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N.° 65

SESSÃO DE 12 DE MAIO DE 1900

Presidencia do exmo. sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Antonio Vellado da Fonseca

SUMMARIO

Approvada a acta e lido o expediente, o sr. presidente proclama deputado o sr. Paulo de Barros Pinto Osorio, que presta juramento e toma assento. - O sr. Alvaro de Castellões apresenta um parecer da commissão do ultramar.-Em avisos previos trocam-se explicações entre os srs. conde de Paço Vieira e ministro da fazenda (Espregueira) sobre execuções fiscaes e regulamento do sêllo.- O sr. João Pinto dos Santos manda para a mesa um projecto de lei. - Apresentam representações os srs. Mascarenbas Gaivão e Homem de Noronha, e avisos previos os srs. Luciano Monteiro e Santos Viegas. - O sr. Miguel Dantas é auctorisado a ausentar-se de Lisboa.

Na ordem do dia continua a discussão, que fica pendente, do projecto de lei n.° 17 (limite de idade para a magistratura judicial), fallando os srs. ministro da justiça (Alpoim), visconde da Torre, visconde de Guilhomil e Cabral Moneada, que fica com a palavra reservada. - Apresentam pareceres os srs. Franco Frazão e Rodrigues Nogueira, o primeiro da commissão de negocios externos e o segundo da commissão do ultramar.- O sr. presidente marca a próxima sessão para segunda feira, 14, á hora regulamentar.

Primeira chamada - Ás duas horas da tarde.

Presentes - 9 srs. deputados.

Segunda chamada - As tres horas.

Abertura da sessão - As tres horas e um quarto.

Presentes - 65 srs. deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Adolpho Ferreira Loureiro, Affonso Augusto da Costa, Alberto yfoneo da Silva Monteiro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Baptista Coelho, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro de Castellões, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Vellado da Fonseca, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar da Silveira Proença, Conde de Paço Vieira, Domingos Tarroso, Emygdio Julio Navarro, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Eavasco, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Correia Mendes, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Augusto Pereira, João José Sinel de Cordes, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, João Monteiro Vieira de Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Bandeira, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Rojão, José Antonio de Almada, José Capello Franco Frazão, José Christovão do Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Gonçalves da Costa Ventura, José Malheiro Reymão, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Pimentel Homem de Noronha, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel Paes de Sande e Castro, Manuel Telles de Vasconcellos, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Ovidio Alpoim Cerqueira Borges Cabral, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Salvador Augusto Gamito de Oliveira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde de Guilhomil.

Entraram durante a sessão os srs.: - Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Lopes Guimarães Pedroza, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Arthur de Sousa Tavares Perdigão, Augusto José da Cunha, Carlos de Almeida Pessanha, Conde de Caria (Bernardo), Eusebio David Nunes da Silva, Francisco José de Medeiros, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, Joaquim José Fernandes Arez, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José de Azevedo Castello Branco, José Dias Ferreira, José Eduardo SimSes Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Barbosa de Magalhães, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz José Dias, Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Teixeira de Azevedo, Paulo de Barros Pinto Osorio, Victorino de Avellar Froes e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Augusto Fuschini, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Conde de Burnay, Conde de Idanha a Nova (Joaquim), Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Esteves, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique da Cunha Mattos de Mendia, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim da Ponte, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Lemos Peixoto, José Bento Ferreira de Almeida, José Braamcamp de Mattos, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenbas, José Mendes Veiga de Albuquerque Calheiros, José Teixeira Gomes, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Pereira da Costa, Manuel Francisco Vargas, Miguel Pereira Couti-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nho (D.), Paulo José Falcão, Visconde de Mangualde Visconde da Ribeira Brava e Visconde de S. Sebastião

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da guerra, remettondo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Avellar Machado, o relato rio elaborado pela commissão encarregada do apresentar um projecto de lei sobre promoções no exercito.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, devolvendo, informados, os requerimentos respeitantes a Carminda Adelaide Coelho Barreto da Fonseca, João Agostinho da Costa e João Caetano da Palma.

Á secretaria.

Do ministerio da marinha, remettendo, informado, o requerimento do conductor do 1.ª classe, aposentado, das obras publicas do ultramar, Arthur Gomes da Silva.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo, informado, o requerimento do conductor de 1.ª classe das obras publicas do ultramar em serviço no districto de Timor, Antonio Heitor.

Á secretaria.

Do mesmo ministerio, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Mascarenhas Gaivão, que não está ainda fixado o ponto do encontro do caminho de ferro que porte da bahia dos Tigres com o caminho de ferro allemão na margem direita do Cunene.

Á secretaria.

Do tribunal de verificação de poderes, remettendo o processo eleitoral do circulo n.° 36 (Gondomar), definitivamente julgado por este tribunal.

Á secretaria.

Do sr. deputado Miguel Dantas Gonçalves Pereira, só licitando licença para se ausentar de Lisboa.

O sr. Presidente: - Em virtude do accordão do tribunal de verificação de poderes, que acaba de ser lido na mesa, proclamo deputado da nação o sr. Paulo de Barros Pinto Osorio, e, constando-me que s. exa. está nos corredores da sala, convido os srs. Paulo Cancella e Ribeiro Osorio a introduzirem s. exa.

(Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.)

O sr. Alvaro de Castellões: - Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar sobre a proposta de lei que auctorisa o governo a reorganisar os serviços de obras publicas das possessões ultramarinas, nos termos das banos annexas a esta lei.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - O sr. conde de Paçô Vieira tem na mesa trás avisou previos, todos dirigidos ao sr. ministro da fazenda; dois datados do dia 15 de março, e o outro do dia, 10 d'este mrz. Não sei se s. exa. se quer referir a todos conjunctamente ou cada um de per si.

O sr. Conde de Paçô Vieira: - Depende apenas do sr. ministro consentir.

O sr. Ministro da Fazenda (Affonso de Espregueira): - Como v. exa. quizer.

O sr. Conde de Paçô Vieira: - Sr. presidente, os tres avisos previos, que vou realizar, e cuja nota tive a honra de enviar para a mesa na sessão de 15 de março e na de ante-hontem, não visam de forma alguma a fazer opposição ao governo ou a levantar dificuldades ao sr. ministro da fazenda.

Inspiram-se unicamente no desejo de ser esclarecido sobre algumas disposições do regulamento do sêllo, e perguntar ao sr. ministro da fazenda se tem algum fundamento a noticia que corre com insistencia de que vão novamente ser remodelados os tribunaes das execuções fiscaes, extinguindo-se os logares de escrivães privativos, e passando outra vez as suas attribuições para os escrivães de fazenda.

Custa-me a acreditar que, tendo estes logares sido creados, ha apenas dois annos, e tendo dado tão bom resultado, o sr. Espregueira pense já em extinguil-os, tanto mais que a sua creação se deve a um ministro progressista, o seu antecessor, sr. Ressono Garcia; mas s. exa. me dirá se o boato tem ou não fundamento.

Sr. presidente, como v. exa. sabe, as execuções fiscaes têem sofrido, desde 1832 até hoje, as mais diversas organisações. Bastará dizer que o seu julgamento, tendo sido da competencia ora dos tribunaes civis, ora das auctoridades administrativas, ora dos escrivães de fazenda, pertence agora, em virtude dos decretos de 28 de março de 1890 e 31 de dezembro de 1897, a juizes privativos em Lisboa e Porto, e aos escrivães de fazenda no resto do paiz.

Não digo que a organisação actual seja perfeita, que o não ó; mas o que digo é que quem desapaixonadamente estudar os decretos de 28 de março do 1895 e 31 de dezembro de 1897 e ainda o de 9 de março de 1893, ha de reconhecer que todos elles obedeceram a um grande desejo de aperfeiçoar este ramo de serviço, e que com effeito o melhoraram consideravelmente.

É assim que o decreto de 9 de março de 1893 incumbe a juizes de direito dos antigos tribunaes administrativos, extinctos pelo sr. Dias Ferreira, de irem exercer em diversos concelhos as funcções de juizes das execuções fiscaes, o que activou enormemente a cobrança d'esse rendimento do estado.

É assim que o decreto de 28 de março de 1895 cria logares de juizes privativos em Lisboa e Porto para as execuções fiscaes, que andavam atrazadissimas, havendo nos tribunaes civis, então competentes para a resolução dos embargos, processos o processos parados á espera de sentença, ha muitos annos, com gravissimo prejuizo da fazenda nacional, e é finalmente ainda assim que o decreto de 31 de dezembro de 1897 dá a esses tribunaes escrivães privativos, escreventes e ofiiciaes de diligencias propriamente seus, organisando-os emfim como verdadeiros tribunaes de justiça.

E quer a camara saber qual foi o resultado d'estas reformas?

Foi a cobrança augmentar successivamente, chegando quasi a duplicar no ultimo anno.

Aqui tenho eu o mappa do movimento das execuções fiscaes nos ultimos tres annos no districto fiscal do Porto, que claramente o prova.

Vê-se d'esse mappa que a cobrança foi em 1897 de 24:424$830 réis, que em 1898 subiu a 34:045$040 réis, e que em 1899 se elevou a 42:936$984 réis, havendo, portanto, um augmento de 9:620$210 réis de 1897 para 1898, de 8:891$943 de 1898 para 1809, ou 18:512$152 réis de 1899 para 18971

Ignoro qual o movimento em Lisboa, mas deve evidentemente ter-se dado aqui o mesmo que no Porto. E nem para admirar é que tenha havido este augmento na cobrança, pois que os escrivães privativos não têem nenhumas outras attribuições, e ganhando tanto mais quanto maior ella for, é claro que empregam toda a sua actividade e o seu tempo no exercicio do seu cargo, o que não acontecia nem podia acontecer com os escrivães de

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fazenda e n'isto lhes não vae censura, pois que tinham tantos outros deveres a desempenhar, que não exerciam nunca directamente o cargo de escrivães das execuções, mas faziam-se substituir por simples escreventes de repartição.

Os numeros de que dei conhecimento á camara parecem-me argumento bastante e mais que sufficiente a favor da conservação dos logares de escrivães privativos das execuções fiscaes, e por isso nada mais direi a seu respeito.

Mas já que fallei n'este assumpto, e antes de entrar na materia que constituo o meu terceiro aviso previo, permitta-me v. exa. que eu lembre ao sr. ministro algumas alterações que, a meu ver, devem ser feitas na legislação em vigor, na hypothese de ter de ser alterada.

Não são os logares dos escrivães privativos que convem extinguir. (Apoiados.) O que é preciso é modificar algumas disposições da legislação vigente, mas sem alterar a constituição dos tribunaes.

E a primeira alteração a fazer será, a meu ver, revogar o artigo 74.° do decreto de é8 de março de 1895, que prohibe terminantemente que aos devedores de contribuições de rendas publicas seja concedida moratoria, sob qualquer forma, nos seus pagamentos, ou se lhes facilite o pagamento em prestações.

A pratica tem-me mostrado quanto é prejudicial para a fazenda esta disposição, e por isso considero de vantagem substituil-a por outra que permitia ao juiz conceder moratoria de dois ou tres mezes, quando o julgar conveniente, e auctorise o pagamento em prestações.

E n'esta parte, sr. presidente, não ha sequer innovação. Basta applicarmos ás execuções fiscaes a disposição da tabella judicial, que, como v. exa. sabe, permitte que nos processos criminaes as custas sejam pagas em prestações. (Apoiados.)

Com o artigo 74.°, tal qual está, dá-se todos os dias o seguinte: ou o juiz concede moratoria e pagamento em prestações, e desacata a lei, o que é um mau exemplo, ou cumpre-se a lei e a fazenda perde as quantias exequendas, porque, em milhares de hypotheses, os executados não podem pagar a totalidade da divida de uma só vez, nem têem bens que permitiam fazer-se-lhe a penhora para a garantir. (Apoiados.)

Só quem não conhece este ramo de serviço poderá julgar o contrario. (Apoiados.)

Um outro artigo que deve tambem ser modificado é o 61.° do decreto de 31 de dezembro de 1897.

Pelo regulamento de 1895 as execuções fiscaes só podiam ser interrompidas no caso de embargos e estes só podiam deduzir-se nos casos taxativos marcados no artigo 47.° e que eram illegalidade da contribuição por não estar devidamente auctorisada por lei ou decreto com força de lei; illigitimidade da pessoa citada; falsidade da certidão que servisse de base ao processo; pagamento da divida exequenda ou sua annullação devidamente comprovada; prescripção; litigio pendente ou instaurado depois da penhora acêrca dos bens apprehendidos, e finalmente não pertencerem ao executado os bens penhorados.

Veiu, porem, o decreto de 31 de dezembro de 1897 e, muito sensatamente, estabeleceu no artigo 61.° que, nos casos de illigitimidade da pessoa citada, pagamento da divida exequenda, prescripção e duplicação da collecta, podia interromper-se a execução por um simples requerimento, poupando assim ás partes as despezas do preparo dos embargos, honorarios ao advogado, papel sellado do duplicado e inquirição de testemunhas, o que foi de uma grande vantagem para os executados; mas exige que esse requerimento seja documentado.

Ora, sr. presidente, ha casos, como, por exemplo, na prescripção, em que o executado nem carece nem póde juntar ao processo documento justificativo algum (Apeia dós.) para provar que não deve a quantia exequenda.

O que acontece se elle não documenta o requerimento?

Acontece que o juiz indefere-lh'o, em obediencia á lei, iuja benéfica intenção é assim falseada pelo seu exacto 3umprimento. (Apoiados.) Parece um paradoxo, mas é a verdade.

Convem, pois, alterar o artigo de fórma a que não seja obrigatoria a juncção de documentos com o requerimento. E desde que elle se altera deve tambem eliminar-se o seu § 1.° que impõe ao juiz a obrigação de ouvir sempre, sobre o requerimento, o escrivão de fazenda que fez o lançamento da collecta exequenda, porque esta disposição é absolutamente inutil. (Apoiados.)

O escrivão de fazenda, desde que lançou a contribuição, não deixa nunca de sustentar na sua resposta, que a colecta foi bem lançada. E pelo menos o que tenho visto em odos os processos. E portanto a sua resposta não serve senão para augmentar as custas, sobrecarregando injustamente o contribuinte, com termos superfluos e escusados nos autos. (Muitos apoiados.)

O juiz deve poder ouvir ou deixar de ouvir, conforme julgar conveniente, o escrivão de fazenda; deve ter plena liberdade a este respeito.

E dito isto, passo agora a tratar do terceiro aviso previo, alterando a ordem por que os apresentei, visto elle referir-se tambem a execuções fiscaes.

No Diario do governo de 9 d'este mez vem publicado am decreto, que eu entendo não dever nem poder deixar passar sem protesto, porque ataca directamente a independencia do poder judicial. É o decreto de 26 de abril.

Este decreto, sr. presidente, creou umas commissões compostas do inspector superior de fazenda e do recebedor do concelho ou bairro, do parocho da freguezia, de um empregado addido nomeado pelo ministro, e nos bairros de Lisboa e Perto tambem pelo escrivão privativo das execuções fiscaes, com o fim de verificarem em presença dos verbetes dos devedores do estado se estão ou não instaurados os competentes processos de execução, se os relaxes foram feitos no tempo proprio, etc., etc.

E até aqui está perfeitamente e nada tenho que dizer contra elle.

Mas não é só ás repartições de fazenda que as commissões hão de ir syndicar (porque isto é uma verdadeira syndicancia); têem tambem obrigação de ir aos tribunaes privativos das execuções fiscaes de Lisboa e Porto examinar todos os processos executivos, para verificar se a divida é cobravel ou se tem de ser proposta para julgamento em falha, e têem igualmente attribuições para fazerem proseguir immediatamente todas as execuções cujas dividas forem reputadas cobraveis!

Isto é simplesmente phenomenal, sr. presidente.

Pois então ha tribunaes judiciaes presididos por magistrados inamoviveis, perpétuos e independentes, cujos actos só por recurso podem ser revogados, contra os quaes as syndicancias só podem ser feitas quando houver qualquer queixa contra elles, e ainda assim só depois de decretadas pelo conselho disciplinar da magistratura; ha n'esses tribunaes agentes do ministerio publico para promoverem, e nem outra é ali a sua funcção, tudo quanto julgarem util para a fazenda nacional, e vem o sr. ministro da fazenda, e n'um decreto de mais a mais sem a assignatura do sr. ministro da justiça, tratando-se de magistrados, o que tambem é novo, ordena syndicancias aos tribunaes, destitue os delegados das suas funcções, passando-as para quem, sr. presidente, para os escrivães d'esses mesmos tribunaes!

Para os escrivães que são subalternos dos juizes, empregados que elles podem reprehender, suspender e castigar!

Ora diga-me v. exa., que é magistrado dignissimo e que portanto preza a sua classe, se isto póde admittir-se, se

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isto póde tolerar-se, sem energico protesto?! (Muitos apoiados.)

Eu não quero do forma alguma ser desagradavel ao sr. ministro da fazenda; mas, francamente, não posso deixar do lhe dizer que, publicando este decreto, s. exa. demonstrou que não faz a mais leve ideia do que é organisação judiciaria, do que é hierarchia judicial, do que representam nos tribunaes os agentes do ministerio publico, do que são os juizes do direito.

Para o sr. ministro da fazenda escrivães de fazenda, amanuenses, juizes, delegados o escrivães privativos é tudo o mesmo, estão todos á mesma altura, têem todos attribuições iguaes, as suas immunidades, direitos e regalias não fazem differença alguma! (Muitos apoiados.)

Pois engana-se.

E, se não quer ter o desgosto de ver desobedecido o seu decreto, o ha de fazer desobedecido porque é inconstitucional, só tem uma cousa a fazer: é revogal-o, é limitar ás repartições de fazenda as attribuições das commissõos que nomeou. (Apoiados.)

Porque a essas sim, a essas póde o sr. ministro da fazenda dar directamente ou por intermedio dos delegados de thesouro todas as ordens que quizer; mas aos tribunaes privativos, organisados pelo decreto de 31 de dezembro de 1897, como tribnnaes judiciaes civeis, a esses nenhumas ordens, nenhumas indicações póde dar, porque elles são completamente independentes do poder executivo.

Quando o sr. ministro da fazenda d'elles quizer alguma cousa nada mais póde fazer do que ordenar ao procurador geral da coroa que mande o seu delegado requerel-a ao juiz, e case deferirá ou indeferirá conforme entender.

Estes é que são os verdadeiros principios, esta é que é a doutrina. (Apoiados.)

E ponto final n'estas considerações, porque isto de o escrivão de um tribunal ir syndicar dos seus proprios actos e dos do seu juiz, é de tal ordem, que eu receio que, continuando a apreciar o caso, v. exa. se veja obrigado a retirar-me a palavra.

Passo, pois, á materia do meu segundo aviso previo, que diz respeito a algumas disposições do regulamento do sêllo.

Sr. presidente, quando aqui se discutiu o projecto do sêllo, todos iiós trabalhamos com u melhor boa vontade para ver se conseguiamos que essa lei ficasse clara e se tirassem á proposta todas as disposições vexatorias e injustas que n'ella vinham, e eu fui dos que mais largamente foliaram sobre o assumpto.

Pois, apesar d'isso, vejo-me obrigado a fallar de novo ainda sobre o sêllo, porque o sr. ministro da fazenda tem estado a revogar, por sua conta e sem a menor consideração pelo voto do parlamento, tudo quanto aqui fizemos, primeiro no regulamento, e depois em portarias, officios e consultas.

Sinto não ver presente o illustre deputado sr Luiz José Dias, que foi o relator do projecto do sêllo, para lhe perguntar se as disposições que hoje vigoram e se estão executando são as que nós aqui votámos, porque tenho a certeza de que s. exa. seria o primeiro a dizer-me que não, e a protestar contra este systema do revogar nos regulamentos as disposições da lei. (Apoiados.)

Eu não vou, porque isso me levaria muito longe e o tempo me não chega, analysar todas as disposições do regulamento que precisam de ser immediatamente revogadas ou explicadas em harmonia com o pensamento que todos nós tivemos quando votámos e discutimos a lei do sêllo; desejo apenas chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para alguns artigos do regulamento e pedir-lhe que evite no futuro os abusos que á sombra d'elles se estuo dando actualmente.

Não fallarei, sr. presidente, das avenças relativas aos bilhetes de theatro, para as quaes o regulamento fixou como praso maximo um armo, quando no artigo 8.º da lei tal praso não foi fixado, havendo portanto evidentemente abuso da auctorisação que ao governo concedemos para reunir o codificar n'um só diploma as disposições em vigor sobre o sêllo. (Apoiados.)

Desde que só podia codificar, não tinha que estabelecer prasos. Isto é claro.

Os prasos seriam os que no momento da avença só julgassem vantajosos e convenientes para o estado. A fixação dos prasos pertence á lei, não póde ser nunca materia de um regulamento. (Muitos apoiados.)

Mas vamos adiante, que este ponto é relativamente pouco importante.

Sr. presidente, quando se discutiu aqui o artigo 13.° da proposta sobre o sêllo, a que corresponde hoje o artigo 12.° da lei, disse eu que applaudia a innovação feita n'elle de equiparar para o pagamento das multas por transgressão os empregados publicos aos particulares, porque esta disposição não só ora mais libei ai, mas simplificava muito o processo, visto que, sondo a multa variavel conforme a qualidade do transgressor, pelas leis de 21 de julho de 1893 e 4 de maio de 1896, havia sempre a apurar dois factos, a transgressão e a qualidade do transgressor, emquanto que pela alteração feita na proposta haveria um só facto a constatar, a transgressão.

Cuidava que depois d'isto, um dos poucos pontos da lei em que a opposição esteve de accordo com a maioria e com o governo, esta disposição não seria alterada ou modificada no regulamento. (Apoiados.)

Pois enganei-me; porque o sr. ministro da fazenda, abusando da auctorisação que lhe concedemos e que era limitada á codificação das disposições vigentes, introduziu no § 3.° do artigo 224.º do regulamento uma disposição que consigna que se os transgressores da lei do sêllo forem empregados publicos, lhes será imposto sempre o maximo da multa!

Ora esta disposição está em completa desharmonia com o artigo 9.° da lei e contraria tambem abertamente a intenção d'esta camara quando votou o artigo 13.° da proposta, que, como já disse, correspondia ao artigo 12.° da lei actual. (Apoiados.)

Peço, pois, ao sr. ministro que mo explique como é que consentiu que no regulamento se alterasse assim a sua propria proposta, se revogasse a lei que nós votámos no anno passado. (Apoiados.)

Ficou tambem aqui assento, por declaração expressa do ar. relator, em resposta a uma pergunta minha, quando só discutiu o artigo 19.° da proposta e ao qual corresponde hoje o artigo 18.° da lei, que os processos e quaesquer papeis que de futuro tivessem de ser apresentados nos tribunaes pagassem apenas o excesso do sêllo do papel, e nunca o do acto que provassem ou a que dissessem respeito, e n'esse sentido mandei eu uma emenda, para evitar que mais tarde houvesse duvidas sobre isso, emenda que foi acceita pela commissão e passou para a lei.

Apesar d'isso, porem, a verdade é que se está exigindo nos tribunaes a differença do sêllo, não só do papel, mas tambem do acto, o que é um abuso e representa um gravissimo prejuizo para as partes.

Um exemplo mostrará á camara a verdade da minha animação, e tanto mais que esto exemplo corresponde a um facto de que tenho conhecimento, succedido ha pouquissimos dias

Pela lei antiga uma escriptura dotal, quando o dote era de 20 contos de réis, pagava de sêllo 20:000 réis; hoje paga 80$000 réis; quando era de 80 contos de réis, pagava 80$000 réis; hoje paga 320$000 réis; e assim por diante, havendo, como a camara vê, uma grande differença entre ao antigas taxas e as actuaes.

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Pois está-se exigindo a differença do sêllo da escriptura contado em harmonia com o valor do dote, quando se juntam as escripturas dotaes aos inventarios!

Como, não sei; em que lei só fundam, ignoro; mas a verdade é que assim só procede, e que isto é um abuso e um abuso revoltante.

E por isso o que peço a este respeito ao sr. ministro da fazenda é sómente que faça publicar, quanto antes, pelo seu ministerio, uma portaria explicando o artigo 18.° da lei, de forma a que não continuem a dar-se as extorsões que á sombra d'elle, mal interpretado, se estão dando todos os dias. (Muitos apoiados.)

E é tambem preciso que s. exa. faça com que de vez acabe essa duvida que nenhum fundamento tem, mas que ainda existe, relativamente á isenção do pagamento do sêllo pelos pertences das inscripções.

Sei que sobre este assumpto foi ouvida a procuradoria geral da coroa, sei que o seu parecer foi de que, não estando comprehendidos os pertences nas verbas 262 e 272 da lei, eram isentos do sêllo, mas sei igualmente que alguns tabelliSes o exigem ainda.

Não trato agora de saber se foi por esquecimento se por que foi que na lei se não collectaram os pertences das inscripções; basta-me saber que não estão comprehendidos n'ella, para pedir ao sr. ministro da fazenda que providencie de maneira a evitar a exigencia illegal que á sombra da lei antiga, se está ainda fazendo a este respeito. (Muitos apoiados)

E visto que estou em maré de fazer pedidos farei ainda outro a s. exa.

É que revogue immediatamente os artigos 168.°, 201.° e 202.° do regulamento do sêllo.

O primeiro é inconstitucional, e até offensivo para o poder executivo e para o parlamento; (Apoiados.) os outros dois são a exaustoração da magistratura do ministerio publico. (Apoiados.)

Pois póde porventura consentir-se que continue n'esse regulamento uma disposição, como é a do artigo 168.°, que obriga o governo a ouvir sempre a direcção geral e a repartição da fiscalisação do sêllo, quando se projecte estabelecer qualquer modificação na lei actual? (Muitos apoiados.)

Então se qualquer de nós quizer apresentar um projecto de lei, alterando uma das verbas do sêllo, o novo projecto ha de ficar dependente da sancção ou do consentimento da repartição da fiscalisação do sêllo?! (Apoiados.)

E se ámanhã o sr. ministro da fazenda reconhecer que são justas as reclamações que estou fazendo e quizer attendel-as n'um decreto ou n'uma portaria, não ha de podel-o fazer sem licença da direcção geral e da repartição da fiscalisação do sêllo?! (Apoiados.) Isto póde lá ser, sr. presidente!

Os ministros ouvem quando querem e só quando querem os empregados do &eu ministerio, e o parlamento esse não os ouve nunca, em nada tem que os consultar. (Apoiados.)

E que comprehensão é essa tambem do que seja a funcção social e juridica dos magistrados do ministerio publico, junto dos tribunaes, para dar aos inspectores do sêllo, uma cohorte de onalphabetos, attnbuições exclusivamente dos delegados do procurador regio, e subordinar estes magistrados a esses insignificantes funcoionarios subalternos, (Apoiados.) como se faz nos artigos 201.° e 202.° do regulamento do sêllo?!

As disposições d'estes artigos, sr. presidente, são tSo absurdas e revellam um tão completo desconhecimento dos principios que regem toda a nossa organisação judiciaria, que por mais que eu tenha procurado outros com que comparai-os, nada encontrei de similhante, a não ser aquelle celebre decreto, a que ha pouco me referi, de 26 de abril que incumbe os escrivães privativos das execuções fiscaes de irem svndicar os proprios actos e os dos seus juizes. (Muitos apoiados.)

Vou terminar, sr. presidente, que a hora eatá muito adiantada, e termino, fazendo uma pergunta ao sr. ministro da fazenda, a que muito desejava que s. exa. respondesse.

É a seguinte:

Porque é que s. exa. isentou pela portaria de 26 de janeiro as casas de penhores da obrigação de tirar licença para poderem funccionar? (Apoiados.)

E faço esta pergunta, porque, como v. exa. de certo e a camara se lembram, quando aqui se discutiu a verba 163 do projecto do sêllo, eu demonstrei que esses estabelecimentos, apesar da estarem sujeitos ao pagamento do sêllo especial de 12$000 réis para alienados e ao de 15$000 réis por anno de licença para funccionarem, não pagavam nenhum d'esses impostos; o ficou assente que, em harmonia com o que a esse respeito tinha julgado o supremo tribunal administrativo, no accordão de 26 de junho de 1896, e decidido o ministerio do remo nas resoluções de 27 do agosto de 1892 e 1 de agosto de 1897, as oasas de penhores e as suas succursaes ficavam obrigadas ao pagamento de sêllo da licença para poderem funccionar. (Muitos apoiados.)

Sinto não ver presente o sr. relator para invocar o seu testemunho, mas invoco o de toda a camara, (Muitos apoiados.) pois tenho aqui presente o Diario das sessões do anno passado o d'elle vejo que a emenda que mandei para a mesa n'este sentido foi acceita pela commissão. (Muitos apoiados.)

Foi acceita, sr. presidente, mas foi o mesmo que nada, pois, como a camara acaba de ver, o sr. ministro da fazenda revogou por uma simples portaria a lei, isentando do sêllo de licença as casas de penhores! (Apoiados.)

Diga-me ao menos porquê. É isso o que lhe peço, e tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Ministro da Fazenda (Affonso de Espregueira): - Responde, quanto aos tribunaes das execuções fiscaes, que este assumpto tem merecido a sua attenção, mas não tem, por emquanto, opinião suficientemente fundamentada para propor qualquer reforma na legislação vigente, relativamente a estes tribunaes.

Com referencia ao decreto, ultimamente publicado, creando commissões para investigarem acêrca dos motivos que tem determinado o atrazo na cobrança das contribuições, informa a camara que esta providencia foi determinada principalmente pela necessidade de se fazer a classificação dos verdadeiros montões de documentos que existem nas recebedorias.

E, com effeito, é indispensavel fazer-se essa classificação, separando os que representam dividas incobraveis dos que respeitam a débitos que ainda podem ser cobrados.

E, alem d'isto, era preciso investigar que motivos houve para não se instaurarem em tempo os processos relativos a algumas contribuições em divida e por que não tem proseguido os processos que foram instaurados para se delimitarem as responsabilidades, procurando-se assim evitar que taes factos se repitam no futuro.

Foi para isto que as commissões foram creadas, e não lhe parece que a entrada dos escrivães privativos n'essas cornmissões possa de qualquer modo melindrar os juizes, visto que elles não intervem nos deliberações dos magistrados.

Passando depois a occupar-se dos pontos a que o sr. deputado se referiu, com respeito ao regulamento do sêllo, apresenta o orador differentes considerações, tendentes a mostrar que as disposições d'aquelle regulamento derivam das disposições da lei; mas accrescenta que da sua parte não haverá intransigencia quanto a acceitar qualquer modificação que melhore este ramo de serviço publico, por-

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que o seu desejo é que a cobrança dos impostos se faça do uma forma equitativa, recebendo a fazenda unicamente aquillo que tem direito a receber.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. João Pinto dos Santos: - Mando para a mesa um projecto de lei desannexando a povoação do Casal de Pelota, da freguezia de Louriçal do Campo, concelho e districto de Castello Branco e annexada á freguezia da Soalheira, concelho do Fundão.

Ficou para segunda leitura

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados, que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.

O sr. Mascarenhas Galvão: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Villa Nova do Portimão, em que pede que seja alterada a lei de 17 de agosto de 1899, que obriga os municipios a contribuirem de uma maneira desigual e exagerada para o fundo da assistencia nacional contra a tuberculose.

Teve o fim designado no final da sessão.

O sr. Luciano Monteiro: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Aviso previo ao exmo. ministro da fazenda, sobre a applicação do artigo 214.° (alinea b) do regulamento do imposto do sêllo no tocante a livros das conservatorias. = O deputado, Luciano Monteiro.

Mandou-se expedir.

O sr. Homem de Noronha: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Angra do Heroismo, pedindo uma medida legislativa que a dispense do pagamento dos direitos aduaneiros das machinas de desinfecção e respectivos productos chimicos que adquiriu no estrangeiro.

Teve o fim designado no final da sessão.

O sr. Santos Viegas: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o ar. ministro do reino sobre o procedimento da auctoridade administrativa e seus agentes nos actos eleitoraes do circulo n.° 12, Villa Nova de Famalicão. = O deputado, Santos Viegas.

Mandou-se expedir.

O sr. Presidente: - Recebi um officio do sr. Miguel Dantas, em que me pede que eu consulte a camara sobre se lhe concede licença para se ausentar da capital durante alguns dias. Os srs. deputados, que lhe concedem a licença pedida, tenham a bondade de se levantar.

Foi concedida auctorisação.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto do lei n.º 17, que fixa o limite de idade para a, aposentação dos magistrados judiciaes

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da justiça, que ficou com ella reservada da sessão anterior.

O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Será muito breve e conciso, porque tambem não foi longo, nem minucioso em observações, nos seus differentes pontos de vista, o bello discurso do illustre deputado a quem vae responder.

Vae recapitular o que hontem disse. Uma das observações feitas por s. exa., foi em relação á pressa e precipitação com que, no dizer do illustre deputado, este projecto lei discutido na commissão de legislação civil, apresentado e distribuido. A isto respondeu já, elle, orador, mostrando que longe de ser um defeito essa pressa, antes é uma qualidade boa; alem de que o projecto esteve affecto ao estudo d'essa commissão durante largos mezes, tendo podido por isso, ser examinado com bastante largueza de tempo.

Tambem o illustre deputado, sr. Campos Henriques, observou que ninguem pedira uma lei fixando o limite de idade para os magistrados judiciaes; mas elle, orador, mostrou que já em 1886 esse principio fôra consignado na constituição, como tambem o foi no projecto apresentado pelo sr. Veiga Beirão e approvado pela commissão parlamentar, encarregada de estudar o assumpto.

E mostrou ainda que esse principio está consignado no decreto de 1890, de que a proposta de lei, que ora se discute, não é mais do que a sua completação.

É, pois, de todo o ponto injusto dizer-se que o limite de idade não fôra ainda lembrado para a magistratura.

Respondidos estes dois pontos principaes, referir-se-ha hoje a outros tópicos do discurso do illustre deputado, começando por aquelle em que s. exa. disse que este projecto é desnecessario, porque as leis sobre aposentação de magistrados faziam com que, sendo bem estabelecidas e applicadas a rigor, os magistrados, que estivessem debilitados de espirito, ou com entorpecimento de suas faculdades, fossem expungidos da magistratura.

S. exa. não tem rasão; a lei apresentada tem caracter generico; abrange todos os magistrados; estes, chegando aos setenta e cinco annos de idade, já sabem que têem, por esse simples facto, de sair da magistratura.

As leis citadas pelo illustre deputado constituem uma excepção odiosa a este principio, e por isso mesmo eram postas de parte.

Não ha idéa de um magistrado do continente ter sido aposentado, com consulta favoravel do supremo tribunal de justiça.

É comprehende-se que assim seja, porque a magistratura constituo uma especie de sacerdocio. Não hão de ser os seus membros mais elevados que hão de excommungar do seu seio aquelles que, por uma fatalidade, ficam, por qualquer modo, paralysados para a vida activa.

Não precisa citar factos que comprovem plenamente o que acaba de dizer. De alguns magistrados impossibilitados, que, até por um largo periodo, não têem podido exercer as suas funcções, sabe elle, orador, contra os quaes, nem o supremo tribunal de justiça, nem o governo, tem procedido, por uma especie de complacencia, apesar de serem assediados com pedidos de toda a forma. Não se recorda elle, orador, de juiz algum no continente, que houvesse sido violentamente aposentado.

Como falla com sinceridade, a este projecto não tem caracter politico, convida a maioria e minoria a apresentarem as modificações que entendam, na certeza de que não inspirará, no seio da commissão, para que ellas sejam rejeitadas ou approvadas.

Ao apresentar este projecto, muitos magistrados, até mesmo do supremo tribunal de justiça, alguns dos quaes em breve serão attingidos pelo limite da idade, felicitaram calorosamente, pelo facto de ter apresentado a lei em toda a sua generalidade. Mas a verdade é que, decorridos poucos dias, muitos dos que mais calorosamente lhe tinham dado essas felicitações, começaram a dizer que no exercito havia um regimen transitorio; e que era cruel sequestrar, á vida da magistratura, magistrados que já o eram no tempo de D. Maria II e de D. Luiz; e que se o governo podesse, faria bem, tendo umas certas contemplações.

Pouco a pouco foi-se produzindo esta corrente de opinião, chegando a impressionar a elle, orador.

A similhança do que succedeu com projecto identico relativo ao exercito e á marinha, não faltou tambem quem procurasse, por todos os modos suasorios, fazer pressão para que esto lei não fosse tão radical.

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Confessa que tudo isto actuou no seu espirito, e esse conjuncto de influencias é que o levaram a acceitar a modificação hontem apresentada.

Esta lei, pois, não constituo uma affronta para ninguem, nem uma excepção odiosa.

Disse tambem o sr. Campos Henriques que nas outras nações não ha limite de idade.

Quaes são essas nações?

Não estudou, uma por uma, todas as nações, em que o principio do limite da idade está consignado; mas sabe que, pelo menos, em todos os povos da raça latina está elle comprehendido nas respectivas legislações. Assim elle existe na França, na Italia, na Belgica, na Hespanha, e até no Saxe, que não é de raça latina, mas cuja vida está tão intimamente ligada, na historia, com os povos d'essa raça e nomeadamente com a França, que se deixou influenciar por elles, não só na sua civilisação, mas até nos seus principios juridicos.

Depois de historiar como o principio de limite de idade foi proposto em França, mantendo-se, até agora, apesar da opposição que soffreu na legislação d'aquelle paiz, o orador contesta que o projecto seja prejudicial, como disse o sr. Campos Henriques, allegando que elle vae sobrecarregar o thesouro, fazendo a esse proposito um quadro afflictivo da situação do paiz e mostrando que pendem de solução 4:000 processos de aposentação, e que se gastam 1:800 contos de réis com as classes inactivas.

Para não se desviar do assumpto, não tratará elle, orador, d'esse ponto; mas, se o fizesse, poderia mostrar que as condições do thesouro são hoje differentes das que eram, quando foi levado de assalto, dictatorialmente, o projecto de limite de idade para as classes militares.

Toda a argumentação do illustre deputado, sr. Campos Henriques, baseou-se sobre o facto de s. exa. não imaginar que fosse apresentada a emenda do sr. relator.

S. exa. elevou a vinte e dois o numero de magistrados que eranr attingidos pelo limite de idade; para mostrar, porem, que esto projecto não tem o minimo intuito politico. O orador póde garantir, sob sua palavra de honra, que ignorava, com excepção apenas de quatro, quaes eram esses magistrados a quem esta lei vae ser applicada. E não admira que isto lhe succeda, porque no ministerio da justiça nada consta a respeito da idade dos magistrados; muitos d'elles nem sequer foram delegados, e, portanto, não se póde apurar a sua idade.

O projecto, pois, obedece apenas a um principio superior; e seria ridiculo imaginar que elle visava a introduzir no supremo tribunal de justiça apenas amigos politicos, visto que ha uma escala, e o ingresso ali, só póde ser dado mediante certas condições.

Combatendo o projecto dê limite de idade, applicado á magistratura, o sr. Campos Henriques defendeu ao mesmo tempo, como era natural, esse principio applicado ao exercito e á marinha, dizendo que as rasões não são as mesmas. Elle, orador, porem, é de opinião contraria. Evidentemente, não é do vigor no fogo dos musculos, da fortaleza do arcabouço, do exercicio dos orgãos, que aos nossos marinheiros e soldados é indispensavel para o manejo das armas, para as grandes marchas e para o embate contra as tempestades, não é d'isso que os magistrados carecem; mas a vida d'estes, por muito sedentaria, mais precocemente os fatiga.

Os militares vivem n'uma agitação continua, e tendo o vulto da força physica, prolongam, por assim dizer, a sua mocidade, pela vida fora; ao passo que para os magistrados, vivendo n'uma especie de isolamento, passando os lias no seu gabinete de estudo, e quasi sempre nas salas dos tribunaes, mal arejadas; passando as noites no estado ias questões, a velhice chega mais cedo. A energia desapparece, assim como a paciencia, tão indispensavel para 3 estudo das questões.

Depois de outras considerações sobre o mesmo ponto, o orador termina salientando que, com a apresentação d'esta projecto, não houve proposito de maguar ou ferir a magistratura. Se, porem, o sr. Campos Henriques entende que elle póde ferir os interesses e garantias da magistratura, fica desde já convidado a apresentar as emendas que julgar convenientes.

O projecto não obedece a nenhum sentimento partidario, e elle, orador, não faz questão alguma d'elle, tal como foi apresentado; deseja, apenas, que elle consigne os principios mais sabios e justos; e está prompto a acceitar todas as emendas que possam modificar a lei, por forma a realisar completamente o fim do projeto.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Franco Frazão: - Mando para a mesa o parecer da commissão de negocios externos sobre a proposta de lei n.° 31-A, que tem por fim approvar, para ser ratificada pelo poder executivo, o acto final da conferencia internacional da paz, de 29 de julho de 1899.

Foi a imprimir.

O sr. Visconde da Torre: - Antes de entrar na analyse do projecto, lá e manda para a mesa a seguinte

Moção

A camara, reconhecendo que o projecto em discussão augmenta, em muito, a despeza publica e prejudica a boa organisação judicial, continua na ordem do dia.

Continuando, diz ser comprehensivel o seu embaraço, ao ter de responder ao sr. ministro da justiça, desde que se compare a sua modesta palavra, com a oratoria brilhante de s. exa.

Desde o dia em que esto projecto foi, precipitadamente, distribuido a todos os membros da camara, começaram a correr, sobre elle, diversos vaticinios. Diziam uns, que elle não chegaria a ser discutido na camara, e outros, que o sr. ministro da justiça convertel-o-ia em lei. Affirmava-se, tambem, que a opinião, publica, desde o principio, se manifestou abertamente hostil a esta medida.

Triumpharam os segundos, com magua o diz; magua, por ver que se continua no caminho de loucuras; magua, por ver este luxo de esbanjamentos, estes processos politicos de expedientes; magua, pelo proprio sr. ministro da justiça, com quem mantem laços de verdadeira amisade, que as vicissitudes da politica não tem logrado quebrar, mas cujo talento desejaria ver melhormente applicado.

Foi vencida a opinião publica, não, porem, tanto, que o governo não tivesse de prestar-lhe alguma homenagem, com a emenda apresentada pelo sr. relator.

Essa emenda tem, ao menos, um grande merecimento e representa um verdadeiro pied de nez á clientela, que foi, evidentemente, quem inspirou este projecto.

A clientela, vendo-se quatro mezes presa, não logrando, n'esse espaço de tempo, projecto algum do sr. ministro da justiça; a clientela principiava a dar signaes de impaciencia. Era preciso acudir-lhe, de prompto, com um novo acepipe. Foi então que o illustre Vatel da justiça não hesitou e preparou-lhe um grande prato; porque, como estava feito, na sua forma primitiva, não era um projecto de lei, era um menu de um lauto jantar, para o qual os clientes já se davam por convidados; chegaram mesmo a abeirar-se da mesa, com olhos cupidos, a pôr o guardanapo na lapella da casaca; mas eis senão quando o sr. relator apparece e diz-lhe: "O sr. ministro da justiça, tem de adiar o jantar, pelo menos, por um anno, porque uma entidade, que v. exas. não conhecem, mas que se chama opinião publica, deitou esturro na comida." (Riso.)

O sr. ministro da justiça taxou de incoherente o sr. Campos Henriques, porque s. exa. fazia parte de um governo, que promulgou o limite de idade para o exercito.

Não discutirá se o limite de idade foi, então, opportuno

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ou não; é um oaso julgado; dirá apenas, que o sr. Campos Henriques poderia ter vetado, sem incoherencia, pelo limito de idade para o exercito e armada, e votado contra o mesmo principio applicado á magistratura. São dois casos diversos : no exercito exige-se saude, vigor, energia, garbo ; na magistratura exige-se que as faculdades intellectuaes PO mantenham integras, e essas mantêem-se quasi sempre.

É, porem, para estranhar que esta accusação de incoherencia parte do sr. ministro da justiça. Todos se lembram de ver s. exa., com energia e vigor, discutir a medida do limite de idade para o exercito, medida que s. exa. vae agora estender á magistratura.

Todos se lembram de ver s. exa. como valente jornalista, impugnar aquella medida com todo o ardor; dedicar as melhores das suas censuras, e os mais violentos dos seus sarcasmos, ao ministro que a promulgou; s. exa., porem, agora, vem acoitar-se debaixo da auctoridade dos seus adversarios, para apresentar uma medida, não identica, mas em condições muito menos defensaveis.

Há dois annos houve n'esta camara um caso interessante.

Fallava o sr. Francisco José Machado contra o limite de idade; entrava, por acaso, na sala, o sr. Pimentel Pinto, e a maioria de então cubriu de applauso as palavras de s. exa., como que querendo mostrar ao sr. Pimentel Pinto quanto lhe desagradava a medida que se discutia. E agora?! Como Deus escreve direito por linhas tortas! Nas linhas mais tortas do projecto escreveu Deus o castigo dos que tanto malsinaram a obra do sr. Pimentel Pinto.

Passando a tratar largamente do assumpto, o orador diz que, sejam quaes forem as circumstancias do thesouro, votara sempre contra o projecto, porque o considera injusto, absurdo e iniquo.

O magistrado não se revoltará contra elle, por estar habituado a viver com a lei, mas pelo seu coração deve perpassar uma onda de indisivel tristeza e profundo desengano, ao ver como o paiz lhe paga os seus longos serviços.

Em nome, porem, de que principio, ou de conveniencia publica se faz isto? Não o demonstra o sr. ministro da justiça, nem o relatorio, nem ninguem.

A maior parte do discurso de s. exa. baseou-se em citar exemplos de outros paizes, para defender o limite de idade; mas, em primeiro logar, nem todos o adoptaram; em negundo logar, a organisação judiciaria, não é a mesma em toda a parte; e em terceiro logar, em que condições foi essa medida estabelecida, nos paizes que a adoptaram? Que significa, porem, esse argumento do que ha lá fora? Ha de achar-se bom tudo quanto de lá vem? Pois então, ha quanto tempo foi a pena de morte, expungida da nossa legislação, e ha quanto tempo tem ella subsistido em outros paizes? Não ha absolutamente leis cosmopolistas. E um grave erro, querer-se applicar a legislação d'um povo a outro.

Portanto, o orador não vem perguntar o que se faz lá fora, mas sim: que necessidade determinou esta lei? Para o cano de impossibilidade de serviço, antes da idade, a que o sr. ministro da justiça se referiu, não era necessaria esta lei; para isso tinha s. exa. a lei de 26 de junho de 1855, que prevê todos esses casos, e que é muito mais completa, por não ter um caracter generico.

O limite de idade, na magistratura, a ser admissivel, só por escala, como se faz ao exercito.

Discutindo ainda este ponto, o orador nota que o paiz atravessa um momento difficil. As experiencias do sr. ministro da fazenda duraram positivamente o espaço de uma manhã.

A crise vinicola é verdadeiramente assustadora. Ignora se o governo já pensou n'isso; mas no dia em que o proprietario amanhecer pobre; no dia em que a crise vinicola explodir, todas as classes sociaes sofrerão, e a sociedade portugueza sofrerá um violento abalo.

A saude publica é tambem um problema que a todos preoccupa. A tuberculose semeia victimas a granel.

Em logar, pois, de esbanjar, applique-se esse dinheiro á solução d'estes dois problemas, que são capitães.

As nossas estradas arruinam-se; desvalorisa-se o valioso capital n'ellas empregado; applique-se essa verba esbanjada a outro fim, e será melhor.

É, porem, n'este momento, quando estamos a dois dias de pagar a indemnisação de Berne; quando ainda não se pagou a indemnisação á companhia das aguas e á da Beira; quando ainda está suspenso o pagamento das amortisações com o banco de Portugal; quando ha longos annos partem todos os dias emissarios em busca de convenios; quando aquelle que a ironia popular já denominou "o pombo correio" ainda não trouxe, com um ramo de oliveira a esperança de melhores dias; quando tudo isto succede, é que o governo se lembra de apresentar um projecto d'estes!

Quando o sr. ministro da fazenda apresenta as suas propostas de fazenda, tão vexatorias, tão iniquas, que a unica forma que o governo tem para se manter no poder, depois da apresentação d'ellas, é fazer constar que não serão votadas; quando o regulamento do sêllo e a contribuição predial caem sobre o contribuinte; é n'esse momento que se apresenta um projecto d'esta ordem! Que quer isto dizer?

E o baile do negociante arruinado, prestes a fallir, que quer, assim, illudir os seus credores?

Se o é, embora o expediente não seja dos melhores, se com isso se conseguir hypnotisar os comités e entorpecer a furia dos credores estrangeiros, n'esse caso, vote-se o projecto.

Tal, porem, não se consegue. A Europa, por demaie conhece a nossa situação financeira; todos os dias a descreve a pena implacavel de Le-Roy Beaulieu. Não é, pois, tudo isto o baile do fallido, mas sim um cancan dansado á beira do leito do moribundo.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Rodrigues Nogueira: - Mando para mesa um parecer da commissão do ultramar, sobre a renovação de iniciativa n.º 16-D, que auctorisa o governo a contar para os effeitos da reforma, a antiguidade do posto de tenente, desde 28 de dezembro de 1876, ao capitão do exercito da Africa oriental, Francisco José Diniz.

Foi a imprimir.

O sr. Visconde de Guilhomil: - Sr. presidente, s" assim, só por um indeclinavel dever, eu me atreveria a tomar a palavra n'esta casa do parlamento. Reconheço sinceramente que me faltam todos os predicados e dotes oratorios e parlamentares, e por isso permitta-se-me que com toda a lealdade confesse a v. exa. e á camara que, quando acceitei a honrosa misssão de relatar este projecto de lei estava convencido de que aquelle lado da camara o não discutiria.

Julgava eu que logicamente não poderia ser outro procedimento do partido que, quando governo, publicou p decreto de 23 de março de 1890, cujas disposições o projecto em discussão apenas vem completar. (Apoiados.)

Não succedeu, porem, assim, e pelo contrario vejo que os oradores mais distinctos d'aquelle lado da camara levantam vehementes e apaixonadas censuras contra o projecto do limite de idade para a magistratura.

A lógica sofre, é indiscutivel, mas em compensação rhetorica e a eloquencia brilham em todo o seu esplendor como ainda agora nos acaba de provar o distincto orado a quem me cabe a honra de responder.

Sr. presidente, sem a menor pretensão a fazer um discurso, mas apenas com o intuito de defender este projecto que se me afigura da maior necessidade o justiça, eu pose

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immediatamente a responder, uma par uma, a todas as considerações que acaba de fazer o meu illustre amigo sr., visconde da Torre. (Apoiados.)

S. exa. começou por declarar que o presente projecto se poderia chamar - de clientella - por isso que com elle apenas se tinha em vista a nomeação de novos juizes e delegados, e comparando-o ao menu de um jantar preparado para servir aos amigos do nobre ministro, affirmou que a emenda por mim apresentada fôra como que o esturro que viera estragar os acepipes. Ao ouvir esta primeira parte do discurso de s. exa., deveras litterario e talvez gracioso, lembrara-me eu, sr. presidente, de dizer ao illustre deputado, aproveitando a sua comparação, que s. exa. é que parecia ter preparado o menu do seu... discurso com a antecipação que sempre requerem os bons pratos, e esquecendo as declarações do illustre ministro nos havia servido este talvez um pouco... requentado. (Apoiados.) Esqueceu s. exa. a declaração cabal que no seu discurso fez o nobre ministro da justiça, de que este projecto de lei era uma questão franca e aberta, e que todas as emendas que fossem apresentadas e a commissão de legislação civil julgasse aproveitaveis não seriam por s. exa. contrariadas? (Apoiados.)

Esqueceu s. exa. que o illustre ministro da justiça disse no seu discurso, com a maior isenção e lealdade, que o seu desejo era apenas de que o projecto se transformasse na lei mais justa e mais completa que possivel fosse? (Apoiados.)

E demais, sr. presidente, a emenda que eu tive a honra de mandar para a mesa na sessão passada foi apresentada como n'essa ocoasião declarei, em nome da commissão e de accordo com o governo. (Apoiados.) Em faca d'estes factos, sr. presidente, parece-me que todas as observações feitas pelo sr. visconde da Torre, sobre as nomeações e clientella, que segundo a sua opinião esta lei tinha em vista, foram pelo menos descabidas e extemporaneas.

Em seguida passou o distincto deputado a notar a differença que existe entre a carreira militar e a da magistratura, para d'ahi concluir a conveniencia do limite da idade para a primeira, e a sua inconveniencia para a segunda.

Eu não discuto o limite da idade no exercito, nem a elle quero recorrer como precedente, apesar de ter sido estabelecido pelo partido regenerador, que agora combate o projecto em discussão. Encaro a questão fundamentalmente, sem querer entrar em retaliações sobre o que os outros fizeram. (Apoiados.)

Sustento que é necessario e da maior utilidade, para a administração de justiça e bom nome da magistratura, a applicação do principio do limite de idade ao poder judicial. (Apoiados.) É indiscutivel que, em geral, o periodo de definhamento intellectual começa em idade que não fixarei, mas que de certo não será muito distante da marcada n'este projecto. Os longos trabalhos, aturados estudos, desgostos e soffrimentos que todos têem como condição inseparavel da vida, o natural enfraquecimento physico que a idade produz nos organismos, ainda os mais robustos, são factores constantes e inilludiveis do entorpecimento das faculdades intellectuaes. (Apoiados.)

Dizia, porem, o sr. visconde da Torre que era cruel dizer a um velho, a um magistrado que por largos annos serviu o seu paiz: "saia, abandone a sua carreira, porque o senhor é um inutil." Mas, sr. presidente, isto não é verdade, não è crueldade, nem falta de consideração para com a velhice; esta respeita-se pelo seu passado, pelo exacto cumprimento dos seus deveres, pelos serviços e trabalhos com que concorreu para o interesse geral. Admira-se pelo que foi, e continua-se, perpetua-se pelos exemplos que transmitte aos que têem de lhe succeder. O facto que constato é apenas e simplesmente a formula da vida. (Apoiados.)

No incessante trabalho das sociedades os individuos desapparecem sem quebrar a continuidade da sua marcha de progresso. Não me parece que haja crueldade na applicação d'este principio desde que é estabelecido por uma lei geral, e portanto a sua execução independente da má vontade ou favor do poder executivo. Desde que os magistrados antecipadamente sabem que aos setenta e cinco annos serão aposentados, e que isso succederá fatalmente a todos que se encontrarem a essas condições, julgo poder asseverar que a igualdade da applicação da lei os ferirá menos do que a aposentação forçada n'um ou n'outro caso individual. (Apoiados.)

Eu sei, sr. presidente, que alguns publicistas notaveis se insurgem contra o limite de idade para a magistratura, embora o acceitem para todas as outras classes, de funccionarios. Assim é que Dubarlle, antigo magistrado, no seu admiravel commentario da organisação judiciaria allemã, chama a tal principio injusto e cego, e que para attingir os doentes e incapazes castiga a velhice experimentada, e sabedora, força e luz da justiça...

Eu quero, sr. presidente, citar e referir-me áquelles que são contra, e d'estes aos mais importantes, porque estando a discutir com a maior sinceridade quero convencer com argumentos, o não com rhetorica, que aliás não possuo. Fere logo á primeira vista a contradicção de ser bom para todos os funccionarios o limite de idade, e tão censuravel, tão revoltante, quando applicado á magistratura. (Apoiados.)

E sabe v. exa., sr. presidente, porque é que estes publicistas assim o julgam? E
porque para Dubarlle e outros como Jeanvrot, Martin Sarzeaud, etc., o limite de idade vae, segundo pensam, ferir o privilegio da inamovibilidade da magistratura. Não é, pois, por acharem mau o principio em si, é porque, respeitadores em excesso da inamovibilidade, a imaginam atacada com tal lei, e tanto isto é assim que o proprio Dubarlle não censura n'esse mesmo notavel livro o limite de idade applicado na Allemanha ao ministerio publico e a todos os outros funccionarios do estado aos sessenta e cinco e* setenta annos. Julgo, portanto, poder affirmar que os proprios que censuram o limite de idade para a magistratura, estão de accordo em que, mesmo antes dos setenta e cinco annos, se deve presumir que os funccionarios publicos já não estão em estado de poderem continuar prestando bons serviços. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, eu nenhumas attribuições conheço de maior importancia e responsabilidade e que necessitem de maior attenção e trabalho do que as da magistratura. (Apoiados.) Das suas decisões depende a fortuna e muitas vezes a honra de uma familia, (Apoiados.) e por isso direi, sr. presidente, que se o limite de idade devesse attingir aos setenta e cinco annos um simples funccionario civil, conviria com mais rasão applical-o antes aos magistrados. (Apoiados.)

Estou convencido de que este projecto em nada vem ferir a inamovibilidade dos juizes, pois d'outra forma não o defenderia eu, que tenho a honra de pertencer a essa nobre classe, e que á minha profissão dedico um verdadeiro culto. Esta opinião não é, porem, só minha e em seu abono citarei os dois factos seguintes.

Apesar do artigo 8.° do codigo da organisação judiciaria allemã de 27 de janeiro de 1877 dizer que os juizes não podem ser deslocados, ou aposentados contra sua vontade, senão pelos motivos e formas fixados na lei, a commissão de justiça, incumbida da ultima redacção d'este codigo, constatou na sua sessão de 16 de maio de 1876, como interpretação authentica, que este artigo não obstava nem implicava com o limite de idade estabelecido em Saxe e Alsacia, nem com a deslocação forçada de um juiz por motivo da alliança contrahida com outro juiz do mesmo tribunal.

Fernand Thyry, distincto professor de direito na uni-

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versidade de Liege, diz no seu curso de organisaçã belga a que, embora os juizes sejam nomeados vitaliciamente, como prescreve o artigo 100.° da respectiva constituição, a aposentação forçada pelo limite de idade, nos termos da lei de 25 de julho de 1867, não contraria aquelle principio." (Apoiados.)

Desde que o limite de idade é estabelecido por uma lei geral o principio da inamovibilidade fica o mesmo, e não póde ser ferido a arbitrio do governo. (Apoiados.)

O illustre parlamentar a quem estou respondendo disse em seguida que o limite de idade não existe em todos os paizes, e que parecia andarmos sempre a copiar figurinos estrangeiros.

Devo dizer a s. exa. que nós não copiámos, aperfeiçoámos, melhorámos as disposições das legislações estrangeiras sobre este assumpto, como logo mostrarei. (Apoiados.)

E verdade que o limite de idade não existe em todos os paizes mas está estabelecido na Franca, Belgica, Italia, Hespauha, Saxe e Alsacia.

E lei nas nações da raça latina e em algumas que com estas tiveram mais relações, e afinidades, e d'este facto a unica conclusão a tirar é favoravel á sua adopção entre nós, visto não nos servirem para termo de comparação os povos de outras raças, de costumes e principios tão differentes, senão diametralmente oppostos aos nossos. (Apoiados.)

Em França foi o limite de idade para a magistratura implantado pelo decreto de 1 de março de 1852, aos setenta o cinco annos para os membros da cour de cassation e aos setenta annos para os das couro d'appel, e primeira instancia.

Foi então muito discutido, mais por motivos politicos, por ser uma das medidas tomadas em seguida ao golpe de estado de 1851, do que pela sua doutrina que ficou, e até hoje nenhum governo alterou apesar das variadas mutações politicas que n'aquelle paiz se têem dado. (Apoiados.)

É digno de ler-se o notavel relatorio com que Abbatuci então guarda dos sêllos precede e justifica aquelle decreto. Realmente esta medida tomada conjunctamente com a da prestação do novo juramento estabelecido por decreto de 8 de março de 1852 produziu um grande numero de demissões, e como que uma nova epuration na magistratura, e d'ahi as phrases indignadas e as censuras contra o limite de idade.

Mas que importa á minha argumentação que realmente houvessem considerações de interesse politico que motivassem então a opportunidade de tal medida, se o principio era justo e por isso triumphou? (Apoiados.)

É bem possivel que a renovação do pessoal de 1830 e as promessas de 1801 levassem o principe-presidente á immediata publicação d'este decreto, mas isso nada influe no argumento que me fornece o facto d'elle ter sido respeitado, conservado e applicado por todos os governos posteriores ao imperio de 1870. (Apoiados.)

Notarei de passagem sr. presidente, que n'esta occasião se dava em França com as aposentações reguladas pela lei de 16 de junho de 1824 pouco mais ou menos, o que presentemente succede entre nós com o decreto de 29 de março de 1890: ninguem era aposentado contra sua vontade. Hoje já as indignações passaram, e varios publicistas como Boneton e Malepeire acham o decreto de 1852 justo e de louvaveis intuitos.

Na Belgica, sr. presidente, por varias vezes se intentou introduzir o limite de idade para a magistratura, mas se depois de muito estudado e discutido se levou a effeito pela lei do 25 de julho de 1867 ainda hoje em vigor.

O limite é fixado em setenta annos para os tribunaes setenta e dois para as relações e setenta e cinco para o supremo tribunal.

A este respeito apesar do ser contrario ao limite de idade, diz: Emile Fleurens no seu livro organisação judiciaria da Belgica que a opinião publica estava cansada dos abusos que resultavam da conservação nos seus logares de magistrados incapazes de administrarem justiça. (Apoiados.)

Em Italia o limite estabelecido pelo artigo 202.° da sua organisação judiciaria é do setenta e cinco annos para todos os juizes, de qualquer grau que sejam.

Commentando esta disposição diz Ludovico Mortara, professor na universidade de Piza, no seu brilhante trabalho publicado em 1890, Instituição de organisação judiciaria Italiana, a que esta medida teve por fim assegurar com eficacia maior actividade e vigor de intelligencia nos magistrados; que se póde discutir sobre a utilidade absoluta d'esta regra, cuja applicação póde em alguns casos privar antes do tempo o corpo judiciario de elementos preciosos, e ainda validos, mas que não se póde desconhecer em regra a sua utilidade relativa, sendo um phenomeno natural que o declinar da força physica por idade avançada seja acompanhado pelo enfraquecimento da actividade intellectual". (Apoiados.)

Na Hospanha a lei organica do poder judicial de 15 de setembro de 1870 fixa no artigo 239.° o limite de idade aos sessenta e cinco annos para os juizes de instrucção, e aos setenta para os juizes do partido, e magistrados, e pela real ordem de 12 de março de 1875 foi tambem marcado em sessenta e cinco annos o limite para os juizes de 1.ª instancia.

No Saxe é aos sessenta e cinco annos e na Alsaoia aos setenta annos.

Na Austria foi fixado aos setenta annos, e discutido e approvado na camara dos deputados em 1873, não chegando porém a passar na camara dos senhores.

Não falta pois ao principio consignado no projecto em discussão a pratica, e sua adopção nas legislações dos paizes com que maiores afinidades e similhança temos. (Apoiados.)

Não existe por exemplo na Allemanha e Inglaterra, mas é tão completa a diferença na estructura, funccionamento e disciplina do poder judicial, e sobretudo tão favoraveis, e vantajosas as aposentações que o tornam desnecessario.

Na Allemanha o magistrado reputado incapaz é advertido pelo presidente do tribunal para pedir a sua aposentação, e dos motivos que a isso o determinam, ou o magistrado a pede voluntariamente dentro de seis semanas, ou se sujeita a um julgamento, que n'uns estados é da competencia do tribunal superior, e n'outros dos conselhos disciplinares, julgamento que é porém immediato, só com a demora indispensavel á verificação dos factos apontados. É rarissimo porem, sr. presidente, haver um d'esses julgamentos, porque os magistrados obedecem logo á indicação do presidente. (Apoiados.)

Na Allemanha as pensões, confessa Dubarlle, são elevadas, e essa elevação facilita as aposentações voluntarias dos magistrados velhos ou doentes; o direito á pensão adquire-se desde o primeiro dia da nomeação, e depois de dez annos de serviço nenhuma condição de idade ou exercicio é precisa, e note-se que só na Baviera e que os funccionarios concorrem para um fundo de aposentação, porquanto no resto da Allemanha tal encargo pesa exclusivamente sobre o estado. Na Inglaterra não ha tambem limito de idade, mas para que estabelecel-o, diz o conde de Franqueville no sou admiravel livro-Systtma judiciario da Gran-Bretanha, se na historia do seculo XIX não ha um caso unico de demissão de um magistrado, ou sequer da accusação por um facto contra a honra e o dever, e em que todos os juizes doentes ou incapazes de exercerem utilmente as suas funcções se retiram espontaneamente. (Apoiados.)

Na Inglaterra a magistratura é rodeada de taes garantias e condições de vida que a sua independencia é completa, e os ordenados e as pensões são tão importantes,

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que os magistrados, cujo trabalho é enormemente aturado e fatigante, espontaneamente se aposentam. (Apoiados.) Permitta-me v. exa., sr. presidente, que só por curiosidade eu diga á camara como os juizes são pagos em Inglaterra. O lord-chanceller ganha 50 contos de réis por anno, os juizes lords 30 coutos de réis, juizes 25 contos de réis, com abonos de 40$000 réis por dia quando se deslocam para os julgamentos crimes, e finalmente no fim quinze annos de serviço têem uma aposentação de 40 contos de réis.

É por isto sr. presidente que eu affirmei que os argumentos tirados da comparação com paizes de tão differente raça e costumes, e com legislações tão especiaes, de nada servem nem provam. (Apoiados.) Eu disse, sr. presidente, que as disposições d'este projecto eram mais completas e aperfeiçoadas do que as congeneres da legislação dos outros paizes, e que por isso erradamente affimara o distincto deputado que apenas mais uma vez se copiara o figurino estrangeiro.

No projecto em discussão convem notar dois factos que incontestavelmente lhe dão uma grande superioridade sobre as leis do limite de idade que ha pouco tive a honra de expor á camara, e são os seguintes: 1.°, o ser um limite unico o estabelecido, aos setenta e cinco annos para todos os juizes de qualquer categona que sejam; e 2.°, não ficar dependente da vontade do poder executivo a sua applicação, como succede em Hespanha. (Apoiados.)

O sr. visconde da Torre levou tão longe a sua má vontade contra o projecto que disse ser esto quasi um insulto feito á nobre classe da magistratura. Se assim fosse, sr. presidente, não estaria eu aqui a defendel-o, porque, embora dos mais humildes membros d'essa classe, tenho pelo seu bom nome e pelos seus direitos o mais decidido affecto, e a maior consideração. (Apoiados.)

Mas como poder sequer de leve imaginar-se que este projecto é um insulto para a magistratura quando o principio do limite de idade se encontra para estes funccionarios consignado já no artigo 9.° do decreto de 17 de julho de 1886, e no artigo 13.° do decreto de 29 de março de 1890? Como suspeitar-se tal, se as disposições d'este projecto foram trazidas já a esta camara na notavel proposta de reorganisação judiciaria apresentada em 1887 pelo distincto estadista, então ministro da justiça, sr. conselheiro Beirão ? E finalmente como póde o distincto deputado sus tentar essa aifirmação se notar que da commissão de legislação civil d'esta camara em 1888, a qual deu parecer favoravel á proposta do sr. conselheiro Beirão, faziam parte juizes tão distinctos como Correia Leal, Mattoso, Eduardo José Coelho, Medeiros, Eça e Azevedo, Andrade e v. exa., sr. presidente, que tão dignamente honra a classe judicial? (Apoiados.) Se magistrados tão dignos, e tão amantes da sua carreira, não viram n'essa proposta um aggravo, permitta-me o sr. visconde da Torre que eu continue seguindo a opinião d'aquelles meus distinctos collegas, e attribna as palavras do s. exa. apenas aos seus desejos do atacar o projecto. (Apoiados.) Disse o distincto parlamentar que para se- ser um bom juiz era preciso ter profundos conhecimentos, e grande experiencia de julgar, e que o limite de idade vinha afastar da effectividade do serviço individuos, nos quaes essas qualidades predominavam.

Mas, sr. presidente, pergunto eu ao nobre deputado se as vagas abertas em virtude da applicação do limitte de idade não são preenchidas por juizes igualmente conhecedores e experimentados? Essas vagas vem a dar-se quasi todas no supremo tribunal, e portanto a este ascendem juizes da relação, com os requisitos que s. exa. indicou como necessarios, e de certo mais aptos para o estudo e mais energicos para o trabalho, visto serem mais novos. (Apoiados.) Voltou o sr. visconde da Torre a repetir o argumento já exposto pelo sr. conselheiro Campos Henriques, parlamentar e magistrado distinctissimo e a quem muito folgo prestar a homenagem da minha mais profunda consideração, de que havendo leis de aposentações para os juizes doentes ou incapazes, se tornava desnecessario o limite de idade. V. exa. sabe, sr. presidente, que é um principio incontroverso que se não póde ser juiz e parte ao mesmo tempo; pois, apesar d'isso, a verdade é que actualmente os magistrados estão sendo os unicos juizes da opportunidade de abandonarem o serviço effectivo. A aposentação contra vontade do magistrado é cousa irrealisavel. Pelo decreto de 29 de março de 1890, não podem os juizes ser aposentados sem consulta affirmativa do supremo tribunal, senão no caso do limite de idade, e quando o supremo tribunal constatar que o juiz não exerce as suas funcções ha tres annos consecutivos por motivo de molestia, e alem d'isso em inspecção medica se averiguar que essa doença é incuravel e produz impossibilidade permanente para o exercicio do cargo.

Eu não quero criticar taes consultas, nem sobre ellaa emittir a minha opinião pessoal, mas como em França, pela lei de 16 de julho de 1824 sobre aposentações, se davam as mesmas difficuldades, permitta-me v. exa. que eu cite as palavras de um distincto magistrado francez sobre este assumpto. Dizia elle que a natural benevolencia de membros da mesma classe uns para com os outros, a crueldade que havia em dizer-se a um individuo que elle estava irremediavelmente perdido, e as mil sollicitações e interesses que um simples caso especial suscita, tudo isso tornam improficuas, senão injustas, as decisões de taes conselhos. (Apoiados.) Eu poderia lembrar, sem a mais leve idéa de censura, casos por todos conhecidos em abono do que estou dizendo, recordar surdos que não podiam ouvir uma unica palavra nas conferencias a que a lei os mandava assistir, a quem era restituido este sentido, outros a quem era dada a rasão que infelizmente haviam perdido, mas isso pareceria a corte dos milagres, e eu estando a tratar de um assumpto tão pratico e positivo, não quero invadir a esphera do sobrenatural. (Riso.) Mas, sr. presidente, se outro defeito não tivessem estas consultas, bastava a difficuldade que entre nós ha sempre em cumprir a tempo e horas qualquer cousa que vá ferir um amigo, um conhecido. (Apoiados.) Nós somos assim, pela proverbial brandura dos nossos costumes vamos sempre adiando qualquer acto de energia, e se o chegámos a realisar, é quasi sempre tarde; não havendo, porem, como dizia um notavel estadista, outros portuguezes, é com estes que temos de governar. (Apoiados.)

Com o limite de idade porem não se dá isso, porque sendo applicado por uma lei geral não póde haver condescendencias, nem demoras.

Assim succedeu ao decreto de 1852 em França, o qual, apesar dos intuitos politicos que lhe foram attribuidos, foi sempre cumprido sem uma unica excepção, apesar de facilmente poder ser sophismado não se nomeando logo substituto para o magistrado attingido pelo limite de idade, por isso que este não podia abandonar as funcções antes da chegada do seu successor.

Sr. presidente, o argumento produzido pelo illustre deputado de que ha velhos que conservam ainda grande robustez physica e intellectual, e as referencias que para prova d'isso fez á nobre minha de uma poderosa naçUo, a Moltke, Bismarck, e ao virtuoso e grande Pontifice Leão XIII, são factos que não nego, nem ninguem se atreverá a negar.

Mas a excepção que esses organismos privilegiados nos apresentam em nada prejudica o principio geral em contrario, e notarei que na maioria dos casos quando vemos um individuo n'essas circumstancias, aquelles que o conheceram na força da vida, nos dizem sempre uma phrase que de certo toda a camara tem ouvido muitas vezes.

Oh! se você o tivesse conhecido no seu, tempo. (Apoiados.)

Eu tenho para mim que a maior parte das vezes a

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nossa opinião sobre o brilhantismo d'essas inteligencias é-nos mais sugestionada pela recordação do que essas pessoas foram, do que realmente se conservam. (Apoiados.)

O sr. visconde da Torre não poupou tambem a emenda que ou mando para a mesa como relator d'este projecto de lei.

Contra ella voltou as suas censuras, lembrando até a sua substituição por outra em que o limite de idade fosse applicado por escala.

Permitta-me o meu presado amigo que eu como compensação das snus criticas recorde que, quando na sessão de hontem tive a honra de ler essa emenda, mereceu ella um caloroso apoiado do illustre leader d'esse lado da camara, o sr. conselheiro João Franco, (Apoiados.) approvação que sinceramente confesso a v. exa. me foi muito agradavel ouvir.

Eu, sr. presidente, sou o primeiro a dizer que realmente seria muito para desejar que o projecto ficasse tal qual foi apresentado á camara, mas a commissão de accordo com o governo não teve duvida em estabelecer uma disposição transitoria que facilitasse a sua execução, e, sem alterar o principio fundamental da proposta attendesse dentro do possivel interesses legalmente creados.

N'isso deu o governo mais uma prova de acertada transigencia, virtude politica que se não póde confundir com a falta do energia, assim como esta não se deve approximar da teimosia. (Apoiados.)

O sr. visconde da Torre não nos explicou o que fosse a applicação do limite de idade por escala, julgo, porem, que será o seguinte, já lembrado e discutido na respectiva commissão

O limito do idade seria applicado por exemplo no primeiro anno aos que tivessem oitenta annos, no segundo aos de setenta e nove annos, e assim por diante até ficar em plena execução d'aqui a cinco annos.

A injustiça, porem, que s. exa. nota na emenda apresentada dava-se egualmente na sua, com a aggravante de se reputir durante cinco annos ou os que se convencionasse.

Um unico dia do differença de idade podia corresponder da mesma forma a mais ou menos um anno de exercicio, e s. exa. sabe que o principio que presidiu á emenda por mim apresentada foi o de respeitar os direitos, ou antes e talvez melhor os factos consummados, e isso trazia como consequencia o ter de se estabelecer uma escala a principiar em noventa annos, pois tal, é creio eu, a idade de alguns a que tinha de ser applicada.

Já tambem vi alvitrado o suspender a execução da lei por cinco annos, com a rasão, dizia-se, de ir habituando os juizes á ideia da sua aposentação forcada.

Tal ideia era, porem, prejudicialissima ao thesouro, por isso que se aglomerava onormemente o numero das aposentações, o produziria de uma vez só e ao mesmo tempo a renovação total dos tribunaes superiores, sobretudo do supremo tribunal, o que não me parece fosse vantajoso. (Apoiados.)

As disposições transitorias nunca são absolutamente justas, é mesmo da sua natureza não o serem.

Formulas adequadas a ligarem dois regimens differentes, o que existia e o que se pretende estabelecer, são como que uma ponte entre margens distantes.

O talento do constructor está em fazel-a o menos áspera possivel.

Se não fosse a consideração digna da maior attenção de não augmentar as despegas publicas, facil era, concedendo vantagens nas aposentações aos attingidos, ou a attingir brevemente pelo limite de idade, não fazer violencia a ninguem.

Assim succedeu, por exemplo, na Belgica aonde pelos artigos 11.° e 12.° da lei de 25 de julho de 1867 se concedeu um supprimento de quatro annos de serviço aos magistrados aposentados por aquella lei e que não tivessem

o numero de annos de serviço necessario para lhes competir o maximo da pensão.

A emenda que apresentei veiu tambem attenuar de uma forma importantissima a despeza que n'estes primeiros annos acarretaria a execução d'este projecto, despeza que, é certo, na sua maior parte não affeotaria o thesouro, visto a caixa das aposentações estar em situação de annualmente ter augmentado o seu fundo, comprando avultado numero de inscripções. Mais uma vez declaro a v. exa. que os desejos do governo e os da commissão sobre este projecto são de que elle não seja tratado como questão de caracter politico, concorrendo todos com a sua boa vontade e trabalho para o seu aperfeiçoamento. (Apoiados.)

N'estes termos foi que o nobre ministro e meu querido amigo o collocou, que a commissão o estudou, e que espero a camara o tratará. (Apoiados.)

Eu estou convencido de que é um grande serviço prestado ao bom nome e prestigio da magistratura o não deixar á consciencia individual o julgamento da opportunidade de abandonar o serviço effectivo, decisão que todos comprehendemos o que tem de melindrosa, e que energia e força de vontade não comporta, e alem d'isso significa um acto de justiça dando a devida recompensa do socego e tranquillidade áquelles que durante tão largos annos serviram o seu paiz n'uma das mais difficeis e espinhosas carreiras publicas. (Apoiados.)

Devo declarar que se não respondo a outras considerações do sr. visconde da Torre, não é por menos consideração para com s. exa., mas por me parecer que nada tinham com o projecto em discussão.

Tive um grande prazer em ouvir a brilhante oração que o illustre deputado pronunciou, que nem a mim nem á camara surprehendeu, por isso que devidamente todos apreciámos as altas qualidades intellectuaes de s. exa.

A mim foi-me isso, porem, deveras agradavel não só porque a s. exa. me ligam as melhores relações de amisade, mas tambem porque me é deveras grato começar a minha vida parlamentar fazendo a devida justiça a um tão distincto adversario politico.

Felicito a s. ox.a pelo seu notavel discurso, e agradecendo á camara a benévola e immerecida attenção que me prestou, sento-me convencido de que o meu discurso, não tendo, é claro, o brilho do de s. exa., póde comtudo traduzir, talvez, a sinceridade e convicção com que defendo este projecto.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado por ambos os lados da camara, e pelo sr. ministro da justiça, unico presente.)

O sr. Cabral Moncada: - Tem a triste sina de estar condemnado a fallar sempre á ultima hora; em todo o caso, não deixará de usar da palavra, começando por congratular-se com o sr. visconde de Guilhomil pela maneira brilhante como s. exa. se houve no desempenho do encargo que lhe foi commettido. E sim na sincera intenção de fazer verdadeira justiça, prestará tambem homenagem ao sr. visconde da Torre, cujo discurso o impressionou, pois que s. exa. fez ao projecto em discussão um ataque tão vehemente, tão forte, tão superiormente eloquente, como não é vulgar ouvir-se no parlamento.

Passa agora, em observancia do regimento, a ler a seguinte

Moção

A camara, considerando absolutamente iniquo e inutil todo o limite de idade relativo a magistrados judiciaes, quer nos termos do projecto inicial, quer nos termos resultantes do additamento proposto pelo illustre relator;

Considerando que o estado da fazenda publica não comporta aggravamento de despezas, antes urgentemente recommenda a mais severa e escrupulosa economia; e por ultimo:

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Deplorando que o illustre titular da pasta da justiça não empregue de preferencia o seu tempo e os seus recursos na elaboração d'aquellas medidas cuja necessidade a pratica dos tribunaes evidenceia e os progressos da sciencia do direito recommendam, continua na ordem do dia. = O deputado, Cabral Mancada.

Nota em seguida que o illustre relator não conseguiu emancipar-se da velharia parlamentar de procurar, no estrangeiro, exemplos defensivos das medidas do governo. A este respeito dirá, que antes de se começar por imitar essas manifestações sportivas da vida d'esses paizes, devia-se começar por imitar, até onde fosse possivel, as manifestações d'esses paizes e a sua maneira de proceder no que respeita ás suas condições propriamente economicas e financeiras.

Antes d'isso, porem, começar por imital-os no que são manifestações de luxo, e descurar, por completo, o que é a theoria fundamental de uma boa e regular administração, chega a ser, mais do que uma leviandade, um verdadeiro crime.

Se Portugal tivesse as suas finanças como a França, apesar da guerra de 1870, como a Belgica, a Hollanda e outros paizes, poder-se-ia discutir com um pouco de desassombro, porque não haveria receio do que poderá ser para nós o dia de ámanhã, tenebroso e sinistro, como elle se afigura, dadas as nossas circumstancias financeiras.

Depois de manifestar o seu sentimento pelo facto de não lhe terem ainda sido enviados, pelo ministerio da justiça, alguns documentos, que pediu, e que reputa essenciaes para a discussão d'este projecto, como é, por exemplo, a nota de quantos são os juizes que já hoje contam setenta e cinco annos de idade, e quantos são os que, tendo mais de setenta e setenta e cinco, estão comprehendidos no limite de idade, tendo-lhe sido respondido que no ministerio da justiça não consta a idade d'esses juizes, o orador declara-se absolutamente contrario ao limite de idade, que não sabe para que sirva, desde que na lei ha maneira de verificar a incapacidade de um juiz.

Para que estabelecer limite de idade para a magistratura judicial, para uma classe em que os cabellos brancos constituem a prova de uma longa folha de serviços?

É inconcebivel e inacceitavel. É a negação de todos os principios até hoje consignados, até no velho aphorismo que dizia: nada para julgar, como a experincia dos casos; nada para proferir bem, como a experiencia das hypotheses. Não se pôde, pois, reconhecer como legitimo e bom o limite da idade, que expulsa para fora da magistratura judicial aquelles que, realmente, constituem a sua mais brilhante e gloriosa representação.

São ainda longas as considerações que tem a fazer, e como a hora está adiantada, pede ao sr. presidente para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - Fica s. exa. com a palavra reservada.

A primeira sessão é na segunda feira á hora regulamentar, e a ordem do dia é a mesma, que estava dada e mais o projecto n.° 37.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Representações mandadas para a mesa n'esta sessão

Da camara municipal do concelho de Villa Nova de Portimão, pedindo que seja alterada a lei de 17 de agosto de 1899, na parte em que obriga os municipios a contribuir de uma maneira tão exagerada e desigual para o fundo da assistencia nacional contra a tuberculose, e que lhe seja arbitrada uma quota diminuta e proporcional aos rendimentos de cada um dos municipios.

Apresentada pelo sr. deputado Mascarenhas Gaivão e enviada á commissão de administração publica.

Da camara municipal de Angra do Heroismo, pedindo uma medida legislativa que a dispense do pagamento dos direitos aduaneiros das machinas de desinfecção e respectivos productos chimicos que adquiriu no estrangeiro.

Apresentada pelo sr. deputado Homem de Noronha e enviada á commissão de fazenda.

O redactor = Sá Nogueira.

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 65 DE 12 DE MAIO DE 1900 15

Discurso proferido pelo sr. deputado Visconde da Torre que devia ler-se a pag. 7 da sessão n.° 63 de 12 de maio de 1900

O sr. Visconde da Torre: - Mando para a mesa a minha moção de ordem. É a seguinte:

"A camara, reconhecendo que o projecto em discussão augmenta em muito a despeza publica e prejudica a boa organisação judicial, continua na ordem do dia."

Sr. presidente, cabe-me a honra de responder ao nobre ministro da justiça. V. exa. comprehende, de certo, o meu embaraço, tendo de defrontar a minha modesta palavra com a eloquencia privilegiada de s. exa.

Desde o dia em que este projecto de limite de idade precipitadamente foi distribuido aos deputados, começaram a formar-se em devedor d'elle diversos vaticinios.

Assim, ao passo que uns diziam que não chegaria sequer a ser dicutido n'esta casa, amrmavam outros que o veriamos convertido em lei. Aquelles firmavam-se nas claras e evidentes demonstrações da opinião publica, que desde o principio se pronunciou abertamente hostil a esta medida; estes, entrincheiravam-se na reconhecida audacia do sr. ministro da justiça e na sua indomita força de vontade. Triumpharam os segundos, com magua o digo. Magua, sr. presidente, por ver que continuamos a trilhar pelo caminho da loucura, que é aqnelle para onde a Providencia precipita os que destina perder. (Apoiados.) Magua por ver este luxo de esbanjamentos, este requinte de perversão politica, tão descarnado e tão nu, que espanta; magua pelo proprio sr. ministro da justiça, com quem de ha muito mantenho laços de cordial amisade, que as vicissitudes da politica não têem logrado quebrantar e cujos reaes e incontestaveis merecimentos eu desejava ver melhormente applicados. Foi vencida a opinião publica, sr. presidente, mas felizmente não tanto que o governo se não visse forçado a prestar-lhe homenagem com a emenda que hontem aqui apresentou o sr. relator do projecto em discussão. (Apoiados.) Essa emenda, devo confessai-o, tem para mim um grande merecimento: é o de representar um verdadeiro e authentico pied de nez á clientela, (Apoiados.) que já contava amesendar-se nas vagas que esta lei ia inventar, (Apoiados.) porque, diga o sr. ministro o que disser, a verdade é que este projecto foi inspirado na clientela e só para elle feito. (Apoiados.)

O sr. Alpoim debalde se esforça em desmentir esta verdade com argumentos especiosos: mas de todo o contexto do projecto resaltam evidentes os seus intuitos.

S. exa. julgando talvez confundir a opposição, reptou o orador que se lhe seguisse a que demonstrasse como é que elle podia nomear juizes e despachar delegados, estando para apparecer o codigo administrativo. Permita-me s. exa. e permita-me a camara que eu lhe responda com uma anecdota. Quando um padre virtuoso, depois de longa oração, ia a repousar das fadigas do dia, um gracioso que estava presente, querendo pôr á prova a virtude do bom sacerdote, disse-lhe: "Ó padre! se agora a tentação na sua forma mais seductora entrasse aqui e te fitasse o que farias tu?" - "O que faria não sei, volveu o interrogado, o que devia fazer era isto: Per signum crucio, e persignando-se, voltou as costas ao importuno. (Riso.). Sr. ministro, o que v. exa. devia fazer sei-o eu; o que v. exa. faria não sei. (Riso - Apoiados.)

V. exa. não deveria, de facto, nomear novos juizes nem novos delegados, porque tinha os auditores a collocar, mas ha muito que devia ter collocado estes funccionarios e não o fez, (Apoiados.) assim como ha muito que o codigo administrativo devia estar publicado e ainda não o foi. (Apoiados.)

Por isso, sr. presidente, parece-me bem licito continuar a affirmar que o codigo administrativo demoraria a sua publicação até quando fosse preciso e o sr. ministro da justiça aproveitaria a demora, para prodigalisar á clientela o seu costumado carinho e nunca desmentido amor. (Apoiados.) Quem tudo estragou foi a opinião publica. Eu creio até que a scena se póde reconstituir assim:

A clientela estava ha cerca de quatro mezes sem presa. Não logrando durante este, para ella, largo tempo, repastar-se em qualquer reforma do ministerio da justiça, - a creação das comarcas já tinha esquecido (Apoiados.) e a digestão do notariado já estava feita! - (Apoiados.) começava a dar signaes de impaciencia e, porventura, a querer revoltar-se!

Era preciso acudir-lhe presto com um novo acepipe. A culinaria progressista é eximia e variada (Riso.) O illustre Vatel da justiça não hesitou, preparou-lhe um saboroso manjar, que aqui está indicado, porque este projecto, na sua primitiva forma, não era um projecto, era um menu, (Riso.) menu de um lauto jantar, para o qual os clientes já se davam por convidados. (Apoiados.) Elles chegaram mesmo a abeirar-se da mesa. Lusentes de guiados olhos cupidos, antegostavam o opiparo banquete. (Riso). Alguns teriam mesmo já chegado a pôr o guardanapo na lapella do casaco. (Riso.) Vae senão quando, sr. presidente, o illustre relator d'este projecto de lei apparece, e, com aquella delicadeza de maneiras, que é uma das caracteristicas mais salientes da sua simpathica individualidade, pede desculpa, mas diz que o sr. ministro tem... de adiar o jantar, pelo menos por um anno, porque uma entidade que elles, os clientes, nem sequer conhecem, a opinião publica, ... tinha esturrado a comida (Hilaridade.) Chega a gente a ter pena da clientela! (Riso.)

A serio, porem, sr. presidente, é caso para nos felicitar-mos, vendo que a opinião publica ainda não é uma palavra vã, n'este paiz. (Apoiados.)

Ella obrigou o sr. ministro da justiça a recuar, (Apoiados.) como ha de ámanhã obrigar o sr. ministro da fazenda a retirar as suas propostas, (Apoiados.) se antes d'isso os não obrigar a todos a retirarem-se das Cadeiras do poder. (Apoiados.)

O sr. ministro principiou o seu discurso por accusar de incoherencia o meu amigo o sr. Campos Henriques.

Vinha essa incoherencia, de facto, do sr. Campos Henriques ter, quando ministro, promulgado, com os seus collegas, o decreto dictatorial que estabeleceu o limite de idade para o exercito e combater agora o limite de idade para a magistratura.

Sr. presidente, eu não venho n'este momento dizer se o limite de idade para o exercito é bom, se o limite de idade para o exercito é mau, se foi opportunamente decretado, se foi inopportunamente decretado.

Constitue isso um caso julgado com que nada tenho; mas o que sei é que o sr. Campos Henriques póde coherentemente ter assignado o decreto que estabeleceu o limite de idade para o exercito o votar contra o limite de idade para a magistratura. São cousas inteiramente differentes. (Apoiados.)

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No exercito, são indispensaveis a robustez, a saude, o vigor, a energia e até o garbo imprescindivel no militar. Para bem julgar uns autos bastam o saber, a reflexão e a experiencia. (Apoiados.)

Não; o sr. conselheiro Campos Henriques não foi incoherente, mas essa accusação lançada pelo sr. ministro da juniiça espanta!

E que ella, sr. ministro, permitia que lh'o diga, chega mesmo a brigar com a reputação de habil esgrimista parlamentar, que v. exa. soube adquirir em uma longa e brilhante cabreira politica.

A tactica mais elementar devia, aconselhal-o a guardar, a tal respeito, ... de Conrad le silente prudent. Sina, a sua conveniencia era, por certo, conservar-se muito silencioso, muito quieto na sua cadeira, a ver se conseguia que a discussão prcpassasse por sobre a sua cabeça, sem que de cohorencias se fallasse aqui... (Apoiados.)

É que os factos são de ha dois dias e nós estamos a vel-os ainda, os membros do actual governo, atacarem com energia, com tenacidade, quasi com encarniçamento o limite do idade para o exercito.

E vemol-os agora ampliarem essa medida á magistratura judicial, onde ella não tem rasão de ser. (Apoiados.)

Estamos a ver o sr. ministro da justiça - valente jornalista que elle era! - dedicar as mais violentas das suas censures, os mais acerbos da seus epigrammas áquella lei e ao ministro que a promulgou. (Apoiados.) Vemol-o agora, contricto, acoitar-se á auctoridade dos seus adversarios (Apoiados.) o não produzir em sua defesa melhores argumentos que a apresentação do precedente, que tanto censurou. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, ha dois annos assistia eu d'aquella galeria, - visto que a amabilidade, repetidas vezes manifestada, do sr. presidente do conselho me não permitiu que o fizesse de dentro d'esta sala (Riso.) - a uma sessão d'esta camara que me ha de ficar, por longo tempo, gravada na memoria.

Discursava o meu amigo o sr. Francisco José Machado contra o limite de idade no exercito e a maioria apoiava as suas considerações. N'esta occasião, entra na sala o sr. Pimentel Pinto. Então a maioria redobrou de enthusiasmo, cobrindo ainda, mais de calorosos applausos as palavras do orador, como quem quer mostrar ao sr. Pimentel Pinto quanto lhe desagradam os limites de idade!...

E agora?! Ah, sr. presidente! Deus escreve direito por linhas tortas! Nas linhas mais que tortas d'este projecto escreveu Deus o castigo dos que tanto malsinaram a obra do illustre ministro, e, quem o paiz e o exercito tanto devem. (Muitos apoiados.)

Não é a primeira vez, nem é o sr. Pimentel Pinto o primeiro perante quem elles fazem emenda honorable pelos errou e desvarios da opposição. (Apoiados.)

J'en passe et des meilleurs, como se diz no Hernani. Fiquem no nosso complacente silencio esses factos, como ficaram no generoso esquecimento de quem lh'os perdoou. (Apoiados.) Vamos ao projecto...

Sr. presidente, fossam quaes fossem as nossas circunstancias financeiras, estivesse o nosso thesouro accumulado de riquezas, voltássemos, como por encanto, aos tempos de D. Diniz, a epocha de mais solida opulencia da nossa nacionalidade, ou ao periodo, financeiramente, e era minha opinião só financeiramente, feliz da administração do mar-quaz fio Pombal; retrocedêssemos á epocha brilhante das descobertas; fosso, emfim, qual fosse a situação do thesouro publico, eu rejeitaria, sem hesitar, nato projecto, (Apoiados.) porque o acho injusto, absurdo e iniquo. (Apoiados.) Iniquo, sim, pr. presidente, porque eu comprehendo que se possa dizer, sem receio, a um militar que, volvidos um certo numero de annos, o seu vigor physico ha de quebrantar-se, mas comprehendo tambem que deve ser um momento verdadeiramente terrivel aquelle em que ao magistrado judicial, que honradamente cumpriu o seu dever durante uma longa carreira sem ir ancha, se lhe repetirem estas palavras do projecto:

"A acuidade de attenção, energia de vontade, laborioso e paciente trabalho imprescindiveis em quem exerce a difficil missão de julgador, não podem conciliar-se com a fraqueza, a indecisão e o cansaço provenientes de uma avançada idade."

Isto quer dizer: Consciencia foste honrada e immaculada até hontem; criterio foste justo e claro até ha horas; rasão foste lucida até ha pouco; attenção foste persistente e tenaz até ha momentos, ... tudo isso acabou ao sopro e em virtude de uma lei fim de seculo! (Muitos apoiados.) O magistrado que tal ouvir não se revoltará porque está habituado a viver com a lei, menos se arrependerá do seu procedimento honrado, porque foi a consciencia que lh'o dictou, mas por certo que pelo seu coração ha do passar uma onda de indizivel tristeza, de amarissimo desalento ao pensar na ingratidão com que o paiz lhe paga longos e honrados serviços. (Apoiados.)

E em nome de que principio? Com que direito? Em virtude de que conveniencia publica?

Nada d'isto conseguiu demonstrar no seu discurso o sr. ministro da justiça; menos o indicam o relatorio ou o parecer da commissão.

Simplesmente o illustre ministro faz a melhor parte da sua argumentação com citações de leis estrangeiras, com exemplos de outras nações, que têem nos seus codigos o limite de idade para a magistratura judicial.

S. exa. esqueceu-se, porem, em primeiro logar, de citar os paizes onde tal disposição não existe; em segundo logar, esqueceu-se de ponderar que a organisação judicial nem em toda a parte é igual á nossa, e, sobretudo, que diversas são as circumstancias em que se acham esses paizes. (Apoiados.)

Assim, s. exa., citando a França como exemplo e a opocha em que o limito de idade foi ali estabelecido, offerece um excellente argumento contra o seu projecto. (Apoiados.)

O limite de idade e lei d'aquelle paiz desde 1 de março de 1852; mas, sr. presidente, 1852 é uma epocha revolucionaria. Mezes antes tinha sido vibrado o golpe de estado de 1851. (Apoiados.) A lei do limite de idade foi ali quasi uma lei de guerra. (Apoiados.) Napoleão acabava de assumir o supremo poder e a magistratura, principalmente os velhos juizes, eram-lhe hostis. Elle queria, elle precisava reter na sua mão o poder que o acaso o a audacia lhe tinham entregue, e defendia-se, que essa é a primeira preoccupação dos que implantam novos systemas de governo. (Apoiados.) Por isso, lançava mão de uma medida que lhe permittia despedir os inimigos e dar entrada aos parciaes, no momento em que os tribunaes tinham largos processos politicos a julgar. (Apoiados.) Era, quasi sem disfarce, uma lei politica. Mas cá, diz o sr. ministro da justiça, que esta o não é. "Todavia, o limite de idade é tão bom que ficou em Franca desde essa epocha", argumenta o sr. Alpoim. Ficou, respondo eu, porque desde então, por um conjuncto de circumstancias que seria longo relatar em França não tem sido possivel, apesar de ser muito desejado e pedido, fazer uma reforma seria na organisação da magistratura. Desde então fez-se apenas, e com muita dificuldade e depois da rejeição de muitos projectos) uma reforma mesquinha, a de 30 de agosto de 1883, combatida por Palleten, por Clemenceau, por Jules Simon e outros, e á qual Cruppi ainda o anno passado, em plena camara de deputados, chamava sim veritablo leurre" - uma verdadeira burla!

Ha em França muito quem seja contra o limite de idade na magistratura. Sabe-o bem o sr. ministro da justiça, que é muito illustrado. Quando a França conseguir fazer a sua reforma judiciaria, a valer, é possivel que elle seja expungido da legislação. Mas que importa tudo isto?! Haja o limite de idade em França, na Hespanha, na

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Belgica, na Italia, e estejam ou não contentes essas nações com o regimen que estabeleceram, que importancia tem isso para o nosso caso? (Apoiados.) Exigem as necessidades do serviço essa medida em Portugal? Comportam-n'a as circumstancias do nosso thesouro? Essa é a questão. (Apoiados.) Pois só ha de ser bom o que lá de fora vem? (Apoiados.) Mas quanto tempo ha que nós retirámos dos nossos codigos a pena de morte para os crimes communs? E, todavia, ella subsiste em muitos paizes. E é sempre com legitimo orgulho que nós confrontámos, a tal respeito, com a alheia, a nossa lê; (Apoiados.)

E que não ha leis cosmopolitas. (Apoiados.) As leis applicam-se aos povos segundo as circumstancias de cada um. (Apoiados.) Por desconhecer este principio, pecou Jeremias Bentham, o mestre, o inspirador da nossa constituição politica, que em peregrinação da Europa para a America, offerecia a povos de diversa indole e diversas tradições, a mesma legislação. (Apoiados.)

Estou-me lembrando de Xavier de Maistre. Quando a assembléa constituinte de França, n'uma legislação demasiadamente abstracta, proclamava os chamados direitos do homem, dizia elle:

"Eu tenho percorrido a Europa, conheci norueguezes, russos, inglezes, allemães, polacos, hespanhoes e tenho apreciado os differentes caracteres que distinguem entre si estes povos; mas o homem, esse ente de rasão para quem vós legislaes..., francamente, nunca o vi!"

O que pergunto não é o que se faz lá fora; o que eu devo inquerir é que necessidade determinou esta lei? Quem a pediu? Quem a solicitou? Que imperiosa urgencia aconselhou o governo a propol-a? (Apoiados.)

Foram as associações de jurisprudencia que a pediram? Foram as publicações juridicas que a aconselharam? Foi a opinião publica que a determinou?. (Apoiados.) Foram os factos? Chegou a occasião de eu tambem reptar o nobre ministro, como s. exa. me fez ha instantes.

Provoco-o a que me diga quaes são os processos, errada ou levianamente julgados, que o levavam a arrancar a vara da justiça d'essas mãos senis, a quem, aliás, por effeito de emenda, agora a torna a entregar?(Apoiados.)

A isto antecipadamente me respondeu s. exa., e respondeu honradamente, com a emenda que, com seu assentimento, foi montem apresentada. Se os factos tivessem demonstrado a necessidade d'esta lei, esses factos teriam emanado dos proprios juizes a quem a emenda aproveita. (Apoiados.) Faço ao illustre ministro a justiça de acreditar que s. exa. não consentiria que juizes emtaes condições continuassem a dispor da liberdade e da propriedade do cidadão. (Muitos apoiados.) Não, sr. presidente, esta lei não é imposta por factos passados no paiz; é aconselhada por... livros de fora. (Apoiados.)

Eu sei bem que a doença póde ferir aos setenta e cinco annos um magistrado e prival-o do goso das suas faculdades intellectuaes; mas esse facto tanto se póde dar aos setenta e cinco annos, como antes, como depois; (Apoiados.) para esse caso, como o demonstrou o sr. Campos Henriques, sem contestação grave da parte do sr. ministro, tem s. exa. a lei de 21 de julho de 1855, que diz:

"Artigo 1.° A aposentação dos juizes, qualquer que seja a sua graduação, poderá ser decretada pelo governo:

"1.º Quando por debilidade ou por entorpecimento das suas faculdades, manifestada no exercicio das suas funcções judiciaes, não poderem, sem grave transtorno da administração da justiça, continuar a exercer o orneio de julgar."

Basta isto, sr. presidente. Aqui tem v. exa. um artigo da lei de 1855 que vale mais que todo o projecto que em 1900 apresenta o sr. José Maria de Alpoim. (Apoiados.) Tem a virtude a que o sr. ministro da justiça chamou defeito, de não ter um caracter generico, poder applicar-se em qualquer idade, a qualquer magistrado que careça de ser, retirado do serviço judicial. (Apoiados.) Esta é para mim a grande vantagem d'esta lei sobre a que o sr. Alpoim propõe, pois entendo que é rematada loucura, porque um juiz póde enfermar, obrigar todos os outros a tomar um remedio amargo e... caro! (Apoiados.)

O illustre ministro da justiça allegou ainda que o processo para a aposentação indicado na lei de 1855 difficultava a sua applicação, porque tendo de ser ouvido, acêrca de cada aposentação, p supremo tribunal de justiça, este não podendo ser superior a um amor de classe, que é respeitavel, nunca dá o seu parecer a tempo de se executarem as determinações legaes. Creio ter sido assim formulado o argumento do illustre orador. Dando de barato que assim seja, porque não veiu o sr. ministro da justiça, em vez de apresentar o limite de idade, propor uma rasoavel modificação, n'esta parte, á legislação vigente?! Creio bem que ninguem lhe recusaria o seu voto, desde que ella fosse sensata e não acarretasse augmento de despeza. (Apoiados.) O processo de aposentação é complicado? Pois simplifique-se. A consulta do supremo tribunal de justiça é inconveniente? Substitua-se pela do conselho de estado ou por outra mais pratica e expedita. (Apoiados.)

Isto sim, sr. presidente, isto era util, justo e... barato. (Apoiados.) O que o governo propõe é inqualificavel. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, a verdade é que em Portugal póde ter havido erros judiciarios, e tem até havido, verdadeiros escandalos; mas, felizmente, não têem partido dos juizes de direito. Esses erros, todos o sabem, têem vindo do jury, que é uma instituição sympathica, liberal, como em theoria a não ha melhor, mas que na pratica nem sempre corresponde á excellencia da sua missão, (Apoiados.) Pois não são lá os velhos quem pecca. O limite de idade é para o jury muito mais curto. Aos sessenta annos isenta a lei o cidadão da obrigação de ser jurado. Tanto basta para os não haver de idade mais avançada.

Em que lei physiologica se funda o sr. ministro da justiça para dizer que aos setenta e cinco annos o homem tem quebrantadas as suas faculdades intellectuaes t Eu não sou medico, mas o que tenho lido a tal respeito em distinctos professores é que os velhos têem, é certo, uma grande dificuldade no estudo de assumptos differentes d'aquelles que occuparam a melhor epocha da sua vida, mas que para estes a sua intelligencia é sempre clara e lucida e a sua attenção reflectida.

E a pratica de longos annos nada valerá?

O manusear constante de processos, onde as hypotheses muitas vezes se repetem, não constituirá auxilio valioso para a funcção de julgar? Todos nós conhecemos advogados velhos, a cuja experiencia muitas vezes se vão acoitar, sem pejo, os novos, ainda os mais sabedores e intelligentes. (Apoiados.)

Na provincia, o velho advogado só por o ser, leva vantagem sobre os demais, porque para o nosso povo o typo do jurista é um velho, como o typo classico do juiz é, desde o Areópago até hoje, um ancião! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Com a propria tradição briga a obra do sr. ministro da justiça. (Apoiados.)

E não será absurdo que um individuo possa, aos setenta e cinco annos, exercer o professorado, administrar uma diocese, sobraçar mesmo uma pasta de ministro, ser até juiz do tribunal de contas ou do supremo tribunal administrativo e não possa ser magistrado judicial?!

Aos setenta e cinco annos póde um juiz entrar n'esta ou na outra camara e propor, estudar, discutir ou votar .eis, mas não póde applical-as! (Apoiados.)

Póde pertencer ao conselho d'estado e sanccionar essas mesmas leis, mas é julgado incapaz de, á face d'ellas, administrar justiça! (Apoiados.)

Ainda ha poucos dias, fazendo-se altissima justiça aos grandes merecimentos de um dos homens mais distinctos

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do paiz, o sr. almirante Baptista de Andrade, foi s. exa. investido nas altas funcçoes de conselheiro d'estado. Ninguem ignora que o illustre marinheiro tem uma idade bastante mais avançada do que a indicada na lei que se discute, como limite para a magistratura judicial. (Apoiados.)

Com que auctoridade, sr. presidente, ha de um juiz, depois dos setenta e cinco annos, continuar até a exercer o patrio poder, a administrar a sua fortuna e a fortuna dos seus, elle, a quem o estado acabou de marcar com o ferrete da interdicção! (Muitos apoiados.) Não póde ser, sr. presidente. Então sejamos lógicos, vamos até ao fim, decrete-se o limite de idade para todos, e digamos bom alio que em Portugal a vida civil e a vida politica terminam aos setenta e cinco annos! (Apoiados.)

Em Sparta sacrificavam-se as creanças defeituosas, mas havia um grande respeito pelos velhos; vamos nós, muitos seculos dopois do Lycurgo, fazer uma cousa diversa: das creanças inventemos juizes de direito e sacrifiquemos os velhos, sacrifiquemol-os, ao menos, moralmente, o que para muitos será teor do que a morte. (Apoiados.) Logar á coherencia, embora ella nos despedace o coraçãio! Logar á logica, embora contra ella se revolte a rasão de todos nós, que conhecemos velhices luminosas, como as de Gladstone, Bismark, Thiers e Moltke, que sabemos que velha, muito velha é a illustre soberana que preside aos destinos da nação mais poderosa do mundo e que, todavia, por tal modo exerço o seu enorme poder que o God save the Quen não é já hoje só o cantico de um povo forte o feliz, é mais alguma cousa, é a aspiração, quasi a prece ardente de muitos milhões de subditos. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.) Logar á logica e á coherencia, sr. presidente, embora todos saibamos que velho, velhissimo, quasi centenario é Leão XIII. A sua vida é como que o ultimo bruxolepr de uma lampada, mas lampada que de si despede luz tão viva que illumina o mundo, tão brilhante que prostra, cegando-os, os adversarios do seu poder, tão intensa que, ao seu clarão, vem, por vezes, allumiar-se aquelles mesmos que lhe não beijam, reverentes, o pé (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

É agora occnsiuo de me referir á emenda que foi apresentada na sessão de hontem pelo illustre relator do projecto, o meu amigo sr. visconde de Guilhomil. Não censurarei o pensamento que a inspirou; ao contrario, felicito-me, não só pelas rasões que já expuz no principio do meu discurso, mas ainda porque lançando os olhos pelos nossos tribunaes, vejo que ella aproveitará a magistrados distinctissimos, em favor dos quaes eu não hesitaria em votar uma lei de exeepção, porque a minha consciencia me diz que teria cumprido um dever, (Apoiados.) concorrendo para a conservação, na magistratura, de juizes tão illustres e distinctos. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, ao passo que a emenda nos trouxe isto de bom, vae ella ferir outros juizes que tambem são muito dignos e que ficam em péssimas condições, votados que sejam a emenda e o projecto.

Supponha v. exa. um juiz do setenta e tres annos. Não é agora favorecido porque os logares a que podia ascender ficam preenchidos com os mais velhos; não póde vir mais tarde a ser promovido porque a lei do limite de idade o fere d'aqui a dois annos! (Apoiados.)

É uma verdadeira iniquidade, é um absurdo, porque assim o limite fica sendo... para os novos! (Apoiados.)

Em tal caso, do mal o menos, antes se applicasse o limite de idade por escala, como no exercito. (Apoiados.) Quer isto dizer que a emenda é má? Talvez queira só dizer que não é possivel fazer de uma obra má nma cousa soffrivel, por inais concertos que lhe façam. (Apoiados.) Eu já nem quero referir-me á auctoridadc que a lei tira ás decisões d'estes juizes, a quem a emenda aproveita e que entraram na idade que uma lei do paiz vae dizer não supportar "a acuidade de attenção, energia de vontade, laborioso e paciente trabalho, indispensaveis para a difficil missão do julgador"... (Apoiados.) Rouba-se-lhes, por uma lei, a auctoridade que nunca lhes faltou pelos merecimentos, pelo saber, pela inteireza de caracter; restitue-se-lhes, pela poria da emenda, a vara da justiça, que já não póde mandar o antigo prestigio! (Apoiados.)

Sr. presidente; o paiz atravessa positivamente um momento difficil. O minuto que passa ha de ficar na historia. As esperanças fagueiras do sr. ministro da fazenda Juraram o espaço de uma manhã.

A crise vinicola é verdadeiramente assustadora e de molde a apavorar os espiritos, ainda os menos reflectidos.

Não sei se o governo já pensou n'isso a serio, se mediu bem as consequencias que essa criso ha de acarretar.

Creia v. exa. que no dia em que o proprietario acordar pobre, quando a crise vinicola, que já este anno se desenha assustadora, explodir, o que talvez não tarde, pela verdadeira febre de plantação de vinhas que vae invadindo não só o nosso paiz, mas, o que é mais grave, quasi toda a Europa; quando essa crise de abundancia nos ferir, sem termos, merce, em grande parte, da incuria do sr. ministro dos estrangeiros, mercados para onde mandar o que nos sobra, todas as classes sociaes do nosso paiz hão de soffrer um durissimo golpe e um violento abalo, (Apoiados.) ao mesmo tempo que o thesouro publico verá cerceada a sua, até hoje, melhor fonte de receita - o imposto sobre a propriedade territorial. (Apoiados.)

N'estas tristes circunstancias, que os agricultores já prevêem, tratam estes do oppor barreira ao mal que os ameaça, e reunem-se e pedem aos poderes publicos protecção e amparo.

Entre outros alvitres, apresentam o da diminuição ou abolição do imposto do consumo e do real de agua. O governo hesita, e não o censuro por isso. Eu proprio, que sou agricultor e da agricultura vivo, se tivesse as responsabilidades do poder, tambem hesitaria em tomar uma medida que por tal maneira vem cercear os rendimentos do thesouro.

Mas, sr. presidente, se o governo diminuisse esse imposto em quantia igual ao que esta esbanjamento nos vae custar dentro de alguns annos, - por certo que não teria resolvido o problema vinicola, mas teria alliviado um pouco a situação do vinicultor. (Apoiados.)

A saude publica. Eis um assumpto que está preoccupando todos os espiritos.

A tuberculose ceifa victimas a granel, como quem encontra terreno proprio para n'elle fazer larga messe. (Apoiados.)

Todos reconhecem a necessidade de obviar a tão grande mal; mais que ninguem, procura dar-lhe remedio com os prodigios da sua bondade sem limites e com o esforço da sua vontade o inteligencia inexcediveis quando se trata de soccorrer a desventura, a illustre senhora que faz da caridade a melhor joia do seu diadema de Rainha. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, se applicassemos este dinheiro, que tão loucamente vamos desbaratar, é um serviço de sanidade bem organisado ou auxiliássemos com elle os hospitaes e institutos que a caridade publica, guiada pela mão da Rainha, está erigindo, teriamos prestado um grande serviço ao paiz e á humanidade enforma. (Apoiados.)

As nossas estradas arruinam-se, desvalorisa-se, dia a dia, o capital valioso que gastâmos com ellas. Applicassemos a assaa estradas o produuto d'este e de outros esbanjamentos, em que o actual governo tem sido prodigo e faziamos bem melhor obra, (Apoiados.)

Nada d'isto quer o governo e, ao contrario, é n'este momento, a dois dias do pagamento da indemnisação de Berne, com a perspectiva de, em breve, pagarmos indemnisações ás companhias das aguas o da Beira Alta, quando temos suspenso o pagamento das amortisações ao banco de Portugal; quando todos os dias, desde alguns annos, partem emissarios

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em busca de um convenio, que felizmente se não realisará, como outr'ora partiam em busca do reino do Preste João; quando aquelle que a ironia parlamentar já denominou o pombo-correio paira sobre a certo de Londres, sem conseguir trazer para a arca um ramusculo de oliveira que nos dê a esperança de melhores dias; justamente quando o sr. ministro da fazenda tem ali sobre a mesa as suas propostas, tão vexatorias, tão iniquas, que para o governo, depois da sua apresentação, se conservar mais um minuto no poder tem de fazer constar, pelos seus orgãos oficiosos, que ellas não chegarão a ser votadas; quando os regulamentos do sêllo o da contribuição predial caem, como látegos, sobre o dorso do contribuinte, é que o governo tem a louca phantasia, senão o capricho morbido, de apresentar um projecto de lei d'esta ordem!

Que quer isto dizer? Que significa esta audacia?

É o baile do negociante arruinado, prestes a fallir, que quer illudir os seus credores, ostentando uma opulencia que já é miseria? (Apoiados. - Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Se o é, sr. presidente, embora o expediente seja pouco escrupuloso, se com isso conseguimos hypnotisar os comités e desarmar os credores estrangeiros. Votemos o projecto!

Mas, sr. presidente, por demais conhece a Europa a nossa situação financeira; todos os dias bem duramente a desnuda a imprensa estrangeira; por vezes, bem acerbamente a critica a penna implacavel de Le-Roy Beaulieu e do outros.

Não, sr. presidente, isto não é o baile do fallido, é cousa peor: é um can-can desenvolto dançado á beira do leito do moribundo. (Apoiados.)

Se o projecto é iniquo e inoportuno, um aspecto apresenta elle, todavia, etn que, força é confessal-o, a coherencia do governo se evidencia nitidamente. Para bem apreciarmos essa coherencia temos de o conjugar com outra proposta de lei que faz parte das chamadas reformas constitucionaes - aquella que pretende conferir ao poder judicial attribuições de tal ordem que, concedidas, seriam bastante para trazer a perturbação e a desordem a todos os poderes do estado. (Apoiados.)

Sim, sr. presidente, este governo, que tem ido buscar a inspiração dos seus actos ás paixões locaes no que ellas têem de menos alevantado, (Apoiados.) este governo, que tem desorganisado os serviços publicos e anarchisado o paiz, é lógico escolhendo para anal de vida estas duas propostas de lei! Elle, que. tudo tem procurado corromper, termina coherentemente a sua obra, procurando tambem inocular o veneno da corrupção n'aquillo que até hoje tem sido e continuará a ser incorruptivel - a magistratura portugueza.

A tentativa ha de abortar, mercê da probidade dos nossos magistrados e até do seu claro entendimento, mas nem por isso deixa de ser criminosa a intenção do governo. (Apoiados.)

Unidas, bem unidas, como duas tábuas de um esquife, estas duas propostas de lei não constituem já o testamento de um ministerio; são mais alguma cousa - são o caixão mortuario que passa, levando as gloriosas tradicções de um partido honrado! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Sr. presidente, muito se tem escripto e muito se tem dito ultimamente sobre se os partidos são uteis ou nocivos á causa publica. Eu não sou adversario do partidarismo. Queria, porem, que os homens publicos se servissem dos partidos como uma força, para levar por diante as suas idéas e não como um meio para arrumar o paiz. (Apoiados.)

O partidario que determina a sua acção pelo amor a um credo, ou, o que é mais lógico no nosso paiz, pela maior confiança que lhe merecem determinadas individualidades, é sempre um factor importante para o bem publico; (Apoiados.) aquelle que se acêrca dos governos para lhes extorquir favores, que são contra a justiça, ou benesses em detrimento do bem commum, é um cancro roedor do organismo social. (Apoiados.)

Os primeiros constituem os partidos á antiga, como no tempo em que dizia Herculano que havia muita intransigencia, porque havia muita fé; os outros formam as chamadas clientellas, modernas cooperativas dedicadas á exploração do paiz. (Apoiados.)

O verdadeiro estadista governa com os primeiros, dirige-os e, por vezes, subjuga a sua força. Occasiões ha, porem, em que orienta no conselho d'elles o proprio proceder.

Este que tal faz ha de sempre manter intemerato o seu prestigio. (Apoiados.) Ao contrario, os que na clientela procuram a sua força, terão vida politica ephemera e ingloria, porque, como a celebre estatua, alicerçam-se em pés de barro. (Apoiados.)

É que o paiz fica e agradece; a clientela come e passa. (Apoiados.)

Esta lei é obra dos que estão destinados a morrer sem gloria. Pouco importa isso ao governo, de sobejo o sei.

Tambem Izabel de Inglaterra, prostrada diante do altar de Deus, dizia: "Senhor! Senhor! deixae-me governar quarenta annos, e eu prescindo do vosso céu"

Este governo, ao assumir a gerencia do paiz, deve ter dito diante do altar da patria: "Deixae-me folgar durante quatro annos, e eu prescindo do vosso agradecimento e porventura do vosso applauso."

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e dignos pares do reino presentes.)

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