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N.º 66

SESSÃO DE 14 DE MAIO DE 1900

Presidencia do exmo. sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Antonio Vellado da Fonseca

SUMMARIO

Approvada a acta, o sr. presidente propõe, e obtem approvação unanime, um voto de sentimento pela morte do sr. conde do Alto Mearim, associando-se ás suas palavras os srs. Alexandre Cabral, ministro da justiça (Alpoim) e Luciano Monteiro. - É approvado, proposto pelo ar. presidente, um voto de louvor aos funccionarios. que organisaram o Annuario da camara dos senhores deputados para 1899. - Lê-se o expediente - Os srs. Fialho Gomes e Ravasco declaram que, se estivessem presentes á sessão do dia 8, teriam rejeitado o requerimento do sr. João Franco. - O sr. Tarroso dá informações sobre o processo eleitoral do circulo de Pico e Flores. - Trocam-se explicações entre os srs. Manuel Telles de Vasconcellos e ministro da fazenda (Espregueira) sobre o transito de gados na fronteira. - O sr. Baião apresenta um projecto de lei. - Entre os srs. Fuschini e ministro da fazenda trocam-se explicações relativas ao convenio com os credores externos, assumpto sobre que tambem usa da palavra, no final da sessão, o sr. João Franco, respondendo-lhe o mesmo sr. ministro. - O sr. Francisco José Machado refere-se á epidemia de lepra na villa de Miude, ficando o sr. ministro da fazenda de avisar o sr. presidente do conselho (José Luciano). - Apresentam representações os srs. Adriano Anthero, Paes Abranches, João Augusto Pereira, Joaquim Veiga, Matheus de Azevedo e Carlos Pessanha.- O sr. Sande e Castro requer documentos pelo ministerio do reino, e apresentam avisos previos os srs. Guilherme de Abreu e João Franco.

Na ordem do dia vota-se, em sessão prorogada e sem prejuizo das emendas, o projecto de lei n.º 17 (limite de idade para a aposentação dos magistrados judiciaes, faltando os srs. Cabral Moncada, Osorio Sarmento, Teixeira de Sousa, Antonio Cabral, Dias Ferreira e ministro da justiça. - O sr. presidente encerra a sessão, dando a seguinte para terça feira, 16, á hora regimental

Primeira chamada - Ás das horas da tarde.

Presentes - 7 srs. deputados.

Segunda chamada - Ás tres horas.

Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto.

Presentes - 62 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto Affonso da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Baptista Coelho, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Osorio Sarmento do Figueiredo, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Simões dos Beis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Vellado da Fonseca, Augusto Cesar da Silveira Proença, Augusto Fuschini, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Carlos de Almeida Pessanha, Domingos Tarroso, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ra-vasco, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Correia Mendes, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho e Abreu, Henrique da Cunha Mattos de Mendia, João Augusto Pereira, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Monteiro Vieira de Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Bandeira, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Rojão, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Antonio de Almada, José de Azevedo Castello Branco, José Christovão do Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Eduardo Simões Baião, José Gonçalves da Costa Ventura, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Paulo Monteiro Cancella, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Dayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel Paes de Sandc e Castro, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio Alpoim Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Victorino de Avellar Froes, Visconde de Guilhomil, Visconde da Ribeira Brava e Visconde da Torre.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abel Pereira de Andrade, Adolpho Ferreira Loureiro, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Lopes Guimarães Pedroza, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Arthur de Sousa Tavares Perdigão, Augusto José da Cunha, Conde de Paçô Vieira, Emygdio Julio Navarro, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, João José Sinel de Cordes, João Marcellino Arroyo, Joaquim José Fernandes Arez, Joaquim da Ponte, José Capello Franco Frazão, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Malheiro Reymão, José Maria Barbosa de Magalhães, José Mathias Nunes, José Pimentel Homem de Noronha, José Teixeira Gomes, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Mousinho de Mascaronhas Gaivão e Salvador Augusto Gamito de Oliveira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Affonso Augusto da Costa, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro de Castellões, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Conde de Burnay, Conde de Caria (Bernardo), Conde de Idanha a Nova (Joaquim), Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Esteves, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, João Lobo de Santiago Gouveia, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista,

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Lemos Peixoto, José Bento Ferreira de Almeida, José Braamcamp de Mattos, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Joaquim da Silva Amado, José Mendes Veiga do Albuquerque Calheiros, José Osorio da Gama e Castro, Luiz Cypnano Coelho de Magalhães, Luiz José Dias, Luiz Pereira da Costa, Manuel Francisco Vargas, Paulo José Falcão, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Mangualde o Visconde de S. Sebastião.

Acta - Approvada.

O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara.

Falleceu ha dias em Paris o sr. conde do Alto Mearim, digno par do reino, e que foi membro illustre d'esta camara.

Caracter respeitabilissimo, coração bem formado e capaz dá todas as generosidades, conquistava facilmente as sympathias de todos que só lhe approximavam. (Apoiados.)

Julgo, pois, interpretar ao sentimentos da camara, propondo que na acta da sessão de hoje se lance um voto de condolencia por tão triste acontecimento; e que, no caso de ser approvada esta proposta, se façam as communicações do estylo á familia do illustre finado. (Apoiados geraes.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Alexandre Cabral: - Associo-me, sr. presidente, em nome da maioria d'esta camara, a uma tão justa manifestação de pezar, que foi geral, tendo a imprensa do paiz feito o maior elogio do illustre extincto.

Os nossos antepassados iam procurar os seus pergaminhos da nobreza nas descobertas de alem mar. O sr. conde da Alto Mearim conquistou tambem os seus fora do paiz pelo seu trabalho o pelas suas altas qualidades, (Apoiados.) pois era tal o prestigio que elle gosava no Brazil, não só entro portugueses como entre os proprios brazileiros, que estos quizeram dar-lho um logar na representação nacional, elegendo-o para membro da camara dos deputados, honra que elle, levado pelo sentimento patriotico, recusou para não perder a qualidade de cidadão portuguez. (Apoiados.) Contrahiu por isso Portugal para com elle uma divida, que procuraram pagar, o povo trazendo-o á camara dos deputados, e El-Rei dando-lhe um logar na camara alta, logar que occupou dignamente. (Apoiados.)

Julgo, portanto, corresponder ao sentir da maioria d'esta casa associando-me ao voto proposto por v. exa.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Associo-me do coração por parte do governo ás palavras proferidas por v. exa. e ás do illustre deputado o sr. Alexandre Cabral.

O conde de Alto Mearim foi na vida particular o exemplo das mais nobres qualidades; com o seu animo generoso enxugou muitas lagrimas, e acudiu a muita desgraça. Na vida politiza militou sempre no partido progressista, com a maior lealdade e dedicação, e é por isso que com a maior saudade nos curvámos respeitosos perante a sua sepultura. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Luciano Monteiro: - Uso da palavra para declarar que a minoria regenedora se associa ás palavras proferidas por v. exa. e ás dos oradores que me precederam.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, considero a minha proposta approvada. Far-se-hão as communicações do estylo á familia do finado.

Está na mesa o Annuario da camara dos senhores deputados, relativo ao anno da 1899. A camara não ignora de certo a utilidade d'este livro e a importancia do trabalho que elle representa por parte dos empregados que d'elle foram incumbidos.

Proponho por isso que, como nos annos anteriores, se lance um voto de louvor não só a esses funccionarios, mas tambem ao chefe da. repartição, actualmente servindo de director secretario geral, que dirigiu os trabalhos e os coadjuvou. (Apoiados.)

(Pausa.)

Como não ha impugnação, considero approvada esta proposta.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Os habitantes do casal da Pelota, freguezia do Louriçal do Campo, concelho de Castello Branco, desejam passar a fazer parte do concelho e camara do Fundão, para o que basta serem desannesados da freguesia a que actualmente pertencem e serem annexados para os effeitos civis e administrativos á freguezia da Soalheira.

As rasões em que se fundam são perfeitamente justas e attendiveis.

O casal da Pelota, que distava alguns kilometros apenas da sede do seu antigo concelho, S. Vicente da Beira, dista 28 kilometros de Castello Branco.

Passando a fazer parte do concelho do Fundão, distará sómente 13 kilometros, o que é importantissimo, attentos os serviços administrativos e judiciaes que são frequentes.

A area do concelho de Castello Branco é enorme, e assim não é facil a este concelho occorrer ás necessidades de todas as suas freguezias, emquanto que a do Fundão é muito menor, e sendo um concelho florescente, esperam conseguir mais facilmente os melhoramentos de que carecem.

Dá-se ainda a circumstancia de que a divisoria do concelho do Fundão dista alguns metros apenas d'este casal.

É, pois, inteiramente justo este pedido, e por isso submetto á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Para os effeitos civis e administrativos é a povoação do casal da Pelota desanexada da freguezia do Louriçal do Campo, concelho e districto de Castello Branco, e annexada á freguezia da Soalheira, concelho do Fundão.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 11 de maio de 1900. = O deputado, João Pinto dos Santos.

Foi admittido e enviado ás commissões de administração publica e de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores deputados. - A camara municipal da cidade de Thomar acaba de realisar um contrato para a illuminação publica e particular d'aquella cidade a luz electrica.

É louvavel o digno de applauso o empenho d'aquella camara em dotar o municipio de Thomar com um melhoramento d'esta ordem, que, se é de interesse local, tambem é de reconhecida conveniencia publica; e por isso afigura-se-me de justiça que os poderes publicos auxiliem a iniciativa d'aquelle util e civilisador emprehendimento.

Differentes camaras têem já realisado este melhoramento e tem-lhes sido dispensado o beneficio da isenção de direitos alfandegarios a todo o material necessario para a installação da luz electrica que for importado do estrangeiro, como póde verificar-se em diferentes leis citadas no lucido relatorio, que precede o projecto de lei apresentado a esta camara, na sessão de 9 do corrente, pelo

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illustre deputado sr. Fortuna Rosado, para a concessão do mesmo beneficio á camara de Portalegre.

Unindo os meus desejos aos d'aquelle illustre deputado, e parecendo-me de justiça que igual concessão seja feita á camara de Thomar, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame e sabia approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedida a isenção de direitos a todo o material necessario para a installação da luz electrica na cidade de Thomar, que for importado por qualquer das alfandegas do continente do reino.

§ unico. Os concessionarios da luz electrica fornecerão, por intermedio da camara municipal de Thomar, ás estações competentes do ministerio da fazenda, no praso de tres mezes, a contar da publicação na folha official d'esta lei ou do decreto que approvar o respectivo contrato, nota detalhada dos objectos que careçam de importar para a referida installação; e se deixarem de cumprir este preceito, ficam obrigados a indemnisar a camara em quantia igual á dos direitos pagos nas alfandegas pela importação d'aquelles objectos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 14 de maio de 1900. = Simões Baião, deputado pelo circulo de Thomar.

Declarado urgente, teve segunda leitura, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Fialho Gomes: - Mando, para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se tivesse assistido á sessão de 8 do corrente teria rejeitado o requerimento do sr. deputado João Franco. = Fialho Gomes.

Para a acta.

O sr. Francisco Ravasco: - É para mandar para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se tivesse assistido á sessão de 8 do corrente; teria rejeitado o requerimento do sr. deputado João Franco. = Francisco Ravasco.

Para a acta.

O sr. Domingos Tarroso: - N'uma das ultimas sessões o illustre deputado sr. Luciano Monteiro fez umas referencias ás eleições de deputados, ultimamente effectuadas no districto da Horta, que eu não pude, quanto me competia, esclarecer desde logo, por não me chegar a palavra que pedi.

Tendo sido eu o candidato progressista por um dos circulos d'aquelle districto, occorria-me o dever de explicar, em nome dos meus amigos d'ali, os factos visados n'esta casa do parlamento e só a impossibilidade de obter a palavra no momento transferiu para hoje o que tencionava dizer.

O sr. Luciano Monteiro, naturalmente mal informado por indicações provenientes d'aquelle districto, disse que nas eleições de deputados que ali se effectuaram, a ilha do Fico tinha estado envolta em tropas, que as assembléas eram todas progressistas, tendo se feito prepotencias de tal ordem, que os deputados eleitos por aquelle districto, não tinham podido tomar assento n'esta camara Contra estas asserções protesta a presença n'esta casa do sr. Francisco Vargas, que representa o circulo do Faial e Corvo, que ha bastantes dias tomou assento na camara, e a quem, não ha muito ainda, aqui ouvimos na discussão do orçamento.

Resta o outro circulo composto pelas ilhas do Pico e Flores. Se ahi tivesse havido irregularidades, o partido progressista, não perderia como perdeu, apenas por seis votos.

Comprehende-se, que se se tivessem dado esses factos, era natural que essa differença desapparecesse, pois que eis votos facilmente seriam sumidos por qualquer irregularidade.

É certo que tem havido interrupção de communicações entre as ilhas do Pico e a das Flores, e d'esse facto, sem luvida, provem não ter chegado ao tribunal de verificação de poderes o processo da eleição.

Para que esse processo tivesse chegado ao tribunal de verificação de poderes, era necessario que a canhoneira Sado que se encontrava na ilha do Pico, não estivesse mais ou menos inutilisada, como estava por se lho ter desarranjado a machina.

Como aqui affirmou o sr. ministro da justiça, o governador civil da Horta é um magistrado correcto, digno cumpridor do seu dever, e incapaz como magistrado de praticar quaesquer irregularidades como aquellas de que accusado.

Accresce, sr. presidente, que por indicações que tenho La Horta sei que foi exactamente pelo facto de não estarem estabelecidas communicações com a ilha das Flores, que não póde vir o processo da eleição.

Por consequencia infundada me pareceu a allusão do illustre deputado o sr Luciano Monteiro, e é certo em qualquer caso que as actas e cadernos relativos á eleição, são remettidos ao tribunal de verificação de. poderes pela assembléa de apuramento e não pelo governador civil.

Limito-me a estes esclarecimentos agora na convicção de que a camara não terá feito um mau juizo relativamente á eleição de que se trata.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Manuel Teles de Vasconcellos, para dirigir ao sr. ministro da fazenda as perguntas a que se refere no seu aviso previo, mandado para a mesa no dia 19 de abril ultimo.

O sr. Manuel Telles de Vasconcellos: - Sr. presidente, o aviso previo que mandei para a mesa ha perto de um mez, teve por fim habilitar o sr. ministro da fazenda a responder a umas perguntas que eu vou formular e que entendo precisarem de uma nitida e clara resposta por parte de s. exa.

Antes, porem, de o fazer, preciso narrar alguns factos, não ao para convenientemente as fundamentar, mas para a camara d'ellas poder ter uma inteira e clara comprehensão

N'uma das primeiras sessões do mez passado, na sessão do dia 5, se bem me recordo, chamei a attenção do sr. ministro da fazenda para os factos que estavam occorrendo em alguns pontos da região arraiana, mormente na parte limite do circulo que tenho a honra de representar n'esta casa do parlamento.

Mostrei então ao sr. ministro da fazenda a necessidade e a urgencia que havia em mandar ordens terminantes aos seus subordinados para que a lei, que regula a passagem de gados na fronteira para Hespanha, fosse cumprida, de modo a não continuarem as extorsões, que pelos empregados fiscaes se estavam fazendo aos tratadores de gado portuguezes.

Disse eu, que a situação então era grave, pois que já na raia se achavam muitos tratadores na situação anomala de não poderem, com os gados, regressar aos seus lares, em vista dos exageros do fisco, e que a situação se aggravaria ainda mais, porque estava proximo o dia 10, que era o limite de tempo em que aquelles tratadores podiam ter as suas pearas, em terras de Hespanha, visto n'esse dia terminarem todos os arrendamentos das pastagens.

O sr. ministro da fazenda não estava então presente, mas teve a gentileza de me procurar e dizer, que tinha mandado ordens para que a lei fosse cumprida. Passaram-

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

se trese dias, e só no dia 19 os empregados fiscaes reconheceram o direito aos lavradores d'aquellas regiões para deixar entrar os seus gados.

Escuso de pintar o quadro com negras cores para mostrar a v. exa. as difficuldades em que se encontraram os tratadores de gado d'aquellas regiões, porque aquella gente é pobrissima e vive exclusivamente do producto que lhe podem dar os seus rebanhos.

Calcule v. exa. a dor e os sacrificios d'aquelles homens, tendo de estar treze dias som poderem regressar aos seus lares, porque o fisco os impedia com a sua estranha exigencia, e impossibilitados de voltar de novo para as regiões de onde regressaram, porque os proprietarios lh'as não podiam arrendar por mais tempo, visto ser chegada a occasião de as terras terem de ser amanhadas para a proximo cultura.

O illustre ministro da fazenda disse-me, e eu estou certo de que s exa. seria incapaz de faltar á verdade - que tinha mandado que, promptamente, fosse acatada e cumprida a lei. Pois, sr. presidente, treze dias decorreram depois da ordem de s. exa. sem que a lei fosse acatada. Continuou por mais treze dias a lei sendo desacatada e o sr. ministro não logrou ser obedecido senão ao decimo terceiro dia.

Sr. presidente, vou ler a v. exa. a lei que regula estes actos com a Hespanha, lei que me parece não poder ter mais clara.

Diz o seguinte no artigo 8.°:

(Leu.)

Se procurarmos a tabella, ali vemos especificados os gados lanigero e caprino.

Como v. exa. vê, é preciso ter uma imaginação muito fertil, ou uma vontade de impor multas muito accentuada, para poder encontrar n'estas disposições legislativas margem para impor uma taxa de 160 réis por cabeça de gado, quando elle atravesse a raia. (Apoiados )

Que não ha margem para duvidas, dil-o a boa rasão e o mais rudimentar bem senso; (Apoiados.) mas que ha accentuada vontade, por parte do fisco, a em tudo encontrar motivo para multas, dizem-n'o bem claramente este e outros factos, que por alguns dos nossos illustres collegas nos têem sido referidos. (Apoiados)

E é isto que não póde continuar. (Apoiados.)

Sabe v. exa. o que eu admiro? E a paciencia com que o povo supporta arbitrariedades similhantes.

Mas voltemos ao assumpto.

Como v. exa. sabe, quando estes gados atravessam para a nação vizinha, é fornecida uma guia a quem os conduz, guia que é apresentada rio regresso. O regulamento ao tratado de commercio com a Hespanha especifica que essa guia será gratuita o que sobre ella não poderá recair nenhum imposto.

É de notar, sr. presidente, que os empregados do fisco lêem uma percentagem mas multas que applicam. Eu não quero fazer juizos temerarios, mas é tão clara e positiva a lei que o espirito mais tacanho ou mais minucioso não póde ter duvidas sobre ella. (Apoiados.)

Accresce que estas ordens foram dadas exactamente quando aquelles lavradores tinham do regressar ao seu paiz, tendo sido até esse tempo escondidas cuidadosamente; e ainda ha a notar que, a algumas leguas dos postos onde se fazia pela exigencia aos lavradores, outros postos havia onde deixavam entrar livremente o gado.

Disse que não gosto de fazer juizos temerarios, por isso que para mim todos são bons emquanto não me fornecem provas em contrario, mas deixo ao criterio honrado e á intelligencia de v. exa. tirar as consequencias lógicas que se podem tirar d'este facto. (Apoiados.)

Sr. presidente, posto isto, vou formular as minhas perguntas ao sr. ministro da fazenda.

Alguns dos lavradores, levados pelas circumstancias angustiosas em que se encontravam, forçaram a raia. Esses foram presos, ou sequestraram-lhe os gados.

As minhas perguntas ao sr. ministro da fazenda são, pois as seguintes:

Sabe s. exa. dizer-me se os lavradores d'aquella região foram indemnizados das multas que, abusivamente, contra a lei expressa, (Apoiados.) lhes foram extorquidas?

E se, por acaso, não lhe foram entregues todas as quantias que tiveram de depositar para não lhes ser sequestrada a sua liberdade e os seus bens, s. exa. o nobre ministro da fazenda, tenciona dar ordens para que lhes sejam entregues?

Sr presidente, como disse a v. exa., estes lavradores foram obrigados a despezas extraordinarias que vieram aggravar profundamente a sua economia privada e isto em resultado de se não ter cumprido uma lei tão expressa, clara e positiva, que mal se comprehende que possa ter duas interpretações. (Apoiados.)

Pergunto, portanto, ao sr. ministro da fazenda, se entende que deve ser dada qualquer remuneração justa e equitativa a estes lavradores, pelos damnos que tiveram, e, dado o caso d'isto ser assim, de onde devem sair as indemnisações para os lavradores prejudicados.

Dos cofres do thesouro, não; porque o thesouro publico não póde ser o eterno pagador dos erros dos funocionarios, especialmente quando estes erros são, como eu provei á camara, do natureza e ordem a não admittir attenuante de qualquer especie.

Os dinheiros publicos, que representam sacrificios, por vezes enormes, com que o povo tem de arrostar para satisfazer o pagamento dos duros impostos que sobre elle pesam, não podem ser malbaratados no saneamento de faltas commettidas por empregados menos cuidadosos ou menos escrupulosos nos cumprimentos dos seus deveres.

Alem de que, sr. presidente, os funccionarios o fiscaes têem parte nas multas que applicam; é justo, é equitativo, é lógico e é moral que elles soaram as consequencias dos seus erros o das suas faltos.

Pergunto, por isso, ao sr. ministro da fazenda, se entende que dos ordenados e gratificações d'esses funccionarios deve sair a indemnisação para estes lavradores.

Como v. exa. viu, as tres perguntas que formulei ao sr. ministro da fazenda são claras e nitidas; por isso peço a s. exa. que me dê uma resposta categorica e precisa e que se evito a repetição do factos d'esta ordem, que me dispense de ter de novo voltar ao assumpto.

Já que fallei em questões fiscaes, lembrarei ao sr. ministro da fazenda, que com tanta intelligencia e solicitude gere os, negocios da sua. pasta, a necessidade de fazer algumas modificações nos serviços da guarda fiscal, de onde resultaria uma economia importante, evitando ao mesmo tempo os vexames que se estão dando, A guarda fiscal custa ao paiz mais de 1:500 contos de réis; e se s. exa. quer ver o seu serviço é attentar no que se dá com o producto e a despeza de fiscalisação do real de agua.

A despeza que se fazia com a fiscalisação d'este imposto era, em 1892, do 25 contos de réis; desde que passou para a guarda fiscal subiu a 162 contos de réis, tendo, aliás, o imposto diminuido, apesar de sobre elle terem recaido já dois addicionaes.

Parece-mo, portanto, que não será inutil chamar para este ponto a attenção do illustre ministro, pois muito ha aqui a fazer de proveitoso e util para o paiz. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro da Fazenda (Affonso de Espregueira): - Responde que o facto a que se referiu o illustre deputado provem da má interpretação dada a uma ordem o director da alfandega do Porto. Aquelle funcoionario, querendo regularisar o serviço, dou ordem a todas as delegações para que se cobrasse sobre o gado que entrasse pela fronteira a taxa de trafico que é imposta a todas as mercadorias, e nos postos fiscaes

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entendeu-se que esta ordem comprehendia os gados que regressassem das pastagens em Hespanha.

Quando o sr. deputado chamou a sua attenção para este assumpto, fez expedir as ordens convenientes para se desfazer este equivoco.

Houve uma demora de tres dias na execução d'estas ordens; mas ainda assim não se cobrou quantia alguma, e os gados apenas estiveram depositados, conservando-se em poder dos seus donos.

Quanto á indemnisação a que o illustre deputado se referiu, estudará o assumpto, e procederá depois em Conformidade com o que estiver preceituado nas leis e regulamentos.

Feio que respeita á guarda fiscal, parece-lhe que algumas modificações se podem fazer no seu serviço; entretanto o sr. deputado póde ter a certeza de que procederá com imparcialidade, fazendo justiça a quem a tiver.

(O discurso será publicado na integrei quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Simões Baião: - Mando para a mesa um projecto de lei para isentar de direitos alfandegarios todo o material necessario para a installação de luz electrica na cidade de Thomar.

Em harmonia com o regimento, abstenho-me de ler o relatorio e limitar-me-hei a ler o projecto.

(Leu.)

a camara municipal de Thomar acaba de fazer um contrato para a installação de luz electrica n'aquella cidade, e tendo sido concedido este beneficio a algumas camaras municipaes, parece-me de justiça que tambem o seja á camara municipal de Thomar, que se acha exactamente nas mesmas condições.

Este projecto é muito simples, e por isso peço a v. exa. que consulte a camara para que seja dispensado de segunda leitura, sendo immediatamente enviado o projecto á commissão de fazenda. E como está affecto a esta illustre commissão um projecto similhante, convinha que fossem apreciados conjunctamente.

Consultada a camara, dispensou a segunda leitura, sendo o projecto remettido á commissão de fazenda.

O Br. Presidente: - Dou a palavra ao sr. Fuschini para realisar o seu aviso previo ao sr. ministro da fazenda, apresentado em sessão de 26 do abril.

O sr. Fuschini: - Disse que no dia 18 de abril passado dirigira ,algumas perguntas ao sr. ministro da fazenda sobre o projectado accordo com os credores externos. Não estando presente o ministro formulou-as por escripto, a fim de lhes serem entregues.

Em 26 de abril, não tendo recebido resposta alguma, empregara o systema de aviso previo, não sendo mais feliz na tentativa.

Finalmente em 27 de abril, depois de haver ouvido na sessão precedente algumas declarações do sr. ministro da fazenda, enviara para a mesa um requerimento, pedindo varios documentos pelo ministerio dos estrangeiros o pelo da fazenda e ao mesmo tempo uma nota de interpellação, que até hoje não foi considerada e attendida.

As declarações do sr. ministro da fazenda que motivaram estes ultimos factos foram as seguintes:

1.ª Que a lei de 20 de maio de 1893 não regulara definitivamente as condições da divida externa.

2.ª Que a execução d'esta lei tem levantado protestos.

Estas duas afirmações miram sem a menor duvida a constituir argumentos em favor do accordo com os credores, projectado pelo ministro; ora, elle orador, declara que amima são inexactas, como provará com os documentos que pediu, ou sem elies, porque a falta de remessa de documentos tambem é excellente prova... nos ministerios não existem documentos alguns em que se manifestem taet protestos, eis a conclusão, aliás onviem-os á camara.

Como o sr. ministro da fazenda tem por escripto as suas perguntas não as repete, esperando a resposta, a qual apreciará em momento opportuno.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Affonso de Espregueira): - E certo que o sr. deputado lhe dirigiu uma serie de perguntas, mas é certo tambem que depois d'isso elle, orador, já tem vindo á camara antes da ordem do dia, habilitado a responder-lhe.

S. exa. deseja saber se, no convenio, se concede elevação de juro, se se pcrmitte a nomeação de individuos para a junta do credito publico, e se se consigna o rendimento das alfandegas.

A este respeito, já ali disse uma vez que não podia dar explicações mais precisas e claras do que as que tinha dado.

A situação é hoje a mesma. O assumpto não está ainda decidido, e, continuando as negociações, quaesquer explicações poderiam originar prejuizos, que a camara de certo não deseja que se dêem.

Com relação á principal parte do discurso do sr. deputado, que é a questão de ser a lei de 20 de maio de 1893 um convenio, lê o orador algumas disposições d'esta lei, para mostrar que ella não era um convenio, nem representava a regularisação definitiva da divida externa, sendo apenas uma transacção conciliadora de momento, e tanto assim que as reclamações têem continuado.

O sr. deputado, que conhece os jornaes financeiros, sabe que não cessaram estas reclamações, e sabe tambem que nas bolsas do Londres, Paris e Berlim não podem obter cotação os titulos do governo portuguez e até os das sociedades portugaezas, emquanto se não regulansar a divida externa.

O sr. Fuschini: - Pergunta se nas repartições publicas ha algum documento official do onde constem essas reclamações.

O Orador: - Responde que não póde haver documento mais publico do que a negação da cotação.

Esta situação não a creou o actual governo. O que este tem procurado é sair d'ella com honra para o paiz.

Quando se discutiu a lei de 20 de maio de 1893, levantou-se esta questão, e dos discursos que proferiram o sr. presidente do conselho de então e o sr. Fuschini, que era ministro da fazenda, se conclue que ella não era realmente um convenio, e que apenas representava uma esperança, que não se realisou, porque as reclamações continuaram.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra quando devolva as respectivas notas tachygraphicas.)

O sr. Fuschini: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que use novamente da palavra para responder ao sr. ministro da fazenda.

Consultada a camara, resolveu, affirmativamente.

O sr. Fuschini: - Disse que a lei de 20 de maio de 1893 não era um convenio, na accepção rigorosa d'esta palavra, nem houve nunca a idéa de o fazer. Affirma mais uma vez que esta lei regulou definitivamente as condições da divida externa.

É possivel que ella tendesse a encerrar o abuso dos emprestimos externos; mas esses eram os desejos e a opinião do ministerio que a havia apresentado; opinião que elle, orador, ainda mantem Mandem á camara os documentos que pediu e d'elles resaltará a inexactidão das affirmações do sr. ministro da fazenda.

Diz o sr. ministro que os protestos se têem levantado nas bolsas; pudera! São os rats de bourse e os lançadores de negocios que viram fugir a presa, abutres que esvoaçara em volta de nós; mas qual é a força material que sustenta esses protestos e a auctoridade moral e politica que os apoia? Ha na chancellaria portugueza alguns documentos, em que esta força e esta auctoridade se manifestem?

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Não ha. Se existem mandom-n'os á camara. Eis o que é regular e logico.

O sr. ministro quer o convenio para entrar novamente no regimen dos emprestimos; eis o que se deprehende da sua resposta.

Como se harmonisa isto com a declaração feita na outra casa do parlamento do que elle não precisava do convenio para si, mas desejava proparal-o para o futuro?!

Deixe essa gloria aos que a quizerem, não a queira s. exa.

Ha dias affirmou-se n'esta camara que o monopolio dos tabacos e o respectivo emprestimo, approvados em 1891, o haviam sido unanimente pelo parlamento, porque fora declarado que d'elles dependia a salvação publica.

Unanimemente não, porque os rejeitou elle, orador, apesar de todas as declarações.

Agora, ouve condemnar esses actos como um erro grave! E certo, o emprestimo dos tabacos, que nada salvou, abriu um periodo novo na politica portugueza. Foi o primeiro acto.

O segundo acto, será o convenio, se for por diante a opinião do sr. ministro, tambem em nome da salvação publica.

Considera esta a questão magna, a unica questão de interesse fundamental para o paiz n'este momento historico. Os imperios bom ou mal propostos pelo sr. Espregueira, com uma pennada se fazem, com outra se suspendem, ou se eliminam; não haverá, porem, força alguma dentro do paiz que seja capaz de modificar um convenio feito nas condições, em que pretende realisar o sr. ministro da fazenda.

Dizem que se lhe embarga a voz, quando falla n'este asuumpto. É possivel; a lagrima é a mais pura manifestação da sinceridade o dos bons sentimentos que se eleva espontaneamente dos corações, que sabem sentir, aos olhos, que sabem chorar. Despreza o septicismo que se ri d'ellas, para melhor encobrir a miseria dos interesses.

Sente profundamente que não vejam todos a seriedade e as graves consequencias do convenio... o tempo fará justiça, mas as reacções podem vir tardias.

De tudo isto conclue que, sobre a lei de 1893, entre o sr. Espregueira, occupando o elevado cargo de ministro da, fazenda e elle, orador, que tambem collaborou na referida lei, ha profundas divergencias de opinião e de differente apreciação do factos. De algum lado ha de estar a verdade e a justiça.

É pois, mister, que o sr. ministro da fazenda acceite a discussão que lhe propõe na sua nota de interpellação, enviada em 28 do mez passado.

Fallarão ambos, serão estudados os documentos e os factos e apreciadas as suas opiniões, expressas quando era ministro da fazenda e que ainda hoje mantem intactas, julgará depois a camara e o paiz.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Fazenda (Affonso de Espregueira): - Parece-lhe que as perguntas que o sr. deputado tinha feito, estão quasi postas de lado. Em todo o caso regista a declaração de s. exa. de que a lei do 20 de maio de 1893 não foi um convenio.

Referiu-se s. exa. aos emprestimos externos. Elle, orador, porem, já disse na camara que o governo não deseja recorrer aos mercados estrangeiros para emprestimos consolidados, e, por consequencia, a falta do cotação nas bolsas estrangeiras não prejudica qualquer operação que o governo queira fazer.

Opportunamente se discutirá este assumpto. Por agora dirá simplesmente que não haverá controle, nem intervenção estrangeira na administração do estado.

E a este respeito deve dizer que os desejos e o patriotismo do sr. deputado são iguaes, mas não superiores aos dos outros.

Todos desejam resolver a questão de uma forma honrosa.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Francisco Machado: - Pedi a palavra para um negocio urgente para chamar a attenção do governo para um facto grave que se dá n'uma freguezia do circulo, que tenho a honra de representar n'esta casa.

Tive conhecimento de que uma epidemia de lepra se tem desenvolvido na freguezia de Minde, no concelho de Torres Novas, tendo feito muitas victimas. A imprensa local já se occupou d'este assumpto, e eu queria pedir ao governo que adoptasse as providencias necessarias, mandando sanear esta povoação a fim de se debellar este mal, que é grave e que exige promptas providencias.

O sr. Ministro da Fazenda (Áffonso de Espregueira): - Tomei nota das considerações do illustre deputado e darei conhecimento d'ellas ao sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia; os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.

O sr. Adriano Anthero: - Mando para a mesa, e peço que seja publicada no Diario do governo, uma representação da camara municipal de Villa Nova de Gaia, pedindo que seja alterada a lei de 17 de agosto de 1899 na parte em que obriga os municipios a contribuirem de uma forma exagerada e desigual para o fundo da assistencia nacional contra a tuberculose.

Foi permittida a publicação e teve o destino indicado no respectivo extracto no fim da sessão.

O sr. Paes de Abranches: - Apresento, o peço que seja publicada no Diario do governo, uma representação de caçadores o agricultores de Alcantara e outros locaes, pedindo que não seja approvado o projecto de lei sobre a caça apresentado pelo sr. Paulo Cancella.

Foi permittida a publicação e teve o destino indicado no respectivo extracto no fim da sessão.

O sr. João Augusto Pereira: - Mando para a mesa uma representação dos empregados da repartição de fazenda do districto do Funchal, reclamando contra as disposições contidas n'algumas das propostas apresentadas á camara pelo sr. ministro da fazenda.

Acho justas e procedentes as rasões com que os reclamantes fundamentam a sua exposição, confiando em que estas rasões terão ocho no espirito justiceiro da camara.

Como a representação se acha redigida em termos respeitosos, peço seja publicada no Diario do governo.

Foi permittida a publicação e teve o destino indicado no respectivo extracto, que vae no fim da sessão.

O sr. Sande e Castro: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino, me sejam enviadas, com urgencia, copias dos relatorios que os reitores dos lyceus centraes e nacionaes, ouvidos os conselhos escolares, devem ter remettido á direcção geral de instrucção publica sobre os resultados verificados da ultima reforma da instrucção secundaria, em obediencia ao disposto na portaria regia de 20 de setembro de 1897.

Se, por qualquer motivo, não poderem essas copias ser enviadas á camara com a pedida urgencia, requeiro que me seja facultado consultar n'aquelles ministerios esses documentos, bem como quaesquer outros que ali existam acêrca dos inconvenientes e defeitos revelados na execução d'aquella reforma. = Manuel Paes de S. Castro.

Mandou-se expedir.

O sr. Joaquim Veiga: - Mando para a mesa, e peço que seja publicada no Diario do governo, uma representação da camara municipal de Lamego, pedindo que seja alterada a lei de 17 de agosto de 1899, na parte em que

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obriga os municipios a contribuirem de uma maneira exagerada e desigual para o fundo da assistencia nacional contra a tuberculose.

Foi permittida a publicação e teve o destino indicado no respectivo extracto, que voe no fim, da sessão.

O sr. Guilherme de Abreu: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o sr. presidente do conselho e ministro do reino sobre as violencias, arbitrariedades e infracções de lei, commettidas pela auctoridade administrativa, seus delegados e agentes, nos actos eleitoraes do circulo n.° 8 (Amares), e especialmente nos da assembléa primaria de Bossas, do concelho de Vieira. = O deputado, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu.

Mandou-se expedir.

O sr. Matheus de Azevedo: - Mando para a mesa, e peço que sejam publicadas no Diario do governo, duas representações: uma da camara municipal do concelho de Tavira, pedindo modificações na proposta de lei n.º 21-O, acêrca da cultura da vinha e industrias que a ella se ligam; e outra da mesma camara e habitantes d'aquella cidade, pedindo a creação de um segundo logar de notario na sede da comarca.

Foi permittida a publicação e tiveram o destino indicado nos respectivos extractos no fim da sessão.

O sr. João Franco: - Apresento o seguinte

Avião previo

Desejo interrogar o sr. ministro da fazenda:

1.° Acerca da execução da lei de 21 de julho de 1899;

2.° Acerca do contrato de 10 de maio de 1894 com a companhia das docas do Porto e caminhos de ferro peninsulares, e outros. = João Franco

Mandou-se expedir.

O sr. Carlos Pessanha: - Mando para a mesa uma representação dos escripturarios de fazenda do concelho de Vinhaes, pedindo melhoria de situação.

Teve o destino indicado no respectivo extracto, que voe no fim da sessão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 17, que fixa o limite de idade para a aposentação dos magistrados judiciaes

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Moncada, que ficara com ella reservada da sessão anterior.

O sr. Cabral Moncada: - Continuando o seu discurso, que o orador considera ardua tarefa, repete ser absolutamente contrario ao principio do limite de idade, não só na magistratura judicial, como no exercito e nas outras classes, porque, desde o momento em que esteja provada a incapacidade physica do funccionario, este tem o recurso de retirar-se da vida activa.

Um dos argumentos com que combate a fixação do limite de idade tira-o do seu proprio testemunho. Não hesita em dizer que os magistrados que estão no supremo tribunal de justiça, os exceptuados e os que vão ser attingidos por este projecto, estão absolutamente em condições de desempenhar as suas funcções, por maneira immensamente invejavel para todos. E bom de ver a forma por que as suas deliberações são proferidas; a superioridade e assiduidade com que se dedicam ao exercicio do seu cargo e a promptidão com que resolvem as questões. Muitas vezes, elle, orador, tem desejado para si as faculdades de talento, actividade e energia de que aquelles integerrimos magistrados ainda dispõem.

Não é, pois, por caridade, que elles são excluidos, na emenda apresentada pelo sr. relator.

Ella representa um acto de justiça, e pena é que não seja completa, estendendo-se a todos que vem após, e que estão absolutamente nas mesmas condições.

Mas, porque se dá n'elles essa energia e actividade? É porque o juiz, na generalidade dos casos, é um homem mongerado, methodico, regular, tranquillo na sua vida, conservando, assim, todas as suas faculdades intellectuaes. A auctoridade de que o juiz se acha revestido, a beca, que constitue a insignia d'essa auctoridade, cria no individuo uma moralidade, uma morigeração na sua vida, de que a validez é um attestado persuasivo.

Para que, pois, este limite de idade? A seu ver, o que o sr. ministro da justiça tem a fazor é supprimir, por completo, o projecto em discussão; é anniquilal-o pôr uma vez; ou então, para se ser coherente, apregoe-se, por toda a parte, a necessidade de substituir no seu alto cargo, a Rainha Victoria, o Papa Leão XIII, na pasta da fazenda o sr. Espregueira, e na pasta do reino o presidente do conselho o sr. José Luciano de Castro.

Disse o sr. ministro da justiça que o principio do limite de idade já estava na lei de 1890, e que o actual projecto não faz senão completar o pensamento do partido regenerador. Seria isto muito para agradecer, se não fosse uma especie de troça lançada ao parlamento, porque não se póde pensar que s. exa. pretendesse dizer com aquellas palavras aquillo que realmente pensava. Depois de 1890 houve já uma situação regeneradora, que não acceitou esse limite de idade, porque, em presença da situação angustiosa do paiz, essa situação sabia bem que o seu dever consistia em administrar os rendimentos do estado, com a mais severa economia, e nunca fazer com que os encargos do estado augmentassem.

De mais, se o pensamento do sr. ministro da justiça e do governo é verdadeiro, por que rasão não quizeram completar a idéa do partido regenerador? Porque não continuaram a obra d'esse partido, no tocante, por exemplo, ás comarcas, augmentando-as em grande numero, em logar de extinguil-as por completo?

O argumento, pois, do sr. ministro da justiça não é senão uma ficelle, de que s. exa. lançou mão para defender uma causa má, á qual applicou o mais poderoso, mas tambem o mais mallogrado dos seus esforços.

O que s. exa. quiz foi ter uma opportunidade para realisar despachos, lisonjeando uma classe numerosa e assegurando as boas disposições de uma clientela que, de futuro, poderia trazer-lhe incontestaveis vantagens. Tudo isso, porem, prova que o principio do limite de idade é uma monstruosidade, que vem tornar acceitavel a emenda do sr. relator, a qual, ainda assim, é altamente censuravel; porquanto, posta em confronto a situação dos juizes que ainda não fizeram setenta e cinco annos, com a dos que já os têem, a iniquidade resalta mais flagrante.

Se houvesse uma regular e equilibrada existencia nos recursos das classes inactivas, poderia ser acceitavel a medida do projecto; mas não a havendo, tudo o que seja provado augmento das nossas despezas; tudo o que, pelas disposições do projecto, seja um azorragne applicado no povo, para arrancar-lhe a pelle, constitue um crime. E ha de haver um dia em que venha a reacção, e então, ai d'aquelles que tiverem preparado essa situação deprimente e angustiosa, que resultará necessariamente de um convenio que, para bem do paiz, é de esperar que não se realise.

E para deplorar que o sr. ministro da justiça empregue o seu tempo n'estas cousas, mais do que inuteis, prejudiciaes ao principio da justiça; porque, para abastecer o paiz com a classe de notarios, de que elle não precisava, para lisonjear tona clientela, que nada lhe garante,

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s. exa. vae arrancar dos seus Jogares os mais brilhantes representantes da justiça, respeitabilissimos, até, nos rabellos brancos, que lhes adornam a fronte, e que são um attestado glorioso de quanto a sua experiencia é longa, de quilo serias, sabias e boas são as suas deliberações, lançando-os para a aposentação o humilhando, portanto, assim, um passado glorioso.

Alam d'isto, a medida é ruinosa para a fazenda publica; e s. exa., quando o paiz se vê já retalhado em circumscripcões, que nada justifica, apresenta-a apenas para fazer delegados e juizes, imaginando assim, com uma ingenuidade incompativel com as suas altas faculdades, que a gratidão dos contemplados durará mais do que as tão falladas rosas de Malherbe.

Das faculdades e do talento de s. exa. podia-se esperar outra cousa; havia muitissimo mais a esperar; e s. exa. podia, por meio de outras medidas, realisar, na nossa legislação, as modificações que melhor se adaptassem ao movimento evolucionista que, dia a dia, se vão operando.

Depois de outras considerações sobre este mesmo ponto, refere-se tambem o orador á instituição do jury, cuja historia faz, sendo de opinião que a epocha d'elle já passou; o orador termina dizendo que o que cumpre pela pasta da justiça não é ser um instrumento de nomeações e despachos, mas sim fazer alguma cousa no sentido de preparar para o paiz melhor futuro, melhorando as condições dos tribunaes, fazendo as cousas por forma a que tivessem influxo o principio da correlacionação dos processos, aliás muito bem iniciado na legislação de 1890, e, finalmente, estabelecendo medidas por forma a que os individuos, que tivessem de formar o jury, dessem a garantia do que seria bem administrada a justiça.

Emquanto não se fizer alguma cousa n'este sentido, os tribunaes continuarão a ter por si o conceito que têem tido.

Não vae até ao ponto de dizer que se acabe com o jury; mas devo ser correlacionado e seleccionado.

Feitas estas considerações, resta apenas a elle, orador, pedir desculpa á camara de ter pretendido tomar a serio este projecto, que reputa morto.

(O discurso será publicado na integra guando s. exa. o restituir.)

O sr. Domingos Tarroso: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro seja prorogada a sessão até ser votado o projecto que se discute sobre o limite de idade na magistratura judicial. = Domingos Tarroso.

Foi approvado.

Foi lida e admittida, ficando conjunctamente em discussão, a moção do ar. Cabral Moncada.

O sr. Osorio Sarmento: - Manda para a mesa a seguinte

Moção

A camara reconhecendo que o projecto de lei em discussão não fere os direitos da magistratura judicial e attende sensatamente aos interesses da boa administração da justiça, sem comprometter as finanças do estado, continua na ordem do dia.

Continuando, sente o orador, não poder acompanhar o illustre deputado, que o antecedeu, em todos os pontos do seu notavel discurso. S. exa. na primeira parte da sua oração, combateu o projecto que se discute, e na segunda parto como que esboçou um plano do reformas. Não apreciará esta segunda parte, que o desviaria do assumpto propriamente em discussão.

O debate levantado sobre este projecto tem tido um caracter politico; todavia, o projecto, pela sua natureza e indole não é de molde a provocar debates politicos.

Quando o sr. ministro da justiça pensou em applicar o limito do idade á magistratura, não imaginou que trazia ao parlamento um projecto, que se prestasse a considerações d'essa ordem.

Por outro lado, se, como allegou o sr. visconde da Torre, o nobre ministro pensasse em saciar a clientella, s. exa. não concordaria com a emenda do sr. relator. S. exa. tem a firmeza de animo bastante para, fossem qnaes fossem as influencias, reagir contra ellas e manter o seu projecto até ao fim. Protesta, pois, contra tal affirmação, que é injusta.

O orador estranha tambem, e muito, que do lado da minoria se levantasse uma opposição tão viva ao projecto, porquanto o principio do limite do idade, tal como n'elle está consignado, não é senão o complemento do decreto de 1890.

Allegou-se, por parte da opposição, que o partido regenerador não converteu em lei o principio do limite de idade, em attenção ao estado da fazenda publica, visto que o partido queria fazer economias, e não esbanjar os dinheiros publicos. Nada mais injusto do que isto! É verdade que o partido regenerador não converteu em lei o principio do limite do idade; mas tambem é verdade, incontestavel, que esse partido, não teve tanto amor ás finanças do estado, nem se preoccupou tanto com o desejo de fazer economias, que não desse o limite de idade para o exercito, onde esse principio tem consequencias muito differentes.

O pricipio do limite de idade, ao contrario do que se tem dito, não fere os direitos do magistrado. Attende aos interesses da boa administração da justiça e não compromette as finanças do estado.

Não fere os direitos do magistrado, porque o descansar aos setenta o cinco annos, é como que um premio do seu trabalho; cria para esses funccionarios uma situação melhor do que a actual. Até hoje, o magistrado, sejam quaes forem os seus trabalhos, seja qual for o seu estado physico, não póde abandonar as suas funcções, sem ser examinado e declarado incapaz de serviço; por este projecto; porem, essa formalidade desapparece, porque os setenta e cinco annos fazem, legitimamente, presumir, que o funccionario está incapaz de continuar no seu cargo.

Mas alem das leis, que regulam este assumpto, e que ficam de pé, ficará existindo, tambem este principio novo, util para o magistrado em chegando aos setenta e cinco annos de idade, esteja ou não impossibilitado de servir, tem o direito e obrigação de ir descansar, direito e obrigação que significam, para elle, uma vantagem.

O principio do limite de idade attende, alem d'isso, ao que se deve a uma boa administração da justiça. O primeiro requisito a exigir no magistrado é que elle tenha a força physica, intellectual e moral, suficiente para bem desempenhar o seu cargo.

Outra censura feita ao projecto em discussão é a de que é inutil, visto que existe uma lei que permitte ao governo aposentar os magistrados. Existe, de facto, essa lei, mas ella não se applica, como o sr. ministro não o ignora. Nunca houve no paiz um ministro que mandasse, contra a vontade do magistrado, submettel-o a uma junta medica.

Alem d'isso, se para um governo era altamente desagradavel mandar submetter um magistrado a um exame medico, para a opinião publica esse facto podia traduzir-se n'uma violencia, n'um meio de desfazer-se o governo de um juiz, não por elle estar invalido, mãe por desagradar-lhe por qualquer motivo.

E o que seria para os outros magistrados, que tivessem de aposentar um collega? Que tortura moral não seria para os novos membros do supremo tribunal de justiça, que tivessem de julgar a validez de um collega, do quem o governo queria desfazer-se? E isso era sufficiente? Não estava nas mãos do ministro da justiça, que-

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rendo aposentar um magistrado, fazer com que elle o fosse, de facto?

Alem d'isso, se o limite de idade foi introduzido no exercito e na marinha, por ser necessario ter officiaes validos, porque não ha de ser tambem introduzido na magistratura?

Passando a tratar da parte financeira do projecto que reputa exigua, elle, orador, nota que a opposição parlamentar mostra-se agora muito escrupulosa no que toca ás despezas publicas. Se isso significa um desejo de mudar de habitos, só tem que felicital-a, como felicita o paiz; e termina, pedindo ao sr. ministro da justiça que, sejam quaes forem as censuras da opposição, s. exa. continue a prestar á gerencia dos negocios da sua pasta a actividade que tem prestado até aqui; continue s. exa. a estudar os assumptos complicados que pendem da sua iniciativa; continue, emfim, a apresentar ao parlamento propostas de lei como as que já tem apresentado. Procedendo assim, póde s. exa. crer que ha de merecer muito da maioria da camara e do paiz.

Foi lida na mesa e admittida a moção ao orador.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Teixeira de Sousa (sobre a ordem): - Em primeiro logar eu cumpro um gratissimo dever de felicitar o ilustre deputado que me precedeu pela brilhante estreia que acaba de fazer, (Apoiados.) e devo confessar a v. exa., com toda sinceridade de que sou capaz, que não me surprehendeu o brilho do discurso do illustre deputado, porque ha muito tempo estou habituado a ouvir de s. exa. as tradições mais honrosas, quer para o seu saber e intelligencia, quer para o seu caracter. (Apoiados.)

Dito isto, e tendo-me v. exa. dado a palavra sobre a ordem, devo declarar que não mando para à mesa moção alguma, porque o meu pedido de palavra sobre a ordem visava ao fim de mandar uma substituição ao projecto em discussão; substituição que eu vou justificar com a maior rapidez possivel, para não abusar da paciencia e da attenção da camara, visto que a sessão está prorogada, e a hora muito adiantada.

Uma das grandes preoccupações do illustre deputado que me precedeu foi fazer o elogio da obra do sr. ministro da justiça.

Eu não venho aqui atacar a obra de s exa., e não o faço, porque isso é incompativel com as excellentes relações pessoaes que tenho com o sr. Alpoim, relações que eu muito prezo, embora sejam com a mais completa independencia politica para qualquer de nós.

A obra de s. exa. póde ter defeitos, e tem-os de certo; mas isso não faz com que eu não reconheça no sr. ministro muito saber, muita intelligencia e qualidades que muitissimo prezo, e hei de empregar todos os esforços para continuar a apreciar. (Apoiados.)

Qual foi o principal argumento empregado n'esta camara na discussão que acaba de fazer-se para justificar o projecto em discussão?

Que certos juizes pela sua idade avançada, com as suas faculdades intellectuaes entorpecidas não julgavam, sobretudo não julgavam a tempo os processos que eram submettidos á sua consideração e ao seu exame. Não ha duvida alguma de que na magistratura judicial ha juizes que faltam a tempo aos seus despachos, ás suas sentenças e aos seus accordãos; mas tambem não ha duvida alguma que isto não é o processo mais consentaneo com as necessidades do serviço; porque s. exa., querendo pôr cobro a faltas d'esta natureza, se porventura as ha, melhor faria restaurando as disposições da lei de 1855, do que estabelecer o limite do idade para ir arrancar violentamente á magistratura judicial algumas das suas maiores glorias.

Sr. presidente, peço dispensa, pelo adiantado da hora, de dizer á camara o que foi a lei de 1855, e tambem de como é que ao seu antecessor mereceram especial attenção as disposições d'essa lei, a ponto de as querer de novo converter em lei na sua proposta de 1887; refiro-me ao sr. Beirão.

Pois então na legislação actual o sr. ministro da justiça não tinha meio de pôr cobro ás faltas praticadas pelos juizes relapsos no cumprimento de sons deveres? Tinha-os no decreto de 1892, pelo qual foi crendo o conselho disciplinar da mrgistratura; e tinha-os do decreto de 29 de março de 1890, que auctorisava o ministro, com certas formalidades, a transferir os juizes.

Não tenho a honra dê ser advogado, nem jurisconsulto, mas mais de uma vez tenho ouvido dizer, que os juizes têem prazo marcado para dar despacho o sentença. E naturalmente perguntava a mim mesmo: se os juizes não cumprirem as suas obrigações nos prasos marcados na lei, que disposição haverá na lei que force o ministro a castigar o juiz relapso?

N'esta indagação encontrei o artigo 100 ° do codigo do processo civil, e peço perdão de tocar n'esta arca santa, n'esta arca que traz a humanidade em bulha! (Riso.)

Fui procurar o artigo 100.°, que diz o seguinte:

"Os juizes devem entregar os processos com os seus despachos, sentenças ou accordãos, nos prasos designados n'este codigo."

E se não cumprirem esta obrigação, diz o § 2.° do artigo 100.° o seguinte:

"Aos juizes serão descontados, para todos os effeitos, no tempo de serviço, os dias durante os quaes demorarem os processos alem d'estes prasos."

Poder-me-hão dizer que o ministro da justiça não tem conhecimento d'estes factos, não tem conhecimento d'estas demoras de julgamento! Talvez. Mas o artigo 103.° do codigo do processo civil diz o seguinte:

"O ministerio publico examinará se os juizes deixaram de cumprir o que fica disposto nos artigos 96.º a 100.°, e participará á secretaria da justiça e ao presidente do supremo tribunal todas as faltas que encontrar."

Isto quer dizer, que o sr. ministro da justiça José Maria de Alpoim ou qualquer outro, que em vez de consentir essas faltas, cumprisse e fizesse cumprir rigorosamente as prescripções da lei sobre as faltas attribuidas á magistratura, punha-lhes cobro em virtude da applicação da mesma lei. (Apoiados.)

Eu já disse a v. exa. que vou mandar para a mesa uma substituição ao projecto, e vou mandar a porque elle é inutil ou ha de trazer grandissimas difficuldades e prejuizos, não só para os juizes já aposentados, como para os restantes funccionarios civis.

Que diz o projecto?

Isto assim é uma verdadeira inutilidade; no ponto de vista em que se collocaram o sr. ministro da justiça e os oradores d'aquelle lado da camara.

O limite de idade a que se refere o n.° 1.° do artigo 13.° é fixado em setenta e uinco annos. Para bem entendermos o fim e o destino do projecto, precisámos sabor n que se contem no n.° 1.º do artigo 13 do decreto de 29 de março de 1890.

Em 29 de março de 1890, á data do decreto a que se referiu o illustre deputado que me precedeu, vigorava o decreto de 17 de julho de 1886, que estabelecia a legislação geral sobre aposentações, exigindo para a aposentação ordinaria sessenta annos de idade, contribuição de dez annos para a caixa de aposentações e impossibilidade physica ou moral verificada por tres facultativos. Mas entendeu o legislador que alem d'estas condições exigidas pelo decreto de 17 de julho de 1886, devia haver mais alguma cousa que tirava ao sr. ministro da justiça o direito de aposentação aos juizes, e o legislador trouxe para o decreto de 29 de março de 1900, uma disposição analoga á que estava na lei de 1855, e assim, a bem das condições exigidas pela lei geral das aposentações, aquelle decreto no seu n.° 1.° do artigo 13.°, a que se refere o projecto em

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discussão, exigia mais a consulta affirmativa do supremo tribunal de justiça nos seguintes termos.

Artigo 13.°:

(Leu.)

O que é então este projecto?

É o que nos dizia o sr. ministro da fazenda ha dois dias, e ha poucos momentos o illustre deputado que me precedeu que se trata da execução, terminação, corollario, completação do decreto de 29 de março de 1890. O que estabelecia este decreto? Estabelecia que alem das condições exigidas pela lei geral de aposentações, os funccionarios judiciaes não podessem ser aposentados sem previa consulta affirmativa do supremo tribunal de justiça, exceptuando o caso de vir a estabelecer-se o principio do limite de idade.

O n.° 10.°, que acabo de ler, é uma excepção á doutrina do e artigo, quando vier a estabelecer-se o limite de idade, é indispensavel a consulta do supremo tribunal de justiça. Mas vem o sr. ministro da justiça com um projecto que fixa o limite de idade, e diz: se o projecto for convertido em lei, fica dispensada a consulta do supremo tribunal de justiça para a aposentação dos funccionarios judiciaes".

Nem de outra maneira o projecto se póde entender. Tem-se fixado uma certa e determinada idade para aposentação de funccionarios, mas quando o legislador quer assim proceder, não redige uma lei pela maneira como a propõe o sr. ministro da justiça. O limite de idade para o exercito, é estabelecido no artigo 6.° nos seguintes termos:

(Leu.)

Isto quer dizer, fixou-se o limite de sessenta e sete annos para os officiaes, mas diz-se logo que a reforma, desde que o official attinge esse limite, lhe é concedida nos termos do artigo 6." Para a marinha foi estabelecido o limite de idade pelo decreto de 13 de março de 1890 o n'esse artigo diz-se:

(Leu.)

Na armada, quando o official chega aos setenta annos de idade, a lei diz que elle ha de ser reformado.

O limite de idade como está proposto pelo sr. ministro da justiça, não é só para os offeitos como no projecto está redigido; dispensa a consulta afirmativa do supremo tribunal de justiça. Podia não ser esta a intenção do sr. ministro da justiça, mas é-o nos termos em que a propoz. O sr. ministro da fazenda no decreto de 3 de dezembro do 1899, introduzindo o limite de idade para os funccionarios aduaneiros, dizia o seguinte:

(Leu.)

Todas as vezes que se fixa o limite de idade, diz-se para que é, diz-se que é para aposentação e não para a promoção.

Dizia ha pouco o sr. ministro da justiça que a sua idéa, trazendo aqui um projecto de lei para o limite de idade, não era invenção sua; já o seu antecessor, o sr. Beirão, em 1897 tinha apresentado a esta camara uma proposta de lei, que chegou a ter parecer das commissões de legislação civil e de fazenda; mas na sua proposta o sr. ministro da justiça dizia, quando se tratava de limite de idade, que era para aposentação dos magistrados.

Não é difficil do demonstrar que o projecto de lei tal como está redigido, bem comprehendido, dispensa apenas a consulta affirmativa do supremo tribunal de justiça, e tão convencido eu estou d'isso, que, ao por qualquer maneira tivesse de intervir na aposentação do quaesquer funccionarios, não deferia o processo de aposentação que não assentasse no limito de idade como foi proposto pelo sr. ministro da justiça.

Mas, se o limite de idade, como foi proposto pelo sr. ministro da justiça, é uma cousa seria, então é uma verdadeira monstruosidade nas suas consequencias, porque s. exa. não propõe o limite de idade como condição d'essa aposentação. A unica cousa que se póde discutir é que os funccionarios judiciaes, em chegando aos setenta e cinco annos, não podem manter-se mais nos quadros do serviço activo; o se porventura não houver recursos na caixa de aposentações, o funccionario é posto no olho da rua sem receber um real. (Apoiados.)

(O sr. Antonio Cabral ri-se.)

O Orador: - V. exa. ri-se? É muito facil rir, mas é difficil estudar. Se v. exa. for saber a situação, em que está a caixa de aposentações, se for ver a legislação applicada á aposentação dos funccionarios civis, reconhecerá que é muito facil, attingido o limite de idade, ficar durante muitos annos sem receber um real.

O sr. Antonio Cabral: - Eu não me ri do que v. exa. está dizendo; ri-me apenas da phrase que v. exa. empregou, e que se costuma muito empregar, mas que não é parlamentar "é posto no olho da rua". Isto não significa o menor desprimor para com as observações que s. exa. está fazendo. (Apoiados.)

O Orador: - Sr. presidente, eu vou tratar de fazer a demonstração da these, que acabei de apresentar, e vou fazel-o muito rapidamente, não podendo pelo adiantado da hora apresentar uma sequencia regular das minhas considerações.

Eu tenho uma substituição a mandar para a mesa e desejo justifical-a, e assim vou fazel-o o mais rapidamente possivel.

Dizia eu que, se o limite de idade, como foi proposto pelo sr. ministro da justiça, era uma cousa seria, é monstruosa nas suas consequencias. E vou demonstral-o.

E a proposito do illustre deputado, que me precedeu, se referir á situação da caixa de aposentações, direi que os saldos que s. exa. foi encontrar na caixa são tudo quanto ha do mais phantasioso. Não digo isto como desprimor para s. exa. De certo que s. exa., ou por erradas informações, ou por equivoco, é que veiu aqui dizer que a caixa tinha um saldo de 24 contos de réis.

Eu vou mostrar que isto é o que ha de mais absolutamente inexacto.

S. exa. sabe que a caixa de aposentações comprehende varias secções; comprehende a secção dos funccionarios civis, a secção do clero parochial, a secção da instrucção primaria, a secção dos empregados da camara municipal de Lisboa e a dos empregados das extinctas juntas geraes.

O illustre deputado procurou em globo, viu o apuramento final da caixa, e veiu dizer-nos que não havia difficuldade nenhuma em fazer a aposentação dos magistrados judiciaes por duas rasões: a primeira porque não era o thesouro quem pagava, era a caixa de aposentações, e a segunda porque a caixa tinha tão grandes recursos que n'este momento dispunha de um saldo de 24 contos de réis. Isso é tudo quanto ha de mais inexacto, repito. V. exa. conheço muito bem a constituição da caixa das aposentações. Essa caixa, que foi creada por decreto de 17 de junho de 1886, é constituida por dois fundos: pelo chamado fundo disponivel e pelo fundo permanente; o fundo permanente é constituido pelos 10 por cento da capitalisação do fundo disponivel, e o fundo disponivel é constituido pelas quotas com que concorrem os funccionarios do estado, pelo subsidio annualmente votado pelas cortes e pelos juros do fundo permanente. Para que podesse haver o soldo que o illustre deputado imagina, era preciso que as despezas fossem muito inferiores á receita da caixa, que é principalmente constituida pelas quotas com que os funccionarjos publicos concorrem e pelo subsidio votado pelas cortes. Ora s. exa. correu as contas desde 1886 até agora; viu as verbas, englobou-as sem entrar em linha de conta com a circumstancia de que ha na verdade saldo, mas na secção do clero parochial o na secção de instrucção primaria. Só s. exa. tivesse visto as contas como estão publicadas em volume, teria reconhecido

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que as quotas com que concorrem os funccionarios publicos foram em 1891-1892:

(Leu.)

Vê v. exa. que a receita da caixa proveniente das quotas dos funccionarios do estado diminuiu, emquanto que a despeza pelo pagamento de pensões augmentou desde 1891.

Augmentando, como se vê, a despeza e diminuindo a receita, o resultado final é que, longe de haver um saldo, ha de haver um deficit; assim é que, havendo um saldo em 30 de junho de 1898, na secção funccionarios, em 31 de outubro de 1899 havia um deficit de 1:540$000 réis.

Eu não venho tirar aqui como illação que, diminuidas as quotas com que concorrem os funccionarios civis, e augmentando as despezas pela aposentação dos proprios funccionarios, necessariamente o thesouro ha de augmentar o subsidio que dá para a caixa de aposentações, em virtude do voto das cortes. Ponho isso de parte. Agora o que eu quero é apreciar a situação da caixa, para d'esta situação partir para a apreciação da lei pela proposta do sr. ministro da justiça. Diz o decreto de 26 de julho de 1886, no seu artigo 1.°:

(Leu.)

E no artigo 2.°:

(Leu.)

E no artigo 10.°, n.° 1.° do decreto de 17 de julho de 1886 diz-se:

(Leu.)

Agora pergunto eu ao illustre deputado e meu amigo o sr. Antonio Cabral, que se o processo não póde seguir, a pensão não póde ser paga cmquanto não tiver cabimento para a caixa de aposentações. Desde que a caixa na secção de funccionarios civis tem já um deficit, em logar do saldo phantasiado por s. exa., o juiz que chegou aos setenta e cinco annos de idade póde continuar no exercicio das suas funcções, se não for aposentado - segundo o espirito da lei, como o sr. ministro da justiça aqui o traz - quer dizer, o funccionario em chegando aos setenta e cinco annos annos não póde funccionar nem mais um dia Se promove a aposentação, o processo segue, chega á direcção geral da contabilidade publica, e esta diz que não ha cabimento para a pensão. Mas imagina o sr. ministro que tem influencia até ao ponto de evitar que se lhe faça essa declaração! O processo segue para o tribunal de contas, e este não lhe põe o visto, emquanto não houver cabimento na verba - e desde que não passe, o funccionario não recebe, como disse ha pouco, um real da sua pensão. Parece-me que o illustre deputado ha pouco se surprehendeu ou se admirou quando eu disse...

O sr. Antonio Cabral: - Eu já disse ao illustre deputado que foi d'aquellas palavras que s. exa. empregou - no olho da rua - que eu me ri, e não da argumentação de s. exa.

O Orador: - Mas ficam por aqui os effeitos da precipitação com que o sr. ministro da justiça redigiu este projecto de lei? Não.

E eu chamo a attenção do sr. ministro da justiça o dos que com s. exa. collaboraram n'este projecto, para o § 3§ do decreto de 17 de julho, que diz o seguinte:

(Leu.)

Veja v. exa. as consequencias da precipitação com que é redigido este projecto de lei. Em primeiro logar, o func-cionano em chegando aos setenta e cinco annos não póde mais funccionar e fica esperando para ter cabimento na caixa de aposentações; entretanto, se não tiver recursos proprios de que possa servir-se, arrisca-se a morrer de fome, e, por outro lado, o sr. ministro da justiça nHo póde preencher aquelle logar segundo o que se acha disposto no § 3.° do artigo 10.º, o que póde trazer graves inconvenientes para a administração da justiça. (Apoiados.)

Sr. presidente, isto é para o caso de não haver disponibilidade, porque ainda no caso de haver disponibilidade, as consequencias são de certo gravissimas, como vou ter a honra de demonstrar á camara.

Comprehende-se bem, que a esse respeito não póde haver duvidas de que a caixa de aposentações não tem ensanchas, como vulgarmente se diz, para a todo o momento dar seguimento a um grande numero de processos; e tanto assim é, que nós sabemos todos que nas repartições da contabilidade publica se accumulam centos de processos á espora de cabimento pelo motivo que acabo de referir.

Mas supponhamos que a caixa deixa de ter deficit e começou a ter saldo; vão v. exas. ver a que ordem de consequencias o projecto vae dar logar, se a camara rejeitar a proposta de substituição, que vou mandar para a meza.

Diz o artigo 8.° no seu § unico do decreto de 28 de agosto o seguinte:

(Leu.)

Não precisamos de mais nada. Quando houver disponibilidades da caixa e houver mais de uma aposentação em processo, como a lei diz, terão preferencia, para este cabimento, primeiro a pensão de qualquer aposentado com mais tempo de serviço.

Oh! sr. presidente, o funccionario judicial que chega aos setenta e cinco anãos deve ser, em regra, um funccionario que tenha o maior numero de annos de serviço. Isto é intuitivo.

Qual é a consequencia que d'aqui resulta? Um funccionario judicial tem prestado grandes serviços ao paiz; chega aos sessenta annos, impossibilitou-se physica ou moralmente de exercer as suas funcções. Organisa-se o processo nos termos do decreto de 17 de julho de 1886; o processo segue, chega á frente da caixa e encontra um juiz, que attingiu o limite de setenta e cinco annos, com maior numero de annos de serviço do que aquelle que tem sessenta annos de idade.

Quem tem o cabimento na caixa? O juiz que attingiu setenta e cinco annos.

Resulta d'aqui uma consequencia verdadeiramente dolorosa - começar a receber a pensão um juiz, embora com setenta e cinco annos, mas com saude, valido, e continuar a servir contra a boa administração da justiça o juiz que está inteira e absolutamente impossibilitado! (Apoiados.)

Isto que eu digo, comparando a situação de um juiz de setenta e cinco annos com a de outro que tenha sessenta annos, póde dar-se com toda a especie de funccionarios civis collocados perante a caixa - um conselheiro do tribunal de contas, um telegraphista, um carteiro - que ficarão eternamente á espera da aposentação, porque o juiz que conta setenta e cinco annos, visto que era o funccionario de maior numero de annos de serviços, continuará a gosar de preferencia, recebendo em primeiro logar as disponibilidades que a caixa tinha!

Vou rapidamente apreciar o resto das emendas, porque que tambem rapidamente quero chamar a attenção do sr. ministro da justiça para outra ordem de consequencias.

Imaginemos a hypothese de um juiz que chegou aos setenta e cinco annos, e que não tem trinta annos de serviço judicial ou de serviço que lhe dê direito á aposentação. Se esse juiz com setenta e cinco annos for valido, fica sem aposentação.

A aposentação ordinaria só lhe póde ser concedida tendo trinta annos de serviço, e a aposentação extraordinaria só lhe póde ser concedida estando collocado nas circumstancias a que se refere o artigo 4.°, isto é, impossibilitado por accidente na defeza da causa publica.

Se não lhe poder ser concedida a aposentação ordinaria e extraordinaria, em que situação fica? Não digo que vá para a rua, mas fica a morrer de fome.

Não quero abusar da attenção de v. exa. e da camara, que está com vontade que eu termine as minhas considerações. Este é um projecto morto, que não merece que eu mo alargue em mais considerações.

Vou, sr. presidente, concluir; mas, antes d'isso, per-

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mitta-me v. exa. que lhe diga que sou contrario ao limite de idade; (Apoiados.) mas sei, pelos nossos habitos politicos, que só o projecto não for convertido em lei, lia de ter a approvação da maioria d'esta casa do parlamento, e com isto não vão desprimor. Se a maioria está na disposição de o approvar que o approve, mas por maneira que traga o menor numero de consequencias fataes, e é por isso que mando para a mesa a seguinte

Proposta de substituição

Artigo 1.° Os magistrados judiciaes alem dos casos em que por lei especial podem ser aposentados, sel-o-hão tambem:

1.º Quando por debilidade ou entorpecimento das suas faculdades intellectuaes, manifestados no exercicio das funcções judiciaes, não poderem, sem grave transtorno para a administração da justiça, continuar a exercer o orneio de julgar;

2.º Quando por actos praticados no exercicio dos seus logares, tenham manifestado que a continuação na effectividade do serviço póde causar graves transtornos á administração da justiça;

3.° Quando completarem setenta e cinco annos de idade.

§ unico. O limite da idade fixado n'este artigo não é applicavel aos magistrados judiciaes que, á publicação da presente lei, tiverem completado setenta e tres annos de idade, salvo se elles o requererem depois de completarem setenta e cinco.

Art. 2.° A aposentação dos magistrados judiciaes será em todos os casos concedida a requerimento sou ou promovida pelo governo, nas hypotheses dos n.ºs 1.° e 2.° do artigo 1.° d'esta lei, o mediante accordão do conselho disciplinar da magistratura judicia], com o qual o ministro dos negocios da justiça se conformará, concedendo ou negando e aposentado, nos termos precisos da decisão do mesmo conselho, seguindo-se no processo as regras e disposições contidas no decreto n.° 1, de 17 de julho de 1886, na parte não alterada por esta lei.

§ unico. As pensões dos magistrados judiciaes aposentados por haverem attingido setenta o cinco annos, não serão sujeitos do cabimento a que só referem o artigo 10.° § 2.° do decreto n.° 1, de 17 de julho de 1886, e o artigo 3.° do decreto do 26 do mesmo mez e anno, devendo o ministerio dos negocios da justiça contribuir para a caixa de aposentação com tal subsidio igual á respectiva importancia emquanto as mesmas pensões forem pagas independentemente do subsidio annual fixado pelas cortes nos termos do artigo 17.° n.° 2.° do decreto de 17 de julho de 1886.

Art. 3.° A aposentação dos magistrados judiciaes que, tendo completado setenta e cinco annos de idade, não hajam prestado trinta acmos do serviço, que doem direito á aposentação, nos termos do artigo 6.° do decreto de 17 de julho do 1886, será, regulado pelas disposições dos artigos 4.° n.º 1.° e 8.º n.° 1.° d'este decreto, no que diz respeito á pensão, não ficando, porém, dependente de comprovação de impossibilidade de continuar na actividade por motivo de doença não contrahida, ou accidente não occorrido no exercicio das suas funcções.

Art. 4.° Aos magistrados judiciaos que, tendo sido conservadores do registo predial, não tenham ao completar setenta e cinco annos o tempo de serviço em exercicio judicial ou outro que dê direito e aposentação, marcada no artigo 4.° n.° 1.° do decreto do 17 de julho de 1886, ser-lhe-hia contado para aposentação o tempo do exercicio do logar de conservador necessario para o completar.

Art. 5 ° Fica revogada a legislação em contrario. = Teixeira de Sousa.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu.)

A proposta de substituição foi lida na mesa e admittida á discussão.

O sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a emenda do illustre relator do projecto se substitua pela seguinte:

"§ unico. O limito de idade fixado n'este artigo não será applicavel aos juizes que á publicação da presente ei tiverem completado setenta e tres annos de idade." = Antonio Cabral, deputado pelo circulo n.° 6 (Braga).

Foi admittida.

O sr. Visconde de Guilhomil: - Requeiro a v. exa. que as emendas apresentadas sejam enviadas á commissão, sem prejuizo da votação.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Requeiro a v. exa. que seja consultada a camara sobre se julga a materia do artigo 1.º sufficientemente discutida.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Vão ler-se as moções enviadas para a mesa.

Procedendo-se á votação, foram rejeitadas as moções dos srs. Campos Henriques e visconde da Torre.

O sr. Cabral Moncada: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.

Resolveu-se affirmativamente.

Leu-se em seguida a moção do sr. Osorio Sarmento, que foi approvada.

Leu-se na mesa o artigo 1.° do projecto para ser votado.

O sr. João Franco: - Proponho que seja posto a votos o artigo 1.° conjunctamente com o additamento apresentado pelo sr. relator.

O sr. Presidente: - Vão votar-se em primeiro logar o artigo 1.° e em seguida o additamento como determina o regimento.

Foram approvados o artigo 1.º e o additamento.

Leu-se na mesa e entrou em discussão o artigo 2.º

O sr. Dias Ferreira (sobre a ordem): - Apresenta a seguinte

Moção

A camara, reconhecendo que os juizes de direito, em vista da carta, não podem ser privados do seu emprego senão por sentença, e que esto preceito, que a constitucional, não póde ser alterado segundo as formulas ordinarias, resolve abandonar o projecto em discussão o passa á ordem do dia.

Continuando, diz ter a sua moção todo o cabimento n'este artigo. Em virtude d'ella a camara poderá votar a demissão de todos os juizes, que chegarem aos setenta e cinco annos, mas deixa do pó a disposição da carta constitucional, que estatue não poderem os juizes ser privados de suas funcções, sem uma sentença do poder judicial.

Em sua opinião, o que só estabeleceu para o poder judicial não se estabelece para mais nenhum funccionario; o, portanto, é um erro estar argumentando com o que se dá com os funccionarios civis ou militares. Ninguem póde fazer perder o logar a um juiz sem sentença do supremo tribunal.

A camara não tem competencia para tirar do seu logar nm juiz que complete setenta e cinco annos. Atacar, pois, em uma opocha de paz e tranquillidade, um dos principios fundamentaes do estado, o poder judicial representa o ultimo estado a que se podia chegar

Tratando do limite de idade, o orador entende que, apesar do que a commissão affirma, nenhum magistrado, em accordão no sou tribunal, era capaz de lançar um despacho reconhecendo o limite de idade, quer attendesse ás

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circumstancias do thesouro quer attendesse aos interesses administrativos, quer á lei constitucional.

Não vae percorrer os pontos capitães do projecto, visto o adiantado da hora, mas dará apenas um conselho ao sr. ministro da justiça:, se o governo tem desejo, pelo interesses publico, é claro, de fazer agora um longo despacho judicial, seria, talvez, preferivel fazer um quadro auxiliar largo, de juizes supplentes, ganhando como os outros, e fazendo-se as promoções do mesmo modo. Seria uma idéa realisavel, não soffrendo muito o thesouro com ella.

Depois de outras considerares sobre o mesmo ponto, o orador conclue pedindo que, sem prejuizo dos interesses publicos, pelo facto de se ter muitos mais juizes no supremo tribunal, ao menos se respeite o principio fundamental da carta, que é a independencia dos poderes, o que, menos se deixe, para os juizes, as garantias que lhes dava o governo de Costa Cabral.

Foi lida e admittida a moção apresentada pelo orador.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Sairia da camara com remorsos, se não respondesse, embora muito brevemente, ao illustre deputado que o antecedeu. Disse s. exa. não poder acceitar o limite de idade, por ser offensivo da constituição; disse tambem que a lei actual das aposentações não briga com o artigo 121.° da carta constitucional, porque um magistrado não póde ser aposentado, sem consulta do supremo tribunal de justiça, e que essa consulta corresponde a uma sentença. Não contrariará a afirmação de s. exa., mas todos sabem a profunda differença que ha entre um accordão ou uma sentença e uma consulta.

O artigo 144.° da carta constitucional é tão terminante que, por si só, responde a s. exa. Lê esse artigo, e declara que nada mais tem a accrescentar.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Dias Ferreira:- Observa, ainda que, desde que a carta constitucional estabelece que um juiz não póde perder o seu logar, senão por sentença, e diz que é constitucional tudo o que respeita ás attribuições dos poderes politicos, a proposição do projecto é inconstitucional, porque, assim, as cortes tomam o logar do poder judicial. Sendo attribuição do poder judicial a demissão d'um juiz, e para isso é necessario uma sentença, essa attribuição não cabe ás cortes.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

Achando-se esgotada a inscripção, foi posto á votação e approvado o artigo 2.º, sendo rejeitada a moção do sr. Dias Ferreira.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae ler-se a moção do sr. Dias Ferreira para se votar.

Leu-se na mesa, foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.° para se votar.

Leu-se.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - O sr. deputado João Franco pediu a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão. Como, porem, já deu a hora, consulto a camara sobre se quer que conceda a palavra a s. exa.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr João Franco: - Agradecendo á camara a permissão de usar da palavra, em hora tão adiantada, deseja apenas levantar uma phrase pronunciada pelo sr. ministro da fazenda.

Por occasião de tomar parte na discussão do orçamento, e ao referir-se ao ultimo ministerio regenerador, de que elle, orador, fez parte, mencionou alguns actos por elle praticados, e que julga dignos da estima publica. O d'esses actos foi a resolução da questão com os credores externos, que áquelle ministerio encontrou pendente, quando tomou conta do governo.

Por essa occasião chamou a esse acto "convenio relativo á divida externa portugueza".

De então para cá, e já por duas vezes, o sr. ministro da fazenda tem censurado a significação dada áquelle acto, no proposito evidente de desmerecel-o.

O que se vê nas palavras de s. exa. é uma insistencia, um proposito, uma intenção anti-patriotica, absolutamente inconveniente, prejudicial para os interesses publicos, e contra a qual, portanto, cumpre a elle, orador, protestar.

Depois de explicar qual a, situação que o governo regenerador, de então, encontrou, e que se resumiu em reclamações dos governos estrangeiros e titulos de divida deferidos - o orador lembra, como depois da lei de 1893 cessaram todas aã reclamações, mantendo-se assim a situação, ha já sete annos, a não podendo, portanto, dizer-se que são transitorios os effeitos d'aquella lei, como inculca o sr. ministro da fazenda, que, faltando assim, mais parece presidenta de algum d'esses comités do que ministro da fazenda do seu paiz.

Faz votos para que todos os membros do governo consigam, para os interesses do paiz, resolver a questão por forma a ter consequencias iguaes ás que teve a lei de 1893, em relação á divida externa.

(O discurso sei á publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Fazenda (Affonso de Espregueira): - Protesta em nome da dignidade da camara contra algumas expressões do sr. João Franco, d diz que o ministro da fazenda actual tem o sentimento das suas responsabilidades, como tem a coragem de dizer toda a verdade, porque é necessario que ella se diga; e tanto mais que as palavras proferidas no parlamento passam a fronteira e são publicadas no estrangeiro.

Ao contrario do que pensa o sr. João Franco, elle, orador, julga necessario explicar bem todas as palavras, porque, n'este caso, ellas dão exactamente uma importancia capital ao assumpto.

Convenio, indica, clara e positivamente o assentimento formal, e esse assentimento não foi dado.

Não poderia deixar de dizer isto ao parlamento, porque, se dissesse o contrario, mentiria ás conveniencias e aos interesses do estado.

Em 1892 reconheceu-se o direito que o estado tinha do proceder a um accordo, e assentaram-se as bases de um accordo definitivo; em 1898, sendo o governo novamente auctorisado a celebrar um accordo, o que se queria é que viesse ao parlamento um accordo definitivo; nunca se chegou, porem, á conveniencia do estabelecel-o. Ora, essa conveniencia o que era? Era o interesso do paiz, era o levantamento do credito publico, para libertar o paiz da accusação de ter faltado aos seus compromissos; e foi isso o que justificou a apresentação do projecto, que o actual governo não fez mais do que executar.

Elle, orador, principalmente protesta contra certas expressões, que podem cansar ainda maior embaraço.

É facil levantar questões d'esta ordem, protestar em nome do paiz, mas é preciso tambem ver as consequencias que d'ahi podem resultar.

O paiz precisa de viver em boa harmonia, em relação a todos os outros, e não é licito julgar que se mantêem essas boas relações, faltando-se absolutamente aos compromissos tomados, e dizendo-se depois que se fez o que melhor se entendeu.

Fallou s. exa. a respeito do titulos deferidos, mas s. exa. sabe que esses titulos não poderam obter cotação; e, portanto, todas as dificuldades de então, provieram da situação anteriormente creada pelo decreto sobre a divida publica.

Termina dizendo que os presidentes dos comités decla-

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raram positivamente que só acceitavam a solução como transitoria.

(O discurso será publicado na integra guando s. exa. o restituir.)

O ar. Presidente: - Ámanhã ha sessão á hora regimental. A primeira chamada é ás duas horas o meia, e a segunda ás tres. A ordem do dia é a continuação da que vinha para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram oito horas menos dez minutos da noite.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

Da camara municipal de Villa Nova de Gaia, pedindo que seja alterada a lei de 17 de agosto de 1899, na parte em que obriga os municipios a contribuir de uma maneira tão exagerada e desigual, para o fundo da assistencia nacional contra a tuberculose, e que lhe seja arbitrada uma quota diminuta e proporcional aos rendimentos de cada um doo municipios.

Apresentada pelo sr. deputado Adriano Anthero, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal de Lamego, fazendo igual pedido.

Apresentada pelo sr. deputado Joaquim H. da Veiga, enviada a commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Tavira, pedindo modificações na proposta de lei n.° 21-O, acêrca da cultura da vinha e industrias que a ella se ligam.

Apresentada pelo sr. deputado Matheus de Azevedo, enviada ás commissões de agricultura, commercio, fazenda e ultramar e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho e cidade de Tavira, pedindo a creação de um segundo logar de notario na sede d'esta comarca.

Apresentada pelo sr. deputado Matheus de Azevedo, enviada á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario do governo.

Doe caçadores e agricultores de Alcantara (e de outros locaes), pedindo que não seja approvado o projecto de lei da caça apresentado pelo sr. deputado Paulo Cancella.

Apresentada pelo ar. deputado Paes de Abranches, enviada ás commissões de administração publica e de legislação civil e mandada publicar no Diario do governo.

Dos escripturarios de fazenda do concelho de Vinhaes, pedindo melhoria de situação.

Apresentada pelo sr. deputado Carlos Pessanha é enviada á commissão de fazenda.

Dos empregados da repartição de fazenda do districto do Funchal, contra as propostas de fazenda, que os affecta na sua aposentação e promoção no respectivo quadro.

Apresentada pelo ar. deputado João Augusto Pereira, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Justificação de falta

Participo a v. exa. que o sr. deputado Queiroz Ribeiro não póde comparecer á sessão de hoje por falta de saude. = Domingos Tarroso.

Para a secretaria.

O redactor = Sergio de Castro.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 66 DE 14 DE MAIO DE 1900 15

Discurso proferido pelo sr. deputado Dias Ferreira, que devia ler-se a pag. 12 da sessão n.° 66 de 14 de maio do 1900

O sr. Dias Ferreira (sobre a ordem): - Mando para a mesa a seguinte

Moção

"A camara, reconhecendo que os juizes do direito, em vista da carta, não podem ser privados do seu emprego senão por sentença, e que este preceito, que é constitucional, não póde ser alterado segundo as formulas ordinarias, resolve abandonar o projecto em discussão, e passa á ordem do dia."

Sr. presidente, a minha moção tem cabimento no artigo que está sujeito ao debate, porque a camara, por um acto violento, poderá votar a demissão em massa de todos os juizes do direito que completarem os setenta e cinco annos de idade, mas não póde revogar a disposição da carta constitucional, que não permitte privar os juizes dos seus empregos senão por sentença do poder judicial.

Está consignado nas leis secundarias o principio da aposentação.

Mas nas aposentações, desde que dependam do voto affirmativo do supremo tribunal de justiça, formulado em accordão, está respeitado o principio da independencia dos juizes, porque a carta não estabelece o processo a seguir para ser proferida a sentença que ha de privar o juiz de direito do exercicio do seu emprego.

Não pôde, pois, argumentar-se na applicação do preceito da aposentação ou do limite de idade aos juizes de direito com as prescripções reguladoras de outras funcções, ainda mesmo que o funccionario seja official do exercito ou da armada, porque só os juizes têem o seu emprego sob a salvaguarda de uma sentença judicial.

E a rasão é simples.

Nenhum outro poder póde esbulhar do seu logar o juiz de direito, porque o poder judicial é um dos quatro poderes do estado, e poder independente; e perderia a sua independencia se os seus membros tivessem a sua posição á mercê do poder legislativo ou do poder executivo.

Ora, tirar ao juiz de direito o seu logar, porque completa setenta e cinco annos, é arrancar-lhe o emprego independentemente de sentença do poder judicial.

A camara não o póde fazer, porque não tem para isso faculdades extraordinarias.

Temos hoje realmente fnncções de camara constituinte, mas só para a reforma dos artigos especificados na lei que reconheceu a necessidade de alterar a carta. Para o resto dos artigos constitucionaes somos cortes geraes ordinarias.

Nada mais, e nada menos. (Apoiados.)

As garantias que a carta concede aos juizes de direito foram-lhe sempre reconhecidas em todas as constituições por que nos temos regido, e foram estabelecidas, não como privilegio de classe, ou como beneficio aos juizes individualmente considerados, mas sim para manter intacta e integra a independencia do poder judicial.

Por ser a divisão e a harmonia dos poderes politicos u principio conservador dos direitos dos cidadãos, deu-se ao poder moderador, como chefe de toda a organisação politica, a attribuição privativa de velar incessantemente pela manutenção da independencia, equilibrio e harmonia dos mais poderes.

Não pôde, portanto, o poder executivo, nem só por si, nem ainda com o concurso do poder legislativo, riscar dos quadros da justiça qualquer juiz de direito sem previa sentença do poder judicial que assim o determine.

Póde demittil-os uma revolução. Fel-o a revolução de setembro de 1836, que domittiu ou obrigou a demittirem-se muitos juizes, sendo assim ainda mais radical do que o golpe de estado de 2 de dezembro em França.

Demittiu-os uma revolução triumphante, porque inter arma silent leges.

Para as revoluções não ha lei nem constituição.

As revoluções vão até onde param os seus interesses ou as suas forças.

Mas atacar n'uma epocha de paz e de tranquilidade publica um dos principios fundamentaes da carta, o logo o que reconhece a independencia do poder judicial, que tem sob a sua salvaguarda a honra, a liberdade e os haveres dos cidadãos, é uma situação tão deprimente que representa o ultimo abatimento politico a que podiamos chegar.

Apresenta-se o assumpto ,com tanta gravidade sob o ponto de vista constitucional que não vale a pena discutir a questão sob o ponto de vista financeiro, nem sequer apreciar o jubileu que se prepara destinando para os juizes que já completaram ou que completarem até ao fim de 1900 os setenta e cinco annos de idade um quadro auxiliar como o que já existe para o exercito e para a marinha.

Todas essas circumstancias, porem, são de inferior consideração e muito secundarias em presença da violação constitucional. A constituição de 1838, n'esta parte com a mesma redacção da carta, tambem não permittia que os juizes de direito fossem privados do seu logar, ou pelo modo indirecto do limite de idade ou por outro qualquer artificio, sem sentença previa do poder judicial.

O respeito pela independencia do poder judicial está profundamente radicado nos nossos precedentes, e na nossa tradição, e tem sido consagrado em todas as constituições do estado.

Foi necessario chegarmos ao estado a que chegámos para ser admittida á discussão uma proposta com o intento de decretar a demissão em massa de todos os juizes que completassem setenta e cinco annos, unica e exclusivamente por terem completado os setenta e cinco annos!

Esta orientação e esta jurisprudencia é inteiramente nova. Durante largos annos todos os esforços dos poderes publicos eram destinados a conservar os funccionarios do estado nos seus logares.

Foi para os professores e para os juizes continuarem nos seus logares depois de longos annos de serviço que se estabeleceu o terço.

E quando os altos poderes do estado assim animavam os funccionarios a continuar no exercicio de suas funcções, eram movidos ainda menos por considerações financeiras do que por necessidades publicas de outra ordem.

Predominava então a orientação de que a aprendizagem judicial não é obra de pouco tempo, e de que o capital da experiencia é o primeiro nas sciencias de immediata execução pratica.

Ha efectivamente juizes com setenta e cinco annos de inferior competencia.

Mas salvo doença real nas faculdades do espirito os que não são capacidades conspicuas aos setenta e cinco annos é porque tambem o não eram aos vinte cinco!

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Não tivemos nós o visconde de Seabrar o nosso primeiro jurisconsulto d'este quarto de seculo, aos noventa e cinco annos, quando até a cegueira já o dominava e o corpo lhe pendia abertamente para a torra, a traduzir as Tristes de Ovidio com as bellezas e com os defeitos dos tempos áureos da sua vida literaria?

Eliminar do quadro aos setenta e cinco annos um juiz com as suas faculdades em pleno e são desenvolvimento, sem o mais ligeiro enfraquecimento por doença, alem de injusto, é deshumano, porque não é impunemente para as commodidades da existencia que se arranca á viva força o homem ao labutar do seu mester, sobretudo nos ultimos annos da vida, quando elle não póde adquirir novos habitos, nem entrar em nova orientação.

Ainda poderia admittir-se o limite da idade para os professores, que não são perpétuos nos termos da carta, nem constituem um poder do estado, porque não é natural que aos setenta e cinco annos de idade, quer professem sciencias exactas, quer sciencias sociaes, tenham grande paciencia para o estudo de novas theorias e para o exame de novos problemas.

Os juizes de direito, porem, se não têem as faculdades mentaes affectadas, e para este caso lá está o meio ordinario de aposentação, quanto mais longa fora sua pratica, maiores garantias de acerto inspiram as suas decisões.

Os juizes dos tribunaes superiores, aos quaes pela sua longa pratica já poucas questões são estranhas, resolvem os pleitos com mais facilidade; e nós podemos ainda simplificar os serviços e simplificar a legislação para lhes diminuir o trabalho do julgamento.

Podiamos declarar obrigatorias as conclusões para todos os tribunaes como para o supremo tribunal de justiça, tanto em materia crime como em materia civel, tanto nas causas principaes como nos incidentes, tanto nos recursos ordinarios como nos recursos de aggravo.

Façamos todos os sacrificios para melhorar o serviço. Mas não lancemos a nossa espada na balança para aggra-var a situação do thesouro e para atacar a independencia dos poderes, que é a base do systema representativo e a salvaguarda dos direitos dos cidadãos.

Todas as nossas cartas organicas têem reconhecido como garantia das liberdades publicas a independencia d'este poder do estado.

A constituição de 1822 ainda ia mais longe. Tanta importancia dava á independencia do poder judicial, que nem a nomeação dos juizes de direitos deixava puramente nas mãos do rei.

Era o rei quem nomeava os juizes de direito, mas era o conselho d'estado quem os propunha, e o conselho distado era filho legitimo do soberano congresso, e com os homens d'aquelle tempo não passava decerto pela cabeça do rei ir de encontro ao voto dos delegado da primeira assembléa politica que tem havido em Portugal.

Serem propostos os juizes pelo conselho d'estado era o mesmo que serem propostos pelo soberano congresso, pois era o soberano congresso quem enchia a lista para o conselho distado, que era composto de treze cidadãos de entre as pessoas mais distinctas, seis das provincias da Europa, seis das do ultramar e o decimo terceiro da Europa ou do ultramar, conforme a sorte decidisse.

Era do Bei a nomeação dos juizes, mas restricta aos nomes contidos na lista do soberano congresso, d'aquelle congresso que fez uma constituição tão patriotica que não conhece rival no mundo!

Mas deixemos os tempos áureos das nossas liberdades e das cortes essencialmente populares, e passemos ao extremo opposto. Estudemos a situação mais reaccionaria que tem tido Portugal depois da implantação do systema representativo, e a que ainda hoje nos referimos, como symbolo da tyrannia ministerial contra as liberdades populares.

Vamos á situação Costa Cabral e lancemos os olhos para a lei reguladora do artigo da carta que permitte suspender os juizes de direito por queixas formadas contra elles, a qual é referendada por Antonio Bernardo da Costa Cabral.

Dá a carta constitucional ao Rei a faculdade de suspender os juizes de direito por queixas contra elles feitas, precedendo audiencia dos mesmos juizes e ouvido o conselho d'estado.

Como regulamentou Costa Cabral este preceito constitucional da carta?

Decretando em a novissima reforma judiciaria: primeiro, que a suspensão dos juizes de direito não podia fazer-se senão por decreto real; segundo, que o decreto com os demais papeis seria immediatamente remettido á relação do districto.

E para que era remettido o decreto com os demais papeis á relação do districto?

Que attribuições deu Costa Cabral á relação do districto no caso de suspensão do juiz de direito por decreto real?

Commetteu-lhe em primeiro locar a attribuição de verificar se o poder real tinha guardado na suspensão a forma estabelecida na lei, porque, se a não houvesse guardado, a relação declarava immediatamente sem effeito a suspensão e mandava logo reintegrar o juiz no exercicio de suas funcções e archivar o processo.

Era Costa Cabral, que aliás tinha na massa do sangue o principio da auctoridade real, a reconhecer á relação o direito de revogar, em nome da independencia do poder judicial, um acto do poder executivo, traduzido em decreto real!

No systema representativo, consagrado na carta, nem o poder executivo tem competencia para conhecer das decisões do poder judicial, nem o poder judicial tem jurisdicção para conhecer das decisões do poder executivo.

Pois tão fundamental se julgou o principio da independencia do poder judicial, que a novissima reforma judiciaria, referendada por Antonio Bernardo da Costa Cabral, reconheceu á relação o direito de inutilisar o decreto do Bei que suspendesse um juiz de direito, desde que na suspensão não fossem guardadas as formas estabelecidas na legislação respectiva!

Assim deu-se á relação, no interesse da independencia dos juizes de direito, jurisdicção para declarar sem effeito um diploma com a assignatnra do Bei e mandar reintegrar no exercicio das suas funcções o juiz de direito suspenso por acto real.

Esta é entre nós a legislação reguladora da independencia do poder judicial a começar no congresso mais liberal do mundo e a acabar no periodo mais reaccionario da nossa vida constitucional!

A assembléa nem á sombra dos poderes constituintes, que lhe dão os diplomas da eleição, póde consummar similhante violencia, porque, se tem poderes constituintes para reformar varios artigos da carta, não os tem para reformar o artigo que garante a indepencia do poder judicial, como um dos poderes politicos do estado.

Levantou-se aqui a insinuação de que o supremo tribunal de justiça nem sempre guarda a maior imparcialidade nas consultas para a aposentação, ou antes que é em regra contrario ás aposentações forçadas.

Não me compete a mim, e sim ao sr. ministro da justiça defender os tribunaes, quando desrespeitados.

No entretanto sempre direi que prefiro mil vezes a arbitrariedade dos tribunaes á imparcialidade dos ministerios!

A illustre commissão affirmou que magistrados tão distinctos, como os srs. Correia Leal, Castro Mattoso, Eduardo José Coelho, Poças Falcão e Medeiros, eram a favor do limite de idade,

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Ora n'esta affirmação ha um grande equivoco, que eu me apresso a desfazer. Eu conheço todos esses respeitaveis magistrados, como era natural, e nenhum d'elles em sentença ou em accordão, tomando em conta as circumstancias do thesouro e as disposições da lei constitucional, é capaz de lançar despacho reconhecendo o limite de idade.

Poderão ter votado, e poderão votar o limite de idade, como pares ou como deputados.

Mas como magistrados não votaram nem votariam nunca uma medida tão offensiva dos interesses do thesouro, como dos preceitos constitucionaes!

Com a carta constitucional á vista, e com o conhecimento pleno do estado financeiro do paiz, não conheço magistrado nenhum que se atrevesse a votar o limite de idade!

Nem no parecer da illustre commissão nem na discussão, quer parlamentar, quer jornalistica têem sido produzidos argumentos que sirvam para justificar a applicação do limite de idade aos magistrados judiciaes.

Em regra os homens revelam na epocha mais adiantada da vida os seus dotes de intelligencia, quando os tiveram' na flor da idade; e a larga experiencia e o estudo amadurecida dos assumptos, sobretudo nas questões judiciaes, são a melhor garantia de decisões acertadas.

Sr. presidente, não aprecio o fundo do projecto, nem nos seus pontos capitães, porque o adiantado da hora na materia do artigo em discussão m'o não permittem.

No entretanto sempre direi que, se o desejo do governo é, como eu creio, fazer um longo despacho judicial, é preferivel, para não offender a constituição politica, em vez de demissão em massa dos juizes que completarem setenta e cinco annos de idade, organisar um quadro auxiliar largo, de juizes supplentes ao supremo tribunal de justiça com os mesmos ordenados dos juizes effectivos!

Faziam-se do mesmo modo as promoções, ficavam todos contentes, e os preceitos constitucionaes da carta não eram d'esta vez feridos!

Nem havia n'isso novidade.

Eu supprimi em 1892 dois juizes de direito, em Lisboa, e depois da minha saida do governo já foram creados mais seis na capital!

Supprimi um no Porto, e já foram creados mais tres n'aquella cidade!

Onde não foi ainda augmentado o numero dos juizes de direito foi no supremo tribunal de justiça, onde eu tambem supprimi dois logares!

Podia agora o sr. ministro da justiça crear oito ou nove n'aquelle tribunal para guardar inteira proporção com o que se fez na 1.ª instancia!

Por cada logar de juiz que eu supprimi creavam-se quatro ou cinco!

Crie o governo a mais quantos juizes quizer no supremo tribunal de justiça, mas respeite ao menos o principio fundamental da independencia dos poderes publicos, e não arranque aos juizes de direito as garantias que até o governo de Costa Cabral lhes reconhecia!

Foi lida e admittida á moção apresentada por s. exa.

O sr. Dias Ferreira: - O sr. ministro da justiça para defender a providencia em debate produziu um argumento que só por si é a morte do projecto.

Esse argumento é prova clara e frisante da violação do preceito constitucional.

Pois que preceitua o artigo da carta? Preceitua que é constitucional tudo o que respeita aos direitos civis e politicos dos cidadãos portuguezes, e ás attribuições respectivas dos differentes poderes politicos.

Ora o projecto em discussão ataca abertamente as attribuições respectivas dos poderes publicos. Desde que a carta prescreve que o juiz de direito não póde perder o seu logar senão por sentença, a demissão do juiz por deliberação das cortes é um acto verdadeiramente inconstitucional, porque representa a usurpação pelo poder legislativo das attribuições do poder judicial. E attribuição do poder judicial a demissão dos juizes. Logo a demissão dada pelo governo, ainda com a intervenção do poder legislativo, se não é precedida de sentença judicial, é uma invasão nas attribuições constitucionaes do poder judiciario.

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 66 DE 14 DE MAIO DE 1900 15

Discurso proferido pelo sr. deputado Osorio Sarmento, que devia ler-se a pag. 8 da sessão n.° 66 de 14 de maio de 1900

O sr. Osorio Sarmento (sobre a ordem): - Em conformidade com o regimento mando para a mesa a seguinte moção de ordem.

(Leu.)

Vou tentar responder ao notavel discurso que acaba de proferir o meu nobre amigo, e collega na procuradoria geral da coroa, o sr. dr. Cabral Moncada.

S. exa. foi no seu discurso eloquente pomo sempre é. (Apoiados.) Ha muito estou acostumado a admirar no parlamento os triumphos oratorios de s. exa., assim como fora d'esta casa estou ha mais de um anno habituado a admirar os esplendidos trabalhos juridicos do illustre deputado. Não poderei acompanhar em toda a sua extensão o seu discurso.

S. exa. na primeira parte combateu o projecto em discussão e na segunda parte apresentou um plano de reformas para as quaes chamou a attenção do nobre ministro da justiça.

Sobre esta segunda parte nada direi, porque se quizesse entrar n'essa ordem de considerações teria de ir muito longe e teria de me esquecer do assumpto para o qual pedi a palavra na presente sessão.

Sr. presidente, o debate levantado aobre este projecto tem um caracter politico; (Apoiados.) e todavia este assumpto, pela sua natureza intima, não era de molde a provocal-o. (Apoiados.)

O sr. ministro da justiça, quando pensou em applicar o limite de idade á magistratura judicial, não julgou que trazia para o parlamento um projecto que se prestasse a considerações d'esta ordem.

Disse o illustre deputado "que este projecto tinha por fim saciar clientelas!" Não posso passar adiante sem protestar vehementemente contra esta affirmação de s. exa. (Apoiados.)

O sr. ministro da justiça não pensou em fazer despachos ou saciar clientelas; pensou em bem servir os elevados interesses da administração que estão confiados á sua gerencia; e bem o mostrou antes de se iniciar este debate pela boca do sr. relator.

S. exa. apresentou aqui uma emenda, que é a negação formal e absoluta da afirmativa do illustre deputado.

Se o sr. ministro da justiça pensasse em saciar clientelas, s. exa. não concordaria n'essa emenda. Só poderá dizer o contrario quem o não conhece. (Apoiados.) O sr. ministro tem firmeza de animo bastante para, fossem quaes fossem as influencias que o cercassem, reagir contra ellas e para manter integralmente o seu projecto até ao fim. (Apoiados.)

Protesto por conseguinte contra esta afirmativa que é manifestamente injusta; como se o sr. ministro da justiça ao elaborasse projectos para despachar amigos!

Esquece-se o illustre deputado, á quem me estou referindo, que o nobre ministro da justiça tem trabalhos com que muito se honra e que apresentou ao parlamento sem o fim de servir pessoas; e nem esses trabalhos, pela sua natureza, se prestavam a outro intento.

Esquece-se o illustre deputado, do codigo de fallencias, esquece-se dos serviços medico-legaes, esquece-se da assistencia judiciaria e esquece-se do codigo de processo civil, obras estas que só por si servem para acreditar os notaveis serviços do sr. ministro da justiça na gerencia da sua pasta. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, eu estranho muito que d'aquelle lado da camara se levantasse tão viva opposição a este projecto porque o principio do limite de idade tal qual o trouxe ao parlamento o illustre ministro da justiça não é senão o complemento do decreto de 29 de março de 1890, assignado pelo sr. Lopo Vaz; estranhei porque esse procedimento equivale a lançar uma condemnação formal sobre obra d'esse homem politico, que foi um dos vultos proeminentes do seu partido e que foi por muito tempo um dos seus chefes.

O sr. ministro da justiça não disse, conforme hoje me pareceu querer attribuir-lhe o sr. Cabral Moncada, que o sr. Lopo Vaz n'aquelle decreto tivesse estabelecido o limite de idade; não o disse, nem o podia dizer. O que disse foi que o fallecido estadista n'esse decreto pensou em estabelecer o principio do limite de idade na organisação judiciaria, e tanto foi esta a sua idéa que regulamentou desde logo a forma da sua execução.

Foi isso o que disse o sr. ministro da justiça e tanto que chamou á sua proposta um mero complemento do decreto de 1890.

Avançou o sr. Cabral Moncada que o partido regenerador depois de 1890, quando formou situação politica, não converteu em lei o principio do limite de idade e procedeu assim em nome da fazenda publica, porque o pensamento d'esse partido era em tudo procurar economias e não esbanjar os dinheiros do estado.

Oh! sr. presidente, ha nada mais injusto do que isto! (Apoiados.) É verdade que o illustre partido regenerador quando formou governo não converteu em lei o principio do limite de idade; para a magistratura mas tambem é verdade, e ninguem contesta que esse partido, aliás illustre, não teve tanto amor ás finanças do estado, nem se preoccupou tanto com o desejo de fazer economias que ião nos desse o principio do limite de idade para o exercito onde elle tem consequencias bem diversas. (Apoiados.) Foi então o espirito de economia que foz com que s. exa. não apresentassem o principio do limite de idade para a magistratura judicial?

Eu sustento, e a minha moção o indica, que o principio do limite de idade não fere os direitos dos magistrados, attende aos interesses da boa administração de justiça, (Apoiados.) e não compromette as finanças do estado. Vou tentar provar esta these.

O principio do limite de idade não fere os magistrados, porque o que faz simplesmente é dizer-lhes quando attingem os setenta e cinco annos: "Vão para casa e descancem". É o premio devido ao seu trabalho. Eu quero para elles uma situação melhor do que aquella que existe actualmente. Hoje, um magistrado, sejam quaes forem os seus trabalhos, seja qual for o seu estado physico, não póde abandonar, ainda que o deseje, as suas funcçSes sem ser examinado por medicos e sem ser declarado incapaz de servir; mas, pelo projecto, não acontece o mesmo; estas formalidades desappaceoem, porque os setenta e cinco annos legitimamente fazem presumir que o magistrado está impossibilitado de continuar a trabalhar.

Disse o illustre deputado a quem me estou referindo, que, o projecto é inutil porquanto outras leis anteriores permittem ao governo mandar examinar qualquer magistrado quando esteja impossibilitado de servir e que estas leis não vão agora ser revogadas. Subsistem, é verdade

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que subsistem, o presente projecto não pretende fazer desapparecer esta faculdade do governo que era indispensavel e tanto que usando d'ella póde fazer aposentar qualquer magistrado seja qual for a sua idade, cumpridas que sejam as formalidades legaes.

São leis que ficam de pé.

Agora pretende o projecto ir mais longe e introduzir na legislação um principio novo, que é util para o magistrado Q lhe diz que em chegando aos setenta e cinco annos, esteja ou não impossibilitado de servir, tem o direito de ir para casa descançar.

Uma voz: - Direito não, obrigação.

O Orador: - Direito e obrigação, mas obrigação que significa uma vantagem para elle. Vou dizer como eu aprecio essa obrigação.

Este principio não fere os juizes na sua inamovibilidade e nu convicção de que todos estão, e devem estar, de que as suas funcções são vitalicias; e não os fere porque é uma verdade, que não soffre contestação, que em chegando aos setenta cinco annos, por maior que seja a robustez do individuo, a força intellectual declina e quasi desapparece: não admira, pois, que o juiz desappareça tambem. Hás ha excepções, disse o meu nobre amigo o sr. Cabral Moncada: como excepção citou s. exa. os doutos magistrados de mais de setenta cinco annos que actualmente existem no supremo tribunal de justiça.

Ha excepções concordo com s. exa. Esses magistrados são ainda hoje a honra da sua classe. (Apoiados.) Eu tambem os conheço como s. exa.; tambem tenho trabalhado junto d'elles; sei como elles julgam, sei quanto trabalham.

É um assombro, é um prodigio; mas estes homens são uma excepção, (Apoiados.) a lei não se fez para as excepções. (Apoiados.)

E se esse argumento colhesse, eu diria ao meu nobre amigo: com que fundamento estabeleceram v. exa. o limite de idade para o exercito e para a marinha? (Apoiados.) Lá tambem ha excepções. (Apoiados.)

Sr. presidente, este principio é ainda de vantagem para os magistrados, porque um homem velho pôde, sem o querer, proferir uma decisão injusta e como este magistrado faz parte de uma classe onde póde haver outro e outros nas mesmas circumstancias, póde succeder que o seu voto sommado com o d'estes faça maioria e arraste a decisão do tribunal; (Apoiados.) d'aqtu resulta que o tribunal, julgando mal, traz o descredito para a sua decisão, e o descredito dos outros juizes. (Apoiados.)

Por consequencia é ainda de vantajem para os magistrados, indo afastar aquelles que por sua idade já não podem continuar a servir. (Apoiados.)

Eu disse ha pouco que esta obrigação de abandonar o serviço é uma garantia para o magistrado, e não o fere nos seus interesses legitimos.

Toda a gente sabe que pela lei actual as aposentações, que só concedem aos magistrados judiciaes, representam a totalidade dos seus vencimentos; perdem apenas os seus magros emolumentos, e estes, todos o sabem, não rendem mais de 200$000 réis. (Apoiados.) Pois vale a pena por 200$000 réis continuar a exercer as funcções de juiz no supremo tribunal de justiça? Não vale. (Apoiados.)

E por isso que, emquanto a lei das aposentações for a que u hoje, os nobres magistrados não perdem nada, porque recebem todos os vencimentos. (Apoiados.)

Dir-me-hão: mas esta lei póde desapparecer; já o sr. Espregueira nos annunciou n'um projecto que era essa a sua idóa. E a proposito d'este assumpto o sr. Campos Henriques fez aqui larguissimas considerações, condemnando antecipadamente esse projecto, que ainda não é lei d'este paiz. (Apoiados.)

Eu respondo: póde haver algum ministro da coroa, que se lembre de tirar aos magistrados judiciaes o direito que hoje têem á aposentação com o vencimento por inteiro; o que sabemos, porem, pela declaração do actual sr. ministro da justiça é que tal innovação se não fará emquanto elle gerir a pasta que lhe está confiada.

Com o meu voto igualmente não se fará, se este projecto for convertido em lei; e quando a actual politica mudar defenda o illustre deputado as mesmas doutrinas. Este principio attende, como disse ha pouco, ao que se deve a uma boa administração da justiça.

A questão não póde apreciar-se simplesmente pela situação pessoal dos magistrados, é preciso olhar tambem aos principies. Basta olhar para a elevada missão do poder judicial, arbitro das questões que se levantam entre particulares e entre particulares e o estado para se ver a grande respeitabilidade do que é preciso cercal-o e as altas qualidades pessoaes que devem ter todos os seus membros.

O primeiro requisito a exigir no magistrado é que elle tenha a força physica, intelectual e moral, sufficientes para bem desempenhar o seu elevado cargo; força physica porque é preciso que o magistrado estude detidamente os processos e esse estudo, todos nós que lidámos no foro e sabemos, custa muito trabalho e muitas horas de sacrificio; força intellectual, porque é preciso que o magistrado conheça todo o complicadissimo repositorio das nossas leis e para tanto é preciso ter intelligencia aguda e clara para bem saber comprehendel-as e applical-as. Necessario é tambem ter força moral, porque um juiz, para bem cumprir a sua alta missão precisa alem de conhecer o meio social em que vive, ter força bastante para se collocar superior a esse meio, para abstrair das suas relações pessoaes, de familia, das suas paixões politicas e religiosas, por forma a ser superiormente o arbitro da lei e a balança da justiça, não pendendo nem para um nem para outro lado.

Ora, estes requisitos, esta integridade physica, moral e intellectual é que, em regra falta aos setenta e cinco annos de idade.

Eu bem sei, sr. presidente, o que lá fora se tem dito e escripto contra este principio do limite de idade, sei bem a lucta tenaz que se travou em França quando o imperio o estabeleceu em 1852.

Eu conheço as palavras eloquentes escriptas por Jules Fabre combatendo este principio; conheço tambem tudo que se disse então, mas tudo que escreveu este notavel publicista não tem para nós rasão de ser. Jules Fabre dizia que o imperio só tinha servido d'esse processo para expulsar da magistratura muitos juizes que lhe eram adversos, o accrescentava para combater a reforma: que o limite de idade é uma especie de morte civil chegando n'um termo fixo; que a missão do juiz não exige nenhuma actividade physica, é toda de pensamento, experiencia e de saber, qualidades estas que não se enfraquecem com os annos, antes se vão depurando com a idade. Que falsidades!

A primeira parte d'esta critica não tem a menor applicação ao nosso paiz.

Ninguem dirá que o governo trazendo este projecto ao parlamento quiz fazer uma incursão na esphera do poder judicial pura se desfazer de quaesquer magistrados (Apoiados.) Não tem tambem rasão esse illustre publicista quando diz que a aposentação forçada é a morte civil, porque a aposentação forçada não significa outra cousa que não seja dizer ao magistrado, que não póde trabalhar, que descance. (Apoiados.)

Falsa é tambem a opinião d'esse distincto escriptor quando, partindo do principio de que a missão de juiz é toda do pensamento e de saber, conclue por asseverar que o pensamento e o saber se depuram com a idade e não se obliteram com ella.

Pois o pensamento, pois o saber, indispensavel aos magistrados, não se attenuam e amortecem em grande parte quando se tem uma grande velhice? (Apoiados.)

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É por isso quê esta critica que se faz lá fora ao principio do limite de idade, e se reproduz aqui no parlamento, é absolutamente infundada. (Apoiados.)

Ha uma outra censura contra o projecto que eu ouvi formular aqui, não só pela bôca do sr. Cabral Moncada, como pela de outro illustre orador da minoria que o precedeu no debate. Consiste em dizer que este projecto é inutil, porquanto tinhamos lei que permittia ao governo fazer aposentar os magistrados judiciaes quando estivessem impossibilitados de servir. Tinhamos, e temos, essa lei, mas o nobre ministro da justiça sabia muito bem que essa não se applicava. Nunca houve, que eu saiba, nenhum ministro da justiça do meu paus que mandasse, contra vontade, submetter um magistrado judicial a uma inspecção medica, como meio de lhe impor uma aposentação, por mais fundada que fosse esta medida; e o meu nobre amigo, o sr. ministro da justiça, que conhecia o paiz para que tinha de legislar, e tendo de attender aos seus usos e costumes, viu bem que essa lei, a que o illustre deputado, a quem me refiro, chama sufficiente, não servia para nada, sob o ponto de vista que nos interessa n'este momento. (Apoiados.)

E não é só aqui que tal lei se mostra inefficaz. Li já n'um distincto publicista que em França essa faculdade, dada ao governo para forçar os magistrados a uma retirada, tambem não se applicava! E não admira.

Se para o governo é sempre altamente desagradavel mandar submetter um magistrado superior, carregado de anhos e de serviços, a um exame medico, para a opinião publica esse facto póde traduzir-se n'uma mera vingança ou n'um simples expediente de governo, posto em pratica para se desfazer d'elle, não por estar invalido e incapaz, mas porque lhe desagradava por qualquer maneira. (Apoiados.)

E que sacrificios não representava a applicação da lei para os collegas que tivessem de julgar n'este processo de aposentação? Porque a verdade é esta: não ha, em regra, aposentação que não tenha previamente voto affirmativo do supremo tribunal de justiça. E que martyrio não seria para os membros d'este illustre tribunal, que tivessem de julgar do estado de um collega, a quem o governo quizesse obrigar a retirar-se? Que lucta não seria a sua! Por um lado o exame medico a dizer-lhes que o magistrado não está capaz de continuar a servir, e por outro lado, pelas suas relações pessoaes de longa camaradagem, a consciencia a insinuar que aquelle exame medico bem póde ser que não represente a verdade toda! Lucta terrivel!

Por isso essa faculdade do governo, por ser altamente desagradavel para os ministros da coroa e para os membros do poder judicial que houvessem de votar acêrca das aposentações forçadas, não costumava executar-se, e, portanto, era insuficiente para o fim que o governo com este projecto quiz conseguir.

Não estava na mão do sr. ministro da justiça se ámanhã quisesse, por uma necessidade de serviço, obrigar um magistrado judicial a aposentar-se, conseguir livremente o seu intento, porque entre a sua vontade e a aposentação se interpõe a vontade do supremo tribunal de justiça; pois é certo que as aposentações judiciaes só podem, em regra, como disse, fazer-se, e muito me agrada esta doutrina, mediante voto afirmativo d'esse illustre tribunal.

Quando comparo o que succede na magistratura judicial com o que succede no exercito e na armada, eu digo: não sei como os nobres deputados da minoria regeneradora levantam opposição a este projecto. (Apoiados.)

Lá, no exercito e na marinha, não ha para a reforma dos officiaes as formalidades previas que ha para a aposentação dos juizes; basta que um exame medico declare que o official não está em estado de servir, para que o ministro respectivo lhe applique o decreto de reforma.

Mas então para que é que s. exas., para que é que o partido regenerador, quando formou governo, adoptou o principio do limite de idade no exercito e o adoptou na marinha? Não precisavam d'essa reforma. Se as leis que temos na justiça, e que dão ao governo a faculdade de mandar examinar um juiz, satisfazem por completo ao problema, como affirmam os illnstres deputados regenera-dores, digo eu então, mais ainda e melhor as leis analogas satisfaziam na guerra e na marinha, e, todavia, apesar de os ministros d'estas duas pastas terem a mesma faculdade que tem o ministro da justiça, s. exas. julgaram-se obrigados a apresentar o limite de idade para os officiaes de terra e mar.

Os illustres deputados regeneradores dizem que existe uma contradicção no procedimento do sr. ministro da justiça, trazendo aqui este projecto, em comparação com o passado do partido progressista, que combateu o limite de idade quando foi applicado ao exercito e quando foi applicado á marinha. Não ha essa contradicção porque as circunstancias são totalmente differentes. (Apoiados)

Como disse, na justiça a lei que tinhamos era insufficiente, mas no exercito e na armada a lei existente era bastante para o governo despedir da fileira, contra vontade, qualquer official invalido.

Para obter este fim não era preciso mais do que um exame medico, demonstrativo da incapacidade, e a vontade do ministro. Não era preciso, como na justiça, previamente o voto affirmativo de nenhuma corporação consultiva. O governo a cada passo usava d'esta sua faculdade contra officiaes; e, todavia, o illustre partido regenerador adoptou para elles o principio do limite de idade!

Mas a maior differença é a que resulta do lado financeiro, e a essa hei de referir-me logo.

Se nós lermos as rasões pelas quaes o limite de idade foi introduzido na marinha e no exercito, convencemo-nos de que pelas mesmas rasões se defende perfeitamente o projecto que se discute.

O sr. Arroyo, illustre estadista e distinctissimo parlamentar, (Apoiados.) quando estabeleceu o limite de idade na marinha disse que o adoptava porque precisava de officiaes validos; e o sr. Pimentel Pinto, quando annos depois, em 1895, applicou o mesmo principio ao exercito, escreveu no seu relatorio pouco mais ou menos as mesmas palavras.

Pois bem, sr. presidente, se este principio se introduziu na marinha, se se introduziu no exercito, porque são precisos officiaes validos, digo eu, com a mesma rasão o sr. ministro da justiça pretende adoptar o principio nos serviços a seu cargo, porque tambem precisa de juizes-validos. (Apoiados.)

Resta-me fallar da parte financeira do projecto, que é a mais atacada. Vejo que os illustres deputados regeneradores, que se têem occupado d'este debate, se preoccupam muito com o lado financeiro do projecto. Vejo tambem que s. exas. estão agora muito escrupulosos pelo que toca ás despezas publicas. Se estas palavras, sr. presidente, significam da parte de s. exas. um desejo de mudar de habitos, eu só tenho a felicitar-me e a felicitar o paiz. (Apoiados.)

A parte financeira d'este projecto é muito exigua; basta reparar para o seguinte. No supremo tribunal de justiça ha 12 juizes e 1 presidente, e nas tres relações do reino e Açores ha 43 juizes e 3 presidentes. Imagine v. exa. qual será o numero dos aposentados, em quadro tão restricto, pelo principio do limite de idade! A aposentação raro deixará de dar-se no supremo tribunal de justiça, porque aos setenta é cinco annos poucos serão os magistrados que lá não estejam; mas ainda mesmo que as aposentações se dêem no quadro das relações, o numero tambem ha de ser muito pequeno.

O sr. Cabral Moncada fez-nos um calculo de despezas exagerado, e sem uma base acertada. S. exa. calcula-a e dos juizes actuaes, partindo da media da formatura

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18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

aos vinte e quatro annos, e por este processo acha uma media de quartorze magistrados de mais de setenta e de menos do setenta e cinco annos, cujas despezas de aposentação forçada em breve hão de pezar sobre o thesouro.

Este calculo não é verdadeiro. A media da formatura aos vinte e quatro annos não significa cousa alguma, porque é meramente graciosa. O calculo precisa de muitas correcções. De dois magistrados incluidos no calculo do illustre deputado, sei eu que se formaram aos vinte e um aunos, e ainda não têem setenta annos de idade, e são um, o sr. Sequeira Pinto e o outro, o sr. Francisco Mattoso Côrte Real. Pelo calculo do sr. Moncada, elles já estavam para alem dos setenta annos! Com os outros não sei o que succederá.

Para arranjar na actualidade quatorze magistrados de mais de setenta annos, foi preciso recorrer a um calculo tão fallivel como este.

Calcula s. exa. a despeza com estas aposentações em 30 contos de réis; que exagero enorme! Era preciso para isso, ainda que o calculado numero fosse certo, que todos estes magistrados se aposentassem pelo limite de idade aos setenta e cinco annos; mas ha um importante elemento de calculo, com que se deve contar: quantos não desapparecerão pela morte d'aqui até attingirem esse limite?

Mas ainda que o encargo fosso o que s. exa. diz, a caixa de aposentações tem verba sufficiente, ou quasi sufficiente, para fazer face a esse pagamento, o vou dizer porquê.

Leio no Diario do governo de 19 de abril d'este anno a conta da caixa de aposentações, e lá vejo, na parte relativa aos empregados oivis, que o estado concorre annualmente para essa caixa com 55 contos de réis. Vejo toda a receita e toda a despeza desde 1886, data em que a caixa se creou, até 30 de junho de 1899, periodo até onde alcançam as ultimas contas, e noto o seguinte: em todos os annos essa caixa teve um saldo positivo, e n'alguns houve um saldo enorme! Não resisto á tentação de ler á camara o que são esses saldos. Começando em 1886 e terminando em 1899, os saldos positivos são os seguintes, numeros redondos:

(Leu.)

No ultimo anno o saldo positivo da caixa foi ainda de 24 contos de réis, e houve annos em que esse saldo foi de mais de 90 contos de réis.

Este é o estado financeiro da caixa de aposentações.

Pergunto, sendo isto assim, é saindo as despezas das aposentações dos empregados civis não directamente dos cofres do estado, mas dos cofres d'esta caixa, não terá ella dinheiro de sobra para pagar os encargos que porventura possa trazer a aposentação forçada dos magistrados judiciaes?

O illustre deputado sr. Moncada procurou antecipadamente tirar a força a este meu argumento, porque disse que esta caixa foi organisada como devendo ter uma administração propria o independente, mas nunca a teve, de maneira que, estando a sua administração confundida com a do estado, u a final elle quem paga todos os encargos dos aposentados.

Não é verdade. Ha uma completa separação entre a administração dos fundos da caixa e dos fundos do estado. Não ha a confusão, a que s. exa. se refere. Eu tive occasião de o verificar, por informações de um empregado superior do ministerio da fazenda, ainda ha dois dias.

Inclusive os proprios titulos, que a caixa tem adquirido para o seu fundo de amortisação, lá existem completamente distinctos e separados dos titulos, que estão na posse da fazenda publica.

Eu ouvi o sr. Campos Henriques ha dois dias, no notavel discurso que proferiu n'esta camara, dizer, por informações que de alguem recebeu, que no ministerio da fazenda estavam pendentes quatro mil processos de aposentação.

Eu, sr. presidente, fiquei assombrado com esta revelação e disse de mim para mim: eu estava convencido de que a caixa de aposentações tinha um saldo bastante para pagar o angmento, ainda que pequeno, de despeza, que traz este projecto; mas diante de quatro mil processos, diante d'esta enorme avalanche da futuros aposentados, talvez que o meu argumento não valha absolutamente nada. E, tomado de curiosidade, fui ao ministerio da fazenda colher informações. E quer v. exa. saber o que eu lá encontrei? As quatro mil aposentações pendentes reduzem-se a setenta e dois processos! (Vozes: - Oh!) Havia, alem d'estes, mais de cem processos na contabilidade, mas estes já nem pendentes se podem chamar, porque estavam todos mortos, visto como pelos exames medico-legaes estava averiguado que os funccionarios a quem diziam respeito, não estavam impossibilitados de servir.

Havia, pois, em andamento só setenta e dois processos, numero, por consequencia, que fica bem distante dos quatro mil, a que o sr. Campos Henriques, graciosamente, se referiu.

E eu refiro-me á parte da caixa que comprehende os empregados civis, porque na caixa de aposentações ha fundos proprios e uma escripturação perfeitamente distincta para cada um d'estes grupos de funccionarios, empregados civis, entre os quaes se comprehendem os juizes, parochos, empregados da camara municipal de Lisboa e pessoal de instrucção primaria.

Os saldos, que eu apontei, são os que existem no cofre dos empregados civis, e é d'este cofre que hão de sair as aposentações dos magistrados, e por conseguinte os encargos do presente projecto, se for convertido em lei.

Ora, esses saldos positivos, que sempre existiram na caixa, deverão continuar no futuro; nada faz suppor que desapparecara, e portanto as novas aposentações cabem perfeitamente dentro d'elles.

Vamos a suppor, por hypothese, que o saldo positivo que ha na caixa das aposentações para esses encargos não chega. No ultimo anno havia, como já disse, 24 contos de réis e esse saldo foi um dos menores. Supponhamos que não chega; o que succede é que o estado necessariamente terá de supprir o deficit que houver. O parlamento tem o direito e o dever de votar annualmente o subsidio preciso para as despezas da caixa.

Eu pergunto: acaso os serviços da magistratura, pela sua funcção proeminente no meio social, não valem um pequeno sacrificio, que não poderá ser mais de 6 contos de réis? Mas que seja de 10 ou de 15, a magistratura não o merece? Creio que ninguem dirá que não.

O partido progressista combateu fortemente o principio do limite de idade applicado ao exercito, porque n'essa honrosa corporação, composta de innumeros officiaes, trazia fortissimos encargos para o thesouro, os quaes não se compadeciam bem com o estado precario da nossa fazenda publica; foi por isso que o combateu, e se agora traz á discussão o principio do limite de idade applicado á magistratura e o defende, é porque, sendo exiguo o numero do magistrados a que tem de applicar-se, a despeza ha de ser necessariamente insignificante.

D'esta forma, e á luz d'este criterio, desapparece a fallada contradicção que os illustres deputados regeneradores querem ver no partido, a que me honro de pertencer.

Julgo, com estas ligeiras observações, que provei á camara que o limito de idade não é desvantajoso e antes consagra e respeita os interesses dos magistrados judiciaes; que é um principio eminentemente util digno de adoptar-se n'uma boa organisação judiciaria, e que pelo lado financeiro não póde de maneira alguma cemprometter os interesses da fazenda publica. É isto o bastante para responder ao meu talentoso amigo o sr. dr. Cabral Moncada.

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 66 DE 14 DE MAIO DE 1900 19

Vou terminar, mas antes dirijo-me para o meu nobre amigo o sr. ministro da justiça e digo-lhe que, sejam quaes forem as censuras que lhe possam ser feitas d'aquelle lado da camara, continue s. exa. a prestar á gerencia dos negocios da sua pasta o cuidado e elevado criterio que ata aqui tem presidido a todos os seus actos; continue a estudar os assumptos complexos que dependem da sua rasgada iniciativa; traduza todo o seu estudo em projectos e alcance, como aquelles que tem trazido ao parlamento e que tanto honram a sua administração, e creia v. exa. que ha de merecer bem e muito da maioria d'esta casa e de todo o paiz.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

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