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SESSAO DE 9 DE MAIO DE 1885

Presiilcneia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno
Joaquim Augusto Ponces de Carvalho

SUMMARIO

Dá-se conta de dois officios do ministerio da marinha e ultramar, um enviando esclarecimentos pedidos pelo sr. Luiz José Dias, outro remettendo esclarecimentos pedidos pelo sr. Marçal Pacheco. - O sr. Julio do Vilhena apresenta uma representação da camara municipal de Beja, e muitos dos seus maiores quarenta contribuintes, e a proposito fiz algumas considerações sobre a crise cerealifera que esta pesando sobre o paiz. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Trocam-se explicações entre os srs. Ferreira de Almeida e Marçal Pacheco, em que intervem o Sr. presidente, a proposito de palavras que aquelles dois srs. deputados pronunciaram na sessão de 4 do corrente, com referenda a um requerimento. - Apresenta vim requerimento o sr. Goes Pinto. - justificam faltas os srs. Pereira Borges, Vieira das Neves e visconde do Rio Sado.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 34 (orçamento rectificado). - Usam da palavra sobre a ordem os srs. Consiglieri Pedroso e Franco Castello Branco. - No fim da sessão tem a palavra para explicações o sr. Elvino de Brito. - Responde o sr. ministro da marinha e ultramar.

Abertura - As duas horas o meia da tarde.

Presentes a chamada - 36 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Albino Montenegro, Silva Cardoso, A. J. d'Avila, Moraes Machado, Santos Viegas, Augusto Poppe, Lobo d'Avila, E. Cociho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Augusto Teixeira, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, Manuel de Medeiros, Marçal Pacheco, Martinho Montenegro, Sebastião Centeno, Visconde de Balsemão e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Pereira Corte Real, Antonio Centeno, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Pereira Leite, Barão de Ramalho, Sanches de Castro, Carios Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Cyprian o Jardim, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Francisco Beirão, Correia Barata, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, José Frederico, Lobo Lamare, José Luciano, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Fevereiro, Anselmo Braamcamp, Antonio Candido, Antonio Ennes, Pereira Borges, Fontes Ganhado, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, Seguier, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Neves, Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Mouta e Vasconcellos, Martens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Tilatos de Mendia, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, J. C. Valente, Melicio, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Amorim Novaes, Avellar Machado, Correia de Barros, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Reis Torgal, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Amalia e Costa, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz, Pedro Roberto, Dantas Baracho, Vicente. Pinheiro e Visconde de Reguengos.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do mistério da marinha, remettendo, em ao requerimento do sr. deputado Marçal Pacheco, os documentos relativos á concessão dos salgados de Castro Marim feita em 1874 á sociedade financeira agricola.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, satisfazendo em parte, aos requerimentos dos srs. deputados, Luiz José Dias, Ferreira de Almeida e Antonio Centeno, relativos á concessão dos salgados nos concelhos de Loulé, Faro e Olhão.
Á secretaria.

Não houve segundas leituras.

REPRESENTAÇÃO

Da caMara municipal do concelho de Beja e muitos dos seus quarenta maiores contribuintes, pedindo quo, a titulo do medida provisoria, se augmentem os direitos de importação de trigo.
Apresentada pelo sr. deputado Julio de Vilhena, enviada á commissão parlamentar sobre a crise cerealífera e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio do reino, me sejam fornecidos os seguintes documentos:
I. Copia de toda a correspondencia official trocada entre o ministerio do reino e o governo civil de Vianna com respeito a mudança dos doentes do antigo para o novo hospital de Arcos de Valle de Vez;
II. Copia dos officios ou representações enviadas ao sr. ministro do reino pelos facultativos d'aquelle hospital Belizano Sampaio e Abel Paiva, em março e abril d'este anno;
III. Copia da informação dos facultativos, Pinheiro Torres e Silva Ramos a respeito das condições hygienicas do referido hospital, (auto de exame) da refutação ou resposta dos facultativos Sampaio e Paiva, e da informação dada pelo delegado de saúde de Vianna do Castello;
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IV. Copia de toda a correspondência entre o governo civil de Vianna e a administração do concelho dos Arcos que respeite as condições do hospital, mudança dos doentes, demissão dos facultativos etc. = O deputado, E. J. Goes Pinto.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que o sr. Borges, deputado por Beja, tem faltado a algumas sessões por motivo justificado e é provavel que falte a mais algumas. = O deputado Eduardo José Coelho.

2.ª Declaro que tenho faltado ás quatro ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado pelo circulo n.° 47, Vieira das Neves.

3.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara de que não pude comparecer a algumas das ultimas sessões por motivo justificado. = Visconde do Rio Sado.
Para a acta.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Julia Carlota Garcia Moreira da Serra, pedindo uma pensão.
Apresentado pelo sr. deputado Luiz de Lencastre, enviado á commissão do ultramar, ouvida a de fazenda, e mandado publicar no Diario do governo.

2.° De Guilherme Augusto Vidal, aspirante auxiliar semaphorico, com exercicio na estação telegraphica principal do Lisboa, pedindo, como encarregado do serviço maritimo, a gratificação annual de vencimento de exercicio como têem os demais encarregados de serviço das estações principaes de Lisboa e Porto.
Apresentado pelo sr. deputado Lopes Navarro e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Elvino de Brito: - Pedia a palavra para quando estivessem presentes os srs. ministros da marinha e ultramar e do reino para tratar de um assumpto ao qual já hontem me queria referir, o que não fiz por v. exa. não me ter concedido a palavra.
O sr. Presidente: - Eu hontem não dei a palavra ao sr. deputado, porque já passava da hora. A sessão não estava prorogada, e eu não podia prorogal-a, porque não posso alterar as disposições do regimento, não obstante a muita consideração que tenho para com s. exa.
O Orador: - O que eu peço de novo a v. exa. e que me reserve a palavra para quando estiver presente algum dos membros do governo, que indiquei.
O sr. Julio de Vilhena: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Beja e de alguns dos quarenta maiores contribuintes d'aquelle concelho.
Conheço pessoalmente os cavalheiros que assignam este documento e posse assegurar que são dos mais respeitaveis pela sua posição social e pelo seu caracter.
N'esta representação pedem os signatários que o governo proponha ao parlamento uma medida provisoria, tendente a augmentar os direitos ,de importação sobre os trigos estrangeiros, soccorrendo assim os lavradores d'este concelho com a urgência que o caso exige.
Não posso deixar do ler um periodo d'esta representa, porque o assumpto, como v. exa. sabe perfeitamente, é muito importante.
N'este periodo, dizem os representantes:
(Leu.)
Como v. exa. sabe, eu tive occasião de annunciar uma interpellação ao sr. ministro da fazenda ácerca da questão agricola nas suas relações com as finanças do paiz; s. exa. não se deu ainda por habilitado para responder a esta interpellação.
Não tenho empenho em realisal-a; no que eu tenho empenho é em saber da parte do governo se tenciona tratar d'este assumpto, antes de se encerrar o parlamento.
O assumpto reclama providencias urgentes. (Apoiados.)
A situação em que se encontra o paiz, no tocante as suas condições agricolas, e muito principalmente o districto de Beja, carece de prompto remédio da parte do governo.
A crise existe e tende a aggravar-se, porque as causas que a determinam não são transitórias.
Tenho a honra de representar o circulo de Beja nesta casa e não posso deixar de declarar que tenho muito prazer em defender tudo quanto tende a prosperidade d'aquelle districto.
Sinto não ver presente o sr. ministro da fazenda, porque desejava que s. exa. me declarasse se effectivamente o governo estava resolvido a tratar d'esta questão ainda na presente sessão legislativa.
A questão agricola e uma questão em cuja solução têem do cooperar muitos elementos, e certo, mas isso não dispensa o governo de adoptar desde já os que se pedem n'esta representação.
Julgo necessario que o governo não deixe encerrar o parlamento tem mostrar ao paiz o maximo empenho na resolução d'este assumpto.
Podia, alongar-me em muitas considerações a este respeito, mas, como não vejo presente nenhum membro do gabinete, limito por aqui as minhas considerações. Peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Approvada a publicação.
O sr. Luiz de Lencastre: - Mando para a mesa a representação da sra. D. Julia Carlota Garcia Moreira da Serra, na qual, pelos motives que expõe e eu tenho por justos e procedentes, pede a esta camara uma pensão.
Peço a v. exa. queira dar á representação o destino que tiver por conveniente, e reservo-me para em tempo sustentar o pedido que a camara faz a representante.
O sr. Goes Pinto: - Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos, pelo ministerio do reino, respeitantes a questões havidas na administração do hospital dos Arcos de Valle de Vez.
Tendo de passar-se á ordem do dia, vejo-me obrigado a guardar para uma das proximas sessões algumas considerações que desejava expor a camara.
O sr. Ferreira de Almeida: - Em sessão de 4 do corrente, tive occasião, por dever do cargo, de fazer umas declarações com respeito á questão dos salgados do Algarve ás minhas palavras suscitaram da parte do sr. Marçal Pacheco algumas observações onde, a par de referencias agradaveis, se encontram outras que acho menos decorosas para mim e para o parlamento, e a que tenho de referir me.
Antes, porém, preciso fazer uma ordem de observações que justifiquem, tanto quanto eu poder e souber, a maneira seria, digna e conveniente que me prezo de ter observado a todas as questões que tenho tratado no parlamento.
Eu sei, porque me foi dito aqui, e até na presença de v. exa., sr. presidente, que me precede um conceito, porque todos nos temos mais ou menos um conceito publico, de que eu era violento, turbulento, tempestuoso e não sei que outras cousas mais graves e feias n'este genero.
Invoco por isso o testemunho da camara para que diga, se nas vezes em que tenho fallado, geralmente nas questões de marinha, em que naturalmente sou um pouco versado, se é certo que fui, talvez, um pouco violento no tom, como o sr. ministro da marinha accusou nas suas considerações, eu muito senti e sinto que v. exa., com o largo ti-

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rocinio parlamentar que tem, não viu que essa violencia de tom e não de phrase era devida ao esforço que naturalmente tem de fazer quem pela primeira vez enceta estes debates parlamentares, em que carece vencer em si proprio a resistencia que naturalmente ha para fallar em assembleas d'esta ordem.
Assim fica explicada a violencia do modo, e não da phrase, que aqui tive e que o sr. ministro da marinha encontrou e accusou uma vez em referencia aos meus discursos.
Isto quanto ao meu modo de fallar.
Tem havido aqui duas ou tres sessões de agitação parlamentar.
Não apreciarei, por desnecessario, se justas ou injustas, se bem ou mal fundadas; mas invoco o testemunho dos mui illustres collegas regeneradores que me cercam, para dizerem se eu, que ando precedido do tal conceito de tumultuoso, não me conservei sereno e quedo, não acompanhando de fórma alguma essas manifestações, que, repito, não pretendo apreciar. (Apoiados.)
Estas declarações são precisas, porque v. exa. e a camara comprehendem, que está sempre mal collocado um individuo que n'uma questão que tem de resolver-se possa ser capitulado de que o faz por caracter richoso ou cousa que o valha.
Parece que este procedimento parlamentar á maneira por que tenho tratado as questões me dão o direito de dizer que e menos fundada qualquer apreciação sob similhante ponto de vista.
Ainda devo dizer que não sei qual seja a solução do incidente que ficou levantado desde o dia 4 de maio e que não tem podido ser resolvido até agora, apesar de todos os dias me inscrever, com esse intuito, do que v. exa. póde dar testemunho. (Apoiados.)
Não me anima o desejo de provocar scenas, porque, alem de inuteis, em logares desta ordem, são ridiculas; pela minha parte e podendo invocar ainda o testemunho de cavalheiros que têem assento n'esta camara, tenho tido sempre o cuidado e a compenetração do respeito que devo ao logar, aos individuos e a mim proprio; pretendo, porem, no pleno uso do meu direito, tratar uma questão que tem muito de decorosa para o parlamento, e tambem parallela e conjunctamente o caracter pessoal que lhe é naturalmente subordinado.
A replica que da motivo ao incidente, ainda que dada em seguida as declarações que julguei dever fazer, com relação á questão dos salgados do Algarve, comprehende, ainda que remotamente, dois outros srs. deputados, um que levantou a questão, e outro que era associado ao requerimento que apresentei sobre o assumpto, de maneira que, não só por mim, mas tambem por elles, me vejo na necessidade e obrigação de pedir explicações sobre umas phrases que se contêem na resposta dada as considerações que aqui fiz.
Creio ter posto a questão com a maxima clareza possivel, e agora passo a ler o que então disse e depois a resposta, e eu direi onde se encontra o aggravo.
Disse eu em sessão de 4 maio, apresentando um requerimento assignado tambem pelo sr. Antonio Centeno:
«Mando para a mesa um requerimento assignado tambem pelo meu digno collega o sr. Centeno, deputado por Lagos, pedindo a urgencia na remessa dos documentos requeridos pelo sr. Luiz José Dias com respeito á concessão dos salgados do Algarve.
«Aproveito a occasião para dizer que, tendo este assumpto sido tratado pela opposição progressista por todos os seus jornaes officiaes e officiosos durante o interregno parlamentar, julguei do meu dever aguardar as resoluções que houvessem de adoptar-se sobre o assumpto não só quanto a opportunidade mas a forma, para lhe tirar assim todo o caracter de política local, que a minha iniciativa poderia dar-lhe; n'alguns espiritos; por estas rasões muito folgo de ver que a questão fosse levantada por um deputado estranho ao circulo e ao districto a que a concessão se refere, porque assim tem toda a importancia de uma questão de administração geral que a oposição tem o direito e dever de apreciar.
«Feita esta declaração cumpre-me accrescentar que logo que se apresente a questão na camara hei de acompanhal-a como devo, na qualidade de deputado da nação, e em especial como deputado d'aquella localidade, a que o assumpto interessa».
Peço licença para perguntar se no que acabo de ler ha alguma cousa de incorrecto, que possa melindrar alguem, directa ou indirectamente, proxima ou remotamente?... (Pausa.)
Diz-nos a resposta dada pelo sr. Marçal Pacheco, entre umas declarações amoraveis, que e mais proveitoso disc-tir o assumpto «do que pretender por meio de insinuações ou de ameaças fazer medo ao sr. ministro da marinha».
Nada tenho com essa parte, porque emfim, a susceptibilidade que possa ter o ministro de se dizer que elle é accessivel ao medo pela ameaça não é commigo, e com elle.
Mas se toco n'este ponto e porque com elle se liga a parte final, que diz «que o que se está passando agora corresponde a qualquer outro intuito que não seja a de esclarecer a camara e o paiz ácerca d'este assumpto».
Como eu entendo que não póde haver outro intuito no parlamento senão esclarecer as questões de administração publica e politica, assiste-me o direito e por decoro parlamentar de pedir a v. exa. que convide o illustre deputado que, se persiste nestas affirmações, a declarar á camara, para que ella proceda depois como entender, quaes são os outros intuitos que um deputado pode ter, que não sejam os de esclarecer a camara e o paiz sobre qualquer questão da administração.
Peço a v. exa., para me conceder de novo a palavra depois de quaesquer explicações que sejam dadas, para poder replicar se eu assim entender conveniente.
O sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao sr. deputado Marçal Pacheco, pego licença ao sr. Ferreira de Almeida para uma observação.
Faço inteira justiça aos nobilissimos sentimentos do illustre deputado; (Apoiados) respeito os seus melindres; mas, por dever da posição especial em que estou collocado, em relação a este incidente, por homenagem A verdade e amor a justiça, direi que, quando n'uma das sessões anteriores o illustre deputado o sr. Marçal Pacheco requereu uns esclarecimentos ao governo com respeito a questão dos salgados e fez algumas considerações sobre esse assumpto, eu não ouvi a s. exa. phrase ou allusão que se podesse considerar offensiva ou pouco decorosa para o parlamento, porque alias não deixaria de convidar o illustre deputado, em harmonia com o regimento, a rectificar essa phrase. (Apoiados.)
E tanto me parece que não houve da parte do sr. Marçal Pacheco allusão alguma que podesse melindrar qualquer dos seus collegas, que recordo-me bem, s. exa. chegou a declarar expressa e terminantemente que não pretendia maguar o illustre deputado e antes tinha em toda a consideração as suas honradas intenções. (Apoiados.)
Ora, desde que se faz uma declaração n'estes termos, parece-me que o periodo ou a phrase que suscitou reparos da parte do illustre deputado não podia ser interpretado por férma que melindrasse a s. exa. (Apoiados.)
O sr. Marçal Pacheco já pediu a palavra e eu espero que s. exa., com a hombridade que lhe é propria, e tambem com a moderação que tão conveniente e ao systema parlamentar, reconhecera que as explicações que acabo de dar são a verdadeira interpretação da phrase que a camara lhe ouviu e motivou este incidente. (Apoiados.)
Ao sr. ministro da fazenda, era vista do regimento competia a palavra; mas, em presença de uma questão d'esta

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natureza, se s. exa. permitte, vou concedel-a ao sr. Marçal Pacheco.
O sr. Marçal Pacheco (para um requerimento): - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu possa desde já responder ao sr. Ferreira de Almeida.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Tem s. exa. a palavra.
O sr. Marçal Pacheco: - O illustre deputado a quem vou responder começou por declarar que eu tinha proferido algumas palavras menos proprias do decoro parlamentar.
Não me faço cargo de responder a s. exa. n'este ponto, porque acaba de o fazer o nobre presidente d'esta camara com a auctoridade que lhe é propria, e é a elle, mais do que a nenhum de nós, que incumbe zelar a honra do parlamento. Mais ainda. Se eu tivesse proferido qualquer phrase menos digna, mais ou menos attentatoria da dignidade do parlamento, não teriam decorrido quatro ou cinco minutos sem que qualquer dos seus membros se levantasse a reclamar contra ella. A honra e o decoro parlamentar não são apanagio de nenhum membro d'esta casa. E todavia certo que ninguem reclamou. Ve, pois, o illustre deputado, a quem me estou referindo, que inteiramente é injusto, quando classifica de menos decorosa para o parlamento qualquer phrase por mim proferida. (Apoiados.}
Liquidado este ponto, passo, sem mais demora, a responder ao illustre deputado no ponto principal dos aggravos que viu, para a sua dignidade, n'algumas das phrases, por mim pronunciadas n'uma das sessões anteriores. Sr. presidente, se bem me lembro tenho dez annos de parlamento: tenho feito, não direi muitos discursos, mas algumas observações, repetidas vezes, n'esta casa e ainda até hoje não tive necessidade nem de explicar nem de retirar qualquer palavra que tivesse pronunciado. Isto prova - e dá-me o direito de o dizer - que fui sempre urbano com os meus collegas. (Apoiados.)
É hoje a primeira vez que acontece dar explicações das minhas palavras e, felizmente, posso dal-as completas e satisfactorias, sem alterar nem retirar, como não altero nem retiro, nem uma palavra, nem uma virgula do que proferi e está escripto. Não fica, pois, interrompida a linha do meu procedimento anterior.
O illustre deputado sentiu-se mais ou menos aggravado com algumas phrases que proferi. Mas isso prova a nimia susceptibilidade do illustre deputado, e nada mais.
S. exa. está no seu direito: cada um toma a peito o sen melindre pessoal segundo os seus sentimentos e segundo quer; é, porem, preciso ver o que e propiamente materia do direito e vontade de cada um e materia objectiva de offensa ou aggravo.
Sr. presidente, v. exa. sabe que quando na segunda feira eu entrava na camara - e nem ouvi fallar o sr. Ferreira de Almeida - me disseram que s. exa. só tinha associado a um requerimento do meu collega, o sr. Luiz José Dias, pedindo com urgencia os documentos indicados no requerimento que este illustre deputado primeiro fizera.
Não discuti nem discuto o direito que tem cada deputado de ser juiz da opportunidade de pedir quaesquer documentos. Cada qual trata as questões quando e como quer. Mas o que me causou reparos, e isto e objecto de uma apreciação critica que me pertence a mim, como a todos os meus collegas, foi a urgencia de documentos, cinco mezes depois da camara aberta. (Apoiados.)
Sobre este ponto fiz apreciações na alçada da minha critica, e no uso do meu direito.
Então disse eu, sr. presidente, «que n'estes termos e n'estas condições, a urgencia dos documentos parecia ter outro intuito que não fosse o de esclarecer a camara e o paiz ácerca d'esta questao».
Observa o illustre deputado «que não ha nem pode haver, por parte de qualquer membro d'esta casa, nenhum outro intuito que não seja o de esclarecer a camara e o paiz sobre os diversos assumptos que sejam submettidos ao seu exame».
Peço perdão para dizer que não é assim. Pergunto: O illustre deputado discutiu as reformas politicas? Esclareceu s. exa. a camara e o paiz ácerca d'este assumpto submettido ao exame do parlamento? O seu partido esclareceu a camara e o paiz sobre as reformas politicas? Não. Logo, s. exa. e o seu partido tiveram outro intuito que não foi o de esclarecer o paiz e a camara. Qual foi esse outro intuito? O intuito puramente politico, faccioso até, se quizerem, o intuito imposto pela disciplina, pela ordem de idéas e marcha do partido. É isto offensivo para alguem? (Apoiados.)
Não é, não o podia ser, nem para s. exa., nem para ninguem, tanto mais quanto eu disse nas minhas observações o seguinte: «Isto não é fazer injuria nem ter em menos consideração as intenções honradas dos illustres deputados», etc. V. exa. e a camara vêem, pois, que nas observações que fiz não tive outro intuito senão o de apreciar o pedido de urgencia feito pelos illustres deputados sob o ponto de vista puramente politico, sem intenção de maguar nem de ferir ninguem. Posso dizel-o alto e bom som, e tenho n'isso muitissimo prazer, porque se não fosse essa a minha intenção, tel-o-ia dito de outra férma e por outros termos, e não como está aqui escripto.
E peço a v. exa. e á camara que notem esta circumstancia. Eu não revi as notas tachygraphicas d'estas observações, e por conseguinte não alterei nem modifiquei o que lá estava.
O que disse não dava margem a susceptibilisar-se ninguem, e muito menos o illustre deputado que será o primeiro a dar testemunho de que, durante longos annos, conservei sempre as relações mais cordeaes com s. exa. S. exa. mais de uma vez me deu provas inestimaveis da consideração que tinha para commigo, e eu da consideração que tinha pelo illustre deputado. Por consequencia, havia de ser de um momento para o outro, sem se ter dado facto nenhum, nem publico, nem particular, que produzisse uma offensa grave, que viria provocar o meu collega no parlamento, dirigindo-lhe insinuações offensivas da sua dignidade? (Vozes: - Muito bem.)
Não faz sentido. (Apoiados.)
Quanto a outro periodo que s. exa. notou, tambem não tenho a menor duvida em mostrar-lhe a sua significação.
Esse periodo diz assim:
«É simplesmente dizer que eu, que sou deputado pelo Algarve, e que conheço este negocio, não tenho a menor duvida em discutil-o largamente com qualquer dos meus collegas, sendo isso mais proveitoso do que pretender, por meio de insinuações ou ameaças, fazer medo ao sr. ministro da marinha.»
Todos sabem a ordem de idéas a que me referi, porque todos sabem o que se tem dito lá fóra a proposito d'esta questão.
Disse, e digo-o ainda, que era e é melhor levantar no parlamento uma discussão larga de um e outro lado, dizer-se o que se julgasse conveniente e justo, do que andar lá por féra, nos jornaes, affirmando cousas tão extraordinarias, que não as quero nem devo repetir aqui.
Não disse que o illustre deputado as tinha affirmado, mas alludi ao que lá por fóra se passava. Tanto não me referi a s. exa. que estimei que o illustre deputado viesse pedir esclarecimentos e logo me associei a esse pedido.
Resumindo e concluindo, affirmo, em primeiro logar, que não proferi uma unica palavra que podesse ser attentatoria ou offensiva da dignidade e do decoro d'esta casa.
Dá-me a certeza disto o facto de v. exa. me não chamar á ordem, e o de não haver reclamado nenhum dos illustres membros d'esta casa que têem tanta dignidade como o illustre deputado. (Apoiados.)
Em segundo logar e quanto aos motivos especiaes que o

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illustre deputado apresentou como motivos de aggravo, parece-me ter mostrado a s. exa. e a camara, que nas observações que fiz, nenhuma palavra existia que podesse maguar o illustre deputado, e que quando alguma existisse estava o seu sentido salvaguardado pelas expressões: - não quero fazer injuria aos illustres deputados - palavras estas que eu proferi sem ser provocado a proferil-as e sim espontaneamente. (Apoiados.)
Creio, portanto, ter correspondido ao que v. exa., esta camara e o illustre deputado esperavam de mim (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ferreira de Almeida: - Pouco tenho a observar com respeito as explicações que o sr. Marçal Pacheco acaba de dar.
Disse eu á camara que havia uma questão parlamentar sobre que me cumpria pedir explicações, ainda quando ella interessasse tambem a alguns srs. deputados a quem eu me tinha associado na questão que suscitára este incidente.
Disse que estava mal impressionado por ter ouvido ao sr. Marçal Pacheco dizer que n'este negocio podia haver quaesquer intuitos que não fossem os de esclarecer a camara, mas, á vista da maneira como o sr. Marçal Pacheco acaba do se expressar, com manifesta satisfação para ambos os lados da camara, seria extrema impertinencia não acceitar as explicações dadas como completamente correctas, tanto para mim, como para os dois outros cavalheiros a quem este incidente interessava.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado e felicitado pelos srs. deputados de ambos os lados da camara.)
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Quando entrei na camara soube que o sr. Julio de Vilhena apresentára uma representação da camara municipal de Beja ácerca da crise cerealifera e tratára das providencias que era preciso tomar, chamando para este ponto a attenção do governo.
Não só por deferencia para com o illustre deputado, mas pela lembrança da excellente camaradagem que sempre temos tido, tenho obrigação de dizer que estou prompto a cooperar com a commissão de inquerito que esta camara nomeou, e que e composta de cavalheiros representantes dos differentes circulos, onde a questão cerealifera tem sido mais discutida; estou prompto, repito, a cooperar com essa commissão a fim de que se possam tomar medidas que sejam em proveito da agricultura e sem que se possam ir ferir os interesses do thesouro.
Esta questão é grave e esta sendo muito debatida em quasi todos os paizes da Europa.
Não me parece tambem que possa ser resolvida unicamente pelo augmento dos direitos sobre os cereaes estrangeiros. (Apoiados.)
É uma questão grave, já pelo lado economico, já pelo lado financeiro.
É talvez necessario estabelecer um complexo de providencias e que não baste só o augmento do imposto.
É certo que em outros parlamentos, e ultimamente em França, tem sido elevada a taxa sobre cereaes estrangeiros, mas é certo tambem que essas taxas eram inferiores ás que existem em Portugal, e entre nos deu se ha poucos annos o facto de se desenvolver e augmentar a importação dos cereaes, depois de ser augmentada a taxa dos direitos.
Desde, pois, que esta questão se agita, tendo em vista por um lado os interesses do thesouro e por outro lado o desenvolvimento das nossas condições agricolas, eu, em resposta ao meu amigo o sr. Julio de Vilhena, não posso senão dizer o que ha pouco disse: que na commissão de inquerito estou prompto, não só a emittir a opinião do governo, mas tambem a cooperar com ella para que se resolva esta questão ainda esta sessão, se for possivel; e estou prompto tambem a apresentar qualquer providencia que, sem ferir fundamentalmente os interesses, do thesouro, possa servir de beneficio para o desenvolvimento da nossa agricultura.
O sr. Julio de Vilhena: - Não posso deixar de agradecer ao meu illustre amigo, o sr. Hintze Ribeiro, as considerações que acaba de fazer e os desejos que mostra de que ainda n'esta sessão parlamentar seja resolvida, senão completamente, pelo menos attenuada, a crise agricola, que infelizmente está assolando o nosso paiz.
S. exa. declarou que na commissão mostrará quaes são as idéas do governo a este respeito.
Eu desejo que a commissão não seja apenas um meio de obstar a solução da questão; desejo que ella trabalhe para que o mais depressa possivel habilite o parlamento a resolver um problema, cuja existencia não póde negar-se, e que esta afftectando os interesses do paiz. (Apoiados.)
As commissões são um meio de elucidar a camara e habilital e a resolver questões importantes, mas é necessario que as commissões cumpram os seus deveres. Não quero dizer que a commissão não os cumpre. Fallo em these.
Digo que as commissões, em geral, devem cumprir as suas obrigações; e esta commissão, trabalhando, como deve, contribue efficazmente para resolver esta questão e auxiliar poderosamente o governo, cujos intuitos não podem deixar de ser o remediar a crise que esta victimando o paiz.
Sei que o problema é complexo, e que, estabelecendo-se um direito protector inferior ao actual, ha de necessariamente haver desfalque mas receitas do thesouro; mas o illustre ministro sabe tambem que, se por um lado diminuem as receitas aduaneiras, por outro lado a industria agricola do paiz póde ficar collocada em condições mais vantajosas do que está actualmente, e por consequencia as classes affectadas pela crise pagarão os impostos melhor do que pagariam se a crise não existisse. Isto é, a diminuição do rendimento aduaneiro é sufficientemente compensada pelo melhoramento das condições economicas do paiz. (Apoiados.)
Eu sei tambem que effectivamente em Portugal o direito protector e superior a todos os direitos protectores dos outros paizes em generos identicos; mas verdadeiramente não se póde fazer a comparação de nação para nação, porque um direito que é protector em qualquer nação póde não o ser em Portugal.
O facto de ser ou não ser protector depende da comparação d'esse direito com as condições em que se encontra a industria que elle protege.
Um direito de uma certa e determinada taxa póde ser protector lá fóra, embora a taxa seja inferior á do nosso direito, e todavia póde ser insufficiente entre nós.
Creio que o governo empregará todos os seus esforços para a resolver, assim como espero que a illustre commissão do inquerito trabalhará. Acredito piamente nas intenções do meu antigo collega o sr. ministro da fazenda, estou convencido que s. exa., não só por desejo de me ser agradavel, mas muito principalmente pelo desejo de resolver uma questão vital, não deixará que se encerre o parlamento, sem ter envidado todos os seus esforços, para que a crise existente seja attenuada.
O sr. Cypriano Jardim: - Peço a palavra.
O sr. Presidente: - Já deu a hora para se passar á ordem do dia, estão muitos srs. deputados inscriptos, e para dar a palavra ao sr. Julio de Vilhena, já tive de consultar a camara; não posso portanto dar a palavra ao sr. deputado.
O sr. Cypriano Jardim: - Mas eu pedia a palavra como membro da commissão a que o sr. Julio de Vilhena se referiu.
O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao sr. deputado, em outra occasião lh'a concederei.
O sr. Cypriano Jardim: - A camara em todo o caso fica sabendo, que eu desejava usar da palavra para res-

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ponder, por parte da commissão, sobre o assumpto a que referiu o illustre deputado o sr. Julio de Vilhena.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n.° 34 (orçamento rectificado)

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia, mas tem a palavra para um requerimento o sr. Ferreira de Almeida.
O sr. Ferreira de Almeida: - O requerimento para que tinha pedido a palavra referia-se ao incidente que ficou resolvido, e por consequencia caducou o pedido que tinha feito hontem.
O sr. Presidente: - Devo dizer ao illustre deputado, que tambem esta inscripto sobre a ordem, e que embora não tenha necessidade de usar da palavra sobre o requerimento, para que tinha pedido, pode continuar a usar d'ella sobre a ordem, porque e s. exa. quem se segue na ordem da inscripção.
O sr. Ferreira de Almeida: - N'esse caso digo a v. exa. que o assumpto que tinha a tratar na discussão do orçamento rectificado dizia respeito ao aproveitamento dos fundos publicos, na gerencia, quer ordinaria, quer extraordinaria, do ministerio da marinha, e como s. exa. o sr. ministro da marinha não está presente, e quasi ocioso fazer quaesquer considerações. S. exa. era por assim dizer o mais competente para ouvir e poder responder, e por isso desisto da palavra, reservando-me para tratar d'esse assumpto n'outra occasião.
O sr. Consiglieri Pedroso (sobre a ordem): - Começou lendo a sua moção, e continuando, disse que ia fazer algumas considerações relativas ao orçamento do estado.
Começando pelo orçamento das receitas, disse que estas são constituidas por impostos e emprestimos.
No estado de civilisação em que vamos, era impossivel chegar-se a utopia de eliminar os impostos indirectos; e em geral os governos não encontravam para estes impostos as reluctancias que encontram com relação aos impostos directos. Todos sabiam a grande resistencia que levantou o imposto de rendimento, quando era facto que impostos indirectos, tão importantes como este, têem sido recebidos sem reluctancia.
Todos os nossos impostos estavam reclamando uma séria, profunda e radical reorganisação.
E devia dizer que sentia que, quando se estava discutindo uma questão tão importante, como era o orçamento do estado, a camara estivesse tão pouco concorrida e o governo tão pouco acompanhado dos seus amigos. Se fosse uma questão irritante era de crer que os srs. deputados não abandonassem as suas cadeiras.
Não queria examinar um por um os impostos, tanto directos como indirectos, porque não desejava fatigar a camara, mas não podia deixar de se referir a alguns d'elles.
Perguntava se a contribuição industrial era o que devia ser, e se rendia para o thesouro é que se podia exigir. E estava ella distribuida de um modo equitativo? Não.
A contribuição predial, com o systema de matrizes que esta em vigor, não podia existir. A contribuição de renda de casas precisava de ser revista sob principios financeiros mais justos; a contribuição sumptuaria não podia existir como estava. Os direitos de mercê eram lançados, mas não se cobravam, e por isso a divida proveniente d'estes direitos era espantosa.
Um imposto d'esta ordem, cuja cobrança se encontrava em tão grande atrazo, com grandes vicios na fórma da sua distribuição, sem fiscalisação, precisava de ser reorganisado de modo que obrigasse a pagar quem devia.
A contribuição do registo e o imposto do sêllo. Podia o sr. ministro da fazenda defender a organisação de qualquer d'estes impostos? Porventura a contribuição do registo era equitativa e justa? Não ia ella aggravar muitas classes de um modo menos equitativo? O imposto do sêllo, pelo exagero de muitas das suas verbas, pelo complicado da sua legislação, e pela fórma por que esta legislação estava variando, constituia um verdadeiro cabos.
Os impostos de consumo seriam necessarios para o estado atormentado em que se encontrava o thesouro, e se fosse examinar este imposto havia de encontrar profundos vicios, e generos aggravados com impostos pesadissimos.
O bacalhau, por exemplo, um genero que era o alimento das classes pobres, pagava 40 por cento do seu valor. Um tal imposto economica e humanitariamente fallando, devia ser rejeitado.
As nossas pautas eram anti-economicas, e tambem não queria insistir sobre a iniquidade do imposto do pescado.
Podia o sr. ministro da fazenda recusar-se a eliminar ou a diminuir este imposto; mas a verdade era que ninguem podia defender um tal imposto, que ia pesar sobre uma classe desvalida, se não em vista das necessidades do thesouro.
A respeito do imposto do sal nada agora diria, porque esse imposto estava sendo estudado por uma commissão de inquerito, que havia de apresentar o seu parecer, e quando esse parecer viesse, discutiria essa questão com todo o desenvolvimento; mas a camara sabia as muitas reclamações que têem vindo a camara contra esse imposto, signal evidente de que elle não podia continuar como estava.
Com os impostos addicionaes todos conheciam a natureza perturbadora d'estes impostos e as grandes desigualdades a que davam logar.
Nas receitas extraordinarias havia o recurso ao credito.
Esse recurso era necessario nas sociedades modernas, e todas as nações d'elle faziam uso, mas não podia deixar de condemnar o abuso repetido de recorrer ao credito, porque mais cedo ou mais tarde elle havia de levar a banca-rota.
E, ao passo que as receitas se encontravam no estado que acabava de referir, as despezas augmentavam todos os dias. A tendencia era para o augmento das despezas, e a camara vira que ainda ha pouco tempo essas despezas cresceram muito, resultado da ultima organisação do exercito.
Havia despezas ainda a fazer, e lembraria o poder judicial, ao qual estavam confiados os mais sagrados interesses da nação. Qual era o primeiro requisito de uma magistratura d'esta ordem? Era a sua independencia, e não queria ler a camara a verba que no orçamento estava consignada para um juiz de primeira instancia, para um juiz da relação, ou ainda para um juiz do supremo tribunal de justiça.
Comparassem-se essas verbas com o que ganhava um juiz em Inglaterra.
O que ganhava aqui um juiz de primeira instancia era igual ao que em Inglaterra ganhava um official de diligencias.
Como se podia exigir que um empregado, por mais honesto que fosse, podesse viver desafogadamente, se elle não podia occorrer a sustentação da sua familia?
O orçamento da receita era vicioso e o da despeza, para fatalidade das cousas, tendia a crescer, o daqui vinha que o desequilibrio entre a receita e a despeza havia cada vez de ser maior.
Com expedientes não se salvavam as finanças, e era necessario com coragem e energia proceder a reorganisação das nossas finanças.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando restituir as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, considerando que o desequilibrio, accusado pelo orçamento rectificado de 1884-1885, promette aggravar-se ainda nos futuros orçamentos, já pela tendencia constante das despezas do estado a elevarem-se, já pela

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defeituosa base, cobrança e fiscalisação de muitas das receitas publicas, lamenta que uma serie de expedientes tenha substituido o pensamento de uma seria organisação completa do nosso systema financeiro, com grave detrimento da nossa economia nacional, e passa a ordem do dia. = Consiglieri Pedroso.
Foi admittida.
O sr. Franco Castello Branco: - Disse que não estava de accordo com muitas das considerações feitas pelo illustre deputado, por isso que s. exa. vira tudo mau.
O nobre deputado encontrára as receitas deficientes e as despezas com tendencia para augmentar; mas o que s. exa. não disse fóra que as receitas têem subido constantemente e tendiam todos os dias a augmentar.
Tinha dito s. exa. que não se podia condemnar o recurso ao credito, porque esse recurso era hoje indispensavel nas sociedades modernas. Estimava ouvir esta declaração ao illustre deputado, porque já houve tempo em que os governos entendiam que o recurso ao credito era o caminho para a bancarota, e que só se devia lançar maio das economias para alcançar o equilibrio entre a receita e a despeza do thesouro.
Era um facto que desde 1851 se tem por muitas vezes e por muitos governos recorrido ao credito; mas perguntava ao sr. deputado em que se tem empregado a maior parte do producto d'esses emprestimos.
Como era que se tinham construido as estradas, os caminhos de ferro, as linhas telegraphicas e com que e que se subsidiavam tres mil e tantas escolas? Nada disto se fazia sem dinheiro. Havia algum financeiro que podesse occorrer a estas despezas sem dinheiro? Se havia, dissesse onde elle estava, que, se lhe desse garantias, abandonaria o governo actual e iria atraz d'elle. Mas ninguem podia fazer melhoramentos sem gastar dinheiro.
Ha cincoenta annos que se anda a dizer que estamos proximos da bancarota, e vê que o paiz tem progredido e melhorado as suas condições economicas e financeiras.
Tinhamos um deficit; mas deficit tinha-o tambem a Inglaterra, a Hespanha, a França e muitas outras nações, e todas recorrem ao credito para salver as suas difficuldades.
Raro era o paiz que todos os annos não recorria ao credito, ou seja por meio da divida consolidada, ou por meio da divida fluctuante.
Em seguida passou a fazer muitas outras considerações em resposta aos srs. Consiglieri Pedroso e Eduardo José Coelho.
(O discurso será publicado na integra quando o sr. deputado restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A hora está quasi a dar.
Está inscripto sobre a materia o sr. Veiga Beirão, e para explicações o sr. Elvino de Brito. Tem, pois, a palavra para explicações, o sr. deputado.
O sr. Elvino de Brito: - É-me muito desagradavel ter de fallar de mim. No entanto e no uso de um direito e no cumprimento de um dever, a que não sei faltar, que eu chamo a attenção de v. exa. e da camara para as explicações que vou dar e que têem por fim aclarar umas reticencias que me pareceu existirem no discurso com que o sr. ministro da marinha se dignou responder-me na ultima sessão.
Disse s. exa. que eu, em tempo, tivera com elle uma conversa particular a proposito da nomeação do sr. Bernardo Francisco da Costa para inspeccionar os estudos na India.
Tendo eu sido, ao que parece, interrogado por s. exa. sobre os merecimentos ou capacidade litteraria e scientifica d'aquelle cavalheiro, lhe respondi que me parecia ser um erro politico a nomeação d'aquelle cavalheiro. Não sei se foram exactamente estas as palavras que eu proferi; é certo porem que considerei e considero ainda inconveniente a nomeação do sr. Bernardo da Costa para a mencionada commissão.
Quando empreguei as palavras - erro politico -, e acredito que as tivesse empregado, porque assim o affirma o sr. ministro, evidentemente desejava referir-me á política geral, no sentido generoso e sincero da palavra. Só podia ter em vista, empregando-as, o bem do paiz onde nasci e os interesses geraes da India. Não quiz referir-me á política mesquinha de partidos, nem cuidei de interesses mais ou menos pessoaes, ou particulares.
É certo, absolutamente certo, que o sr. ministro da marinha conversou commigo, ácerca da mencionada commissão. Devi-lhe este favor e esta honra; e até me lembro de que a proposito disso me contou outras cousas, que se relacionavam com a nomeação, e de que eu nunca fiz, nem podia fazer uso, porque não estava para isso auctorisado. Entendi que não podia fazer uso das palavras que ouvi ao sr. ministro da marinha, sem auctorisação de s. exa., e, por isso, tambem sempre esperei da nobreza do seu caracter e da delicadeza dos seus sentimentos, que s. exa. não traria para aqui uma parte da conversa, com a aggravante de a deixar incompleta, porque occultou a parte que lhe era complementar e que muito a elucidaria!
Sr. presidente, quando o sr. ministro da marinha e ultramar me fallou sobre este assumpto, eu ponderei a s. exa. que a India era de todas as provincias ultramarinas a mais flagellada pela questão das castas, e onde o odio das raças, longe de decrescer, cresce e augmenta constantemente. O sr. Bernardo da Costa, natural de Goa, fizera ali sempre política accesa, e embora fosse um dos filhos mais illustres da India, o seu regresso despertaria naturalmente as irritantes questões em que durante a sua permanencia n'aquelle paiz elle mais ou menos figurára sempre. Poupar á India futuras luctas e novos dissabores que a guerra das castas ali levanta todos os dias, pareceu-me sempre e parece-me ainda um dos maiores serviços que lhe podemos prestar. Nem procurei o sr. ministro para contrariar a nomeação do sr. Costa, nem era capaz de o fazer. Apenas respondi, e respondi lealmente, a pergunta que, em conversa intima e que eu estava longe de que seria trazida a publico, me fora feita pelo sr. Pinheiro Chagas.
Eu não podia sequer crer que o sr. ministro da marinha e ultramar procedesse assim, collocando-me em condições, alias pouco agradaveis, de ter de explicar ao parlamento e ao paiz o sentido das palavras com que franca e lealmente procurei responder, não ao sr. ministro da marinha, como ministro, mas ao sr. Pinheiro Chagas, como meu antigo amigo.
Em assumptos politicos, tomando a palavra no sentido partidario, não tive nunca conversa com o sr. ministro.
Não, sr. presidente, nunca, em epocha alguma, tive com o illustre ministro da marinha e ultramar qualquer conferencia que não fosse para reclamar justiça a favor dos povos ultramarinos, ou para, accedendo ao convite de s. exa., levar-lhe quaesquer esclarecimentos ou documentos sobre assumptos coloniaes.
O illustre ministro da marinha e ultramar ha de estar lembrado de que a primeira vez que s. exa. se dirigiu a mim, depois de ser ministro da marinha, foi para me pedir um modestissimo trabalho que eu em tempo escrevêra sobre as moedas em circulação nas colonias portuguezas de Africa e que o fizera publicar no jornal que redijo e dirijo - O povo ultramarino.
Parece-me que foi por essa occasião, ou talvez outra, que s. exa. incidentemente mo fallou na nomeação do sr. Bernardo Francisco da Costa, fazendo-me a proposito d'ella revelações de que não fiz, nem sou capaz de fazer uso; porque, francamente, entendo que não devo trazer para aqui o que ouço em conversas particulares.
Só o faria, neste caso, se fosse para isso convidado pelo sr. ministro da marinha.
Sr. presidente, digo e repito: não sou capaz de faltar

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ao cumprimento dos meus deveres, e nunca trarei para as discussões d'esta casa as palavras que ouça, em conversa particular, aos meus amigos politicos ou pessoaes, ou aos meus adversarios politicos, entre os quaes tambem tenho muitos amigos pessoaes. (Apoiados.)
É certo que no que eu disse e no que ouvi ao sr. ministro, não houve nenhum facto desairoso, nem para s. exa. nem para mim; houve apenas uma pergunta a que eu respondi com toda a sinceridade, - e a proposito d'ella honrou-me s. exa. com umas certas revelações do que tenho guardado escrupulosamente o maior sigilo.
Ha um outro ponto que eu francamente não esperava tambem do illustre ministro da marinha, com cuja amisade me tenho honrado, e com quem tenho mantido as melhores relações, que elle o trouxesse para aqui. S. exa. referiu-se á escolha que o governo em tempo fizera de mim para ir estudar no estrangeiro um dos problemas mais importantes da estatistica.
Referindo-se o sr. ministro da marinha a, portaria que me nomeou para essa commissão de serviço, eu devo declarar que não, foi sem constrangimento que annui a ir, em certas condições, ao estrangeiro estudar a estatistica da propriété non batie, a fim de poder o paiz habilitar-se a solver o compromisso que tornava no ultimo congresso, em 1876, do apresentar a estatistica comparada, n'aquella especialidade, de todos os paizes cultos.
A portaria diz:
(Leu.)
Aconteceu, porem, que, tendo sido eleito deputado, facto de que tive conhecimento antes de ter dado cumprimento ao disposto n'aquella portaria, eu entendi que me devia exonerar d'aquella commissão e não sair de Portugal. E foi isso o que fiz.
Exonerei-me.
É o que se vê do documento que passe a ler:
(Leu.)
Eu não sabia que acceitar uma commissão de serviço publico, do mais a mais instado, e no desempenho dos meus deveres, fosse motivo para censura ou para qualquer allusão desfavoravel por parte do governo!
Entendi que devia dar estas explicações a camara e ao paiz, para que só não suppozesse que a allusão de s. exa. podia ter alguma cousa de menos favoravel ao meu caracter, como politico, como funccionario, ou como simples homem.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Duas palavras apenas.
Não sei para que o illustre deputado pediu a palavra para explicações. Onde viu s. exa. que eu o censurava por ter sido nomeado para uma commissão encarregada de estudar a estatistica lá fóra?
Eu, citando a portaria pela qual o illustre deputado foi nomeado para essa commissão, quiz unicamente dizer que do mesmo modo havia sido nomeado o sr. Bernardo Francisco da Costa. Estava no meu direito, dizendo que o illustre deputado não tivera duvida em acceitar uma nomeação igual para desempenhar uma commissão de serviço publico. N'isto não havia censura para ninguem.
Quando ao sr. Bernardo Francisco da Costa, não tenho por costume referir-me a conversações particulares, mas devo dizer uma cousa e é que talvez hontem fosse um pouco adiante; mas e que eu senti que um assumpto que tinha sido tratado entre nós n'uma conversação particular fosse trazido para a discussão. O illustre deputado procurou-me no meu gabinete, e parece-me que o que se passou entre nós não devia ser tratado no parlamento.
Eu não tive duvida em referir factos que, como o illustre deputado disse, não são desairosos.
S. exa. effectivamente disse-me que o sr. Bernardo Francisco da Costa não seria bem nomeado, não por falta de competencia, mas por motivos politicos, como s. exa. agora, expoz. Nao houve reticencias nem cousa alguma na mesma conversa, mas não me referi a ella senão quando vi que o illustre deputado trouxe para aqui uma conversação particular, em que me abri com franqueza com s. exa.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira e a mesma que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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