Nem o caminho de ferro na sua totalidade, nem qualquer das suas secções será aberta ao transito publico, enquanto a empresa não tiver obtido a approvação do Governo, que para esse fim mandará examinar metida, e attentamente, por pessoas competentes, todas as obras feitas e o material fixo e circulante.

§ unico. Os engenheiros que forem incumbidos d'este exame, procederão a elle com o maior cuidado o circunspecção e lavrarão um auto em que deem relação minuciosa e exacta da tudo quanto encontrarem com respeito á segurança da via ferrea, interpondo por fim o seu juizo sobre se sim ou não tal linha ferrea deve ser aberta a exploração. Este auto gera submettido á sancção do Governo para o habilitar a resolver.

Art. 70.º O Governo terá o direito de fiscalizar, por

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SESSÃO N.º 63 DE 24 DE ABRIL DE 1902 25

meio dos seus agentes, a exploração da linha ferrea durante todo o tempo da concessão.

Art. .71.° A empresa fica sujeita:

1.° Ás leis, regulamentos e instrucções em vigor, e aos preceitos que o Governo publicar sobre a policia e segurança de pessoas e cousas, tanto em relação ás construcções como aos serviços da exploração;

2.° Aos regulamentos relativos ao serviço telegrapho-postal;

3.° Aos regulamentos para a cobrança, fiscalização e entrega dos impostos de transito e sêllo.

Art. 72.° A empresa adjudicataria será considerada portuguesa para todos os effeitos.

Art. 73.° As contestações que se suscitarem entre a empresa e o Estado serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo Governo e dois pela empresa.

No caso de empate sobre o objecto em questão, será um quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes.

Faltando acordo para esta nomeação, o quinto arbitro será nomeado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

§ 1.° No processo arbitral serão observados os preceitos decretados pelo Governo, em virtude da auctorização legislativa que lhe for conferida.

§ 2.° Serão exclusiva e definitivamente resolvidas pelo Governo todas as questões que se referem á approvação, modificação e execução dos projectos, segundo os quaes a empresa tem a obrigação de construir a linha ferrea indicada nestas condições.

Art. 74.° Ficam sujeitos á approvação do Governo os estatutos da empresa adjudicataria.

Art. 75.° A empresa é auctorizada a fazer os regulamentos para os serviços de exploração, submettendo-os á approvação do Governo.

Estes regulamentos são obrigatorios para a empresa, e em geral para todas as pessoas que fizerem uso do mesmo caminho.

Art. 76.° A empresa poderá traspassar, com previa auctorização do Governo, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas por este contrato, a qualquer outra empresa, sociedade ou individuo particular.

Art. 77.° O presente contrato provisorio só se tornará definitivo depois de approvado pelo poder legislativo.

E com as condições acima exaradas deram os outorgantes por feito e concluido o presente termo de contrato provisorio, do qual foram testemunhas presentes os amanuenses d'este Ministerio, Arthur Eduardo Chichorro da Costa e Antonio João de Bastos Junior.

E eu, Ernesto Madeira Pinto, do Conselho de Sua Majestade, Secretario Geral do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e vou subscrever o presente termo de contrato provisorio, que vão assiguar commigo as pessoas já mencionadas, depois de lhes ser lido por mim. Declaro que por incommodo de S. Exa. o Ministro e Secretario de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, foi este termo de contrato assignado e lido em casa de S. Exa. na presença de todas as pessoas acima mencionadas.

Logar de duas estampilhas fiscaes da importancia total de 2$800 réis, devidamente inutilizadas com a data de 19 de abril e as seguintes assignaturas: Manoel Francisco de Vargas = João Lopes da Cruz = Arthur Eduardo Chichorro da Costa = Antonio João de Bastos Junior. = Fui presente, J. de Alarcão = Ernesto Madeira Pinto.

Está conforme. - Secretaria Geral, em 21 de abril de 1902. = O Secretario Geral, E. Madeira Pinto.

Foi enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Representação

Dos professores no lyceu de Leiria, pedindo a revogação da lei de 26 de fevereiro de 1891 na parte em que suspende o augmento de ordenado por diuturnidade de serviço.

Apresentada pelo Sr. Deputado Alipio Camello, enviada ás commissões de instrucção primaria e secundaria, ouvida a de fazenda.

O redactor = Albano da Cunha.

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