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SESSÃO DE 26 DE MAIO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Dá-se conta de tres officios do ministerio da marinha, um acompanhando um processo original instaurado em 1879, na comarca de Mossamedes, requerido pelo br. Ferreira de Almeida; outro enviando documentos pedidos pelo sr. Luciano Cordeiro; outro enviando esclarecimentos pedidos pelo sr. Elvino de Brito. - Teve segunda leitura o projecto de lei do sr. Ferreira de Almeida, apresentado na sessão antecedente. - Enviam representações para a mesa os srs.: conde de Thomar, da camara municipal de Thomar; Avellar Machado, da camara municipal de Santarem; Tito de Carvalho, dos chefes de repartição nas extinctas direcções dos correios e dos telegraphos. - Apresentam projectos de lei: o sr. Mendes Pedroso, sobre disciplinas dos estudos medicos, e o sr. Avila, auctorisando o governo a conceder um marcado terreno a junta de parochia da freguezia da matriz da cidade da Horta, para a construcção de uma escola. - Justificam faltas os srs. Antonio de Castro Pereira Corte Real, Lopes Vieira, Jose Soares Pinto de Mascarenhas, Adolpho Pimentel, Filippe de Carvalho, Caetano de Carvalho, João Antonio Pinto, Vicente Pinheiro, Martinho Camões, Pedro Correia, Loureço Malheiro, Joaquim Antonio Neves, Emygdio Navarro, Lopo Vaz e Cesar Calixto. - Faz algumas considerações sobre estudos medicos e as escolas de medicina o sr. Mendes Pedroso. - Dá explicações sobre o mesmo assumpto o sr. Alfredo Peixoto. - O sr. presidente nota que se deve fazer uma rectificação, porque no Diario das sessões virá como approvado na sessão de 20 o projecto de lei n.° 67, de que se não tratou, quando o approvado foi o projecto n.° 77. - A requerimento, que foi approvado, do sr. Avellar Machado, entra em discussão antes da ordem do dia, mas sem prejuizo d'esta, o projecto n.° 38, approvando, para ser convertido em definitivo, o contrato provisorio celebrado em 9 de marco de 1885, para a construcção de um molhe na enseada do Funchal. - Combate-o, mais pela fórma por que o governo o quer fazer votar, do que pela idéa que elle traduz, o sr. Elvino de Brito, que fica com a palavra reservada, e o projecto pendente, para se entrar na ordem do dia.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 86 (reforma da lei do sêllo). - Usa da palavra o sr. ministro da fazenda, dando explicações ao sr. Eduardo José Coelho, e respondendo as considerações apresentadas pelo sr. Consiglieri Pedroso na sessão anterior. - Falla tambem o sr. Germano de Sequeira, que apresenta uma proposta, e seguidamente é approvado o projecto na generalidade, sendo approvada tambem a proposta do sr. Moraes Carvalho (relator) e rejeitada a do sr. Consiglieri Pedroso. - O sr. Eduardo José Coelho pede para retirar a sua proposta e foi-lhe concedido. - Entra em discussão o artigo 1.º - Fallam os srs. Firmino Joao Lopes, Santos Viegas e Luciano de Castro, os quaes apresentam propostas, ficando pendente a materia do artigo.

Abertura - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 37 srs. deputados.

São os seguintes: - A. da Rocha Peixoto, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Almeida Pinheiro, Pereira Leite, Conde de Thomar, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Francisco Beirão, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Guilhermino de Barros, Augusto Teixeira, Teixeira de Vasconcellos, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, José Frederico, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, M. J. Vieira, Miguel Dantas, Sebastião Centeno e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Santos Viegas, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Mártens Ferrão, Wan-zeller, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Oliveira Peixoto, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Manuel d'Assumpção, Manuel de Medeiros, Marçal Pacheco, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz e Visconde das Laranjeiras.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, Fontes Ganhado, Seguieir Fuschini, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Cypriano Jardim, Emygdio Navarro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Melicio, Ribeiro dos Santos, J. A. Neves, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas. Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Dantas Baracho, Visconde de Balsemão, Visconde de Reguengos, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da marinha, remettendo os documentos pedidos pelo sr. deputado Luciano Cordeiro na sessão de 8 de abril corrente.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Ferreira de Almeida, o processo original instaurado em 1879 na comarca de Mossamedes ao ex-governador daquelle districto, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.
Á secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Elvino de Brito, relates nominaes dos sargentos despachados alferes para as guarnições das provincias ultramarinas nos annos de 1882 a 1885.
Á secretaria.

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1784 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A carta de lei de 6 de março de 1884, que organisa o curso superior do commercio professado no instituto industrial e commercial de Lisboa, creou um logar de demonstrador para coadjuvar o ensino da cadeira de technologia geral que faz parte actualmente do mesmo curso.
Considerando que o decreto de 22 de agosto de 1865, que regula o provimento dos logares do magisterio nos estabelecimentos de instrucção dependentes do ministerio do reino, esta adoptado para o instituto industrial;
Considerando que neste decreto e na carta de lei de 19 de agosto de 1853 estão designadas as condições de accesso para os substitutos e demonstradores;
Considerando que nem o decreto de 30 de dezembro de 1869, que reorganisou o instituto industrial e commercial de Lisboa, nem a carta de lei de 6 de março de 1884, que creou o curso superior do commercio, consignam os direitos que assistem ao demonstrador deste estabelecimento e que por analogia se lhe devem applicar as disposições vigentes para outras escolas onde existem estes funccionarios;
Tenho a honra de submetter a vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É considerado substituto, para todos os effeitos de accesso, jubilação, etc. na conformidade das disposições da carta de lei de 19 de agosto de 1853, do decreto de 22 de agosto de 1865, e mais legislação em vigor, o demonstrador do instituto industrial e commercial de Lisboa.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 25 de maio de 1885. = J. B. Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92.
Foi admittido e enviado ás commissões de instrução superior e de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Thomar, adherindo á representação em que a sociedade agricola do districto de Santarem pede que sejam modificadas as disposições do artigo 14.° do tratado de commercio celebrado em 12 de dezembro de 1883 com a Hespanha, no sentido de não ser prejudicada a nossa industria agricola.
Apresentada pelo sr. deputado conde de Thomar e enviada á commissão de negocios externos.

2.ª Da camara municipal do concelho de Santarem, no mesmo sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Avellar Machado, enviada á commissão de negocios externos e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Dos chefes de repartição nas extinctas direcções dos correios e dos telegraphos, pedindo que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos chefes de repartição da direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes.
Apresentada pelo sr. deputado Tito de Carvalho e enviada as commissões de obras publicas e de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara que o nosso collega Antonio de Castro Pereira Côrte Real tem faltado a algumas sessões por motivo justiticado. - J. Novaes.

2.ª O nosso collega e meu amigo Lopes Vieira, deputado por Leiria, encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que tem faltado ás ultimas sessões e faltará ainda a mais algumas por motivo justificado. = O deputado por Alijó, Joaguim Teixeira de Sampaio.

3.ª Participo a v. exa. que o sr. deputado Jose Soares Pinto de Mascarenhas tem faltado ás ultimas sessões e faltará ainda a mais algumas por motivo justificado. = Ponces de Carvalho.

4.ª Participo a v. exa. e a camara que o sr. deputado Adolpho Pimentel me encarregou de declarar que não tem podido comparecer a algumas sessões e continuará ainda a faltar a outras por motivo justificado. = Luiz José Dias.

5.ª Participo a v. exa. e á camara que os srs. deputados Filippe de Carvalho, Caetano de Carvalho e João Antonio Pinto não têem comparecido ás sessões por motivo justificado e faltarão a mais algumas. = O deputado, Barbosa Centeno.

6.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. Vicente Pinheiro tem faltado a algumas sessões por motivo justificado.

7.ª Declare que os srs. deputados Martinho Camões, Pedro Correia e Lourenço Malheiro, teem faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Urbano de Castro.

8.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Joaquim Antonio Neves não tem comparecido ás sessões por motivo justificado. = Luiz de Lencastre.

9.ª Declare que o sr. deputado Emygdio Navarro não tem comparecido a algumas sessões por motivo justificado. = Ferreira de Mesquita.

10.ª Declare que por motivo justificado faltei a algumas sessões. = Lopo Vaz.

11.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Avelino Augusto Cesar Calixto não tem comparecido ás sessões por incommodo de saude. = O deputado, Joaquim Germano de Sequeira.
Para a acta.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Gonçalo Caldeira, segundo sargento aspirante a official do regimento de infanteria n.° 7, em 6 de outubro de 1846, pedindo para lhe ser applicada a lei de 30 de Janeiro de 1864.
Apresentado pelo sr. deputado Avellar Machado e enviado á commissão de guerra.

O sr. Presidente: - Tem de se fazer uma rectificação no Diario das sessões.
Na sessão do dia 20 diz-se que foi approvado o projecto de lei n.° 67, naturalmente por equivoco com o n.° 77, pois esse projecto, não só não foi approvado, como não entrou ainda em discussão, e não está mencionado na acta.
O sr. Conde de Thomar: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Thomar que, a imitação da sociedade agricola do districto de Santarem, reclama contra a approvação do tratado de commercio celebrado em 12 de dezembro de 1883 entre a Hespanha e o nosso paiz.
Peço a v. exa. se digne enviar esta representação á respectiva commissão a fim de ser tomada na devida consideração.
O sr. A. J. d'Avila: - A junta de parochia da freguezia matriz da cidade da Horta encarrega-me de apresentar a esta camara uma representação, em que pede

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que seja approvado um projecto de lei, auctorisando o governo a ceder-lhe o terreno das ruinas da casa em que funccionava a escola de ensino elemental do sexo masculino, que foi reduzida a ruinas por um terrivel incendio na noite de 30 para 31 de março d'este anno.
A junta de parochia pede tambem que da contigua cerca do extincto convento da Gloria lhe seja mais cedida uma pequena faxa de terreno, a fim de poder construir uma casa para escola e para habitação do professor, dando assim cumprimento a obrigação que lhe impõe a lei sobre instrucção primaria.
Allega tambem a corporação, a que me refiro, que a escola que foi devorada pelo incendio estava muito bem situada, e que não ha outra casa nas condições legaes que possa ter a mesma applicação.
Espero que este justissimo pedido seja attendido pela camara, approvando o projecto de lei que tenho a honra de mandar para a mesa.
A representação teve o destino indicado a pag. 1784.
O sr. Mendes Pedroso: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de lei em que pego ligeiras, mas creio que utilissimas, alterações em das cadeiras do curse das escolas medicas, alterações que consistem no desdobramento da 2.ª e 10.ª cadeiras daquelle curse, em physiologia geral e physiologia humana, por um lado, em hygiene publica e em medicina legal, por outro.
Antes, porem, de fazer a leitura da minha proposta e dos considerandos em que a fundamento, permitta-me v. exa. que em rapido esboço eu descreva as transformações por que os estudos medicos têem passado n'estas escolas, para assim melhor fazer sentir a necessidade dos acrescentamentos que por agora me limito a pedir para estes tão proveitosos come importantes estabelecimentos do superior educação scientifica.
Sr. presidente, os melhoramentos materieas do um paiz não são os unicos do que elle carece, para o desenvolvimento da sua riqueza, do seu commercio, das suas industrias, para firmar a sua autonomia, e para acompanhar os progressos dos povos cultos.
Ha uma epocha, um momento em que esses melhoramentos são os mais importantes, os indispensaveis até para as exigencias da sua evolução civilisadora.
Portugal teve esse momento, e diga-se a verdade foi habil e brilhantemente aproveitado.
Não havia estradas, não havia vias ferreas.
O transito dentro do paiz fazia-se e era quasi tão escabroso como nas selvas da Africa. Era lento, difficil, perigoso e ás vezes impossivel. Eu ainda luctei com estas difficuldades. Em menos de trinta annos a transformação foi completa, para toda a parte ha boas vias de communicação ordinaria, para muitas accelerada.
As industrias, o commercio e a agricultura têem prosperado e se a agricultura ultimamente se tem encontrado em serios embaraços, outras são as cousas, porque muito lucrou ella tambem com estes melhoramentos na viação publica.
Mas não é só pelos progressos materiaes alias importantissimos e imprescindiveis que se deve avaliar a prosperidade de uma nação, o nivel moral do um povo.
Para isso é necessario indagar e observar mais de pesto, e detidamente o estado das suas instituições politicas, administrativas, scientificas, industriaes e porventura ainda outras.
É necessario abrir novas veredas ao espirito humano, sempre ávido e desejoso de attingir a perfeição, e rasgar novos horisontes onde possa expandir-se sob varias férmas a sua multiplice actividade.
Sr. presidente, não quero eu dizer com estas palavras que deva parar-se repentina e abruptamente no caminho dos melhoramentos materiaes.
O que quero e que se conheça que é preciso entrar desassombradamente n'outra ordem de beneficios publicos, e que se procure desenvolver differentes instituições, entre as quaes as scientificas devem chamar particularmente a nossa attenção, e ser objecto de uma especial solicitude.
A sciencia, que é o facho da moderna civilisação, é o mais seguro guia para a educação e governo do povo.
Sr. presidente, permitta-me v. exa. agora que em breves palavras eu trace as phases por que tem passado o estudo da medicina em Portugal, fóra da faculdade, desde epochas mais remotas, e sobretudo desde o começo deste seculo, antes e depois da creação das escolas medico-cirurgicas.
No hospital de S. José era onde ha muito tempo se estudava praticamente a cirurgia.
Aquelles mancebos que não podiam cursar a faculdade e que desejavam instruir-se n'este ramo de conhecimentos, entram ali como praticantes, e debaixo da direcção dos clinicos d'aquelle estabelecimento, habilitavam-se com algum estudo de anatomia, e com a observação do tratamento empregado a fazer cá fóra muitos curativos, e algumas operações, debaixo das vistas e da responsabilidade dos verdadeiros medicos.
Este estado de cousas durou até 1825, em que um decreto creando a escola regia do cirurgia, regulou o ensino da cirurgia no hospital de S. José, e sem que fossem exigidos grandes estudos preliminares para a admissão dos alumnos, e certo que esta escola produziu já alguns homens eminentes, que se distinguiram sobretudo pelos seus profundos conhecimentos anatomicos, pela pericia com que executavam as mais arriscadas operações que n'aquelle tempo se conheciam e até pela notavel correcção com que abrilhantavam os cursos que dirigiam.
Ainda tive a honra de ter por mestres dois d'estes distinctos professores, um dos quaes muito conhecido e estimado no paiz, teve assento n'esta casa do parlamento e depois na camara alta, José Lourenço da Luz.
Porém, a modificação mais profunda que os estudos medicos experimentaram, foi devida a iniciativa fecunda e audaz de um ministro que, passando rapidamente pelo poder, ali deixou um luminoso rasto, que ainda não póde considerar-se extincto.
Fallo de Manuel da Silva Passos, e refiro-me á reforma introduzida n'esta ordem de estudos pelas leis de 5 e de 29 do dezembro de 1836.
O curso medico, propriamente medico, foi dividido em cinco annos, exigindo-se já um certo numero de prepatorios.
A reforma podia dizer-se completa para aquelle tempo, e os estudos que ali se professavam a, altura dos que n'aquella epocha se exigiam em outros paizes.
Foi então que estes cursos tomaram em Lisboa e no Porto a denominação de escolas medico-cirurgicas.
Bem depressa, porém, se reconheceu que os conhecimentos accessorios, principalmente em sciencias naturaes, eram insufficientes, e per decreto de 20 de setembro de 1844, referendado por um ministro a cuja actividade e illustração se começa a fazer a mais completa justiça, o illustre marquez de Thomar, foi estatuido que alem dos preparatorios já exigidos se pedisse aos alumnos que n'aquelles cursos quizessem matricular-se, exame da lingua ingleza e de historia, feito nos lyceus centraes, e de zoologia, betanica, physica e chimica feitos na escola polytechnica, ou na universidade de Coimbra.
Do então para cá, ha mais de quarenta annos, os cursos medicos das escolas só experimentaram uma pequena modificação com a creação da cadeira de anatomia pathologica, e da hygiene publica e medicina legal, expostas as materias em um só anno e pelo mesmo professor, o que corresponde a pouco mais de quatro mezes para cada uma d'estas disciplinas.
Afóra isto só ha a mencionar o curso de direito publico e de economia política exigido em 1880 e a respeito do qual ainda hontem o illustre deputado, o sr. Rocha Peixoto, pediu uma dispensa de provas para os alumnos que

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as deviam apresentar no corrente anno, com o que, seja dito de passagem, não terei duvida de concordar, até por que taes conhecimentos não me parecem indispensaveis para o medico; entretanto, como a lei deve ser respeitada, será bom que tal dispensa se não repita nos annos subsequentes.
Ora, ao passo que entre nós só têem sido introduzidas tão insignificantes reformas, a sciencia progride incessantemente, e quando na Allemanha e em França a physiologia geral constitue hoje um immenso e importantissimo corpo de doutrina, indispensavel ao medico que precisa acompanhar o movimento evolutivo das sciencias biologicas, no nosso paiz apenas se ensinam nações incompletas d'este ramo de saber, na cadeira de physiologia humana.
A physiologia geral e a histologia, que desde os trabalhos do Bichat e do Beclard, sobre a anatomia geral, começou a crear-se, foi se enriquecendo de numerosos factos depois das experiencias de Magendie, e depois de vigoroso
Impulso que lhe imprimiu Claude Bernard; tornou-se uma verdadeira sciencia, extensa e completa nas mãos de Kolliker, Virchow, Hackel e tantos outros medicos e naturalistas distinctos que a têem cultivado.
Hoje a physiologia geral não póde ser estudada em algumas lições e é necessario, é indispensavel mesmo, que seja professada em curso separado da physiologia humana, que por si só tem importancia e interesse de sobra para ser exposto n'um anno, e por um professor, só encarregado de ensinar.
Poder a alongar-me muito n'estas considerações, mas accrescentarei apenas que é aqui que os trabalhos de microscopia, que a todo o medico devem ser familiares, podem ser expostos, e estudados com mais frequencia e nitidez, habilitando o alumno para depois vantajosamente os aproveitar nos estudos da anatomia, pathologia e medicina legal, a que o verdadeiro medico pratico tem de recorrer amiudadas vezes, e sem cujo conhecimento difficilmente poderá caminhar.
Sr. presidente, resta-me dizer algumas palavras para mostrar até á evidencia a necessidade de separar tambem a cadeira de medicina legal da hygiene publica, que igualmente se acham associadas.
A hygiene, que deve ser tão amiga como o homem, e sobre tudo como o homem civilisado, é indispensavel para, pelos seus preceitos, evitar um certo numero de causas de destruição que por toda a parte nos circundam e nos acompanham.
E com effeito os mais antigos legisladores foram tambem mais ou menos hygienistas.
Se elles não tinhem os conhecimentos exactos das causas morbiticas, e da maneira por que os differentes agentes naturaes ou creados pódem influir sobre o nosso organismo, tinham a instituição precisa e a observação quotidiana a mostrar-lhe o caminho a seguir nas circumstancias difficeis em que por vezes se encontravam.
N'um dos livros do Pentatenco, o Levitico, Moysés, o grande legislador do povo hebreu estabelece já preceitos de tal modo salutares, que a sua observação ainda agora póde ser proveitosa.
Foi elle que, instituindo as abluções forçadas, nos mostra já de um medo incontroverso quanto o asseio do corpo e necessario para a saude, sobre tudo nos climas quentes onde o seu povo habitava.
A sequestração ordenada por elle para os doentes de enfermidades contagiosas ou tidas como taes dá-nos a primeira idéa, embora em embrião, da necessidade dos lazaretos e das quarentenas para as pessoas affectadas de molestias communicaveis e graves - medidas que convenientemente aplicadas podem trazer-nos a immunidade com respeito a doenças tão destruidoras como o cholera, e a febre amarela, que são um dos maiores senão o maior flagello das nações que ellas invadem.
A pintura feita n'esta casa, ha poucos dias ainda, por um distincto parlamentar o sr. Fuschini, ácerca dos males que uma epidemia como o cholera origina e da necessidade de a evitar e combater, embora a custo dos maiores esforços e sacrificios, não e nada exagerada, e não tem mesmo as cores sombrias que as gravisimas circumstancias de uma epidemia que se approxima me pareciam dever reclamar.
Pois d'isto tudo se occupa a hygiene publica, e de quanto mais?
Pois não é a hygiene publica que tem a seu cargo a policia geral das cidades, e tudo que respeita ao asseio e limpeza?
A illuminação publica, a vigilancia dos mercados, das casas de venda, e dos generos de consume; o reconhecimento das falsificações dos alimentos e das bebidas; a construcção das ruas; das habitações, dos canos de esgoto, dos estabelecimentos publicos, dos hospicios, das creches, das prisões, dos asylos de alienados, dos hospitaes, e mais ainda, por que muito poderia acrescentar, não são tudo assumptos do dominio da hygiene publica, e sobre que os seus representantes têem de emittir opinião que deve ser sabia e auctorisada?
A hygiene publica, ácerca da qual havia salutares prescripções nos remotos tempos a que me referi, sem comtudo formar um corpo de sciencia; que no tempo dos romanos era por muitos titulos observada, como hoje o attestam ainda as ruinas das suas grandes thermas, principalmente as de Caracalla, e de Agrippa, e as canalisações monumentaes da grande cidade, e que ainda hoje podiam servir de modelo; a hygiene publica esteve depois por muitos seculos, em toda a epocha medieval, no mais deploravel e condemnavel abandono.
Foi durante estes seculos, e talvez por isso mesmo, que as epidemias de peste e outras que se manifestaram no tempo das cruzadas, fizeram na Europa meridional os maiores estragos, e foram a causa determinante ou pelo menos a mais poderosa do estacionamento das populações, estacionamento que depois que a hygiene e rigorosamente observada, se tem converttido em um extraordinario augmento, sobretudo notavel na Belgica, e em outros paizes onde estes preceitos são mais perfeitamente respeitados.
É tambem por isto que na Arabia e na Asia central, onde estas regras se não acatam, que as populações d'esses paizes, onde alguns d'esses paizes, longe de augmentarem, tendem a diminuir.
Lamartine, na sua viagem ao Oriente, dá-nos a narração do que praticavam algumas tribus no logar onde por alguns dias estabeleciam as suas tendas, e insurgindo-se com toda a elevação do seu verbo inspirado contra os habitos anti-hygienicos d'estes povos, faz sentir as deploraveis consequencias da immundicie sobre a salubridade d'aquelles climas.
Kock na sua viagem as margens do Gauges para estudar o cholera, e a sua ethiologia, reconheceu que os costumes asquerosos dos povos que ali habitam, e que chegam a beber as aguas estagnadas, e infectadas até com os proprios dejectos, poderia explicar até certo ponto o desenvolvimento da terrivel epidemia.
E visto que fallei da hygiene applicada as casas de alienados e aos hospitaes, permitta-me v. exa. que me refira em breves palavras a algumas expressões ha poucos dias empregadas no parlamento por dois distinctos oradores.
O sr. Barros Gomes, fallando no estado em que se acha o asaylo de alienados de Rilhafolles, fez sentir as circumstancias deploraveis d'aquelle estabelecimento, circumstancias principalmente devidas a accumulação, e para as quaes já o anno passado o seu director o dr. Thomas de Carvalho havia chamado a attenção dos poderes publicos.
Este estado, que dura ha muito tempo, foi já, um melhoramento, se se compara com a maneira por que estes infelizes se achavam ha mais de trinta annos, no hospital de S. José.

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Ratificando, pois, as asserções de s. exa., credo que é preciso cuidar de vez na sua dispersão, ou para o hospital de alienados ora existente no Porto, ou para oura casa, por modo que a accumulação se não dê, o que é sobretudo perigoso, he a epidemia do cholera nos visitar.
O que é certo é que as idéas de Pinel e de Esquirol, idéas philantropicas que ha muito produziram em França as suas consequencias salutares sobre o tratamento dos alienados, têem custado a implantar-se no nosso paiz, o que principalmente é devido ao pouco que se attende ás mais sãs noções da hygiene publica.
O outro deputado a quem tenho de me referir é um cavalheiro illustradissimo, um espirito gentil e penetrante.
O sr. Simões Dias, referindo-se ás tendas-barracas levantadas na cerca do hospital de S. José, como que censurou a despeza feita com taes obras, desviando-se para isso uns saldos da instrucção secundaria.
Quasi me magoou ouvil-o n'esta parte.
Se s. exa. tivesse, como eu, visto e observado as terriveis consequencias da influencia nosocomial dos hospitaes e da accumulação sobre as doenças zymoticas, e sobretudo nos operados; se s. exa. tivesse visto as erysipelas e as gangrenes, que em taes circumstancias tantas vezes complicam as feridas extensas; se s. exa. soubesse como tal influencia neutralisa e destroe a acção dos desinfectantes, e os esforços do medico; se avaliasse o numero de victimas devidas a estas condições, que só se combatem vantajosamente nos hospitaes barracas; e se s. exa. tivesse noticia dos beneficos resultados de tal systema, ha muito empregado na Allemanha e nos Estados Unidos; estou certo que com o seu espirito generoso teria sido o primeiro a applaudir e votar as despezas feitas com taes casas de tratamento.
Demonstrada a importancia da hygiene publica, terminarei aqui as minhas considerações a tal respeito.
Quatro palavras peço ainda licença para dizer com relação á medicina legal.
A importancia d'esta sciencia é tão grande, a comprehensão de todos os elementos de que se compõe é tão difficil, que mesmo n'um curso annual eu não creio que ella possa ser estudada minuciosamente.
A medicina legal é chamada a representar um papel dos mais elevados na economia social.
A vida e a segurança dos cidadãos estão ás vezes á mercê dos homens que professam esta sciencia, e dos medicos que, chamados a dar a sua opinião como peritos nos corpos de delicto, podem com conhecimentos insufficientes commetter erros gravissimos.
Quantos cidadaos não têem sido injustamente condemnados pela má interpretação dos factos nos exames medicos legaes?
Quantos, por causas analogas não têem escapado a acção da justiça?
Mas tambem a respeito de quantos criminosos não deve a sociedade a sua legitima punição e o descobrimento da sociedade, senão aos processos mais perfeitos dos exames medico-legaes?
Ainda ha pouco conversando com o nosso collega o sr. dr. Alves, nos referimos a um facto de envenenamento praticado ha annos, o crime La Pomerais, que não teria sido reconhecido se as experiencias e os methodos que hoje emprega a medicina legal não tossem tão perfeitos e completes.
Mas n'outra epocha o erro judiciario de Calás, cuja memoria foi rehabilitada por Voltaire, não proveiu evidentemente de se haver confundido um suicidio por enforcamento com um homicidio?
E ainda não ha muitos annos não se levantou uma notavel discussão entre alguns professores da faculdade de medicina e outros da escola de Lisboa, a proposito do processo conhecido pelo nome de processo Joanna Pereira; por existirem duvidas sobre se a morte fôra o resultado de homocidio, se poderia ser devida a um suicidio?
Pois não prova isto por um lado as difficuldades, os embaraços e o muito que é preciso saber de medicina legal para resolver todas as hypotheses que nos factos criminosos se podem apresentar, todas as idéas falsas e simulações até de que se podem reverter?
Se n'aquelle processo a que me estou referindo, quando appareceu o cadaver do individuo que for objecto d'essa momentosa e erudita discussão, se tivesse feito immediatamente a autopsia e o exame medico completo, e não houvesse sido adiado esse trabalho com o pretexto de perigar a saude publica, perigo que realmente não existe quando se tomam todas as precauções que a sciencia aconselha, qualquer que seja o estado de decomposição cadaverica, não se teriam talvez evitado todas, ou uma grande parte das duvidas que depois surgiram, e que se sempre se haviam de erguer no animo dos juizes?
A medicina legal é, portanto, uma sciencia vasta e importantissima, que presta relevantes serviços á sociedade, e que não póde, portanto, continuar a ser menos cuidadosamente estudada deixando de constituir um curso unico e especial.
Taes são, por agora, as modificações que proponho para os cursos das escolas de medicina, e que me parecem satisfazer ás mais instantes necessidades.
A reforma mais completa, aquella que o maior numero de professores e de medicos considera radical, seria a suppressão de um dos tres institutos medicos do paiz e levantar os dois restantes á altura e perfeição do ensino que lá fóra, sobretudo na Allmanha, se dá n'estes estabelecimentos.
O numero das escolas medicas no nosso paiz com relação á sua população, é superior no que se dá n'outras nações e na propria Allemanha, onde o numero d'estes estabelecimentos de ensino se acha na proporção approximada de um para cada 2 000:000 habitantes, ao passo que entre nós ha tres escolas de medicina para pouco mais de 4.000:000.
Por este modo podiam os dois estabelecimentos que ficassem receber importantes dotações, e realisar aperfeiçoamentos no ensino, que hoje só são compensados, com a muita illustração e trabalho dedicado dos professores que, com um zêlo inexcedivel e um vigoroso talento, se desempenham das suas arduas funcções.
Lá fóra gastam-se de centos do contos e milhões ás vezes em levantar salas e edificios completos para institutos de physiologia experimental, de chimica e physica medicas, em hortos botamicos, etc.
Não é muito que entre nós se gastem não tanto, mas alguns contos de réis, em dotar a instrucção superior dos melhoramentos do que carece, mas nem tanto peço a minha proposta e muito mais modesta.
Por isso não entra no meu projecto a idéa de tal suppressão de uma das escolas, ou da faculdade, porque reconheço os atritos que tal medida levantaria, e que sobretudo n'esta occasião, eu tenho por mais conveniente evitar.
Peço, pois, licença para ler os rapidos considerandos que precedem o meu projecto de lei, e esse mesmo projecto, que tenho a honra de enviar para a mesa.
(Leu.)
Requeiro a urgencia para este projecto, e tenho a honra de pedir a commissão ou as commissões que forem encarregadas de dar sobre elle o respectivo parecer, o favor de o examinarem com a maxima brevidade, por modo a poder ser relatado ainda n'esta sessão.
O assumpto parece me realmente importante, e tendo a camara procedido com igual justiça, deferindo um pedido similhante para a escola polytechnica do Porto, não me parece menos regular, nem menos juste que, será perda de

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tempo, elabore parecer com respeito a este meu projecto, parecer que eu espero lhe será favoravel.
A necessidade da reforma proposta não é aqui menos urgentemente reclamada, e a despeza que exige esta utilissima modificação é realmente tão exigua, que eu espero não levantará a sua concessão a menor duvida nos espiritos ainda os mais meticulosos sobre a distribuição dos dinheiros publicos.
Tenho dito.
O sr. Avellar Machado: - Visto que está representado o governo, pedi que entrasse em discussão o projecto n.° 38, pelo qual é approvado o contrato celebrado entre o governo e tres constructores, para o estabelecimento de um molhe na enseada do Funchal.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Santarem, adherindo a uma outra da sociedade agricola do districto d'aquelle nome, pedindo que na approvação do tratado de commercio com a Hespanha se tenham em vista os interesses da agricultura portuguesa, sobretudo pelo que toca ao vinho e ao azeite.
Visto que esta representação está redigida em termos convenientes, e não é muito extensa, peco a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que ella seja publicada no Diario do governo.
Por ultimo mando para a mesa um requerimento de Gonçalo Caldeira, que em 6 de outubro de 1846 era segundo sargento aspirante a official do regimento de infanteria n.° 7, pedindo que lhe seja applicado o disposto na lei de 30 de Janeiro de 1864.
Foi approvado que entrasse em discussão o projecto n.° 38.
O sr. Alfredo Peixoto: - Vejo que não fui bem comprehendido pelo meu illustre collega o sr. Mendes Pedroso.
Eu não disse que para os alumnos da faculdade de medicina eram indispensaveis os elementos da legislação civil, direito publico, direito administrativo portuguez e economia politica.
A hypothese é outra.
A lei de 14 de junho de 1880, em relação ao curso geral dos liceus, começou a vigorar no corrente anno medico.
Foi este o primeiro anno em que se exigiu como preparatorio o exame na cadeira de elementos de legislação civil, direito publico, direito administrativo portuguez e economia politica.
O artigo 37.° da carta de lei de 14 de junho de 1880 diz que o exame n'essa cadeira e preparatorio para a primeira matricula na faculdade de medicina da universidade de Coimbra e para a matricula nas escolas medicas.
Têem-se suscitado duvidas ....
Uns emendem que esse preparatorio é indispensavel; outros, porem, entendem que não ha fundamento legal para se exigir esse preparatorio.
O illustre deputado, que é medico, creio eu, sabe perfeitamente de certo que, tanto na faculdade de medicina da universidade, como nas escolas de Lisboa e Porto, o primeiro anno medico não e o primeiro anno do curso superior.
Na faculdade de medicina da universidade o primeiro anno do curso superior e o quarto da faculdade, e nas escolas de Lisboa e Porto o primeiro anno do curso superior é, creio eu, que o terceiro do curso geral.
Nas escolas de Lisboa o Porto creio que e permittido aos alumnos frequentarem os annos do curso superior com os primeiros annos da escola polytechnica e da academia polytechnica, mas em todo o caso o que não acontece é serem os primeiros annos dos cursos medicos os primeiros annos das escolas medicas.
Se havia rasão, boa ou má, para que não fosse exigido o exame d'esta disciplina aos alumnos que tinham diante de si ainda tres annos para se poderem matricular no primeiro anno medico, essa rasão, que se deu desde 1880 até ao anno lectivo actual, subsiste ainda para que não sejam obrigados a tal exame os alumnos que estão já quasi no meio da sua carreira medica ....
Se para o alumno que vae começar o curso de direito é indispensavel este preparatorio, não o ha de ser para o alumno que vae entrar no primeiro anno do curso superior de medicina, e que; tem já nada mais e nada menos do que o primeiro anno da faculdade de mathematica e quatro annos da faculdade de philosophia.
São esses, os que se prendem mais com a letra da lei, que pedem para serem dispensados d'este preparatorio, o foi para os satisfazer que eu redigi um parecer, que esta correndo, para ser examinado e assignado pelos membros da commissão de instrução superior.
Terminando, devo dizer, como protesto, que estou muito longe de pensar como o sr. Mendes Pedroso, quanto a supprimir-se qualquer das escolas do medicina do paiz.
Em logar de querer reduzir as tres escolas de medicina, queria-as todas tres, com igual categoria, com iguaes direitos, com iguaes honras e com iguaes proveitos.
Declare que, para mim, e indispensavel a existencia das tres escolas.
(O sr. deputado não reviu as notas tetchygraphicas, e ha lacunas nos seus discursos, não podendo por vezes ser ouvido.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 38.
Este projecto entra em discussão sem prejuizo da ordem do dia.
Leu-se na mesa o projecto.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 38

Senhores. - Á vossa commissão de obras publicas foi presente o contrato provisorio celebrado em 9 de março do corrente anno entre o governo e Frederico Combemale, Jules Michelou e Arthur Maury para a construcção de um molhe entre a Pontinha e o Ilheu, na enseada do Funchal, formando uma doca de abrigo para os navios que demandarem aquelle porto.
A proposta de lei que auctorisava o governo a adjudicar, precedendo concurso publico, as obras do porto artificial do Funchal, em harmonia com o projecto de 22 de fevereiro de 1884, approvado em 31 do mesmo anno pela junta consultiva de obra publicas, foi votado unanimemente pela camara dos senhores deputados na sessão de 17 de maio.
Passando á camara dos dignos pares do reino teve ali parecer favoravel das commissões a cujo exame foi sujeito, e entrou mesmo em discussão, não tendo recaido sobre elle votação por falta de tempo.
N'estas circumstancias, e attendendo aos clamores instantes e perfeitamente justificados dos povos do archipelago da Madeira, entendeu o governo dever aproveitar o tempo do interregno parlamentar abrindo concurso para a execução de tão importante obra, em harmonia com os pianos approvados, e tomando para base o respectivo orçamento, ficando dependente das cortes a approvação do contrato definitivo que se viesse a celebrar.
No concurso aberto nas devidas condições, e com as clausulas costumadas em obras d'esta natureza, appareceu apenas uma proposta, que achando-se completamente em harmonia com as bases do mesmo concurso, foi acceita pelo governo, que celebrou com os proponentes o contrato provisorio sujeito a deliberação do parlamento.
A vossa commissão, verificando que n'este contrato se acham devidamente acautelados os interesses da fazenda, que e vantajoso para o estado, completamente em harmonia com a proposta do lei já votada na ultima legislatura, e que para os encargos que d'ella provem se acha já consignada verba no orçamento e de parecer que merece ser approvado o seguinte projecto de lei;

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SESSÃO DE 26 DE MAIO DE 1885 1789

Artigo 1.° É approvado para ser convertido em definitivo, o contrato provisorio celebrado em 9 de março de 1885 entre o governo e Frederic Combemale, Jules Michelou e Arthur Maury, para a construcção de um molhe entre a Pontinha e o Ilhéu, na enseada do Funchal, formando uma pequena doca de abrigo ou porto artificial de area restricta, o qual contrato faz parte da presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, 8 de abril de 1885. = Sanches de Castro = Antonio José d'Avila = J. A. Correia de Barros = Pereira dos Santos = Almeida Pinheiro = Lourenço Malheiro = Antonio Augusta de Sousa e Silva = Augusta Poppe = J. P. Avellar Machado, relator.

Na parte em que é chamada a emittir a sua opinião, a vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da illustre commissão de obras publicas.
Sala das sessões, 17 de abril de 1885.= Pedro Augusto de Carvalho = Franco Castello Branco = João Marcellino Arroyo = Moraes Carvalho = A. C. Ferreira de Mesquita = Antonio M. P. Carrilho = L. Cordeiro = Marçal Pacheco = Manuel d'Assumpção = Pinto de Magalhães = Correia Barata = Pedro Roberto Dias da Silva = Augusto Poppe, relator.

N.° 23-A

Senhores. - Na sessão da camara dos senhores deputados de 17 de maio de 1884 foi approvada uma proposta de lei, pela qual ficava o governo auctorisado a adjudicar, precedendo concurso publico, as obras do porto do Funchal, segundo o projecto datado de 22 de fevereiro d'aquelle mesmo anno, apoiado pelo parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, dado em consulta de 31 de março.
Esse projecto consistia na construcção de um molhe entre a Pontinha e o Ilhéu na enseada do Funchal, formando uma pequena doca de abrigo ou porto artificial de area restricta.
A proposição de lei, que passára para a camara dos dignos pares, não chegou, por falta do tempo, a ser ali discutida.
Ficou, pois, o governo privado de auctorisação legal para levar a effeito tal melhoramento, ao passo que os interesses da navegação e do commercio da ilha da Madeira, ameaçados por temida concorrencia, reclamavam instantemente a realisação d'aquellas obras.
N'estas circumstancias, a providencia que mais efficaz se antolhava, dentro das faculdades constitucionaes do poder executivo, era a de aproveitar para o praso do concurso, que não devia ser inferior a noventa dias, o tempo que tinha de decorrer até que o assumpto podesse ser novamente tratado em côrtes; celebrando-se, quando o resultado do concurso o permittisse, um contrato provisorio, que seria logo submettido á approvação do parlamento.
Tal foi a medida adoptada pelo governo, em conformidade com o artigo 64.° do regulamento geral de contabilidade publica, no decreto de 20 de novembro ultimo, que poz em hasta publica a empreitada d'aquellas obras, com as condições que fazem parte do mesmo decreto, entre as quaes se lê a de ficar o contrato que se fizesse dependente da confirmação legislativa.
O concurso deu uma proposta que o governo julgou acceitavel, celebrando com os proponentes o contrato provisorio de 9 do corrente mez, para o qual tem a honra de pedir a vossa approvação na seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado, para ser convertido em definitivo, o contrato provisorio celebrado em 9 de março de 1885, entre o governo e Frederic Combemale, Jules Michelon e Arthur Maury, para a construcção de um molhe entre a Pontinha e o Ilhéu na enseada do Funchal, formando uma pequena doca de abrigo ou porto artificial de area restricta, o qual contrato faz parte da presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 14 de março de 1885.= Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Termo do contrato provisorio para a construcção de uma doca de abrigo na enseada do Funchal

No dia 9 de março de 1885, no ministerio das obras publicas, commercio e industria, e gabinete do ministro, aonde vim eu Viriato Luiz Nogueira, secretario do mesmo ministerio, ahi se achavam presentes: de uma parte o illmo. e exma. sr. conselheiro d'estado Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, presidente do conselho de ministros, ministro e secretario d'estado dos negocios da guerra, interinamente encarregado dos negocios das obras publicas, commercio e industria; primeiro outorgante em nome do governo; e da outra parte, como segundos outorgantes, os srs. Frederic Combemale, Jules Michelon e Arthur Maury, assistindo tambem a este acto o exmo. sr. conselheiro d'estado João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, procurador geral da corôa e fazenda; e por elle exmo. ministro foi dito, na minha presença e na das testemunhas ao diante nomeadas, que, tendo o governo de Sua Magestade resolvido que fosse adjudicada a elles segundos outorgantes a empreitada geral da construcção de um molhe entre a Pontinha e o Ilhéu na enseada do Funchal, formando uma pequena doca de abrigo ou porto artificial de area restricta, pela somma total de 449:550$000 réis por elles offerecida no concurso que se effectuára n'este ministerio no dia 20 de fevereiro ultimo, nos termos do decreto de 20 de novembro de 1884 e das condições que o acompanham; tinha por isso elle exmo. ministro resolvido celebrar com os segundos outorgantes, nos termos do citado decreto e condições, o presente contrato, o qual, na conformidade do artigo 15.° d'esse decreto, é considerado provisorio e dependente da approvação do poder legislativo. E por elles segundos outorgantes foi dito que acceitavam este contrato com aquella natureza de provisorio e nos termos que ficam, indicados; declarando todos que se obrigavam a cumprir fielmente todas as condições d'este contrato, que são as seguintes:

CONDIÇÕES PARA A CONSTRUCÇÃO DE UM MOLHE ENTRE A PONTINHA E O ILHÉU NA ENSEADA DO FUNCHAL

FORMANDO UMA PEQUENA DOCA DE ABRIGO OU PORTO ARTIFICIAL DE ÁREA RESTRICTA

CAPITULO I

Indicações geraes - Systema de construcção

ARTIGO 1.º

Obras a construir

As obras a construir são um molhe ou quebramar entre a Pontinha e o Ilhéu com um caes do lado interior.

ARTIGO 2.º

Traçado em planta do molhe

O molhe será traçado segundo os desenhos do projecto definitivo, que os empreiteiros devem apresentar, depois de approvados pelas estações competentes.

ARTIGO 3.º

Systema de construcção

O systema que deverá ser adoptado na construcção do molho será o do chamado typo francez, de que, entre outros, são exemplares os molhes de Marselha, e consiste no emprego de enrocamentos de pedras naturaes de differentes categorias, defendidas da acção das vagas por blocos artificiaes de grande volume, que occuparão a zona de maior agitação das aguas, comprehendida entre o nivel de baixamar de aguas vivas e o plane que esta de 8 a 10 metros abaixo.
A face interna do molhe será constituida por uma muralha vertical construida com blocos artificiaes e coroada

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por um muro de caes que sustentará um pavimento de 5m,20 de largura proximamente, que assim ficam abordavel aos navios de maior lotação.
O pavimento d'este caes será protegido do lado exterior do porto por um muro de abrigo de 5m, 6 de altura sobre o mesmo pavimento, proximamente, tendo na parte superior um outro pavimento guarnecido de um parapeito tambem do lado exterior, tendo-se em vista o typo geral do perfil transversal do molhe representado pela figura 2 do projecto datado de 22 de fevereiro de 1884.
As disposições e volume dos enrocamentos, fórma dos taludes, perfis dos muros de abrigo e de caes serão conforme os desenhos do projecto definitivo dos empreiteiros depois de approvado ou modificado pelas estações competentes.

CAPITULO II

Proveniencia e qualidade dos materiaes

ARTIGO 4.°

As terras que os empreiteiros precisarem para estabelecer os caminhos de serviço, estaleiros e officinas de construcção poderão ser axtrahidas na localidade que os mesmos empreiteiros julgarem mais conveniente, indemnisando, em conformidade das leis em vigor, os proprietarios dos terrenos.

ARTIGO 5.°

Madeiras

As madeiras de que os empreiteiros carecerem para a ponte de serviço ou para outras obras provisorias poderão vir da localidade que mais lhes convenha, comtanto que satisfaçam as precisas condições de segurança, segundo os diversos fins a que se destinam com approvação do fiscal do governo.

AETIGO 6.º

Enrocamento, pedra de alvenaria e cantaria

A pedra natural para os enrocamentos da infrastructura poderá ser explorada nas pedreiras que os empreiteiros escolherem e indicarem no projecto definitivo que são obrigados a apresentar, ou em outras de não inferior qualidade, ficando em todo o caso a seu cargo o pagamento das expropriações e indemnisações aos proprietarios dos terrenos conforme as leis em vigor.
§ 1.° Todas as pedras serão duras e isentas de fendas ou lezins que possam fazer receiar a fractura e divisão das pedras na occasião da descarga ou depois d'ella.
§ 2.° Os empreiteiros poderão empregar nos differentes trabalhos do molhe o systema de construcção que mais conveniente julgarem, se previamente tiver sido approvado pelo governo, conservando, porém, toda a responsabilidade pela boa execução dos mesmos trabalhos.

ARTIGO 7.°

Pedra britada para beton

A pedra para britar sem extrahida pelos empreiteiros do local que melhor lhes convier, com previa approvação do engenheiro fiscal, devendo ser dura, aspera e limpa de materias terrosas.
§ unico. O britamento deverá ser feito de modo que cada pedra possa passar em todos os sentidos em um annel de 0m,06 de diametro e não passe em um annel de 0m,02.

ARTIGO 8.º

Areia

A areia para argamassa será explorada nas praias do litoral do sul da ilha da Madeira. Deverá ser pura e limpa de materias terrosas, de grão duro, devendo ter a grossura propria ao fim a que for destinada.
§ unico. Acontecendo haver difficuldade em obter a quantidade de areia necessaria das praias da ilha da Madeira, poderão os emprezarios empregar areia da ilha do Porto Santo, se esta areia for approvada pelo engenheiro fiscal.

ARTIGO 9.°

Cimento de Portland

O cimento de Portland poderá ser da melhor qualidade e o seu peso por metro cubico estar comprehendido entre os limites de 1:350 a 1:400 kilogrammas. Não deve ter granulações que se elevem a mais de 20 por cento do seu peso total quando passado por peneiro ou crivo de 961 malhas por centimetro quadrado. Se os residuos excederem este limite, juntar-se-ha uma quantidade de cimento proporcional á differença verificada.
§ 1.° O cimento será guardado na localidade dos trabalhos, em armazens bem seccos, construidos pelos empreiteiros para esse fim, com todas as divisões e accommodações necessarias para se extrahirem facilmente amostras para as experiencias que se julgarem convenientes para verificar a qualidade dos differentes lotes.
§ 2.° Não se applicará cimento algum no fabrico das argamassas sem ser previamente experimentado e o seu uso auctorisado pelos agentes do governo.
§ 3.º O cimento geralmente empregado será o de presa lenta, considerando-se o de presa rapida aquelle que, amassado com agua do mar e exposto a uma temperatura não superior a 15°, supportar sem depressão no fim de meia hora de immersão uma agulha de cabeça quadrada de 1 millimetro de lado e de um peso total de 300 grammas.
O cimento de presa rapida só será admittido para proteger provisoriamente as obras construidas com o cimento de presa lenta.
§ 4.º O cimento será experimentado puro ou misturado com areia:
1.° A areia empregada nas experiencias deve ser quanto possivel quartzosa, tendo passado por um crivo de 81 malhas e não podendo passar por outro de 199 malhas por centimetro quadrado;
2.° O cimento será bem misturado a secco com a areia, juntando-se-lhe depois 10 por cento do seu peso de agua do mar, e fazendo-se os tijolos a experimentar em moldes, devendo apresentar na secção mais fraca 6,45 centimetros quadrados de superficie.
3.° Os tijolos serão conservados em uma atmosphera humida durante vinte e quatro horas e depois mergulhados em agua até ao momento em que for experimentada a sua resistencia a ruptura por tracção. As experiencias serão feitas pelos agentes do governo e por meio de apparelhos que lhes pertençam, prestando os empreiteiros gratuitamente todo o auxilio que lhes for requisitado.
4.° No estado de puro, o cimento que, immerso em agua salgada, fizer presa em menos de duas horas deve resistir sem se romper a um peso de 10 kilogrammas por centimetro quadrado, e se não fizer presa senão de duas a cinco horas, a um peso de 12 kilogrammas por centimetro quadrado.
Depois de sete dias de fabrico e seis de immersão o cimento puro deve supportar 39 kilogrammas por centimetro quadrado.
Misturado com areia, na proporção de um de cimento por tres de areia, deve supportar, depois de vinte e oito dias de fabrico e vinte e sete de immersão, 10 kilogrammas por centimetro quadrado.
5.° O cimento que não satisfizer ás condições acima referidas será rejeitado, e os empreiteiros obrigados a removel-o dos armazens proximos das localidades das obras, nas quaes sómente se deve conservar os que estiverem nas condições estabelecidas, e se os empreiteiros não fizerem opportunamente a remoção, o engenheiro fiscal a mandará effectuar a custa dos empreiteiros.
§ 5.° As experiencias poderão ser repetidas tantas vezes quantas o engenheiro fical julgar conveniente, sendo todas as despezas por conta dos empreiteiros, com excepção dos apparelhos de verificação, que são fornecidos pelo governo.

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ARTIGO 10.º

Cal

A cal empregada deverá ser pura e homogenea, podendo ser fabricada com a pedra calcarea da ilha do Porto Santo.
O modo de extincção será o conhecido pelo nome de extincção por immersão, que se deverá praticar regando a cal viva disposta em camadas de 0m,15 de espessura. Logo depois de regada será arrumada em pilhas, a fim de se facilitar a sua reducção a pó, estado no qual não deverá reter mais de 20 por 100 de seu peso de agua.
Os empreiteiros deverão conservar a cal em pó convenientemente abrigada em telheiros. Quando o emprego da cal tiver de ser demorado deverá ser coberta com lonas ou esteiras. Poderá tambem praticar-se o processo de immersão mergulhando em agua, durante alguns segundos, a cal viva encerrada em cestos de arame de ferro, lançando a depois em barricas ou paioes para ali se reduzir a pó.

CAPITULO III

Modo de execução das obras

ARTIGO 11.º

Terraplenagens, caminhos de serviço das pedreiras, officinas e estaleiros

As terraplenagens que os empreiteiros executarem para organisar os seus estaleiros e officinas de construcção e para estabelecer os caminhos de serviço das pedreiras, serão feitas com regularidade e solidez, especialmente quando possam ser utilmente aproveitados para a ulterior conservação e exploração das obras do porto.
§ 1.° O governo entregará aos empreiteiros para o estabelecimento dos estaleiros e officinas, emquanto durarem as obras do porto, os terrenos occupados pela praça da Rainha, bateria das Fontes e forte da Pontinha.
§ 2.° Os estaleiros, pedreiros, officinas de construcção e caminhos de serviço, e o respectivo material fixo e circulante, ficarão sendo propriedade do estado.
§ 3.° Fica a cargo dos empreiteiros o pagamento das expropriações e indemnisações, em harmonia com as leis em vigor, relativas á construcção das vias de communicação com as pedreiras, cujo traçado e escolha fica ao arbitrio dos empreiteiros, devendo fazer parte do projecto definitivo que têem de apresentar.

ARTIGO 12.º

Transporte e descarga dos enrocamentos

Os enrocamentos de diversas categorias e os blocos artificiaes serão transportados em caminhos e pontes de serviço ou embarcações, e descarregados por meio de apparelhos fixos ou fluctuantes, comtanto que se realise a collocação dos enrocamentos e blocos conforme os perfis do projecto definitivo e approvado pelas estações competentes.
§ l.° Se os empreiteiros o julgarem conveniente ou se o engenheiro fiscal o exigir, preteger-se-hão os enrocamentos em construcção, cobrindo-os temporariamente com enrocamentos de maior dimensão ou com blocos que depois serão removidos.
§ 2.° Os empreiteiros farão collocar todas as balizas e boias que os agentes do governo julgarem precisas para indicar as posições e limites dos enrocamentos de diversas categorias e dos blocos artificiaes, tomando as precauções necessarias para que estas marcas se não desloquem.
§ 3.° Os materiaes que por qualquer causa ficarem fóra das posições indicadas nos perfis approvados ou d'ellas forem deslocados, serão removidos por conta dos empreiteiros conforme as indicações do engenheiro fiscal.
§ 4.° As pedras naturaes ou os blocos que se fraccionarem, alterando assim as condições adoptadas, serão igualmente removidos pelos empreiteiros, segundo as indicações do engenheiro fiscal,
§ 5.° As pontes de serviço, barcaças e em geral todo o material fixo e circulante para a exploração das pedreiras, conducção e descarga dos enrocameutos, será fornecido pelos empreiteiros, devendo satisfazer convenientemente e com segurança ao fim a que é destinado, devendo os respectivos projectos ser previamente submettidos á approvação do governo.
§ 6.° Os empreiteiros são obrigados a prestar com a maior promptidão todos os esclarecimentos que ácerca da natureza dos materiaes e do seu emprego forem exigidos pelo engenheiro fiscal, devendo igualmente os mesmos empreiteiros acceitar e cumprir exactamente todas as indicações que em harmonia com estas prescripções lhes forem feitas pelo fiscal do governo.

ARTIGO 13.º

Fabrico das argamussas

As argamassas tanto ordinarias como de cimento de Portland terão as dozagens indicadas no projecto definitivo, devendo ser fabricadas pelos processes mais perfeitos nos apparelhos mais aperfeiçoados.
§ 1.° O engenheiro fiscal poderá exigir a substituição dos processos de fabrico se assim o entender conveniente, e no caso em que as experiencias locaes mostrem que os processos e apparelhos usados pelos empreiteiros não dão resultado satisfactorio, ou em harmonia com os outros processos conhecidos.
§ 2.° Todas as argamaesas serão empregadas antes de terem feito presa.
As que endurecerem antes, serão rejeitadas e sem demora removidas da localidade do fabrico á custa dos empreiteiros.

ARTIGO 14.º

Fabrico de beton

A mistura da brita e da argamassa de cimento de Portland far-se-ha nos apparelhos modernamente usados e approvados pelo engenheiro fiscal, e segundo as dozagens indicadas no projecto definitivo.
S unico. São applicaveis ao fabrico do beton as disposições dos §§ 1.° e 2.° do artigo antecedente.

ARTIGO 15.º

Construcção de blocos artificiaes

Os biocos serão fabricados com beton em moldes, de modo que fiquem com as dimensões adoptadas no projecto definitivo, devendo ter as ranhuras e cavidades precisas para alojar os ferros e cavilhas de suspensão, segundo o systema que tenha sido indicado no projecto definitivo.
§ 1.° Os blocos só serão separados das caixas moldes quando tiverem a consistencia necessaria que impeça a sua deformação.
§ 2.° Os blocos deverão permanecer, por via de regra, sessenta dias no estaleiro, e não poderão ser empregados sem que o engenheiro fiscal tenha reconhecido que elles adquiriram a dureza precisa para serem transportados e descarregados.

ARTIGO 16.º

Construcção do muro de abrigo

A construcção do muro de abrigo só será começada quando os enrocamentos de infrastructura tenham adquirido pelo recalque o sufficiente grau de estabilidade.
§ unico. O muro de abrigo será construido com as dimensões e fórmas indicadas nos perfis do projecto definitivo dos empreiteiros, depois de approvado.

ARTIGO 17.º

Construcção do muro vertical de blocos artificiaes e do muro do caes que o sobrepuja na parte interior do molhe

A construcção do muro vertical de blocos artificiaes que limita o molhe do lado interior deve acompanhar a descarga dos enrocamentos, de modo que a construcção geral

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do molhe se execute por camadas horisontaes em toda a sua extensão.
§ 1.° Este processo de construcção deve requerer tanto maior cautela quanto seriam para temer os effeitos da estrangulação da vaga durante a construcção do molhe entre a extremidade da parte construida e qualquer dos flancos occupados pelas rochas da Pontinha ou do Ilhéu.
§ 2.° O muro do caes será construido conforme o perfil que for approvado no projecto definitivo, sendo a parte vista de cantaria apparelhada.

AETIGO 18.º

Disposições geraes applicaveis a todas as obras

Os empreiteiros serão obrigados a fazer o fornecimento de materiaes em tempo opportuno para que os agentes do governo possam fazer os exames e experiencias necessarias sem que o andamento dos trabalhos fique prejudicado.
§ 1.° Os materiaes refugados serão removidos para longe do local da obra por conta dos empreiteiros dentro do praso fixado pelo engenheiro fiscal, e que em geral não deverá exceder de vinte e quatro horas.
§ 2.° Se os empreiteiros não effectuarem esta remoção opportunamente, o engenheiro fiscal mandará effectual-a pelo modo que lhe parecer mais conveniente, a custa dos empreiteiros.
§ 3.° Os empreiteiros serão multados na quantia de réis 10$000 por cada vez que deixem de cumprir as indicações do engenheiro fiscal nos prasos que lhes forem indicados, salvo no caso de força maior.

ARTIGO 19°

Avarias

Os empreiteiros tomarão todas as precauções necessarias para evitar avarias de qualquer especie nas obras, não tendo alias direito a indemnisação alguma, nem se admittindo casos de força maior, salvo o caso previsto no § unico do artigo 26.°

CAPITULO IV

Modo de avaliar as obras e pagamentos

ARTIGO 20.º

Plano de comparação

As cotas serão calculadas em relação a um plano de comparação, passando pelo zero hydrographico.
§ unico. O nivel medio das aguas do Oceano suppõe-se estar 1m,48 acima do zero hydrographico e será marcado em differentes pontos na localidade das obras.

ARTIGO 21.º

Avaliação das enrocamentos de differentes categorias durante a execução das obras

Os enrocamentos de diversas categorias serão avaliados no decurso do trabalho ao metro cubico compacto, tomando-se conta dos pesos das pedras de cada categoria expressas em kilogrammas, dividindo-os pelo peso do metro cubico determinado de antemão por experiencias rigorosas.
§ 1.° As balanças para as pesagens serão fornecidas pelos empreiteiros, e verificadas pelo fiscal do governo, que poderá exigir a sua substituição se o entender conveniente.
§ 2.° As pesagens serão feitas tantas vezes quantas for, pelo engenheiro fiscal, julgado conveniente, procedendo se em caso de duvida ás medições de volume que se julgarem necessarias, de modo que se realisem as condições do peso minimo e medio adoptadas no projecto definitivo para as pedras de cada categoria.
§ 3.° O peso medio dos enrocamentos transportados em barcaças será sempre avaliado por meio de tubos com escalas collocadas em cada embarcação, indicando o peso das cargas segundo o grau do calado de cada embarcação.
§ 4.° As pesadas das balanças ou as cargas das embarcações em que, por negligencia dos empreiteiros, forem misturadas pedras de diversas categorias, considerar-se-hão como pertencendo á categoria das pedras de menor peso.
§ 5.° Logo que os enrocamentos tiverem adquirido perfis regulares, far-se-hão medições rigorosas, deduzindo-se nos volumes calculados as fracções que representam os vasios, e que devem ser indicadas no projecto definitivo.
§ 6.° Os empreiteiros cumprirão todas as indicações do engenheiro fiscal, prestando todo o auxilio de que este carecer, quer para fazer as pesadas, quer para se executarem as medições, sondagens e nivelamentos, etc., devendo assistir a estas operações ou fazer se representar por delegado seu.
§ 7.° Os blocos artificiaes serão verificados um por um, devendo ter as dimensões marcadas no projecto definitivo.
§ 8.° Não serão avaliados os enrocamentos ou os blocos que estiverem fóra das posições indicadas nos perfis, nem os blocos que se tiverem fracturado, sendo os empreiteiros obrigados a removel os se o engenheiro fiscal o julgar conveniente.

ARTIGO 22.º

Avaliação do paramento interior do molhe, muro de caes e muro de abrigo

Estas obras serão avaliadas pelos processes ordinarios, devendo realisar exactamente as dimensões e disposições dos perfis do projecto definitivo.
§ unico. Os empreiteiros serão obrigados a reparar qualquer avaria que occorra durante a construcção, seja qual for a sua causa, sem que tenham direito a indemnisação alguma, salvo o caso previsto no § unico do artigo 26.°

ARTIGO 23.º

Avaliação das obras auxiliares de construcção dos molhes, expropriações, indemnisações, etc.

Os caminhos, pontes de serviço e em geral as obras auxiliares da construcção dos molhes serão avaliadas pelo engenheiro fiscal e seus delegados, procedendo ás medições necessarias e examinando os documentos de despeza quer os empreiteiros deverão apresentar, fornecendo igualmente todos os esclarecimentos que lhes forem exigidos.
§ unico. As expropriações e indemnisações serão avaliadas em vista dos respectivos documentos de despezas e processos respectivos segundo as leis em vigor.

ARTIGO 24.º

Avaliação definitiva para ajuste de contas da empreitada

A avaliação definitiva para o ajuste de contas da empreitada depois da conclusão da obra, far-se-ha por meio de medições referidas ao plano de comparação indicado no artigo 20.°
§ unico. Verificando-se que as obras estão executadas segundo as condições do projecto, os empreiteiros terão direito a receber o valor contratado com a deducção indicada no artigo 25.°, a qual ficará retida até ao fim do praso de garantia.

ARTIGO 25.º

Pagamentos

Os pagamentos serão regulados pelas disposições dos artigos 21.° a 24.º d'este capitulo, e pelas clausulas e condições geraes para arrematações de empreitadas de 8 de março de 1861, que assim ficam fazendo parte integrante d'estas condições.

ARTIGO 26.º

Praso de garantia

É fixado em tres annos o praso de garantia contado depois do dia da recepção provisoria. Se antes de terminado este praso se manifestar ruina em qualquer parte da construcção, terá o governo direito de mandar proceder as necessarias reparações por conta do deposito definitivo e do valor dos decimos retidos.

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§ unico. Exceptua-se o caso de ruina causada em qualquer parte da obra por effeito de operação de guerra.

ARTIGO 27.º

As expropriações indicadas no artigo 23.º d'estas condições serão feitas e pagas pelos empreiteiros, ficando os respectivos predios propriedade do estado.
As indemnisações, devidas pela occupação provisoria de quaesquer terrenos ficam tambem a cargo dos empreiteiros.

ARTIGO 28.º

Os empreiteiros obrigam-se a tomar sob sua responsabilidade todas as medidas de precaução, de ordem e de segurança proprias para evitar accidentes, tanto com relação aos seus operarios como ao publico, e conformar se-hão com as disposições das leis e regulamentos em vigor, e com as instrucções que o engenheiro do governo lhes der a este respeito.
§ unico. Todas as despezas de guardas illuminação e quaesquer outras precisas para a completa execução do disposto n'este artigo ficarão a cargo dos empreiteiros.

ARTIGO 29.º

Os trabalhos preliminares para construcção do molhe entre a Pontinha e o Ilhéu (estabelecimento de officinas, construcção de vias de communicação com as pedreiras, transporte e installação de apparelhos diversos) deverão começar dentro do praso de tres mezes, a contar da data da assignatura do contrato da empreitada. Os trabalhos de construcção propriamente dita deverão começar dentro do praso de um anno a contar da data da assignatura do contrato de empreitada, e deverão estar concluidos no praso de quatro annos a contar da mesma data.
§ 1.° Se os trabalhos preliminares ou de construcção não começarem nos prasos acima indicados perderão os empreiteiros o deposito que tiverem effectuado e será rescindido o contrato.
§ 2.° O praso de execução das obras poderá ser prorogado a requerimento dos empreiteiros ou por indicação do engenheiro fiscal se for reconhecida a necessidade de esperar que os enrocamentos tenham adquirido maior grau de estabilidade para se ultimar a obra.
§ 3.° Não se dando o caso previsto no § 2.° d'este artigo e não estando os trabalhos concluidos no praso marcado, pagarão os empreiteiros pela móra de cada mez a multa de 1:000$000 réis.

ARTIGO 30.º

O deposito provisorio de 9:000$000 réis effectuado pelos empreiteiros, a ordem do governo, na caixa geral de depositos, servirá de caução a este contrato provisorio, o qual fica dependente da approvação do poder legislativo.

ARTIGO 31.º

Obtida a approvação do poder legislativo e dentro de quinze dias, contados da publicação da respectiva lei no Diario do governo, se apresentarão os empreiteiros n'este ministerio das obras publicas, commercio e industria, a fim de assignarem o contrato definitivo; devendo previamente elevar o deposito a 5 por cento do prego total indicado na sua proposta, a que este contrato se refere; preço que á de 449:550$000 réis, como acima fica dito. Este deposito poderá ser feito em dinheiro ou em titulos de divida publica portugueza, segundo o seu valor no mercado, e ficará, á ordem do governo, servindo de caução ao contrato definitivo.

ARTIGO 32.º

Se os empreiteiros não satisfizerem ao disposto no artigo antecedente, perderão para o estado o deposito effectuado.
E com as condições acima exaradas deram os outorgantes por feito e concluido o presente termo de contrato, ao qual assistiram como testemunhas presentes o segundo official da repartição central d'este ministerio Francisco José Guedes Vilheças de Quinhones e o amanuense da mesma repartição Luiz Antonio Namorado. -E eu, Viriato Luiz Nogueira, secretario do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em firmeza, de tudo e para constar aonde convier, fiz escrever, rubriquei e vou subscrever o presente termo de contrato, que vão assignar commigo os outorgantes e mais pessoas já nomeadas, depois de lhes ter sido por mim lido. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = F. Combemale = J. Michelon = A. Maury. = Fui presente, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Francisco José Guedes Vilheças de Quinhones = Luiz Antonio Namorado = Viriato Luiz Nogueira.
Acham-se devidamente inutilisadas n'este logar duas estampilhas do imposto do sêllo no valor total de 2$400 réis.
O sr. Elvino de Brito: - Declarou que não combatia o projecto, porque desconhecesse a importancia do melhoramento a que elle se refere, ou porque desejasse ser menos agradavel aos illustres deputados que tão solicitamente o promovem.
Sentimentos de outra ordem o obrigam a combatel-o, e mais pela fórma por que o governo o pretende fazer votar do que pela idéa que elle traduz.
O anno passado, o sr. ministro das obras publicas apresentára uma proposta de lei auctorisando o governo a adjudicar, precedendo concurso publico, as obras do porto artificial do Funchal.
Esta proposta, porém, não chegou a ser discutida e votada na outra casa do parlamento, e tanto bastaria para que o governo, respeitando, como deve, as prerogativas parlamentares, renovasse na presente sessão a iniciativa da referida proposta, armando-se por esta fórma com a faculdade precisa para poder, em harmonia com a lei e regulamento da contabilidade publica, realisar o concurso e promover a doca de abrigo ou porto artificial, que se projecta construir na enseada do Funchal.
Fôra isso mais regular e mais coherente, independentemente da questão da legalidade.
O assumpto é importante, porque a despeza minima que ha a fazer-se com a projectada obra ascenderá a réis 450:000$000; e todavia o governo não apresenta nenhum plano financeiro que o habilite com recursos precisos para fazer face áquella despeza.
O orador fez ainda outras considerações, e como desse a hora para se entrar na ordem do dia pediu para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.
(O discurso do sr. deputado será publicada na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Eu já tinha dito que a discussão d'este projecto não prejudicava a ordem do dia.
Eu não desejava interromper o sr. deputado para lhe pedir que ficasse com a palavra reservada, mas, em vista do pedido que me faz, fica s. exa. com a palavra reservada para outra sessão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 86

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Desejava dar uma explicação ao illustre deputado o sr. Eduardo José Coelho e responder em brevissimas palavras ás considerações hontem aqui proferidas pelo sr. Consiglieri Pedroso.
Ainda que não vejo presente o sr. deputado Eduardo José Coelho, no entretanto posso facilmente referir-me ao assumpto de que vou occupar-me em resposta a s. exa. e que envolve uma explicação da minha parte, visto que ella nada tem com a natureza das apreciações por s. exa. feitas ácerca d'este projecto e tão sómente com um acto do governo.

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O illustre deputado censurou aqui por mais de uma vez que se não tivesse publicado o regulamento para a execução da lei de sêllo de 1880, e a este respeito foi tão longe na sua censura, que quasi me julga incriminado na disposição de um preceito da carta constitucional em que torna os ministros responsaveis pelo não cumprimento das leis.
Direi, não s. exa., porque o não vejo presente, mas á camara, que a lei de 1880 entrou para logo em execução relativamente ás disposições que não precisavam de regulamento especial, e está em execução uma grande parte; havia, porém, preceitos perfeitamente novos, difficeis mesmo de regulamentar e foram esses os que demoraram a elaboração do regulamento.
Esse regulamento foi confiado a um distinctissimo funccionario do meu ministerio, que tambem não está presente, o sr. Luciano de Castro, que dedicou toda a sua attenção e todo o seu cuidado á redacção definitiva d'este regulamento.
Só ha pouco é que me foi apresentado por s. exa. Como eu tinha então apresentado ao parlamento uma proposta de lei remodelando a legislação do sêllo com alguns preceito novos, pareceu-me mais conveniente sobreestar na publicação d'aquelle regulamento até que o parlamento se pronunciasse sobre esta proposta, que actualmente estamos discutindo, para que definitivamente se podesse confeccionar
e publicar um regulamento que abrangesse todas as disposições ácerca do imposto.
Se este projecto merecer a approvação do parlamento, será regulamentado juntamente com as disposições novas á lei de 1880; de contrario adoptarei o regulamento cuja elaboração foi confiada e ultimada pelo sr. conselheiro José Luciano de Castro.
Dadas estas explicações á camara, passarei a responder breves palavras ao sr. Consiglieri Pedroso.
S. exa. estranhou que se tivesse anteposto a discussão d'esta proposta, de lei a outras, que a s. exa. parecia mais acceitaveis, por parte mesmo da opposição parlamentar, que eram as propostas de lei relativas á caixa de aposentações e á caixa economica.
Sr. presidente, a rasão por que eu desejava e desejo que esta proposta de lei fosse primeiramente discutida, é porque a reputo mais importante, sob o ponto de vista da receita publica; é uma proposta de lei que julgo que virá engrossar os rendimentos do thesouro; e nas circumstancias actuaes, muito embora não seja pessimista, entendi que a obrigação do governo, como a obrigação do parlamento era não descurar as receitas, e tratar, por todos os modos, de as levantar e de as remodelar.
Effectivamente, as propostas relativas á caixa de aposentações e á caixa economica são para mim de grande importancia como organisação de serviço e como remodelação de instituições de todo o ponto beneficas, mas entendi que mais conveniente era occupar-nos primeiro de uma proposta de lei, que, augmentando a receita, facilita os bons desejos que todos abrigâmos, de que se possa estabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza do estado. Aqui tem a rasão porque a discussão d'este projecto procedeu a de outras propostas.
O illustre deputado queixou-se de que tivera pouco tempo para estudar. Francamente, quem é tão esclarecido como o illustre deputado, que tem já pratica de negocios publicos, não póde queixar-se de que mais alguns dias lhe não sejam dados para exame de uma proposta de lei, que não lhe era desconhecida, porque desde fevereiro estava sujeita á apreciação do parlamento, embora não á sua discussão. E de certo, s. exa. hontem mesmo provou que teve ensejo, mais do que sufficiente, para poder expôr á camara largamente as considerações que lhe suggeria a leitura e o exame d'aquelle documento parlamentar.
Sr. presidente, o illustre deputado combate esta proposta de lei, relativamente aos quatro primeiros artigos, porque, no entender de s. exa., elles hão de ferir actos frequentes da actividade civil. Estes quatro artigos são: o que levanta as taxas relativas ao papel sêllado; o que estabelece o imposto de 1/2 por cento sobre a transmissão de direitos adquiridos em contratos celebrados com o estado; o que lança o imposto de 2 por mil sobre os capitaes com que se constituem e se reforçam as sociedades anonymas e as parcerias; e finalmente o que eleva o imposto já existente, relativo ás acções dos bancos, aos titulos de divida estrangeira e aos pertences d'esses documentos.
Pelo que toca ao papel sêllado, sr. presidente, é uma aspiração de certo muito justa, que a justiça se possa administrar, quanto possivel, com facilidade para aquelles que têem de pleitear no foro, e é evidente que o levantamento do imposto sobre o papel sêllado vae difficultar a acção da justiça, porque é uma imposição lançada muitas vezes sobre os menos abastados.
Mas s. exa. sabe bem que não é propriamente o imposto sobre o sêllo que torna volumosas as despezas com os processes forenses, são principalmente as que dizem respeito ás procurações.
A administração da justiça é tanto menos cara quanto mais populosos são os centros onde os pleitos se ventilam.
Nas localidades mais modestas o imposto do sêllo é relativamente, não direi mais vexatorio, mas em todo o caso mais pesado; porque sendo os pleitos em geral de menor valor, é claro que as taxas do papel sêllado entram n'uma proporção maior com esse valor; emquanto que nas grandes localidades, em que em geral o litigio tem um valor mais subido, as despezas com o papel sellado entram em uma proporção pequena. Em compensação, nas pequenas localidades as outras despezas forenses são muito menos avultadas do que nas grandes localidades, e o resultado é que compensando-se uns aos outros os elementos de despeza, a administração da justiça não é extremamente barata entre nós.
Mas se formos pol-a em parallelo com o que vemos nos outros paizes, a acção da justiça, longe de nos parecer cara, não póde deixar de se nos affigurar relativamente barata.
De resto a minha aspiração seria que a administração da justiça se podesse prestar gratuitamente para cada um poder fazer valer os seus direitos com a maior facilidade e segurança.
Como disse, feito o parallelo, a administração da justiça não nos póde parecer cara, e para isso devemos attender ao seguinte.
Citarei o exemplo da França.
O papel sellado em França é de cinco dimensões ou formatos:

1.° Formato ....
2.° Formato ....
3.° Formato ....
4.° Formato ....
5.° Formato ....

Compare s. exa. isto com o imposto, que entre nós se paga, em relação ao papel sellado, que não vae alem de 80 réis, de certo notará uma grande differença a favor da asserção, que ha pouco avancei.
Bem sei que s. exa. não gosta que eu cite o exemplo das nações estrangeiras, e ainda hoje se revolta contra isso, dizendo que ali a circulação da riqueza e muito maior, e que por conseguinte não podemos fazer um parallelo quando o movimento da circulação é tão differente.
Mas em relação a este assumpto tão pesado é o imposto do sêllo para os povos de Portugal como póde ser para os da França.
Em todo o caso, desde que os recursos escaceiam e os proventos são modestos, quem tiver uma questão a ventilar em juizo, um pleito a defender, encontra o papel sella-

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do mais caro ou mais barato, e d'ahi vem sem duvida maior ou menor gravame, quer isso se de em França, quer só de em Portugal, independentemente do movimento da circulação da riqueza, por isso que a proporção se tem de effectuar com o rendimento e com o recurso de que cada um póde dispor.
Polo que toca ás transmissões por titulo gratuito ou oneroso dos direitos adquiridos por contratos fritos com o estado, é verdade que proponho um imposto de 1/2 por cento, mas esse 1/2 por cento, que representa 500$000 réis por cada 100:000$000 réis, não me parece que seja exagerado.
E depois s. exa. sabe bem que a esta transmissão de direitos anda quasi sempre ligada uma idéa de especulação, que não se limita á modesta percentagem de 1/2 por mil, mas tende a proporções muito mais amplas.
É desde que esta transmissão de direitos assenta quasi sempre sobre a especulação, parece-me conveniente que o estado tire d'ahi algum proveito. Collectar a especulação quando a especulação se exerce em larga escala, não me parece ser atacar um dogma indestructivel na boa economia social.
Pelo que toca ao imposto sobre o capital de qualquer sociedade anonyma ou parceria mercantil, esse imposto e de 2 por mil, e eu mostrei que em França este imposto ía até 5 e mais por mil.
Na Allemanha vae-se ainda mais longe ás vezes.
Mas, 2 por mil não póde affectar verdadeiramente a nossa industria, nem o nosso movimento commercial.
A final 2 por mil representam 2:000$000 réis em réis 1.000:000$000; e quaes são as emprezas que se constituem com 1.000:000$000 réis e que não possam dar esta percentagem ao estado? As emprezas serias, aquellas que se constituem com o intuito de levar por diante qualquer commettimento, não se arreceiam de pagar 2 por mil para o estado. A quem isso poderia prejudicar era aos que especulam em emprezas que não dão garantias; a emprezas que se apresentam com prospectos brilhantes e com capitaes ficticios, para essas talvez seja prejudicial o terem de pagar 2 por mil de um capital que se apresenta muito avultado e que as vezes e bem pequeno. Mas, a favor d'esta especulação não me parece conveniente ir fazer modificação no imposto. O paiz tem tudo a lucrar com emprezas serias que se reunem para um melhoramento importante, ou para levar por diante qualquer commettimento vantajoso para o paiz; a essas é conveniente attender. Quanto ás outras entendo que não póde taxar-se de vexatorio o imposto que vae ferir especulações que muitas vezes só servem para illudir incautos.
Pelo que toca á emissão de acções dos bancos e pertences, o imposto não passa de 2 por mil. Este imposto está mesmo alguma cousa mais reduzido do que vinha na minha proposta; mas fica áquem das nações que s. exa. disse que podiam mais facilmente supportar este encargo.
Na Italia ha papeis mobiliarios que estão sujeitos ao imposto do 1 por cento, e aqui não passam do 2 por mil.
Mas depois vejâmos. Esses papeis não constituem verdadeiramente a nossa propriedade mobiliaria? Constituem. Não ha fortunas avultadas que se acham empregadas em papeis d'esta natureza? De certo.
Pois então é justo nós collectarmos era uma proporção avantajada a nossa propriedade immobiliaria, e não é justo irmos taxar a nossa propriedade mobiliaria com uma taxa que é mais pequena do que aquella com que collectâmos a propriedade?
Que rasão ha para deixar fóra da acção e da area do imposto a nossa riqueza mobiliaria, quando lançâmos impostos pesados sobre a propriedade immobiliaria, e mesmo sobre o commercio e a industria? Não a conheço.
Eu não duvido que fosse mais vantajoso para o estado geral do paiz não levantar este imposto a que acabo de me referir. Mas e necessario partir do presupposto, de que é conveniente, principalmente, levantar as receitas publicas, para que esse equilibrio, em que os illustres deputados tantas vezes fallam, da receita com a despeza, se possa dar. É obrigação do governo e do parlamento.
E, collocada a questão n'este terreno, qual será preferivel, ou antes menos damnoso, será o procedimento do governo pedindo o augmento de imposto sobre as taxas do papel sellado, sobre a transmissão de papeis de credito, sobre as transmissões de direitos de contratos celebrados com o governo, sobre o capital com que se constituem as sociedades anonymas, ou ir ferir com impostos pesados a propriedade, a industria e o commercio no que tem de mais essencial e de mais positivo? (Apoiados.)
O que podemos obter por este projecto espero que representará alguns contos de réis.
Poderiamos nós obter o mesmo resultado com menos sacrificio, indo ferir fundamentalmente as forças vivas do paiz?
Não é sem duvida muito menos sensivel para o contribuinte o pagar indirectamente este imposto, do que ir lançal-o directamente sobre a propriedade, a industria e o commercio, com aggravamento da qualquer d'estas contribuições, incluindo mesmo a contribuição de registo?
Foi isto que motivou o meu procedimento apresentando a minha proposta de lei.
Ainda outras reflexões me feriram o animo.
O illustre deputado, que é n'esta casa um apostolo sincero e fervoroso na questão do sal, para que sejam aliviadas as classes que se acham sujeitas a este imposto, preparou o seu effeito parlamentar com algumas phrases alevantadas e sentimentalistas ácerca do imposto do sal para ir caír depois sobre o imposto do sêllo.
Para isto citou-nos um relatorio do sr. Camacho e citou-nos tambem a opinião do sr. Mariani.
Ha pouco não lhe serviam os exemplos das nações estrangeiras, mas quando se tratava do imposto do sal já os exemplos das nações estrangeiras lhe serviam, e s. exa. levantava nos escudos as opiniões dos srs. Camacho e Mariani.
Ora, se me fosse licito fazer uma transacção com o illustre deputado, eu aproveitar-me-ía das suas auctoridades e constituil-as-ía em meu proveito; eu acceitava como dogma a opinião do sr. Camacho em assumptos de fazenda e a opinião do sr. Mariani tambem era questões financeiras, e pedia muito pouco ao illustre deputado; pedia-lhe só que me désse para Portugal o que o sr. Camacho propoz em relação ao sal, e dava-lhe de barato o que proponho em relação ao sêllo.
Era uma transacção muito simples, baseava-se ella n'uma auctoridade que para s. exa. é insuspeita e para mim tem muito peso.
Ora, já que a proposito de todas as questões vem sempre a questão do sal, e que em todos os assumptos financeiros se cita a Hespanha, a França, a Italia, como modelos do regimen financeiro, vejamos até que ponto a transacção que proponho ao illustre deputado lhe era aproveitavel.
O sr. Camacho, entre as medidas de fazenda de largo alcance que propoz, veiu com um relatorio em relação ao imposto do sal e apresentou differentes providencias que se traduziam, n'um imposto maior, isto é, n'uma conversão do imposto do sal, no que elle chamava: - direito por consumo de sal, - traduziam-se n'uma imposição sobre a propriedade, e eram 2,40 por cento sobre a industria, 12 por cento sobre a contribuição industrial e alem d'isso n'uma taxa complementar, que se desenvolvia n'uma tabella que tenho presente.
Calculo do sr. Camacho: producto do imposto do sal assim regulado - 21 milhões de pesetas, que na nossa moeda correspondem a 1.780:000$000 réis!
Pois bem, guardadas as devidas proporções, se formos a applicar a Portugal as providencias que regem este im-

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posto por consumo de sal em Hespanha, este imposto, entre nos implantado, devia render 1.016:000$000 réis!
Se s. exa. me dá as providencias do sr. Camacho, relativas ao imposto do sal com este imposto, dou-lhe de barato a minha proposta de lei relativamente ao sêllo, e até lhe dava de barato a contribuição sumptuaria, ou outra qualquer que a s. exa. parecesse vexatoria, desigual ou iniqua no seu lançamento e na sua incidencia.
O sr. Consigleri Pedroso: - É necessario considerar o estado anterior do imposto do tal em Hespanha e em Portugal.
O Orador: - Pois então porque na Hespanha havia o imposto do sal, e era gravoso, s. exa. acha corrente que esse estado gravoso se tornaste ainda mais prejudicial para os contribuintes, porque esta providencia tendia, não a fazer diminuir esse encargo, mas a avultal-o, e aqui s. exa. acha tão gravoso e prejudicial que vamos lançar, não réis 1.016:000$000, mas 270:000$000 réis, guardadas as devidas proporções?
E ainda os illustres deputados acham que o sêllo é exagerado?! A questão não está em attender se o imposto do sal existe ou não em Hespanha, está em attender a que em Portugal, como em Hespanha, é necessario augmentar as receitas publicas, para que se possa fazer face ás despezas e aos encargos.
Ora, se n'esta occasião um estadista como Camacho entendeu que um imposto tão vexatorio, como o sr. Consiglieri Pedroso o aponta, devia ainda ser augmentado, e devia ir sobrecarregar mais os contribuintes, quão injustas são as iras de s. exa., quando põe de parte a auctoridade d'aquelle eximio estadista para me vir condemnar a mim, achando ainda pesada a quantia de 270:000$000 réis, que foi o meu calculo do rendimento do imposto do sal em Portugal!
Esta insistencia, que eu vejo no parlamento portuguez, de sempre citar como verdadeiro modelo o regimen financeiro da Hespanha e da Italia, que tambem tem os seus senões; (Muitos apoiados.) que tem muitas cousas boas, mas que tem tambem muitos erros, muitas difficuldades e muitos inconvenientes, como os que se dão em Portugal!
Façamos a comparação:
O preço da venda do sal na Italia, antes de 1860, variava entre 24 a 30 liras por quintal.
Em 24 de novembro de 1864 promulgou-se uma lei sobre proposta de um estadista de grande reputação, o sr. Sella, que fixou o preço do sal commum em 40 liras.
Esta lei do sr. Sella produziu mais 7.000:000 liras, apesar das antecipações.
A lei de 26 de junho de 1866 elevou o preço do sal commum a 50 liras, e assim continuou até hoje, e apesar de se votar esta medida como provisoria, não parece que ella tão cedo desappareça do orçamento italiano.
Qual tem sido o producto da venda do sal?
Em 1861 produziu 32.600.000 liras, em 187 174.100:000 liras, e em 1881, 81.000:000 liras.
Ora estabelecidas estas bases, façamos o confronto:
Qual é o preço do sal na França, na Allemanha, na Italia e em Portugal?
Na França regula entre 20 a 25 centimos por kilogramma, na Allemanha 25 a 30, e na Italia 55 centimos.
Note bem a camara; 55 centimos é o preço fixo taxado pelo governo italiano, com relação ao sal commum.
Agora vejamos qual é o preço em Portugal.
Um moio póde regular, quanto ao preço, entre 1$500 e 2$000 réis.

Um moio, preço de producção .... 1$500
Imposto, calculando que o moio tem 834 litros, a 2 réis ....
Addicional de 6 por cento .... $100
Total .... 3$268

Um moio tem approximadamente 800 kilogrammas.
Logo, o preço total de 1 kilogramma é de 4 réis; 4 réis equivalem a 2,2 centimos.
Na Italia, preço do sal 55 centimos, em Portugal, o preço do sal comprehendendo todos os impostos, é de 2 centimos e 2 decimos. Se v. exa. fizer o calculo reputando o preço do moio do sal em 2$000 réis, apurará por cada kilogramma 4 réis e 7 centesimos, o que corresponde a 2,6 centimos. Se se fizer o calculo a 4$000 réis, e v. exa. sabe que o sal raras vezes attinge este preço, e se lhe juntar os impostos apurará que 1 kilogramma paga 7 réis e 21 centesimos. Ora de 7 réis para 55 réis, que é o preço do sal em Italia, vae uma grande desproporção.
Mas em relação ao sêllo, já que s. exa. nos citou a Italia, dir-lhe-hei:
(Leu.)
Em vinte annos, desde 1862 a 1882 este imposto treplicou, passou de 13.000:000 liras a 43.000:000 liras.
Com relação ás loterias direi o seguinte:
S. exa. revoltou-se contra as loterias; mas citou sempre a Italia.
Se s. exa. for á Italia, encontra lá o monopolio das loterias por conta do estado.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Eu não citei n'este ponto a Italia como auctoridade.
O Orador: - Então s. exa. cita a Italia só quando lhe convem?
É necessario cital-a sempre; não basta dizer só o que ella tem de bom, é necessario dizer tambem quaes os expedientes de que ella se serve, os meios de que ella vive, os recursos de que lança mão; só então é que poderemos buscar a situação financeira da Italia para a comparar.
A loteria em Italia dá o seguinte resultado, e lá a loteria por conta do estado é o jogo do loto, que produziu:

Em 1868 .... 110.000:000 liras
Em 1880 .... 248.000:000 »
Em 1881 .... 247.000:000 »
Em 1882 .... 246.000:000 »

Media por habitante em todo o reino 2,48 liras e em Napoles chega a 13,66 liras.
Por estes dados vê se que em pouco mais de dez annos duplicou o imposto, comquanto tenha estacionado nos ultimos annos.
Ora, já que fallei a respeito de loterias eu direi a s. exa. francamente qual é a minha opinião a respeito d'ellas.
S. exa. revolta-se contra a permissão das loterias estrangeiras porque reputa isto muito nocivo, economicamente fallando, e contrario á moral; e tão feio nos pintou o quadro, tanto nos fallou da immoralidade da venda das loterias, que me fez crear o desejo de perguntar a s. exa. se alguem é estranho ao commettimento d'esse pequeno pecado.
Eu não contesto que o acto em si não é favoravel á boa economia, pelo contrario, eu preferiria muito que as pequenas economias entrassem para uma caixa economica, em vez de se lançarem na voragem do jogo das loterias; tambem acho que póde ser contrario á moral, porque póde, ennervando o espirito, creando uma excitação ficticia e contraria aos bons costumes, produzir esse amor desordenado do jogo, lançando-se na sua voragem, em vez de lançar-se nos braços da industria, ou no movimento commercial.
Perfeitamente de accordo.
O mal está, porém, no abuso do jogo.
Todos podem jogar, e fazendo-o com moderação, não pondo em perigo os seus capitaes, a sua fortuna, o seu modo do viver, não indo de encontro aos habitos que se devem manter na sociedade, o mal não é grande; e só o é, quando se transforma n'um vicio, quando esse vicio deprava o espirito, corrompe os costumes, destroe a moralidade, indo lançar por conseguinte o desgraçado que se vê preso do vicio, n'uma voragem de perdição.

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Mas se é assim, a conclusão deve ser radical e completa.
É mau o jogo?
Mas, porventura, a prohibição é um correctivo sufficiente?
Não é.
O correctivo está na morigeração dos costumes, na educação dos espiritos.
Para isso é que servem as escolas, os bons exemplos, as instituições philantropicas, tudo quanto póde levantar o nivel moral de um paiz e o espirito de um povo. (Apoiados.)
Não basta prohibir.
O sr. Consiglieri Pedroso: - É o primeiro passo.
O Orador: - Se isso é tão contrario á moral, pergunto se as rifas não são tambem uma especulação?
Não permittimos ha pouco uma loteria no palacio de crystal?
Não estão acclimadas no nosso paiz as loterias da santa casa da misericordia de Lisboa?
E não são uma especulação? São.
Pergunto.
A boa applicação do producto da loteria torna moral um acto que de si não o é?
Evidentemente não.
Se o acto em si é contrario á economia e aos bons costumes, qualquer que seja a applicação do producto das loterias, é igualmente condemnavel.(Apoiados.)
É mais immoral jogar nas loterias estrangeiras do que nas loterias portuguezas? Não, é a mesma cousa.
Não é sempre um jogo? Não é uma especulação? Não é sempre arrancar as economias para as ir lançar n'uma voragem espantosa que póde ser nociva e prejudicial? (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Eu sou contra a loteria da misericordia e contra todas.
O Orador: - S. exa. póde ser contrario a todas as loterias; mas de certo não é contrario á manutenção de algumas instituições que são favoraveis com o producto das loterias.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Os fins não justificam os meios.
O Orador: - Estou de accordo com s. exa. no que toca ao fundo da questão. O que me não parece é que o meu projecto possa ir desenvolver essa especulação contra a qual o illustre deputado se revolta.
Prohibir não basta, repito, e parece-me que s. exa. concorda commigo em que são necessarias outras medidas inteiramente independentes d'este projecto.
O que eu proponho é que se collecte este jogo, que elle seja tributado quando até aqui não o era.
Pois isso não é uma restricção justa? diminuir os elementos de especulação que se nos afiguram prejudiciaes e nocivos?
Eu não vendo propor qiue se corrompam os costumes do nosso paiz, permittindo as especulações em mais larga escala, e deixando que as loterias estrangeiras invadam o nosso paiz com os seus bilhetes.
Pelo contrario, o que desejo é collectar essas loterias, com elementos de restricção que nunca podem ser tendentes ao seu desenvolvimento.
S. exa. depois d'isso teceu como que um poema ácerca de contradicções minhas.
Francamente, a imaginação do illustre deputado é tão fertil, que me parece que podia servir para mais do que para dar relevo ás contradicções do ministro da fazenda.
Mas, emfim, vejamos essas contradicções, porque foram ellas principalmente que me obrigaram a pedir a palavra.
S. exa. começou por dizer que eu tinha capitulado na questão da fiscalisação. É exacto.
Mas logo em seguida, ebrio de enthusiasmo no desenvolvimento das suas apreciações, exclamou que era precisamente na fiscalisação que eu me fundava, e que era n'ella que eu tinha crenças.
Ora, se assim é, perguntarei: de quem é a contradicção? É do ministro da fazenda, ou é do illustre deputado, que começou por dizer que eu capitulei na questão da fiscalisação, e terminou por dizer que era n'ella que eu acreditava?
Depois d'isso, s. exa. fez como que uma divagação; abriu o meu relatorio, e leu um periodo em que se diz o seguinte:
(Leu.)
E disse s. exa.: «Isto nas circumstancias politicas do paiz!»
Pois isso exclamava o illustre deputado quando os partidos monarchicos, que aliás se podiam gladiar n'esta casa do parlamento, se achavam ligadas e consubstanciados nos seus propositos, e nas suas idéas!
E a este respeito, s. exa., com aquella riqueza de imaginação, transformou em epithalamio o seu poema e celebrou as bodas e o concorcio dos dois partidos.
N'esta parte sou justo para com s. exa.
O illustre deputado não está em contradicção comsigo, mas sim com a historia, porque a verdade é que, quando apresentei este projecto de lei, que foi em fevereiro estavam já abertas as hostelidades do partido progressista, estava já roto o accordo.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Referi-me ao periodo anterior.
O Orador: - Na occasião em que escrevi para apresentar este relatorio á consideração da camara, referi-me á situação politica do tempo.
Revolver as cinzas do passado para que?
Eu não me havia de regular senão pelas circumstancias que então se davam. Eram as circumstancias politicas, não era já o consorcio nem as bodas. Era, pelo contrario, uma declaração de hostilidade aberta e franca por parte do partido progressista ... o silencio e a abstenção d'aquelle partido em relação ás reformas politicas, de resto hostilidade perfeitamente clara e desenvolvida. Aqui tem s. exa. justificado o meu relatorio, e provadas, não as minhas contradicções, mas as contradicções do illustre deputado, em relação á historia parlamentar dos nossos dias.
Mas continuemos com as minhas contradicções, que são muitos curiosos.
Declarei que era impossivel a fiscalisação e foi por isso que propuz que se permittisse a entrada dos bilhetes das loterias estrangeiras, o que até agora era prohibido.
Declarei eu n'outra proposta entendi que a fiscalisação era o unico meio de pôr cobre ao contrabando das mercadorias que invadiam a nossa raia e os nossos portos. Logo ha contradicção, disse s. exa. Pois a fiscalisação é impossivel e é o unico meio de nos oppormos ao contrabando?
Pergunto a s. exa. se eu abdiquei da auctorisação que pedi para reformar os serviços aduaneiros. Não abdiquei nem tenho que abdicar.
O que acontece, por exemplo, com respeito aos bilhetes das loterias estrangeiras?
Acontece que são prohibidas.
O que acontece em relação ás mercadorias que vem para Portugal de paizes estrangeiros?
Acontece que a sua entrada é permittida, mas collecrada.
O que proponho em relação aos bilhetes das loterias estrangeiras?
Que se lhes permitta a entrada e que sejam collectadas.
Assim como para se tornar effectivo o tributo que pesa sobre a entrada das mercadorias estrangeiras eu pedi para se apertarem os laços da fiscalisação, assim como eu proponho

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algumas medidas de verdadeira fiscalisação para que se torne effectivo o tribute que se lança sobre uma mercadoria estrangeira, assim eu proponho em relação ás loterias estrangeiras, que se tribute a entrada dos seus bilhetes.
Onde está, pois, a minha contradicção?
Não a vejo.
Uma outra contradicção se me attribue, e vem a ser que, depois de eu ter declarado que a fiscalisação era improficua, estabeleci uma serie de providencias que são de prohibição.
Peço perdão, não são de prohibição, mas de permissão, perfeitamente fiscalisada.
Eu não julgava que era a mesma cousa prohibir ou permittir em determinadas condições.
Os bilhetes das loterias estrangeiras eram prohibidos.
Eu podia reputar a fiscalisação menos segura para se tornar effectiva essa prohibição.
Mas eu proponho que se permitta mediante condições para as quaes é precisa uma fiscalisação. Já vê que é uma cousa inteiramente differente.
posse não ter confiança na fiscalisação para uma prohição absoluta, mas posso ter confiança na fiscalisação para uma permissão regular.
Ha ainda outra contradicção, e é em relação ás cartas de jogar.
S. exa. diz que eu declarei no meu relatorio que a producção das cartas de jogar no paiz era grande, e a conclusão que eu tirei e que, sendo grande a producção, e por consequencia estando a industria muito desenvolvida, devia o monopolio ir para o estado, matando d'este modo a industria.
Diz s. exa. «que amor paternal pela industrial».
A este respeite direi ao illustre deputado que eu tenho, como não posso deixar do ter, a maxima contemplação para com as industrias que se exercem em termos regulares, em termos licitos, mas posse não ter a mesma contemplação para com as industriais que sáem fóra das leis, que violam os regulamentos existentes, que vão de encontro aos preceitos estabelecidos em boneficio do thesouro, e vivem, não á sombra da lei, mas contra a lei. Em relação ás industrias licitas, que se desenvolvem no paiz, não direi que tenho a amor paternal, mas tenho a maior deferencia e a mais completa attenção para que se possam levantar e prosperar. Para aquellas, porém, que manifestamente sáem fóra, dos limites legaes, convertendo o que devia reverter em beneficio do thesouro, em beneficio para si, para aquellas que são menos licitas, ou completamente inadmissiveis, para essas não ha, nem merecem grande deferencia da minha parte.
Aqui tem s. exa. a rasão por que vim propor o monopolio, aqui tem s. exa. a prova de que não sou antagonista d'essa industria; e desde o momento em que podémos concordar no meio de que continuasse a viver, sem prejuizo para o thesouro e que promptamente, graças a esse meio, vingasse, eu puz de parte a minha idéa e não feri a industria.
Mas prejudicam-se as lithographias?
Eu não sabia, que as lithographias serviam só para lithographar as effigies das cartas de jogar! Mas se se applicam a muitos fins, a diversos trabalhos e a differentes serviços, não morrem por se lhes tirar a lithographia das imagens das cartas de jogar.
Não me parece por consequencia que houvesse prejuizo sensivel, e resalvando o interesse das fabricas que vivem do monopolio do fabrico das cartas de jogar, muito embora reverte-se para o estado a lithographia d'essas imagens, e sem matar as lithographias do paiz, parece me que adoptámos um alvitre que effectivamente salva os interesses do thesouro.
Sr. presidente, depois d'isto, só uma cousa podia reconciliar-me com o illustre deputado e isso foi, o ter s. exa. vindo defender a minha proposta no que tocava ao imposto de successão em linha recta, Em verdade, não entendo que, como ministro, deva ser intransigente em assumptos que não fazem perigar a sua administração, nem as finanças. Cedi, e verdade, em relação á suppressão d'esse artigo; mas de mim para mim entendo que não tinha os inconvenientes que muitos encontram. (Apoiados.) Não é exemplo novo; pelo contrario, em paizes de muita civilisação e adiantados - e aqui estou eu a citar os taes paizes, contra a opinião do illustre deputado! - em paizes da muita civilisação, esse imposto da successão em linha recta existe, sem levantar clamores nem de philantropos, nem de economistas. Pareceu-me, podia existir em Portugal n'uma proporção tão pequena como aquella que propunha; mas desde o momento em que se levantaram escrupulos a esse respeito, desde o momento em que se entendeu, que n'uma questão de principios era menos licito não transigir, transigi pela minha parte, dando um exemplo salutar do bom accordo que deve haver entre o governo e aquelles que o acompanham, quer da maioria, quer da opposição, a fim de que os negocios publicos sejam levados por diante, em principios fundamentaes e em delineamentos, que são effectivamente os mais importantes para o paiz, sem embargo de questões que se reputam como secundarias e necessarias.
Eis a rasão por que transigi: á parte a questão de principios, a minha convicção seria o lançamento d'esse imposto, que não ía ferir conveniencias, que devessem ser respeitadas até ao ponto de me julgar intransigente, e que não podiam senão servir como documento valiosissimo para o apuramento estatistico da nossa riqueza immobiliaria e mobiliaria da transmissão da propriedade.
Mas, desde que se levantaram escrupulos e considerações contrarias á minha proposta de lei, entendi dever transigir, para não prejudicar o pensamento e a harmonia que deve presidir fundamentalmente á direcção dos negocios publicos.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas dos seus discursos.)
O sr. Secretario (Ferreira de Mesquita): - A commissão de redação não fez alteração alguma ao projecto n.° 80, o qual vae ser ouviado para a outra camara.
O sr. Santos Viegas: - Por parte da commissão de instrucção primaria e secundaria, mando para a mesa um projecto de lei auctorisando os lyceus a crearem uns cursos complementares de sciencias e artes, sendo as despezas feitas com o pessoal e material pagas pela junta geral do districto.
Peço a v. exa. que lhe mande dar o competente destino.
O sr. Germane de Sequeira: - Cabe-me em má hora a palavra, isto é, depois de terem fallado sobre a generalidade do projecto de lei do imposto do sêllo quatro distinctos parlamentares. Abriu o debate o meu duas vezes collega o sr. Eduardo José Coelho, que com vigor atacou o projecto em todas as suas disposições. Seguiu-se o sr. relator da commissão, que com aquella correcção, fluencia e erudição que lhe são proprias, tratou de refutar toda a argumentação ex adversa. Depois seguiu-se o erudito professor o sr. Consiglieri Pedroso, e fallou ainda respondendo a estes oradores o sr. ministro da fazenda, que todas as vozes que levanta o seu verbo no parlamento da a demonstração da elevada intelligencia com que dirige todos os assumptos da repartição a seu cargo.
Portanto, nas circumstancias em que me encontro, a minha situação, se não significa uma verdadeira catastrophe, é uma crise arriscada, porque só poderei repetir o que já disseram estes illustres oradores. Muito pouco acostumado ás discussões parlamentares, antes mais affeito as lides do fôro e de Justiniano, sinto-me pouco á vontade em discussões politicas, e vou entrar por isso sem ambages e sem divagações na discussão do projecto, e fazer a demonstração da these que me proponho apresentar.

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Podia fazer um relatorio como ao jury, indicar os argumentos a favor ou contra o projecto; leria o relatorio que apresentaria ao parlamento, que e o verdadeiro jury da nação; mas não o faço assim, porque não desejo aborrecer a camara, ou provocar-lhe o tedio.
Desejo tratar a questão e fallar a verdade inteira, porque meia verdade é mentira.
Entendo que o projecto em discussão, na parte em que augmenta o sêllo dos papeis forenses, vae ferir gravemente os contribuintes menos protegidos da fortuna; vae affectar de maneira muito desastrosa todo o funccionalismo judicial, principalmente o subalterno, e creio mesmo que o estado pouco lucrará com a elevação do sêllo, pelo que respeita aos processos forenses. E esta a these que me proponho demonstrar.
Na demonstração d'esta these não tenho paixões, porque não tenho mesmo paixões partidarias. Apresento as minhas idéas com a imparcialidade com que costumo apreciar as questões no exercicio da minha profissão. Portanto, não espero que as minhas palavras tenham um certo resaibo politico ou apaixonado, e serão apenas a expressão sincera da minha consciencia e do meu modo de sentir. N'esta casa do parlamento conservo a minha consciencia juridica como antes de aqui entrar, apreciando os assumptos com inteira imparcialidade.
A elevação da taxa do sêllo affecta os contribuintes menos favorecidos da fortuna, por fórma que só os que têem muita sobra dos seus rendimentos podem propôr acções em juizo.
Mas ha, sr. presidente, processos obrigatorios, como os inventarios orphanologicos, e é n'esses processos que os contribuintes soffrem maior gravame.
A maior parte das heranças, em grande numero de comarcas, são de 200$000, 300$000 e até de 500$000 réis, e muito poucos são os inventarios que excedem a esta quantia.
É pois evidente que a elevação da taxa do sêllo n'estes processos e uma desgraça para os herdeiros, que tambem têem de pagar as custas, e que terão de receber uma quota muito insignificante de bens quando houverem divisões e sub divisões, o que muitas vezes acontece.
Mas dir-se ha que tambem as custas são elevadas. É verdade, podem sel-o, mas as custas que são elevadas não são as que respeitam propriamente ao funccionalismo judicial, e sim aos louvados. (Apoiados.) E quanto aos salarios d'estes já a tabella deveria ter sido reformada.
Sr. presidente, poderia nas acções civeis levantar-se a taxa do sêllo, porque qualquer póde deixar, se póde em muitos casos, de as propor em juizo, mas nos processos obrigatorios, inventarios orphanologicos, e uma completa desgraça para os funccionarios subalternos, que não podem prescindir das custas por isso que os escrivães, os officiaes de diligencias e os contadores não têem ordenado, a sua receita toda eventual e esta; e por consequencia, se lhes cercearem a parte d'esta receita, ficam em peiores circumstancias do que aquellas em que estão actualmente, que já são muito desfavoraveis.
V. exa. sabe melhor do que eu como tem decrescido nos tribunaes o numero dos processos, v. exa. sabe que o mez passado cada juiz da relação de Lisboa recebeu 4$500 réis pouco mais ou menos do emolumentos.
Ora, e o poder judicial e independente!
Tem de ser independente, mas gastando das suas algibeiras.
Não é possivel que um juiz da relação possa com uma libra por mez de emolumentos occorrer as necessidades da vida e prover a sua representação.
E se assim acontece com estes funccionarios superiores, o que acontecera aos subalternos?
Ninguem dirá que com tão exiguos honorarios, como os têem os magistrados judiciaes, possam estar á altura da sua posição, e é por isso que fazem os maiores sacrificios e passam até por necessidades.
Já houve um juiz da relação de Lisboa ao qual o funeral foi feito a custa dos seus collegas.
É por isso ainda que eu quero dizer a v. exa. a verdade toda, porque meia verdade e uma mentira.
O sr. relator da commissão disse que a elevação da taxa do sêllo que se propõe não pode influir de modo algum sobre a sorte do contribuinte e que desde a publicação do codigo do processo civil têem-se modificado muito os termos do processo, e que tem sido menor a venda do papel sellado.
Até certo ponto é verdade este facto, porém o decrescimento na venda e devido principalmente a pequena concorrencia ao fôro.
E o digno relator da commissão ha de concordar que os termos do processo não estão tão simplificados, como a s. exa. se afigura.
Os inventarios ainda estão cheios de muitos termos; os agrupamentos de bens na descripção e arrolamento não dizem respeito aos bens de raiz; são por vezes repetidas as reuniões do conselho de familia, as conferencias dos interessados para resolverem certas duvidas, e todas estas, e ainda outras formalidades do processo imprescindiveis, enchem muitas folhas de papel sellado.
Esta é a verdade.
Sr. presidente, os escrivães estão sobrecarregados com multiplices serviços, e muitos d'elles nada recebem de custas, como, por exemplo, os dos processos crimes, e têem serviços de que não recebem salarios alguns, como o de recrutamento, com que a ultima hora foram onerados, recursos eleitoraes, expropriações por utilidade publica, arrecadações da fazenda nacional e serviço de expediente do tribunal.
Com que custas podem então contar os escrivães?
Com as das acções civeis?
Não havendo acções civeis ficam-lhes os inventarios, e então, quando a fome entra pela porta, sáe a virtude pela janella.
Como os ha de o juiz obrigar a fazer o seu dever se elles disserem ao juiz seu tenho fome».
N'esta camara ha muitos collegas meus na magistratura, e elles estão bem nas circumstancias de apreciar até que ponto são verdadeiras as considerações que exponho a camara. (Apoiados.)
O fisco não augmenta a sua receita com o augmento do sêllo, nos papeis forenses, porque, se augmenta a taxa do sêllo diminue o pedido; o sêllo augmenta e o pedido decresce.
Portanto, o fisco não tira o que se suppõe do augmento do imposto do sêllo.
N'estas alturas eu tambem, se me fosse licito, propunha uma transacção ao sr. ministro da fazenda, como hontem a propoz o sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. ministro da fazenda, referindo-se ha pouco ao sr. Consiglieri Pedroso, propoz-lhe uma transacção, a proposito de uma lei sobre o sal, publicada em Hespanha pelo sr. Camacho; e eu agora tambem venho propor uma transacção ao sr. ministro, e é que não augmente o sêllo dos inventarios até 500$000 réis, e que por todos os meios ao seu alcance, e em virtude dos recursos que lhe dá a sua poderosa intelligencia, faça o que me parece convenentissimo, com que se officie aos escrivães de fazenda ou as repartições respectivas dos differentes districtos, a fim de que se ponha termo a todos os processos de contribuição de registo por titulo hereditario, que lá existem em enorme quantidade, e que em alguns districtos sei eu chegam a ter a altura de um metro ou mais.
Pois se se trata de augmentar a receita do estado, porque não havemos de aproveitar primeiro as forças existentes e depois augmentar então o imposto ?! Esta minha transacção é de todo o ponto acceitavel.

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Não desejo terminar sem dizer algumas outras verdades que ha ainda a expor, porque a final o que e precise e dizer-se a verdade, para se procurarem os remedios.
É um facto conhecido de todos, que o numero das acções civeis tem decrescido e muito.
E qual será a causa?
A verdadeira causa são os excessivos salarios dos procuradores e os excessivos onerarios dos advogados. (Apoiados.)
Ainda ha pouco tempo, por um trabalho relativamente insignificante, sei que um advogado levou 40 libras de honorario.
Ora eu bem conheço que ninguem é competente para avaliar o seu trabalho, senão o proprio individuo que o faz; mas o que é facto é que isto tem concorrido poderosamente para que as partes não tenham demandas. E lá por fóra diz se isto mesmo, muito claramente. Ninguem quer ter demandas por causa das enormes despezas que tem com os advogados e com os procuradores.
Ainda mais; tambem tem diminuido o numero dos processos, diz se, em consequencia da incerteza dos julgamentos, e agora fallo tambem por mim e para mim. Tem-se dado, e verdade, esse facto, e assim acontece sempre que a lei nova se põe em execução.
Não póde o legislador prevenir todas as hypotheses occorrentes, e, comquanto o direito seja um só, as apreciações do julgador dependem quer da materia do facto, muitas vezes obscura, e por vezes deficiente, quer da interpretação do texto da lei.
É por isso que nem sempre n'uma dada hypothese ha uniformidade de julgamento, e sendo o direito um, e differente a maneira de o apreciar, de o ponderar, porque isso depende de variadas circumstancias.
O que é facto é que tudo isto conspira para que os processos tenham diminuido no fôro e que, por consequencia, o funccionalismo judicial esteja nas mais precarias circumstancias.
De resto concordo com todo o projecto, folgando com que fosse eliminada a doutrina com respeito as transmissões.
Com respeito ás loterias vou um pouco mais adiante, eu sou mais avançado, queria que o jogo fosse collectado, e em auxilio d'esta opinião bastaria recorrer aos argumentos apresentados pelo sr. ministro da fazenda no seu relatorio quando se refere ás loterias.
S. exa., fallando a respeito das loterias, diz.
(Leu.)
Se a lei penal prohibe as loterias, e ficam agora auctorisadas com pagamento dos respectivos direitos de sêllo, tambem o jogo e a tabolagem, a que o codigo penal impõe penalidade, poderiam ser auctorisados pagando um tributo elevadissimo, e seria talvez um meio mais efficaz de os fazer desapparecer.
Na Allemanha as casas de jogo pagavam, se não pagam ainda, um grande tributo, como, em Baden-Baden.
Sr. presidente, ha jogo em toda a parte. Na praia da Nazareth ha sempre por occasião de banhos tres e mais casas de jogo, ha-as no Espinho, na Granja.
Os regulamentos de policia não têem sido, nem são efficazes para que essas casas se fechem, e fecha-se uma abre-se logo outra.
Porque se não ha de pois collectar o jogo?
Porque se não ha de tirar com esta medida um grande proveito para o estado, sendo esta talvez uma medida mais conveniente para o extinguir?
Como já disse, se a lei prohibe o jogo, tambem prohibia as loterias, e estas o que são?
E estão e ficam auctorisadas.
Se este projecto dispensa a lei para as loterias, outro póde dispensar a lei sobre o jogo, da mesma fórma.
Isto é que é a doutrina.
Para que serve prohibir o jogo?
Na cidade de Lisboa houve um governador civil que mandou fazer busca as casas de jogo, e entrando-se dentro de uma d'ellas encontrou-se a fazer banca, ou monte, um membro da sua familia. (Riso.)
É necessario que se diga tudo isto.
No nosso paiz então o jogo e tolerado; nem o governador civil por muitas diligencias que faça, póde chegar á perfeição de o extinguir completamente.
Temos n'este districto um governador civil dos mais diligentes, assiduos e intelligentes, modelo dos magistrados administrativos, o sr. Peito de Carvalho, e será elle capaz, com todos os seus cuidados, de prohibir ou fazer com que se não jogue aqui e acolá?
Talvez em casas onde se não devia jogar se jogue. Eu sei perfeitamente onde e que se joga em Lisboa. (Riso.)
Acabo aqui as minhas considerações, pedindo desculpa á camara de lhe ter roubado tanto tempo.
Creio que não sai da materia do projecto, e acabo, dizendo como comecei, que o projecto na parte em que respeita ao imposto do sêllo, vae ferir profundamente os contribuintes de pequena fortuna, o funccionalismo judicial, e não dará para o estado o provento que se espera. (Apoiados.)
Estas singelas considerações são unicamente a expressão do que sinto, e termino pedindo á camara que me desculpe se fui mais prolixo que o que desejava.
Vozes : - Muito bem.
Mandou para a mesa uma proposta que ficou para ser tomada em consideração quando se tratar do artigo a que diz respeito.
O sr. Pinto de Magalhães : - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga sufficientemente discutida a materia da generalidade d'este projecto.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente:- Estão sobre a mesa tres propostas: uma do sr. relator, fazendo algumas rectificações ao projecto; outra do sr. Eduardo Coelho, e outra do sr. Consiglieri Pedroso, concluindo qualquer d'estas ultimas por se passar a ordem do dia, e por isso têem de ser votadas antes do projecto.
O sr. E. Coelho : - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta.
Posto o requerimento á votação, foi approvado.
O sr. Presidente :- Vae ler-se a proposta do sr. Consiglieri Pedroso, para ser votada.
(Leu-se.)
Foi rejeitada.
O sr. Presidente :- Vae votar-se a proposta do sr. relator da commissão.
É a seguinte:

Proposta

Rectificações ao parecer n.° 86:
No relatorio da commisão, aonde se diz: «verba n.° 15 da classe 9.ª», leia-se: «verba n.° 5 da classe 13.ª»
No n.° 4.° do artigo 1.°, aonde se diz: «a taxa constante da tabella l.ª, classe 13.ª, n.°3.°», leia-se: «a taxa constante da tabella l.ª, classe 13.ª, n.° 5.°, comprehendendo os pertences nos mesmos conhecimentos».
No § unico do artigo 5.°, aonde se diz: «tabella 13.ª», leia-se: «tabella 3.ª»= O relator, A. Moraes Carvalho.
Foi approvado.
Seguidamente foi approvada a generalidade do projecto.
O sr. Presidente : - Passa-se á discussão da especialidade.
Vae ler-se o artigo 1.°
(Leu se.)
O sr. Firmino Lopes (sobre a ordem): - Sustentou as seguintes propostas:
«§ 3.° Aquelle que falsificar marcas, sêllos ou cunhos para timbrar cartas na forma do paragrapho antecedente, ou d'elles fizer uso, ou os introduzir no reino, será conde-

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mnado na pena designada no artigo 227.° da nova reforma penal.
«Aquelles que fabricarem cartas de jogar era contravenção do disposto no artigo, incorrem na multa igual a dez vezes a importancia do sello que devia ser pago (400 reis por baralho).
«No caso de reincidencia o dobro: e quando se de mais de uma reincidencia a pena será aggravada com prisão de um a tres mezes. Os vendedores e os detentores incorrem na mesma pena.
«§ 5.° O producto das multas estabelecidas no § 4.° dos objectos prohibidos e de transporte, que serão apprehendidos, será dividido em tres partes iguaes, uma para os denunciantes, outra para os apprehensores, outra para o estado. Os infractores estão sujeitos á prisão preventiva, mas podem prestar fiança.
«Ao § 6.° acrescentar: Os vendedores e detentores das cartas importadas do estrangeiro não selladas incorrem nas penas referidas no § 4.°, aggravadas com a pena de prisão de um a seis mezes. = O deputado, Firmino João Lopes.»
«Proponho a eliminação do artigo 7.° e seus paragraphos. = O deputado, Firmino João Lopes.»
A primeira foi admittida. A segunda ficou para quando se tratar do artigo 7.°
(O discurso do sr. deputado será publicado quando restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A proposta mandada para a mesa pelo sr. Firmino Lopes fica sobre a mesa para quando se tratar do artigo que com ella tem relação.
O sr. Santos Viegas (sobre a ordem): - Não desejo alongar o debate, especialmente porque o assumpto a que vou referir-me já por mais de uma vez tem sido tratado n'esta camara, e ainda na ultima sessão legislativa, por isso limitar-me-hei a enviar para a mesa uma proposta, que espero será acceite pelo sr. ministro e pela commissão, e refere se ella á reducção da taxa que se acha consignada na classe 15.ª da tabella n.° 1 do regulamento de 1878.
Refiro-me ao sello de estampilha de 1$000 reis exigido para as perfilhações e legitimações.
Na realidade e exarada esta taxa, e os parochos encontram-se muitas vezes em graves difficuldades para poder obter o cumprimento da lei, e eu já tenho paga na minha parochia algumas vezes a quantia de 1$000 reis, para não prejudicar a fazenda e ao mesmo tempo para não vexar os individuos que tinham de satisfazer esse imposto. Não quero nem pelo louvores pelo meu procedimento, mas acho vexatorio da dignidade parochial a cobrança de tal imposto, que não é bem interpretado por quem o paga.
Por estas rasões, e porque não me parece que daqui provenha grande prejuizo para o thesouro, mando para a mesa a minha proposta, que e a seguinte:
«Ao artigo 1.° do projecto.
«Proponho que a verba n.° 2 da classe 15.ª da tabella n.° 1 do regulamento do sello de 1878, seja reduzida a cem reis-(100 reis).»
Escusado será dizer que esta verba só será paga pelas classes que o possam fazer, e não é cobravel da parte dos indigentes; isto é, são excluidos do pagamento d'aquella quantia as classes pobres.
Confio em que a proposta será tomada na devida consideração, e assim se prestara um bom serviço á classe parochial.
Nada mais tenho a dizer.
A proposta foi admittida.
O sr. Luciano de Castro (solve a ordem): - Não pense a camara que vou fazer um discurso. Vou apenas conversar em boa paz, sem nenhumas pretensões oratórias, com o sr. ministro, com o sr. relator da commissão e com os illustres deputados, que me quizerem ouvir.
Não venho tambem fazer opposição política ao ministerio. O que desejo é ter muitas occasiões, em questões como está, em que se trata de crear receita para o estado, de poder auxiliar o sr. ministro da fazenda com o modesto contingente da minha voz e com o debil concurso da experiencia, que tenho d'estes assumptos.
E tanto não quero fazer opposição, que tendo eu de fazer considerações sobre quasi todo o projecto, que mais cabimento teriam na discussão da generalidade, só me inscrevi para fallar sobre a especialidade.
Pedi a palavra sobre a ordem e solicitei de v. exa. que ma desse na discussão do artigo 1.° a fim de expor breve e resumidamente as ideas que tenho sobre o assumpto, ideas que vou apresentar, não com a intenção de criticar e combater o projecto, mas com a intenção de o corrigir e melhorar, suggerindo alguns alvitres que o sr. ministro da fazenda agora ou mais tarde poderá aproveitar.
São por consequencia modestissimas as minhas aspirações neste momento. Não tenho o proposito de esclarecer a camara, nem de elucidar os illustres deputados que têem estudado esta materia. A minha idea e apenas contribuir quanto possa com a minha escassa cooperação para que este projecto saia daqui tão perfeito quanto for possivel.
Antes, porem, de entrar na materia permitta-me v. exa. que eu de a camara uma explicação que julgo indispensavel.
Eu sou director da direcção geral dos proprios nacionaes. E por essa direcção que corre o serviço do imposto do sello.
Mal pareceria, portanto, que eu viesse aqui offerecer duvidas e levantar reparos contra um projecto emanado do ministerio da fazenda, sendo eu chefe d'aquella repartição e superintendendo n'aquelle serviço. Mas devo dizer com verdade, e o sr. ministro de certo confirmará as minhas asserções n'este ponto, que este projecto foi apresentado sem eu ter sido ouvido sobre as suas disposições. E digo isto sem querer fazer censura ao sr. ministro. S. exa. levou a sua delicadeza ate ao ponto de me dar explicações sobre este facto, asseverando me que á precipitação com que apresentava os seus trabalhos a camara não lhe dera tempo para me ouvir a este respeito.
Nas delicadas explicações do illustre ministro vejo eu ainda uma intenção mais nobre e levantada. Talvez s. exa. quizesse deixar-me to da a liberdade de apreciação n'esta materia, e por isso e possivel que, por um extremo de delicadeza, não quizesse ouvir-me sobre o seu projecto.
Ainda tenho uma observação a fazer antes de entrar no assumpto, e para responder a uma critica feita hontem pelo meu amigo o sr. Eduardo José Coelho a respeito de uma incorrecção que a s. exa. se afigurava haver no projecto do governo, quando se referia d tabella n.° 1, verba 8.ª que trata dos livros dos julgamentos dos juizes eleitos.
Esta verba já vinha incluida na tabella n.° 1 annexa ao regulamento de 14 de novembro de 1878, posterior d lei de 16 de abril de 1874, que extinguiu os juizes eleitos, e portanto, se fosse procedente a arguição do illustre deputado, não só colheria contra o projecto actual, mas igualmente provaria a leviandade com que essa verba fora incluida no regulamento de 1878, cuja responsabilidade legal me não cabe, não declinando, comtudo, a responsabilidade moral que me pertence por ter sido por mim elaborado.
Não quero esconder-me atraz do sr. ministro. Elle apenas se referiu á tabella do regulamento de 1878, e essa tabella fui eu que a organisei. Se houve erro, foi meu. Por isso acceito inteira essa responsabilidade.
Creio, porem, que não houve erro.
A lei de 16 de abril de 1874 supprimiu os juizes eleitos; mas não supprimiu os livros dos seus julgamentos. As suas attribuições passaram para os juizes ordinarios, mas os livros continuaram. Aquella lei no artigo 16.° expressamente manda observar os artigos 235.°, 236.° e 237.° da nova reforma judiciaria, e no artigo 236.° mencionavam-se o§ livros da juizes eleitos, que por, isso se não podem con-

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1802 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

siderar extinctos. Sendo assim, não podiam deixar de inscrever-se esses livros na respectiva tabella do imposto do sêllo.
Dou estas explicações, não com a intenção de responder ao meu amigo o illustre deputado o sr. Eduardo José Coelho, mas pelo desejo de mostrar a minha lealdade. Não desejo que o sr. ministro padeça pelas minhas faltas.
Vou agora mostrar á camara que a aggravação das taxas do sêllo, no que diz respeito principalmente aos processos forenses não dará o resultado que o illustre ministro espera.
Eu vou ler á camara qual tem sido o rendimento do imposto do sêllo desde 1872. para mostrar que não temos rasão de nos queixar do pouco desenvolvimento da receita proveniente d'este imposto.
Desde 1871 o seu rendimento no continente do reino foi o seguinte:

[Ver Tabela na Imagem]

1871-1872 ....
1872-1873 ....
1873-1874 ....
1874-1875 ....
1875-1876 ....
1876-1877 ....
1877-1878 ....
1878-1879 ....
1879-1880 ....
1880-1881 ....
1881-1882 ....
1882-1883 ....
1883-1884 ....

Nos oito mezes decorridos de 1884-1885 o rendimento foi de 818:929$000 réis, menos 14:456$000 réis do que nos oito mezes correspondentes ao anno anterior.
O rendimento do imposto das ilhas não vae incluido nas importancias que ficam descriptas.
Em vista d'estes dados, e mostando-se por elles que, sendo o rendimento do impsoto do sêllo em 1871-1872 de 648:000$000 réis, e subindo hoje a mais de 1.200:000$000 réis, não ha rasão para nos queixarmos do seu pouco crescimento.
O que tem produzido este augmento de receita não é tanto a elevação das taxas, como o desenvolvimento das transacções é a ampliação do imposto a muitos actos e documentos que não eram tributados.
Receio que o augmento das taxas não produza senão a diminuição do consumo do papel por um lado, e por outro projecto: lado a fraude. E a este respeito devo dizer que não sei se actualmente ha algum contrabando de papel sellado; não tenho rasões para crer que o haja; mas temo que este augmento de imposto, que eleva cada meia folha de papel sellado em certos casos a 85 réis, seja incentivo bastante para se fazer contrabando, que n'outro tempo prejudicava gravemente a fazenda.
O sr. ministro e a illustre commissão com a receita proveniente da elevação do sêllo, mas esse augmento é tão exagerado, que eu não posso deixar de ler as palavras, que um dos maiores economistas do nosso tempo, que durante muitos annos foi frequentemente citado n'esta casa, o sr. Le Beaulieu, escreveu a este respeito.
«o sêllo, diz este notavel escriptor, devora a substancia das pequenas successões, consome as heranças de pouca importancia e absorve todo o producto das execuções de pequeno valor. Aggrava consideravelmente as despezas da justiça, e impede algumas vezes o recurso aos tribunaes.»
Ora, sr. presidente, é precisamente, o que virá a acontecer entre nós.
Já vê v. exa., que seria da maior conveniencia adoptar um alvitre que subtrahisse os processos, as execuções e os inventarios de pequeno valor, ás novas taxas de sêllo, que o sr. ministro propoz. (Apoiados.)
Não me atrevo a fazer proposta n'este sentido, mas com o maior prazer me associo ás justas e sensatas considerações que ha pouco ouvi ao illustre deputado, o sr. Germano Sequeira, com cujas opiniões plenamente me conformo.
Isto é o que tenho a dizer em relação a este ponto, mas tenho que apresentar algumas propostas sobre differentes artigos do projecto, e, por isso, já pedi licença para aproveitar este ensejo para as mandar para a mesa.
Sobre alguns artigos não faço observações. Com relação áquelles com que não concordo é que faço as minhas propostas.
Em relação ao artigo 5.°, mando para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Sr. presidente, segundo a portaria de 9 de agosto do anno passado, que interpretou e explicou a verba 25 da tabella n.° 3 annexa ao regulamento de 14 de novembro de 1878, nos processos em que é parte a fazenda nacional, o ministerio publico, e os estabelecimentos de piedade e beneficencia, não é obrigatorio o sêllo nos papeis empregados por qualquer d'aquellas entidades, sendo, porém, a parte contraria, obrigada a escrever em papel sellado, e a pagar, no caso de condemnação a final os sellos respectivos aos papeis empregados pelos representantes do ministerio publico, ou das corporações de beneficencia.
Parece-me que ha aqui uma injustificavel desigualdade.
Quando um particular litiga com outro particular, cada um paga o sêllo correspondente aos papeis e documentos que emprega, e o que é condemnado tem de restituir ao vencedor os sellos que este pagou.
Com a fazenda, com o ministerio publico, e com os estabelecimentos de beneficencia, não acontece o mesmo. Esses não pagam sêllo pelos papeis em que escrevem, ou de que usam, e se forem condemnados, não restituem á parte vencedora os sellos que esta empregar para defender o seu direito. Isto é injusto e desigual. Desde que o ministerio publico e os estabelecimentos de beneficencia, são isentos do imposto, deve essa isenção produzir todos os seus effeitos, qualquer que seja o exito do litigio. Assim como quando são condemnados não restituem ao vencedor os sellos que este pagou, tambem os não devem receber quando a sentença lhes é favoravel.
Entendo, por isso, que este privilegio deve desapparecer.
Por isso eu proponho esta substituição ao artigo 5.º do projecto:
(Leu.)
N'esta proposta está consignado o meu pensamento. A parte que for condemnada, em caso nenhum poderá ser obrigada apagar mais do que o sêllo correspondente aos papeis em que escreveu ou de que usou; mas não póde ser obrigada a pagar os sellos dos papeis empregados pela fazenda, ou pelos estabelecimentos de beneficencia.
Isso é que não me parece justo.
É claro que d'aqui não póde resultar uma differença importante nas receitas publicas, mas quando a houvesse esta é uma questão de justiça.
Não sei o sr. ministro comprehendeu bem o que eu disse. Torno a repetir: o que quero é que a parte que litigar com a fazenda, no caso de ser condemnada, não seja obrigada a pagar sello por documentos, ou actos emanados ou promovidos pela fazenda ou pelo ministro publico, que a lei declara d'este imposto.
Actualmente a pratica é adversa a este respeito.
A verba 23 da tabella n.º 3 do regulamento do sêllo é interpretada diversamente nos tribunaes.
Uns entendem que desde que o ministerio publico intervem ou figura em qualquer processo, basta esta circumstancia para não se exigir sêllo a nenhuma das partes.

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SESSÃO DE 26 DE MAIO DE 1885 1803

Espera-se a condemnação, e se a fazenda é condemnada não se cobra um real do sêllo; se aparte contraria é condemnada, é obrigada a pagar os sellos dos documentos que empregou e ao sellos correspondentes aos papeis empregados pela fazenda ou pelos estabelecimentos a ella equiparados.
Para corrigir os inconvenientes que resultam d'esta diversidade deinterpretações e de praticas, veiu de 9 de agosto de 1884, na qual se declara expressamente que a fazenda é sempre isenta do sêllo que a parte contraria é obrigada a escrever sempre em papel sellado, e no caso de condemnação a pagar o sêllo da parte do processo que ainda o não tinha pago.
Eu proponho que, em caso nenhum, o individuo que litigar com a fazenda ou ministerio publico, possa ser obrigado a pagar o sêllo relativo aos documentos empregados pela mesma fazenda, que a lei declara isentos de imposto. E esta mesma substituição proponho que seja applicada aos processos de exportação por utilidade publica.
Diz o artigo da commissão.
(Leu.)
É a mesma injustiça.
Segue-se agora o artigo 6.°, que trata do fabrico das cartas de jogar.
Começo por dizer que acho muito pequena differença entre o artigo do governo e o da commissão.
O governo propunha o monopolio do fabrico das cartas, e a commissão propõe que a lithographia seja exclusiva do governo, ficando só aos particulares o preparo e fornecimento do papel. O trabalho da lithographia e feito na imprensa nacional. O governo fica com o monopolio da lithographia, e com o direito de cobrar conjunctamente o imposto.
Devo dizer que o expediente do governo pecca por inefficaz. Pode o governo adoptar os expedientes que lhe aprouver, póde inventar todos os meios de fiscalisação, póde aggravar a penalidade até ao absurdo, póde ter as crenças mais risonhas e as esperanças mais lisongeiras na efficacia do systema proposto, mas eu affirmo-lhe que os resultados serão negativos.
Pois o governo, tendo actualmente de cobrar 40 réis de sêllo por cada baralho de cartas, que e uma contribuição insignificante, não pode fiscalisar este imposto; como ha de fiscalisar o imposto, e alem d'isso a impressão lithographica? Não sei.
Aquelles que fabricarem cartas de jogar, que tinham até agora apenas o interesse, de escapar ao pagamento de 40 réis por cada baralho de cartas, augmenta-se o incentivo da fraude, porque alem d'esses 40 réis pouparão a despeza da lithographia, se lograrem illudir a fiscalisação.
Redobrara, portanto, o interesse da falsificação clandestina.
Não acredito, pois, nas providencias fiscaes que o governo possa adoptar para executar a lei.
Desejo que esta se cumpra, e pela minha parte hei de cooperar quanto possa, para que se exerça a mais activa fiscalisação, a fim de que as receitas publicas não sejam de maneira algumas defraudadas, mas devo dizer a v. exa., agora que estamos discutindo a lei, que não acredito nada na efficacia das providencias que possam adoptar-se para prevenir a fraude.
Demais, ha uma grave offensa a industria do fabrico das cartas de jogar, que de ha muito fornece o consumo nacional, que emprega muita gente, que tem direito até certo ponto, a que os seus interesses não sejam desattendidos pelo legislador. (Apoiados.)
O que resulta d'esta lei? O governo vae reduzir esta industria ao fornecimento e prepare do papel, com grande prejuizo dos que até agora a exerciam.
E que indenmisação lhes offerece? Não a descubro. Acredito, portanto, que a fabricação clandestina ha de continuar da mesma maneira, e que o governo não colherá os lucros que espera, nem do exclusivo da lithographia, nem do imposto.
E a este respeito não posso deixar de dizer ao sr. Ministro, e não lhe dou novidade, que me parece que o systema francez applicado a Portugal com as necessarias correcções, daria muito maiores vantagens do que o systema que se propõe.
Vou ler á camara uma proposta que mando para a mesa, que contém o systema francez, a que s. exa. allude no seu relatorio.
Em França o governo fornece um papel especial para o fabrico das cartas. Quem quizer fabrical-as, póde fazel-o, mediate uma declaração apresentada ás auctoridades fiscaes. O imposto é fiscalisado por tal maneira, que creio que se em Portugal se podesse estabelecer segundo as regras ali usadas, daria um resultado proporcionalmente igual ao que produz n'aquelle paiz, onde rende 540:000$000 réis!
(Leu.)
Esta proposta tem a vantagem de não lesar a industria particular, porque permitte a continuação do fabrico das cartas de jogar, facilita a fiscalisação, e suavisa o pagamento do imposto, que e pago mensalmente e á medida que se realisa o consumo.
Não quero entrar na apreciação das vantagens d'este systema. Apenas direi que, se for applicado em Portugal com as correcções que a indole do paiz reclama e a administração financeira aconselha, estou certo que se terá conseguido uma receita muito superior áquella que o sr. ministro espera obter do projecto em discussão.
Passarei agora a fazer algumas observações ácerca das loterias. Não apresento proposta nenhuma sobre este assumpto, por me parecer que se deve reflectir maduramente antes de se tomar uma resolução definitiva a tal respeito. Não censuro o governo por ter entrado no caminho de franca e aberta tolerancia para as loterias estrangeiras.
Pela minha parte detesto o jogo, e deploro as suas funestas consequencias, mas não posso deixar de conhecer que é elle uma paixão fatal que não se póde evitar, e que o unico meio que o legislador póde empregar para o reprimir é regulal-o e tributal-o.
Permitta-me o illustre ministro da fazenda que eu duvide da efficacia das providencias que s. exa. propõe para obter uma receita proveniente da permissão das loterias estrangeiras em Portugal.
Não sabe a camara que, apesar de serem prohibidas as loterias estrangeiras em Portugal, ellas se vendem publicamente ?
Não temos nós visto que differentes governadores civis têem empenhado todos os esforços para impedir que os bilhetes das loterias estrangeiras sejam vendidos, perseguindo os vendedores, e entrando nos estabelecimentos de venda para apprehender bilhetes, sem que nada tenham conseguido, ficando sem resultado os esforços mais tenazes que têem empenhado?
Não ouvimos nós dizer a um ministro, já fallecido, sem a menor hesitação ou escrupulo, que comprava bilhetes da loteria de Hespanha. E ninguem se escandalisou, nem se levantaram as pedras contra esse ministro que teve a franqueza de fazer essa declaração no parlamento ?
Pois que prova isto?
Prova que a força do costume prevalece sempre sobre os preceitos mais claros das leis.
Prova que as leis, para serem exequiveis, é necessario que respeitem esses costumes.
O jogo não se evita, como não se evita a venda das loterias.
Existe no coração humano uma paixão mais forte do que todas as disposições e penas legaes.
Por mais que façamos, por maior que seja o nosso empenho em acabar com o jogo e em evitar as loterias estrangeiras, não o alcançaremos.

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Sendo assim, poderá o sr. ministro, permittindo a venda e tributando os bilhetes, alcançar alguma receita valiosa?
Entendo que não.
Eu estou convencido de que da permissão da venda com o imposto não se obterá resultado apreciavel; pelo contrario, ha de desenvolver-se a venda, senão publica, pelo menos clandestina.
E isto demonstra-se com uma simples observação; qualquer individuo que tenha relações em Hespanha pode mandar comprar os bilhetes que quizer; e essa venda esta fora do alcance da lei, porque esta não comprehende senão a venda publica feita em Portugal, e não a que se realisa em Hespanha.
E alem d'essa haverá a venda clandestina, de difficil ou impossivel fiscalisação.
Não creio, pois, que d'esta medida possa resultar importante augmento de receita.
Francamente, se o sr. ministro não tinha duvida em permittir as loterias estrangeiras, então seria muito mais proveitoso para o thesouro o estabelecimento entre nós, a similhança da Italia e da Hespanha, de uma loteria nacional.
A Italia tira largos proventos da sua loteria nacional; a Hespanha aufere tambem avultados rendimentos da sua loteria, que é administrada pelo governo, e que tem uma administração propria.
Estabelecendo entre nós uma loteria official com premios avultados, de certo que a loteria hespanhola não teria grande extracção em Portugal.
Porque se prefere a loteria de Hespanha as portuguezas? Porque tem grandes premios, o que não acontece á nossa.
Nós não temos senão as pequenas loterias da santa casa da misericordia de Lisboa, loterias que, como v. exa. sabe, não têem a importancia das loterias de Madrid, e não podem por consequencia competir com estas.
Desde o momento em que no nosso paiz haja uma grande loteria nacional protegida pelo governo, e auxiliada pelos empregados fiscaes, com o serviço proprio, como ha na Italia e em Hespanha, estou convencido de que ha de dar uma receita importante.
Mas dado o caso de não se adoptar esse expediente, ainda pode haver outro meio de tornar productiva a proposta que o sr. ministro da fazenda trouxe a camara; e esse meio e entabolar negociações e procurar fazer um accordo com o governo hespanhol, de maneira que possamos ter uma quarta parte do rendimento da loteria hespanhola, proporcionando a venda dos bilhetes d'essa loteria em Portugal.
No logar de s. exa., eu não teria duvida em propor á camara, não o imposto de 15 por cento; mas uma auctorisação para o governo e sobre essa base poder decretar esse imposto, negociar com o governo hespanhol no sentido que eu acabei de expor. (Apoiados.)
Valia talvez a pena tentar o expediente.
É possivel que o governo hespanhol se não preste a esse accordo; mas em todo o caso, a não ser, como já disse, por meio de uma grande loteria nacional, não vejo senão esse meio para se poder obter uma receita importante.
Talvez porem não seja mau que o projecto seja approvado como uma experiencia; porque o sr. ministro da fazenda ao cabo de um anno ha de estar convencido de que se enganou, e que o seu projecto lhe não deu os resultados que esperava, sendo por consequencia s. exa. o primeiro a procurar estudar algum outro meio de receita para supprir aquella que esperava tirar d'aqui.
Já disse a v. exa. e repito que a este respeito não offereço nenhuma proposta ao projecto, porque o supponho completamente inefficaz. Limito-me a lembrar que os unicos meios para tornar a receita das loterias importante, são a meu ver, aquelles que acabei de expor.
Além d'isso não apresento propostas porque o assumpto carece de ser meditado e eu não quero surprehender a camara obrigando-a a uma votação, que por melhor intencionada que fosse, seria precipitada.
Tenho ainda outros artigos que desejava fossem inseridos no projecto, e não os justifico extensamente para não levar tempo a camara, e por isso limito-me a fazer a leitura d'elles, e a pouco mais.
(Leu.)
Pela legislação actual, desde que qualquer funccionario do estado encontre um documento sem sêllo, já não é permittida a revalidação senão por meio da applicação da competente multa em processo correccional.
Basta que se junte um documento sem sêllo a um requerimento, para se fazer a apprehensão, e desde que se lavra o respectivo auto, ou se faz a participação a juizo, a lei não permitte a revalidação sem processo judicial, e por isso o transgressor tem de se sentar no banco da policia correccional porque a lei não lhe permitte pagar voluntariamente a multa legal. Isto e uma violencia injustificavel. Por isso proponho o seguinte.
(Leu.)
Assim fica permittida a revalidação a todo o tempo, e não se faz a ninguem a violencia que a legislação actual auctorisa.
Passo a outro artigo, que tambem proponho.
(Leu.)
Esta disposição tem uma parte importante, e para ella peço a attenção do sr. ministro e do sr. relator.
É a que applica a pena de nullidade aos recibos entre particulares, e ás letras do cambio nacionaes.
Parece-me que uma grande parte dos recibos, e letras de cambio deixam do ser selladas, porque toda a gente tem esperança de que não será obrigada a exhibil-as em qualquer tribunal, e quando essa necessidade se dê, ha sempre o recurso da revalidação.
Parece-me conveniente adoptar o systema adoptado na lei hespanhola de 31 de dezembro de 1881, substituindo as multas pela nullidade. Estou convencido que esta pena será bastante efficaz para evitar que os interessados deixem de pôr o sêllo devido, quer nos recibos quer nas lettras.
Mando tambem para a mesa outro artigo, que diz respeito as inspecções. É o seguinte.
(Leu.)
É para facilitar o ampliar as inspecções fiscaes. Segundo a lei de 1880, estas inspecções só podem recair nos livros commerciaes; eu desejo que possam recair sobre os livros e mais papeis sujeitos ao imposto do sêllo.
Aproveito a occasião para dizer ao sr. ministro que é necessario perder o medo as inspecções ou varejos.
Toda a gente sabe, que ha bancos e estabelecimentos commerciaes que são perfeitamente exemplares no cumprimento das leis do sêllo; mas ha outros que o não são e a esses e que e precise applicar o varejo. V. exa. sabe, que ha muitos annos se deu um varejo no banco de Braga, que é um importante banco commercial, e que ahi se encontraram muitos cheques sem sêllo!!
Estou certo que o sr. ministro não hesitava em recorrer a este efficacissimo meio de fiscalisação.
Ha muito tempo que adoptamos o systema de mandar visitadores para os diversos districtos, a fim de fiscalisarem o cumprimento das leis do sêllo, e alguns resultados têem dado essas inspecções; mas não bastam; é preciso recorrer de vez em quando aos varejos, mas para estes darem algum resultado, e indispensavel que recaiam, não só nos livros, como a lei preceitua, mas em todos os documentos e papeis sujeitos a sêllo. (Apoiados.)
Tal é a rasão d'esta proposta.

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SESSÃO DE 26 DE MAIO DE 1885 1805

Tambem proponho o seguinte artigo:
(Leu.)
Vou dizer á camara em poucas palavras a rasão d'este artigo.
Actualmente ha grande numero de letras de cambio, de acções de bancos e companhias, que vão a casa da moeda para se trocarem por outras, por se terem inutilisado ao encher. Parece me que esta pratica pode continuar pagando-se alguma cousa para o estado. Eu proponho que se pague 5 réis por cada um d'esses documentos. Não há de provir, de certo, uma receita muito importante d'esta disposição, mas sempre há de obter-se alguma receita.
Outro artigo que proponho diz o seguinte:
(Leu)
Esta disposição é para que, quando, por infracção do regulamento do sêllo, seja applicada a multa, não possam ser por ella responsaveis os herdeiros, que só ficam responsaveis pelo pagamento do imposto.
V. exa. comprehende, que a multa é uma pena, que, seguindo a nossa carta constitucional, não passa alem da pessoa do delinquente, e não me parece que haja principio de justiça que justifique a transmissão da multa para os herdeiros dos transgressores.
Acho rasoavel que os herdeiros sejam responsaveis pelo pagamento do imposto; mas que sobre elles vá cair a espada da lei, depois do fallecimento da pessoa a quem se haja imposto a multa, não me parece justo.
Não entro em mais considerações para mostrar a conveniencia de se approvarem estas propostas. Digo francamente que não dei conhecimento d'ellas ao sr. ministro da fazenda, pois bem desejaria que particularmente tomasse conhecimento d'ellas para ver se concordava com a sua doutrina; mas só hoje as pude redigir, e escasseou-me o tempo para as communicar a s. exa.
Não posso exigir que a illustre commissão dê immediatamente parecer sobre estas propostas; algumas d'ellas contêem materia bastante importante. O sr. relator da commissão e o illustre ministro seguramente as hão de examinar e meditar.
Há n'ellas algumas disposições, que só depois de serio estudo podem estar habilitados a approvar ou rejeitar.
(Muitos Apoiados)
Ainda devo dizer que na parte penal há evidentemente disposições que me parece que esta camara não póde approvar.
Por exemplo, as que se referem ao fabrico de cartas de jogar e á sua venda.
Já o sr. Eduardo Coelho demonstrou, e eu não posso deixar de fazer minhas as suas observações, que há aqui disposições que são verdadeiramente barbaras.
Diz a lei, § 3.º do artigo 6.º:
«Aquelle que fabricar cartas de jogar, em contravenção do disposto n'este artigo, ficará sujeito á pena dos falsificadores de sellos do estado.»
Sujeitar um individuo que fabrica cartas de jogar, mas que não falsifica cousa alguma, á pena dos falsificadores de sellos do estado, já me parece cruel e injusto, mas parece-me ainda mais grave, repugna-me ainda mais, a segunda parte do paragrapho, que diz:
«A mesma pena ficam sujeitos os vendedores ou detentores, quando não possam provar a origem das cartas, a fim de se tornar effectiva a responsabilidade dos fabricantes.»
Sr. presidente, vae a minha casa um inimigo meu, um individuo que me quer mal, e deixa-me lá em cima de uma mesa uns poucos de baralhos de cartas não sellados, nem lithographados na imprensa nacional. Ahi estou eu incurso nas penas de falsificador, sem Ter falsificado nada, sem de nada saber até.
Ahi estou eu condemnado por falsificação, sem ter falsificado cousa alguma!
Há o recurso de provar a origem das cartas. Mas, se ellas me appareceram em casa sem eu saber como, sem eu saber quem lá as deixou?!...
(Aparte.)
É exacto. Podem metter-m'as até na algibeira do casaco, na algibeira do paletot; e ahi fico eu sujeito á pena dos falsificadores dos sellos do estado, sem saber porque!...
A simples detenção, independentemente de qualquer intenção criminosa, não póde ser rasão sufficiente para se condemnar alguem como falsificar de sellos do estado.
E depois, v. exas. enganam-se com estas penalidades exageradas. V. exas. estão completamente illudidos a esta respeito.
Estas penas por quem hão de ser applicadas?
Pelo jury?
E qual será o jury que deixe de absolver qualquer individuo arrastado ao tribunal, só pelo facto de ter em casa alguns baralhos de cartas não sellados? Estas penas, portanto, são inefficazes porque não se applicam.
A sua exageração é tal que quasi exclue toda a possibilidade de prova.
Não será facil obter testemunhas que jurem contra um individuo qualquer, quando se saiba que esse individuo só por ter em casa alguns baralhos de cartas não selladas, ha de soffrer a pena dos falsificadores dos sellos do estado. Portanto esta penalidade e inutil. (Apoiados.)
Ora, nas leis não se escrevem penalidades inuteis. (Apoiados)
Por consequencia, parecia-me que era melhor estabelecer uma pena mais moderada, uma pena mais proporcionada ao delicto, em logar d'esta, que, incontestavelmente e exagerada, e que, pelo que acabo de dizer, não ha de dar resultado algum. (Apoiados.)
Diz o § 4.° do artigo 6.°: «Fóra da hypothese do artigo precedente o vendedor do cartas não selladas, ou fabricadas em contravenção do disposto n'este artigo, incorrerá na pena de multa de l00$000 réis, pela primeira vez, e de 300$000 réis no caso de reincidencia.
«Os simples detentores incorrerão na pena de multa de 50$000 réis, pela primeira vez, e de 100$000 réis no caso de reincidencia.»
Em primeiro logar chamo a attenção do illustre relator da commissão para esta phrase: Fóra da hypothese do artigo precedente.
O artigo precedente e o 5.°, que trata dos processos de expropriação por utilidade publica, e portanto nada tem que ver com este paragrapho.
Aqui ha evidentemente um erro, que convem rectificar. Deve dizer-se provavelmente:
«Fóra da hypothese do paragrapho precedente.»
Mas ainda assim, eu não sei o que quer dizer fóra da hypothese do pragrapho precedente.
Fóra da hypothese do fabrico e da detenção das cartas de jogar?
O sr. Moraes Carvalho:- Refere-se ao caso de se não provar a origem das cartas.
O Orador: - Então ainda quando o transgressor provar a origem das cartas, ha de ser punido com a multa estabelecida n'este paragrapho? Isso parece me duro, e iniquo. Desde que o transgressor prova a origem das cartas, e conseguintemente a ausencia da intenção criminosa, deve ser absolvido de qualquer pena. Esta deve recair sobre o verdadeiro culpado, que e aquelle d'onde provieram as cartas.
Mando as minhas propostas para a mesa e desejaria que sobre ellas fosse ouvida a illustre commissão. Não proponho, porém, o adiamento da discussão. Desejaria apenas que a illustre commissão desse parecer sobre ellas, de maneira que habilitasse a camara a approval-as ou rejeital-as conscienciosamente.
Torno a repetir que não tenho outra intenção senão por

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1806 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

um lado tornar a lei mais perfeita, e por outro lado propor ao sr. ministro novas fontes de receita. É possivel que as minhas propostas não attinjam o fim que eu tenho em vista, é possivel que careçam de melhor redacção, porque confesso a v. exa. que os redigi á pressa e com bastante precipitação.
Por isso pego e desejo que sejam examinadas pela commissão.
Mando para a mesa a minha proposta, e peco a camara que me desculpe de eu ter occupado tão largo tempo a sua attenção.
Vozes: - Muito bem.
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Artigos novos.

Artigo ... Todos os funccionarios do estado são obrigados a apprehender ou mandar apprehender os documentos e papeis sujeitos a sello que encontrarem sem o devido sello, lavrando ou mandando lavrar o respectivo auto, e remettendo-o ao juízo competente para a imposição da multa legal em processo de policia correccional.
§ unico. Este processo não terá logar, ou cessará se o transgressor reconhecer a falta e pagar a multa estabelecida na lei.
Artigo ... Todos os documentos, titulos, livros e papeis de qualquer natureza, sujeitos a sello, que a data da presente lei não estejam devidamente sellados, podem ser revalidados no praso de tres mezes contados da publicação da mesma lei pelo pagamento do sello devido e mais 50 por cento. Não o sendo n'este praso, só o poderão ser pelo pagamento da multa legal. Todos os outros documentos, titulos, livros e papeis poderão ser revalidados pelo pagamento da respectiva multa.
§ 1.° Não sendo revalidados, não poderão ser admittidos, nem produzir effeito em juízo, ou perante qualquer auctoridade ou repartição publica.
§ 2.° Não podem ser revalidados e serão considerados nullos para todos os effeitos os documentos e papeis comprehendidos na verba 1 da classe 12.ª da tabella n.° 1 e classe 4.ª da tabella n.° 2, annexas ao regulamento de 14 de novembro de 1878.
Artigo... A infracção directa, a que podem proceder os empregados fiscaes, recaira nos livros e mais papeis sujeitos ao imposto do sello.
§ unico. Fica assim declarado o artigo 18.° da lei de 22 de junho de 1880.
Artigo... As letras de cambio, acções e obrigações de bancos e companhias, apolices de seguro e outros documentos analogos, que se inutilisarem ao encher, podem ser trocados por outros de iguaes taxas, comtanto que não apresentem indicios de terem produzido effeito, pagando 5 reis por cada um desses documentos.
Artigo .. . Fallecendo a pessoa a quem se haja imposto qualquer multa, ou que por ella fosse responsavel, os seus herdeiros não são sujeitos ao pagamento da mesma multa, sendo apenas obrigados ao imposto que for devido.
§ 1.° Quando as multas forem impostas a uma pessoa moral, serão sempre exigiveis, quaesquer que sejam os seus representantes.
§ 2.° Exceptuam-se as corporações officiaes, que só são sujeitas ao pagamento do imposto, pertencendo exclusivamente a responsabilidade das multas aos vogaes que funccionavam ao tempo em que se commetteu a infracção. = José Luciano.
Art. (5.° do projecto). São isentos do pagamento do sollo os actos e documentos emanados ou promovidos pela fazenda e pelo ministerio publico em todos os processos civis, criminaes, fiscaes, orphanologicos e de expropriação por utilidade publica em que intervierem, não podendo a outra parte, ainda que seja condemnada, ser obrigada a pagar o sello correspondente aos mencionados actos e documentos.
§ unico. Ficam revogadas as verbas 24 e 25 da tabella n.° 3, junta ao regulamento de 14 de novembro de 1878.
Art. 6.° O fabrico das cartas de jogar só é permittido nas localidades que forem designadas pelo governo, meniante previa declaração apresentada pelos interessados dos termos do respectivo regulamento
§ 1.° As cartas de jogar serão lithographadas em papel especial, que será fornecido pelo governo aos fabricantes, ficando estes obrigados a dar conta do que tiverem recebido, sob pena de pagarem o dobro do imposto correspondente a cada baralho que podesse ser fabricado com as folhas não apresentadas.
§ 2.° O involucre de cada baralho deve conter a marca e assignatura do fabricante, bem como uma cinta com sello branco posto pela forma determinada no regulamento. Sem esta cinta não poderão circular as cartas.
§ 3.° O imposto será liquidado á proporção que se for applicando esta cinta, e será pago no fim de cada mez.
§ 4.° O imposto será de 80 reis por baralho.
§ 5.° Fica prohibida a importação de cartas estrangeiras.
§ 6.° 0 governo fica auctorisado a adoptar as providencias necessarias para assegurar a cobrança do imposto, estabelecendo penas que não excedam a 100$000 reis de multa, e a um mez de prisão, alem da apprehensão e perdimento dos objectos descaminhados. = José Luciano.
Foram admittidas.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha, e a continuação da de hoje e mais os projectos n.ºs 85 e 87.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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