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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 7 DE MAIO EM 1664

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Antonio Carlos da Maia

Chamada — Presentes 65 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Abilio, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Quaresma, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Pereira da Cunha, Pinheiro Osorio, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, A. de Serpa, Palmeirim, Barão da Torre, Barão do Vallado, Garcez, Albuquerque e Amaral, Abranches, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Ferreri, Cesario, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Poças Falcão, Fortunato de Mello Barroso Abranches Homem, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes, de Carvalho, Sepulveda Teixeira, Calça e Pina, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, Faria Guimarães, José da Gama, Infante Pessanha, Alves Chaves, Figueiredo Faria, Costa e Silva, Alvares da Guerra, Silveira e Menezes, José de Moraes, Oliveira Baptista, Camara Leme, Martins de Moura, Alves do Rio, Manuel Firmino, Mendes Leite, Sousa Junior, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, R, Lobo d'Avila, Thomás Ribeiro e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Braamcamp, Vidal, Carlos da Maia, Seixas, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Mazziotti, Mello Breyner, Lopes Branco, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão do Rio Zezere, Freitas Soares, Beirão, Carlos Bento, Claudio Nunes, Conde da Torre, Fernando de Magalhães, Bivar, Cadabal, Pereira de Carvalho e Abreu, Henrique de Castro, Silveira da Mota, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, J. da Costa Xavier, Fonseca Coutinho, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Albuquerque Caldeira, Matos Correia, Neutel, J. P. de Magalhães, Lobo d'Avila, Galvão, Sette, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, Casal Ribeiro, Sieuve de Menezes, Menezes Toste, Gonçalves Correia, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Levy Maria Jordão, Freitas Branco, Rocha. Peixoto, Murta, Pinto de Araujo, Monteiro Castello Branco, Moraes Soares e Teixeira Pinto.

Não compareceram — O srs. A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Antonio, Eleuterio, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes Lemos e Napoles, Antonio Pequito, David, Peixoto, Oliveira e Castro, Cyrillo Machado, Pinto Coelho, Conde da Azambuja, Drago, Fernandes, Costa, Ignacio Lopes, Vianna, Gavicho, Pulido, Chamiço, Gaspar Pereira Gaspar Teixeira; Guilhermino de Barros, Blanc, Gomes de Castro, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Simão, Veiga, D. José de Alarcão, J. M. de Abreu, Frasão, La tino Coelho, Rojão, Batalhós, Camara Falcão, Affonseca Alves Guerra, Sousa Feio, Charters, Fernandes Thomás, Simão de Almeida e Vicente de Seiça. Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta – Approvada

EXPEDIENTE

1.º Um officio do ministerio da justiça, participando, que se requisitou, do. juiz de direito de Mangualde o processo do sr. deputado, Gouveia Osorio, a fim de ser, remettido á camara. — Inteirada.

2.º Do ministerio da fazenda, devolvendo, informado, o requerimento em que o conde do Farrobo pede o pagamento de 1000 libras, com os respectivos juros pela apolice do emprestimo patriotico feito em Londres em 1829. — Á commissão de fazendas

3.º Devolvendo, informado, o projecto de lei do sr. Guilhermino de, Barros, para se concederão asylo de Villa Real o edificio das recolhidas, sito na mesma villa. — Á mesma commissão.

4.º Do ministerio da guerra, devolvendo, informado, o requerimento de Antonio Maria de Moura Coutinho. - Á commissão de guerra.

5.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informado o requerimento em que a baroneza de Albufeira pede, uma pensão. — Á commissão de fazenda.

6.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informado, o requerimento do coronel, Jacques Filippe Nogueira Mimoso. — Á commissão de guerra.

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7.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informado, o requerimento do capitão reformado Pedro José de Andrade Rego e Faria. — Á mesma commissão.

8.º Uma representação dos carteiros da cidade de Lamego, pedindo augmento de vencimento. — Á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

9.º De Victor Lamirelle, Carlos Seguin, Leon Alexandre, A. F. Brousse fila ainé, Izidoro José Guerreiro e José da Paz Guerreiro, pedindo que o governo retenha em seu poder, como deposito, as quantias que dever á empreza constructora dos caminhos de ferro do norte e leste, para por ellas se pagarem dos creditos que dizem ter sobre a mesma empreza. — Á commissão de legislação.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTO

Requeiro, pela segunda vez, que da secretaria competente seja remettida a esta camara, com a possivel urgencia, uma relação nominal dos delegados do procurador regio, datas dos despachos e do dia em que tomaram posse. = O deputado, Visconde de Pindella.

Foi enviado ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Em observancia do artigo 32.° da carta constitucional da monarchia portugueza, tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O subsidio pecuniario e a indemnisação para despezas de vinda e volta de jornada, para a seguinte legislatura, será o mesmo que está marcado para a legislatura actual.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Lisboa, 6 de maio de 1864. = José de Moraes Pinto de Almeida.

Foi admittido, e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Tenho a dar parte á camara de que é necessario nomear uma commissão para superintender nas obras de que este edificio carece. Na camara dos dignos pares já tambem se nomeou uma commissão para o mesmo fim.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Entendo que essa com missão deve ser nomeada pela mesa (apoiados).

O sr. Presidente: — Como está presente o sr. ministro das obras publicas, vae passar se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem requerimentos ou representações a apresentar, podem faze-lo.

O sr. Camara Leme: — Mando para o mesa dois pareceres da commissão de guerra, pedindo esclarecimentos ao governo ácerca de requerimentos que estão affectos á mesma commissão; e aproveito a occasião para mandar para a mesa dois requerimentos, um a respeito de Pedro de Sousa Canavarro, major do exercito addido ao primeiro batalhão de veteranos, e outro de Joaquim Francisco, Barreto. Peço a v. ex.ª queira mandar dar-lhes o destino conveniente.

O sr. Albuquerque Amaral: — Mando para a mesa tres representações: uma da camara municipal do concelho de Satam, pedindo que a ex-villa do Tojal seja elevada a cabeça de concelho; outra da camara municipal de Almeida, pedindo que se approve o projecto para a construcção do caminho de ferro da Beira; e outra da camara municipal de Pinhel, pedindo a concessão de umas casas pertencentes á fazenda nacional, para n'ellas estabelecer a aula de instrucção primaria.

O sr. Fernandes Vaz: — Mando para a mesa duas representações, uma da camara municipal da Guarda, e outra da de Pinhel, pedindo a approvação do projecto do caminho de ferro da Beira por Coimbra e Almeida.

Aproveito esta occasião, para mandar para a mesa um requerimento pedindo, pela secretaria competente, um requerimento que lhe foi enviado para informar.

O sr. Torres e Almeida: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, sobre as alterações feitas na outra camara a um projecto de lei que por esta lhe foi enviado.

O sr. Faria Guimarães: — Mando para a mesa dois requerimentos (leu).

Mando tambem para a mesa um mappa da frequencia da escola industrial do Porto, desde o seu começo até hoje, e pedia a v. ex.ª a bondade de o mandar juntar ás propostas que a respeito d'este objecto fiz, por occasião da discussão do capitulo 8.° do orçamento do ministerio das obras publicas, a fim de ser pretence á commissão, porque tem por fim justificar o que disse relativamente ao numero de alumnos matriculados n'aquella aula.

Tambem pedia que fosse publicado como o foram as propostas de que elle é, por assim dizer, o complemento.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Foi agora mandado para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre umas alterações feitas a um projecto de lei de contribuição predial na camara dos dignos pare. O sr. ministro da fazenda pediu hontem que; como membro da commissão de fazenda, logo que viesse para a mesa esse parecer, pedisse a v. ex.ª que o desse para a discussão, como medida importante do governo. Pedia por a v. ex.ª que consultasse a camara se queria entrar desde já nesta discussão, porque me parece que não pede haver debato sobre elle, visto que é uma simples alteração proveniente do lançamento de um imposto a um districto, quando devia, ser lançado a outro.

O sr. Presidente: — Eu vou consultar a camara sobre se quer que se entre já na. discussão d'este parecer.

Resolveu-se afirmativamente.

Leu-se no mesa, e é o seguinte:

PARECER N.° 91

Senhores. — Foram presentes á commissão de fazenda as alterações feitas pela camara, dos dignos pares no mappa annexo á proposição de lei, que lhe enviára, esta camara sobre a fixação da contribuição predial respectiva ao anno de 1864, e sua distribuição pelos districtos administrativos do continente do reino.

Consistem essas alterações em diminuir ao contingente do districto de Lisboa á somma de 1:596$530 réis, e em augmentar ao de Santarem a mesma somma, ficando assim aquelle districto a pagar 405:400$470 réis, e este réis 119:734$530.

Deu origem a similhantes alterações uma representação da camara municipal de Villa Franca de Xira, dirigida á camara dos dignos pares em 23 de janeiro do corrente anno, ponderando-lhe que, tendo sido desannexados do districto de Lisboa, e encorporados no de Santarem tres predios de Alcoelha, Montalvo e Silveiras, por decreto de 7 de fevereiro de 1862, era justo diminuir no contingente de um districto, e addicionar no do outro a importancia correspondente ao rendimento collectavel d'esses tres predios.

Consultado o governo sobre a referida representação, respondeu com a informação do director geral das contribuições directas, datada de 22 de março passado, na qual se lê o seguinte:

«O rendimento collectavel das matrizes prediaes do districto de Lisboa é de 4.463:926$699 réis, que, junto ao de 17:579$643 réis dos predios que passaram para o districto de Santarem, perfaz o total de 4.481:506$342 réis; que anteriormente se achava designado nas respectivas matrizes, e o contingente proposto para o districto de Lisboa para o corrente anno civil foi de 406:997$000 réis.»

Da comparação d'este contingente com o referido rendimento collectavel, total de 4.481:5060343 réis, conhece-se que a parte do indicado contingente, correspondente aos predios que passaram para o dito districto de Santarem, é de 1:5960530 réis, importancia esta que tem de deduzir-se do contingente proposto para o districto de Lisboa, a fim de se augmentar ao contingente que foi proposto para o districto de Santarem.

Em vista do exposto, é a vossa commissão de parecer que as mencionadas alterações devem ser approvadas.

Sala da commissão, 6 de maio de 1864. = Belchior José Garcez — Claudio José Nunes = J. A. Sant'Anna e Vasconcellos = Placido Antonio da Cunha e Abreu = A. J. Braamcamp = J. J. de S. Torres e Almeida. = Tem voto do sr. João Antonio Gomes de Castro.

Alterações feitas pela camara dos pares do reino na proposição de lei e mappa annexo, que lhe enviára a camara dos senhores deputados, datada de 20 de fevereiro ultimo, sobre a fixação da contribuição predial respectiva ao anno de 1864, e sua distribuição pelos districtos administrativos do continente do reino

Artigo 1.° A contribuição predial respectiva ao anno de 1864 é fixada na importancia de 1.649:211$000 reis, e será repartida pelos districtos administrativos do continente do reino, na conformidade do mappa junto, que faz parte d'esta lei.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 4 de maio de 1864. = Conde de Castro, vice presidente = Conde de Peniche, par do reino, secretario = Carlos Duarte de Caída Leitão, par do reino, servindo de secretario.

Alterações ao mappa a que se refere a lei d'esta data dos contingentes da contribuição predial que pertencem aos districtos administrativos do continente do reino, e têem de ser repartidos com relação ao anno de 1864

Districtos administrativos Contingentes

Aveiro....................................... 64:621$000

Beja......................................... 61:807$000

Braga........................................ 107:861$000

Bragança..................................... 53:688$000

Castello Branco.............................. 49:313$000

Coimbra...................................... 79:559$000

Evora........................................ 86:038$000

Faro......................................... 61:202$000

Guarda....................................... 55:485$000

Leiria....................................... 49:645$000

Lisboa....................................... 405:400$470

Portalegre................................... 75:901$000

Porto........................................ 152:330$000

Santarem..................................... 119:734$530

Vianna do Castello........................... 67:227$000

Villa Real................................... 65:243$000

Vizeu........................................ 91:156$000

1.649:211$000

Foi logo approvado.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO, NA GENERALIDADE, DO PROJECTO DE LEI N.° 84.

O sr. Quaresma: — Começarei, observando as praticas do regimento, lendo a minha moção de ordem (leu).

Sou como todos apaixonado dos caminhos de ferro, mas sou apaixonado de todos aquelles com que possa o nosso paiz.

Uma voz: — Póde com todos.

O Orador: — Diz o illustre deputado que o paiz póde com todos, e a mim parece-me que por ora não póde com mais.

Para que o paiz possa com mais caminhos de ferro é necessario que dos existentes se tire todo o producto que se póde tirar, e isso é uma das fontes de riqueza que póde depois concorrer para que se façam os outros caminhos (apoiados).

Digo que dos existentes não se póde tirar todo o producto emquanto se não fizerem as estradas para as estações que existem, porque sem isso não póde haver o maximo movimento. Este é o meu principio. Portanto já vêem os illustres deputados que não me opponho aos caminhos de ferro, o que quero é que dos existentes se tire todo o producto possivel, porque isso é que ha de ajudar depois a fazer os outros caminhos.

Diz-se que o paiz póde com todos! Eu não sei se o paiz póde com todos os caminhos de ferro, o que sei é que a propriedade já está bastante collectada, (apoiados), que a propriedade já tem bastantes encargos. Eu quero que á propriedade tenha todos os encargos com que possa, mas não quero que se lhe lance mais do que aquillo com que póde.

Se o paiz paga pouco, lance-se lhe o que póde pagar, mas não se lhe lance mais do que aquillo com que póde. O que resta é vermos aquillo que o paiz póde pagar, e não se dizer só: «O paiz paga pouco e póde pagar mais». Se se for alem d'estes termos, depois o que acontece é que se não hão de poder fazer os caminhos em construcção, quanto mais os que se projectam, e que não se hão de poder auferir os lucros que d'elles se podem tirar (apoiados).

Approvo este projecto, e approvo-o porque vem n'elle a venda do caminho de ferro do sul, aliás não o approvava. (O sr. José de Moraes: — Apoiado.) Disse hontem o sr. ministro das obras publicas n'um brilhante discurso que fez para defender o projecto, que desgraçado o paiz que não póde com a despeza de 900:000$000 réis em quatro annos; mas é que o paiz não tem a gastar nos quatro annos só os 900:000$000 réis, tem que fazer frente a todas as despezas que estão a seu cargo, e agora vejo que se verifica o que pregnostiquei quando começou a discutir se o orçamento, isto é, que da discussão havia de resultar um grande augmento de despeza, e quem é que a ha de pagar? Não será o paiz? Portanto não temos a pagar só os 900:000$000 réis em quatro annos, como s. ex.ª disse.

Nós todos os dias estamos a fazer concessões, todos os dias estamos augmentando enormemente a despeza, e muitas d'ellas não têem justificação plausivel, e é d'isto que eu tremo. Pela minha parte evito quanto posso essas despezas, porque me não quero ver obrigado depois a votar ao governo os meios precisos e indispensaveis, estando se a gastar o dinheiro com despezas que não são productivas nem de justiça.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Para as despezas productivas tudo.

O Orador: — Mas é necessario tambem olhar aquillo com que podemos, e não é só dizer — para as productivas tudo!

A venda do caminho de ferro do sul votos. Votei a compra, como disse o sr. José de Moraes hontem, mas foi com o pensamento de ser vendido, e não ser administrado. Reconheço que o governo não póde continuar a administrar, porque d'ahi resulta um grave prejuizo para a fazenda publica. Reconheço mais que o sr. ministro das obras publicas o não póde vender senão nas condições apresentadas pelo projecto, e é por isso que eu o approvo.

Ora se o governo agora podesse vender o caminho, sem construir outros caminhos de ferro, era isso que preferia; mas quando se houvesse de fazer mais caminhos de ferro estou com os deputados da Beira e do Minho, porque realmente, se nós esperámos vantagens dos caminhos de ferro, ha de ser d'aquelles pontos, onde póde haver mais movimento de mercadorias e passageiros, e os illustres deputados pelo Alemtejo e Algarve não podem negar que ali ha um movimento mais consideravel.

Quando ultimamente estive em Coimbra soube, por pessoas fidedignas, que desde que se abriu a estação de Coimbra ao Porto nenhum dia a receita foi inferior a 300$000 réis, e o movimento tem chegado a tal ponto que até as mercadorias, que estavam na Figueira, têem ido para o caminho de erro, para serem transportadas para o Porto.

Agora digam-me os illustres deputados pelo Alemtejo qual é a media da receita que tem ali tirado o caminho de ferro, e vamos confrontar uma com a outra (apoiados). A rasão de preferencia não está de certo da sua parte, e realmente não posso louvar os governos por terem unicamente feito caminhos n'aquella provincia, e abandonado outras de mais importancia (apoiados).

Disse o sr. José de Moraes que = louvava o sr. ministro das obras publicas por este projecto =; eu louvo o emquanto á venda favoravel que fez; roas emquanto ao reato não o louvo, porque desejava que os fundos, que se vão applicar em uma linha ferrea para o Guadiana, por exemplo, se applicassem a estradas que pozessem as povoações em communicação facil com as estações dos caminhos de ferro existentes (apoiados), porque realmente isto é uma cousa que não tem explicação possivel.

(Interrupção que não se percebeu.)

O Orador: — Escusa do se mortificar o illustre deputado. Louvo o seu zêlo, porque é um dos representantes da sua. provincia, e eu faria o mesmo; mas não queiram abafar ao menos a luz tão viva como o sol;

Desejava (este foi o fim principal por que mandei a minha proposta para a mesa que o sr; ministro das obras publicas me desse uma resposta franca, e nos marcasse pouco mais ou menos a epocha em que poderiam estar concluidas as estradas macadamizadas até ás estações dos caminhos de ferro.

Eu quero os caminhos de ferro; mas elles não podem apresentar o maximo da sua producção sem que se façam as estradas macadamisadas para as estações, pondo todas as povoações era contacto com o caminho de fero.

Disse-se que = já se estão construindo estradas! para as estações dos caminho de ferro =. Estão-se construindo ha mui tos annos; ma se forem por esta marcha, nem d'aqui a dez annos estarão as estradas concluidas (apoiados).

Desejo tanto como os meus collegas os caminhos de ferro; mas quero primeiro que tudo, que se tire dos existentes o maior proveito possivel, e que esse producto se applique a fazer outros.

Sei que s. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas zela os interesses do paiz, conheço o maximo empenho que tem

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em que se estabeleçam todas as linhas ferreas; mas sei tambem que s. ex.ª não pôde deixar de reconhecer que o meio de fazer mais caminhos de ferro é fazer com que elles produzam, e elles não podem produzir sem que se façam todos os ramaes das estradas macadamisadas até ás estações dos caminhos de ferro existentes.

Eu sei de immensos productos de quatro a oito leguas de distancia do caminho de ferro, que não podem ali concorrer porque não ha estradas.

Uma cousa que realmente custa é fazer sacrificios d'esta ordem, e depois quererem os productores transportar os seus productos para o caminho de ferro e não poderem. Esta é uma cousa que realmente precisa a attenção muito decidida do sr. ministro das obras publicas, e espero que n'esta parte dê uma resposta, não d'estas respostas vagas que ás vezes se formulam nas seguintes palavras = estou tratando d'isso = mas desejo que s. ex.ª marque approximadamente o praso em que calcula estarão promptos todos os ramaes de estradas macadamisadas sobre as estações do caminho de ferro.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que de preferencia a qualquer novo caminho de ferro, alem dos mencionados n'este projecto, se façam primeiro todos os ramaes de estradas macadamisadas, que vão ás estações dos caminhos de ferro existentes. = Quaresma.

Foi admittida.

O sr. Faria Guimarães (sobre a ordem): — Se eu não estivesse resolvido a votar pelo projecto, que está em discussão, ter-me-ía de certo resolvido, depois do discurso que hontem ouvi ao sr. ministro das obras publicas, em defeza d'elle. Mas, approvando o projecto, não posso deixar de aproveitar a occasião para dizer alguma cousa sobre uma especie de rivalidade que se tem aqui manifestado por muitas vezes, e a que eu não tenho respondido, ácerca da vantagem que têem os habitantes da provincia do Minho em obras publicas com relação a outras provincias.

Desejo que em toda a parte se façam as obras que as necessidades publicas demandam.

Eu não disputo á provincia do Algarve nem á do Alemtejo os seus caminhos de ferro; não combato os caminhos de ferro, que actualmente se propõem para o Algarve, e não combati os que se votaram para o Alemtejo; mas isso não quer dizer que não desejo que o governo se applique seriamente a contemplar tambem com este grande melhoramento as provincias do norte de Portugal e centro do paiz, como são as Beiras, Minho e Trás os Montes. Desejo que te façam todos os caminhos de ferro; não tremo diante das circumstancias do paiz, porque confio nos recursos que elle tem.

Nós vemos que as alfandegas têem tido um augmento progressivo (apoiados). Vemos n'um mappa publicado no Diario de Lisboa que o rendimento das alfandegas, comparado com a verba calculada no orçamento, augmentou no espaço de nove mezes quatrocentos e tantos contos de réis.

Temos tambem a contribuição de registo que ha de augmentar consideravelmente. A contribuição de registo não é contribuição predial, porque todos sabem que a maior parte d'ella recáe sobre as heranças. Alem d'isso, eu espero que em consequencia de uma importante medida que o parlamento votou na sessão passada, a extincção dos morgados, o rendimento desse imposto ha de augmentar em grande escala.

O que eu desejo sobretudo é desvanecer, a idéa de que o Minho está excessivamente beneficiado com relação a estradas, em comparação com outras provincias. Não é assim.

Eu tenho aqui um mappa resumido, extrahido dos que se publicam no Diario de Lisboa, o qual contém as obras feitas até 31 de dezembro de 1862; não comprehende o anno de 1863, porque ainda faltavam os mappas do ultimo trimestre desse anno.

Esse mappa é o seguinte:

Mappa demonstrativo do numero de pontes e dos kilometros do estradas construidos e em construcção até ao dia 31 de dezembro de 1862, e bem assim das sommas gastas na sua construcção e conservação até aquelle dia, segundo se vê do Diario de Lisboa n.° 76, de 11 de abril, e n.° 97, de maio de 1863

[Ver diário original]

A importancia da despeza respectiva a cada um dos districtos, de Vianna, Braga e Porto, foi deduzida da somma total 1.334:5680773 réis gasta nos tres districtos, tomando o termo medio do preço kilometrico dos mesmos.

E da mesma fórma foi feito o calculo da despeza respectiva aos dois districtos de Evora e Portalegre, na importancia total de 1.211:104350 réis.

Deve notar-se que alem d'estas obras se tinham construido até ao fim de outubro de 1852, por conta da extincta inspecção das obras publicas e por emprezas particulares 218:369 metros, sendo 49:335 do Porto a Braga e 26:393 metros do Porto a Guimarães por conta da companhia viação portuense, e o resto em diversas estradas ao sul do Douro.

Sommam portanto as estradas construidas até 31 de dezembro de 1862 a extensão total de 1.636:358 metros, ou quebrados á parte kilometrica 1:636.

Se dividirmos a totalidade por dezesete districtos, veremos que a cada um tocariam 96:256 metros. Estão portanto menos favorecidos dez districtos,entre os quaes figuram os de Vianna e Porto.

Com relação ás quantias despendidas, começando pela mais importante e seguindo em ordem descendente, estão os districtos na seguinte escala: Aveiro 1.°, Lisboa 2.°, Braga 3.°, Evora 4.º, Vizeu 5.°, Villa Real 6.º, Portalegre 7.º, Coimbra 8.º, Guarda 9.º, Leiria 10.º, Castello Branco 11.°, Porto 12.º, Paro 13.°, Santarem 14.°, Beja 15.º, Vianna 16.°, Bragança 17.º

(Continuando.) Ha só, a meu ver, uma rasão para suppor que os districtos do Minho estão excessivamente favorecidos— é porque ali viaja-se já de umas terras para outras em carruagens, mas não é porque tenha muitas estradas feitas, é porque se fizeram as obras methodicamente, e porque se ligaram os trabalhos feitos n'umas estradas com os de outras, e creio que não se seguiu o mesmo systema nas outras provincias, onde se começaram ao mesmo tempo obras em muitas partes, mas não se ligaram, e por consequencia tem sido mais difficil tirar proveito das estradas.

O que eu acabo de dizer tem por fim desvanecer as idéas desfavoraveis á provincia do Minho, isto é, desfavoraveis com relação ao dizer-se que o Minho não tem direito a pedir mais, porque já tem muito; e eu quiz mostrar que tem direito a pedir muito mais, porque não tem tanto quanto aqui se tem dito, e isto comprova-se pelo mappa que acabo de ler, que pôde ser examinado por quem quizer.

Mando o para a mesa, para ser publicado no Diario de Lisboa.

Emquanto ao projecto que se discute, voto por elle sem nenhuma hesitação, porque mesmo que tivesse algumas duvidas, ellas se teriam dissipado depois do brilhante discurso do sr.'ministro das obras publicas.

O sr. Coelho do Amaral: — Sr. presidente, no meio da escalada vista que se fez á palavra, pretextando alguns illustres deputados o uso d'ella sobre a ordem, só para conseguirem a prioridade de fallar, fui forçado a soccorrer-me ao mesmo expediente, porque tinha necessidade absoluta de motivar o meu voto n'esta questão.

Obedecendo porém ao regimento e não querendo abusar da bondade, quasi paternal, com que v. ex.ª tantas vezes nos desculpa os nossos desvios, vou ler e mandar para a mesa uma moção de ordem, que é a seguinte (leu).

(Interrupção do sr. Garcez que não se ouviu.)

O Orador: — Acaba de me dizer o sr. Belchior José Garcez, pessoa muito competente, que estes estudos estão feitos; congratulo-me pois com s. ex.ª e com a minha provincia.

Uma voz: — Estão começados, mas não acabados.

O Orador: — Ah! Estão começados mas não acabados?! Não os ha.

Não sei se a minha moção de ordem destoará aqui, mas creio que não. Entretanto, ella é a expressão de uma grande necessidade, e será o começo de um acto de justiça que, para se legitimar e justificar a sua apresentação e inculcar se de um modo irrecusavel á recommendação nos poderes publicos, espera só a votação d'esta camara sobre a questão pendente.

Sr. presidente, por mais de uma vez me tenho pronunciado nesta casa contra a construcção de novos caminhos de ferro; e tenho-o feito com uma tão profunda convicção, que até não hesitei em declarar que se me concedessem, por excepção, o caminho de ferro da Beira, rejeita-lo-ia.

Recusei-me mesmo a assignar o projecto para a construcção deste caminho apresentado pelo meu illustre collega e patricio o sr. Thomás Ribeiro. 0 meu nobre amigo teve a deferencia e bondade de me consultar sobre elle, mas eu entendi que não podia assigna-lo sem ser contradictorio commigo mesmo. Não o assignei e perdi a honrosa camaradagem de vinte e quatro dos meus illustres amigos e collegas, que tantos são os signatarios desse projecto.

Mas devo declarar que desde o momento em que nesta casa se vote mais um kilometro de caminho de ferro, perfilho aquelle projecto, reuno a elle a minha assignatura, e reunirei á realisação do pensamento que elle encerra todas as minhas forças, e estarei sempre com os meus collegas e patricios nesta santa cruzada (apoiados).

Muito ponderosas deviam ser, sr. presidente, as rasões que actuaram no meu animo para que eu as antepozesse aos interesses da minha cara Beira! Essas rasões são os interesses geraes do paiz que eu colloco sempre diante de quaesquer outros (apoiados). E respondo por este modo, desde já e de uma vez por todas, a quaesquer suspeitas de que o meu voto possa ser determinado por mesquinhas rivalidades de campanario (apoiados).

Sr. presidente, diante de questões d'esta magnitude, some-se o campanario (apoiados), e surge um só e unico vulto, uma só idéa, uma só bandeira—o paiz. E esse vulto e essa idéa e essa bandeira fica sendo o campanario de nós todos (apoiados), a cuja sombra todos nos vamos abrigar, e diante da qual todos nos descobrimos, e nos curvámos reverentes e respeitosos em testemunho e homenagem de affecto, de veneração e dedicação suprema (apoiados).

Não se diga pois que descemos á arena da discussão movidos só por sentimentos pequenitos de emulação e de inveja (apoiados). Longe de debates d'esta ordem essas retaliações miseraveis que os amesquinham. Isto não é e não pôde ser assim, os interesses do paiz estão para nós primeiro de que tudo. Aqui cada um traz o contingente da sua intelligencia e expõe o ponto de vista debaixo do qual encara a questão, adduz os argumentos pelos quaes entende que a sua opinião é preferivel ás contrarias, e do confronto e do debate de todas as opiniões a camara formará a sua, o juizo publica esclarecer se ha, e o pobre campanario mal poderá prevalecer sobre o paiz.

Este campo é muito vasto, e os pequenos interesses de localidade são muito limitados para que possam abrange-lo todo. A questão é muito extensa, o campanario é muito curto para que possam aferir-se e ajustar-se uma pelo outro.

Já se vê por conseguinte que me não demorarei nas considerações que tenho que submetter á camara, nem poderei ser influenciado por esse sentimento mesquinho do campanario (mas entenda-se; mesquinho relativamente á grande questão dos caminhos de ferro, ou outras de igual importancia). São pois muito outras as rasões que determinam o meu voto.

Sr. presidente, o aspecto para mim mais desagradavel d'esta questão, o unico desagradavel d'ella, é a enormidade dos encargos que eu receio que possa trazer para o paiz a construcção de novas linhas ferreas, umas após as outras.

Diante do contrato que estamos a discutir; diante deste empenho frenetico, com que de todos os lados da camara surgem tantas vozes pedindo caminhos de ferro, levantam-se no meu espirito apprehensões que o apavoram. Serei franco, hei de obedecer á minha consciencia e dizer aquillo que entendo. Receio que esta sofreguidão de muito correr sem descanso nos traga prostração e esgotamento de forças em logar de nova vida.

Estarei em erro; oxalá que o esteja; será o dia mais feliz da minha vida aquelle em que possa convencer-me de que tenho estado em erro. Se os factos se encarregarem de provar que as minhas apprehensões são exageradas e infundadas, eu com extraordinario prazer, se tiver voz nesta casa, ou em qualquer parte onde a tenha ou possa ter, farei uma abjuração solemne do meu erro.

Será acurteza da minha intelligencia no modo de ver esta questão. Não o duvido, vou-me até inclinando a cre-lo, e consola me o ver que tantas intelligencias, muito mais elevadas e illustradas do que a minha, longe de partilharem os meus temores nutrem esperanças muito lisongeiras, o que é para mim uma grande consolação.

Embora tudo isso, continuam os meus receios, as minhas apprehensões subsistem, e, comquanto não tão vivas, ainda bastantes para que eu, por força d'ellas, não possa prestar o meu apoio ao projecto em discussão, comquanto deva declarar que no logar dos meus illustres collegas, que lhe prestam a sua adhesão, eu entenderia como elles que o sr. ministro das obras publicas contratou nas condições mais vantajosas que se podia fazer.

Mas eu queria que a venda do caminho de ferro do sul se convencionasse de modo que não importasse novos encargos; isto é, eu queria que o producto da venda do caminho de ferro do sul se applicasse aquella linha, cuja construcção se julgasse mais conveniente; mas isto de modo que não viesse aggravar as difficuldades do nosso thesouro.

Exemplificarei. Parece-me que das tres linhas de que resa o contrato será talvez aquella que reuna mais vantagens economicas o ramal que liga o caminho de ferro do sul com o de leste, o ramal de Evora ao Crato, porque, atravessando a provincia do Alemtejo, as suas terras mais importantes, a parte mais rica d'aquelle sólo, e ligando os dois caminhos, parece que deverá ser este ramal aquelle que produza mais vantagens (apoiados).

Aqui, na construcção deste ramal, queria eu que se parasse, porque não queria que se contrahissem novos encargos. Se não pastássemos d'aqui, eu daria o meu voto ao projecto, mas construindo-se tres linhas para mim de uma duvidosa utilidade, não posso dar-lhe o meu consenso. E digo de uma duvidosa utilidade para mim, em relação a outras necessidades e outras linhas ferreas e ordinarias.

O caminho que conduz ao Algarve aproveita a uma provincia, cujas costas são banhadas pelo mar. É uma provincia que tem as suas relações maritimas com a capital, parece-me que podia por consequencia dispensar uma via ferrea, que não sei se servirá para substituir essas relações ou se ellas continuarão preferindo a via maritima.

O caminho de ferro para o Guadiana não vejo que abranja vantagens, a que se devesse dar a preferencia, e que compensem o grande despendio que occasionam.

Por isso, repito, eu desejava que o contrato se fizesse de modo que, com o producto da venda do caminho, se construísse apenas o ramal de Evora ao Crato. Assim não me oppunha, de outro modo não o posso approvar.

Conheço que a venda do caminho de ferro do sul era uma necessidade, porque elle estava importando encargos de que nos deviamos alliviar, e de que nos allivia a venda.

Ouvi dizer (e peço a attenção do illustre relator da commissão, porque não sei se commetto algum abuso de confiança); recordo me de ouvir dizer a s. ex.ª que o caminho de ferro do sul mal produzia para o carvão; sendo nestes termos a sua venda uma imperiosíssima necessidade, tanto para evitarmos as despezas da exploração, como aquellas, a que não podiamos subtrahir nos, para a uniformisação das vias, a que era necessario proceder quanto antes.

Portanto entendo que a venda d'este caminho não deveria adiar-se, mas condicionada de modo que nos não trouxesse um encargo de cerca de 4.000:000$000 réis, dos quaes, deduzida a importancia da venda, ficam réis 3.000:000$000; obrigando-nos por isso a fazer uma larga emissão de 6.000:000$000 réis, receio que os resultados sejam negativos e pouco organisadores das nossas finanças, como espera o nobre ministro das obras publicas.

Não posso, em tranquilla e segura consciencia, dar o meu voto a um contrato que importa encargos d'esta magnitude, e peço licença ao sr. ministro das obras publicas para divergir da opinião de s. ex.ª, comquanto eu a respeite e faça inteira justiça á pureza das suas intenções.

O nobre ministro esteve fazendo confrontações e deducções de despezas, tomando em mão a importancia das estradas ordinarias que deviam fazer-se para ligar o Alemtejo com o Algarve, a importancia das estações que deviam fazer-se no caminho de ferro do sul, a importancia do alar

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gamento das vias, os reparos das estradas ordinarias, o imposto sobre o producto bruto do caminho de ferro, emfim fez tantas deducções, tantas confrontações e tantos encontros que eu estava á espera de que nós ainda recebêssemos tornas que nos haviam ainda de dar volta, mas não; ficou apenas o encargo de 900:000$000 rs. divididos por quatro annos, vindo a ser um pequeno encargo de 250:000$000 réis por anno.

E exclamou o illustre ministro: «Pois o paiz não poderá em quatro annos com o encargo de 900:000$000 réis distribuidos por esses quatro annos?!»

Sr. presidente, em logar de folgar, desanimei completamente com esta exclamação de s. ex.ª, porque fiquei entendendo que, votado o contrato e tratando de realisar-se a construcção das linhas a que elle se refere, dentro de quatro annos o paiz não pôde contar com mais algum caminho de ferro.

Desanimei, porque se na mente do nobre ministro estivesse a idéa de que no decurso dos quatro annos seguintes se procedesse á feitura de novas linhas ferreas, de certo s. ex.ª não exclamaria: «O paiz não terá força para dentro de quatro annos poder com o encargo de 900:000$000 réis?!»

Por isso eu desanimei, porque fiquei entendendo que a mente do nobre ministro é que dentro de quatro annos nenhum destes caminhos de ferro poderá occupar a sua attenção, e n'este supposto ainda menos posso dar o meu voto ao projecto que estamos discutindo, porque, desde o momento em que se decretar um novo palmo de caminho de ferro para qualquer provincia, eu venho pugnar pelo caminho de ferro da Beira e pelo caminho de ferro do Minho. Já se vê que não sou movido pelo sentimento de campanario, que é muito pequeno para nos occuparmos d'elle n'este momento. Venho pugnar pelo caminho de ferro da Beira, porque os titulos de preferencia que as Beiras podem apresentar á consideração dos poderes publicos são de uma tal intuição, são tão conhecidos, têem sido já expostos por tal modo n'esta camara, e ainda hontem o foram pelo meu illustre patricio e amigo, osr. Thomás Ribeiro, que seria uma impertinência se eu agora os quizesse recordar. A camara conhece as Beiras; ellas são bem conhecidas. N'um mappa de contribuições, que o illustre ministro teve a bondade de nos ler, vê-se que o districto de Vizeu paga 90:000$000 réis de contribuição predial, e os outros districtos pagam proporcionalmente. A Beira tem população, a Beira tem muitos, abundantes e variadissimos productos. A Beira exporta gados, cereaes, vinho e azeite, e não exporta muitos e excellentes fructos, que até lhe apodrecem em casa, por falta de communicações. A Beira está colonisada, não carece de colonisar-se, exporta população. A Beira tem productos que hão de produzir um rendimento immediato para o thesouro feito o caminho de ferro (apoiados). A Beira não tem de esperar para que o caminho de ferro que a atravesse possa ajudar a satisfação dos encargos d'elle, que se lhe crie primeiro população; a Beira não precisa isto, está povoada (apoiados) e agricultada por uma população activa e laboriosa (apoiados).

O Alemtejo não está n'estas circumstancias; o Alemtejo deveria, na minha opinião, ser considerado com a construcção de um caminho de ferro que concorresse para a sua colonisação (porque eu concordo em que os caminhos de ferro são um grande elemento de colonisação); mas deveria esperar-se que as Beiras, o Minho e Trás os Montes, que estão povoados, que estão abundantemente colonisados, gosassem primeiro dos beneficios da viação accelerada, e em recompensa retribuíssem ao thesouro esses beneficios com um rendimento permanente no movimento dos seus habitantes e na permutação dos seus muitos e variados productos. Dando-se a preferencia ao Alemtejo e ao Algarve, parece-me que não se attendem as considerações mais momentosas da economia politica e dos interesses do thesouro, e que nesta preferencia ha uma grande injustiça relativa; por isso nós, os que representámos aqui as Beiras, e os illustres collegas que representam aqui o Minho, não podemos, sem faltar ao nosso dever, á nossa consciencia, deixar de levantar a voz com toda a força de que ella é susceptivel, para mostrarmos a desigualdade com que estas provincias são tratadas.

Por espaço de quatro annos ainda o norte não ha de ser dotado com nenhum d'estes melhoramentos da civilisação. Esta parece-me que é a deducção e a consequencia logica de uma observação que hontem fez o sr. ministro das obras publicas. Mas a mim resta-me a esperança de que assim não ha de ser (apoiados).

Parecerá talvez que eu sou contradictorio emquanto me assustam os encargos que hão de importar os caminhos de ferro que se vão construir, e ao mesmo tempo peço que outros se construam. Declaro que subsistem ainda no meu animo essas apprehensões, oxalá que ellas não sejam senão resultados da pobreza da minha intelligencia! Digo o com a mão na consciencia, e repito do fundo do coração que será o melhor dia da minha vida aquelle em que os factos me convencerem de que errei, e me derem um positivo e triumphante desmentido. Mas esta contradicção em que parece que laboram as minhas idéas, desapparecerá diante da consideração de que, se effectivamente o desenvolvimento d'este paiz, se a grandeza d'elle ha de provir dos caminhos de ferro, e se nós não devemos parar no que está feito sobre este ponto, decididamente as provincias do norte, e antes do praso que pareceu marcar o sr. ministro das obras publicas, hão de ser dotados com este poderoso elemento de civilisação e riqueza (apoiados).

O nobre ministro das obras publicas conhece perfeitamente as Beiras e o Minho, e sabe que a Beira foi já esquecida quando devêra ter sido lembrada, não só no seu interesse mas principalmente no interesse d'este paiz: refiro-me ao contrato e construcção do caminho de ferro de leste. Parece-me que a linha internacional, aquella que nos ligasse com a Europa deveria atravessar as Beiras, havia n'isso uma dupla, uma múltipla vantagem, íamos levar a vida o a animação a uma parte importante do nosso paiz, e encurtávamos em 200 kilometros a distancia para a França, no interesse do nosso paiz, e no interesse de todas as pessoas e das mercadorias que se transportassem por esse caminho (apoiados).

É necessario pois que á Beira se faça a devida reparação pelo esquecimento em que ella ficou, e n'este sentido tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Vizeu, que hontem recebi e aceitei, porque na camara se não achava o meu illustre collega e antigo amigo, o sr. Francisco Antonio Barroso, digno e incansavel representante dos interesses do circulo de Vizeu. Na incerteza em que estava de que s. ex.ª hoje comparecesse, não lhe remetti a representação, e quando agora lh'a quiz entregar, o illustre deputado teve a delicadeza de a não aceitar, dispensando-me a honra de ser órgão dos sentimentos d'aquella illustrada camara municipal. Ella une os seus votos aos dos signatarios do projecto do meu illustre collega e patricio, o sr. Thomás Ribeiro, e eu tenho uma grande consolação vendo que no animo de pessoas tão esclarecidas como são os cavalheiros que assignam a representação, tambem existem as apprehensões que me têem feito tomar n'esta camara uma posição que poderá não ser agradavel, pelo menos é tranquillisadora da minha consciencia, porque é o reflexo d'ella. Elles pedem que se façam o caminho de ferro da Beira quando as forças do thesouro o permittam, quando sem risco de se atrophiarem as faculdades productoras do paiz, nós possamos com estes encargos e possamos fazer mais caminhos; mas nunca de modo que, pela accumulação de grandes despezas, nós, querendo desenvolver elementos de vida no paiz, e abrir novas fontes de riqueza, não corramos o risco de exhaurir ou enfranquecer aquellas que já temos. Já se vê que partilham as minhas apprehensões.

Mas voltando á questão da preferencia para a construcção de vias ferreas, direi que ha um facto referido pelo meu nobre amigo e collega, o sr. Quaresma, altamente significativo da importancia comparativa dos caminhos de ferro do norte com os caminhos de ferro do sul. O meu collega disse ha pouco que = só a estação de Coimbra não tinha deixado de dar ainda o rendimento diario de 300)5000 réis =. Este argumento de comparação e de preferencia é indestructivel. E esta estação e as intermedias hão de render muito mais quando haja as estradas ordinarias (apoiados), que ponham em communicação os grandes centros da actividade do paiz com o caminho de ferro (apoiados).

Parece-me que para isto deveria primeiro convergir a attenção dos poderes publicos, porque fazer caminhos de ferro, e não ter estradas que desde já lhes dêem toda a vida e todo o movimento de que são susceptiveis, é um erro. Façamos as estradas; muitas das nossas provincias estão carecendo das communicações de primeira, mais urgente e impreterivel necessidade, e é necessario que esta necessidade imperiosa se não descure (apoiados).

Eu, como representante da Beira, comquanto ella esteja prejudicada a respeito de caminhos de ferro, a respeito de estradas ordinarias, não concordo com o meu amigo, o sr. José de Moraes, que lhe pareceu que as Beiras estavam desherdadas d'esta grande partilha de melhoramentos. Não é assim; em relação a outras provincias nós não temos de que nos queixarmos (apoiados); diga se a verdade, sejamos justos, e dê-se rasão a quem a tem (apoiados).

E effectivamente o desenvolvimento que se tem dado ás estradas ordinarias é aquelle que comporta a capacidade do pessoal technico que temos habilitado; depois de um longo tirocinio e de uma aprendizagem sobre construcção de estradas, é que se tem formado maior copia de engenheiros, mas durante muito tempo nós não tivemos sufficiente pessoal, e por falta d'elle entregaram se estradas a empreitadas particulares, e pela maior parte, salvas honrosas excepções, nós sabemos como as empreitadas têem sido desempenhadas; pela maior parte as estradas, feitas por esse systema, têem ficado em muito más condições, com muito pouca solidez, ao passo que as feitas por administração do estado saíram com muito mais solidez e perfeição, e por consequencia de muito mais duração e economia na despeza de conservação e reparação, comquanto tenham custado muito mais caras, e podessem e devessem pela maior parte ficar muito mais baratas. Esta é a verdade. Mas com o pessoal que tem havido até agora estou persuadido de que não se poderia ter dado um desenvolvimento muito maior ás communicações ordinarias (apoiados).

No entretanto é necessario aproveitarmos esse pessoal que se vae augmentando, esse pessoal que se tem habilitado, e que hoje possuimos em maior numero, para dar ás estradas todo o desenvolvimento que exigem as necessidades publicas, e que convem ao pensamento de uma larga construcção de caminhos de ferro (apoiados). E serão contradictorios com as suas aspirações aquelles cavalheiros que, não partilhando os meus temores da feitura rapida da nossa rede de linhas acceleradas, não promoverem com todo o interesse a construcção prompta das entradas ordinarias, que conduzam ás grandes arterias a vida, o movimento e a actividade dos differentes pontos do paiz, dos grandes centros da producção agricola e fabril (apoiados).

Sr. presidente, necessito para meu esclarecimento fazer reparo sobre uma proposição avançada hontem pelo illustre ministro das obras publicas; disse s. ex.ª que = estes caminhos de ferro haviam desde logo produzir uma receita que faria desapparecer ou attenuar, em grande parte, os encargos que a sua construcção impõe e exige, porque os caminhos de ferro podem concorrer vantajosamente com as vias aquaticas =. Peço licença a s. ex.ª para divergir da

sua opinião. S. ex.ª disse que = os caminhos de ferro talvez podessem transportar pela quantia de 12 réis cada tonelada por kilometro, e assim o custo do transporte das mercadorias pelos caminhos de ferro não seria superior aquelle que se paga pelas vias aquaticas =.

Ahi peço licença para trazer á memoria de s. ex.ª um facto que não virá em reforço da sua opinião. Por modo que quando s. ex.ª foi encarregado da administração do caminho de ferro de leste, se propoz a matar a concorrencia do Tejo, abatendo as tabellas a um ponto d'onde ellas se não podiam conservar; apesar d'isso não conseguiu o seu fim, não matou a concorrencia do Tejo, e os transportes das mercadorias, pela maior parte, continuaram a ser feitos pelo Tejo, e hão de continuar; assim como ha de continuar o transporte das mercadorias do Porto pelo mar, e o dos vinhos do Douro pelo rio Douro, menos nos mezes em que n'esse rio falta a agua ou é mais perigosa a navegação.

(Houve um áparte que não se ouviu.)

A navegação do Douro não tem termo de comparação com a de outro qualquer, rio porque é uma navegação especial e cheia de difficuldades, que não se dão felizmente entre nós em nenhuma outra parte; mas assim mesmo ainda será mais barato o transporte de vinhos e outras mercadorias pelo rio Douro, que pelo caminho de ferro, estou eu persuadido d'isto. Mas o que é verdade é que s. ex.ª quando administrou o caminho de ferro de leste, apesar de abaixar a tabella ao ponto que ella desceu, não pôde excluir a concorrencia do Tejo.

Escusam de accumular argumentos e sophismas que, por mais bem construidos e architectados que sejam, nunca argumentarão melhor do que os factos, porque os factos são pedras como já alguem disse, os factos são argumentos irrespondiveis, e os factos mostram e hão de mostrar sempre que as communicações aquaticas, em geral, são mais baratas que as communicações pelas linhas ferreas. E porque é isso assim é que eu tenho apresentado argumentos de preferencia para as vias ferreas do norte sobre as do sul. O Algarve tem portos e barras, a Beira é sertaneja. Mas não se persuadam os meus illustres collegas, representantes do Alemtejo e do Algarve, de que eu, na exposição que faço das minhas opiniões, tenho em vista priva-los do beneficio que tanto anhelam, e o que nelles é muito louvavel; não tenho nenhuns motivos particulares que me façam combater os intuitos e aspirações dos meus illustres collegas. Ao contrario. No meu animo e na minha memoria não encontro senão motivos de deferencia, de delicadeza e das maiores attenções para com ss. ex.ªs; as minhas reflexões são dictadas por um sentimento que me parece abonado e aconselhado pela justiça; e levado por este sentimento é que eu, nos termos em que se acha o contrato do caminho de ferro do sul, não posso votar por elle, comquanto se outro fôra o meu modo de encarar a questão, não teria duvida alguma em approva lo, porque o illustre ministro o fez em condições que attestam o seu zêlo e a sua competencia n'estas materias (apoiados), difficilmente se poderia effectuar a venda em melhores condições (apoiados); mas como as minhas idéas, aspirações e desejos são os que tenho manifestado, por isso não posso aceitar o contrato, e peço á camara me desculpe de lhe roubar tanto tempo, porém eu precisava dar uma explicação, para não pesar sobre mim um certo desfavor, e não se julgar que eu sou um homem antípoda, um retrogrado e um homem estranho ao meu seculo. Precisava dar esta explicação, porque não desejo que alguem se persuada que eu não quero acompanhar os progressos da civilisação e do espirito humano; desejo e quero acompanha-los, e permitta-me a camara ainda dizer-lhe que, no decurso da minha vida, já longa, tenho perigrinado sempre nesse caminho, tenho andado sempre nessa cruzada, e provavelmente o resto da vida, emquanto ella poder ser prestavel ao meu paiz, hei de consagra-la ao serviço da causa que sempre foi minha, e continuar no mesmo caminho, sem pretender outra cousa mais, quando chegar ao cabo d'ella, do que reconhecer ainda a minha humilde pessoa, e achar a consciencia tranquilla (apoiados).

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que em seguida á votação do projecto que se está discutindo, e no caso de ser approvado, se trate desde logo de proceder aos estudos do caminho de ferro da Beira, habilitando se o governo com os meios necessarios para isso. — Francisco Coelho do Amaral.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Foi ha dias annunciada, pelo sr. Francisco Luiz Gomes, uma interpellação ao governo sobre assumptos da India. Já por duas vezes vim á camara preparado para responder; mas como se havia entrado mais cedo na ordem do dia, não o pude fazer em nenhuma dessas occasiões.

Não querendo porém demorar por mais tempo as explicações que o illustre deputado deseja, peço a v. ex.ª para, na primeira parte da ordem do dia de segunda feira, me permittir que responda a esta interpellação.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma proposta de lei estabelecendo a aposentação para os empregados civis do ultramar; e outra reformando o serviço de policia dos portos e costas do reino e ilhas.

PROPOSTA DE LEI N.° 91 - A

Senhores. — Uma das primeiras necessidades da publica administração nas provincias ultramarinas, sem a qual não póde haver nellas melhoramento realisavel, é a de empregados com inteira aptidão, zêlo para superar os obstaculos, e probidade para resistir ás seducções. Em taes climas, e nas condições que actualmente lhes são feitas, não será facil obte-los com essas indispensaveis qualidades. Importa

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pois assegurar-lhes o futuro, para que nao vejam a miseria com todos os seus horrores como unica perspectiva e recompensa, quando, quebrantados das fadigas e das enfermidades adquiridas em terras inhospitas, se achem na necessidade de retirar-se do serviço por impossibilidade de continuar n'elle.

Com o intuito pois de facilitar a satisfação d'esta necessidade, e de convidar e -attrahir ao serviço do ultramar, como é essencial, como é urgentissimo, individuos habilitados, intelligentes e probos, tenho a honra de submetter á vossa illustrada consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Os empregados civis dos quadros das repartições publicas das provincias ultramarinas que se impossibilitarem de servir por molestia grave e incurável, devidamente comprovada, têem direito a ser aposentados pela fórma seguinte:

§ 1.° Nas provincias de Africa e Timor:

1.º Com a terça parte do respectivo ordenado, os que houverem completado desde cinco até dez annos de serviço;

2.º Com metade, os que contarem desde dez até quinze annos de serviço;,

3.º Com dois terços, os que tiverem desde quinze até vinte annos de serviço;

4.º E com o ordenado por inteiro, os que tiverem para cima de vinte annos de serviço.

§ 2.° No estado da India e Macau:

1. Com a terça parte do respectivo ordenado, os que houverem completado desde dez a quinze annos de serviço;

2.º Com metade, os que contarem desde quinze a vinte annos de serviço;

3.º Com dois terços, os que tiverem desde vinte a vinte e cinco annos de serviço;

4.º E com o ordenado por inteiro, os que tiverem para cima de vinte e cinco annos de serviço.

Art. 2.° A aposentação unicamente será concedida pelo governo, a requerimento do interessado, ou decretada por necessidade do serviço publico, com audiencia do conselho ultramarino, a quem serão enviados os documentos relativos.

Art. 3.º Ficam salvas as aposentações já estabelecidas por lei em favor de diversas classes de funccionarios do ultramar..

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 7 de maio de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Foi remettida á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

PROPOSTA DE LEI N.° 91 - B

Senhores. —Não vos é estranho quanto importa e insta regular a policia dos portos e costas, já definindo e delimitando as diversas attribuições e obrigações das auctoridades maritimas, já completando o pessoal e material do respectivo serviço. Sem satisfazer a esta urgente necessidade, não é possivel que nos constituamos como nação que preza o seu nome e sabe aproveitar os seus recursos.

Promove a navegação, desenvolve o commercio, as naturaes riquezas de um paiz, eleva o seu nivel moral, acrescenta de dia para dia a sua civilisação, trazendo-lhe de longe exemplares, modelos e estimulos. Mas a navegação, mas o commercio, sendo os primeiros a avistar os accessos de um paiz e a servir-se d'elles, dão voz do seu adiantamento ou atrazo, da regularidade ou incuria de sua administração, segundo os commodos e as facilidades, a ordem e previdencia que encontram.

Antigas, numerosas e repetidas têem sido, e são, as queixas ácerca do abandono d'este ramo de administração ácerca da falta de um regulamento adequado. A esta falta procura agora prover o governo, depois de consultadas todas as estações competentes, depois de ouvidas todas as informações locaes.

Seria pôr em duvida a intelligencia e boa vontade do parlamento, multiplicar considerações sobre o que é de si tão evidente.

Limitar-me-hei pois a expor-vos rapidamente a economia do trabalho que tenho a honra de apresentar-vos, e a compendiar os principaes grupos das suas disposições.

Augmentam-se as attribuições das auctoridades maritimas, e entregam-se-lhes muitas que andavam fóra da sua natural vigilancia, como é indispensavel, tratando-se de uma organisação efficaz.

Estabelecem-se os tribunaes de avarias em que tomam parte 08 membros do commercio. É esta disposição, já universalmente aceita, uma das mais imperiosamente exigidas pelo legitimo interesse dos corpos commerciaes, attenta a grave necessidade de summariar, quanto possivel e justo, os respectivos processos.

Reconhecia-se indispensavel o tornar mais expedita, a resolução das pequenas questões occorrentes entre os proprietarios, capitães e tripulações dos navios mercantes, e o prevenir n'esta parte todo o abuso e todo o arbitrio.

Obtém se o desejado fim creando-se uma jurisdicção especial Bem preterir as necessarias garantias.

O systema que n'esta parte se inaugura está combinado com o que vos foi correspondentemente proposto no codigo disciplinar da marinha mercante.

Estabelece-se novo e melhor methodo para os principaes trabalhos maritimos nos portos, e n'estes e nas costas exercer a conveniente vigilancia.

Estabelece-se finalmente, de accordo com os principios exarados no relatorio, que ultimamente submetti á vossa consideração, a igualdade de retribuição onde a existe, a igualdade de serviço.

Esperando que empenhareis toda a vossa solicitude no exame d'este trabalho, tenho a honra de apresentar-vos a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a pôr em execução O regulamento que d'esta proposta faz parte.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario. Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 7 de maio de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Regulamento geral de policia dos portos e costas CAPITULO I Das intendencias de marinha e capitanias dos portos

Artigo 1.° E dividida toda a costa do continente do reino e ilhas adjacentes em quatro departamentos maritimos, ou intendencias de marinha, denominados dó norte, do centro, do sul e dos Açores. Comprehende o primeiro o litoral desde o rio Minho até ao rio Mondego inclusivè; o segundo, desde o rio Mondego até ao cabo de S. Vicente; o terceiro, desde este cabo até ao rio Guadiana, no Algarve; o quarto, todas as ilhas dos Açores.

Art. 2.° A cada um dos departamentos descriptos no artigo antecedente presidirá um intendente de marinha, de vendo residir, o do norte na cidade do Porto, o do centro em Lisboa, o do sul em Faro, e o dos Açores na cidade de Angra do Heroismo, na ilha Terceira.

Art. 3.° São dependentes da intendencia de marinha do Porto as capitanias dos portos de Caminha, Vianna do Castello, Aveiro e Figueira.

Da intendencia de marinha de Lisboa, as capitanias dos portos de S. Martinho, Ericeira, Peniche, Setubal, e Funchal, na ilha da Madeira.

Da intendencia de marinha de Faro, as capitanias dos portos de Villa Nova de Portimão, Lagos, Olhão, Tavira e Villa Real de Santo Antonio.

E da intendencia de marinha de Angra do Heroismo, as capitanias dos portos de Ponta Delgada, na ilha de S. Miguel, e da Horta, na ilha do Faial.

§ unico. Nos dominios ultramarinos haverá as capitanias dos portos de Moçambique, ilhas de S. Thiago, e S. Vicente de Cabo Verde, Loanda, Benguella, Mossamedes, e S. Thomé e Principe, na Africa, e de Goa e Damão, na Asia, e bem assim em outros quaesquer portos, aonde se reconheça a necessidade d'estas auctoridades.

Art. 4.° Os logares de intendentes de marinha e capitães dos portos serão exercidos por officiaes do corpo da armada, que pelos seus longos serviços no mar e nas estações do ultramar, se acharem menos aptos para o serviço de embarque.

Poderão ser empregados n'este serviço os officiaes addidos ao corpo de veteranos, que tiverem para esse fim a indispensavel actividade.

O intendente da marinha de Lisboa será sempre o inspector geral do arsenal da marinha.

O sub inspector do mesmo arsenal desempenhará as funcções do capitão do porto.

Art. 5.° Os portos ou locaes da costa, comprehendidos nos quatro departamentos de marinha de que trata o artigo 1.°, e a que no presente regulamento não é designado para o capitão do porto official da armada serão consideradas delegações das respectivas capitanias, devendo os directores das alfandegas ou chefes dos portos fiscaes, ahi estabelecidos, desempenhar o cargo de capitão de porto, para todos os effeitos designados n'este regulamento.

§ unico. São exceptuados do preceito d'este artigo, os portos ou locaes em que houver officiaes da armada encarregados do serviço do recrutamento maritimo, os quaes nesse caso accumularão as funcções de delegados das capitanias dos portos, e serão competentes para todos os effeitos n'este regulamento designados.

Art. 6.° Os intendentes de marinha, exceptuando o de Lisboa, exercem, accumulando, no porto da sua residencia todas as funcções de capitão do porto. Têem os intendentes jurisdicção immediata sobre os capitães dos portos e delegados que pertencerem ao seu departamento maritimo.

Art. 7.º A correspondencia official dos intendentes de marinha será dirigida á secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, a dos capitães dos portos a seus respectivos intendentes, e a dos delegados aos seus respectivos capitães dos portos. Poderão os capitães dos portos, quando a urgencia do serviço assim o exigir, dirigir a correspondencia official directamente á secretaria de marinha, devendo, n'estes casos, fazer em seguida igual communicação ao seu chefe, dando lhe parte dos motivos que os levaram a proceder d'esse modo.

Art. 8.° As intendencias de marinhas e capitanias dos portos, creadas pelo presente regulamento, terão o pessoal de empregados que devidamente lhes for marcado.

Art. 9.º A jurisdicção dos intendentes de marinha e capitães dos portos, emquanto aos limites, estende-se a todo o litoral dos portos, caes, barras, canaes, rios, costas, baixios, e aos caes e praias até onde chegar o collo da preamar do aguas vivas.

§ unico. Têem alem d'isso igual jurisdicção fiscal sobre as marcas das barras, pharoes, e em geral sobre todas e quaesquer edificações, construcções e exploração de pedreiras, quando d'essas emprezas possa resultar prejuizo ao alveo do rio, o que, verificado por vistorias competentes, fará constar á auctoridade superior, ministrando lhe todos os esclarecimentos indispensaveis para serem tomadas as providencias convenientes.

Art. 10.° Nos portos de maior importancia serão collocados mastros e vergas em logar adequado para se fazerem os signaes de telegraphia maritima. Nestas estações serão empregados os veteranos de marinha, e haverá os necessarios codigos de signaes.

Art. 11.° Em cada um dos quatro departamentos maritimos, nas capitanias dos portos aonde residir o respectivo intendente, haverá um tribunal de avarias, que terá a seu cargo a resolução das questões que lhe forem apresentadas por causa de avarias que occorrerem nos portos da sua jurisdicção, e bem assim por duvidas sobre jornaes ou salarios entre donos e capitães ou mestres das embarcações do

commercio e os individuos das suas equipagens, e tudo na conformidade da legislação a esse respeito estabelecida.

Art. 12.° Este tribunal será composto do capitão do porto, como presidente; de um capitão de marinha mercante; do patrão mór ou de um official marinheiro da armada, e na sua falta de um contramestre de navio do commercio.

Art. 13.° O capitão de marinha mercante de que trata o artigo antecedente, e que servirá por tres mezes em cada anno, será designado pelo capitão do porto, de uma lista de quatro capitães mercantes, proposta annualmente para esse fim, precedendo requisição do dito capitão do porto ás associações commerciaes da localidade, e na sua falta pela auctoridade superior administrativa do districto.

Art. 14.° Logo que seja convenientemente convocado o tribunal, e tendo em vista as diversas disposições analogas do codigo commercial e regulamentos da policia dos portos, pilotagem e lastros, procedendo a todas as averiguações que julgar necessarias para conhecer da verdade das queixas que lhe forem submettidas, resolverá o tribunal definitivamente e sem recurso todas as questões, cuja importancia não exceder a 150$000 réis, mandando para esse fim proceder ás vistorias necessarias.

Art. 15.° Todo o processo relativo ás questões sujeitas á deliberação do tribunal, será rapido e summario, lavrando-se unicamente um auto, em que se mencione os pontos principaes da questão e depoimento das testemunhas em resumo, escrevendo se em seguida a sentença final, que será valida quando para ella concorrer a maioria de votos dos membros do tribunal, sentença que todos deverão assignar com as respectivas declarações, se as houver.

Ao escrivão da capitania do porto, que assistirá, sem voto, ás sessões, compete escrever os autos, sentenças e mais peças do processo. Das decisões do tribunal ficará registo na capitania do porto.

Art. 16.° As sentenças proferidas pelo tribunal nas questões, cujo valor não exceder a 150$000 réis, e das quaes não ha recurso, serão immediatamente mandadas cumprir pelo respectivo capitão do porto. Quando porém as partes condemnadas se negarem á sua execução, e não queiram sujeitar se á resolução, o capitão do porto impedirá, pelos meios á sua disposição, a saída do navio que houver motivado ou dado logar á sentença, conservando em deposito os respectivos papeis dê bordo, que só entregará quando for pontualmente executada a sentença do tribunal.

Art. 17.° Se a importancia da questão submettida á apreciação do tribunal exceder a 1500000 réis, proceder-se-ha como fica ordenado para as questões de menor importancia, com a differença porém que se a parte ou partes interessadas não concordarem com a resolução tomada, poderão recorrer para o tribunal do commercio, e n'esse casa aos capitães dos portos compete prestar todos os documentos ou copias autenticas que lhes forem pedidas.

Art. 18.° Se, decorridos dez dias uteis depois de lida a sentença ás partes, os interessados não mostrarem por certidão competente terem interposto o recurso a que se refere o artigo antecedente, a sentença passará em julgado como se fôra dada sobre valor inferior a 150$000 réis, e o tribunal a mandará cumprir nos termos do artigo 16.º

Art. 19.° Se as partes quizerem usar do direito que lhes confere o artigo 17.º, recorrendo para o tribunal competente, podem fazer sair os seus navios, comtanto que mos. trem por documento haver depositado a quantia reclamada que tiver sido marcada pelo tribunal das avarias.

Art. 20.° Sempre que chegue ao conhecimento do capitão do porto por participação das parte interessadas, quer seja por avarias causadas por qualquer embarcação a outra, ou que se lhe represente sobre duvidas de soldadas e salarios entre o dono, capitão ou mestre e os individuos da equipagem, farão os mesmos capitães dos portos comparecer na sua presença os queixosos, e tratarão de os conciliar sobre os meios de reparação dos damnos padecidos, diligenciando leva-los a um justo accordo. Quando porém as partes interessadas não convierem amigavelmente e se neguem a conciliação, o capitão do porto submetterá a questão suscitada ao tribunal mencionado no artigo 11.°, ministrando-lhe n'esse acto todos os esclarecimentos de que tiver conhecimento.

Art. 21.° Ao capitão do porto compete, nos termos do artigo antecedente, ordenar a reunião do tribunal de que trata o artigo 11.°

Art. 22.° A participação nas capitanias dos portos das avarias que occorrerem nos limites das respectivas jurisdicções, será sempre apresentada vinte e quatro horas uteis depois de ter acontecido.

Art. 23.° Nos portos onde não houver o tribunal mencionado no artigo 11.°, o capitão do porto tomará as attribuições consignadas nos artigos 14.º e 15.°, 16.º e 20.° do tribunal de avarias, até ao ponto de resolver sobre a questão que lhe for apresentada, e cujo valor não exceder á quantia mareada de 1500000 réis.

Se as partes interessadas se não conciliarem, ou se não conformarem com a decisão tomada pelo capitão do porto, poderão requerer recurso da sua decisão para o intendente do respectivo departamento, que submetterá o processo ao tribunal de avarias da sua capitania do porto, para conhecer e resolver definitivamente, lavrando sentença, que logo será expedida e cumprida nos termos do artigo 16.° O capitão do porto deve enviar ao intendente da marinha o auto e termo de vistoria a que houver procedido, e bem assim a sua decisão motivada.

Art. 24.° Se a importancia da questão levada ao conhecimento do capitão do porto exceder a quantia de 150$000 réis, e os interessados, depois de empregados todos os meios suasorios, se não quizerem conciliar e concordar nos meios de remediar os damnos padecidos, o capitão do porto procederá ás vistorias competentes, e colhendo sobre a questão

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os esclarecimentos ao seu alcance, formará o competente auto, mencionando n'elle a sua opinião motivada. Fará de tudo leitura ás partes interessadas, as quaes, se não se conformarem com a opinião do capitão do porto, poderão recorrer ou para o tribunal de avarias da sede da intendencia respectiva, ou para o do commercio, ficando sujeitos em todo o caso ao que a esse respeito se manda observar nos artigos 17.°, 18.° e 19.° d'este regulamento.

Art. 25.º Todas as despezas dos processos relativos a estas questões, serão satisfeitas pela parte que for condemnada ou por ambas as partes, se assim se julgar mais justo.

Se as partes litigantes se combinarem, depois de ter havido procedimento, serão as despezas satisfeitas pelo modo que se convencionar.

Art. 26.° As despezas com o pessoal, material, empregado nas occasiões de perigo e naufragio, quer pertençam á corporação de pilotos ou a outros quaesquer individuos ou associações, serão satisfeitas na conformidade da tabella especial, para esse fim estabelecida.

Art. 27.° Quando porém o pessoal ou aprestos, que forem empregados, pertençam a sociedades philanthropicas o capitão do porto sómente intervirá quando houver reclamação.

Art. 28.° Se as embarcações e aprestos pertencerem ao estado, a paga do seu emprego será tão sómente o equivalente ao damno e deterioração padecidos, e convenientemente avaliados será mandada entregar aquella importancia com guia das capitanias dos portos nos cofres competentes.

Art. 29.° Os intendentes de marinha e os capitães dos portos terão casa, paga pelo estado para o serviço do expediente da capitania, o mais central e proximo ás praias que for possivel, e quer sejam officiaes do quadro effectivo da armada, quer sejam addidos ao corpo de veteranos de marinha, vencerão o soldo e a gratificação correspondente ás suas patentes, alem dos emolumentos que, em conformidade da tabella annexa, e que faz parte d'este regulamento, lhes pertencer.

Art. 30.° Em cada uma das intendencias de marinha, haverá um ajudante (official da armada), e em circumstancias excepcionaes, poderão ser nomeados officiaes em commissão para auxiliar os capitães dos portos.

Art. 31.° Nas intendencias de marinha e capitanias dos portos que se julgar conveniente, haverá um escrivão chefe do expediente. N'aquelles porém que pela sua pequena importancia não precisem de escrivão, haverá um escripturario para o serviço do expediente.

§ unico. Vencerão os escrivães annualmente 400$000 réis e 180$000 réis os escripturarios.

Art. 32.° Na ausencia temporaria dos intendentes de marinha exercerão as suas funcções os capitães dos portos do mesmo departamento, que tiverem mais graduação ou antiguidade, no caso do governo não providenciar doutra fórma.

- Art. 33.° Os emolumentos das intendencias de marinha e capitanias dos porto», á excepção de Lisboa, depois de deduzidas as despezas de escripturação e expediente, serão divididas em partes iguaes entre o capitão do porto e o respectivo escrivão ou escripturario. Em Lisboa fica era vigor a disposição do artigo 26.º do decreto de 20 de outubro de 1859.

Art. 34.° Na ausencia temporaria por mais de quinze dias, por motivo justificados, dos intendentes de marinha ou capitães dos portos, bem como dos seus escrivães e mais empregados, pertencerão os emolumentos a quem de facto exercer aquellas funcções.

Art. 35.º Os livros escripturados ou em escripturação, exemplares de quaesquer regulamentos, modelos de mappas e de róes, collecções de ordens da armada, de leia e da folha official, bem como outros objectos de similhante natureza, são propriedade das intendencias ou capitania, e estarão por inventario a cargo dos respectivos escrivães ou escripturario.

Art. 36.° Em cada uma das intendencias de marinha e capitanias dos portos haverá um escaler fornecido e tripulado por conta do estado. Este escaler e numero de remadores será adequado ás circumstancias peculiares de cada porto, segundo o seu maior ou menor trafico maritimo. Os remadores serão tambem empregados em qualquer outro serviço compativel.

Art. 37.° Os patrões e remadores dos escaleres serão nomeados pelos intendentes, sob proposta dos capitães dos portos, e terão iguaes vencimentos aos dos patrõe8 e remadores dos escaleres das alfandegas das respectivas localidades.

Art. 38.° Os intendentes de marinha e capitães dos portos poderão conceder licença até tres dias aos empregados seus subordinados, e igualmente lhes é permittido suspender qualquer d'elles até oito dias, quando para isso tenham causa sufficiente, dando n'esse caso parte á auctoridade competente para a suspensão dos respectivos vencimentos.

Quando porém a falta for de maior gravidade, devem suspende-los, e dar parte á auctoridade superior, para esta lhe indicar a correcção que se deve applicar.

CAPITULO II

Das attribuições e deveres dos intendentes de marinha e capitães dos portos

Art. 39.º Aos intendentes de marinha compete dar seguimento, se assim o julgarem conveniente, a todas as propostas e requisições que lhes façam a bem do serviço os capitães dos portos do seu departamento, acompanhando-as sempre com as suas informações.

Art. 40.° Os intendentes de marinha deverão todos os annos, até ao dia 31 de dezembro, formular e dirigir ao ministerio da marinha um relatorio circumstanciado, no qual mencionem o estado em que se acham os portos da sua jurisdicção; quaes os meios que se devem adoptar para a conservação, melhoria e engrandecimento dos mesmos portos; e finalmente tudo quanto o seu zêlo pelo serviço lhes suggerir a tal respeito. Levarão ao conhecimento superior, fóra da epocha marcada no presente artigo, tudo quanto for de utilidade ou urgente ao bom andamento do serviço nos portos da sua jurisdicção.

Art. 41.° E dever dos intendentes de marinha e capitães dos portos dar prompta execução ás ordens superiores, o fazer executar pontualmente pelos seus subordinados aquellas que lhes forem transmittidas.

Art. 42.° Os intendentes de marinha e capitães dos portos prestarão todo o auxilio que estiver ao seu alcance ás auctoridades fiscaes, sanitarias, administrativa, judiciaes e militares que lhe for devidamente requisitado, e reclamarão das mesmas auctoridades toda a cooperação e auxilio necessario ao bom desempenho das suas attribuições e deveres.

Art. 43.° Os capitães dos portos levarão ao conhecimento das auctoridades locaes, a quem competir, toda e qualquer noticia ou occorrencias que se der nos portos, costas e barras da sua jurisdicção, que possam interessar ao serviço publico, reclamando as necessarias providencias.

Quando lhe não forem tomadas em consideração as suas indicações, informarão de tudo os seus respectivos intendentes de marinha.

Art. 44.° Os capitaes dos portos devem enviar annualmente, até ao dia 30 de novembro, aos intendentes de marinha, a cuja jurisdicção pertencerem, um relatorio circumstanciado do estado do porto, costa e barra a seu cargo; propondo, com os meios de os levar á execução, todos os alvitres tendentes á conservação, melhoria e engrandecimento dos seus respectivos portos.

Art. 45.º Os capitaes dos portos farão executar por si e pelos seus subordinados os regulamentos dos pilotos da barra, legislação sobre os lastros e leis policiaes dos respectivos portos dentro dos limites das suas attribuições.

Têem igualmente a seu especial cargo visitar e fazer vigiar a boa conservação dos pharoes comprehendidos nos limites da sua jurisdicção, dando parte á auctoridade superior de tudo quanto o seu zêlo lhe suggerir com respeito á melhor illuminação e collocação dos ditos pharoes, de fórma tal que estes indispensaveis signaes de noite preencham o fim a que são destinados.

Art. 46.° Os capitães dos portos devem ter conhecimento hydrographico, quanto lhes seja possivel, dos seus respectivos portos e costas, conhecer a sua profundidade, qualidade do fundo, indagar se existem as necessarias marcas nas barras, e, havendo as, se preenchem o fim a que se destinam, a capacidade dos ancoradouros, quaes os meios dos navios fazerem aguada, e os logares acima do collo da preia-mar, mais proprios para deposito de lastros, e estaleiros de construcções navaes.

Art. 47.º Aos capitães dos portos compete muito especialmente prestar com zêlo e efficacia, pelos meios de que poderem dispor, todos os auxilios e soccorros ás embarcações em perigo, empregando os maximos esforços, na salvação das equipagens e passageiros com preferencia a tudo mais.

Para este tão humanitario fim tem a faculdade de lançar mão da gente maritima da sua localidade e de todos os meios que julgar conveniente, e que se encontrem nos navios do commercio, fundeados no porto.

Art. 48.° Para que o determinado no artigo antecedente se posso levar a effeito, haverá em todas as capitanias dos portos as embarcações, ancorotes e viradores necessarios para tão louvavel fim.

Aos capitães dos portos compete, requisitando esses objectos, designar o local mais apropriado para poderem com proveito ser empregados; e bem assim fará registar em um livro especial, todas as circumstancias do sinistro que occorrer, nacionalidade do navio, nome e quantidade de salvados e qual a auctoridade que d'elles tomou conta; remettendo á intendencia de marinha competente os papeis de bordo, se porventura apparecerem.

Art. 49.° Quando occorrer algum sinistro darão immediatamente conhecimento ás auctoridades fiscaes e sanitarias e na sua ausencia farão todas as diligencias possiveis para obviar a qualquer transgressão dos regulamentos respectivos.

Art. 50.° Não consentirão que os navios mercantes usem de flâmulas, nem dêem tiros ou accendam fogos de artificio dentro do porto, salvo em caso de perigo ou estando para isso auctorisados superiormente.

Art. 51.° Os capitães dos portos terão conhecimento de todos os distinctivos dos navios do estado e procurarão obter os dos navios mercantes que não preferirem usar os systemas de Maryate e Reynauld, já adoptados pelo governo.

Art. 52.° Aos capitães dos portos é concedida a faculdade de fazerem transmittir aos navios em vista, e d'elles receberem pelos telegraphos maritimos, qualquer participação de interesse commercial e fazer passar pelos telegraphos electricos quaesquer communicações que digam respeito ao exercicio das suas funcções officiaes.

Art. 53.° Não consentirão a saída de qualquer navio do commercio a respeito do qual se lhes apresente o mandato do juiz ou presidente do tribunal que tiver ordenado o seu embargo, e neste caso tomarão todas as medidas que julgarem acertadas para impedir o navio, podendo até mandar tirar-lhe o leme se tiverem motivos de receiar uma saída furtiva.

Art. 54.° Em tempo de guerra e que se possa receiar algum golpe da mão do inimigo, os capitães dos portos, de accordo com as auctoridades locaes, tomarão todas as providencias ao seu alcance, para que os navios fundeados no porto estejam quanto possivel ao abrigo de serem destruidos ou molestadas.

Art. 55.° Os capitães dos portos registarão ou farão registar todos os navios que entrarem nos portos da sua jurisdicção, e se informarão de todas as noticias interessantes da nação ou nações a que pertencerem, nomes dos navios e dos capitães, do numero de pessoas de equipagem e dos passageiros, a procedencia, dias de viagem qualidade de carga, agua que demandam, tonelagem, e, se for navio a vapor, qual a força da machina.

Art. 56.° Sempre que for possivel os capitães dos portos visitarão ou farão visitar os navios de guerra nacionaes e estrangeiros de nações amigas que entrarem no porto, prestando-lhes todos os auxilios, esclarecimentos e noticias que julgarem convenientes e estejam ao seu alcance.

Art. 57.° Os capitães dos portos visitarão ou farão visitar todos os navios que saírem dos seus respectivos portos, verificando se os papeis de bordo estão conformes com o determinado no codigo commercial, confrontando o rol da equipagem com os individuos que encontrarem. Achando troca de pessoas ou alguma de mais das que estiverem matriculadas, e que não apresentem passaportes, destinando-se para fóra do reino, serão essas pessoas apprehendidas e remettidas á auctoridade superior administrativa acompanhadas da competente guia, o que o capitão do porto deve participar em seguida ao intendente da marinha do seu departamento.

Art. 58.° Apprehenderá igualmente os desertores da armada e do exercito que encontrar, estejam ou não no rol da equipagem ou tenham passaporte, assim como qualquer criminoso, cuja apprehencão lhe for requisitada, e em geral prestará nesse acto todo o auxilio que lhe for reclamado pelas auctoridades locaes.

Art. 59.º Quando encontrar a bordo o maior numero de passageiros do que a arqueação ou lotação do navio comportar, ou vir que a embarcação não satisfaz a todos os requisitos que as leis e regulamentos exigem para a conducção de passageiros, impedirá a saída d'esse navio ou embarcação, e dará immediatamente parte do occorrido á superior auctoridade civil do local, á secretaria da marinha.

Art. 60.º Aos capitães dos portos pertence assignar os registos de propriedade e identidade dos navios mercantes nacionaes, e a matricula das respectivas equipagens ou guarnições, inclusivè as companhas dos barcos de pesca, em conformidade da legislação vigente, e bem assim deverão assignar todos os despachos e documentos que tenham de ser expedidos pela sua repartição.

Haverá nas capitanias dos portos os competentes roes impressos e os livros necessário» para termos, registos, etc.

Art. 61.° Sempre que se fizer o rol da matricula do navio do commercio, será presente a esse acto a gente que fórma a sua equipagem, a qual deve assignar a respectiva matricula, sendo-lhe declarado nesta mesma occasião, pelo capitão do navio ou por quem o representar, os ajustes da viagem, os quaes serão consignados na mesma matricula, convindo nelles.

Os capitães dos portos farão comprehender ás equipagens que matricularem, que pelas declarações ali exaradas serão unicamente decididas quaesquer duvidas que possam occorrer.

Art. 62.° O rol da equipagem ou matricula será renovado sempre que se pretender inscrever de novo mais de um terço do numero de individuos de que constava a primitiva matricula, se houver mudança de viagem e se fizerem novos ajustes.

Art. 63.° O julgamento de soldadas dos individuos que no rol da equipagem vão indicados com essa classificação, verificar se ha no fim da viagem ou quando desembarcarem por causas legitimas, e será feito pelo piloto, contramestre e dois marinheiros, assignando todos o documento em que se mencione o salario merecido. Se o capitão que não tem voto neste julgamento, ou a parte interessada se não conformarem com o julgamento, recorrerão ao capitão do porto, que procederá ao julgamento definitivo depois de ouvir o proprio capitão e mais praças da equipagem.

Art. 64.° Aos capitães dos portos pertence mandar proceder ás vistorias que lhes forem requisitada ou que julgarem necessarias para esclarecimentos das questões que lhes são submettidas.

A estas vistorias, para as quaes nomearão peritos, podem os interessados fazer tambem assistir um ou dois arbitros, cujos pareceres se tomarão no termo de vistoria.

Art. 65.° O capitão do porto protegerá, por todos os meios ao seu alcance e dentro das suas attribuições, as construcções novas, dando-lhes em todas as occasiões, e especialmente no acto do lançamento á agua, todos os auxilios que d'elle dependerem.

Art. 66.° O capitão do porto, depois de examinar com que recursos pôde contar para casos de perigo e de naufragio, quer esses meios pertençam á corporação, a emprezas particulares ou a sociedades philanthropicas, proporá ao seu respectivo intendente de marinha, para este o levar ao conhecimento superior, o modo de organisar o pessoal sufficiente, a qualidade e numero de embarcações, ancoras e viradores que julgar necessarios para se conseguir o indicado fim.

Art. 67.° Os capitães dos portos, dentro dos limites das suas attribuições, auxiliarão as sociedades philanthropicas maritimas em tudo quanto d'elles depender, e lhes prestarão officiosamente os esclarecimentos, alvitres e observações uteis e convenientes aos fins a que taes sociedades se propõem.

Art. 68.° Sempre que occorrerem sinistros, os capitães dos portos participarão á auctoridade superior para esta fazer conhecer ao governo, qual foi o comportamento dos seus subordinados no desempenho dos seus deveres, louvando ou censurando; e especificarão qualquer acto de devoção cívica que em taes casos se praticar.

Art. 69.º Os capitães dos portos não podem Impor mui

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tas, sem que primeiro sejam ouvidas as partes, e que estas tenham sido previamente intimadas, devendo as mesmas intimações ser assignadas pelas partes accusadas de contravenção ou por quem as representar.

CAPITULO III

Disposições geraes

Art. 70.° Nas arribadas forçadas, causadas por força maior, os individuos da equipagem são obrigados a continuar a servir até que o navio chegue ao porto do seu destino, ou que a viagem seja competentemente considerada concluida.

Art. 71.° Nas arribadas voluntarias sempre que não haja previa ou nova convenção, os individuos da equipagem não devem ser compellidos a proseguir na viagem.

Art. 72.° Quando em navio fundeado no porto se dêem, entre a sua equipagem roubos, desordens, motins e insubordinações, os capitães dos portos procederão e executarão o que a tal respeito se acha designado no codigo disciplinar da marinha mercante.

Art. 73.° Os capitães, mestres, patrões e arraes de embarcações, e seus representantes, sempre que se perca alguma ancora, enviarão á capitania do porto, dentro do praso de tres dias uteis, uma participação por escripto, em que se declare o nome do navio, do capitão, do proprietario ou consignatario, qualidade de ferro e do cepo, peso de ferro, qualidade da amarra, seu comprimento e bitola, marcas particulares, se as houver, dia e local em que foi perdido, se ficou enrascada com alguma outra amarração, e finalmente todas as circumstancias que poderem contribuir para melhor se conhecer o dono.

Art. 74.° Quando a participação de que trata o artigo antecedente não for feita dentro de tres dias, a ancora e qualquer parte da amarra que lhe esteja talingada, será depois d'este praso reputada para todos os effeitos como sem dono conhecido.

Art. 75.° As participações de ancoras perdidas serão registadas em um livro para esse fim destinado, e por esse registo se dará a licença para rocegar, e se fará a confrontação das ancoras que se encontrarem.

Art. 76.° Aos capitães dos portos compete vigiar pelas ancoras perdidas dos navios do estado e representar, sob sua responsabilidade, por parte do governo, como qualquer proprietario de navio do commercio.

Art. 77.° Os commandantes dos navios do estado, sem prejudicar qualquer participação que tenham de fazer a outra auctoridade, communicarão ao capitão do porto a perda de qualquer ancora, cumprindo as disposições do artigo 73.° Art. 78.° Somente aos capitães dos portos pertence dar licença para rocegar as ancoras ou amarras perdidas; estas licenças serão convenientemente facilitadas e sempre dadas por escripto; devendo o objecto achado ser visto ou mandado vor pelo capitão do porto, e confrontado com as declarações que lhes foram dadas, e achando-as conformes, mandará entregar o objecto rocegado.

Art. 79.° O proprietario, capitão ou mestre de qualquer embarcação que perder alguma ancora com amarra ou sem ella, tem obrigação de a fazer rocegar no periodo de dois mezes prefixos; se o não fizer dentro d'este praso, a ancora e amarra que lhe estiver talingada será reputada como sem dono conhecido.

Art. 80.° Toda a ancora que se rocegar ou suspender de proposito ou casualmente, será levada á capitania do porto, a fim de se verificar a quem pertence, ou se está no caso de ser considerada como sem dono conhecido.

Art. 81.° Todo o individuo que por sua conta rocegar uma determinada ancora, e porventura encontrar outra que se verifique não ter dono conhecido, entrega-la-ha na capitania do porto como propriedade do estado, e ficará com direito á metade do respectivo valor.

Art. 82.° Quando as ancoras rocegadas e consideradas como sem dono conhecido forem encontradas por embarcações mantidas e tripuladas por conta do estado, receberá o pessoal que n'essas embarcações se empregar, uma gratificação equivalente á terça parte do valor da ancora e amarra que tiver talingada, a qual ficará sendo propriedade do estado.

Art. 83.° A ancora rocegada ou casualmente suspendida do fundo, que não for devidamente manifestada dentro de vinte e quatro horas, considera-se sonegada, e não só perde o direito aos objectos achados, quem os sonegar, mas será multado em metade do valor d'elles, que reverterá a favor do denunciante. O dono, capitão ou mestre da embarcação implicada n'esta contravenção é o responsavel, e a sua embarcação será impedida de saír emquanto não for satisfeita a multa imposta.

Art. 84.° As ancoras obtidas na conformidade do artigo antecedente ficam pertencendo á fazenda publica, quando não estiverem nas circumstancias de ser entregues a quem devidamente as possa reclamar.

Art. 85.° As embarcações miudas, e quaesquer outros objectos encontrados em abandono, fluctuando nos portos ou encalhados nas praias, serão entregues a seus donos, mediante o pagamento das despezas feitas n'esse serviço, ou: terão o destino consignado nas leis e regulamentos fiscaes.

Art. 86.° Em conformidade com o artigo 11.°, nenhum constructor poderá proceder á construcção de embarcações, sem declarar em um requerimento á capitania do porto o local em que pretende levar a effeito a projectada construcção. Ao capitão do porto compete conceder a licença, verificando-se o local indicado é apropriado para esse fim, procurando evitar prejuizos de terceiro

Art. 87.º Quando se effectuar qualquer construcção nos; portos ou praias do continente do reino e ilhas adjacentes, os respectivos constructores são obrigados a requerer á capitania do porto a competente vistoria, ordenada no codigo I commercial, artigo...:

Esta vistoria porém será feita por duas vezes; a primeira quando a embarcação que se construir estiver prompta a fechar o fundo; a segunda quando a embarcação estiver em estado de ser lançada ao mar. Ao capitão do porto pertence proceder ás vistorias pedidas, nomeando para esse fim os peritos mais aptos e competentes, os quaes deverão declarar no respectivo termo o estado de construcção da embarcação, pelo que respeita á sua segurança, qualidade das madeira e ferragem, etc.; e finalmente indicarão, em vista das observações a que procederem, o tempo provavel, em circumstancias ordinarias, de duração da embarcação que vistoriarem. Estas duas vistorias serão pagas pelo constructor como se fôra uma só, extrahindo-se copia do respectivo termo, que deverá juntar-se ao registo de propriedade do navio.

Art. 88.° Todo o proprietario de embarcação do commercio construida de novo e lançada ao mar, é obrigado logo depois d'ella estar prompta a navegar, a requerer á capitania do porto uma vistoria, a qual deverá conhecer do seu estado de navigabilidade, solidez e mais requisitos, pelo que respeita á segurança da sua mastreação, maçame, ancoras, amarras ou correntes, etc. O capitão do porto pro cederá á vistoria pedida, nomeando os peritos que julgar mais intelligentes e competentes para esse fim.

Art. 89.° Todas as contravenções ao que fica determinado no presente regulamente serão punidas com a multa de 5$000 a 50$000 réis. Estas multas serão impostas pelo capitão do porto, tendo em vista quanto ao quantitativo a importancia da falta commettida.

Art. 90.° Os patrões mores são subordinados, pelo que toca ao serviço do porto, aos capitães dos portos, continuando comtudo no exercicio das funcções que lhes estão marcadas pelas leis e praticas estabelecidas.

Art. 91.° Os documentos que tiverem de pagar emolumentos serão designados, e satisfeita a sua importancia na conformidade da tabella de emolumentos que faz parte d'este regulamento.

Art. 92.° Os escrivães e mais empregados das intendencias e capitanias dos portos têem direito a ser reformados, observando-se a respeito dos que tiverem graduações militares, o que se pratica com os demais empregados do ministerio da marinha, e todos os mais empregados em geral gosarão das reformas era vigor para os correspondentes empregados do arsenal da marinha.

Art. 93.° O expediente das intendencias de marinha e capitanias dos portos começará todos os dias não santificados, ás nove horas e acabará ás tres, podendo porém esta hora ser alterada todas as vezes que a urgencia do serviço o reclame.

Art. 94.º Colligir-se-hão os artigos dos regulamentos de policia dos portos, da lei e regulamento dos lastros e do regulamento das pilotagens que se julguem convenientes pela materia contida, fazer conhecer immediatamente aos navios mercantes estrangeiros, que demandem os portos portuguezes mais importantes, depois de traduzidos nas linguas ingleza e franceza: serão impressos em folheto e entregues no acto do registo a todos os capitães, mestres dos navios estrangeiros que entrem nos mesmos portos.

Art. 95.° Os capitães dos portos visitarão ou farão visitar amiudadas vezes os ancoradouros dos portos a seu cargo, praias e caes, prevenindo a quem pertencer de qualquer irregularidade que encontrem dos quaes possa resultar prejuizo á boa conservação do porto.

Art. 96.° Ao escrivão das intendencias e capitanias dos portos compete abrir toda a correspondencia official (salvo aquella que tenha o caracter de confidencial), e tomando conhecimento d'ella apresenta-la ao seu chefe, dando-lhe n'esse acto todos os esclarecimentos que o possam elucidar, e recebendo a esse respeito as suas ordens, as fará cumprir por quem competir.

Art. 97.° E da competencia dos escrivães das capitanias dos portos promover quanto esteja ao seu alcance que o serviço se faça com intelligencia e actividade, propondo ao seu chefe aquelles dos empregados mais competentes, relativamente ao seu merito, para serem encarregados dos diversos trabalhos da repartição.

Art. 98.° Os escrivães das intendencias e capitanias dos portos deverão formular e assignar conjunctamente com o seu chefe os registos de propriedade e as matriculas dos navios do commercio e barcos de pesca.

Art. 99.° Escreverá todos os despachos, termos, autos e depoimentos de testemunhas.

Art. 100.° Para a admissão dos empregados das intendencias e capitanias dos portos ser-lhe-hão exigidas as seguintes habilitações:

1.º Ter mais de dezoito annos.

2.º Saber ler e escrever correctamente.

3.º Ter conhecimentos arithmeticos até ás operações de quebrados.

4.º Estar isentado recrutamento do exercito ou da marinha.

5.º Apresentar attestados de bom comportamento do administrador do seu bairro ou concelho e parocho da freguezia.

CAPITULO IV

Disposições relativas aos navios mercantes

Art. 101.° Todo o navio que entrar no porto fundeará

no local que pelo capitão do porto, ou por quem o representar, lhe for indicado, recebendo n'esse acto as visitas do j

estylo; quando porém tiver polvora a bordo fundeará em:

franquia, longe do ancoradouro ordinario dos mais navios, I

até que a remetta, como deve, para um deposito previa I

mente designado.

Art. 102.° Os navios logo que estejam devidamente ancorados metterão dentro o pau de giba se estiverem separados uns dos outros, e o da giba e bojarrona quando estiverem juntos. Não tornarão a deitar fóra aquelles paus senão no dia da saída, quando ella houver de effectuar-se na maré da tarde, e na vespera da saída quando esta for na maré da manhã do dia seguinte. Não poderão ter a reboque amarrada pela popa mais do que uma embarcação, e a boça não excederá de 14m.

Art. 103.° Todos os navios que entrarem no porto, quer, estejam desembaraçados ou não do registo do porto fundearão sempre a dois ferros, salvo quando o navio vier a

ordens e dever por isso demorar-se menos de vinte e quatro horas. Neste caso poderá ficar a um só ferro em local, distante dos mais navios.

Art. 104.° Os navios terão sempre a sua amarração clara, e para este fim será mandada examinar todos os dias, quando as circumstancias de tempo o permittam.

Art. 105.° Todos os navios mercantes fundeados no porto, terão sempre uma boa ancora á roça, a qual estará prompta a largar para o fundo, logo que for necessario; um ancorote com o seu respectivo virador; e dois cabos proprios para espias; tudo em bom estado e apropriado em dimensões e peso ás lotações dos mesmos navios.

Art. 106.° Os navios do commercio deve ter sempre a bordo um terço pelo menos da guarnição com que costumam navegar, para que de prompto cuidem da sua segurança e respondam pelas transgressões das ordens ou leis que respeitam á segurança dos navios.

Art. 107.° Os navios devem ter a seu bordo uma vigia permanente quer de dia quer de noite, não só para velar por qualquer occorrencia que se possa dar na propria embarcação, como para prestar auxilio aos mais navios que d'elle precisarem.

Art. 108.° Os navios mercantes não podem conservar as vergas e mastaréus de joanetes á cunha, sem que tenham um terço da sua carga a bordo e no porão, devendo em occasião de mau tempo arrear tambem os mastaréus da gavia.

Art. 109.° Os navios ancorados no rio, e que careçam de qualquer soccorro durante a noite, içarão no mastro do traquete um pharol de luz encarnada.

Art. 110.° Os navios fundeados no rio e que estejam fazendo quarentena, terão durante a noite içado no mastro do traquete um pharol de luz branca, e quando tambem durante a noite precisarem de soccorros, içarão no mastro grande um outro pharol de luz encarnada.

Art. 111.0 Os navios fundeados no rio para carregar, descarregar, invernar, fabricar ou que tenham carga de materias combustiveis e os que tenham de fazer quarentena devem ancorar nos locaes para este fim destinados.

Art. 112.° Os navios que carregarem telha, tijolo, lastro de outros generos soltos, submergiveis, e que por isso possam prejudicar o fundo, usarão dos encerados ou vélas e de todas as mais precauções necessarias para que n'esse acto não sejam aquelles objectos lançados ao mar.

Quando se prove que assim não procederam, ficarão sujeitos á penas comminadas na lei e regulamento dos lastros.

Art. 113.° Todo o navio deve receber a espia que um outro lhe queira dar. Se padecer, por isso, algum prejuizo, será d'elle indemnisado pelo navio que deu a espia, sempre que o damno padecido não for causado por culpa ou falta do proprio navio que recebeu essa espia.

Art. 114.° Quando os navios se acharem em portos sujeitos a grandes cheias ou correntes violentas, deverão na estação invernosa acautelar-se com a devida antecedencia, tomando-se as precauções necessarias para a sua segurança, reforçando-se as suas amarrações, firmando se no navio antenas de encontro aos caes, e finalmente empregando-se todos os outros meios que a arte ensina e a experiencia approva para prevenir qualquer acontecimento desastroso.

Art. 115.° Nenhum navio pôde mudar de ancoradouro sem licença do capitão do porto, que só a concederá quando tiverem um fim. Esta mudança não poderá ter logar sem que esteja a bordo o competente piloto pratico. Proceder-se-ha de igual modo com as embarcações que pela sua arqueação não são obrigadas pelo regulamento das pilotagens a tomar piloto da barra, uma vez que devam fundear no quadro da alfandega.

Art. 116.° Os navios que pela sua arqueação são obrigados a tomar piloto da barra, mas que não o tendo a bordo se amarrarem no porto, não têem direito a reclamar a importancia de qualquer avaria causada por outro navio, que tenha sido devidamente amarrado.

Art. 117.° O navio que quizer á espia mudar de um para outro ancoradouro, não o poderá fazer sem licença do capitão do porto, o qual deverá ouvir a similhante respeito a opinião do piloto mór.

Art. 118.° Todos os navios do commercio deverão observar e cumprir o que fica determinado n'este regulamento. Não serão attendidas as reclamações d'aquelles que, havendo-o menosprezado o provadamente padecerem qualquer prejuizo causado por outros navios que hajam cumprido as prescripções do mesmo regulamento.

Art.° 119.° Provando se que um navio, apesar de satisfazer ao que fica determinado n'este regulamento, não fez o conveniente e devido uso dos meios de soccorro de que necessitou e de que podia dispor, será para todos os effeitos considerado como se os não tivesse a bordo.

Art. 120.º Todos os navios ancorados no rio são obrigados a acudir com suas lanchas e escaleres completamente guarnecidos, levando pelo menos um ancorote e um virador, a qualquer desastre que aconteça no porto ou barra; e quando assim o não façam, o capitão do porto os poderá obrigar a isso pelo modo que n'esse momento tiver mais ao seu alcance.

Art. 121.° Podem ser vistoriados os navios do commercio sempre que o capitão do porto o entenda necessario para conhecer do casco, apparelho, panno, ferros e amarras sobrecellentes, e em geral do navio; mantimentos tanto os

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qualidade como na quantidade, aguada; dos pharoes que de ve usar navegando no alto mar, e finalmente de tudo mais que esta auctoridade julgar conveniente para segurança do navio, carga, passageiros e tripulação. Estas vistorias não sendo requesitadas pelos interessados serão gratuitas.

Art. 122.° Pôde o capitão do porto obstar á saída de qualquer navio, todas as vezes que entender, em vista da opinião dos competentes peritos, reunidos em vistoria, que esse navio não está nas circumstancias de navegar com segurança. Rege esta disposição ainda mesmo para o caso em que o navio já esteja completamente carregado.

Art. 123.° Os navios estrangeiros mercantes serão escrupulosamente visitados na saída, para que não levem marinheiros, moços ou outros quaesquer individuos para fóra do reino sem permissão. Sendo encontrado um d'estes individuos o capitão do porto o remetterá logo em custodia á competente auctoridade administrativa, para ser punido conforme as leis, regulamentos e mais ordens em vigor e participará em seguida ao respectivo consul tudo que houver occorrido.

Art. 124.° Os navios que tiverem as suas amarrações enrascadas com as de outro ou mais navios, devem coadjuvar-se mutuamente na faina para que as ditas amarrações fiquem completamente claras.

Art. 125.° Todo o navio que estiver prompto a seguir viagem deverá vinte e quatro horas antes fundear em franquia, podendo ser contiguo á barra. Precisa porém e previamente apromptar os seus despachos, e apresenta-los ao capitão do porto para este lhe mandar piloto para bordo, quando o navio deva recebe-lo, sem o que não poderá desamarrar-se.

Art. 126.° Ao capitão do porto ou a quem o represente compete verificar nas visitas a que deve proceder aos navios fundeados no porto, particularmente na estação invernosa, as contravenções ao que fica determinado, relativamente aos deveres dos navios fundeados, devendo multar os contraventores conforme a gravidade da falta com multa de 15$000 a 50$000 réis, mandando intimar os contraventores com antecedencia de quarenta e oito horas para obterem o objecto que dá causa á muita, se essa provier de falta de algum objecto.

Art. 127.° Todos os navios do commercio terão, e em bom estado, os pharoes de côres que vem indicados no decreto de 12 de março de 1863, dos quaes farão uso no alto mar como vem determinado no mesmo decreto.

Art. 128.° Todos os navios navegando nos rios deverão cumprir estricta e rigorosamente as disposições do citado decreto e as prescripções do regulamento geral de pilotagem. Não poderão trazer embarcações miudas atracadas á borda, permittindo-se unicamente, quando seja necessario, uma só embarcação amarrada á popa em curta distancia, e os paus de surriola emquanto não fundearem prolongados com o costado.

Art. 129.° Os navios mercantes no acto de receberem piloto fóra da barra deverão içar a bandeira da sua nação, e assim conserva-la até fundearem no porto a que se dirijam.

Art. 130.° Todos os navios do commercio nacionaes usarão, tanto na entrada como na saída dos portos do reino, de um distinctivo que içarão no,mastro de proa.

Estes distinctivos serão registados nas respectivas capitanias dos portos, e designados pelos capitães dos portos a contento, quanto possivel, dos seus proprietarios.

CAPITULO V Deveres e disposições relativas aos capitães e mestres dos navios do commercio

Art. 131.° O capitão ou mestre de navio portuguez deve ser attencioso e prudente para com todos os individuos da sua guarnição, e attender a qualquer reclamação que por elles for feita. E elle o primeiro responsavel pela segurança e por tudo que occorrer a bordo do seu navio.

Art. 132.° O capitão ou mestre de navio portuguez ou estrangeiro, logo que entrar no porto prestará todos os esclarecimentos que lhe forem pedidos pelas competentes auctoridades.

Art. 133.° O capitão ou mestre de navio portuguez ou estrangeiro deve vigiar pela segurança da sua embarcação, empregando para esse fim todos os meios convenientes e permittidos.

Art. 134.° O capitão ou mestre de navio portuguez evitará quanto possivel as rixas e desordens entre os individuos da sua guarnição. Quando ellas se derem procederá ás necessarias averiguações, e formando o competente auto dará parte de tudo ao capitão do porto quando o respectivo navio esteja fundeado em aguas do dominio portuguez, ou para ellas se dirija. Se porém as desordens ou rixas tiverem logar á vela, e o navio navegue para porto estrangeiro remetterá a competente parte ao commandante do navio de guerra portuguez que ahi se achar, e na sua falta á auctoridade consular portugueza para que estas auctoridades providenceiem conforme as leis a esse respeito estabelecidas.

Art. 135.° O capitão ou mestre de navio portuguez quando tiver de fazer matricula ou rol de equipagem do seu navio, apresentará ao capitão do porto todos os individuos que n'ella hajam de ser incluidos, declarando n'essa occasião claramente qual a qualidade, e natureza dos ajustes a que serão sujeitos os individuos ali presentes da sua equipagem e onde deve findar a viagem que pretende fazer. Estas declarações serão consignadas nas mesmas matriculas.

Art. 136.° O capitão ou mestre do navio portuguez ao receber ordens do dono ou consignatario da embarcação, deve ter muito em vista as disposições do codigo commercial e regulamentos do porto, porque se taes ordens forem contrarias ás disposições legalmente estatuidas, nem as poderá cumprir, nem o absolverão da culpabilidade em que por effeito d'ellas possa incorrer.

Art. 137.° O capitão ou mestre de navio portuguez ou estrangeiro deve requisitar do dono ou consignatario da embarcação todos os objectos que têem de ser empregados a bordo para segurança do seu navio, e com muita especialidade todos aquelles que são determinados n'este regulamento.

Art. 138.° Todo o capitão ou mestre de navio portuguez ou estrangeiro é obrigado a respeitar as auctoridades maritimas e a cumprir ás ordens que receber do capitão do porto, relativas ao serviço maritimo, podendo depois de as haver cumprido representar á auctoridade superior se lhe parecer excessiva ou fóra de proposito a ordem que lhe foi dada. Aquelle que faltar a tão essencial dever será immediatamente autuado e remettido ás justiças criminaes do districto.

Art. 139.° O capitão ou mestre de navio portuguez ou estrangeiro que deixar de cumprir o que lhe é ordenado no presente regulamento, ou que lhe for determinado pelo capitão do porto, em virtude do mesmo regulamento, será segundo a natureza da falta commettida, multado na conformidade do artigo do capitulo.

§ 1.° A importancia das multas impostas pelo capitão do porto, será dividida em tres partes iguaes, sendo uma para o monte pio do commercio, outra para a fazenda publica e a terceira para o denunciante, quando o houver, e aliás será dividida pelos guardas de lastro e cabos de mar.

§ 2.° A multa imposta será satisfeita em vista de um bilhete ou documento passado pelo capitão do porto. Feita a divisão determinada no paragrapho antecedente, mandará

0 capitão do porto entregar aos presidentes das commissões, ou direcções das competentes associações, a parte respectiva, cobrando recibos, que fará archivar na capitania do porto.

Art. 140.° O capitão ou mestre de navio portuguez ou estrangeiro deve apresentar-se ao capitão do porto todas as vezes que este o mande avisar para objecto de serviço.

Art. 141.° O capitão ou mestre de navio portuguez ou estrangeiro quando multado pôde, sempre que assim o entenda a bem da eua justiça, recorrer para os intendentes de marinha, a fim de ser dispensado do pagamento da multa; e nos portos onde os intendentes exercem as attribuições de capitão do porto, podem recorrer para o ministerio da marinha.

CAPITULO VI

Disposições relativas ás embarcações de pesca

Art. 142.° Todo o individuo pôde ser armador de embarcações proprias para a pesca, quer em alto mar, quer nas proximidades das barras, costas e rios, uma vez que observem o determinado no presente regulamento.

Art. 143.° A embarcação destinada á pesca no alto mar deve satisfazer ás seguintes condições:

1.ª Ser construida com a precisa solidez, ter coberta corrida, e a estabilidade propria para o mister a que se destina.

2.ª Ter o apparelho, panno, ferros, amarras e palamenta no melhor estado possivel.

3.ª Conservar a embarcação e seus accessorios em bom estado de arranjo e conservação todo o tempo que se empregar n'este serviço.

Art. 144.° A embarcação destinada á pesca nas barras, costas e rios, deverá satisfazer ás condições seguintes.

1.ª Ter, pelo menos, meia coberta tanto a ró como á proa, e os competentes bailéus, e quatro homens de tripulação pelo menos.

2. ª Conservar o casco, apparelho, panno, ferros, amarras e palamenta no melhor estado de conservação.

3. ª Ser a embarcação e seus aprestes construidos com a devida solidez.

Art. 145.° Todo o armador que tiver a sua embarcação nos casos determinados nos artigos antecedentes, poderá requerer ao capitão do porto para lhe mandar passar vistoria, devendo declarar no requerimento a data do lançamento ao mar, de quando começada a construir, o nome do mestre por quem foi construida, e qual a arqueação que lhe foi arbitrada.

Art. 146.° O capitão do porto deferirá o requerimento, indicando n'elle o dia, hora e local em que a embarcação deve ser vistoriada.

Art. 147.° Os peritos para estas vistorias são: patrão mor, e na eua falta o sota patrão mor ou um official marinheiro, um official de carpinteiros de machado, e outro de calafate.

Art. 148.° Na capitania do porto se lavrará termo, em livro especial, do resultado da vistoria. Este termo será assignado pelo capitão do porto e pelos peritos.

Art. 149.° Ao armador se entregará uma certidão do termo de vistoria, quando lhe for favoravel, a qual certidão servirá de titulo de propriedade.

Art. 150.° Todo o armador pôde, quando lhe convier, passar a sua embarcação a outro individuo, deixar de a empregar na pesca, applica la a qualquer outro serviço e mesmo desmancha la.

Art. 151.° No primeiro caso tem o armador de apresentar ao capitão do porto a escriptura publica, assim como a certidão do termo ou registo de propriedade, para esta auctoridade fazer novo termo, entregando certidão d'este ao novo possuidor.

Art. 152.° Em todos os mais casos só tem o armador de entregar ao capitão do porto a certidão para lhe fazer os necessarios averbamentos.

Art. 153.° Nenhum armador pôde admittir como mestre da sua embarcação individuo que não tenha carta de mestre de pesca.

Art. 154.° Nenhum maritimo pôde ser mestre de pesca sem que tenha obtido a competente carta de exame.

Para obter esta carta são necessarias as seguintes habilitações:

1.ª Ter mais de vinte e um annos de idade, o que provará por documento legal.

2.ª Obter attestados de bom comportamento moral e civil, do administrador do bairro ou concelho, e do parocho da freguezia.

Requererá ao capitão do porto, juntando os documentos exigidos no artigo antecedente, para o mandar examinar.

§ unico De 1 de janeiro do anno de 1870 nenhum maritimo pôde ser admittido a exame de mestre de pesca sem saber ler e escrever.

Art. 155.º Estes exames serão feitos ou mandados fazer pelo capitão do porto.

Art. 156.° Se os attestados estiverem conformes, o capitão do porto despachará o requerimento indicado n'elle, o dia e hora para o exame.

Art. 157.° O exame deve versar sobre estoques de aguas correntes, baixios, marés, marcas da barra, e modo pratico de deitar os apparelhos e redes.

Art. 158.º Serão examinadores o patrão mór e na sua falta o sota patrão mór, ou um official marinheiro, o piloto mór e um cabo de piloto ou piloto de numero.

Art. 159.° Se o examinando responder satisfactoriamente, se lavrará termo de approvação em um livro especial, e se extrahirá a certidão que será entregue ao maritimo examinado, e lhe servirá de carta de mestre de pesca.

Art. 160.° Se o maritimo examinado não for approvado no primeiro exame, não pôde ser admittido a segundo sem que mostre ter continuado a servir na pesca, no respectivo porto, por mais um anno successivo; se ainda n'este segundo exame for reprovado, pôde ser admittido a terceiro e ultimo exame depois de passados tres annos que praticou durante esse periodo no serviço da pesca.

Art. 161.° O attestado comprovativo deve ser passado pelo mestre da embarcação em que o maritimo tiver ultimamente servido e por mais tres camaradas da mesma embarcação, os quaes assignarão o attestado com o referido mestre. As assignaturas serão devidamente reconhecidas.

Art. 162.° Nenhum mestre de pesca pôde admittir na sua companhia individuo algum sem apresentar a competente cédula do arrolamento maritimo.

Art. 163.° Os mestres das embarcações de pesca não. consentirão rixas ou desordens entre os individuos da sua companhia, e quando as houverem dará parte ao capitão do. porto para este providenciar convenientemente.

Art. 164.° Todo o mestre de pesca é obrigado a navegar na embarcação, observando nas manobras o que se acha determinado no regulamento de pilotagens, na parte relativa á navegação no interior dos portos e rios.

Art. 165.° Nenhum mestre de pesca pôde emprestar a sua carta.

Art. 166.° Quando os mestres de pesca fallecerem, serão as suas cartas entregues ao capitão do porto, e depois, de trancadas e visivelmente inutilisadas entregues ás familias dos fallecidos. O mesmo se praticará com as cartas d'aquelles mestres, a quem ellas forem retiradas.

Art. 167.° Todo o mestre de embarcação de pesca deve deitar as redes ou apparelhos em distancia que não cause -prejuizo aos outros que já se achem empregados n'aquelle mister.

Art. 168.° Todo o mestre de pesca a quem se provar que por acinte, malevolencia ou outro mau intento, lançou o seu apparelho ou redes sobre outro ou outros, será„ obrigado a pagar todo o prejuizo causado nos apparelhos ou redes.

Art. 169.º Todo o mestre de pesca que ao colher as redes ou apparelhos conhecer que estão embaraçados com outros, deve prevenir d'esta circumstancia o mestre da embarcação á qual o seu apparelho está preso, para este se acautelar, fazendo ainda mais fixe o, seu apparelho, e tambem para prestar todo o auxilio possivel, e empregarem um e outro os meios apropriados para os safar. Quando o não consigam, deve aquelle que primeiro começou a suspender, largar por mão o seu apparelho, para ser colhida pelo outro mestre ao recolher os seus apparelhos.

Art. 170.° Do resultado, da pesca colhida por estas duas -embarcações, será o producto dividido por ellas em partes iguaes. O mesmo se praticará quando se derem iguaes circumstancias entre mais de duas embarcações.

Art. 171.° Todo o mestre de pesca na entrada ou saída da barra ou do porto se apresentará á auctoridade maritima que tem de receber o registo das embarcações, mostrando n'esse acto a sua carta de mestre de pesca. Não apresentando a carta será a embarcação retida e o mestre enviado em custodia ao capitão do porto.

Art. 172.° Toda a embarcação que for encontrada em mau estado exercendo a pesca será mandada vistoriar, ex officio. pelo capitão do porto; e quando for julgada pelos peritos em estado de não poder navegar será mandada encalhar em logar seguro, até que seja reparada convenientemente.

Art. 173.° Os peritos e os examinadores vencerão nas vistorias e nos exames o que se acha marcado na tabella dos emolumentos que faz parte d'este regulamento.

Art. 474.° Todo o mestre de pesca é obrigado a usar dos pharoes que foram determinados no decreto de 12 de março de 1863.

Art. 175.° Todo o armador que deixar de cumprir qualquer das condições impostas n'este regulamento soffrerá pela primeira vez. a multa de 100000 réis, pela segunda será retida a sua embarcação durante quinze dias em logar seguro, e pela terceira vez será retida por trinta dias; e quantas forem as faltas commettidas d'ahi por diante, tantos serão os trinta dias que a embarcação ficará retirada.

Art. 176.° Todo o mestre de pesca que deixar de observar qualquer das condições declaradas n'este regulamento será punido, pela primeira vez com a multa de 30000 réis, pela segunda com prisão de quinze dias, e pela terceira lhe I será retida a carta de mestre de pesca.

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Art. 177.° Nenhum barco de pesca poderá exercer a profissão de pescaria sem que para isso tenha a licença, a qual deverá obter annualmente das alfandegas da sua localidade. Com esta licença apresentará na capitania do porto conjunctamente os individuos que devem formar a sua companha, para ahi serem matriculados em livro competente, extrahindo-se um rol ou matricula em a qual conste os nomes, naturalidades, filiação dos tripulantes, numero e nome do barco e os ajustes que fizeram relativos a pesca. Este rol de companha, assignado pelo capitão do porto, será entregue ao respectivo mestre de pesca. Este rol, a licença de pesca, a carta do competente arraes e a certidão do termo da approvação do respectivo barco para aquelle mister constituirão os papeis de bordo.

CAPITULO VII

Dos deveres inherentes ás embarcações que navegam nos rios

Art. 178.° Todo o individuo pôde ser proprietario de embarcações destinadas a navegar nos rios, quer estas sejam para carregar e descarregar navios, para conducção de objectos ou artigos de um ponto a outro, ou para transportar passageiros, comtanto que cumpram o seguinte:

Art. 179.° Logo que a embarcação estiver prompta a navegar, dirigirá ao capitão do porto uma petição declarando n'ella o nome do mestre por quem foi construida; o comprimento em metros de roda a roda, a agua que demanda, o peso em kilogrammas que pôde carregar, o fim para que é destinada; o caes em que pretende ser arrolada; e finalmente a data em que foi lançada ao mar.

Art. 180.° O capitão do porto deferirá a petição, indicando o dia, hora e local para a embarcação ser vistoriada.

Art. 181.° Os peritos para estas vistorias são: o patrão mór, ou na sua falta o sota patrão, mór, ou um official marinheiro; um official de carpinteiros de machado, e outro de calafates.

Art. 182.° A vistoria deve fazer-se ao casco, apparelho, panno, amarração e palamenta necessaria á embarcação, tudo na rasão do serviço para que for destinada, e fixar o numero de tripulantes com que deve navegar.

Art. 183.º Quando a embarcação for destinada para transportar passageiros, be designará o numero que poder receber a seu bordo e se inscreverá este numero de modo bem visivel na face interna do painel da popa..

Art. 184.° O capitão do porto determinara o numero que a embarcação deve ter na proa, tanto do lado de estibordo como de bombordo, e o mesmo numero deve ter a embarcação a meio da vela, e a mais de um metro de altura.

Art. 185.° Do resultado da vistoria se lavrará termo em lista especial na capitania do porto, e quando a embarcação for julgada em estado de navegar se dará certidão de termo ao proprietario, para lhe servir de titulo de propriedade.

Art. 186.° Os donos ou proprietarios, sempre que lhes convenha, podem passar a outros individuos as suas embarcações, assim como muda-las de caes e emprega-las em serviços differentes d'aquelles para que foram a principio destinadas.

Art. 187.° No primeiro caso devem apresentar ao capitão do porto escriptura publica, e bem assim a certidão do termo, para esta auctoridade fazer ou mandar fazer novo termo, entregando certidão d'este ao novo possuidor.

Art. 188.° Em todos os outros casos só tem de apresentar ao capitão do porto a certidão do termo, para lhe fazer os necessarios averbamentos.

Art. 189.° Nenhum individuo pôde exercer as funcções de arraes, sem que tenha vinte e um annos de idade, e carta de exame do rio ou porto onde pretende navegar.

Art. 190.° Todo o maritimo que pretenda examinar se para exercer as funcções de arraes, deverá dirigir ao capitão do porto um requerimento acompanhado de attestados de bom comportamento moral e civil, passado pelo administrador do concelho ou bairro e pelo parocho da sua freguezia.

Art. 191.° Do anno de 1870 em diante, nenhum maritimo pôde ser admittido a exame para arraes sem saber ler e escrever.

Art. 192.° Estes exames serão feitos na presença do capitão do porto, o qual marcará o dia e hora em que devem effectuar-se.

Art. 193.° Os examinadores serão o patrão mór, sota patrão mór, ou um official marinheiro, o piloto mór ou o sota piloto mór, e um piloto de numero. O exame deve versar sobre estoques de agua, corrente, baixio, etc. etc.

Art. 194.° Do exame a que responderem os candidatos se lavrará um termo em livro especial, declarando-se sempre o grau de approvação obtido. D'este livro se extrahirão as cartas de arraes, que serão passadas pelos capitães dos portos, aos que conseguirem approvação.

Art. 195.° Se o individuo examinado não for approvado no primeiro exame pôde fazer segundo no fim de seis mezes, se tornar a ser reprovado pôde no fim de um anno fazer terceiro exame, mas se ainda n'este for reprovado não pôde mais ser admittido a exame.

Art. 196.° O proprietario que deixar de cumprir alguma das condições que lhe são determinadas n'este regulamento terá de multa pela primeira vez 4$500 réis, pela segunda 9$000 réis, e pela terceira será retida a sua embarcação por trinta dias em local seguro, e tantas forem as faltas commettidas d'ahi por diante, quantos serão os trinta dias que a embarcação ficará retida.

Art. 197.° O individuo que for encontrado a governar embarcação sem que tenha a competente carta de arraes, será pelo capitão do porto remettido ao juiz correccional ou auctoridade administrativa para lhe applicar a pena de prisão por quinze dias.

Havendo reincidencia será apprehendido e soffrerá a prisão de trinta dias, e ficará o proprietario da embarcação sujeito á multa que lhe for imposta pelo capitão do porto, dentro dos limites marcados no artigo 175.° como consentidor de falta commettida.

Art. 198.° Os arraes das embarcações não podem admittir para camaradas ou moços d'ellas individuos que não estejam inscriptos no arrolamento maritimo, o que verificarão, exigindo-lhes a competente cédula maritima.

Art. 199.° O arraes que deixar de cumprir o que lhe fica determinado, será multado pela primeira vez em 1)$000 réis, pela segunda em 2(5500 réis, e por todas as mais vezes que se derem iguaes faltas será remettido pelo capitão do porto ao juiz correccional ou auctoridade administrativa para soffrer a pena de prisão por dez dias.

Art. 200.° 0 proprietario deve conservar a sua embarcação em completo estado de arranjo, tanto o casco como o apparelho e panno, e ter n'ella a palamenta necessaria, inclusivè os encerados precisos ás embarcações que empregarem em carregar pedra, cal, telha ou tijolo.

Art. 201.° Toda a embarcação que for encontrada em mau estado, será mandada vistoriar gratuitamente pelo capitão do porto, e quando for julgada em estado de innavegabilidade será encalhada em logar seguro.

Art. 202.° Todo o arraes é obrigado a seguir nas manobras da sua embarcação os preceitos determinados no regulamento de pilotagem, na parte relativa á navegação no interior dos portos o rios.

Art. 203.° Toda a embarcação que se achar empregada nas cargas ou descargas dos navios em quarentena, deve ter durante a noite içado no tope do mastro um pharol de luz branca, e se durante a mesma noite carecer de qualquer soccorro, içará um outro pharol de luz encarnada, ficando este collocado por baixo do pharol da luz branca.

Art. 204.° Toda a embarcação que achar o caes a que se destinar occupado por outras embarcações, deverá esperar que largue alguma d'ellas d'esse caes, para então atracar. Havendo mais do que uma embarcação para atracar, preferirá sempre a que tiver passageiros para desembarcarem.

Art. 205.° Os arraes das embarcações não consentirão rixas ou desordena entre os individuos das suas campanhas, nem entre os passageiros, e quando as houver dará parte ao capitão do porto para esta auctoridade providenciar convenientemente.

Art. 206.° Os donos das embarcações devem lançar estes ajustes nos seus diarios, a fim de serem presentes ao capitão do porto, quando por elle lhes foram exigidos.

Art. 207.° Nenhum arraes, camarada ou moço pôde deixar o serviço da embarcação, sem que tenha prevenido tres dias antes o dono da mesma embarcação.

Art. 208.° Os peritos e examinadores vencerão nas vistorias e nos exames o que vae marcado na tabella dos emolumentos que faz parte d'este regulamento.

Art. 209.° As multas impostas pelo capitão do porto serão divididas em duas partes iguaes, sendo uma para o apprehensor e a outra restante para a fazenda publica.

Art. 210.° Os cabos do mar vigiarão muito de perto se este regulamento é observado pontualmente, e, quando encontrem algum transgressor, apresenta lo hão ao capitão do porto.

Art. 211.° Todo o arraes a quem se provar que emprestou a sua carta a qualquer pessoa para fazer uso d'ella, será pela primeira vez multado na quantia de 9$000 réis, pela segunda soffrerá a prisão de trinta dias e pela terceira vez lhe será retirada a carta de arraes.

Art. 212.° As cartas dos arraes fallecidos serão entregues ao capitão do porto e depois de trancadas e visivelmente inutilisadas se entregarão ás familias dos fallecidos. O mesmo se praticará com as cartas daquelles arraes a quem forem retiradas.

Art. 213.° Todo o arraes de embarcação que por circumstancias forçadas alijar de prompto a carga ou parte d'ella, marcará o local em que o praticou, e participará ao capitão do porto, a fim d'este providenciar conforme o caso exigir.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 7 de maio de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Tabella geral dos emolumentos a que se refere o regulamento d'esta data

Vistorias

A navios de alto bordo ou de longo curso

Ao capitão do porto......................... 3$200

Ao escrivão e termo......................... 2$400

Certidão, querendo-a........................ $800

A cada perito............................... 2$400

A navios costeiros ou de cabotagem

Ao capitão do porto......................... 2$400

Ao escrivão e termo......................... 1$600

Certidão, querendo a........................ $800

A cada perito............................... 1$600

A machinas de navios movidos a vapor

Ao capitão do porto, escrivão e termo — o mesmo que está designado para navios de alto bordo.

A cada perito.............1................. 4$500

A barcos de pesca e aos que navegam nos rios

Ao capitão do porto......................... 1$600

Ao escrivão e termo......................... $800

Ao patrão mór ou quem suas vezes fizer...... 1$200

A cada perito............................... 1$000

A objectos achados, ferros, amarras, etc.

Ao patrão mór ou quem suas vezes fizer...... 1$600

A cada perito que tenha de assistir......... 1$200

Quando o capitão do porto tiver de assistir a qualquer vistoria a que não presida.............. 1$600

Pelas vistorias não especificadas, quando requeridas — o mesmo que está designado para os navios de alto bordo.

Manifesto de ferros, amarras ou de qualquer objecto achado

Por cada um manifesto........................ $500

Intimações

Ao cabo de mar por cada intimação, dentro da cidade... $200

Idem, fóra da cidade........................ $400

Licenças para alastrar

Por cada licença para alastrar as embarcações que navegam nos rios... $100

Exames de pilotos das barras, costas ou rios

Ao capitão do porto, por presidir e assistir, termo e certidão... 2$250

Aos peritos examinadores, patrão mór ou quem suas vezes fizer... 1$600

Ao piloto mór.............................. $500

Aos outros dois examinadores, a cada um.... $300

Exame de arraes dos barcos de pesca, e aos dos barcos que navegam nos rios

Ao capitão do porto, termo e certidão......... 2$200

Ao patrão mór ou quem suas vezes fizer........ 1$000

Ao piloto-mór.............................. $500

A um cabo de pilotos ou piloto de numero....... $250

Registo de propriedade de navios do commercio

Até 160 metros cubicos de lotação............. 2$500

Ditos de 160 a 320 metros cubicos............. 3$200

Ditos de 320 metros cubicos para cima......... 4$500

Verbas nos registos

Até 160 metros cubicos........................ 1$200

Ditos de 160 a 320 metros cubicos............. 1$600

Ditos de 320 metros cubicos para cima......... 2$400

Certidão de registos

Até 160 metros cubicos........................ 2$000

Ditos do 160 a 320 metros cubicos............. 2$500

De 320 metros cubicos para cima............... 3$000

Matriculas das equipagens dos navios do commercio

Até 160 metros cubicos...................... $750

De 160 a 320 metros cubicos................. 1$500

De 320 metros cubicos para cima............. 2$400

Verbas nas matriculas

Até 2 pessoas.............................. $250

Até 4 ditas................................ $500

De 4 ditas para cima....................... $600

Certidões da matricula toda

Até 160 metros cubicos...................... $750

De 160 a 320 metros cubicos................. 1$500

De 320 metros cubicos para cima............. 2$250

Certidão para cada praça que a requerer em separado... $500

Pelas rubricas dos livros de bordo, ordenados pelo artigo 1377.º do codigo commercial

Até 150 folhas............................ $500

De 150 a 300.............................. 1$000

De 300 para cima.......................... 1$200

Licença por cada praça portugueza que for requisitada pelos differentes consulados para completarem tripulações dos navios estrangeiros para seguirem o seu destino

De uma 1 a 5 pessoas....................... 1$000

De 5 a 10 ditas............................ 2$000

De 10 a 15 ditas........................... 3$000

De 15 a 20 ditas........................... 4$000

De 20 ditas para cima...................... 5$000

Fianças ou certidões de fianças Por cada termo de fiança dos maritimos de 14 a 21 annos para poderem embarcar para fóra do reino... $500

Por cada certidão do memo termo............. $500

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 7 de mato de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Foi remettida á commissão de marinha.

O sr. Placido de Abreu: — O assumpto que tem occupado a camara n'estes ultimos dias dá margem a largas considerações e offerece vasto campo aos illustres deputados que têem tomado a palavra para poderem dissertar largamente. Entretanto permittam os meus dignos collegas que lhes observe que não se trata agora de estabelecer as regras ou de fixar os principios em que se deve fundar a rede dos caminhos de ferro em Portugal. Essa questão já está prejudicada pelo que se tem feito.

N'este momento trata-se simplesmente de ver se a rede dos caminhos de ferro ao sul do Tejo está projectada convenientemente, e se é ou não de necessidade continua-la nas condições em que está contratada, e se essas condições do contrato de 21 de abril d'este anno são convenientes aos interesses da fazenda publica e aos do estado.

É este o importantissimo assumpto de que se trata e do que se occuparam ás commissões de obras publicas e fazenda, reunidas.

Por consequencia os illustres deputados que têem fallado n'esta questão e que têem apresentado uns o caminho, de ferro da Beira como o mais conveniente, outros o de Traz os Montes, e finalmente outros o do Minho, indicando as rasões por que a sua feitura devia ter preferencia respectivamente á de quaesquer outros, podem em these ter muita rasão mas de certo a não têem no caso especial que nos occupa. Não se trata agora de comparar, do que se trata é de ver, se nas circumstancias em que estava o caminho de ferro do sul, ou do Barreiro ás Vendas Novas, era possivel fazer outra cousa alem do que fez o sr. ministro das obras publicas, e em condições mais favoraveis do que as que elle pôde conseguir.

Para isto, portanto, é que eu chamo a attenção dos meus nobres collegas. É n'este sentido que vou apresentar algumas considerações e responder ás que se fizeram, com especialidade por parte do meu illustre collega, o sr. Coelho do Amaral.

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O parecer da commissão póde dizer-se que não foi impugnado por nenhum dos srs. deputados que tomaram parte n'este debate, pelo menos ainda não ouvi offerecer consideração alguma para mostrar que o contrato era desvantajoso para a fazenda publica. O que os illustres deputados fizeram foi requerer cada um pela sua parte alguma cousa que julgaram util e conveniente para os interesses que representam no parlamento. O sr. deputado Quaresma, por exemplo, requereu que se fizessem immediatamente todas as estradas que conduzissem ás -estações das actuaes linhas ferreas, e isto de preferencia a qualquer outro caminho de ferro. O illustre deputado ha de permittir que lhe faça uma pequena observação. Quer o meu nobre amigo que se pare n'esta luta, permitta-se-me a phrase, em que está empenhada a nação e o governo de completar a sua rede de caminhos de ferro, para fazer-se uma certa porção de kilometros de estrada em que o governo está tambem empenhadissimo?

O illustre deputado deve saber que o governo está empenhadissimo em fazer todas as estradas que conduzem ás estações dos caminhos de ferro, e n'esse intento tem expedido as mais (instantes ordens e recommendações. Permitta-me o meu antigo condiscipulo que lhe diga - que não tem rasão, jamais estando o illustre deputado convencido, como não pôde deixar de estar. que a viação accelerada é um grande elemento de prosperidade e de riqueza nacional. Portanto eu espero que não deixará de prestar o seu apoio á realisação deste grande pensamento, porque elle importa um valioso augmento de riqueza publica, e por consequencia o augmento dos recursos do paiz.

O sr. Quaresma; — É para isso mesmo que eu quero as estradas.

O Orador: — As estradas a que se referiu o illustre deputado têem por fim levar os productos da nossa industria e da agricultura aos caminhos de ferro; e isso é importantissimo; mas os caminhes de ferro têem uma missão muito mais elevada a desempenhar e sem elles como que não ha para que bem sirvam as estradas.

Em uma palavra, nós precisâmos redobrar de esforços para completar a nossa rede de caminhos de ferro, o paiz precisa fazer os maiores sacrificios para a realisar. Se O não fizer ha de soffrer por força uma certa paralysação no augmento dos seus -recursos e da sua riqueza (apoiados), o que será a maior -calamidade que nos poderá acontecer (apoiados).

Deixando estas considerações geraes que são evidentes a todos e para todos, vamos a apreciar a questão debaixo do ponto de vista em que ella se apresenta.

O caminho de ferro do sul tinha sido projectado em condições modestas; parecia em principio que não tinha senão, a ser a testa da estrada ordinaria no Alemtejo com o reino vizinho através dos areiaes de Vendas Novas. Depois de estar em exploração -vem, por assim dizer, a conhecerão que tinha uma certa importancia, maior do que se podia suppor, e que a sua missão era uma outra. Nestas circumstancias que se fez? Fez se o que se podia e devia fazer. Contratou-se a duas vias a continuação do caminho de ferro das Vendas Novas para Beja e Evora, e dispoz-se que a largura da via fosse de 1m,67, quando o do Barreiro ás Vendas Novas estava construido com a largura de 1m,44 e a uma só via. Feito este contrato, o caminho não podia ficar nas condições em que estava. Era de simples intuição, era de primeira, necessidade reformado n'esta parte; e a respectiva empreza tratava o assumpto esmeradamente e até de vender o caminho. O governo porém considerando que aquelle caminho de ferro podia caír em mãos que não conviria ao estado, em consequencia dos grandes privilegies que lhe tinham sido Outorgados, tratou por isso de o comprar em rasão de preferencia que era estipulado se respectivo contrato, e veiu ao parlamento pedir a competente auctorisação, que immediatamente lhe foi concedida; e n'essa occasião dispoz-se logo que era necessario uniformisar o velho caminho de ferro com o novo quanto á largura de via o construção, a fim de o elevar á altura a que tinha direito no interesse do estado.

Em virtude d'essas disposições o governo realisou grandes melhoramentos no caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, mas não póde fazer tudo, nem o mais essencial. Essa necessidade porém era indeclinavel logo que o caminho de ferro para Beja e Evora entrou em exploração. Então não sómente era indeclinavel, mas tambem era instantemente reclamada, porque as mercadorias que vinham pelo caminho de ferro de Beja e Evora em chegando á estação das Vendas Novas tinham de soffrer uma baldeação, baldeação que era de um gravissimo prejuizo publico. Não era sómente um prejuizo puramente particular, era tambem um grave transtorno para os interesses do estado...

Uma voz: — Ninguem contestou isso.

O Orador: Bem sei, mas todos estes argumentos vem a proposito para mostrar a necessidade que o governo tinha de contratar aquelle caminho de ferro (apoiados), e tambem que não podia deixar de o fazer, nas condições em que o fez apoiados). Logo que o caminho de Beja e Evora começou, em exploração era forçoso evitar a baldeação nas Vendas Novas, era urgente fazer o alargamento da via, o que importava uma despeza de 600:000$000 réis proximamente, era necessario completar o material fixo e circulante, fazer algumas estações, e completar finalmente o caminho de ferro. N'estas circumstancias seria melhor que o governo continuasse na administração do caminho do Barreiro, e viesse pedir uma auctorisação para gastar perto de réis 1.000:000$000, a fim de o levar á altura em que devia estar no intento de facilitar a melhor exploração do caminho de ferro de Evora e de Beja? Ninguem tal approvaria. Mas que fez o governo? O governo vendeu-o; e fez muito bem em vende-lo, e com muita conveniencia, porque custando-lhe o caminho de ferro 939:000$000 réis, pôde vende-lo por 1.008:000$000 réis. Alem d'isso contratou com a empreza que havia de fazer o alargamento da via, as estações tanto em Lisboa como no Pinhal Novo e em Setubal, e ahi com muita conveniencia. Depois de se conseguir tudo isto, que havia o governo mais conseguir? Havia de receber o dinheiro do producto da venda? Era muito bom se podesse ser. Mas qual era a empreza que havia de ir dar ao governo 1.008:000$000 réis, e obrigar-se a fazer a despeza do alargamento da via que importará em 600:000$000 réis, a completar o material fixo e circulante que tambem importará em muito dinheiro, a fazer tres grandes estações, completar finalmente o caminho de ferro, e alem d'isso a dar de mais a mais ao governo 1.008:000$000 réis só para ter um caminho de ferro incompleto, e que não passava de Evora e a Beja? Qual era a empreza, repito, que quizesse isto? Era impossivel, não havia nem uma empresa que o fizesse em melhores condições. Portanto entendo que estabelecidas assim as cousas, era de absoluta necessidade continuar o caminho, e o contrato não se podia fazer em melhores condições.

Vamos a ver como o sr. ministro das obras publicas se desempenhou de uma missão tão importante para os interesses do estado.

Emquanto á directriz, o sr. ministro das obras publicas teve a idéa, o pensamento feliz de ligar o caminho de ferro do norte ao do sul (apoiados). Quem é que não desejava essa boa idéa? (Apoiados.) Que assumpto mais conveniente para os interesses publico? Contratou isso o sr. ministro em boas condições e estabeleceu o ponto de reunião no Crato. Ligar o caminho de ferro do sul com o do noite é de summo interesse para o estado e para os habitantes das provincias do reino, a fim de lhes facilitaras suas mutuas transacções.

O sr. ministro contratou tambem que a rede dos caminhos de ferro do sul poderia ligar no futura com o caminho de ferre de Andaluzia, e n'esse intento estatuiu o ramal do caminho de ferro para o Guadiana nas alturas de Serpa, e por consequencia a sua ligação futura com os caminhos de ferro do reino vizinhos e obrigou a empreza a fazer a ponte, sobre o Guadiana. E esta idéa do sr. ministro de ligar o caminho de ferro com os da provincia de Andaluzia não será de muito alcance e vantagem para os interesses publicos, e tambem para o fomento de riqueza publica? Não se póde negar. Ao mesmo tempo não esqueceu a s. ex.ª o sr. ministro o contratar um ramal de caminho de ferro para o Algarve e em condições economicas, porque o caminho do ferro para aquella parte do reino foi contratada uma só via, e declividades de 25 millimetros...

Uma voz: — Mas isso não parece bom.

O Orador: — É verdade, mas parece-me que as indicações por agora são de que o Algarve não precisa de um caminho de ferro em outras condições, e mesmo n'estas condições julgo o caminho vantajosissimo para a provincia do Algarve. Por consequencia vê-se que o sr. ministro no seu pensamento comprehendeu tudo aquillo que podia e devia fazer, aproveitando a circumstancia do governo ter na sua mão o caminho de ferro do sul, o poder cede-lo a uma empreza em condições que não só estabelecesse a sua continuação para o Algarve e para o reino vizinho, mas tambem a sua ligação com o do norte. Poder seria fazer tudo isto em, melhores condições do que aquellas que fez o sr. ministro das obras, publicas? Parece-me que não se podia fazer em melhores condições do que aquellas que fez o sr. ministro (apoiados). Em attenção pois a todas estas considerações, as duas commissões reunidas, de fazenda e obras publicas, cão tiveram duvida alguma em prestar o seu apoio e auxiliar com o seu voto o sr. ministro para realisar esses grandes pensamentos.

Agora vamos á questão da despesa, que tem aterrado alguns srs. deputados, e especialmente o meu nobre amigo, o Sr. Coelho do Amaral, que não póde prestar o seu apoio a este contrato.

(Interrupção do sr. Coelho do Amaral, que não se percebeu.)

O illustre deputado sabe que eu sou partidista de caminhos de ferro. Emquanto ao do Minho entendo que é o primeiro que se deve fazer. Não se admirem da minha asserção por eu ser do Minho, porque n'este logar só se deve fallar a verdade, e se eu entendesse que esse caminho de ferro não era tão importante como eu o considero havia de dize-lo.

Entendo que o caminho de ferro da Beira é da maior utilidade para o paiz, porque nos vae communicar com o centro da Hespanha e com a Europa, encurtando mais de 200 kilometros (apoiados). Ha em verdade grandes rasões para se defender a construcção immediata d'esse caminho, mas nas circumstancias em que estamos não era possivel dar outra applicação ao producto da venda do caminho de ferro do sul, não era possivel fazer senão aquillo que o nobre ministro das obras publicas realisou nas melhores condições e com muita vantagem para o estado.

Os ápartes dos illustres deputados distrahiram-me do ponto principal de que ía tratar, que era em relação á despeza.

Eu confesso que não tenho o menor susto emquanto á despeza, e o unico pezar que tenho é que o sr. ministro das obras publicas não se resolva a fazer desde já mais alguma cousa. Mas entenda-se bem que com isto não quero dizer, que durante quatro annos o nobre ministro não ha de fazer mais caminhos de ferro, nem mais estradas (apoiados do sr. ministro). S. ex.ª não tem similhantes idéas, nem as podia ter (apoiados do sr. ministro). A este respeito nem eu lhe perguntei qual era o seu modo de ver, porque lhe faria uma grande injustiça se pensasse que s. ex.ª não queria fazer mais nenhum caminho de ferro em quatro annos; não lhe faço essa injustiça.

Era relação á factura da rede dos caminhos de ferro ao sul do reino, disse o nobre ministro: «São 900:000$000 réis de encargos». Divididos por quatro annos, são duzentos e tantos contos por anno; e acrescentou: «Não poderá o paiz com este encargo durante quatro annos?» Mas s. ex.ª não disse, nem quiz dizer, que durante esses quatro annos não se haviam de fazer estradas ordinarias nem caminhos de ferro. Isto é evidente, e não sei como de outro modo se poderão interpretar as palavras do nobre ministro.

Mas vamos á questão da despeza.

Em 1834, 1835, 1836 até 1838 a nossa receita era apenas de 6.000:000$000 a 8.000:000$000 réis, e para fazer face á despeza ordinaria do estado era preciso emittir e negociar 10,000:000$000, 12.000:000$000 e 30.000:000$000 réis em papeis. E note-se que o dinheiro que se realisava em virtude d'essa emissão e negociação não era para fazer estradas nem caminhos de ferro, nem para empregar em objecto productivos; não, senhor, era para pagar as despezas ordinarias do estado e os nossos disparates revolucionarios.

Muito bem.;e que vemos nós em 1864? Vemos que a receita publica monta a mais de 16.000:000$000 réis, não comprehendo as deducções aos empregados, nem a importancia dos juros que o estado recebe; é receita effectiva. Que quer isto dizer? Quer dizer que desde aquella epocha tem mais que duplicado a nossa receita publica.

O mr. Quaresma — E os encargos?

O Orador: — Lá iremos. Os encargos? Os encargos são representados por alguma cousa; são representados por 2:000 kilometros de estradas; são representados por 700 kilometros de caminhos de ferro; são representados...

O sr. Quaresma: — Refiro-me aos encargos ordinarios.

O Orador: — Tambem lá iremos; mas vamos já. Temos una rendimento de mais de 16.000:000$000 réis, e d'esta quantia ião distrahidos cinco mil e tantos contos para o pagamento de juros; por consequencia os encargos ordinarios tão 10.000:000$000 réis, proximamente; e tenho respondido ao meu illustre collega.

Ora, se nós temos duplicado a nossa receita n'este periodo de tempo, e se ella tende para se elevar, que receio podermos ter em votarmos mais alguns milhares de contos para se empregarem productivamente na feitura das restantes linhas ferreas de que ainda precisâmos, como são a da Beira, a de Traz os Montes e a do Minho, que até se póde contratar com o minimo de juro, não indo portanto affectar immediatamente o thesouro? (Apoiados.) Que duvida podemos ter quando, alem de ter duplicado a receita, vemos que a propriedade tem successivamente augmentado de valor, augmento que é devido aos melhoramentos que se têem feito, porque se não se tivessem feito estudos e caminhos de í ferroo valor da propriedade não era o que é? (Apoiados.) É preciso que estas idéas entrem na convicção de todos. Se não fizessemos os caminhos de ferro e as estradas ordinarias que estão feitas, o valor da propriedade não era o que hoje é (apoiados). Esta é a verdade, e estes são os factos (apoiados).

Eu fui ultimamente á provincia do Minho, fui á minha boa terra, e fui seguidamente no caminho de ferro de Lisboa até ao Porto. Era uma cousa que eu julgava impossivel ver realisado. Saí do Porto ha cinco annos, e se alguem me dissesse então, daqui a cinco annos ha de voltar em caminho de ferro, eu dizia que era uma utopia, um sonho (apoiados).

Pois fui ao Porto em caminho de ferro, e aos Arcos em diligencia de minha conta por 18$000 réis, quando em outras epochas era impossivel passar commodamente de Braga para os Arcos, porque não havia meios de lá ir.

E porque se tem conseguido estes grandes resultados não devemos estremecer diante da despeza. Faça a o sr. ministro e não estremeça, convença se que se continuarmos n'este caminho, ha de ser esse o principio seguro da nossa regeneração (apoiados). Por este meio é que se hão de regenerar as nossas finanças, ellas não se regeneram de outra maneira (apoiados).

Portanto, peço ao meu amigo o sr. Coelho do Amaral, por quem tenho muito respeito, que não persista nas suas idéas, porque ellas são extremamente retrogadas (riso).

Eu ainda me lembro, e permitta-me a camara que lh'o conte, porque é uma historia que mostra o nosso modo de ver em uma certa epocha e o nosso modo de ver em outra epocha. Em uma occasião em que vinha na diligencia de Braga, no tempo em que o sr. Fontes apresentou a idéa do emprestimo dos 13.000:000$000 réis, e na qual vinham tambem varias pessoas, debatia-se altamente a impossibilidade e inconveniencia até do levantar esses 13.000:000$000 réis. Eu vinha calado, não dizia palavra e nem queria entrar na questão, mas tanto fallaram, tanto disseram, que me obrigaram a fazer algumas observações, e depois de me ouvirem concluiram que 13.000:000$000 réis não era tom ma que até no reino se não podesse conseguir.

Disse-lhes: supponham que era um emprestimo nacional, e perguntei, quantos milhares de proprietarios terá este paiz? = Tem muitos = responderam, bem. Que differença fará a cada um dar de emprestimo em quatro annos 10$000 a 100$000 réis? = Não fará grande differença = disseram todos, e eu de prompto lhes mostrei a possibilidade de se conseguir ainda maior quantia do que, 13 000:000$000 réis. Todos concordaram na idéa, quando até ali fallar em réis 13.000:000$000 era o mesmo que fallar em uma cousa que mettia medo. O que mostra que a opinião precisa ser esclarecida antes de se emprehenderem certos grandes commettimentos. Hoje felizmente já se não falla sómente em réis 13.000:000$000, mas era 15.000:000$000 e 20.000:000$000 réis e mais, e ninguem já se assusta, antes já se julga cousa muito realisavel.

O facto é este. É que nós temos duplicado a nossa renda

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publica, e ella não se tem duplicado senão em virtude dos grandes melhoramentos que temos feito no paiz (apoiados), e se o governo não continuar n'este caminho, o resultado é que este estado de prosperidade pára necessariamente.

For consequencia peço aos srs. ministros, não só que prestem o seu apoio, como têem prestado, á rede dos caminhos de ferro do sul, porque tem grandes interesses a proteger; mas tambem que não dispensem o caminho de ferro da Beira, que é essencial para os interesses publicos, e que não esqueçam igualmente o caminho de ferro do Minho e o de Traz os Montes, porque, ainda que todos têem grandes difficuldades diante de si, têem tambem grandes elementos de riqueza que lhes hão de constituir uma renda efficaz e muito importante e valiosa, e que bem compensará todos os sacrificios que se fizerem por parte do estado.

Peço ao governo encarecidamente que faça o caminho de ferro do Minho, porque já ha ali industrias importantes a proteger, e porque é aquella uma parte do reino que tem maiores e mais perfeitos elementos industriaes e agricolas, e uma população mais densa (apoiados).

Ainda tinha muita cousa a dizer, mas a final com estes ápartes e com as perguntas bruscas que se apresentam por um e por outro lado, muito cousa me esquecerá.

Mas aos illustres deputados que impugnam a feitura da rede dos caminhos de ferro do sul, sempre quero dizer uma cousa. Peço-lhes que não se esqueçam de nós, temos feito a desvinculação da terra e a desamortisação, e que a desvinculação e desamortisação hão de ser grandes elementos para a provincia do Alemtejo se regenerar.

Uma voz: — Isso dá-se mesmo na Beira.

O Orador: — No Minho e na Beira póde-se dizer que a agricultura está elevada, á maior perfeição, emquanto que no Alemtejo está na infancia (apoiados).

Na Beira temos muito que fazer: temos a arborisação e a irrigação, para o que eu chamo a attenção do sr. ministro, porque a irrigação do Minho é assumpto importantissimo para a maior riqueza d'aquella parte do reino. Muitos dos meus illustres collegas hão de reconhecer a necessidade d'esta providencia, porque os nossos rios estão desaproveitados na sua maior parte, ou mal aproveitados na parte em que o estão.

Emquanto á arborisação é assumpto de primeira necessidade, e em que é preciso que o governo intervenha quanto antes. Os nossos montes estão quasi todos desnudados. De mais a mais ha uma especie de vandalismo contra o arvoredo. Eu vi com profunda dor, ainda ha pouco tempo, arvores completamente despidas de casca, e em pé e seccas, porque logo que lhes tiraram a casca tiraram-lhes os meios de vegetação e de vida. E isto faz se porque a casca tem um certo valor na industria, e então vão ás arvores e despem as.

Eu chamo a attenção dos poderes publicos para este objecto, não só para que se trate de evitar este vandalismo, mas tambem para que se trate de arborisar as nossas montanhas.

Terminarei dizendo que nós effectivamente temos pouco para o que precisámos, mas temos já alguma cousa; temos mais de 400 leguas de estradas ordinarias e temos 700 kilometros de caminhos de ferro, que estão na maior parte em exploração.

Precisamos ainda de muito mais, e não devemos parar n'este caminho.

A receita publica tem augmentado muito e augmenta de dia para dia, porque se vão desenvolvendo as industrias, porque se desvinculou a terra, porque se estabeleceu a desamortisação, porque se estabelecerá brevemente o banco do credito predial, emfim, porque a riqueza publica tem crescido espantosamente no paiz; e por consequencia eu espero que o governo não pare n'esta cruzada de civilisação, que é uma verdadeira cruzada, e que trate de regenerar a nossa terra.

Agora o que eu pedia aos illustres deputados era que auxiliassem o governo, dispondo os povos nos seus circulos e aconselhando-os para que venham de boa vontade concorrer para as despezas dos nossos melhoramentos materiaes. Não basta que cada um dos illustres deputados peça uma estrada ou um caminho de ferro, que uns peçam o caminho de ferro da Regua, outros o da Beira, e nós o do Minho, sem se dizer ao governo — aqui tem os recursos necessarios para estas obras, e faça as portanto com toda a urgencia.

E isto o que é preciso. Cumpre que nós auxiliemos o governo e o habilitemos com os meios necessarios para fazer estes grandes melhoramentos (apoiados).

A inscripção não é um meio financeiro, considerado como meio ordinario, e a propriedade d'elle vir em auxilio do thesouro, porque póde e o deve fazer no seu proprio interesse, e para continuar a rasão progressiva da sua maior estimativa, que é já muito grande, e mais do dobro do que era.

Eram estas as considerações que desejava fazer, e vou terminar.

Parece-me que respondi a todas as observações que fizeram os illustres deputados que impugnaram o projecto; entretanto se me escapou alguma, como podia acontecer, em outra occasião que se me offereça responderei.

Peço desculpa á camara de lhe ter tomado tanto tempo.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila) (sobre a ordem): — Mando para a mesa uma proposta de lei relativa á creação de um logar de archivista, indispensavel na repartição de fazenda do Funchal.

Por esta occasião peço a v. ex.ª que tenha a bondade de dar para primeira parte da ordem do dia dois projectos, de cuja resolução o governo tem grande urgencia; o n.° 53, sobre a contribuição directa das ilhas, e o n.° 176, que diz respeito aos solicitadores da fazenda nacional.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA DE LEI N.° 91-C

Senhores: — Pelas representações, que ao ministerio a meu cargo têem sido dirigidas pelo actual delegado do thesouro no districto do Funchal, como pelas que o haviam já sido pelo delegado interino que antes d'elle serviu, consta que o importante cartorio da repartição de fazenda do mesmo districto se acha em tal estado de confusão que se não sabe o que n'elle existe, encontrando-se sempre grandes difficuldades em achar qualquer livro ou documento que se procure, porque nem ao menos um catalogo ali ha.

Para remover os inconvenientes que d'isto resultam pondera o mencionado delegado a necessidade de se augmentar o quadro dos empregados d'aquella repartição com um logar de archivista; porquanto dos empregados actuaes, cujo numero é insufficiente para o serviço que têem a desempenhar, não pôde distrahir um que se encarregue do arranjo do cartorio, onde estão reunidos em grande numero todos os livros e papeis da gerencia da extincta junta de fazenda, da commissão liquidataria, da contadoria de fazenda, e os da actual repartição de fazenda, que augmentam progressivamente pelo grande movimento do serviço d'ella e das respectivas recebedorias.

Convencido da utilidade de se adoptar a providencia indicada, a fim de evitar que se extraviem mais alguns livros, alem d'aquelles que, segundo consta, já desappareceram do referido cartorio, sem se poder impor a responsabilidade a pessoa alguma, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° O quadro dos empregados da repartição de fazenda no districto do Funchal, fixado por decreto de 29 de dezembro de 1860, é augmentado com um logar de archivista, que terá o ordenado de 240$000 réis annuaes em moeda forte, e accesso aos logares superiores da mesma repartição de fazenda.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de maio de 1864. Joaquim Thomás Lobo de Avila.

Foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. Adriano Pequito: — Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

O sr. Antonio de Serpa: — É grande a minha satisfação, é grande mesmo, direi, a minha emoção pelo que tenho ouvido na sessão passada e na presente. E não digo isto porque veja, no que temos presenciado, o triumpho de uma idéa individual ou de um partido, mas porque vejo o triumpho de uma grande idéa e do verdadeiro progresso (apoiados).

Eu folgo de que chegassemos a uma epocha em que os caminhos de ferro entre nós não são considerados como uma questão politica (apoiados); folgo que chegassemos a uma epocha em que, em geral, já não se diz aqui que este paiz não póde nem deve pagar os seus melhoramentos, cujos encargos hão de produzir cento por um para o paiz e para os contribuintes (muitos apoiados); folgo que chegassemos a uma epocha em que se não diz que uma subvenção de 18:000$000 réis por kilometro significa metterem-se milhares de contos nas mãos dos concessionarios (apoiados); folgo que chegassemos a uma epocha em que se votam caminhos nas condições technicas do caminho actual, e se não diz que este caminho, com aterros só para uma via, com inclinações, cujo limite maximo é superior a 10 millimetros, e com curvas, cujo raio minimo pôde ser de 300 metros, é um caminho aleijado, um caminho de 3.ª classe, que não corresponde aos sacrificios que representa; folgo com isto sinceramente, porque os partidos e os paizes são como os individuos, caminham, aperfeiçoam se, illustram-se, e isto significa, o progresso do espirito publico.

Eu voto os caminhos de ferro do Alemtejo, voto o caminho de ferro do Minho, voto principalmente o da Beira (apoiados), voto todos; e tenho a certeza de que o paiz pôde pagar esses melhoramentos e ha de tirar d'ahi grandes resultados (muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem).

O que vimos nós ainda ha quatro annos? Tratando se de construir os tres nossos primeiros caminhos, tambem houve estes receios, que eu não direi fictícios, porque faço justiça ás intenções de todos, e presto homenagem a todas as convicções, mas receios sinceros de que os encargos que elles nos haviam de custar eram superiores ás forças do paiz.

E que vemos nós hoje? Só o augmento da receita das alfandegas tem dado n'estes quatro annos o sufficiente para pagar os encargos d'esses tres caminhos, de 9.000:000$000 a 10.000:000$000 réis; e note-se que este resultado é de vido a outros melhoramentos anteriores, e não aos caminhos de ferro, que ainda não estão completos, e que só agora começam a fazer se sentir.

Vou mais adiante. Se o nobre ministro, alem d'este projecto, trouxesse á camara um projecto para o complemento da rede dos nossos principaes caminhos de ferro da Beira, do Douro, do Minho, e para outro transversal que cortasse todo o paiz, o que não podia exceder a 800 kilometros, que, computados a 18:000$000 réis para a sua subvenção kilometrica, davam uma somma de 14.400:000$000 réis, cujos encargos não excederiam a 900:000$000 réis, eu votaria por esse projecto. Votava o sem receio, porque, pergunto á camara: se o paiz, com todas as suas linhas principaes de caminhos de ferro, cortando os pontos de maior importancia, depois de concluidas, depois de ligadas todas as provincias e em todas as direcções, pergunto, se logo no primeiro anno não dará, não digo os 900:000$000 réis, mas o dobro, unicamente pelo augmento do producto dos impostos, não digo por novos impostos, mas só pela maior percentagem dos existentes? (Apoiados).

Ora, se eu approvava estes caminhos, com muita mais rasão approvo o projecto de que se trata; o que sinto é que este projecto não viesse aqui mais cedo. É sabido que ha mais de anno e meio estavam trabalhando na construcção dos nossos caminhos de ferro quarenta mil operarios. Ora, os caminhos contratados estão quasi a concluir, poucos operarios empregam já, os que votámos agora não podem começar já, mas d'aqui a mezes, e mesmo não é possivel logo no começo empregar um grande numero de braços (apoiados). Se as cousas se tivessem providenciado de maneira que quando aquelles operarios tivessem de saír d'aquelles trabalhos, encontrassem logo estes, ter-se-ia andado melhor não só debaixo do ponto de vista economico, mas politico e moral; porque, segundo as estatisticas, vê-se que ultimamente a criminalidade tem augmentado, e quem sabe se isto será em parte o resultado de tantos braços não acharem trabalho (apoiados). Mas o passado não tem remedio, tratemos do presente e do futuro.

Ninguem pôde reputar prejudicial a venda d'este caminho com as condições que se propõem. Não estou agora a comparar se o acrescimo de preço que o governo recebe compensa exactamente os juros do capital empatado, porque não trato de justificar o acto anterior do governo. Basta-me saber que o caminho comprado por 939:000$000 réis foi vendido por 1.008:000$000 réis.

Este caminho não podia continuar nas mãos do estado, tinha este de fazer grandes despezas com o alargamento da via, em que gastaria, não digo como o governo, 600:000$000 réis, mas de certo mais de 400:000$000 réis, ou então a exploração havia de continuar no estado deploravel em que a collocava a baldeação em Vendas Novas. Não é só isto. O material do caminho ia-se deteriorando, ou se havia de substituir por material adequado á via larga, e então era necessario proceder ao alargamento, ou pôr material adequado á via estreita, o que era um desperdicio, porque teria sempre de vir a alargar-se.

Agora a respeito dos tres ramaes que se propõem, não se pôde duvidar da sua utilidade. A ligação do caminho de ferro do sul com o de leste é uma cousa essencialissima. Quando em 1860 se discutiam os contratos dos tres caminhos de ferro, que já estão concluidos, foi uma cousa assente pela camara de que estes caminhos haviam de ser ligados. Não se concebe que em qualquer paiz, e sobretudo n'um paiz tão pequeno como o nosso, as suas principaes vias de communicação accelerada possam deixar de ser entre si ligadas.

O ramal para o Algarve é tambem de muita vantagem. Não posso admittir a idéa da inutilidade d'este caminho, porque o Algarve tem communicação com o paiz pelo mar. Pois somos um paiz tão pequeno, e não poderemos communicar entre si as nossas provincias sem recorrermos ao Oceano! E senão, para que se fez um caminho de ferro de Lisboa ao Porto, e para que se estabeleceu uma mala-posta, para que se subvenciona uma companhia do Porto a Vianna? Pois não podiam continuar as communicações d'estas cidades pelo mar? (Apoiados.) Este argumento não me parece ter força sufficiente para se não approvar a construcção d'este ramal. Mas a questão de preferencia!!... Diz-se que alguns caminhos, e nomeadamente o da Beira, são mais importantes do que o do Alemtejo. E difficil quando todas as provincias carecem de vias de communicação, dizer aquellas que mais precisam d'ellas, é alguma cousa difficil (apoiados). Mas suppondo que se possa fazer essa comparação, n'esse caso direi, que o da Beira, na verdade, me parece o mais importante. Sou d'essa opinião, mas isso não impede que votemos por este caminho, que é uma grande conveniencia.

A idéa do caminho de ferro da Beira não é uma idéa nova, e sinto que um illustre deputado dissesse que se tinha em certa epocha esquecido a Beira, quando se devia ter lembrado. Referiu-se á epocha em que se tratou da construcção dos caminhos do norte e de leste. Tinha eu então a honra de me sentar nas cadeiras do ministerio, e fui-o primeiro a dizer n'esta e na outra camara, que as intenções do governo eram, porque o eram na realidade, que o caminho internacional devia passar pela Beira (apoiados).

Era essa a opinião do governo e a minha, mas para se fazerem caminhos de ferro não basta só dizer n'uma lei que o governo fica auctorisado a faze-los, porque elles custam sommas muito avultadas (apoiados), e hoje não ha governo algum que os faça por sua conta (apoiados), precisa sempre de recorrer ao concurso das companhias financeiras, e estas companhias acharam tanta difficuldade em realisar as sommas necessarias para as grandes emprezas dos caminhos de ferro pela subscripção unicamente das suas acções, que inventaram a emissão de obrigações, que é o recurso a outra ordem de capitães (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Aqui está a explicação.

O Orador: — O estado não os póde fazer só, é preciso que seja auxiliado por estas combinações financeiras, e daquella epocha ninguem se comprometteu a formar uma companhia para a construcção e exploração do caminho da Beira. Ninguem é mais empenhado do que eu em que se faça o caminho de ferro da Beira; espero tudo deste caminho, mas estou persuadido de que nós votando a continuação dos caminhos do Alemtejo, vamos approximando muito a epocha de votarmos o caminho da Beira.

Vozes: — Muito bem!

Emquanto ás condições technicas d'este contrato, são as mesmas que se encontram n'esses contratos anteriores, e nos contratos sobre construcções de caminhos de ferro de outros paizes.

Tambem me parece que este é o logar menos proprio para se tratar das questões technicas. Nós occupâmo-nos da questão financeira; discutimos se o caminho convem ou não, e examinâmos quaes são as suas condições economicas e financeiras; mas as questões technicas são mais proprias para ser tratadas n outras estações.

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N'este ponto parece-me que devemos confiar completamente no governo e no conselho technico, que funcciona junto do ministerio das obras publicas.

Eu vejo todavia que aqui se estabelecem declives até 15 por cento, assim, como raios de curvatura até 300 metros. Nos contratos anteriores as curvas eram permittidas sómente até ao raio minimo de 400 metros, e os declives acima de 10 millimetros ficaram exclusivamente dependentes da approvação do governo.

Eu confio no entretanto que o sr. ministro das obras publicas e o conselho das obras publicas terão todo o cuidado em evitar, quanto possivel, na approvação dos projectos, estes declives maximos e estas curvas minimas, e em sómente as permittirem em caso de absoluta necessidade, para que a exploração possa ter logar nas melhores condições.

Por todas estas rasões entendo que o projecto de que se trata merece a approvação da camara, e eu dou-lhe o meu voto tanto na generalidade como na especialidade.

Não quero tomar mais tempo á camara. Nós estamos no costume de discutir muito quando estamos todos de accordo, e para não caír n'este erro não digo mais nada. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Silveira da Mota: — Requeiro que a materia se julgue discutida.

Julgou se discutida.

O sr. Abilio Costa: — Eu tinha pedido a palavra para uma declaração antes de se encerrar a discussão.

Posto a votos o projecto na generalidade, foi approvado.

O sr. Bivar: — Requeiro que, dispensando-se o regimento, se passe jé á especialidade.

Foi approvado.

O sr. Abilio Costa: — Eu pedi a palavra para fazer uma declaração antes de encerrada a discussão, e protesto contra esta violação do meu direito.

Vozes: — Falle no artigo 1.°

O sr. Presidente: — Entra em discussão a especialidade do projecto. Artigo 1.°

O sr. Bivar: — Coube-me emfim a palavra, e passo a entrar na discussão d'esta materia, o que faço principalmente no intuito de rebater asserções que vi apresentadas quando se discutiu a generalidade do projecto.

A votação a que esta camara acaba de proceder, manifestou quaes são as suas idéas a respeito do contrato que agora está sujeito ao nosso exame. A camara não podia nem devia deixar de lhe ser favoravel.

Não podia, porque seria contrariar um acto de boa administração, praticado pelo governo, não o devia porque seria manifestar a mais flagrante contradicção com as suas proprias votações. Esta materia não é nova n'esta casa. Não é um assumpto que ainda não fosse trazido a esta camara. Os meus collegas hão de estar lembrados de que ainda na actual legislatura esta camara já se pronunciou sobre este mesmo negocio. Este contrato tem uma historia que eu succintamente referirei.

Em 1861 o governo entendeu que deveria adquirir o caminho do Barreiro e ramal de Setubal; e a lei de 10 de setembro do referido anno, approvou a acquisição e determinou que o governo não ficasse administrando o caminho senão temporariamente.

Mais tarde, em 15 de maio de 1862, o governo contratou a venda d'este mesmo caminho, e apresentou a esta camara o respectivo contrato, no qual se estipulou, alem da mencionada venda pelo preço de 945:000$000 réis, o alargamento da via, construcção de estações e os prolongamentos do caminho de Evora na direcção de Extremoz, e do de Beja até á margem direita do Guadiana, pela subvenção de 16:000$000 réis por kilometro; devendo o mencionado preço ser encontrado no pagamento d'esta.

A linha do Algarve não entrava no contrato. A discussão d'este acto governativo teve logar nas sessões de 25 e 26 de junho de 1862. Na sessão de 25 aventou-se a idéa de introduzir nas disposições do contrato a construcção da linha de Beja até ao Algarve, e foi o meu nobre amigo, o sr. Fontes Pereira de Mello, quem a suscitou. No discurso que elle n'essa sessão pronunciou, lese o seguinte:

«... Não tenho a menor duvida, assim como a não tenho em que o caminho de ferro de Beja se prolongue até ao Algarve; porque entendo que é de uma grande utilidade para aquella provincia (apoiados). Com a direcção indicada no contrato nunca poderá realisar-se similhante beneficio para o Algarve.»

Houve uma interrupção do sr. Horta que se não percebeu, e o sr. Fontes continuou:

«Perdão. Quando eu tive a honra de ser ministro, mandou-se fazer um reconhecimento (que eu julgo que seria completo e o unico que existe a este respeito) sobre o Algarve. Não creio que chegas e até lá, mas creio que adiantou até certo ponto, por Almodovar e Ponte Figueira, differente da que hoje se lhe dá, que por consequencia não é para servir o Algarve, nem pôde ser. n

Por fim conclue o sr. Fontes:

«Se se reconhece que essa directriz pôde seguir para o Algarve eu desde já me comprometto a dar-lhe o meu voto; mas não creio que vá para ali.»

Estas palavras do meu nobre amigo animaram-me a apresentar a seguinte proposta:

«Artigo 1.° Aonde se diz = até á margem direita do Guadiana = se substitua pela seguinte disposição = até ao Algarve = Aonde no contrato se dispõe que o prolongamento do caminho de ferro das Vendas Novas a Beja seja até á margem do Guadiana, na direcção de Serpa e Moura, se estabeleça que este prolongamento seja até ao Algarve.

Na sessão de 26 o actual sr. presidente do conselho, que então era ministro dás obras publicas, disse: «Pedi tambem a palavra para declarar, emquanto á outra emenda apresentada hontem pelo nobre deputado pelo Algarve, que o pensamento do governo foi sempre de que esta linha servisse de communicar o Algarve com o resto do paiz. Por consequencia não me opponho a que se insira como clausula na lei, e condições do contrato, que o governo fica auctorisado a alterar a directriz do prolongamento de Beja, como parecer mais conveniente para se obter o fim que se tem em vista de communicar aquella provincia com o resto do paiz». Na mesma sessão o sr. José Estevão, depois de mostrar a conveniencia da continuação do caminho de Beja para o Algarve, e declarar quanto desejava que o governo se empenhasse pela sua construcção, reduziu a proposta ás indicações do sr. presidente do conselho. Os artigos da lei que precedia o contrato de 16 de maio foram approvados, bem como a, proposta do sr. José Estevão.

O contrato agora submettido á nossa approvação o que contém? As mesmas disposições que esta camara já votou, mas melhoradas.

Quanto ao prolongamento do caminho de Evora prescreve que elle irá entroncar no Crato com o de leste; e alem de um grande serviço economico ao paiz, evita qualquer questão com a empreza Salamanca. Pelo que diz respeito á continuação do caminho de Beja, prescreve que elle vá até á fronteira, ficando a cargo da companhia constructora a ponte sobre o Guadiana, o que não acontecia pelo outro contrato.

E finalmente, com respeito á linha do Algarve, o sr. ministro converteu a auctorisação em preceito, dando assim completa satisfação a uma grande necessidade economica, qual é, a de estabelecer a viação accelerada entre a nossa mais remota provincia do sul e o norte do reino. Por consequencia nunca se poderia esperar que a mesma camara deixasse de approvar em 1864 o mesmo que já approvou em 1862.

Em toda esta questão tem-se discutido mais a preferencia do que a conveniencia dos caminhos de ferro, que pelo presente contrato têem de ser construidos. Todos os srs. deputados que combateram o projecto, querem que antes de cuidarmos dos caminhos de ferro do sul, se trate dos do norte, como, por exemplo, os da Beira e Minho, e têem-se esforçado por mostrar as vantagens que as nossas provincias do norte têem sobre as do sul. Mas o Algarve, por exemplo, não será tanto como a Beira, uma parte de Portugal? (Apoiados.)

Ha entre todas as diversas partes do nosso paiz uma solidariedade tal, que não é licito desconhecer (apoiados).

Os caminhos de ferro que se fizerem no Alemtejo e Algarve, se immediatamente não aproveitam á Beira e ao Minho, nem por isso, ainda que mediatamente, estas duas provincias deixarão de se resentir do seu benefico influxo e vice versa.

Portanto concluamos que os caminhos de ferro, uma vez que por via d'elles se trata de ligar o nosso paiz, hão de por força aproveitar a todas as partes d'elle (apoiados); porque felizmente não estamos em estado tal, que uma provincia tenha interesses por tal fórma diversos de outra que se não possam harmonisar.

Eu aprecio com toda a justiça a posição do sr. ministro. Não se trata, a meu ver, do caso em que o governo tenha uma porção de contos de réis em cofres ou vá levantar certas sommas, a que podendo dar a applicação que quizer as vá empregar por um livre arbitrio a favor do Algarve ou do Alemtejo, de preferencia a outra qualquer provincia.

A questão é diversa. O governo, tendo forçosamente de vender um caminho de ferro, não havendo quem lh'o compre vantajosamente sem a concessão de certos e determinados ramaes, o que havia de fazer se não proceder como procedeu? Tem havido tres propostas sobre este negocio. A primeira foi a que deu logar ao contrato que nós discutimos em 1862; mais tarde veiu outra, do sr. Mackenzie, apresentada na camara dos dignos pares, quando aquella camara se occupava do contrato de 15 de maio; e a terceira é a que faz objecto do contrato submettido á nossa approvação.

Os signatarios de todas ellas pretendem o caminho do Barreiro e ramal de Setubal, insistem no alongamento da via, a construcção de estações, etc.; mas tambem todos pretendem os mesmos prolongamentos de caminho de ferro, e que o preço do caminho comprado se encontre na subvenção das novas vias ferreas, cuja concessão pedem. Ora duas d'estas propostas veem antes da abertura do caminho de ferro para Evora e Beja, mas a outra veiu depois; mas se esta ultima augmentou 60:000$000 réis no preço da compra, não divergiu das outras quanto ao pedido de novas concessões e modo de pagamento. Portanto o governo, que não achava util aos interesses publicos continuar a administrar o caminho do Barreiro e ramal de Setubal, fez o negocio do melhor modo que lhe foi possivel. A preferencia que o sr. ministro, n'este caso, deu aos caminhos de ferro do sul, foi determinada aqui pelas circumstancias, e não lhe póde ser estranhada, porque elle não fez senão o que qualquer outro no seu logar de certo faria.

Eu entendo que o governo, na alternativa em que se achava, ou de ficar com o caminho ou de o vender, seguindo este ultimo alvitre effectuou o melhor negocio. Se o governo não vendesse o caminho, tinha por força, alem dos encargos da administração por conta do estado, de fazer as estradas consignadas na lei de 15 de julho de 1860 e que estão comprehendidas na tabella n.° 3; estas estradas foram declaradas urgentes, e tinham de ser feitas em cinco annos, da data da lei, quer dizer, que para o anno tinham de estar completas; o governo carecia por consequencia, com toda a urgencia, de buscar os meios precisos para construir essas estradas, e por tanto tinha não só de fazer os gastos precisos para o melhoramento e conservação do caminho, de ferro, mas tambem de fazer as estradas e a ponte sobre o Guadiana.

Ora emquanto importa tudo isto? As estradas e a ponte sobre o Guadiana importam em 1.007:600$000 réis; o alargamento do caminho de ferro em 600:000$000 réis, o que tudo somma 1.607:600$000 réis. Ora temos no banco, segundo a declaração do sr. ministro, no relatorio, 40:000$000 réis, rendimento do caminho de ferro e ramal, e deduzindo esta somma da já apresentada, ficam por consequencia 1.567:600$000 réis para levantar na hypothese de se não levar a venda a effeito. Esta quantia a juro de 7 por cento produz o encargo de 109:000$000 réis. Porém o caminho de ferro rende quanto? Se formos a considerar o relatorio de 19 de fevereiro de 1863, vemos que o caminho rendeu proximamente, livre para o estado, 11:205$000 réis por kilometro; mas eu supponho que o caminho melhorado possa render mais, e calculo em 14:000$000 réis por kilometro o seu rendimento livre. Porém nós se fizessemos as estradas tinhamos tambem que gastar com a sua conservação, e segundo as informações apresentadas pelo governo n'esta casa, esta despeza não custa menos de 54$500 réis por kilometro.

As estradas a fazer, e que os caminhos de ferro, objecto do contrato, poupam, andam por 220 kilometros; logo a despeza para a sua conservação seria de 11:990$000 réis annualmente. Deduzindo d'estes 11:990$000 réis, importancia do que rende o caminho de ferro por kilometro, ficam-nos apenas 3:010$000 réis para encontrar no encargo annual de 109:000$000 réis, sendo ainda assim, feitas todas estas deducções, os juros que teriamos de pagar 106:000$000 réis.

Por outro lado, se nós attendermos ao que se poupa, deixando de fazer as estradas que os novos caminhos de ferro substituem com grande vantagem publica, a economia que resulta de se não construir por conta do estado a ponte sobre o Guadianna, e de lançarmos á conta da companhia que compra o caminho do Barreiro e ramal de Setubal os gastos a fazer com o alargamento da via, estações, etc. se juntarmos a tudo o preço do referido caminho de ferro, e os 40:000$000 réis que existem no banco, rendimento do caminho, temos 2.656:000$000 réis.

As estradas já mencionadas dão 220 kilometros, que tantos serão os dos novos caminhos de ferro; se multiplicarmos estes 220 kilometros por 18:000$000 réis, que é a subvenção, temos 3.960:000$000 réis. Se deduzirmos destes 3.960:000$000 réis os 2.656:000$000, que são as despezas que teriamos de fazer, ficam-nos 1.304:400$000 réis, que é, no fim de contas, o encargo real que nós assumimos por este desenvolvimento de viação; e para levantarmos este capital a 7 por cento teremos de pagar annualmente 91:308$000 réis.

Ora as estradas que nós poupamos, como disse ainda agora, precisariam, para a sua conservação de 11:990$000 réis annualmente. É despeza que deixaremos de fazer, emquanto que temos tambem a metter em linha de conta o producto do imposto de 5 por cento, que os caminhos novos hão de produzir.

Eu calculo que nos primeiros annos o rendimento bruto dos referidos caminhos de ferro rende 2$000 réis por kilometro, o que me parece exagerado, logo temos que pelos 220 kilometros o imposto de 5 por cento dará 25:000$000 réis. Sommando pois os gastos da conservação, que poupamos com o producto do imposto que havemos de perceber, teremos 38:990$000 réis para attenuar o juro annual de 91:308$000 réis, que virá na realidade a ser de 54:318$000 réis.

Tudo isto consta das demonstrações que aqui tenho e que serão impressas com este meu pequeno discurso.

Hypothese de não se vender o caminho de ferro do Barreiro e ramal de Setubal

Estrada de Evora a Extremoz 43 kilometros

Dita de Beja á fronteira... 44 »

Dita de Beja ao Algarve.. 82 »

Total...169 »

Custa cada kilometro... 4:000$000

Importarão estas estradas em... 676:000$000

Estrada districtal de Extremoz ao Crato 51 kilometros, metade da subvenção réis

1:600,5000, importam em... 81:600$000

Alargamento da raia, construcção de estações e mudanças de material... 600:000$000

Ponte sobre o Guadiana... 250:000$000

Total... 1.007:600$000

Saldo resultante da exploração por conta do estado… 40:000$000

Liquido... 1.567:600$000

Juro a 7 por cento... 109:732$000

Rendimento liquido, por kilometro, do caminho de ferro do Barreiro e ramal... 14:000$000

Conservação de 220 kilometros de estradas, a 54$500 réis por kilometro... 11:990$000

A deduzir... 3:010$000

Encargo real, por anno... 106:722$000

Hypothese da venda do caminho de ferro do Barreiro e ramal de Setubal

Estradas e ponte sobre o Guadiana... 1.007:600$000

Alargamento da via, estações, etc... 600:000$000

Somma... 1.607:600$000

Página 1460

1460

Transporte... 1.607:600$000

Saldo da exploração por conta do estado… 40:000$000

Preço da venda do caminho e ramal... 1.008:000$000

Somma... 2.655:600$000

Encargo apparente — 220 kilometros de caminhos de ferro, que tantos são os das estradas que elles substituem, a réis, 18:000$000 por kilometro... 3.960:000$000

Encargo real... 1.304:400$000

A juro de 7 por cento... 91:308$000

Gastos de conservação de estradas... 11:990$000

Rendimento do imposto de 5 por cento, suppondo que os novos caminhos de ferro apenas darão, por kilometro, réis 20000 de producto bruto... 25:000$000

A encontrar no juro... 36:990$000

Encargo real a satisfazer por anno... 54:318$000

Desde o momento em que nós podemos fazer face ás linhas do sul com um encargo tão pequeno, pela minha parte voto desassombradamente, e desejei fazer esta demonstração que pude arranjar secundo as minhas fracas forças intellectuaes, para mostrar aquelles que se aterrara com a grande despeza que resulta da construcção das referidas linhas ferreas, que não ha motivo para tantos receios.

E quiz tambem provar que eu não sacrificava os interesses publicos ao vão desejo de um linha de ferro para o Algarve, porque embora entendesse que estavam ligados grandes interesses a esta linha e que ella era de grande utilidade, se conhecesse que ía onerar o meu paiz com encargos com que elle não podesse só para ter o gosto de ver a locomotiva atravessar a serra do Algarve, eu de certo não votava por esta proposta.

Mais uma consideração apenas e terminarei.

Disse-se que o Algarve não carecia de caminhos de ferro porque tinha o oceano para se communicar com o resto do paiz.

Se este argumento aproveitasse o que diriamos nós da maior parte dos caminhos de ferro da Inglaterra?

Um meu illustre amigo, cavalheiro que muito respeito, e que não está presente, disse-nos que o maior argumento que se podia apresentar contra os caminhos de ferro do sul, tinha-os produzido o sr. Quaresma, quando disse que = do caminho de ferro de Coimbra ao Porto conduzia diariamente muitos centos de passageiro =, emquanto que no caminho de ferro do sul apenas só por excepção um dia se tinham apresentado tresentos passageiros. Mas eu tambem direi que Um dos maiores argumentos para destruir aquelle que o sr. Coelho do Amaral deduziu da circumstancia da provincia do Algarve ser banhada pelo oceano, apresentou-a tambem o sr. Quaresma, quando nos contou que depois de se abrir o caminho de ferro de Coimbra para o Porto, tinham vindo mercadorias que existiam na Figueira, para seguirem pelo caminho de ferro. Aqui tem v. ex.ª como a via maritima foi desprezada e se seguiu a via ferrea.

Eu não quero alongar esta discussão, foi mais por um desabafo que por outro motivo que tomei a palavra. Mas eu podia muito bem ler o que dizem auctores de muita consideração, como é o sr. Teisserene, quando truta de examinar a comparar a vantagem que as vias ferreas têem sobre navegação, tanto fluvial como de canaes, e mesmo sobre o commercio de cabotagem. Basta considerar que os elementos não contrariam a via ferrea, e d'elles dependem as viagens por mar; que muitas vezes os navios estão estaciona dos nos portos, cheios de carga, sem poderem seguir para 0 seu destino. Basta esta unica consideração para nós conhecermos que embora a via ferrea não possa talvez em algumas estações do anno concorrer com o transporte maritimo, na maior parte do tempo ella lhes leva grande vantagem, porque não tem demoras, nem obriga a seguros nem a cargas e descargas tão despendiosas como na navegação. E tudo isto são vantagens que o commercio sabe avaliar. Se a navegação pelo oceano é de si difficultosa e está exposta a grandes contratempos, tanto não soffre a navegação dos canaes, e nós estamos vendo que na Inglaterra esta cede o passo aos caminhos de ferro, por toda a parte aonde elles se apresentam. Se hoje no nosso paiz os caminhos de ferro ainda não conseguiram a primazia sobre todos os outros meios de locomoção tanto para passageiros como para mercadorias, mais tarde elles a alcançarão, pela barateza dos seus transportes e pela facilidade com que os fazem, o que é uma circumstancia bastante apreciavel para o commercio. Á proporção que uma nação se vae desenvolvendo, ella vae reconhecendo o axioma de um grande paiz industrial, o tempo é dinheiro, ou como dizem os americanos, é o estofo da vida. Se a via ferrea que vae para o Alemtejo atravessa planicies que não têem população, se a via ferrea que irá até ao Algarve tem de percorrer valles hoje deshabitados, ella chegará ao litoral aonde a população é tão densa como em outro qualquer ponto do paiz. E se os illustres deputados quizerem soccorrer se ás estatisticas, hão de conhecer que a população do litoral do Algarve é tão basta como a dos condados mais populosos da Inglaterra. Aos illustres deputados parece esta proposição audaciosa, mas eu hei de provar que não é.

Segundo a estatistica de 1860 que vem junta ao relatorio do governador civil de Faro, o Algarve tem para mais de 160:000 habitantes. O sr. João Baptista Lopes, cavalheiro cuja memoria é venerada por todos que o conheceram, que foi muito intelligente (apoiados), que tratou sempre com todo o cuidado as cousas da sua terra, e que nos deixou um livro A corographia do Algarve, que podemos consultar a respeito d'esta provincia com alguma segurança, dá á mesma provincia 160 leguas quadradas, reputando cada legua por tres milhas, e dividindo pelo numero de habitantes, teremos 333 por cada milha quadrada. Parece-me que um caminho de ferro que vae a uma provincia aonde ha uma população d'esta ordem não se vae metter n'um ermo.

Mas estas estatisticas são sempre feitas pelos roes dos confessados, elementos deficientissimos que exageram sempre para menos e nunca para mais, quando a opinião geral é que ha no Algarve um numero de habitantes muito maior do, que o que diz o mappa official que citei. Diz-se geralmente que a população do Algarve orça por 200:000 almas.

Eu quiz ser cauteloso, e por isso fui basear o meu calculo em dados officiaes, mas pela rasão que dei elles são defeituosos, resultando d'aqui que se attribuirmos ao Algarve maior população não faltámos á verdade.

Portanto se a opinião geral é que a população do Algarve anda por 200:000 almas, se não pecca por excessivo este calculo, teremos por cada milha quadrada 416 habitantes.

Uma voz: — Isso não póde ser.

O Orador: — O illustre deputado admira-se pela rasão que eu ainda agora disse. Nós conhecemos mais as cousas estranhas do que as nossas proprias. Se o illustre deputado percorresse o litoral do Algarve havia de reconhecer que eu não sou exagerado, porque desde o Cabo de S. Vicente até Lagos é quasi uma povoação pegada.

Eu podia citar a respeito da provincia do Algarve a opinião de pessoas insuspeitas, para mostrar a fertilidade do seu sólo, para mostrar quanto aquella provincia é rica em productos, e quanto ella se pôde desenvolver (apoiados).

Vozes: — Já deu a hora.

O Orador: — Podia mostrar que aquella provincia tem um grande futuro (apoiados).

Referirei unicamente o que escreve o governador civil de Faro na sua consulta de 1860. Diz este magistrado: «O interesse da propriedade rustica aqui costuma ser, termo medio, de 7 a 10 por cento; mas quando se cultiva e arborisa com acerto e boa fortuna um terreno que foi comprado a nu, os lucros são admiraveis; de um homem sei eu que, tendo comprado terras com dinheiro tomado a premio de 20 por cento, pôde, pela arborisação, chegar a tempo e estado de pagar o capital, restando lhe uma sufficiente fortuna, hypothese aqui mesmo rara, mas cuja realisação não poderia ter logar em outra parte». Continua o referido magistrado no mesmo documento: «O capital não o tomado aqui a tão subido premio pelo dissipador de uma grande fortuna herdada. O capital é dado ao negociante que pretende auferir do seu commercio taes lucros que lhe cheguem para pagar o capital e premio, e tirar ainda consideravel remuneração, e pelo proprietario era tanto, quanto que bem posso satifazer o premio e ficar ainda mais rico. E verdade que alguns casos ha em que, ou por má direcção, ou por outro qualquer motivo, os projectos, longe da corresponderem ao fim, comprometteram quem os concebeu; estes porém são excepções».

Quando se falla assim de uma provincia, digo eu, sem receio de errar, que adivinha um grande futuro, e que a nós, como disse o sr. José Estevão, caberia uma grande responsabilidade se nos não apressassemos a tirar d'ella toda a utilidade, se nos não apressassemos a desenvolver os grandes elementos de riqueza que ali existem.

Terminando, direi que o caminho de ferro é um grande elemento para a agricultura e para a população. Muitos illustres deputados admiraram-se d'esta proposição do sr. ministro, mas Léonce de Lavergne descrevendo o progresso que a agricultura da Escocia fez no praso de sessenta annos, indica bem quanto os caminhos de ferio concorreram para a grande revolução que ali se operou. Se quizermos attender ao que resultou da commissão de inquerito feita em Inglaterra em 1846, sobre a influencia dos caminhos de ferro na agricultura, havemos de ver que o estado da prosperidade da agricultura da Escocia e sobretudo de Edimburgo e Glasgow, é devida aos caminhos de ferro, porque o transporte para ali de correctivos e adubos fez com que muitos terrenos safaros e ingratos passassem a produzir muito; mas não precisâmos ir ao estrangeiro; temos o exemplo ao pé da porta, ao pé de s. ex.ª Aos illustres deputados que entendem que os caminhos de ferro não são um grande elemento de população, convido os a ir ao Barreiro, e a indagarem te o estado em que se acham aquelles terrenos é o mesmo em que estavam d'antes. Ninguem lh'o affirmará.

Como não desejo fatigar a camara, e a hora já deu, ficarei por aqui.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A commissão que a mesa foi encarregada de nomear para superintender nas obras do edificio, é composta dos srs. Sá Nogueira, Belchior Garcez, Fernando de Magalhães, Rodrigues Camara e Placido de Abreu.

A ordem do dia para segunda feira é a mesma que vinha para hoje e mais os projectos n.ºs 53 e 88 d'este anno, e 176 de 1863.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.

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