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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dois officios sendo um da camara dos dignos pares e outro do sr. Maximiliano de Oliveira, agradecendo á camara a sua eleição para vogal substituto da junta do credito publico. - Segunda leitura e admissão de três projectos de lei, sendo dois do sr. Arthur Hintze Ribeiro e outro do sr. Alves Matheus. - Requerimento de interesse particular apresentado pelo sr. Alves Matheus. - Justificação de faltas do sr. J. J. Alves. - Parecer da commissão de fazenda apresentado pelo sr. Carrilho. - O sr. Teixeira Sampaio pede a discussão de dois projectos. - O sr. Luiz José Dias pede que venham para a mesa as representações que foram enviadas á camara a favor ou contra o projecto n.° 67. - Responde o sr. presidente. - O sr. Sebastião Centeno pede a discussão do projecto de lei n.° 78, e o sr. Santos Viegas a do projecto de lei n.° 92. - O sr. Luciano Cordeiro manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda. - O sr. J. J. Alves pede que seja tomado em consideração o projecto de lei de iniciativa do sr. Thomás Ribeiro, e que tem por fim melhorar a situação dos veteranos da uberdade. - O sr. Avellar Machado pede a discussão do projecto de lei n.° 70. - Continua em discussão o projecto de lei n.° 84, que é combatido pelo sr. Elvino de Brito. - O sr. ministro da negócios estrangeiros manda para a mesa uma proposta de lei.- O sr. Avellar Machado responde, na qualidade de relator, ao sr. Elvino de Brito. - O sr. Simões Ferreira apresenta uma proposta modificando o artigo 1.° do projecto em discussão. - A requerimento do sr. Guilhermino de Barros julga-se a matéria discutida, e o projecto é approvado com a emenda do sr. Simões Ferreira, tendo retirado a sua proposta o sr. Albino Montenegro. - Lê-se o projecto n.° 92, mas por ser tarde não chega a entrar em discussão.
Na ordem do dia é posto em discussão o projecto n.° 87 (tratado do Zaire) que é largamente commentado e combatido nalguns pontos pelo sr. Barros Gomes,, apresentando uma moção de ordem, que é admittida. - É approvada a ultima redacção dos projectos de lei n.ºs 97, 48 e 84. - O sr. Elvino de Brito apresenta dois requerimentos. - O sr. ministro dos negócios estrangeiros dá explicações com respeito a um desses requerimentos, e o sr. ministro da marinha, refere-se ao outro. - Apresenta uma proposta o sr. Ennes.- Trocam-se explicações entre os srs. Consiglieri e ministro dos negócios estrangeiros. - O sr. ministro da marinha allude á proposta do sr. Ennes, que por fim a retira.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 37 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Agostinho Lúcio, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Augusto Barjona de Freitas, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, E. Coelho, Vieira das Neves, Augusto Teixeira, João Arroyo, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Correia de Barros, José Frederico, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, M. J. Vieira, Guimarães Camões, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Balsemão e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sonsa e Silva, António Cândido, António Centeno, António Ennes, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Neves Carneiro, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Mouta e Vasccncellos, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. A. Pinto, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado. J. A. Neves, Coelho de Carvalho, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Júlio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Reis Torgal, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Franco, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Não compareceram, á sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Pereira Corte Real, Fontes Ganhado, Urbano de Castro, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Conde de Villa Real, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Wanzeller, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Franco Frazão, Melicio, Ferrão de Castello Branco, Ponces de Carvalho, Amo-rim Novaes, José Borges, Dias Ferreira, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas e Visconde de Alentem.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Da camara dos dignos pares do reino, remettendo a proposição de lei, que tem por fim applicar ao supremo tribunal administrativo o disposto nos artigos 10.° e seus paragraphos, 11.° e 12.° do decreto com força de lei de 21 de agosto de 1878, que organisou o tribunal de contas; e bem assim um exemplar do parecer das commissões de administração publica e de fazenda, seguido da respectiva proposta do digno par visconde de Bivar.
Enviada às commissões de administração publica e de fazenda.

2.º Illmo. E exmo. Sr. Tenho presente que v. exa. se dignou dirigir-me, participando-me que a camara dos senhores deputados, em sessão de 26 do corrente me tinha honrado com a eleição para vogal substituto da junta do credito publico.
Agradecendo tão distincta honra, rogo a v. exa. de assim o fazer constar á mesma camara?
Deus guarde a v. exa. Lisboa, 30 de maio de 1885. - Illmo. e exmo. sr. Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno, dignissimo secretario da camara dos senhores deputados. - Maximiliano Zacharias de Oliveira.
Á secretaria.

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1888 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Segundas leituras

Projecto de lei

Devendo ter-se sempre em vista a equidade na remuneração dos serviçaes da nação, é de toda a justiça que ao patrão e remadores do escaler de saúde de Ponta Delgada sejam elevados os seus ordenados, ao presente inferiores aos de Angra do Heroísmo e Funchal, sem que esta differença possa ser fundamentada pelo maior movimento marítimo destes portos, sendo pelo contrario o d'aquelle muito superior ao de Angra, nem tão pouco na maior carestia de subsistência, que regula approximadamente pela mesma nas três localidades.
Por estas rasões é de toda a equidade, que sejam aqui parados os seus vencimentos aos do Funchal, com quem mais se podem comparar nos serviços e obrigações, que lhes incumbem.
Não é igualmente justificável a differença que existe na verba para custeio de escaleres, entre a estação de saúde de Ponta Delgada e a de Angra do Heroismo, quando pelo contrario como acima referimos o serviço da primeira é sem duvida superior.
Por estas considerações submetto á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os ordenados do patrão e remadores de saúde de Ponta Delgada suo equiparados aos da estacão de saúde do Funchal.
Art. 2.° É elevada a 120$000 réis a verba para custeio de escaleres da mesma estação de saúde.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 30 de maio de 1885. = Arthur Hintze Ribeiro.
Foi admittido e enviado ás commissões de saude e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A lei de 6 de abril de 1874, mandando classificar em três ordens os concelhos de todo o reino e ilhas adjacentes, teve por fim gradual-os com justiça quanto á importância dos impostos directos que satisfaziam aos cofres públicos, para poder assim remunerar convenientemente os escrivães de fazenda segundo a sua antiguidade e bons serviços, e ao mesmo tempo proporcionar-lhes o pessoal necessario para se desempenharem dos trabalhos a seu cargo.
Procedendo-se á classificação dos concelhos coube ao da Ribeira Grande, no districto de Ponta Delgada, ficar collocado entre os de segunda ordem na tabella annexa ao decreto de 10 de setembro de 1874; decorreram porém os annos, e as condições em que estava este concelho foram-se alterando por tal forma, que merece hoje ser collocado entre os de primeira ordem.
Assim, se consultarmos o ultimo annuario estatístico da direcção das contribuições directas, relativo ao anuo económico de 1878-1879, veremos que o rendimento collectavel dns matrizes prediaes, a liquidação dos rendimentos geraes do estado, o numero de fogos e de habitantes no concelho da Ribeira Grande, são superiores aos de todos os do segunda ordem, á excepção do de Geia, que tem mais alguns fogos e habitantes, mas é-lhe rauito inferior em rendimentos; veremos ainda, examinando o mappa junto, extraindo do mesmo annuario, que havendo em Portugal 71 concelhos de primeira ordem (excluindo Lisboa e Porto), o da Ribeira Grande, que é, como já dissemos, de segunda ordem, é superior a 49 d'elles, entre os quaes 7 cabeças de districto, no rendimento collectavel das matrizes prediaes, a õõ na liquidação dos rendimentos geraes do estado, a 37 no numero de prédios urbanos e de fogos, e a 33 no numero de habitantes.
Esta comparação ainda se torna muito mais favorável para o concelho da Ribeira Grande, se tomarmos o rendimento collectavel resultante da revisão das matrizes que teve logar em 1883 no districto de Ponta Delgada, e que foi de 268:258^262 réis; comtudo basta o que já dissemos para justificar plenamente o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E considerado de primeira ordem o concelho da Ribeira Grande, districto de Ponta Delgada, para os fins e effeitos da lei de 6 de abril de 1874, ficando assim alterada a respectiva tabella que faz parte do decreto de 10 de setembro do mesmo anno.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Camara dos srs. deputados, em 30 de maio de 1885. = Visconde das Laranjeiras, Manuel = Arthur Hintze Ribeiro = António Augusto de Sousa e Silva.

Mappa a que se refere este projecto

[Ver Mappa na Imagem].

Concelhos ....

Aveiro ....
Estarreja ....
Feira ....
Beja ....
Moura ....
Odemira ....
Barcellos ....
Braga ....
Guimarães ....
Villa Nova de Famalicão ....
Villa Verde ....
Bragança ....
Macedo de Cavaleiros ....
Mirandella ....
Moncorvo ....
Castelo Branco ....
Covilhã ....
Fundão ....
Cantanhede ....
Coimbra ....
Figueira da Foz ....
Montemór o Velho ....
Soure ....
Extremoz ....
Evora ....
Montemor o Novo ....

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1889

[Ver Tabela na Imagem].

Concelhos ....

Faro ....
Loulé ....
Silves ....
Tavira ....
Guarda ....
Sabugal ....
Alcobaça ....
Leiria ....
Pombal ....
Alemquer ....
Belem ....
Cintra ....
Mafra ....
Setubal ....
Elvas ....
Portalegre ....
Penafiel ....
Villa do Conde ....
Villa Nova de Gaia ....
Villa Real ....
Horta ....
Ponta Delgada ....
Ribeira Grande ....

Projecto de lei

Senhores. - O projecto que temos a honra de submetter á vossa apreciação em por fim attender á situação em que ficaram alguns dos antigos empregados das direcções de correio extinctas em consequencia da ultima reforma feita no serviço dos correios e dos telegraphos.
Os empregados de que se trata eram considerados empregados particulares dos directores, não faziam parte dos quadros postaes, e não foram por isso comprehendidos nas disposições da lei de 7 de julho de 1880; mas é incontestavel que eram elles auxiliares valiosos e indispensaveis dos mesmos directores de correios, que n'um grande numero de casos pecava sobre elles a parte mais importante da manipulação das correspondencias e da emissão de vales e é certo que a sua retribuição figurava, e figura ainda, para um certo numero, no orçamento da despeza do estado incluída na percentagem do director de correio respectivo.
N'algumas estações, como na de Braga, não poderam elles ser ainda dispensados.
Regularisar a situação d'estes indivíduos, garantir lhes de um modo equitativo a collocação á medida que vão desapparecendo os directores, para evitar que elles sejam lançados na miseria depois de terem bem servido o estado durante muito tempo, é um acto de justiça que póde ser levado á pratica com vantagem reconhecida para o serviço postal e telegraphico, e sem augmento de despeza, pela fórma indicada no projecto, applicando-se para isso a parte disponível da verba inscripta no capitulo 10.°, artigo 24.°, secção 7.ª, para retribuição aos empregados addidos que fallecerem, forem aposentados ou forem collocados no quadro.
A modificação proposta na tabella 7.ª annexa acarta de lei de 7 de julho de 1880 tem por fim, na parte relativa aos ajudantes, assegurar a esses empregados uma retribuição mais em harmonia do que a actual com es serviços valiosos que elles prestam.
A alteração proposta com respeito aos encarregados das estações de 5.ª classe tem por fim graduar a retribuição desses empregados conforme o trabalho que sobre elles pesa por forma que, os que servem nas cabeças de concelho, onde o movimento é, por via de regra, maior que nas outras localidades, a retribuição seja mais elevada, e que haja nesta uma distincção conforme a estação tem, ou não, serviço telegraphico.
As disposições dos artigos 3.° e 4.°, assegurando a collocação dos ajudantes e dos directores de correio a seu pedido nos logares de encarregados das estações de 5.ª classe e dando accesso aos ajudantes para os legares de aspirantes auxiliares, faraó por um lado diminuir a despeza dos empregados addidos e darão por outro uma recompensa que servirá de estimulo aos empregados práticos que desejem, seguir a carreira.
Artigo 1.° É o governo autorisado:
1.° A collocar no quadro para o serviço dos correios e telegraphos fóra dos districtos de Lisboa e Porto, na clas-

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1890 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

se dos segundos aspirantes, os dois empregados da extincta direcção do correio de Braga, actualmente em serviço na estação telegrapho postal da mesma cidade, augmentando-se para isso o referido quadro com dois logares;
2.° A collocar na classe de ajudantes, nas estações telegrapho-postaes, os fieis dos directores de correio, fallecidos, aposentados ou collocados nos quadros depois da promulgação da lei de 7 de julho de 1880, augmentando-se, para isso, o quadro com o numero correspondente de logares.
§ único. As disposições do numero 2.° são applicaveis unicamente aos fieis que, tendo sido regularmente nomeados ou confirmados pela repartição competente, tiverem pelo menos, dez annos de serviço, na data do fallecimento, aposentação ou collocação do director respectivo e provarem por um exame pratico ter a necessária aptidão para o uso e manipulação dos apparelhos telegraphicos.
Art. 2.º A tabella 7, annexa á carta de lei de 7 de julho de 1880, é modificada, na parte relativa aos venci mentos dos ajudantes e dos encarregados das estações de 5.ª classe, pela forma indicada na tabella junta.
§ único. Para o abono de vencimentos aos ajudantes conta-se como serviço nessa classe todo o tempo que tiverem servido nos correios ou nos telegraphos.
Art. 3.° Os logares de encarregados de estações de 5.ª classe, a que corresponder nina retribuição superior a réis 90$000 annuaes, serão providos por concurso em indivíduos que satisfizerem a um exame pratico sobre uso e manipulação de apparelhos telegraphicos e estiverem habilitados a prestar a competente caução. Em igualdade de circunstancias serão preferidos para estes logares os ajudantes das estações telegrapho-postaes e os fieis das extinctas direcções de correio.
§ único. Poderão per providos sem concurso em logares de encarregados de estações de 5.ª classe, alem dos officiaes inferiores do exercito nas condições marcadas na lei de 26 de junho de 1883, os directores de correio addidos que o requererem, quando satisfizerem a um exame pratico sobre o uso e manipulação de apparelhos telegraphicos, e os indivíduos habilitados com o curso pratico de correios e telegraphos.
Art. 4.° As vacaturas de logares de aspirantes auxiliares em cada um dos quadros dependentes da direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes, serão providas independentemente de concurso:
a) Metade em officiaes inferiores do exercito, nas condições marcadas na lei de 26 de junho de 1883, que tenham as habilitações marcadas nos regulamentos.
b) Um quarto em indivíduos habilitados com o curso pratico de correios e telegraphos, pela ordem da classificação que tiverem obtido no mesmo curso.
c) Um quarto em ajudantes do sexo masculino das estações telegrapho postaes que tiverem mais de sete annos de bom e effectivo serviço, pela ordem da sua antiguidade.
§ 1.° Quando o numero de officiaes inferiores, devidamente habilitados, que solicitem logares de aspirantes auxiliares, for inferior ao numero de vacaturas a prover n'elles, serão os logares restantes preenchidos por indivíduos habilitados com o curso pratico de correios e telegraphos; na falta d'estes abrir-se-ha concurso de provas praticas a que serão admittidos os ajudantes do sexo masculino e os chefes de estacões telegrapho-postaes com mais de cinco annos de serviço effectivo, e os indivíduos estranhos ao serviço de correios e telegraphos que tiverem as habilitações marcadas no regulamento.
§ 2.° Emquanto houverem directores de correio addidos que recebam de percentagem annual 200$000 réis, ou menos de cada duas vacaturas de logares de aspirante auxiliar do respectivo quadro, será uma provida pela collocação do um desses directores, e a outra pela forma indicada neste artigo. = O deputado, J. Alves Matheus = Antonio Augusto de Sousa e Silva = Ernesto Julio Goes Pinto = Guilhermino Augusto de Barros.

Tabella modificando a tabella n.º 7 annexa á carta de lei de 7 de junho de 1880, na parte relativa aos vencimentos das ajudantes e encarregados de estações de 3.ª classe a que se refere o artigo 2.° deste projecto:

[Ver Tabela na Imagem].

Categorias

Ajudantes do sexo masculino ou feminino

Durante os dois primeiros annos ....
Passados dois aunos de serviço ....
Passados quatro annos de serviço ....
Passados seis annos de serviço ....

Encarregados de estações de 5.ª classe

Situadas nas cabeças de concelho:

[Ver tabela na Imagem].

Vencimento de categoria ....
Vencimento de exercicio ....

Situadas fóra das cabeças de concelho:

[Ver Tabela na Imagem].

Tendo serviço telegraphico e postal:
Vencimento de categoria ....
Vencimento de exercicio ....
Gratificação pelo serviço telegraphico ....

[Ver Tabela na Imagem].

Tendo só serviço telegraphico:
Vencimento de categoria ....
Vencimento de exercicio ....
Gratificação pelo serviço telegraphico ....

Tendo só serviço postal:

Uma gratificação cujo máximo não poderá exceder 90$000 réis annuaes calculada em relação ao numero de correspondencias recebidas e expedidas pela estação, tendo-se em attenção se a expedição das inalas é feita de dia ou de noite.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro com urgencia que, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, sejam remettidas á camara copias dos telegrammas e officios que, sobre as negociações a que se refere o projecto que se debate, se trocaram entre o governo portuguez e os seus delegados em paizes estrangeiros e que, embora a elles se alluda no Livro branco, não foram comtudo nelle inseridos; e bem assim requeiro a remessa de copias dos officios, cujos extractos foram publicados no mesmo Livro . = Elvino de Brito.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja remettida á camara com urgência copia de qualquer diploma pelo qual fosse nomeada alguma commissão para estudar e propor ao governo um plano geral de organisação administrativa e a occupação dos novos territórios do Zaire. = Elvino de Brito.
Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De José Pedro Sant'Anna da Cunha, ex-missionario em Singapura, pedindo a protecção do governo para lhe ser feita justiça, em attenção aos seus serviços prestados no ultramar.
Apresentado pelo sr. deputado Alfredo Barjona e enviado á commissão de negocios ecclesiasticos.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Declaro que, por motivo justificado, faltei á sessão de sabbado, 30 de maio ultimo. - J. J. Alves, deputado por Lisboa.
Para a acta.

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1891

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre as contas da gerência, da commissão administrativa da camara dos senhores deputados, desde 18 de janeiro até 17 de maio de 1884.
A imprimir.
O sr. Teixeira de Sampaio: - Em janeiro apresentei aqui dois projectos de lei. Em um d'elles pede a camara municipal de Murça que seja prorogado o praso da concessão do convento de S. Bento, onde se acham instaladas as repartições publicas; no outro pede-se para ser auctorisada a camara municipal de Alijo a desviar dos fundos para viação a quantia de 5:000$000 réis, destinados á construcção de um chafariz e de uma casa para talho.
Estes projectos obtiveram ultimamente os respectivos pareceres, e estão inscriptos na tabella.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que entrem em discussão, começando-se pela do projecto n.° 79, que é urgente, visto que em julho termina o praso dos dois annos por que foi feita a concessão, e que esta ficará sem effeito, se esse praso não for prorogado.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Luiz José Dias: - Eu desejava usar da palavra se estivesse presente algum dos srs. ministros; mas, visto que o governo não está ainda representado, peço a v. exa. que me reserve a palavra para occasião opportuna.
Peço tambem a v. exa. que mande vir para a mesa as representações e esclarecimentos que subiram a esta camara, ácerca do projecto de lei n.° 67, entrando nesse numero uma outra representação, porque convém examinal-as todas, para serem devidamente apreciadas as rasões pró ou contra, em referencia ao mesmo projecto.
O sr. Presidente (Luiz Bivar): - V. exa. fica com a palavra reservada para quando estiver presente algum membro do governo.
As representações e esclarecimentos a que v. exa. se refere devem estar na commissão respectiva; mas a mesa pedirá ao sr. presidente ou secretario dessa commissão que satisfaça o pedido do illustre deputado.
O sr. Sebastião Centeno: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a v. exa. que se digne consultar a camara se permitte que, dispensado o regimento, entre em discussão o projecto de lei n.° 78 que está dado para ordem do dia. = a deputado, Barbosa Centeno.

O sr. Santos Viegas: - Estava convencido de que tendo pedido a palavra por parte da commissão de instrucção primaria e secundaria, v. exa. devia preferir-me a qualquer outro sr. deputado. Não o fez v. exa., motivos haveria para tanto.
O sr. Presidente (Luiz. Bivar): - Não ouvi v. exa. pedir a palavra por parte da commissão de instrucção primaria e secundaria. Ter-lh'ia logo dado, se o tivesse ouvido.
V. exa., que occupa um logar n'esta assembléa ha annos, sabe bem que eu não costumo preterir ninguém na ordem da inscripção. (Apoiados.)
O Orador: - Talvez v. exa. julgasse que continuaria a ser impertinente com qualquer dos meus pedidos anteriormente feitos, e por isso não desejaria que me manifestasse desde logo.
Desculpe v. exa., porque bon gré, mal gré, continuarei no meu pedido feito nas sessões anteriores, e portanto rogava a v. exa. como presidente desta assembléa que, apenas haja numero na sala, submetia ao seu exame e ao seu voto o projecto de lei n.° 92, que auctorisa a camara municipal de Mondim de Basto a desviar do fundo de viação certa quantia para obras urgentes.
Não cesso de declarar que foi já n'esta casa apresentado e approvado duas vezes este projecto. Eu serei molesto no pedido que faço, mas o que não posso é deixar de dar plena satisfação a quem me deu o diploma e me chamou ao seio do parlamento, onde todos os deputados que d'elle fazem parte, ao apresentarem projectos, toem o rigoroso direito de não pedindo favor, esperar ser attendidos nas suas reclamações em favor dos povos que representam.
Neste santo propósito, eu não serei dos últimos a lavrar o meu protesto, embora me seja desagradável no que disser poder ir ferir a susceptibilidade seja do quem for.
Insisto, pois, em que seja discutido nesta casa, sujeito á sua apreciação para ser approvado ou rejeitado, o projecto que tive a honra de apresentar, e que tem o n.° 92.
As explicações que v. exa. se tem dignado dar como presidente desta assembléa, o tempo gasto n'essas explicações era sufficiente para que este projecto e outros do igual natureza podessem ter sido discutidos n'esta assembléa com a urgência que es interesses públicos reclamam.
Nesta conformidade, repito, ou seja molesto ou não seja, eu insisto para que. o meu projecto entre em discussão, e, logo que haja numero na, saia, v. exa. consulte a camara, e peço a v. exa. que consulte a camara, porque só com a manifestação do seu voto poderei declarar se o meu projecto merece ou não a sua attenção.
Eu, ainda como membro da commissão de instrucção primaria e secundaria, requeiro. não em norne de uma parte do paiz, que me confiou o seu diploma, mas em nome dos interesses da nação, do quem sou representante, requeiro, digo, que entre em discussão o projecto de lei n.° 103.
Este projecto refere-se á, creação, quando as juntas geraes dos districtos o reclamem e se responsabilisem pelas despezas, de um curso complementar de sciencias e artes que a lei de 14 de junho de 1880 permitte, nas condições que acabei de apresentar.
Como v. exa. sabe este projecto foi distribuído na sessão de sabbado, e como ainda não decorreu o tempo marcado pelo regimento, para ser dos que entram na ordem do dia, eu peço a v. exa. para propor á, camara se permitte que o projecto entre desde já em discussão.
Os deputados são representantes da nação e portanto têem obrigação de corresponder aos interesses da mesma nação, e por isso estou convencido, de que será acceite a idéa que acabo de expor e que submetto á apreciação de v. exa.
Este projecto foi apresentado pelo meu illustre collega e deputado por Braga o sr. Vicente Pinheiro, a quem devo agradecer a s. exa. as phrases amáveis que me dirigiu na ultimo sessão quando, enviando uma representação para a mesa ácerca deste projecto, teve a bondade de se dirigir á minha humilde pessoa.
Agradeço, pois, essas expressões amáveis, assim como devo agradecer em nome dos meus collegas deputados por Braga, os quaes todos zelam os interesses deste districto.
Tenho concluído.
O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, concordando com o da commissão de obras publicas, sobre o projecto que fixa o ordenado do pagador do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 900$000 réis e em 200$000 réis a verba para falhas.
A imprimir.
O sr. Alfredo Barjona. - Mando para a mesa um requerimento do padre Sant'Anna da Cunha, antigo missionário de Singapura.
Reservando-me para, em occasião opportuna, expor á camara a minha opinião sobre este assumpto, limito-me a pedir a v. exa. lhe dê o destino conveniente e se digne consultar a camara se permitte a sua publicação no Diario do governo.
O s. J. J. Alves: - Sr. presidente, mando para a mesa a declaração de que por motivo justificado faltei á sessão de sabbado 30 de maio ultimo.
Cumpro um dever, sr. presidente, chamando a attenção das commissões a que está affecto o projecto de lei, que á

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1892 DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

camara dos senhores deputados apresentou em tempo o sr. Thomás Ribeiro, que tem por um melhorar a situação dos veteranos da liberdade.
A approvação d'este projecto não deve ser considerada como um favor, porém sim como um signal de gratidão para com aquelles portuguezes, que sacrificaram tudo para ajudar a implantar no nosso paiz a liberdade, á sombra da qual nos abrigâmos.
Espero, pois, que as illustres commissões e a camara, reconhecendo os serviços prestados por aquelles portuguezes, em pregará o todos meios para que ainda nesta sessão soja resolvida essa medida de tanta justiça.
Chamo igualmente a attenção das commissões respectivas para que não deixem morrer no seu seio o projecto de lei apresentado em tempo pelo sr. Luciano Cordeiro, que tem por fim prohibir a importação do estrangeiro dos medicamentos de composição secreta.
Sr. presidente, este projecto não pertence ao numero dos que augmentam a despeza, e bem longe de trazer encargos para o estado elle dá ao paiz toda a garantia para a saúde publica, evitando uma especulação que prejudica altamente os interesses dos particulares e a dignidade do paiz.
Sr. presidente, approvando este projecto não faremos roais que seguir os exemplos da maioria das nações, que todas e têem empenhado em não dar entrada às preparações desta ordem sem a precisa analyse chimica, e sem que estejam inscriptas nas suas pharmacopeas.
O sr. Avellar Machado: - Uso da palavra unicamente para rogar a v. exa. que na primeira opportunidade que se lhe offereça, se digne pôr em discussão o projecto do lei, relativo ao augmento de subsidio que o estado dá ao monte pio official.
Identico pedido já foi feito a v. exa. numa das sessões passadas pelo nosso collega o sr. Scarnichia e eu espero que v. exa. tome este assumpto na consideração que elle merece.
Rogo ainda a v. exa. que sejam postos em discussão os projectos n.ºs 54 e 101, que já estão em ordem do dia.
O sr. Presidente (Luiz uivar): - Ficou pendente em uma das sessões passadas a discussão do projecto de lei n.° 84. Vae ler-se de novo e depois darei a palavra aos srs. deputados que ficaram inscriptos.
Leu-se o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 84

Senhores. - A vossa commisssão de obras publicas examinou com a costumada attenção uma representação da camara municipal da Covilhã e um projecto de lei do sr. deputado Guilhermino de Barros, para que fosse auctorisada a camara representante a desviar do fundo de viação, e por uma só vez, a quantia de 6:000$000 réis, destinada ao estabelecimento de um hospital provisório para cholericos, e que, em geral, poderá ser aproveitado para receber doentes atacados de molestias contagiosas.
E attendendo a que montando a 53:790$167 réis a verba annual de viação no concelho da Covilhã, não póde o desfalque do 6:000$000 réis, em um só anno, prejudicar sensivelmente o desenvolvimento da construcção das estradas municiones;
Attendendo mais a que a cidade da Covilhã, mau grado todos os esforços empregados, e as despezas realisadas, se acha em pouco regulares condições hygienicas, o que é confessado pela própria camara municipal;
Attendendo ainda ao fim altamente humanitário a que é destinada a verba pedida:
É a vossa commissão de parecer, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E auctorisada a camara municipal da Covilhã a despender até á quantia de 6:000$000 réis do fundo especial de viação, com destino á fundação de um hospital para cholericos, e, em geral, para receber os doentes affectados de moléstias contagiosas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 11 de maio de 1885. = Sanches de Castro = Alfredo Barjona = L. Malheiro = Fontes Ganhado = Augusto Poppe = José Azevedo Castello Branco = Pereira dos Santos = Avellar Machado, relator.

Senhores.- A vossa commissão de administração publica concorda com o parecer da commissão de obras publicas. = Luiz de Lencastre = A. Fuschini = J. M. Arroyo = Fernando Affonso Geraldcs = José Luiz Ferreira Freire = Visconde de Alentem = Adolpho Pimentel = José Novaes, relator.

N.º 53-G

Senhores: - A camara municipal do concelho da Covilhã, pede, em representação de 15 de abril corrente, dirigida á camara dos senhores deputados, para lhe ser permittido applicar, da verba destinada á viação municipal (que no orçamento do corrente anno civil monta a réis 53:790$169, a quantia de 6:000$000 réis a fim de se achar habilitada a estabelecer um hospital provisório para cholericos precavendo-se, de tal modo para o caso em que esta epidemia appareça no concelho que administra.
A louvavel diligencia da camara municipal da Covilhã não póde deixar de ser secundada pelos poderes públicos; e já o exmo. ministro do reino (que aliás entende ser de alta conveniência publica não desviar, por via de regra, para applicações diversas das especiaes as verbas destinadas á viação municipal), concordou em acceitar o pedido da camara, que muitas e diversas rasões aliás justificam.
A Covilhã tem 12:000 habitantes em uma arca limitada, assenta em um declive de montanha escabrosa, onde os maiores cuidados municipaes não têem podido manter uma hygiene rigorosa e constante.
As numerosas fabricas, os materiaes que a sua labutação exige, a agglomeração dos operários de todos os sexos e idades, a par das outras rasões já indicadas, e todas relativas áquelle grande centro industrial, tornam instante a resolução do pedido d'aquella municipalidade.
Por este motivo, tenho a honra de apresentar á consideração da camara dos senhores deputados o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal da Covilhã a applicar á fundação de um hospital provisório para cholericos a quantia de 10:000$000 réis deduzida da receita do município na verba destinada á viação municipal.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Lisboa, 25 de abril de 1885. = O deputado pelo circulo n.° 63, Guilhermino Augusto de Barros.
O sr. Albino Montenegro: - Peço a v. exa. consulte a camara, sobre se consente, que eu desista da palavra agora, para fallar depois dos oradores que já se acham inscriptos.
Assim se resolveu.
O sr. Elvino de Brito: - Combateu o projecto porque em regra é contrario ao desvio de fundos que têem uma applicação especial e porque alem d'isso não conhece bem as condições do districto de Castello Branco, não sabendo portanto, por não terem vindo a esse respeito esclarecimentos á camara, se este desvio de fundos podia ou não prejudicar o acabamento da rede da viação municipal.
Não era um caso singular que se dava; havia urna alluvião de projectos idênticos, e por isso não podia deixar de se levantar contra elles.
Estas auctorisações constantes, permittindo às camaras municipaes o desviarem os fundos da viação para outros melhoramentos aos quaes o código administrativo destina receitas especiaes, vexavam duplamente os contribuintes.
Destruíam essas auctorisações as benéficas disposições da lei que creou os fundos para a viação, e por isso se

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1893

têem sempre levantado contra ellas os homens que cuidam das cousas da administração publica.
Fazia justiça ao actual sr. ministro do reino, dizendo que s. exa. sempre se tem opposto aos desvios destas receitas; e ao partido regenerador, observando que em 1866 se expedira uma portaria, assignada pelo sr. Mártens Ferrão, onde se desfaziam todos os sophismas com que as camaras municipaes procuravam justificar os desvios dos fundos destinados á viação.
Não podia dar o seu voto a projectos desta natureza, emquanto não tiver a certeza de que a rede de estradas municipaes está tão adiantada que não ficará prejudicada por estes repetidos desvios.
Não comprehendia que, fallando o projecto de lei primitivo de um desvio de 10:000$000 réis para a construcção de um hospital, a commissão, sem fundamento algum, ao que parece, porque não constava nada a esse respeito no respectivo parecer, reduzisse essa quantia a 6:000$000 réis, o que não lhe parecia indifferente.
Desejava alguma informação a esse respeito, e declarava que, quando se discutissem os projectos idênticos a este, apresentaria mais algumas considerações, que tanto se podem applicar a este como a outros.
Tem muita consideração pelos illustres deputados, auctores de taes projectos, mas não póde proceder contra a sua consciência no exercício das suas funcções legislativas.
O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Mando para a mesa uma proposta de lei que approva os actos addicionaes de differentes uniões postaes que a acompanham.
Leu-se na mesa. Vae publicada no final desta sessão a pag. 1936.
O sr. Avellar Machado: - Ouvi com toda attenção as considerações feitas pelo illustre deputado o sr. Elvino de Brito, e com as quaes concordo em parte.
A lei de 6 de junho de 1884 é uma das mais proveitosas que o parlamento soube inserir nos seus annaes ; mas casos ha em que tambem o parlamento póde e deve attender a elevados interesses públicos, dispensando uma ou outra vez essa lei.
A commissão tem sido o mais escrupulosa possível n'estas dispensas.
Posso afiançar a s. exa. que tanto em relação ao parecer que se discute, como era quasi todos os pareceres que ella tem dado sobre assumptos idênticos submettidos ao seu exame, têem-lhe sido sempre presentes as devidas informações, tanto por parte dos governadores civis, como dos directores de obras publicas, informações remettidas, quasi sempre, por intermédio do ministerio do reino.
Impressionou muito a s. exa. o facto de não saber a rasão porque a commissão reduziu de 10:000$000 a 6:000$000 réis a verba que se pedia no projecto primitivo.
A rasão é muito simples. A importancia da obra, segundo o ante-projecto elaborado pela repartição districtal, era de 10:000$000 réis; mas a camara municipal tem meios para fazer face aos restantes 4:000$000 réis.
A commissão, zelando os mesmos princípios que o illustre deputado defende, entendeu que devia reduzir a verba a 6:000$000 réis, com a qual a camara municipal da Covilhã se satisfaz, visto que, como acabei de dizer, tem meios para acudir á despeza que é necessario fazer alem desta verba.
Á vista desta explicação parece-me que s. ex. convencido do modo prudente como a commissão neste negocio.
Quanto á eliminação ou substituição da palavra cholericos é-me indifferente que ella subsista ou que seja substituida pelas palavras «atacados de qualquer doença contagiosa»; e por isso não tenho duvida em acceitar por parte da commissão uma proposta n'esse sentido.
O sr. Simões Ferreira: - Estou plenamente de accordo com a doutrina apresentada peio sr. Elvino de Brito de que em regra é inconveniente desviar os fundos da viação para outro fira; entendo, todavia, que se deve abrir uma excepção em favor da camara municipal da Covilhã, attentas as circumstancias especiaes que se dão relativamente aquella municipalidade, que, de mais a mais, creio eu, tem uma receita pouco importante, e pede apenas uma pequena quantia para uma obra de absoluta necessidade.
Conheço a localidade, porque durante o tempo que estive á testa do governo civil de Castello Branco tive occasião de transitar por aquelle concelho e observei que ha ali muita pobreza e muitas enfermidades. (Apoiados.) Sei tambem que são poucos os seus recursos para poder occorrer ao tratamento da gente pobre.
Entendo, portanto, que é conveniente auctorisar um desvio dos fundos da viação municipal até á quantia de 6:000$000 réis, destinados á construcção de um hospital. Não concordo porém, em estabelecer-se que o hospital sirva unicamente para cholericos, isto é, para tratamento de uma doença que póde durar três ou quatro mezes no anno.
Por este motivo proponho que o artigo 1.° seja redigido por forma que o hospital tenha o fim especial de receber quaesquer doentes affectados de moléstias contagiosas; e neste sentido mando para a mesa a minha proposta.
É verdade que póde apparecer o cholera, mas póde tambem não apparecer, e oxalá que assim succeda.
O que, porém, apparece quasi todos os annos em toda aquella parte da Beira Baixa, é o typho, e bom é que para os atacados desta moléstia haja ali um hospital permanente.
Creio que o sr. relator da commissão já declarou que acceitava uma emenda no sentido da minha proposta e eu estimarei muito que esta seja approvada, porque entendo que, sem quebra dos princípios da boa administração, se fazia com isso um grande beneficio aquella localidade. (Apoiados.}
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o artigo 1.° do projecto de lei n.° 84 seja redigido nos seguintes termos:
É auctorisada ... de um hospital, com o fim especial de receber e tratar doentes affectados de molestias contagiosas. - Simões ferreira.
Foi admittida.

O sr. Avellar Machado: - Declaro que a commissão acceita a proposta do sr. Simões Ferreira.
O sr. Guilhermino de Barros (para um requerimento: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a matéria sufficientemente discutida.
O sr. Elvino de Brito: - Parece-me que não ha numero na sala. Peço a v. exa. que tenha a bondade de mandar verificar.
Verificou-se haver numero, e em seguida julgou-se suficientemente discutida a materia.
O sr. Presidente: - Vae votar-se o projecto; mas antes d'isso têem de ser votadas duas emendas: uma do sr. Albino Montenegro e outra do sr. Simões Ferreira.

Proposta

Proponho que se eliminem as palavras que se seguem á palavra «hospital». = Albino Montenegro.
O sr. Albino Montenegro (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta.
A camara resolveu afirmativamente.

Lida a emenda do sr. Simões Ferreira, foi aprovada, e seguidamente o projecto, salva a mesma emenda.
O sr. Presidente: - Vae ler-se outro projecto.

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1894 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Leu-se o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 92

Senhores. - Á vossa commissão de obras publicas foi presente o projecto de lei n.° 67 do anno passado auctorisando a camara municipal de Mondim de Basto a desviar do fundo d& viação até á quantia de 3:300$000 réis, para ser applicada á edificação dos paços do concelho e do tribunal judicial.
Estando completa a viação n'aquelle concelho, fundamento em que se baseou a commissão de administração publica em 1884, para dar parecer favoravel ao projecto, é também a vossa commissão de opinião que ha vantagem em ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal do concelho de Mondim de Basto, districto de Villa Real, a levantar do fundo especial destinado á viação municipal até á quantia de 3:300$000 réis, a fim de ser applicada á edificação dos paços do concelho e tribunal judicial.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, 24 de abril de 1885. = Sanches de Castro = Pereira dos Santos = J. de Azevedo Castello Branco = Almeida Pinheiro = Augusto Poppe = J. A. P. de Avellar Machado, relator - Tem voto dos srs. Fontes Ganhado = L. Malheiro.

Senhores. - A vossa commissão de administração publica, tendo examinado o projecto de lei n.° 67 do anno passado, cuja iniciativa foi renovada na sessão de 6 de março ultimo pelo sr. deputado Santos Viegas; e
Considerando que ainda subsistem as rasões que levaram a camara transacta a approvar aquelle projecto:
Concordam com o illustrado parecer da commissão de obras publicas, entendendo assim que aquelle projecto deve ser approvado.
Sala das sessões da commissão de administração publica, 9 de maio de 1380.= Manuel d'Assumpção = Luiz de Lencastre = José Novaes = João Arroyo = Visconde de Alentem = Fernando Affonso Geraldes = João Luiz Ferreira Freire = Adolpho Pimentel, relator.

N.º 20-D

Renovo a iniciativa do projecto de lei que em sessão de 3 de marco de 1882 foi por mini apresentado. Tem por objecto auctorisar a camará municipal de Mondim de Basto a desviar do fundo de viação municipal a quantia de réis 3:300$000 para ser applicada á construcção do edifício para os paços do concelho e tribunal judicial.
Sala das sessões, 6 de março de 1885. = O deputado, Santos Viegas.

N.° 67

Senhores. - A vossa commissão de administração publica examinou com attenção o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Santos Viegas, tendente a auctorisar a camara municipal do concelho de Mondim de Basto a levantar do fundo especial, destinado á viação municipal, até á quantia de 3:300$000 réis, a fim de ser applicada á edificação dos paços do concelho e tribunal judicial.
Como o projecto não trazia os esclarecimentos que a commissão tem por necessarios, acerca do estudo da viação no concelho, ouviu, sobre o assumpto, o sr. deputado apresentante. Este informou a commissão que o estado da via cão é completo.
N'estes termos a commissão quebrou pelo seu constante proposito de se oppor a estas distracções de fundos, que têem uma applicação especial, vantajosa para a viação publica, e concordou, de accordo cora o governo, na approvação do projecto, e para que este se torne effectivo vem sujeitar á vossa deliberação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É auctorisada a camará municipal do concelho de Mondim de Basto, districto de Villa Real, a levantar do fundo especial, destinado á viação municipal, até á quantia de 3:300$000 réis, a fim de ser applicada á edificação dos paços do concelho e tribunal judicial.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 16 de abril de 1884. = José Grego rio da Rosa Araujo = Manuel d'Assumpção = Augusto Zeferino Rodrigues = Luiz de Lencastre, relator = Tem voto dos srs. Visconde de Alentem = Adolpho Pimentel = José Novaes.

N.º 89-E

Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal do concelho de Mondim de Basto, districto de Villa Real, a levantar do fundo especial, destinado á viação municipal, até á quantia de 3:300$000 réis, a fim de ser applicada á edificação dos paços do concelho e tribunal judicial.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 3 de março de 1882.=O deputado, Santos Viegas.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
Pedem a palavra alguns srs. deputados.

O sr. Presidente: - Vejo que este projecto vae soffrer discussão, por isso que já se inscreveram alguns srs. deputados; mas como são quasi três horas, tem de ficar para outra sessão.
Agora vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Leu-se o seguinte

PROJECTO DE LEI N.º 87

1) Senhores. - Em 26 de fevereiro de 1884, foi assignado em Londres, pelos plenipotenciarios do Rei de Portugal e da Rainha da Gran-Bretanha, o tratado geralmente conhecido pelo nome de Tratado do Zaire, ou Congo treaty, que punha termo á longa pendencia existente entre os dois paizes relativamente ao exercicio da soberania portugueza nos territórios da região inferior e costa adjacente do grande rio africano, fixando os limites d'esses territorios, as condições d'aquelle exercício, e as circumstancias que as duas altas partes contratantes entendiam dever acrescentar ás suas relações de dominio, de commercio e de acção civilisadora em Africa.
2) Em 14 de fevereiro do corrente anno era firmado em Berlin entre os plenipotenciários do Rei de Portugal, do Presidente da Republica Franceza, como potencia mediadora, e do Rei dos Belgas, como fundador da Associação Internacional do Congo, uma convenção, pela qual se fixavam e reconheciam os limites das possessões respectivas á primeira e ultima das altas partes contratantes, relativamente, também, á região inferior e costa adjacente do Zaire, e se concertavam as relações futuras de accordo e nos termos das convenções feitas ou a fazer entre a referida associação e as diversas potencias.
3) Finalmente, um anno depois da assignatura do tratado do Zaire, em igual dia e mez d'este anno, firmavam na capital do imperio germanico os plenipotenciarios do Rei de Portugal, do Imperador da Allemanha, do Imperador da Áustria, do Rei dos Belgas, do Rei de Dinamarca, do liei de Hespanha, do Presidente dos Estados Unidos da America, do Presidente da Republica Franceza, da Rainha da Gran-Bretanha, do Rei de Itália, do Rei de Hollanda, do Imperador da Rússia, do Rei da Suécia e do Imperador dos Ottomanos o acto geral de uma conferencia na qual se discutira e adoptara:
I. Uma declaração concernente á liberdade do commercio na bacia do Corgo (Zaire), suas embocaduras e paizes circumvizinhos, com certas disposições connexas;
II. Uma declaração relativa á escravatura e ás ope-

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO de 1885 1895

rações que por terra e por mar fornecem escravos ao trafico;
III. Uma declaração respectiva á neutralidade dos territorios comprehendidos na bacia convencional do Congo (Zaire);
IV. Um acto de navegação que, tendo em conta as circumstancias locaes, estende a este rio, a seus affluentes e ás aguas que lhe são assimiladas, os principios geraes enunciados nos artigos 108.º a 116.º do acto final do congresso de Vienna destinados a regular, entre as potencias signatarias, a livre navegação dos cursos de água navegaveis que separam ou atravessam diversos estados, principios convencionalmente applicados, depois, aos rios da Europa e da America, e notavelmente ao Danubio, com as modificações previstas pelos tratados de Paris de 1856, de Berlin de 1878, e de Londres de 1871 e de 1883;
V. Um acto de navegação do Niger, que tendo igualmente em conta as circumstancias locaes, amplia a este rio e aos seus affluentes os mesmos principios inscriptos nos artigos 108.º a 116.º do acto final do congresso de Vienna;
VI. Uma declaração, introduzindo nas relações internacionaes certas regras uniformes relativas ás occupações que poderão, de futuro, realisar-se nas costas do continente africano.
4) Intimamente ligados na historia e no texto, os tres diplomas que ficam citados: - o tratado de 26 de fevereiro de 1884, a convenção de 14 de fevereiro de 1885 e o acto geral, de 26 de fevereiro -, determinam, em relação ao nosso paiz, a liquidação definitiva, sob o aspecto internacional, da contestação entre Portugal e a Gran-Bretanha, que o primeiro era destinado a resolver nos termos restrictos em que ella se definira e mantinha desde 1846.
5) A modificação d'esses termos, em seguida ao tratado do Zaire, e a superveniencia de outros que de longa data se formavam e cresciam em força e importancia politica, á sombra precisamente d'aquella pendencia diplomatica, dão a rasão immediata de se ter deslocado a solução d'ella para os dois ultimos documentos.
6) O tratado de 26 de fevereiro de 1884 não foi ratificado.
O parecer da commissão dos negocios externos da camara dos senhores deputados, em data de 31 de março d'aquelle anno, explica a sua negociação.
Resta fazer succintamente a historia do seu abandono e julgar dos diplomas que o substituiram, principalmente em relação aos direitos e interesses do paiz, nos quaes se ha de contar como dos primeiros, a cooperação e a solidariedade necessaria d'elle no movimento moderno da civilisação europêa.

I

7) É conhecida, - e não reproduziremos aqui, - a historia da longa e tenaz opposição do governo britannico ao exercicio permanente dos nossos reservados direitos de soberania nos territorios comprehendidos entre os parallelos do Ambriz e 5º 12' de latitude S., na costa occidental africana.
8) Não é menos sabido tambem, e não ha de julgar-se de somenos importancia na justa e serena apreciação dos ultimos acontecimentos, que a nossa politica externa e colonial, - obedecendo a circumstancias e a inspirações que nos não cumpre e que não desejâmos discutir, - entendeu sempre que devia confiar exclusivamente dos esforços repetidos da nossa diplomacia junto dos gabinetes inglezes que essa opposição persistente, - irreductivel, como aliás se manifestou por quasi meio seculo, aos termos de uma liquidação regular e pacifica, - acabasse por desarmar e dissolver-se nas relações amigaveis dos dois paizes, nos seus interesses reciprocos, e na lenda generosa da sua cooperação redemptora em terras e aguas africanas.
9) Aguardavamos n'uma confiança honesta, seguros da justiça que nos assistia, a comprehensão leal dos nossos direitos por parte d'aquelles que, não podendo contestal-os, e tendo-os reconhecido, até se recusavam a discutil-os, o ameaçavam repetidamente contrarial-os pela força.
Ou contava-se então, e contava-se bem, que havia de chegar o dia em que os proprios interesses obsecados e egoistas que trabalhavam contra o nosso direito, explorando e trahindo a boa fé dos politicos inglezes, sentiriam a necessidade de levantar o interdicto injusto á jurisdicção portugueza, ameaçados pela eminencia de uma situação bem mais onerosa e arriscada do que aquella que lhes podéra crear o exercicio condescendente e legitimo da nossa soberania.
10) Esse dia chegou.
Se aquelles interesses, na sua estreita e falsissima noção das circumstancias e do tempo, não comprehenderam que esse dia chegára, pareceu comprehende-o, por um momento, o governo britannico, - o único que até então objectava a effectividade da soberania portugueza nos territorios alludidos,- reconhecendo-a e acceitando-a, finalmente, na linha do litoral entre os parallelos 8º e 5º 12' de latitude S., até ao meridiano de Noki.
11) Mas é evidente que para esse dia chegasse havia de ter-se modificado consideravelmente a situação em que a Gran-Bretanha, e só ella, se attribuír o direito e podéra permittir-se a violencia de contrariar formalmente o restabelecimento definitivo e regular da nossa auctoridade n'aquella região, em nome da licenciosa independencia e da supposta franquia illimitada e absoluta que o seu commercio e os seus subditos haviam encontrado e continuavam gosando ali.
12) Não accusava a diplomacia, e não parecia auctorisar a jurisprudencia consagrada nas relações positivas dos estados, que essa situação tivesse alterado já os termos internacionais da questão desde 1846 pendente sobre o dominio soberano d'aquelles territorios.
13) Nenhuma outra potencia adoptára a objecção ingleza, e para todas se havia de considerar reconhecida o assente, de facto e de direito, á mingua de qualquer opposição manifesta e no excesso de documentos e de actos confirmativos, a nossa soberania reservada, frequentemente exercida n'aquellas paragens.
14) Não se apagára, de certo, a tradição do nosso direito, e nenhum outro se affirmára que o valesse, na historia e na jurisprudencia das nações, e nenhum outro tambem se definia, que podesse substituil-o, bona fide, no reconhecimento dos naturaes e no interesse commum da civilisação africana.
15) Mas os trinta e oito annos decorridos desde a objecção ingleza, que podem considerar-se como tristemente perdidos para o nosso direito, cujo exercicio a Inglaterra impedia e cuja effectividade não lográmos estabelecer, representam evidentemente um periodo consideravel de robustecimento e de expansão para o crescente movimento commercial e colonisador do velho mundo.
16) E não só relativamente áqueles territorios e a todo o continente africano, mas tambem na politica e no direito internacional, na situação relativa dos estados, na economia das sociedades cultas, comprehendem aquelles trinta e oito annos, uma evolução intensa e profunda de relações e de necessidades novas.
17) O nosso dominio effectivo coutinuava, do lado da costa, a não ultrapassar o Loje, e abandonando o Bembe, e desamparando S. Salvador, e desonerando-se dos cuidados e dos esforços de uma politica previdente e continua, não se affirmava, no interior, por uma acção o sufficientemente vigorosa, habil e expansiva, que, ladeando a questão pendente, fosse preparando, em nosso proveito, o caminho de uma solução opportuna, e assegurando, em nossa defeza, a definição positiva das fronteiras do norte.
18) Nos territorios do Zaire, incluindo o curso inferior e navegavel do grande rio, o commercio e os subditos de todas as nações estabeleciam-se n'uma perfeita indepen-

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1896 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dencia de qualquer jurisdicção ou de qualquer dominio regular que não fosse o dos pequenos potentados indigenas.
19) Dia a dia engrossava o movimento da exploração africana, vivamente estimulado pela necessidade de abrir novos mercados á producção europêa e pela concorrencia febril dos esforços e preocoupações de uma expansão colonial que tendia a assoberbar os interesses e idéas dos governos mais refractarios ás illusões e ás aventuras: - primeiro encargo e ás vezes derradeira formula, - d'estas grandes crises sociaes.
As narrativas dos exploradores, - excedendo frequentemente em deslumbramentos de encantados thesouros, as dos primeiros viajantes que nos devassaram o extremo oriente; - as previsões e os exageros dos largos mercados a abastecer, das multidões innumeras a civilisar e vestir, das enormes riquezas a derivar sobre a costa, de todo aquelle novo mundo mysterioso e rude a refazer e explorar, á voz potente da civilisação e da industria moderna imprimiam, de mais em mais, nas velhas sociedades europêas, avexadas na sua economia interna por desequilibrios fataes, aguilhoadas na sua situação relativa por antagonismos insoluveis, um movimento de attracção e de aventura de absorpção e de cobiça, que não tardou em ser habilmente aproveitado por influencias e ambições menos ingenuas e confusas. 20) Finalmente uma empreza constituida no meio d'estas preoccupações crescentes, mal disfarçada no pensamento generoso da investigação e da philantropia civilisadora, começou ha annos a lançar os seus agentes e capitaes, Zaire acima e para um e outro lado do grande rio, propondo-se ostensivamente a desbravar e reconhecer o caminho por onde havia de subir ao coração da Africa e alastrar todo o continente ethiope a boa nova da civilisação europêa, acogulada nos armazens e nas fabricas dos grandes paizes industriaes, e por onde haviam de descer e jorrar sobre o velho mundo os thesouros de materias primas escondidos nos sertões adustos e feros que o Zaire banha no curso hyperbolico da sua ultima lenda.
21) Assim se modificára, e poderamos dizer que se precipitara assim, a situação ercada nos territorios, nunca determinados para o interior, sobre os quaes impendia a nossa protrahida contestação com os gabinetes inglezes.
22) Tudo isto precisavamos relembrar accentuadamente agora, porque não bastara para explicar as circumstancias que determinavam os factos recentes, a opposição feita pela Gran-Bretanha á effeccividade da soberania portugueza sobre aquelles territorios, e porque exactamente o facto de não termos podido, ou de não termos sabido, afastar e vencer essa opposição, e assegurar regularmente d'aquelle lado a nossa posse politica por outros processos que não fossem o de um previo e positivo accordo com aquelle paiz, é que tornou possivel em 1884 a objecção de outras potencias, exactamente formulada nos termos e sob o pretexto da objecção ingleza de 1846.
23) Abster nos-hemos, porém, de recordar aqui, até porque fôra, sobre immerecido, desnecessario, a propaganda violenta, tortuosa e perfida, de longa data exercida por mesquinhas paixões e illegitimos interesses contra a occu-pação portugueza do Zaire, propaganda que tendo conseguido embaraçar e protrahir a solução da pendencia, cobrou e alliciou novas forças nas proprias circunstancias em que essa solução se tornara eminente, pondo se ao serviço de uma aventura altamente favorecida, intrigando a ignorancia geral, falseando os propositos do tratado de 26 de fevereiro de 1884, e alvoroçando contra elle opiniões e interesses que sempre quizeramos, e por nossa propria conveniencia haviamos de respeitar e proteger.
Embora essa propaganda iniciada ha meio seculo no barracão negreiro, conseguisse subir do chimbeque monopolista á nobre tribuna de um dos mais illustres e
antigos parlamentos, illudindo muitos espiritos incautos e prevertendo muitas aspirações generosas: - passaremos por ella caladamente, deixando á historia e ao futturo a sua missão justiceira.
24) Cumpre-nos, porém, registrar alguns actos e documentos, cuja imputação indeclinavel deriva, não sómente do seu elevado caracter diplomatico, mas da sua procedencia singularmente ponderosa para as nossas relações de estima e de conveniencia internacional.
Esses actos e documentos, determinam a ultima, e para muitos inesperada, evolução da pendencia.
25) Logo que teve conhecimento do tratado anglo-portuguez, o governo da republica franceza entendeu, como o communicava ao seu ministro em Lisboa, a 7 de março de 1884, que devia «fazer todas as reservas relativamente á liberdade commercial, e contra a fiscalisação (controle) de uma só potencia no Baixo Congo» (Zaire), manifestando immediatamente a intenção «de pedir uma fiscalisação internacional».
26) Em nota de 18 d'esse mez, o representante da França explicava ao governo portuguez aquelas reservas, accrescentadas com um protesto antecipado contra «qualquer acto que, modificando, sem o assentimento do seu paiz, e em prejuizo dos seus nacionaes, as condições a que estavam sujeitos, no estuario do Congo (Zaire) o commercio e a navegação, tendesse, directa ou indirectamente, a pôr em duvida (mettre en cause) os compromissos tomados por Portugal para com a França e consagrados por um uso ininterrupto de quasi meio seculo».
Referia-se ao tratado de Madrid de 1786, pelo qual o governo portuguez declarára que não tivera a intenção e que não auctorisaria o acto, de pôr, directa ou indirectamente, o menor obstaculo, impedimento ou difficuldade ao livre commercio que os subditos francezes estavam costumados a fazer na costa do Zaire até ao Cabo Padrão, commercio que era então, principalmente, a escravatura, como se evidenceia do texto do tratado, e liberdade, que na letra expressa d'elle, se não extendia ao curso do grande rio africano;... mais non sur ce fleuve,... dizia o acto diplomatico de 30 de janeiro de 1786, e esquecia a nota franceza de 18 de março de 1884.
27) Allegava-se, precisamente como o fizera a Inglaterra, em 1846, em relação aos seus subditos, - que os commerciantes francezes gosavam concorrentemente com as demais nações, nos territorios sobre os quaes o tratado de 18884 incidia, «de uma liberdade absoluta sob o ponto de vista da navegação e do commercio, que não estava submettido a taxa alguma».
Observava-se tambem, que a clausula pela qual o nosso paiz concedia á Inglaterra o previo aviso e a preferencia quando resolvesse ceder dos direitos que possuisse na costa do Ouro (sic) entre os dois meridianos 5° de longitude E. e O. não poderia ser indifferente aos interesses e estabelecimentos da França n'aquellas paragens, «no proprio momento em que os dois gabinetes pareciam admittir a opportunidade de um accordo geral relativo á demarcação das suas possessões na costa ocidental de Africa».
28) Exige esta ultima proposição, que muito intencionalmente transcrevemos, uma explicação que não é alheia ao nosso principal intento de apurar e julgar escrupulosamente os factos.
Uma reclamação particular, relativa a qualquer direito novo exigido ao commercio no nosso estabelecimento de Zeguincher, suggeríra entra o representante francez, em Lisboa, e o nosso ministro dos negocios estrangeiros, uma permutação de idéas, que dera origem a uma nota d'este ao primeiro, em 18 de julho de 1883, na qual se opinava pela conveniencia reciproca de uma delimitação da Guiné portugueza e respectivamente das possessões francezas vizinhas chamando-se ao mesmo tempo a attenção do governo da republica para as vantagens communs que resultariam de uma perfeita harmonia e de uma cooperação mutua dos dois governos em todo quanto importasse é co-

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lonisação e civilisação da Africa, nos territorios onde os dois paizes eram então vizinhos.
29) Em nota de 9 de agosto, o ministro francez em Lisboa communicava ao governo portuguez, que o seu se achava completamente de accordo nas considerações que haviam inspirado aquella idéa, e disposto a procurar, pela combinação indicada, as bases de uma solução proficua ás relações amigas dos dois paizes e ao desenvolvimento da sua acção civilisadora na costa occidental da África.
Acrescentava-se, porém, que na opinião do governo francez conviria que o accordo (arrangement) a fazer, incidisse, não sómente sobre os estabelecimentos da Guiné, mas sobre as possessões respectivas de toda a costa occidental africana, e que esse governo estava prompto a adherir á combinação proposta de confiar a commissarios especiaes a preparação d'este resultado, se, como não duvidava, o governo portuguez admittisse que o seu pensamento se completasse n'aquelle sentido.
30) Respondeu o nosso governo, em nota de 13 do mesmo mez, que não via a menor difficuldade em que fosse assim ampliado o seu pensamento de uma perfeita harmonia de intuitos e de mutuo apoio que deveria existir entre os dois governos, em proveito da civilisação da Africa, succedendo, porém, que em relação ao Congo (Zaire), tendo Portugal sustentado sempre a legitimidade dos seus direitos de soberania na costa comprehendida entre os parallelos 5° 12' e 8° latitude S. não poderia entrar em negociações para uma fixação reciproca de limites n'aquellas partes, senão sobre a base da admissão explicita d'esses direitos pelo governo francez, como Portugal estava prompto a admittir os direitos da França nos territorios que ella recentemente adquirira.
31) Não replicando a esta suggestão, o novo ministro dos negocios estrangeiros do gabinete francez, alludindo a um despacho do nosso governo para o seu representante em Paris, no qual, entre diversos factos e documentos que implicavam o reconhecimento por diversas potencias dos nossos direitos no Zaire, se mencionava o caso do brigue allemão Hero, capturado por um navio francez em 1870, nas aguas de Banana, observava ao ministro da França, em Lisboa, em 29 de dezembro, que o procedimento das suas auctoridades, restituindo o navio ás aguas neutras em que fora arbitrariamente apprehendido, não representava por fórma alguma a idéa de um reconhecimento da soberania portugueza n'aquellas paragens.
32) As tendencias tradicionaes de uma parte da opinião franceza, - ainda recentemente corroboradas por occasião dos trabalhos e projectos do sr. Savorgnan de Brazza, - e por outro lado a persistencia da contestação anglo-portugueza que novamente em nota de 8 de novembro de 1883 o governo portuguez procurava solver, dariam rasão á exigencia d'este, nas negociações ensaiadas com a França, se a não justificasse plenamente a propria natureza do accordo que essas negociações tinham por fim realizar, e, pouco depois, a objecção terminante do gabinete de Paris, ao tratado de 26 de fevereiro de 1884.
A esta objecção não tardaram em seguir-se outras, por igual ponderosas.
33) Vivamente solicitado de ha muito para que iniciasse uma politica de expansão e de protecção colonial em proveito e segurança dos interesses allemães largamente espalhados e radicados nas diversas partes do mundo, a chancellaria imperial de Berlin resolveu que não podia deixar de attender á agitação promovida nas praças do seu paiz, como nas de outros, contra o accordo anglo-portuguez
34) Suggeríra o governo imperial em 14 de abril de 1883 uma consulta dos senados das cidades hanseaticas relativamente ao accordo anglo francez de 28 de junho de 1882 que estabelecera o tratamento igual dos subditos dos dois paizes contratantes nas suas possessões respectivas da costa occidental da Africa, e correspondentemente ás necessidades e protecção do commercio allemão n'aquellas paragens.
35) Na manifestação dos seus desejos (6 de julho), aquellas corporações, queixando-se da situação desigual dos interesses e dos subditos allemães nos territorios portuguezes, inglezes, francezes e liberianos, corroboravam as tendencias para uma expansão colonial e mercantil, em Africa, por parte da Allemanha e lembravam, entre diversas medidas que conviria promover, a da neutralização das bôcas (sic) do Congo (Zaire) e da costa adjacente.
36) Foi o tratado anglo-portuguez encontrar o governo imperial no meio das preoccupações e do estudo d'este crescente movimento de opinião e de interesse, que a intriga organisada contra a occupação portugueza não deixava naturalmente de aproveitar junto do commercio allemão, e um mez depois de apresentadas, por parte do governo francez, as reservas e declarações alludidas relativamente áquelle tratado, dava o governo de Berlin o primeiro passo em igual sentido (18 de abril de 1884) por uma nota ao seu ministro em Lisboa, que aliás deixou de ser communicada ao nosso governo.
37) Tendo prevenido o gabinete inglez de que a sua attenção fora solicitada pelas camaras de commercio, para o tratado de 26 de fevereiro, a chancellaria de Berlin, expunha em 7 de junho de 1884, pelo seu representante em Londres, que não julgava que esse accordo obtivesse a acceitação geral, ainda quando modificado; - que a Allemanha não se achava preparada para admittir a existencia de direitos anteriores em qualquer das potencias interessadas, no commercio do Congo (Zaire) como base para novas negociações; - que o commercio se mantivera livre, sem restricções algumas n'aquellas paragens e o governo imperial considerava do seu dever conservar esta vantagem aos seus nacionaes e se fosse possivel, fortalecel a por um accordo com todas as potencias interessadas; - que tinha o receio que o proprio governo inglez admittira como manifestado pelos negociantes de todas as nações, de que a acção dos funccionarios portuguezes fosse prejudicial ao commercio; - finalmente, «que no interesse do commercio al-lemão, não podia consentir em que uma costa de tal importancia, até então territorio franco, fosse submettida ao systema colonial portuguez».
Acrescentava, porém, o governo imperial que se achava resolvido e prompto a cooperar com todos os poderes interessados na questão para que se introduzissem, de uma maneira adequada, n'aquella parte do territorio africano, pela regularisação do respectivo commercio os principios de equidade e de communidade de interesses que de longa data eram eficazmente seguidos no extremo oriente.
38) N'esta ultima phrase parecia conter-se já a adhesão da chancellaria imperial, á suggestão portugueza, a que logo no principio da nota, alludíra, de «fazer da quentão do Congo (Zaire) o objecto de um accordo internacional» por meio de uma conferencia entre os poderes interessados. Em breve teremos de voltar a este ponto importante.
39) Já em 26 de abril de 1884 o embaixador francez em Berlin communicára ao seu governo que no estudo da questão do Zaire a que o governo allemão procedia, tres pontos poderiam considerar-se como liquidados:
I. Que esse governo reconhecêra que os seus nacionaes tinham importantes interesses envolvidos n'essa questão, interesses que lhe mereciam um apoio serio;
II. Que o mesmo governo, antes de fixar as proprias resoluções, desejava permutar as suas idéas com os outros governos interessados, e particularmente com o da França;
III. Que especialmente em relação ao acto diplomatico assinado, mas não ratificado, entre a Inglaterra e Portugal, qualquer que devesse ser o seu destino e alcance, a Allemanha considerava o como não lhe sendo applicavel e como não podendo, em caso algum, affectar legalmente a situação e direito de terceiros, estranhos á negociação.

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40) Ao mesmo tempo que informava o gabinete inglez da sua objecção terminante ao tratado de 26 de fevereiro, o governo allemão communicava ao nosso representante em Berlin, que não podia deixar de attender ás representações do commercio o qual preferia ao regimen d'esse tratado, a situação vigente no Zaire; - que não considerava definitivamente apurados os direitos de Portugal; - e que o melhor processo a adoptar seria o de uma conferencia em igualdade de direitos para resolver a questão, dando-se por nullo ou abandonado o accordo anglo-portuguez.
41) É occasião de notar que outras questões relativas ao commercio e ás preoccupações coloniaes que incidiam sobre o continente africano tinham vindo emparelhar-se na politica respectiva da Allemanha e da Gran-Bretanha, com esta questão do Zaire, já extraordinariamente complicada pelas que se derivavam dos trabalhos respectivos á expedição Brazza e das pretensões crescentes da associação internacional do Congo.
Alludimos particularmente á questão de Camarões e á de Angra Pequena, e não cremos necessario acrescentar a nossa summaria narrativa com a facil apreciação das influencias e relações mais ou menos proximas de todas essas questões e com o registo das observações e reservas que o tratado de 26 de fevereiro suggeriu a outros gabinetes, para que fique desde já definida a situação que se creára á questão que principalmente nos interessava e á negociação concluida entre os governos de Portugal e da Gran-Bretanha.
42) Emquanto essa situação podia considerar-se determinada pelas prevenções e desconfianças do commercio, relativamente aos seus interesses de livre concorrencia e expansão nos territorios do Zaire; emquanto podia suppor-se que fosse o justo receio de um tratamento differencial ou a lenda de um regimen vexatorio, que movesse contra o accordo a anglo-portuguez a opposição das outras potencias amigas, a posição dos dois governos, e em especial a do nosso, era relativamente facil e estava claramente indicada.
Bastára nos tornar effectivas, e por honra e conveniencia propria deviamos fazel-o, as nossas promessas e affirmações de muitos annos, - de tantos quantos aquelles que durára a pendencia, - de que longe de querer fechar o Zaire á civilisação e no commercio licito de todo o mundo, o manteriamos aberto e seguro, substituindo á anarchia e á exploração desordenada da aventura, as garantias de uma administração culta e liberal: - de que o regimen do tratado de 26 de fevereiro de 1884 não constituiria uma excepção odiosa de facilidades e vantagens para a Inglaterra;- de que em summa, nos achavamos dispostos a attender e deferir a todos os interesses juntos e a todas as aspirações e conveniencias sinceramente civilisadoras que tomavam por objectivo ou consideravam como necessario caminho aquella parte da nossa soberania territorial.
43) Começando por observar á França quanto eram menos fundadas e justas as suas queixas e apprehensões o governo portuguez não tardou em responder ás objecções que principalmente feriam, nos circulos commerciaes, algumas das clausulas do tratado, explicando umas e prestando se, n'uma perfeita lealdade de intuitos, a consentir na modificação de outras.
44) Accedia se á representação das mais potencias interessadas na commissão que deveria fazer os regulamentos para a navegação e livre transito no Zaire.
Declarava se francamente que as vantagens concedidas á Gran Bretanha, pelo artigo 12.° do tratado, sempre as considerámos extensivas a todas as nações amigas.
Aclamavamos, finalmente, no sentido mais equitativo e conciliador, os preceitos da panta adoptada, em relação a certas reclamações manifestamente attendiveis.
45) Mas era evidente, em face da propria natureza do documento diplomatico, que a resolução d'aquellas apprehensões e reservas não dependia exclusivamente da nossa attitude; que esta teria de combinar-se com a da outra parte contratante, e que as influencias e interesses de vario caracter que necessariamente haviam de actuar na porfia não tinham sómente de contar comnosco, de attender ás nossas disposições, de conformar-se com os nossos propositos.
46) Encontrando no seu proprio paiz uma opposição violenta ao contrato que livremente negociára comnosco, o governo inglez, em vista das contrariedades externas que se manifestavam, resolveu que não podia ratificar o tratado antes que ellas fossem removidas, e em 24 de julho de 1884, communicava pelo seu ministro em Lisboa, ao governo portuguez que as objecções suggeridas pelo governo allemão, juntas áquellas que outras potencias faziam ao accordo de 26 de fevereiro, eram de um caracter tão definitivo e serio, que não lhe permittiam esperança alguma de que esse accordo fosse viavel no seu conjuncto, tendo conseguintemente como inutil que se procedesse ás ratificações respectivas.
47) Estava pois abandonado o tratado, por uma das partes contratantes, e de toda a campanha mais de uma vez ingrata para o fazer vingar restavam apenas uma idéa que novamente corroborava a nossa lealdade e a perfeita consciencia da nossa justiça, - a idéa de uma conferencia internacional, á qual o governo inglez parecêra não querer adherir e que dentro em pouco ía acceitar da chancelleria imperial, - e as palavras de nobre franqueza pronunciadas pelo ministro dos negocios estrangeiros do reino Unido, na sessão de 9 de maio de 1884 da camara dos lords que são o testemunho insuspeito do nosso allegado direito e da injusta e imprudente opposição feita pela Inglaterra ao legitimo exercicio d'elle, durante quasi meio seculo.

II

48) Ao mesmo tempo, porém, que o governo inglez chegava á conclusão indicada, a idéa de uma conferencia internacional entrava definitivamente em campo como a do processo mais pratico na situação que se creára e que era impreterivel resolver.
41) Em nota de 12 de maio de 1884, referindo-se ás dificuldades que o proprio governo inglez accusava, de fazer acceitar pelas outras potencias o regimen estabelecido no tratado do Zaire, o governo portuguez observava ao seu representante em Londres, como na vespera o expozera tambem ao ministro inglez em Lisboa, que «era antes talvez por meio de uma simultanea confrontação de tudos os interesses do que por successivos convenios parciaes que o accordo desejado de todas as potencias reclamantes deveria procurar conseguir-se», e que «uma conferencia em que se resolvesse este momentoso assumpto lhe parecia o unico meio de chegar a um resultado praticamente desejavel».
50) Fôra esta idéa aconselhada ao governo portuguez quando se não pensava ainda em abrir com a Inglaterra as negociações que produziram o tratado de 26 de fevereiro de 1884.
Desde, porém que esse tratado suggeria reclamações de um caracter internacional tão ponderosas e graves, nada mais sensato e conforme com os intuitos que sempre manifestáramos com a lealdade do nosso proceder anterior e com as proprias necessidades da nossa futura acção, do que procurar, até onde fosse possivel, a conciliação pratica e digna dos nossos direitos com todos os interesses que se allegavam e com todas as aspirações que se consideravam feridas, chamando estas e aquelles a um apuramento em commum, - com tanta mais rasão que atravez das objecções diplomaticas se revelava já, com sufficiente nitidez, a necessidade de rever certas questões fundamentaes do direito internacional moderno e se denunciava tambem a eminencia de uma coalisão de interesses que poderia crear uma

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situação violenta á nossa propria dignidade e aos trabalhos da civilisação africana.
51) Em nota de 13 de maio de 1884, o governo portuguez transmittia aquella mesma idéa aos seus representantes em Berlin, Bruxellas, Haya, Madrid, Paris, Roma e Vienna, notando quanto convinha empenhar todos os esforços «para obter a conciliação dos nossos direitos com os interesses das demais nações, sendo de crer que se procurasse realisar a sua confrontação em uma conferencia, na qual aos representantes das grandes potencias viessem juntar-se os das secundarias, interessadas no assumpto».
Vimos já como este pensamento encontrára immediatamente a adhesão da chancellaria de Berlin, cuja attitude se determinara em termos tão decisivos e graves.
53) Assim era que, ao passo que o governo inglez resolvia abandonar o tratado que negociara comnosco, trocavam-se entre a Allemanha, a França e Portugal as primeiras bases para aquella solução, estabelecendo-se por parte do ultimo que elle mantinha os seus allegados direitos, mas que desejava ver resolvidas as questões de navegação e commercio, e affirmava novamente as suas disposições favoráveis ás liberdades e aos interesses das outras potencias que fossem compativeis com o principio da propria soberania.
54) O governo francez, adherindo á idéa da reunião de uma conferencia, fixava como condição fundamental que esta se occuparia sómente dos negócios da navegação e livre commercio no Zaire, conservando-se alheia a todas as outras questões pendentes ácerca dos territorios marginaes.
55) Finalmente, por duas notas de 13 e 29 de setembro de 1884, trocadas entre os governos allemão e francez, ficava acordada a acção e intenção mutua dos dois, na convocação da projectada conferencia, cujo objecto naturalmente se alargava a outras questões e territorios africanos conservando-se-lhe implicitamente defezas as questões de soberania.
56) Um convite simultaneo foi dirigido no mez seguinte pela chancellaria imperial aos governos de Portugal, da Belgica, da França, da Hespanha, da Hollanda, da Inglaterra, e dos Estados Unidos da America, declarando-se desde logo que no intuito de assegurar ás resoluções da conferencia o assentimento geral, os governos da Allemanha e da França estavam dispostos a convidar mais tarde todas as grandes potencias e os Estados Escandinavos para que se associassem ás deliberações adoptadas.
57) Os principios sobre os quais os dois estados entendiam que seria util que se estabelecesse um accordo internacional, e que haviam de constituir, consequentemente, o programma da conferencia, eram:
I. Liberdade de commercio na bacia e embocaduras do Congo (Zaire);
II. Applicação ao Congo (Zaire) e ao Niger, dos principios adoptados pelo congresso de Vienna, tendentes a consagrar a liberdade de navegação sobre varios cursos de agua internacionaes, principios applicados mais tarde ao Danubio;
III. Definição das formalidades a observar para que as occupações novas nas costas de Africa fossem consideradas como effectivas.
58) N'estes termos e nas condições que ficam expostas se determinava, para nós. a nova phase e definitiva solução da questão do Zaire.
Os nossos allegados direitos que durante trinta e oito annos nos abstiveramos de tornar effectivos em presença das objecções de uma só nação e cujas condições de effectividade negociaramos com ella, recentemente, conservavam-se fóra da discussão internacional, nem os poderamos submetter ao mesmo tribunal constituido em nome dos interesses que exactamente contrariavam aquella effectividade.
59) O que nos cumpria fazer, não era desertarmos da causa do direito moderno e da exploração africana, pela qual foramos sempre dos primeiros a batalhar; não era eximirmo-nos á solidariedade da civilisação europêa e recusar a occasião que se nos offerecia de retomar o nosso logar no conselho das nações: era manifestamente ir verificar ali, n'uma resolução segura de soluções praticas, até onde e como seriam compativeis com os nossos direitos e com os nossos interesses, os direitos que em nome d'essa causa se allegavam, os interesses em que essa solidariedade só considerava necessaria e justa, a evolução realizada na jurisprudencia, na politica e no commercio internacional relativamente ás questões coloniaes africanas. Eis o que fomos fazer á conferencia de Berlin.

III

60) Não havemos de fazer agora o estudo e a critica da conferencia, no trama complexo das influencias e impulsos mais ou menos definidos e claros, mais ou menos praticos e sinceros das suas discussões e dos seus votos.
Não indagaremos qual era a situação relativa, a inspiração reservada ou expressa, a conformidade occasional ou a differenciação necessaria dos interesses e propositos d'aquellas quatorze soberanias, cada uma d'ellas preoccupada e movida por diversas condições de conveniencia actual, cada uma d'ellas naturalmente inspirada por tradições e principios de uma politica propria.
Congregára-as ostensivamente o intento generoso de encontrar a formula praticamente viavel e protectora de um interesse commum em que havia de caber e agitar-se pelos seculos adiante e pela Africa a dentro, sem pressões violentas e sem embates sangrentos, a expansão e a concorrencia colonial nos seus multiplos e irrequietos factores do impulsão e de força.
Era imponente o esforço.
61) Seria, porém, insensato esquecer os diversos e indeclinaveis interesses que se inculcavam á situação relativa dos estados ou que naturalmente a constituiam, approximando-os e retrahindo-os, isolando os ou conjugando os n'aquella verificação laboriosa da conveniencia e do direito commum.
Eram diversas e mais de uma vez tinham de revelar-se antagonicas as situações respectivas, como tambem necessariamente deferiam na propria concorrencia do interesse geral, as quotas partes de immediato proveito que as circumstancias determinavam a cada situação particular, consoante as suas relações com o problema africano e as aptidões especiaes que a resolução d'elle comprehende e exige.
62) Sob todos estes aspectos a posição de Portugal estava seguramente definida, para o seu governo e para os seus representantes diplomaticos e technico.
Mas se por um lado a conferencia substituira ou attenuára a coalisão imminente de certos interesses, pelo confronto, pelo embate e pela transigencia reciproca e necessaria de quantos podiam fazer-se valer contra nós ou em prejuizo dos nossos direitos, tambem por outro lado seria absurdo esquecer que a nossa longa e deploravel ausencia das grandes questões de interesse europeu, e a lenda e a intriga que deixaramos crescer e formar-se sobre as tendencias da nossa politica externa e sobre o abatimento da nossa vida e da nossa administração colonial, se acrescentavam ás circumstancias em que se encontrava a questão do Zaire e ao logar proeminente que nos pertencia n'ella, para tornar, n'aquelle momento, singularmente delicada e difficil a posição do paiz, sobre o qual incidiam as mais ingratas e resistentes apprehensões.
63) Ao encontro d«'estas saímos logo que se abriu a conferencia, definindo leal e firmemente, pela declaração feita na sessão de 19 de novembro de 1884, a nossa attitude de potencia soberana exercendo o direito de cooperar na doutrina que deveria reger o interesse commum, e de potencia ribeirinha do grande rio africano, que o descobrira e abrira á civilisação e ao commercio do mundo, e á qual per-

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tencia deliberar sobre a definição que se procurava obter dos deveres que n'aquella qualidade lhe incumbiam.
64) Affirmavamos novamente a nossa adhesão completa a aos principios de liberdade de commercio e de navegação, applicados á bacia e ás embocaduras do Congo (Zaire)», principios que respeitaramos e mantiveramos ali, que recentemente applicaramos ao norte do parallelo 5º 12' de latitude S., quando occuparamos o Cacongo e o Massabi, e á execução dos quaes nos obrigavamos logo que estabelecessemos uma administração regular nos territorios da costa occidental de Africa, «de ha seculos incorporados nos dominios da corôa portugueza».
65) Adheriamos igualmente e sem reservas á discussão dos outros themas do programma, reconhecendo o elevado interesse dos principios que elles traduziam, e commungando no pensamento generoso e pratico, enunciado pelo governo allemão, de que as relações commerciaes que iam desenvolver-se no continente africano serviriam a causa da paz e da humanidade.
66) Uma das primeiras questões discutidas e resolvidas pela conferencia, e certamente uma das mais importantes sobre que era chamada a deliberar, foi a do principio de liberdade de commercio, ou mais propriamente a da definição e applicação convencional d'esse principio.
Evidentemente, uma dependia da outra.
Em relação á primeira, variam naturalmente as noções de doutrina, têem deferido consideravelmente os termos de incidencia immediata, e diversas formulas tinham sido esboçadas ou previstas nas declarações que precederam a conferencia, cuja discussão nos julgamos dispensados de acompanhar e transcrever agora.
67) N'esta occasião, porém, o principio tinha de referir-se a regiões não só abertas de ha seculos á concorrencia e ao accesso do commercio e dos subditos de todas as nacionalidades, mas onde nenhum directo ou interesse algum se achava tradicional e effectivamente organizado n'uma jurisdicção regular, num systema definido de instituições e principios preestabelecido por qualquer das soberanias cultas que se propunham a definir e fixar, nas suas relações reciprocas, e num interesse commum uma doutrina positiva de liberdade commercial.
68) Era isto; era pois a zona de applicação do regimen que convinha determinar primeiramente, até para tornar possivel o accordo e ladear as dificuldades irreductiveis que poderia suggerir-lhe o proprio principio fundamental em que elle havia de assentar e que o havia de garantir, do respeito e assentimento indeclinavel das soberanias territoriaes effectivamente organisadas que podessem encontrar-se n'essa zona.
D'aqui derivou a determinação da chamada bacia convencional ou commercial do Congo (Zaire), enorme zona que se considerou principalmente dominada na sua exploração commercial presente e futura, pela tambem enorme bacia hydrographica attribuida ao grande rio na fé ou na theoria,raliás mal liquidada ainda, da moderna geographia.
69) A parte a limitação maritima, aliás pouco conforme tambem com os factos em que exactamente procurava assentar o pensamento e a rasão d'aquella zona convencional, nenhuma das grandes linhas da chamada bacia commercial do Congo (Zaire) póde considerar-se como exactamente determinada no estado presente dos nossos conhecimentos africanistas, por uma observação continua e segura.
Algumas d'ellas, quer das que constituem a peripheria da zona, quer das que formam internamente o trama obscuro e complicado das suas formações hydrographicas, são quasi inteiramente hypotheticas; a propria bacia real do Zaire e de muitos dos seus pricipaes affluentes conhecidos, ao norte e ao sul, estão e estarão por largo tempo, ainda, por determinar rigorosamente na cartographia e nas relações do commercio europeu.
70) Não deixaram estas considerações de oppor-se aos impetos mais ou menos doutrinarios e mais ou menos inscientificos e suspeitos que procuravam actuar nos espiritos menos affeitos a estes estudos e levar de assalto os mimos mais accessiveis ás idealdades generosas da doutrina e da utopia, no momento em que os governos se empenhavam nobremente em garantir á civilização e ao commercio, facilidades e seguranças positivas e seguras.
71) Mas o que se achava perfeitamente liquidado era que dentro da larga zona, nenhuma soberania culta estabelecera ou manifestara intenção e interesse em organisar um scystema fiscal e restrictivo, e que, por outro lado se constituira o uso de uma completa franquia e a servidão de um accesso e de um transito internacional, nos territorios comprehendidos n'aquella zona.
72) A França, que parecêra ter resolvido, acceitando e proclamando o seu dominio em terras de batekes, levar ao alto Zaire o tratamento differencial do seu regimen proteccionista, não mantinha o annunciado proposito.
73) O natural interesse da Associação Internacional do Congo, pois que já então havia de contar-se com ella, devia ser n'aquella occasião e assumpto, esconder e abafar no alarde das mais liberaes intenções com que se inculcava á sympathia geral, os textos indiscretamente monopolistas que os seus agentes lhe enviaram do Zaire.
Não era de certo quanto procurava identificar-se com as aspirações utopicas de uma franquia absoluta que o futuro estado havia de oppor ás formulas mais radicaes de livre concorrencia mercantil, o exclusivo commercial negociado com os regulos dos N'gambi, de Selo, de Palla Balla ou de Boma.
74) Por nossa parte, os nossos propositos, e não hesitamos em dizer que os nossos interesses, estavam affirmados claramente em factos e documentos da vespera.
Mantida a linha do Loje ao regimen fiscal da provincia de Angola e continuada essa linha pela divisoria occidental da bacia do Zaire até ás cabeceiras do Zambeze, podia-mos seguramente considerar respeitado e defendido aquelle regimen na sua acção actual e na sua independencia futura, com tanta mais rasão que á licenciosa franquia que até ali o ameaçara e invadia pelo norte, ia succeder d'esse lado também, um regimen accordado e reconhecido pelas potencias, com necessaria audiencia do nosso voto e soberania.
75) Mas alargando-se consideravelmente para o interior do continente africano, a zona convencional, entrava, sob a influição d'aquellas mesmas preoccupações doutrinarias a que atraz nos referimos, pelos territorios da provincia de Moçambique, absorvendo em grande parte a bacia do Zambeze, e lançando-se até ao mar indico, por cima de dominios organizados e de autonomias fiscaes estabelecidas de ha muito.
76) A esta amplificação extraordinaria que rompia o proprio programma da conferencia, não podiamos deixar de oppor, como logo fixemos, a nossa reserva formal, e a zona acrescentada para leste á bacia convencional do Zaire, ficou no acto da conferencia, como uma simples aspiração de futuras concessões a obrer das respectivas soberanias territoriaes.
Será necessario dizer que não era o proprio e geral principio da liberdade de commercio, largamente estabelecido de ha muito na nossa província de Moçambique, que nos movia á reserva, n'esta amplificação, porventura generosa e leal ; para muitos?
77) E manifestamente na secção maritima da bacia convencionnl do Congo (Zaire), que a formula da liberdade mercantil estabelecida em Berlin, constituo uma solução immediata e pratica, para a civilisação geral e tem para nós um particular e opportuno interesse, por isso que é n'aquella zona que se affirmam desde já diversos dominios cultos e que se concentra por emquanto a exploração e as relações do commercio euro peu.
78) Essa secção é limitada ao sul pela linha do Loge e ao norte pelo parallelo de 2° 30' até á bacia do Zaire. Ao

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sul do grande rio pertence-nos a maior parcella do territorio e é portuguez todo o litoral accessivel á grande navegação.
Ao norte pertence-nos, igualmente, e á França, a maior e melhor parte da costa.
79) Vejamos agora em que consiste o regimen adoptado, ou mais exactamente quaes são as bases geraes, convencionadas na conferencia para os regimens fiscaes que tenham de organisar-se na zona alludida.
I. O livre accesso de todas as bandeiras, sem distincção de nacionalidade, incluindo o exercicio da cabotagem e da batelagem maritima e fluvial, em igualdade de condições com a bandeira nacional respectiva;
II. A taxação igual, e restrictiva á justa compensação das despezas uteis ao commercio, das mercadorias importadas de qualquer procedencia ou sob qualquer bandeira, com interdicção absoluta de tratamento differencial;
III. A isenção de direitos de entrada e de transito, por um periodo de vinte annos pelo menos;
IV. A interdicção de qualquer monopolio ou privilegio em materia de commercio;
V. A igualdade de tratamento para os nacionaes e estrangeiros no que importa á propriedade das pessoas e bens, á acquisição e transmissão de propriedades e ao exercicio das respectivas profissões.
Acceitando o acto geral da conferencia de Berlin, as nações que exerçam ou
venham a exercer direitos de soberania na bacia do Zaire, obrigam-se a estatuir e manter n'estes termos, ou sob esta formula, a liberdade do commercio nos seus respectivos territorios.
80) Uma parte das condições indicadas encontram-se já e de ha muito no nosso direito organico e convencional; conformam-se outras com as nossas declarações e negociações anteriores; consagram todas uma situação de interesses e de circumstancias que sempre prometteramos respeitar e que por propria conveniencia haviamos de manter nos territorios do Zaire sobre os quaes tivesse de tornar-se effectivo o nosso dominio.
81) Isentar a importação, em regiões inexploradas e barbaras, dos encargos, dos estorvos e das restricções fiscaes; abrir inteiramente aquelles territorios á invasão do trabalho, dos confortos e dos recursos transformadores da civilisação europêa: - é impulsar a consolidação e o desenvolvimento de novas formações sociaes, valorisar o dominio, fortalecer a colonisação, preparar e proteger a constituição progressiva e regular de novos mercados.
Parecendo representar, ou representando realmente, uma revolução nas tradições e processos da velha economia fiscal, é um principio de correcção pratica que não sómente a concilia com os interesses geraes e locaes que se agitam no fundo d'esta questão africana, senão tambem que amolda e affeiçoa essa economia ás necessidades e conveniencias fundamentaes de uma politica e de uma administração colonial, previdente e expansiva.
82) Nas condições em que se acham os territorios sobre os quaes vae principalmente incidir o regimen da conferencia, - e poderamos acrescentar, que nas condições em que se acha a enorme maioria dos nossos territórios ultramarinos, - não contando sequer com as condições a que tem de subordinar-se, em que se tem exercido e em que por largo tempo ha de exercer-se, necessariamente, a exploração commercial dos territorios do Zaire, a isenção fiscal da importação é o principio mais praticamente viavel e economico que póde offerecer-se aos interesses geraes e á politica particular das soberanias ribeirinhas.
83) Na exportação, que por emquanto tem de ser alimentada por um quadro muito restricto de especies extractivas, e na organisação rudimentar e progressiva de outros elementos de materia collectavel, encontrará a administração, - poderemos nós encontrar nos territorios que nos ficam definitivamente annexados, - a compensação moderada e crescente dos encargos de soberania.
84) Outros principios se additaram ainda aos que ficam expostos, taes como os que importam á protecção dos indigenas, dos missionarios, dos viajantes, da liberdade de consciencia e da tolerancia religiosa; ás facilidades do regimen da convenção postal revista em 1878 e que fomos os primeiros a ensaiar no Zaire; á abolição da escravatura, e ao direito de vigilancia attribuido á commissão internacional de navegação estabelecida pela conferencia.
D'esta ultima teremos de fallar em seguida, cumprindo nos por agora observar que aquelle direito de vigiar a applicação dos principios convencionados no acto geral sómente terá de exerce-se nas partes dos territorios da bacia convencional onde nenhuma potencia culta exerça direitos.
85) Pelo que se refere ás mais disposições additadas: - umas conformam-se integramente com os principios consagrados pela lei ou pelo uso da nossa politica ultramarina, outras, como a que se refere á escravatura, correspondem perfeitamente á preceituação do nosso direito nacional.
86) Era o segundo thema da conferencia, o das regras que deveriam definir a liberdade da navegação internacional em relação ao Congo (Zaire) e ao Niger.
A assimilação dos dois grandes rios africanos no regimen a estabelecer, constituia um dos termos politicamente mais delicados e graves do problema.
Embora não nos podesse ser indifferente, não teremos de nos occupar d'elle agora, quando especialmente nos importa considerar as resoluções que pela sua natureza, e pela sua influição directa e pratica, interessam os nossos direitos territoriaes e as nossas mais importantes relações de dominio.
87) Com excepção da parte que estipula a formação e o exercicio de uma commissão internacional de navegação para a bacia do Congo (Zaire), as disposições adoptadas, constituem um regimen commum nos dois rios africanos.
A navegação d'elles é, e conservar-se ha inteiramente livre a todas as bandeiras, n'uma perfeita igualdade de tratamento, e apenas sujeita ás taxas e direitos que tenham um definido caracter de retribuição immediata, segundo as tarifas uniformes e moderadas que se estabeleçam sob o principio da revisão em commum.
88) Póde dizer-se, que em geral triumpharam em todo o acto de navegação do Congo (Zaire), embora com modificações e correcções importantissimas, as doutrinas estatuidas nos congressos de Vienna e de Paris e o regimen adoptado para o Danubio, doutrinas e regimen que se derivam, como todos sabem, do principio de internacionalidade economica dos rios que atravessam e communicam territorios não pertencentes a uma soberania apenas.
As tendencias especulativas para o alargamento d'este principio, - tendencias que porventura o arriscam, desarmando-o da sua melhor, senão exclusiva rasão de direito e de interesse commum, - não deixaram tambem de ensaiar novos esforços para se introduzir definitivamente na jurisprudencia das nações, quando esta procurava organisar-se e definir se sobre territorios onde a tradição, as circumstancias e a pratica tão auspiciosamente as favoreciam.
89) Alargou-se o regimen ou estendeu-se a applicação do principio aos affluentes, aos lagos e a todos os cursos navegaveis da bacia convencional, e não sómente a elles mas aos caminhos, ás ferro vias e aos canaes lateraes que poderem estabelecer-se com o fim especial de supprir á innavigabilidade ou ás imperfeições da via fluvial em certas secções.
Não discutiremos a accentuação caracteristicamente doutrinaria d'estas ampliações nem a influição exagerada das abstracções e dos preconceitos idealistas de escola e de systema que sempre se têem feito sentir na questão geral e não poucas vezes perturbado e estorvado as soluções mais praticas d'aquella necessaria conciliação, prevista e respeitada pelo congresso de Vienna, entre a doutrina do direito internacional sobre a communidade do trafico mercantil e o

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principio, simultaneamente de direito internacional e de direito publico, da soberania territorial (Holtzendorff).
90) Como o regimen da liberdade de commercio, a liberdade de navegação que se define e fixa, para a bacia convenciona1 do Zaire, deriva evidentemente das mesmas circumstancias e condições que em relação á parte d'ella que nos pertence, reconheceramos já e affirmaramos de ha muito que e a nosso proposito e interesse considerar, não as perturbando com restricções monopolistas ou com tratamentos differenciaes que seriam ali perfeitamente insustentaveis e iniquos.
Não era de certo quando as garantias que offereceramos nos nossos territorios não occupados se alargavam e estendiam a tantos outros que nos não pertenciam e que nos convinha encontrar abertos á nossa propria concorrencia commercial, - não era quando se procurava estabelecer um regimen geral de facilidades e seguranças ao esforço e ás aptidões de todos, onde encontravamos por assim dizer a reciprocidade que faltara ás nossas concessões anteriores, - não era então, parece-nos, que nos haviamos de furtar ao accordo no qual se achava empenhada a lealdade da nossa cooperação e a positiva conciliação dos nossos direitos com os interesses da civilisação geral.
91) Alem de que o nosso proprio interesse no rapido desenvolvimento do dominio que pretendiamos definitivamente annexar ao exercicio da nossa soberania em Africa, longe de sentir-se prejudicado pelos principios que outras potencias têem isolada e expontaneamente applicado nos seus territorios metropolitanos, se assegurava e defendia, por esta fórma, da concorrencia desigual que poderia crear-lhe a vizinhança emminente de outros dominios organizados e liberaes,
abrindo os seus portos e aguas n'uma regular franquia, a todas as bandeiras, em face dos nossos fechados e defesos territorios.
92) Mas outra questão delicada e importante andava de ha muito envolvida n'estes lances de liberdade da navegação e do commercio na região do Zaire, e fôra ella, até, que suggerira uma das objecções mais graves ao tratado anglo-inglez. Referimo nos á idéa da commissão internacional.
Traçada a larga zona de convenção sobre a qual haviam de incidir as disposições da conferencia, - reconhecido que apenas n'uma pequena parte d'essa zona se exercia ou pretendia exercer a soberania effectiva de duas potencias, - Portugal e a França, - no poder das quaes estaria porventura manter ou invalidar a resolução internacional, - a idéa de constituir e organizar uma acção conjuncta de vigilancia e fiscalisação por parte de todas as nações interessadas na exploração africana, deixava do ser uma simples concepção doutrinaria, mal amparada no exemplo do Danubio, para entrar definitivamente nas prevenções e cautelas da diplomacia pratica.
93) Não fôra arriscado e difficil procurar no mesmo caminho que nos conduz á commissão internacional, tão persistentemente allegada como indispensavel garantia, uma grande parte da protecção e favor que bafejou a associação do Congo desde que se manifestou a emminencia de que Portugal e a França se encontrassem no grande rio africano, fazendo-o definitivamente entrar nas suas jurisdicções respectivas.
94) Mallograda a commissão anglo ingleza que não havemos de relembrar, saudosos, e contra a qual a França primeiro que nenhuma outra potencia levantára a fiscalisação internacional, - idéa habilmente lançada pelo governo inglez no meio dos agitados interesses das nações não ribeirinhas no Zaire, - aquella solução impunha-se á obra da conferencia, como uma especie de coroamento tacitamente acceito das suas resoluções sobre a liberdade de navegação no grande rio.
Não será menos fundado dizer-se que mais de uma vez as preoccupações de doutrina e de escola prejudicaram o principio, creando, n'este sentido, á generalisação d'elle a outros rios africanos, objecções e reluctancias que desde logo se fizeram sentir.
95) Estava naturalmente indicada como exemplar a seguir a commissão europêa do Danubio, mas devemos observar em homenagem á conferencia que, embora assaltada e mais de uma vez invadida pelos esforços indiscretos, nem sempre insuspeitos, da theoria, ella soube manter a nova instituição internacional no respeito das soberanias territoriais e na rasão e caracter da sua propria missão.Basta notar que a commissão internacional encarregada de assegurar a execução do acto de navegação do Congo ( Zaire ), fica inteiramente subordinada, quer em relação aos trabalhos hydrotechnicos que seja necessario realisar nos territorios de qualquer soberania, quer ao exercicio geral das suas attribuições nos rios, ribeiras, lagos e canaes incluidos n'esses territorios, ao assentimento e accordo do respectiva potencia territorial.
Não era na capital do grande imperio allemão e qundo a memoria do barão de Humbolt naturalmente resurgia, sympathica e imponente, no meio de uma assembléa internacional que continuava a obra do congresso de Vienna, que haviam de esquecer-se, inteiramente, aquellas nobres palavras do plenipotenciario prussiano de 1815:
«Para conciliar o interesse do commercio com o dos estados ribeirinhos, é necessario que por um lado tudo quanto é indispensavel á liberdade da navegação, desde o ponto em que um rio se torna navegavel até á sua foz, seja fixado por um commum accordo, ... mas que por outro lado nenhum estado ribeirinho seja vexado no exercicio da sua soberania em relação ao commercio e á navegação alem dos compromissos contidos n'esta convenção...
«A policia deve ser uniforme e fixada n'um commum accordo, sem que possa ser alterada por um dos estados, isoladamente, mas não deve estorvar aquella que esses estados, em virtude do seu direito de soberania, são chamados a exercer, nos rios, sem comtudo fazer o menor prejuizo á liberdade da navegação.»
96) Na resolução do terceiro ponto do programma inicial da conferencia não encontramos tambem principio ou condição que não devesse ser acceito por nós ou que contrarie os nossos interesses e direitos.
Na direcção positivista e pratica em que o direito internacional, acompanhando o movimento das idéas e dos interesses da sociedade moderna vae entrado de ha muito, o dominio nominal e a ficção dos direitos reservados de soberania tendem a desapparecer definitivamente, como desappareceu o «bloqueio no papel» e como se modificam no proprio direito privado certas fórmas e condições da propriedade particular.
97) Fundado na justiça, na equidade, na natureza das cousas (Phillimore), confirmado pelo consenso geral, pelo uso continuo, pelo testemunho das auctoridades professas (Grocio), o direito internacional não póde eximir-se á evolução das idéas, dos interesses e da sciencia, e tem de reconhecer e acceitar o poder transformador dos factos (Blustschli).
Como observa um dos internacionalistas mais illustres do nosso tempo: «a historia que nos demonstra a potencia dos factos e nos revela o que poderia chamar-se o direito vivo, tem destruido antigos direitos e fundado novos.
Quando certos direitos são insustentaveis á face das circumstancias e das necessidades humanas, cáem e desapparecem, e qundo outros direitos novos têem estabelecido a sua auctoridade e o seu poder no concenso geral e no modo de ser das relações sociaes, não póde continuar-se a ignoral-os e desattendel-os».
98) O principio da notificação internacional de qualquer occupação nova, quando realisada fóra das possessões actuaes de cada potencia, e o reconhecimento da obrigação que impende sobre a potencia occupante de assegurar o respeito pelos direitos adquiridos e a liberdade de commercio e de transito nas condições em que for ou tiver

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sido convencionada com as mais potencias, são evidentemente a consagração de idéas praticas e de interesses legitimos, pela qual, por mais de um motivo, sómente teremos de congratular-nos.
99) Introduzíra-se nos actos do Zaire e do Niger o principio da liberdade do trato e da navegação mercantil em tempo de guerra, sem exclusão das bandeiras belligerantes, e a protecção generica do regimen da neutralidade para as obras, estabelecimentos e pessoal creado em virtude do pensamento e das disposições d'esses actos.
Correspondia esta innovação importante a um movimento de opiniões e de esforços altamente humanitarios e civilisadores, que tem conseguido já realisar na jurisprudencia e na pratica das nações outros progressos congeneres.
100) Não tardou, porém, a manifestar-se o desejo, que certas preoccupações e interesses especiaes favoreciam e impulsavam fortemente, de fixar um regimen de neutralisação geral para os territorios sobre os quaes incidiam as deliberações da conferencia.
Estavam defesas a esta as questões de soberania e de direitos territoriaes, mas não deixara de sentir-se constantemente a necessidade indeclinavel de resolver aquellas questões, e a sua influição profunda, intensa e fatal na collaboração e no exito do concerto diplomatico.
Ladeadas habilmente, n'um ou n'outro ponto; afastadas com discreta delicadeza a cada problema novo; lançadas expressamente desde o primeiro dia á conta de futuros accordos entre as nações interessadas na sua liquidação, - essas questões, ou mais propriamente a questão da posse e dominio politico da zona maritima da bacia convencional do Zaire, erguia-se agora, irrecusavel e inilludivel, não sómente perante uma preoccupação generosa, uma aspiração doutrinaria, uma conveniencia geral, mas em face e á beira do proprio compromisso e interesse em que se empenhara a maioria das potencias, de transformar a empreza fundada pelo Rei dos belgas numa instituição internacional e soberana.
101) Evidentemente, para que esta formação extraordinaria do novo estado. - espécie de parenthese aberto no antagonismo das prevenções e dos interesses que constituiam o fundo do toda a questão do Zaire - podesse pacifica e praticamente ensaiar se em condições regulares, era necessario que o cobrisse o principio de uma neutralisação acceita e respeitada por todos, e o reconhecimento das so-beranias territoriaes que lhe seriam limitrophes ou que poderiam oppor-lhe o veto do seu direito e da sua força.
102) Mas não era menos evidente tambem que na mesma rasão em que se definia e crescia o interesse da neutralisação desejada, havia de accentuar-se e impor-se a necessidade de uma limitação dos territorios possuidos ou reclamados por aquellas potencias e pela empreza do Rei dos Belgas na bacia convencional do Zaire, e que n'estas condições se creára á obra da conferencia uma situação extremamente delicada e perigosa, desde que por um lado a questão da neutralisação houvesse de manter-se em termos absolutos, affrontando a independencia e a segurança das soberanias territoriaes, e que por outro lado aquella limitação e o reconhecimento internacional que ella necessariamente implicaria, não podesse accordar-se antes que a conferencia tivesse de dissolver-se.
Chegára para nós o momento decisivo da questão.
103) Não vos fazemos a injuria de discutir sequer a hypothese que se nos afigura mais do que ingenua, absurda, a unica, comtudo, que póde contrapor-se ao proceder dos nossos representantes, de nos recusarmos, então, terminantemente a qualquer solução conciliadora, furtando-nos intransigentemente aos conselhos e desejos das potencias amigas, rompendo o concerto dos interesses geraes e abandonando os nossos direitos, a justiça das nossas allegações, a honra da nossa soberania e a segurança e expansão da nossa provincia de Angola, a soluções violentas e estranhas, quando as circumstancias nos offereciam o
momento supremo de trazer a Europa ao confronto e accordo da sua e da nossa causa.
104) Antes que a conferencia assignasse o seu acto geral, em 26 de fevereiro d'este anno, conseguira vencer-se a situação difficil a que alludimos, e a questão da neutralisação podia resolver-se nos termos perfeitamente rasoaveis e praticos do capitulo 3.° d'esse acto.
100) Estava, pois, concluida a obra de uma das assembléas internacionaes mais notaveis e numerosas que d'esde o congresso de Vienna se tem reunido; obra de um elevadissimo interesse de civilisação e de paz, que representa na historia e na jurisprudencia das nações uma nova affirmação poderosa e irrecusavel da solidariedade do progresso humano.
Estados de diversissimas tradições e interesses, crenças religiosas e politicas dos mais oppostos principios, homens das mais variadas aptidões, reunidos na hospedagem primorosa da grande nação allemã, procuram garantir á exploração progressiva e humanitaria do continente negro, a força e a virtude de um direito positivo de liberdade e segurança geral.
106) Portugal, que primeiro do que nenhum outro povo abriu e devassou á luz e ao trabalho da civilisação christã os asperos sertões da barbaria africana, não podéra decorosamente faltar ali, e tem no desempenho do compromisso commum obrigações singulares.
107) De ha muito que andavamos afastados, por abandono proprio, que é o que principalmente explica o esquecimento alheio, das grandes questões da politica internacional.
Também sob este aspecto haveis de permittir que a vossa commissão se congratule comvosco e com o paiz por se nos ter offerecido o ensejo de affirmar, por uma fórma que se nos afigura decisiva, a nossa cooperação e o nosso direito no concerto das nações, fazendo votos por que não abandonemos mais o logar que retomámos agora ao cabo dos setenta annos decorridos, desde o congresso de Vienna.
Vae n'isso a honra de nosso nome e o interesse da nossa independencia.
108) Nós somos uma nação soberana. Girâmos no grande systema historico dos estados cultos, como astro independente e distincto; de nenhum somos satellite. Temos vida propria. Precisâmos ter um movimento proprio também.
As allianças são conjuncções de interesses, que não hão de violental-os no immobilismo de tradições mal apurardas, nem esquecel-os na sentimentalidade de cooperações mal retribuidas: - «verdade tão experimentada tanto á nossa custa,» - como diria João Pinto Ribeiro.

IV

109) Cumpre-nos agora considerar a convenção feita com o Rei dos belgas como fundador da Associação Internacional do Congo.
As relações immediatas d'esse documento com o grande accordo internacional de Berlin, cremos que ficaram sufficientemente indicadas e definidas nas considerações anteriores, e são conhecidas de todos, como é tambem a historia diplomatica d'aquella associação nos actos e documentos principaes que têem podido entrar no dominio da apreciação geral.
110) A Associação Internacional do Congo é uma empreza organisada em 1878 pelo Rei Leopoldo II da Belgica, sob o modesto titulo de Comité d'études du Haut-Congo.
111) Propunha-se ostensivamente a cooperar com a Associação Internacional para a exploração e civilisação da Africa, fundada pelo mesmo monarcha em 1876, sob o proposito, affirmado e acceito, de averiguar e proteger a exploração scientifica d'quelle continente, tornando-o de mais

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em mais accessivel ás relações e acção pacifica da civilisação europea.
112) Começando por emprehender o estudo de uma ligação marginal do curso superior do Zaire com o seu estuario maritimo, do qual o separam 83 kilometros de cataratas; - iniciando a exploração regular do primeiro, semeando ao longo do grande rio pontos ou estações que as segurassem uma communicação continua a essa exploração progressiva; estabelecendo relações com os povos indigenas ou impondo-se ao respeito d'elles: o Comité d'études, sob esta denominação modesta, e sob a bandeira sympathica da associação fundada em 1876 preparava a dominação dos grandes mercados interiores, cuja chave contava encontrar no enorme alargamento ou tanque formado pelo curso superior do rio, ao entrar nos desfiladeiros que o conduzem á região dos rapidos e das cataratas.
113) A concorrencia de outras tentativas, mais ou menos felizes, para derivar em diverso sentido os commercios sertanejos; - o malogro previsto dos primeiros projectos de simples drainagem marginal, e as resistencias e antagonismos que começavam a manifestar-se nos interesses empenhados nos tratos do Zaire, estimularam a empreza do Rei dos belgas a assumir rapidamente uma attitude e feição menos modesta e hesitante, lançando-a no caminho das acquisições de supostos direitos soberanos sobre os chefes e territorios indigenas, e mostrando-lhe a necessidade de assegurar melhor a base necessaria das suas operações, que era evidentemente a zona maritima do grande rio.
114) Considerou-se terminada a missão ostensiva do Comité d'études; appareceu então em scena a associação do Congo, e a bandeira philantropica e internacional da Associação de 1876, passou a annunciar e a cobrir o projecto de um futuro estado que do lado do mar se estenderia a todos os territorios não occupados até ali por qualquer soberania culta.
Não acompanharemos agora a affirmação successiva e a propaganda poderosa e ampla d'esta idéa.
Basta que registemos alguns dos actos e documentos de um caracter mais ponderoso e significativo que a trouxeram, já corporisada n'uma instituição internacionalmente reconhecida, até ás ultimas negociações diplomaticas, encerradas no começo d'este anno em Berlin.
115) Em 22 de abril de 1884, o governo dos Estados Unidos da America, auctorisado por uma deliberação do respectivo senado, proclamava a sympatia e a approvação que lhe inspiravam «o fim humanitario e generoso da Associação Internacional do Congo, gerindo os interesses dos estados livres estabelecidos (sic) n'aquella região, e dava ordem aos funccionarios americanos, no mar ou em terra, de reconhecer a bandeira da associação como igual á de um governo amigo».
116) Em 24 do mesmo mez e anno, o governo francez acceitava o compromisso da associação de que ella daria á França o direito de preferencia, se, por circumstancias imprevistas, tivesse um dia de trespassar «as suas possessões», e obrigava se pela sua parte a respeitar «as estações e territorios livres da associação, e a não pôr obstaculos «aos seus direitos.»
117) Successivamente, a associação fazia reconhecer a sua bandeira como a de um estado amigo, e negociava convenções commerciaes e politicas:
Com a Allemanha, em 8 de novembro;
Com a Inglaterra, em 16 de dezembro;
Com a Itália, em 19;
Com a Austria, em 24;
Com a Hollanda, em 27, de igual mez de 1884:
Com a Hespanha em 7 de janeiro;
Com a França, em 5 de fevereiro;
Com a Russia, em 5;
Com a Suecia, em 10 de igual mez de 1885.
118) Era pois evidente que no meio da diversidade dos seus interesses, e fossem quaes fossem as tradições e os propositos da jurisprudencia e da politica particular de cada governo, a Europa e a America do Norte tinham encontrado uma coincidencia de interesse commum na formação de um novo estado na região do Zaire, independente das duas unicas potencias civilisadas que ali exerciam ou pretendiam exercer direitos de soberania.
119) Todos estes diplomas internacionaes davam como facto reconhecido a
existencia de territorios, na posse legitima ou effectiva da Associação Internacional, e algumas das convenções alludidas referiam-se a uma carta onde se determinavam os limites que os respectivos governos estavam dispostos a reconhecer como fixando as fronteiras do territorio da associação e do «novo estado a crear».
120) Em relação aos territorios possuidos ou pretendidos pela França, a convenção com esta potencia expressamente determinara a limitação respectiva, depois de uma longa negociação em que a necessidade de um previo ou simultaneo accordo com Portugal, n'um sentido analogo, naturalmente se fizera sentir.
121) Se pela nossa parte era manifesto que, nas circumstancias presentes, nos convinha tambem chegar a uma definição positiva da área sobre a qual incidiam os nossos direitas e interesses de soberania territorial na zona disputada, - não era menos certo que o empenho, imponentemente affirmado pela Europa, em favorecer e garantir a formação do novo estado, e a conveniencia e segurança d'este, creavam a necessidade irrecusavel de um accordo comnosco.
122) Claramente, não podiamos pretender, e jamais nos attribuiramos, um direito exclusivo de dominio sobre todos os territorios, sempre aberto á annexação, em que o novo estado traçava largamente a sua futura acção assimiladora e soberana.
123) Na direcção do curso superior do Zaire, e ao norte d'este rio, nunca lograramos estabelecer, se alguma vez pensámos seriamente em fazel-o, uma occupação e uma jurisdicção regular, e a reserva diplomatica do nosso direito, definindo muito arbitraria e vagamente uma limitação por parallelos na costa, ou a área indeterminada, desconhecida até, dos territorios de Molembo, Cabinda e antigo reino do Congo, abstivera-se sempre de fixar quaesquer limites do lado do sertão, em documento ou acto de caracter internacional.
124) A propria contestação ingleza suggerida em 1846, referira-se sempre á linha da costa, ou ás tribus rupicolas, ao norte do parallelo 8°, e á parte um do outro porto militar estabelecido entre este parallelo e o Zaire, e as tradic-ções da nossa antiga suzerania sobre o velho reino do Congo - que deixáramos dissolver, abandonando desastradamente a idéa da sua effectiva, dominação, - a nossa soberania territorial não se organisára para o interior, nem manifestára durante o tempo que durou a pendencia, o proposito de estabelecer-se por uma fórma permanente e certa.
125) Longe de pôr objecção ao accesso livre da aventura e do commercio internacional nos territorios comprehendidos entre os parallelos que determinavam a reserva dos nossos direitos, frequentemente o protegeramos e estimularamos, e ainda recentemente a propria empreza do Rei dos belgas podéra agradecer-nos muitas das facilidades o seguranças que encontrou nos seus trabalhos e progressos.
Quantos estorvos podéramos ter-lhe creado, e quantos desastre e obstaculos podéra ter lhe suggerido, não já a nossa iniciativa hostil, mas sómente o nosso prestigio e a nossa influencia de seculos!...
A historia poderá registar a nossa imprevidencia. Ha de memorar os nossos erros, nos quaes terá certamente de fazer um largo desconto de circumstancias fataes e de injustiças alheias. Ha de contar dos enlevos doutrinarios da nossa sentimentalidade incorrigivel. Mas terá de honrar tambem a nossa perfeita lealdade, tão mal comprehendida, e a nossa generosidade briosa; tão mal empregada.

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Podessem todos, n'esta questão do Zaire, entregar a sua causa e o seu nome, com igual segurança, á justiça da historia e á lição do futuro.
124) A situação estava indeclinavelmente defenida nos seguintes termos.
Por um lado achava-se empenhada a Europa no reconhecimento e transformação da empreza do Rei dos belgas, - ou, como era permittido suppôr, - em garantir a formação de um territorio neutro e de um novo poder, exclusivamente derivado da deliberação e do interesse das potencias que nenhum dominio proprio possuiam na região do Zaire.
A eminencia de uma só jurisdicção soberana, - a portugueza, - na costa e embocadura do grande rio; - as consequencias eventuaes do dominio independente e expansivo de duas unicas potencias europeas, - a França e Portugal, - em toda aquella zona maritima e interior, que segundo as idéas dominantes ácerca da exploração da Africa central, teria de ser a base necessaria d'essa exploração, suggeriam evidentemente apprehensões e receios que a colligação de interesses representada pela associação internacional do Congo não deixava de promover e de intrigar, opportunamente.
Convém lembrar que a França enleára, de certa fórma n'este sentido, a liberdade da sua attitude e do seu voto, contrariando as nossas pretensões, negociando
Com a associação, e propondo em seguida ao tratado de 26 de fevereiro de 1884 uma acção internacional no Zaire.
125) Por outro lado, fortalecia-nos a necessidade manifesta do nosso assentimento e da nossa attitude pacifica, em relação ao futuro estado, mas, isolados tambem na defeza dos nossos direitos, estavamos maiormente interessados no reconhecimento d'elles por parte das mais potencias, como n'uma questão de honra e de segurança do nosso dominio africano.
Resalvando a primeira, cumpria-nos suggerir a affirmação positiva do interesse que se allegava como geral e se revelava como indeclinavel, antes que tivessemos de escolher entre as consequencias graves de uma formal recusa aos desejos e empenho das potencias amigas, e as transigencias necessarias de um accordo que nos assegurasse o reconhecimento internacional da nossa soberania sobre uma parte dos territorios do Zaire.
Era simultaneamente indispensavel que, considerando, não já sómente a rasão dos direitos que allegavamos e que nos recusavam reconhecer, mas os interesses positivos que d'elles se derivavam ou que elles cobriam, na sua persistente affirmação, determinassemos até onde seria preferivel essa conciliação pacifica ás contingencias facilmente previstas de uma attitude intransigente.
126) As notas uniformes e simultaneas da França, da Allemanha e da Inglaterra, em 7 e 13 de fevereiro de 1885 reseolveram o primeiro termo do problema. Affirmavamellas o interesse europeu da formação do novo estado do Congo, e de um accordo entre Portugal e a Associação Internacional, que garantisse a esse estado o accesso ao mar pelos territorios pela margem direita do Zaire, comprehendido o de Banana, e ficando a Portugal o dominio de Molembo e Cabinda, bem como os territorios ao sul do grande rio até onde fosse accordada a respectiva fronteira.
N'estes termos, Portugal teria seguro o reconhecimento da sua soberania sobre vastos territorios «onde geralmente lh'a contestavam».
Era uma especie de mediação internacional, exercida em nome da Europa e traduzida no conselho amigo das tres grandes potencias que affirmavam dar assim uma «prova do seu desejo de servir os verdadeiros interesses» do nosso paiz.
Desejando conservar ás negociações com a associação do Congo o caracter de uma acção perfeitamente internacional, que conseguiramos fazer definir e nos era sob todos os aspectos conveniente manter, solicitámos que uma d'aquellas potencias, exactamente a que compartilhava comnosco a soberania politica da região do Zaire, interviesse como mediadora na convenção desejada.
127) Todos estes documentos constituem um mesmo processo, que a conferencia appensou aos respectivos protocolos, cobrindo-o com a sua auctoridade, e completando a sua obra notabilissima: - novo capitulo additado ao direito que rege a paz e a civilisação das nações.
Fomos até onde não poderamos deixar de ír sem aventurarmos em contigencias desastrosas os mais elevados interesses de honra e de segurança nacional.
E a melhor prova de que não perdemos na contenção violenta dos interesses e preoccupações em que nos moviamos, a firme consciencia da nossa justiça e da nossa força, hão encontral-a facilmente os espiritos imparciaes e honestos, na propria solução em que soubemos parar ou que lográmos obter, seja qual for o aspecto sob o qual se considere e estude, séria e praticamente, aqulla solução.
128) Acrecentámos definitivamente ao nosso dominio na Africa occidental a zona enorme que se comprehende entre o parallelo do Loge, o curso do Zaire até alem de Noki e o parallelo d'este ponto até o Coango, zona, cujo litoral, pelo menos, nos era contestado, e cujo extremo oriental nunca administrativamente attingiramos; zona por onde descem do coração da Africa as mais importantescorrentes commerciaes, e que tem uma importancia decisiva, economica e politicamente considerada, sobre os destinos da nossa provincia de angola.
Conservámos ou aquirimos ao norte do grande rio os nossos allegados dominios de Cabinda e Molembo, comprehendida Landana, com a parte mais accessivel e commercial da costa, secção territorial cujo valor estrategico, no presente e no futuro, se sobreleva consideravelmente á sua extenção territorial, se bem o soubermos comprehender e assegurar.
Em relação ao futuro estado, se elle chegar a constituir-se, teremos nos seus territorios as facilidades e seguranças que tenham as mais nações, e que não tinhamos até agora.
128) Temos concluido a exposição do nosso estudo, posto que longa pelas necessidades do assumpto e pelo respeito que vos devemos, - superficial e summaria em relação á complexidade da questão e ao largo e decisivo alcance das soluções attingidas.
Termina aqui a nossa missão collectiva.
Propomo-vos a approvação, pura e simples, dos documentos diplomaticos, sujeitos pelo governo ao vosso julgamento, comprehendidos n'ella, é claro, as declarações e reservas que lhes correspondem nos protocollos respectivos.
~E concluimos como fechava em 1884 a comissão encarregada de estudar o tratado do zaire, o seu parecer parlamentar:
«É grave o complexo o assumpto, nem póde infelizmente dizer-se que ao cabo de tão longa e aturada campanha tenha logrado achar-se perfeitamente comhecido e serenamente liquidado na opinião geral, em termos positivos e certos.
«Prende-se indeclinavelmente com as mais generosas tradições e idéas do nosso patriotismo e com as necessidades e interesses mais justos do nosso dominio colonial.
«É por isso mesmo particularmente accessivel a muitos erros, a muitas illusões, a muitos preconceitos difficeis de reduzir á comprehensão necessaria, indeclinavel, das circumstancias, das idéas e dos interesses modernos.
«Prende-se tambem, cremol-o firmemente, á necessidade de revermos, por inteiro, o pensamento, os processos, as necessidades da nossa politica ultramarina, que não constituem uma questão insolivel, como em alguns começa já a desalentar a vontade, mas que representam uma gravissima questão em que temos de collocar de prompto um esforço valente, continuo,desenleado de muitas illusões e de muitas imprevidencias, que a têem complicado de ha muito.

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1906 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

«Tudo isto nos preoccupou e toda esta gravidade sentimos.
«Fomos prolixos, fomos enfadonhos, fomos porventura impertinentes no longo desenvolvimento do nosso parecer. É que quizemos ser leaes e francos.
«Em 1862 propunha o marquez de Sá da Bandeira ao duque de Loulé, e em 1869 ao governo britannico, uma negociação de mutuas concessões, que pozesse termo á
impertinente pendencia, que elle melhor do que ninguem conhecia. Determinaram, como inadiavel, as circumstancias, o que o senso pratico do patriotico africanista indicava, ha vinte annos, como necessario e util.
«O tratado é isto: - o nosso direito, a nossa justiça, o nosso interesse, está desaffrontado da unica impugnação que o impedia de exercer-se como direito, como justiça, como interesse da civilisação moderna.
«O resto é comnosco: com o nosso esforço, com o nosso bom senso, com a nossa boa politica nacional.»

Projecto de Lei

Artigo 1.° São approvados, para serem ratificados pelo poder executivo, o acto geral da conferencia de Berlin, assignado aos 26 de fevereiro do corrente anno pelos respectivos plenipotenciarios, e a convenção concluida e assignada n'aquella cidade, aos 14 de igual mez e anno, entre Portugal e a Associação Internacional do Congo, com a mediação da Republica Franceza.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Em commissão, aos 20 de maio de 1885 = Conde de Thomar = Francisco Augusto Florido de Monta Vasconcellos = João Marcellino Arroyo = Visconde das Laranjeiras, Manuel - Antonio Maria Pereira Carrilho = Rodrigo Affonso Pequito = Carlos Roma du Bocage = Tito Augusto de Carvalho = Henrique Mendia = Pinto Magalhães = Manuel d'Assumpção = Pedro Diniz = Luciano Cordeiro, relator.

N.º 35-C

Senhores. - Tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame dois documentos de subida importancia; um d'elles é a convenção de reconhecimento e limites celebrada em Berlin a 14 de fevereiro ultimo com a associação internacional do Congo, servindo de medianeiro o governo da Republica Franceza; o outro é o acto geral da conferencia reunida na mesma capital a fim de estabelecer as regras a que devem obedecer o commercio e navegação do Congo e rio Niger, e as formalidades a que terão d'ora em diante que sujeitar-se as novas occupações nas costas africanas.
A indole e natureza d'estes dois actos internacionaes, a maneira por que foram elaborados, prendem-nos um ao outro com tão estreitos laços, que pareceu conveniente submettel-os conjunctamente á vossa illustrada attenção.
Ser-vos-hão opportunamente apresentados os protocollos da conferencia e numerosos documentos que esclarecem completamente as longas e laboriosas negociações a que pozeram termo a convenção de Berlim e o acto geral da conferencia.
Seja-me, porém, licito resumir numa breve exposição a historia d'esta campanha diplomatica por virtude de qual nos achámos ligados a um movimento politico internacional onde se agitavam interesses das mais poderosas nações europêas.
De ha muito andavamos afastados d'essas luctas, e, como inevitavel consequencia de uma permanente abstenção, a Europa ía-se esquecendo de nós; sabia que podia contar comnosco para tudo quanto interessasse aos progressos da civilisação e isso lho bastava.
Tal era a situação em que nos achavamos quando, em novembro de 1882, o governo procurou de novo liquidar a pendencia que trazia desde longa data com o governo britannico ácerca da soberania dos territorios que demoram na costa occidental de Africa entre 5° 12' e 8° de latitude sul.
Sómente com o governo de Sua Magestade Britannica nos cumpria tratar, porque elle só pozera até então impedimento ao exercicio definitivo da soberania portugueza n'aquellas regiões.
Conhece a camara o tratado que firmámos em 26 de fevereiro de 1884 com a Gran-Bretanha, e o Livro branco sobre negocios do Zaire contém documentos que dizem largamente quaes foram as negociações que a elle conduziram .
Submettido aos parlamentos de Portugal e da Gran-Bretanha pelos governos respectivos, não chegou a ser em nenhum d'elles discutido nem foi portanto ratificado.
Varias causas contribuiram para isso; porém de todas a mais poderosa e decisiva, foi, por certo, a opposição que levantaram contra elle algumas potencias que, dizendo-se interessadas no commercio d'esta região africana, protestavam não poder consentir que Portugal e a Gran-Bretanha concertassem entre si, sem audiencia d'ellas, os destinos de tão valiosos territorios.
As explorações francezas, dirigidas por Savorgnan de Brazza, haviam chamado para ali a attenção da França, inspirando-lhe o desejo de alargar consideravelmente o seu dominio territorial até confrontar comnosco.
Por outro lado Sua Magestade o Rei dos Belgas declarára-se alto protector de uma sociedade que agora pretendia constituir um novo estado no centro da Africa; e a esta empreza adheriam de toda a parte sympathias e auxilios que iam pouco a pouco ligando uma associação particular aos mais poderosos interesses de todos os paizes.
O novo estado carecia de saida para o oceano e cubiçava-se para elle o litoral que Portugal reclamava; d'aqui nasceu uma propaganda habilmente movida em todas as capitães da Europa, em que se não descurava nenhum meio de conseguir para a sociedade os territorios do Zaire inferior.
Moviam-se contra nós accusações que, por serem infundadas, nem assim deixaram de calar no animo de muitos. Era mal comprehendido e peior interpretado o tratado de 26 de fevereiro de 1884, concluindo-se d'elle que Portugal pretendia fazer com que a sua soberania no Congo fosse reconhecida, a fim de estabelecer ali uma administração vexatoria incompativel com os interesses do commercio; e d'isto se prevalecia a associação internacional para proclamar a mais ampla liberdade de commercio e navegação no Zaire, attrahindo em seu favor a opinião geral dos negociantes e a protecção decidida de todos os estados que procuram anciosamente no alargamento de mercados para os productos da sua industria o termo de graves crises cada vez mais ameaçadoras.
Desde que appareciam interessados reclamando o direito de ser ouvidos relativamente ás regras a que ia submetter-se o commercio e a navegação no Zaire, cumpria obter a harmonia das suas conveniencias com os nossos direitos. Uma conferencia era o melhor meio de o alcançar.
Convocada pelo governo imperial da Allemanha, de accordo com o da republica franceza, reuniu-se esta em Berlim, excluindo-se terminantemente d'ella quaesquer discussões de soberania territorial.
Não ia a conferencia julgar dos nossos direitos, porque nem fôra para isso convocada nem nós os submettiamos á discussão; cumpria lhe sómente estabelecer, sobre determinadas bases, as leis geraes que se reputassem indispensaveis ao progresso da civilisação e ao desenvolvimento do commercio africano.
Portugal, profundamente liberal nas suas instituições como nos seus principios governativos, não podia deixar de adherir aos que tomava por base a conferencia; cumpria-lhe até apoia-los com tanta mais energia quanto lhe era necessario tornar patente a injustiça com que era accusado de pretender fechar os seus territorios africanos a quaesquer emprezas civilisadoras com as invenciveis barreiras de um intransigente monopolio,

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1907

Assim procedeu o governo; e os representantes de Portugal na conferencia souberam sempre defender os principios mais liberaes, salvaguardando ao mesmo tempo os direitos das potencias que exercem soberania nas regiões de que se tratava; e por esta fórma conseguiram destruir as prevenções que diversas causas alimentavam contra nós, e alcançar de todos o respeito pelos nossos direitos soberanos.
Parallelamente com os trabalhos da conferencia progrediam negociações para o reconhecimento da associação internacional do Congo pelos diversos governos; resistiam, porém, a reconhecel-a como estado, a França e Portugal, porque se recusavam a ceder áquella sociedade territorios a que tinham direito e que ella declarava necessarios ao seu desenvolvimento.
Correram simultaneas as negociações com os dois paizes, servindo sempre a França de medianeira entre Portugal e a associação internacional. Depois de penosos esforços e ao cabo de um largo periodo pôde a final chegar se a accordo por effeito de intervenção directa de tres nações amigas que, em nome de interesses geraes, solicitavam de nós o abandono de uma parte dos nossos direitos, abandono de que a própria França já nos dera o exemplo.
Foi necessario ceder uma parte do reclamado territorio para obter um limite septentrional definido e vantajoso para a provincia de Angola, e alcançar o reconhecimento pelas potencias, solemne e indiscutive1, da soberania portugueza na parte com que ficavamos. Transformavamos assim a simples reserva de um direito tradicional no pleno reconhecimento de uma soberania que ninguem mais nos poderá contestar. Abandonámos algum territorio, mas para comprazer com tres nações que nol-o pediam em nome dos geraes interesses da civilisação.
Eis a origem da convenção que foi firmada em Berlim aos 14 de fevereiro d'este anno, com a mediação da França, por meio da qual toda a margem esquerda do Zaire, desde a região de Noqui, uma vastissima região, até ao Cuango, Cabinda, Molembo, Landana e os seus territorios ficaram na plena posse da corôa portugueza. A conferencia, inserindo esta convenção n'um dos seus protocollos, deu-lhe a consagração de um solemne reconhecimento europeu.
No acto geral da conferencia encontram-se consignados diversos principios de reconhecida utilidade, inspirados por sentimentos profundamente liberaes, e que hão de certamente contribuir para a expansão do commercio e o alargamento da civilisação no continente africano.
Referem-se os primeiros á liberdade de commercio e de transito, á abolição de direitos de entrada durante vinte annos, á abolição de quaesquer monopolios e privilegios, á protecção aos missionarios e viajantes e á liberdade de consciencia. Este regimen liberal estende-se a toda a bacia convencional do Congo, que é consideravelmente mais extensa do que a sua bacia hydrographica, porquanto se lhe acrescentam para o oriente, ao norte e ao sul, extensos territorios. No emtanto as declarações da conferencia respeitaram sempre aquelles onde se acha estabelecida a jurisdicção regular e permanente de uma nação civilisada; dos seus protocollos podem deduzir-se ainda mais claramente que do acto geral os sentimentos que a animaram no que respeita a este ponto.
Tomou-se um novo e solemne compromisso relativamente á escravidão e ao trafico dos escravos, compromisso que de certo não conseguirá abolir de uma vez um uso inveterado e uma das bases em que se funda a constituição dos estados negros, mas que terá o benefico resultado de ir pouco a pouco limitando tão barbara usança, e excluindo-a das regiões onde europeus dominam.
Procurou-se afastar d'aquelles vastos territorios, para que se legislava, a guerra entre os brancos, limitando-se quanto era possivel, sem quebra dos direitos soberanos, o numero de casos em que poderia dar-se.
Cuidou-se de estatuir a liberdade de navegação no Congo, bem como em quaesquer vias navegaveis contidas na sua bacia convencional. Instituiu-se uma commissão internacional encarregada de garantir a applicação de tão vantajosos principios, porém ainda aqui se respeitaram os direitos das soberanias estabelecidas.
Tomaram-se para o Niger diversas disposições que asseguram tambem para aquelle importante rio os beneficios de um regimen similhante.
Fixaram-se, por ultimo, algumas formalidades e condições a que devem satisfazer as novas occupações nas costas do continente africano; e não se póde negar a vantagem real que resulta de ficarem do uma vez estabelecidas similhantes regras.
O numero das nações representadas, a importancia das questões que se trataram na conferencia de Berlim, a largueza de vistas com que foram debatidas, fazem do seu acto geral um documento importantissimo para o direito internacional moderno e um poderoso instrumento de civilisação.
Cumpre acatal-o e pôl-o em pratica a todas as nações colonisadoras; e Portugal, uma das primeiras e uma das que possuem mais extensos territorios nas costas africanas, não poderá deixar de associar-se ao alto empenho que elle denuncia.
Submettendo ao vosso exame a convenção de Berlim e o acto geral da conferencia, ouso esperar que apreciareis com justiça estes dois documentos e que não negareis a vossa approvação á seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção entre Portugal e a associação internacional do Congo, concluida e assignada com a mediação da Republica Franceza, pelos respectivos plenipotenciarios aos 14 de fevereiro de 1885.
Art. 2.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o acto geral da conferencia de Berlim, assignado n'aquella mesma cidade aos 26 dias do indicado mez e anno.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, 11 de abril de 1885. = José Vicente Barbosa du Bocage.

Convenção entre Portugal e a associação internacional do Congo

TRADUCÇÃO

Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc., etc.; e Sua Magestade o Rei dos Belgas, como fundador da associação internacional do Congo e em nome d'esta associação, animados do desejo de regular por meio de uma convenção as relações da monarchia portugueza com a associação internacional do Congo, e desejosos de fixar ao mesmo tempo os limites das suas possessões respectivas na Africa Occidental, concertaram se para este fim sob a mediação amigavel da Republica Franceza, e tendo chegado a um accordo sobre estes diversos pontos, resolveram sanccional-o por meio de uma convenção, e muniram do plenos poderes pura esse effeito :
Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal e dos Algarves, o sr. Antonio José da Serra Gomes, marquez de Penafiel, par do reino, official mor da sua casa, grancruz da ordem de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, commendador da ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, etc. etc.
Sua Magestade o Rei dos Belgas, o sr. Maximilien Charles Ferdinand Stranch, coronel no exercito belga, official da sua ordem do Leopoldo, commendador da ordem da Legião de Honra, presidente da associação internacional do Congo, os quaes depois de terem trocado os seus plenos poderes, que acharam em boa e duvida fórma, concordaram nos artigos seguintes:

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1908 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Artigo l.º
A associação internacional do Congo declara tornar extensivas a Portugal as vantagens que ella concedeu aos Estados Unidos da America, ao imperio da
Allemanha, á Inglaterra, á Itália, á Austria-Hungria, aos Paizes Baixos, á Hespanha, á França e aos Reinos Unidos da Suecia e Noruega, em virtude das convenções por ella concluidas com estas differentes potencias nas datas de 22 de abril, 8 de novembro, 16, 19, 24 e 29 de dezembro de 1884, 7 do janeiro, 5 e 10 de fevereiro de 1885, das quaes convenções a associação se obriga a entregar copias authenticas ao governo de Sua Magestade Fidelissima.

Artigo 2.°
A associação internacional do Congo obriga-se outrosim a não conceder nunca vantagens, de qualquer natureza que sejam, aos subditos de uma outra nação, sem que essas vantagens se tornem immediatamente extensivas aos subditos de Sua Magestade Fidelissima.

Artigo 3.°
Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal e dos Algarves, e a associação internacional do Congo, adoptam para fronteiras entre as suas possessões respectivas na Africa occidental, a saber:
Ao norte do Zaire (Congo) a recta que une a embocadura do rio que se lança no Oceano Atlantico, ao sul da bahia de Cabinda, junto de Ponta Vermelha, a Cabo Lombo; o parallelo d'este ultimo ponto prolongado até á sua intersecção com o meridiano da confluencia do Culacalla com o Lu-culla, o meridiano assim determinado até ao seu encontro com o rio Lu-culla; o curso do Lu-culla até á sua confluencia com o Chiloango (Loango Luce).
O curso do rio Zaire (Congo), d'esde a sua foz até á confluencia do pequeno rio de Uango-Uango; o meridiano que passa pela foz do pequeno rio de Uango-Uango entre a feitoria hollandeza e a feitoria portugueza, de modo que deixe esta ultima em territorio portuguez, até ao encontro d'este meridiano com o parallelo de Noqui, o parallelo de Noqui até á sua intersecção com o rio Cuango (Kuango), a partir d'este ponto na direcção do sul o curso do Cuango (Kuango).

Artigo 4.º
Uma commissão composta de representantes das duas partes contratantes, em numero igual de cada lado, será encarregada de executar no terreno a demarcação da fronteira na conformidade das estipulações precedentes. Em caso de divergencia a decisão será tomada por delegados que serão nomeados pela commissão internacional do Congo.

Artigo 5.°
Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal e dos Algarves está disposta a reconhecer a neutralidade das possessões da associação internacional do Congo, com a reserva de discutir e regular as condições d'esta neutralidade de accordo com as outras potencias, representadas na conferencia de Berlim.

Artigo 6.º
Sua Magestade Fidelissima El Rei de Portugal e dos Algarves reconhece a bandeira da associação internacional do Congo - bandeira azul com estrella de oiro no centro - como a bandeira, de um governo amigo.

Artigo 7.°
A presente convenção será ratificada, e as ratificações serão trocadas em Paris, no praso de tres mezes, ou antes, se possivel for.
Em testemunho do que, os plenipotenciarios das duas partes contratantes, assim como o exmo. sr. barão de Caorcel, embaixador extraordinario e plenipotenciario de França em Berlim, como representante da potencia medianeira, assignaram a presente convenção e lhe pozeram os seus sellos.
Feito em triplicado em Berlim, aos 14 dias do mez de fevereiro de 1885. = (Assignados) Marquez de Penafiel = Stranch = Afph. de Courcel.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 30 de março de 1885. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.

Acto geral da conferencia de Berlim

TRADUCÇÃO

Em nome de Deus Omnipotente,
Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc., etc., Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia, Sua Magestade o Imperador da Austria, Rei da Bohemia, etc., e Rei Apostolico da Hungria, Sua Magestade o Rei dos Belgas, Sua Magestade o Rei da Dinamarca, Sua Magestade o Rei de Hespanha, o Presidente dos Estados Unidos, da America, o Presidente da Republica Franceza, Sua Magestade a Rainha do Reino Unido da Gran-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Indias, Sua Magestade o Rei de Italia, Sua Magestade o Rei dos Paizes Baixos, Grão Duque de Luxemburgo, etc., Sua Magestade o Imperador de todas as Russias, Sua Magestade o Rei da Suecia e da Noruega, etc., etc., e Sua Magestade o Imperador dos Ottomanos
Querendo regular n'um espirito de boa e mutua concordia as condições mais favoraveis ao desenvolvimento do commercio e da civilização em certas regiões da Africa, e assegurar a todos os povos as vantagens da, livre navegação, sobre os dois principaes rios africanos que desembocam no Oceano Atlantico; desejando por outro lado prevenir as desintelligencias e contestações, que no futuro poderiam suscitar as novas occupações sobre as costas da Africa, e preoccupados ao mesmo tempo dos meios de augmentar o bem estar moral e material das populações indigenas, resolveram, por convite que lhes foi dirigido pelo governo imperial da Allemanha, de accordo com o governo da republica franceza, reunir para este fim uma conferencia em Berlim e nomearam por seus plenipotenciarios, a saber :
Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves, etc., etc., etc. :
O sr. Serra Gomes, marquez de Penafiel, par do reino, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciário junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia; e
O sr. Antonio de Serpa Pimentel, conselheiro d'estado e par do reino;
Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia :
O sr. Othon, principe de Bismarck, seu presidente do conselho de ministros da Prussia, chanceller do imperio;
O sr. Paulo, conde de Hatzfeldt, seu ministro d'estado e secretario (d'estado do ministerio dos negocios estrangeiros;
O sr. Augusto Busch, seu conselheiro intimo effectivo de legação e sub-secretario d'estado do ministerio dos negocios estrangeiros; e
O sr. Henrique de Kusserow, seu conselheiro intimo de legação no ministerio dos negocios estrangeiros;
Sua Magestade o Imperador da Austria, Rei da Bohemia, etc.. e Rei Apostolico da Hungria:
O sr. Emerico, conde Széchényi, de Sárvári Felso Videk, camarista e conselheiro intimo effectivo, seu embaixador extraordinario e plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia ;
Sua Magestade o Rei dos Belgas:
O sr. Gabriel Augusto, conde vau der Siraten Ponthoz, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario jun-

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1835 1909

to de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia; e
O sr. Augusto, barão Lambermont, ministro d'estado, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario;
Sua Magestade o Rei da Dinamarca:
O sr. Emilio de Vind, camarista, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia;
Sua Magestade o Rei de Hespanha:
Dom Francisco Merry y Colom, condo de Benomar, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia;
O Presidente dos Estados Unidos da America :
O sr. João A. Kasson, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario dos Estados Unidos da America junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia; e
O sr. Henrique S. Sanford, antigo ministro;
O Presidente da Republica Franceza:
O sr. Affonso, barão de Courcel, embaixador extraordinario e plenipotenciario de França junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia;
Sua Magestade a Rainha do Reino Unido da Gran-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Indias:
Sir Edward Baldwin Malet, seu embaixador extraordinario e plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia;
Sua Magestade o Rei de Italia:
O sr. Eduardo, conde de Lannay, seu embaixador extraordinario e plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia;
Sua Magestade o Rei dos Paizes Baixos, Grão-Duque de Luxemburgo, etc.:
O sr. Frederico Filippe Jonkheer van der Hoeven, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia;
Sua Magestade o Imperador de todo as Russias:
O sr. Pedro, conde Kapnist, conselheiro privado, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade o Rei dos Paizes Baixos;
Sua Magestade o Rei da Suecia e da Noruega, etc., etc.:
O sr. Gillis, barão Bildt, tenente general, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia;
Sua Magestade o Imperador dos Ottmanos:
Mehemed Said Pacha, visir e alto dignitario, seu embaixador extraordinario e plenipotenciario junto de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, Rei da Prussia:
Os quaes, munidos de plenos poderes, que foram achados em boa e devida fórma, discutiram successivamente e adptaram:
1.º Uma declaração relativa á liberdade de commercio na bacia do Congo, suas embocaduras e paizes circumvizinhos, com certas disposições connexas;
2.º Uma declaração concernente ao trafico dos escravos e ás operações que sobre terra ou sobre o mar forneçam escravos ao trafico;
3.º Uma declaração relativa á neutralidade dos territorios comprehendidos na bacia convencional do Congo;
4.º Um acto de navegação do Congo, que tendo em consideração as circumstancias locaes, torne extensivos a este rio, aos seus affluentes e aos que lhe são assimilados, os principios geraes enunciados nos artigos 108.º a 116.º do acto final do congresso de Vienna, e destinados a regular entre as potencias signatarias d'este acto a livre navegação das correntes de agua navegaveis que separam ou atravessam defferentes estados, principios convencionalmente applicados depois aos rios da Europa e da America, e especialmente ao Danubio, com as modificações previstas pelos tratados de Paris de 1856, de Berlim de 1878 e de Londres de 1871 e de 1883;
5.º Um acto de navegação do Niger que, tendo igualmente em consideração as circumstancias locaes, applique a este e aos seus affluentes os mesmos principios inscriptos nos artigos 108.° a 116.° do acto final do congresso de Vienna;
6.° Uma declaração introduzindo nas relações internacionaes regras uniformes relativas ás occupações que poderão ter logar no futuro sobre as costas do continente africano.
E tendo julgado que esses differentes documentos poderiam ser utilmente coordenados em um só instrumento, os reuniram em um acto geral, composto dos seguintes artigos:

CAPITULO I

Declaração relativa á liberdade de commercio na bacia do Congo, suas embocaduras, e regiões circumvizinhas, e disposições annexas

Artigo 1.°

O commercio de todas as nações gosará de completa liberdade:

1.° Em todos os territorios que constituem a bacia do Congo e de seus affluentes. Esta bacia é limitada pelas cristas das bacias contiguas, especialmente pelas bacias do Niari, do Ogowe, do Schari e do Nilo, ao norte; pela linha de cumiada oriental dos affluentes do lago Tanganika, a leste; pelas cristas das bacias do Zambeze e do Loge, ao sul. Comprehende, por conseguinte, todos os territorios banhados pelo Congo e seus affluentes, abrangendo o lago Tanganika e seus affluentes orientaes.
2.° Na zona maritima, que se estende no Oceano Atlantico, desde o parallelo situado 2º e 30' de latitude S. até á embocadura do Loge.
O limite septentrional seguirá o parallelo situado a 2° e 30', desde a costa até ao ponto em que este parallelo encontra a bacia geographica do Congo, evitando a bacia do Ogowe, á qual se não applicam as estipulações d'este acto.
O limite meridional seguirá o curso do Loge, até ás nascentes d'este rio, dirigindo-se d'ali para leste até á sua junção com a bacia geographica do Congo;
3.º Na zona, que se prolonga a leste da bacia do Congo, tal como acima fica limitada, até ao Oceano Indico, desde 5.° de latitude N. até á embocadura do Zambeze e ao S. d'este ponto, a linha de demarcação seguirá o Zambeze até cinco milhas a montante do seu confluente Schire, e continuará pela linha de cumiada, que separa as aguas que correm para o lago Nyassa das aguas tributarias do Zambeze até se juntar de novo com a linha divisoria das aguas do Zambeze e do Congo.
Fica expressamente entendido que, estendendo a esta zona oriental o principio da liberdade de commercio, as potencias representadas na conferencia só por si proprias se compromettem, e que este principio não se applicará aos territorios que actualmente pertençam a algum estado independente e soberano, sem previo consentimento d'este. As potencias compromettem-se a empregar os seus bons officios junto dos governos estabelecidos no litoral africano do Mar das Indias, a fim de obter d'elles esse consentimento e, em todo o caso, de assegurarem ao transito de todas as nações as condições mais favoraveis.

Artigo 2.°
Todas as bandeiras, sem distincção de nacionalidade, terão livre acesso a todo o litoral dos territorios que ficam enumerados, aos rios que d'ali desaguam no mar, a todas as aguas do Congo e seus affuentes, comprehendendo os lagos, a todos os portos situados nas margens d'essasaguas, assim como a todos os canaes que no futuro venham a ser abertos com o intuito de ligar entre si os cursos de

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1910 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

agua ou lagos, comprehendidos era toda a extensão dos territorios designados no artigo 1.° Poderão emprehender qualquer especie de transportes, e exercer a cabotagem maritima e fluvial, bem como a navegação de pequenos barcos, nas mesmas condições que os nacionaes.

Artigo 3.°
As mercadorias de qualquer proveniencia importadas n'estes territorios, sob qualquer bandeira, por via martima, fluvial ou terrestre, sómente serão obrigadas a pagar as taxas que poderem ser recebidas como equitativa compensação de despesas uteis para o commercio, e que, por este motivo, deverão ser applicadas igualmente, tanto aos nacionaes como aos estrangeiros de qualquer nacionalidade.
Fica absolutamente prohibido qualquer tratamento differencial, tanto a respeito dos navios como das mercadorias.

Artigo 4.°
As mercadorias importadas n'estes territorios serão isentas de direitos de entrada e de transito.
As potencias reservam-se o direito de resolver, no fim de um periodo de vinte annos, se a franquia de entrada deve ou não manter-se.

Artigo 5.°
A potencia que exerça ou venha a exercer direitos de soberania nos territorios acima indicados, não poderá conceder n'elles nem monopolio, nem privilegios de qualquer especie em materia commercial.
Os estrangeiros gosarão n'elles indistinctamente do mesmo tratamento e dos mesmos direitos que os nacionaes, para a protecção de suas pessoas e bens, para a acquisição e transmissão de suas propriedades mobiliarias e immobiliarias o para o exercicio de suas profissões.

Disposições relativas á protecção dos indigenas, dos missionarios e dos viajantes bem como á liberdade religiosa

Artigo 6.°
Todas as potencias que exerçam direitos de soberania ou influencia nos citados territorios se obrigarão a velar pela conservação das populações indigenas e pelo beneficio das suas condições moraes e materiaes de existencia, e a concorrer para a suppressão da escravatura, e principalmente do trafico de negros; ellas protegerão e auxiliarão, sem distincção de nacionalidades, nem de cultos, todas as instituições e emprezas religiosas, scientificas ou caritativas, creadas e organisadas para estes fins, ou tendentes a instruirem os indigenas e fazer-lhes comprehender e apreciar as vantagens da civilisação.
Os missionarios christãos, os sabios, os exploradores, suas comitivas, haveres e collecções serão igualmente o objecto de especial protecção.
A liberdade de consciencia e a tolerancia religiosa são expressamente garantidas aos indigenas, como aos nacionaes e estrangeiros.
O livre e publico exercicio de todos os cultos, o direito de eregir edificios religiosos e de organisar missões que pertençam a esses cultos não serão submettidos a estorvo, nem restricção alguma.

Regimen postal

Artigo 7.°
A convenção da união postal universal, revista em Paris a 1 de junho de 1878, será applicada á bacia convencional do Congo.
As potencias, que ahi exerçam ou venham a exercer direitos de soberania ou de protectorado, compromettem-se a adoptar, logo que as circumstancias o permitiam, as providencias necessarias para a execução da disposição precedente.

Direito de fiscalisação attribuido á commissão internacional de navegação do Congo

Artigo 8.°
Em todas as partes do territorio a que a presente declaração se refere, e onde nenhuma potencia exerça direitos de soberania ou de protectorado, a commissão internacional de navegação do Congo, instituida em virtude do artigo 17.°, ficará encarregada de fiscalisar a applicação dos principios proclamados e consagrados por esta declaração.
Nos casos em que se levantem difficuldades relativas á applicação dos principios estabelecidos n'esta declaração, os governos interessados poderão concordar em recorrer aos bons ofiicios da commissão internacional, entregando-lhe o exame dos factos que tiverem dado origem a essas difficuldades.

CAPITULO II

Declaração a respeito do trafico de escravos

Artigo 9.°
Estando prohibido o trafico de escravatura, em harmonia com os principios do direito das gentes, como se acham reconhecidos pelas potencias signatárias, e devendo considerar-se igualmente prohibidas as operações que sobre terra ou mar fornecerem escravos a esse trafico, as potencias que exercerem ou vierem a exercer direitos de soberania ou uma influencia qualquer nos territorios que formam a bacia convencional do Congo, declaram que esses territorios não poderão servir nem de mercado, nem de via de transito para o trafico de escravos, seja qual for a raça a que pertençam.
Cada uma d'essas potencias obriga-se a empregar todos os meios em seu poder para pôr termo a esse commercio e punir aquelles que o exercerem.

CAPITULO III

Declaração relativa á neutralidade dos territorios comprehendidos na bacia convencional do Congo

Artigo 10.°
A fim de dar uma nova garantia de segurança ao commercio e á industria, e de favorecer, pela manutenção da paz, o desenvolvimento da civilização nas regiões mencionadas no artigo 1.° e collocadas sob o regimen da liberdade commercial, as altas partes signatarias do presente acto, e aquellas que posteriormente a elle adherirem, compromettem-se a respeitar a neutralidade dos territorios, ou porções de territorios dependentes das ditas regiões, comprehendendo as aguas territoriaes, e emquanto as potencias que exercem ou vierem a exercer direitos de soberania ou de protectorado sobre estes territorios, usando da faculdade de se proclamarem neutras, cumprirem deveres inherentes á neutralidade.

Artigo 11.°
No caso em que uma potencia que exerça direitos de soberania ou de protectorado nas regiões mencionadas no artigo 1.°, e collocadas sob o regimen da liberdade commercial, venha a achar-se envolvida n'uma guerra, as altas partes signatarias d'este acto, e as que a ella adherirem, compromettem-se a empregar os bons officios para que os territorios pertencentes a esta potencia, e comprehendidos na zona convencional da liberdade commercial, fiquem por consentimento d'essa potencia, e da outra ou das outras partes belligerantes, collocados, emquanto durar a guerra, sob o regimen da neutralidade, e considerados como pertencentes a um estado não belligerante; as partes belligerantes renunciarão desde então a estenderem as hostilidades aos territorios assim neutralisados, e igualmente a fazerem d'elles base para operações de guerra.

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Artigo 12.°

No caso em que um dissentimento serio, originado por motivo ou dentro dos limites dos territórios mencionados no artigo 1.° e collocados sob o regimen da liberdade commercial, venha a levantar-se entre as potencias signatarias do presente acto, ou das potências que a elle adherirem, no futuro essas potencias compromettem-se a recorrer á mediação de uma ou mais potencias amigas, antes de recorrerem ao uso das armas.
N'este caso, as mesmas potências reservam-se o recurso facultativo ao processo do arbitragem.

CAPITULO IV

Acto da navegação no Congo

Artigo 13.°

A navegação do Congo, sem excepção de algum dos seus braços ou embocaduras, é e continuará sendo inteiramente livre para os navios mercantes, com carga ou em lastro, de todas as nações, tanto para o transporte de mercadorias como para o de viajantes. Deverá conformar-se com as disposições do presente acto de navegação, e com os regulamentos que para a sua execução forem estabelecidos.
No decurso d'essa navegação, os súbditos e as bandeiras de todas as nações serão tratados, a todos os respeitos, n'um pé de absoluta igualdade, tanto para a navegação directa do alto mar em direcção aos portos interiores do Congo e vice-versa, como para a grande e pequena cabotagem, assim como para a navegação de pequenos barcos, sobre o percurso d'este rio.
Por conseguinte, sobre todo o percurso e nas embocaduras do Congo, não será feita distincção alguma entre os súbditos dos estados marginaes e os dos estados não marginaes, e nenhum privilegio de navegação exclusivo sem concedido a quaesquer sociedades ou corporações ou a particulares.
Estas disposições são reconhecidas pelas potencias signatarias como fazendo parte, de hoje em diante, do direito publico internacional.

Artigo 14.°

A navegação do Congo não poderá ser sujeita a nenhuma restricção ou imposição, que não sejam expressamente auctorisadas n'este acto. Não será onerada com quaesquer obrigações de escala, de etape, de deposito, do abandono de carga ou de ancoradouro obrigado.
Em toda a extensão do Congo os navios e mercadorias que transitarem sobre o rio serão isentos de qualquer imposto de transito, qualquer que seja a sua proveniencia ou o seu destino.
Não será estabelecida nenhuma portagem fluvial ou marítima baseada sobre o unico facto da navegação, nem direito algum sobre as mercadorias que se acharem a bordo dos navios. Só poderão ser estabelecidas taxas ou direitos que tenham o caracter de retribuição por serviços prestados á propria navegação; a saber:
1.° Direitos de porto pelo aproveitamento effectivo de certos estabelecimentos locaes, como caes, armazens, etc.
A tarifa d'estes direitos será calculada sobre as despezas de construcção e de conservação dos referidos estabelecimentos ou cães, e será applicada sem nenhuma distincção para a proveniencia dos navios ou para a sua carga;
2.º Direitos de pilotagem sobre as secções fluviaes, onde for necessario crear estações de pilotos devidamente habilitados.
A tarifa destas taxas será fixa e proporcional aos serviços prestados.
3.° Direitos destinados a cobrir as despezas technicas e administrativas effectuadas no interesse geral da navegação, comprehendendo os direitos de pharol, illuminação e balizagem.
Os direitos d'esta ultima categoria serão baseados sobre a tonelagem dos navios, tal como ella resultar dos papeis de bordo, e conformemente ás regras adoptadas para o baixo Danubio.
As tarifas segundo as quaes se devem cobrar as taxas e os direitos enumerados nos §§ antecedentes não comportarão nenhum tratamento differente, e deverão ser officialmente publicadas em cada um dos portos.
As potencias reservam se o direito de examinar no fim de um período de cinco annos, só ha motivos para serem revistas, de commum accordo, as tarifas acima mencionadas.

Artigo 15.º

Os affluentes do Congo serão a todos os respeitos sujeitos ao mesmo regimen que o rio de que são tributarios.
O mesmo regimen será applicado aos rios e ribeiras, assim como aos lagos e canaes dos territorios fixados pelo artigo 1.° §§ 2.° e 3.°
Todavia, as attribuições da commissão internacional do Congo não se estenderão sobre os ditos rios, ribeiras, lagos e canaes, não havendo assentimento dos estados, sob cuja soberania elles estão collocados. Fica tambem entendido que para os territorios mencionados no artigo 1.° § 3.°, se considera reservado o consentimento dos estados soberanos de que esses territorios dependem.

Artigo 16.°

As estradas, caminhos de ferro ou canaes lateraes, que possam ser estabelecidos com o fim especial de obviar á innavegabilidade ou às imperfeições da via fluvial em certas secções do percurso do Congo, dos seus affluentes e de outros cursos de agua que lhe são assimilados pelo artigo 15.°, serão considerados, na sua qualidade de meios de communicação, como dependencia d'este rio, e serão igualmente abertos ao trafico de todas as nações.
Da mesma fórma que sobre o rio, sobre estas estradas, caminhos de ferro e canaes não podem ser cobrados senão direitos de portagem calculados sobre as despezas de construcção, conservação e administração e sobre os lucros devidos aos empreiteiros.
Quanto ás taxas d'estes direitos de portagem os estrangeiros e os nacionaes dos territórios respectivos serão tratados sobre um pé de perfeita igualdade.

Artigo 17.°

É instituída uma commissão internacional encarregada de assegurar a execução das disposições do presente acto de navegação.
As potencias signatarias deste acto, assim como aquellas que posteriormente adherirem a elle, poderão, em todo o tempo, fazer-se representar na dita commissão, cada uma por um delegado.
Nenhum delegado poderá dispor de mais de um voto, ainda mesmo no caso em que represente diversos governos. Este delegado será directamente retribuído pelo seu governo.
Os ordenados e subsídios dos agentes e empregados da commissão internacional serão tirados do producto dos direitos cobrados, conforme o disposto no artigo 14.º §§ 2.° e 3.°
A importancia dos ditos ordenados e subsídios, assim como o numero, graduação e attribuições dos agentes e empregados, serão inscriptos no relatorio, que será dirigido cada anno aos governos representados na commissão internacional.

Artigo 18.°

Os membros da commissão internacional, assim como os agentes nomeados por ella, ficam investidos do privilegio da inviolabilidade no exercício das suas funcções. A mesma garantia abrangerá as secretarias, os escriptorios e os archivos da commissão.

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Artigo 19.°

A commissão internacional de navegação do Congo constituir-se-ha logo que cinco potencias, signatarias do presente acto geral, hajam nomeado os seus delegados. Emquanto se não realisa a constituição da commissão, a nomeação dos delegados será notificada ao governo do imperio allemão, ao cuidado do qual ficam as providencias necessárias para provocar a reunião da commissão.
A commissão elaborará immediatamente regulamentos de navegação, de policia fluvial, de pilotagem e de quarentena.
Estes regulamentos, assim como as tarifas a estabelecer pela commissão, antes de serem postos em vigor, serão submettidos á approvação das potencias representadas na commissão.
As potencias interessadas deverão apresentar seus pareceres com a maior brevidade possível.
As infracções d'estes regulamentos serão reprimidas pelos agentes da commissão internacional, nos territorios em que exercer directamente a sua auctoridade, e nos outros territorios pela potencia marginal.
No caso de abuso de poder ou de injustiça da parte de qualquer agente ou empregado da commissão internacional, o indivíduo que se considerar lesado na sua pessoa ou nos seus direitos, poderá dirigir-se ao agente consular da sua nação. Deverá este examinar a queixa; e se, examinada, prima facie, lhe parecer rasoavel, terá o direito de a apresentar á commissão. Por iniciativa sua, a commissão representada, pelo menos, por tres membros, aggregar-se-ha ao respectivo agente consular, e procederá a um inquérito sobre o comportamento do seu agente empregado.
Se o agente consular entender que a decisão da commissão póde suscitar objecções de direito, fará a este respeito um relatorio ao seu governo, o qual poderá recorrer ás potencias representadas na commissão, e convidal-as a entenderem-se sobre as instrucções a dar á commissão.

Artigo 20.°

A commissão internacional do Congo, encarregada, nos termos do artigo 17.°, de assegurar a execução do presente acto de navegação, terá como attribuições especiaes:
1.° A designação dos trabalhos necessários para assegurar a navigabilidade do Congo, segundo as necessidades do commercio internacional.
Sobre as secções do rio, em que nenhuma potência exercer direitos de soberania, a commissão internacional tomará as medidas necessarias para assegurar a navigabilidade do rio.
Sobre as secções do rio, occupadas por uma potência soberana, a commissão internacional entender-se-ha com a auctoridade marginal.
2.° A fixação da tarifa de pilotagem e a da tarifa geral dos direitos de navegação, previstas nos §§ 2.° e 3.° do artigo 14.°
As tarifas mencionadas no § 1.° do artigo 14.° serão fixadas pela auctoridade territorial, nos limites previstos no dito artigo. A percepção d'estes differentes direitos fica a cargo da auctoridade internacional ou territorial, por conta da qual são estabelecidos.
3.° A administração dos rendimentos provenientes da applicação do § 2.° supra;
4.° A vigilancia do estabelecimento quarentenario estabelecido em virtude do artigo 24.°;
5.° A nomeação dos agentes necessarios para o serviço geral da navegação e dos seus proprios empregados. A instituição dos sub-inspectores pertencerá á auctoridade territorial sobre as secções occupadas por uma potencia, e á commissão internacional sobre as outras secções do rio.
A potencia marginal notificará á commissão internacional a nomeação dos sub-inspectores que houver instituído, e essa potencia se encarregará dos seus salarios.
No exercício das suas attribuições, taes como ficam definidas e limitadas, a commissão internacional não dependerá da auctoridade territorial.

Artigo 21.°

No cumprimento d'esta missão, a commissão internacional poderá recorrer, sendo necessario, aos vasos de guerra das potencias signatarias d'este tratado, e d'aquellas que venham a acceital-o de futuro, sob todas as reservas de instrucções que possam ter sido dadas aos commandantes desses navios pelos respectivos governos.

Artigo 22.°

Os vasos de guerra das potencias signatarias do presente tratado, que penetrarem no Congo, são isentos do pagamento dos direitos de navegação estabelecidos no § 3.° do artigo 14.°, mas pagarão os direitos eventuaes de pilotagem, bem como os direitos do porto, a menos que a sua intervenção não tenha sido reclamada pela commissão internacional ou pelos seus agentes, nos termos do artigo precedente.

Artigo 23.°

Para subvencionar as despezas technicas e administrativas, que lhe incumbem, a commissão internacional instituída pelo artigo 17.° poderá negociar em seu proprio nome emprestimos exclusivamente garantidos pelas receitas attribuidas á referida commissão.
As decisões da commissão, tendentes á realisação do emprestimo, devem ser tomadas pela maioria de dois terços de votos. Fica entendido que os governos representados na commissão não poderão em caso algum ser considerados como havendo dado garantias ou assumido qualquer responsabilidade ou solidariedade com respeito aos referidos emprestimos, excepto se para esse fim tiverem feito convenções especiaes.
O producto dos direitos especificados no terceiro paragrapho do artigo 14.° será destinado por prioridade ao pagamento dos juros e á amortisação dos emprestimos, segundo as convenções feitas com os prestamistas.

Artigo 24.°

Nas embocaduras do Congo será fundado, ou por iniciativa das potencias ribeirinhas, ou por intervenção da commissão internacional, um estabelecimento quarentenario, que exerça a fiscalisação sobre os navios á entrada e saída.
Mais tarde as potencias decidirão se, e em que condições, a fiscalisação sanitaria deve ser exercida sobre os navios no curso da navegação fluvial.

Artigo 25.°

As disposições do presente tratado de navegação ficarão em vigor em tempo de guerra. Por conseguinte, a navegação de todas as nações, neutras ou belligerantes, será livre; em todos os tempos para os fins commerciaes no Congo, suas ramificações, seus affluentes e embocaduras, assim como sobre o mar territorial em face ás embocaduras d'este rio.
O trafico fica igualmente livre, apesar de guerra, nas estradas, caminhos de ferro, lagos e canaes mencionados nos artigos 15.° e 16.°
Não haverá excepção a este principio, salvo no que diz respeito ao transporte de objectos destinados a um belligerante, e considerados, em virtude do direito das gentes, como artigos de contrabando de guerra.
Todas as obras e estabelecimentos creados em execução do presente tratado, principalmente as recebedorias e suas caixas, assim como o pessoal ligado permanentemente ao serviço destes estabelecimentos, serão collocados sob o regimen da neutralidade, e nesta qualidade protegidos e respeitados pelos belligerantes.

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CAPITULO V

Acto da navegação do Níger

Artigo 26.°

A navegação do Níger, sem excepção de nenhum dos braços ou desembocaduras d'este rio, é e continuará a ser inteiramente livre para os navios mercantes, com carga ou em lastro, de todas as nações, tanto para o transporte de mercadorias, como de viajantes. Deverá, porém, conformar-se com as disposições do presente acto de navegação, e com os regulamentos a estabelecer para a execução do mesmo acto.
No exercício d'esta navegação, os súbditos e os pavilhões de todas as nações serão tratados a todos os respeitos num pé de perfeita igualdade, tanto na navegação directa do alto mar com destino aos portos interiores do Niger, e vice-versa, como na grande e pequena cabotagem, assim como na navegação de pequenos barcos em todo o percurso d'este rio.
Por consequencia, em todo o percurso do Niger e nas suas desembocaduras não se fará distincção alguma entre os subditos dos estados marginaes e os dos que não são marginaes, e não será concedido privilegio algum exclusivo de navegação, nem a quaesquer sociedades ou corporações, nem a particulares.
Estas disposições ficam reconhecidas pelas potencias signatárias como fazendo parte, d'ora avante, do direito publico internacional.

Artigo 27.°

A navegação do Niger não poderá ser sujeita a nenhum obstaculo ou imposto baseados unicamente sobre o facto da navegação.
Não soffrerá nenhuma obrigação de escala de etape, de deposito, de abandono de carga ou de ancoradouro forçado.
Em toda a extensão do Niger os navios e as mercadorias transitando sobre o rio não ficarão sujeitos a nenhum imposto de transito, seja qual for a sua proveniencia ou destino.
Não será estabelecida nenhuma portagem marítima nem fluvial baseada sobre o simples facto da navegação, nem tão pouco qualquer direito sobre as mercadorias que se achem a bordo dos navios. Só poderão ser cobrados direitos ou taxas que tenham caracter de retribuição de serviços prestados á própria navegação. As tarifas d'estes direitos ou taxas não admittirão nenhuma disposição differencial.

Artigo 28.°

Os affluentes do Niger serão a todos os respeitos submettidos ao mesmo regimen que o rio de que são tributarios.

Artigo 29.°

As estradas, caminhos de ferro ou canaes lateraes que possam ser estabelecidos com o fim especial de supprir a innavigabilidade ou as imperfeições da via fluvial em certas secções do percurso do Niger, dos seus affluentes, braços e desembocaduras, serão considerados na sua qualidade de meios de communicação, como dependencias d'este rio, e estarão abertos igualmente ao trafico de todas as nações.
Da mesma fórma que no rio, não poderão, n'estas estradas, caminhos de ferro ou canaes, ser cobrados senão direitos de portagem, calculados em relação ás despezas de construcção, de conservação e de administração, e aos benefícios devidos aos empreiteiros.
Quanto ás taxas d'estas portagens, os estrangeiros e os nacionaes dos territorios serão tratados num pé de perfeita igualdade.

Artigo 30.°

A Gran-Bretanha compromette-se a applicar os princípios da liberdade de navegação enunciados nos artigos 26.°, 27.°, 28.° e 29.°, emquanto as aguas de Niger, seus affluentes, desembocaduras e braços estiverem sob a sua soberania ou protectorado.
Os regulamentos que ella estabelecer para a segurança e fiscalisação na navegação, serão concebidos de maneira a facilitar tanto quanto possível a circulação dos navios mercantes.
Fica entendido que estes compromissos de fórma alguma podem interpretar-se como impedindo ou podendo impedir a Gran-Bretanha de fazer quaesquer regulamentos de navegação que não sejam contrarios ao espirito d'estes compromissos.
A Gran-Bretanha compromette-se a proteger os negociantes estrangeiros de todas as nações que façam commercio em todas as partes do curso de Niger que estão ou vierem a estar sob a sua soberania ou protectorado, como se fossem seus proprios subditos, comtanto que esses negociantes se conformem com os regulamentos que são ou venham a ser estabelecidos em virtude do que precede.

Artigo 31.°

A França acceita com as mesmas reservas, e em termos idênticos, as obrigações consignadas no artigo precedente, na parte das aguas do Niger, seus affluentes, braços e desembocaduras, que estão ou venham a estar sob a sua soberania ou protectorado.

Artigo 32.°

Cada uma das outras potencias signatárias compromette-se igualmente, para o caso que venha a exercer no futuro direitos de soberania ou protectorado sobre qualquer ponto das aguas do Niger, seus affluentes, braços e desembocaduras.

Artigo 33.°

As disposições do presente acto de navegação permanecerão em vigor em tempo de guerra. Por consequencia, a navegação de todas as nações, neutras ou belligerantes, será sempre livre para os usos do commercio no Niger, seus braços, affluentes, embocaduras, assim como no mar territorial, que defronte com essas embocaduras do rio.
O trafico permanecerá igualmente livre, apesar do estado de guerra, nas estradas, caminhos de ferro e canaes mencionados no artigo 29.°
Não haverá excepção a este principio senão no que disser respeito ao transporte de objectos destinados a um belligerante e considerados, em virtude do direito das gentes, como artigo de contrabando de guerra.

CAPITULO VI

Declaração relativa ás condições essenciaes a cumprir, para que occupações novas nas costas do continente sejam consideradas effectivas

Artigo 34.°

A potencia que de hoje em diante tomar posse de qualquer territorio sobre as costas do continente africano, situado fóra das suas possessões actuaes, ou que, não as tendo ainda, chegar a adquirir alguma, e igualmente a potencia que ali assumir qualquer protectorado, acompanhará o acto respectivo de uma notificação dirigido ás outras potencias signatarias do presente acto, a fim de as collocar nas circumstancias de fazer valer, se houver logar, suas reclamações.

Artigo 35.°

As potencias signatárias do presente acto, reconhecem a obrigação de assegurar nos territorios occupados por ellas, nas costas do continente africano, a existencia de uma auctoridade sufficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos e, dado o caso previsto, a liberdade de commercio e de transito nas condições em que for estipulada.

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CAPITULO VII

Disposições geraes

Artigo 36.°

As potencias signatárias do presente acto reservam-se direito de lhe lazer ulteriormente, e de commum accordo, as modificações ou melhoramentos cuja utilidade a experiencia tiver demonstrado.

Art. 37.º

As potencias, que não tiverem assignado o presente acto geral, poderão adherir às suas disposições por meio de um acto separado. A adhesão de cada potencia é notificada, por via diplomatica, ao governo do imperio allemão, e por este a todos os estados signatarios ou adherentes. Esta adhesão importa, de pleno direito, a acceitação de todas as vantagens estipuladas pelo presente acto geral.

Artigo 38.°

O presente acto geral será ratificado no mais curto espaço de tempo possível, o qual, em hypothese alguma, poderá exceder a um anno.
Elle começará a ter vigor para cada potência, a partir da data em que esta potencia o ratificar. E emquanto não for ratificado, as potencias signatarias do presente acto geral, obrigam-se a não adoptar qualquer medida em contrario das disposições do dito acto. Cada potencia dirigirá sua ratificação ao governo do império alleãào, ao cuidado do qual fica o aviso a todas as potencias signatarias do acto geral. As ratificações de todas as potencias permanecerão depositadas nos archivos do governo do império allemão. Quando todas as ratificações tiverem sido feitas, será levantado um auto do deposito n'um protocolo, o qual será assignado pelos representantes de todas as potencias que tomaram parte na conferencia de Berlim, e da qual uma copia certificada será enviada a todas essas potencias.
Em fé do que, os plenipotenciarios respectivos assignaram e sellaram o presente acto geral.
Feito em Berlim, aos 20 dias do mez de fevereiro de 1885.

(L. S.) Marquez de Penafiel.
(L. S.) A. de Serpa Pimentel.
(L. S.) v. Bismarck.
(L. S.) Busch.
(L. S.) v. Kusstrow.
(L. S.) Széchényi.
(L. S.) Cte. Augte van der Straten Ponthoz.
(L. S.) Bn. Lambermont.
(L. S.) E. Vind.
(L. S.) Comte de Benomar.
(L. S.) John A. Kasson.
(L. S.) H. S. Sanford.
(L. S.) Alph. de Courcel.
(L. S.) Edward B. Malet.
(L. S.) Launay.
(L. S.) F. P. van der Hoeven.
(L. S.) Cte. P. Kapnist.
(L. S.) Gillis Bildt.
(L. S.) Said.

Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 10 de abril de 1885. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. Barros Gomes (sobre a ordem): - Obedecendo aos preceitos do regimento, vou ler a seguinte moção de ordem que mando para a mesa:
«A camara lamenta que se discuta a actual proposta de lei, sem que o governo tenha ainda apresentado o projecto geral de occupação e organisação administrativa dos territórios do Zaire.»
Sr. presidente, quando, em sessão de 27 de janeiro d'este anno, o sr. ministro dos negocios estrangeiros respondia ao discurso por mim proferido no dia anterior, lamentou s. exa. que menos opportunamente eu tivesse suscitado debate ácerca de uma questão que só podia ser apreciada cabalmente, e dar base a um juízo imparcial dos actos governativos que a ella se referiam, depois de apresentados a esta camara os documentos que constituem o Livro branco, ha pouco distribuído pelos srs. deputados.
Se algum escrupulo, porém, podessem ter suscitado no meu animo as palavras do honrado ministro e meu amigo, confesso a v. exa. e á camara que esse escrupulo cessou completamente com a leitura e estudo que acabo de fazer dos mesmos documentos para que se appellava com tamanha confiança.
Pela minha parte vejo n'elles a confirmação plena e inteira de todas as asserções que proferi perante o parlamento portuguez; ainda mais, considero-os como justificação cabal do meu procedimento, que aliás muito reflectidamente eu julguei dever adoptar n'aquella epocha.
Que fiz eu então?
Levantei um protesto, imprimindo lhe um cunho quanto possível energico, contra o abandono injustificavel a que nos votara, e em que nos manteve a nação que habitualmente designavamos pelo titulo de nossa antiga e fiel alliada.
Ora o Livro branco, que tenho presente, mostra do modo mais cabal que esse abandono não podia ser nem mais completo nem mais cruel. (Apoiados.)
E algumas das notas firmadas pelo ministro e meu amigo, o sr. Bocage, provam bem quanto s. exa. lhe sentiu a crueldade e as amarguras.
Era, portanto, mais do que justificado o protesto e o brado patriotico que eu levantava contra o isolamento em que nos deixou perante todas as potencias da Europa, colligadas contra nós, a outrora altiva nação ingleza. (Apoiados.)
Chamei depois, quanto em mim coube, a attenção do governo para a conveniencia de uma approximação mais estreita com a França e a Allemanha.
E pelo Livro branco vemos agora todos nós que foram a mediação benevola da França, á qual devemos ficar reconhecidos, (Apoiadas) e particularmente as diligencias amigaveis do embaixador d'esta potencia em Berlim, o sr. barão de Courcel, e do illustre estadista que então dirigia os negocios d'aquelle paiz, o sr. Julio Ferry, (Apoiados), que tornaram possível o facto de se modificarem até certo ponto as imposições contrarias ao nosso direito; pelo Livro branco se reconhece que foi a essa potencia, e ainda á Allemanha, que devemos o ter saído com menos desaire da conferencia de Berlin e o poder circumscrever o sacrifício a que sempre nos veríamos forçados perante as exigências da Europa inteira. (Apoiados.)
Lamentei eu, por fim, em 26 de janeiro que o nosso governo tivesse constantemente sido mal informado; (Apoiados,) lamentei e censurei não sem acrimonia, aliás bem justificada, o systema inexplicável de conservar ausentes das côrtes junto das quaes se acham acreditados, os nossos ministros plenipotenciarios, que, pela natureza das suas funcções tantas vezes têem de defender os interesses os mais sagrados da patria; e o novo Livro branco vem por seu lado provar mais uma vez e de modo tambem cabal e completo que, se taes queixas eram justificadas á face dos documentos publicados até então, mais vigorosamente têem cilas de se accentuar na actualidade em face dos factos revelados á camara e á nação por esta compilação recente do ministerio dos negocios estrangeiros.
Ainda mais: erguendo a minha voz, aliás humilde, no seio d'esta assembléa, em 26 de janeiro, tinha eu acima de

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tudo em mente uma idéa patriótica, a cuja inspiração obedecia, desejava levantar aqui, no parlamento portuguez, entre os representantes da nação, um protesto em favor d'esses nossos velhos direitos tradicionaes, que se prendem ao melhor da nossa historia, e que estavam sendo menoscabados e tristemente postos em duvida por quasi todas as nações da Europa.
Vinha assim em auxilio, ainda que indirectamente, ao próprio governo que pleiteava nesse momento perante as chancellarias europeas a causa desse direito. Poderia o governo allegar, e se o não fez, devia tel-o feito, com os proprios factos passados n'esta camara, que se mantinham intemeratos os brios nacionaes, e que as manifestações do parlamento eram o ecco natural e legitimo do sentimento nacional.
Hoje, sr. presidente, a minha situação é inteiramente outra.
Está sujeita ás deliberações d'esta casa, para correrem o seu natural processo de ratificação o acto geral da conferencia de Berlim, e bem assim o convenio do tratado celebrado com a associação internacional do Congo; e eu desde já declaro com franqueza a v. exa. e á camara que dou o meu voto e approvação aos dois diplomas; acceito um e outro como imposição fatal a que tivemos de nos curvar, reconhecendo que, dado o isolamento lamentável em que o paiz ficara collocado, poderia ter sido ainda peior do que o foi a solução final deste longo pleito que sustentámos desde 1846.
Declarando assim, e desde já, que approvo a projecto de lei que actualmente se acha em discussão, só tenho em vista usando da palavra dirigir algumas perguntas ao governo, confirmar o que asseverei em 26 de janeiro d'este anno, e provocar algumas explicações por parte do srs. ministros ácerca da situação em que fica a província de Angola em presença de certas clausulas que me feriram a attenção ao examinar os tratados ou convénios celebrados entre a associação internacional e diversas potencias da Europa.
Dividirei a exposição que tenho afazer em duas partes: diz a primeira respeito ás negociações que precederam a conferencia de Berlim ; na outra occupar-me-hei do occorrido durante a conferencia e dos resultados das negociações e debates de que foi theatro aquella. alta assembléa, ou em que se proseguia activamente ao lado d'ella.
Tive eu já em tempo occasião de dizer á camara qual fora a impressão produzida na Europa pelo conhecimento do tratado celebrado entre a Inglaterra e Portugal, tratado chamado do Congo, e que tem a data de 26 de fevereiro de 1884.
Do Livro amarello apresentado ha pouco ao parlamento francez, e onde vem inseridos todos os protocolos da conferencia de Berlim e bem assim os documentos relativos ás negociações, em que a França foi medianeira, entre a associação africana e Portugal, encontra-se logo nas primeiras paginas uma exposição dos trabalhos da conferencia, clara, logicamente deduzida e muito bem formulada pelo sr. Engelhardt, delegado francez junto á mesma conferencia. Esse documento começa por accentuar a rasão da conferencia, filiando-a exclusivamente na existencia do tratado entre Portugal e a Inglaterra, contra o qual o governo francez desde logo se manifestara, fazendo sentir sem perda de tempo ao governo de Portugal a maneira menos favoravel pôr que havia encarado um accordo, para cuja celebração não fora ouvido, e ás prescripções do qual de modo algum entendia que podessem ficar submettidos subditos francezes.
Mais tarde outras potencias, e especialmente a Allemanha, os Estados Unidos e os Paizes Baixos, mostraram por seu lado que não podiam acceitar as consequencias e os princípios formulados no tratado celebrado exclusivamente com a adhesão do governo portuguez e inglez, e estabelecendo em proveito exclusivo das duas partes contratantes um direito de policia e de fiscalisação no curso inferior do Congo.
Diz-se aqui o seguinte:
«Tendo a Allemanha, particularmente, mostrado o desejo de se combinar sobre o assumpto com a França, e de se associar ás suas resistencias contra uma política de exclusivismo colonial tão pouco dissimulada, verificou-se entre Berlim e Paris uma troca de explicações, ácerca das clausulas de um accordo, que teria o caracter defensivo de uma especie de liga dos neutros, em que poderiam tomar parte todos os estados interessados no trafico africano.
Tal foi a situação em que se collocaram os dois governos, que tomaram sobre si o levar a Europa a associar-se n'uma especie de liga de neutros contra Portugal. Triste documento este para nós, que demonstra assim desde logo a verdade das apreciações por mim feitas na sessão de 26 de janeiro sobre as consequencias fataes para o nosso paiz das negociações que precederam e nos levaram a firmar o tratado do Zaire.
Prossigamos, porém, na leitura do relatorio do sr. Engelhardt:
«Ao passo que se prosseguia n'estas negociações previas, e quando a imprensa europêa já anuunciava o seu feliz exito, Portugal, abandonando o terreno do pacto bilateral que as provocara, propoz deferir a uma conferencia o exame das difficuldades relativas ao Congo, e o próprio governo britannico declarou por seu lado querer participar na resolução internacional do assumpto.
«Assim assegurado das disposições conciliadoras dos dois governos, cuja iniciativa os tinha approximado, a França e a Allemanha, propozeram ás potencias marítimas da Europa, assim como aos Estados Unidos da America, a discussão em commum do programma que summariamente ellas já haviam definido entre si.»
Quer dizer, accentua-se aqui mais uma vez que se tinha estabelecido essa liga contra Portugal e a Inglaterra, contra um systema de política colonial exclusiva. Ainda mais. Diz-se tambem que a iniciativa tomada por essas duas nações é que tinha approximado de um modo definitivo, e por um interesse commum, a França e a Allemanha. A camara deixo o apreciar a gravidade toda d'esta affirmação. Não occulto por meu lado, nem o poderia fazer, que uma tal approximação se preparava desde muito. A questão do Egypto, as difficuldades incessantes oppostas pela Inglaterra em Tunis, na ilha de Madagascar, no extremo Oriente, ás tentativas francezas de expansão colonial, necessariamente deviam conduzir áquelle resultado. Nem por isso deixa de ser muito grave o affirmar-se em um documento official francez, que fora o tratado de 26 de fevereiro de 1884, a circumstancia que determinara a final aquella approximação.
Este documento é frisante e demonstra, a meu ver, do modo mais cabal o erro da direcção dada às negociações anglo-portuguezas.
Não insisto neste ponto; mas creio que é importante para a apreciação da questão e para que se possa saber por que maneira foi acceito pela Europa o tratado anglo-luso.
Disse ha pouco que o sr. ministro da França em Lisboa havia feito saber, desde logo, ao governo portuguez quanto o seu governo era contrario ao tratado que acabava de celebrar-se. Effectivamente, o Livro branco, que tenho aqui presente, abre com uma nota dirigida pelo sr. Laboulaye ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, datada de 18 de março de 1884, e na qual se Icem entre outros os seguintes paragraphos:
«Nos négociants peuvent revendiquer, concurrement avec d'autres maisons étrangères la plus grande part du trafic dans cette partie du littoral africain. Ils ont joui, jusqu'à ce jour, d'une liberté absolue au point de vue, soit de la navigation, soit du commerce qui n'est soumis à aucune taxe. Le cabinet de Lisbonne a donc pu mesurer

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d'avance la gravite du dommage qui serait cause aux intérêts de nos nationaux, si les dispositions concernant le controle du fleuve et l'établissement de taxes fiscales ne devaient pas être exclusivement appliquées aux sujets des états contractants.
«Le caractère essentiellement bilatéral de l'acte signé à Londres suffit, il est vrai, à écarter une telle éventualité. Mais il se peut que l'exécution même des dispositions ainsi concertées entre le Portugal et l'Angleterre donne lieu, dans la pratique, à des incidents de nature à préjudicier aux opérations de nos nationaux.
«Pour prévenir tout malentendu le gouvernement de la république croit nécessaire de saisir sans plus de retard le gouvernement portugais des reserves que cette situation lui parait comporter. Dans sa pensée, les clauses do l'arrangement intervenu entre le Portugal et la cour de Londres, ne sauraient, en aucun cas et sous aucun pretexte, lui être opposées, et il proteste par avance contre tout acte qui en modifiant, sans sou agrément et au préjudice de ses nationaux, les conditions auxquelles le commerce et la navigation sont actuellement soumis dans l'estuaire du Congo, tendrait directement ou indirectement à mettre en cause les engagements pris envers la France par le Portugal et consacrés par un usage ininterrompu de prés d'un siècle.»
Acrescenta tambem de um modo terminante, que fora com desagradavel impressão, notada a clausula da cessão de S. João Baptista de Ajuda em favor da Inglaterra.
A esse respeito diz o sr. Laboulaye o seguinte:
«Le governement portugais n'ignore pas les intérêts que nous avons nous-mêmes dans ces parages. Il ne sera pas surpris des lors que nous ne puissions envisager avec indifférence la stipulation par l aquelle il a cru devoir ainsi aliéner par avance sa liberté d'action, en ce qui concerne un point situe dans le voisinage immédiat d'établissements français, au moment même ou les deux cabinets semblaient admettre l'opportunité d'une entente générale touchant la délimitation de leurs possessions sur la côte occidentalle d'Afrique.»
Parece, no entanto, que o nosso governo estava por tal fórma alheio, e se mantenha tão longe da comprehensão do sentimento que então predominava ácerca do assumpto entre os estadistas, que presidiam aos negocios estrangeiros dos differentes paizes, que só assim póde explicar-se o responder o sr. Bocage a esta nota, empregando entre outras estas expressões:
«O governo de Sua Magestade Fidelíssima não tem a minima duvida de que a França, pela sua parte, respeitará o exercício da soberania effectiva de Portugal no sentido e com a extensão que os publicistas são unanimes em dar a esta palavra.
«Refere-se o alludido Memorandum pouco favoravelmente á commissao mixta creada pelo artigo 4.° do tratado.»
E explicando em seguida a natureza e attribuições da commissão mixta, o sr. Bocage acrescentava:
«Por isso não alcança este governo comprehender como o da republica franceza possa receiar para os seus nacionaes qualquer damno da adopção de medidas que têem por objecto implantar no Zaire o regimen regular adoptado em toda a parte onde impera a civilisação; e menos ainda comprehende como se queira attribuir á adopção de tão úteis providencias qualquer significação capaz de contrariar no mínimo ponto o bom accordo em que ha tantos annos se têem mantido Portugal e a França.»
Quer dizer, o governo não alcançava comprehender, nem sequer por um momento podia pôr em duvida, tão completa era a sua segurança; que uma difficuldade qualquer importante podesse levantar-se ácerca do tratado anglo-portuguez por parte dos differentes governos da Europa.
Ora, sr. presidente, nós vimos ha pouco o que se passava com relação á França, vamos agora ver por seu lado o que succedia com referencia á Allemanha.
Apenas em Londres houve noticia da celebração do tratado, o embaixador allemão n'aquella côrte, o conde de Munster, dirigia em 6 de março, ao seu governo, um despacho em que dava noticia da existencia do tratado, e dizia que n'elle havia uma clausula que suscitava justificadissimas apprehensões; era a da constituição de uma commissão mixta-anglo-lusa, da qual resultava necessariamente, apesar de todas as declarações de que o commercio seria tratado com igualdade e sem differença nenhuma para as diversas nacionalidades, uma posição privilegiada para a Inglaterra, e mais tarde, concessões, privilégios e favores especiaes para os subditos desta nação.
Isto dizia o embaixador allemão, sem que previamente tivesse tido tempo de conferenciar com o seu collega francez; essa conferencia realisou se mais tarde e logo repetirei em breves palavras o resultado que ella teve. Mas ainda assim o conde de Munster mencionava tambem desde logo, entre outras clausulas que suscitavam reparo, a da cessão eventual de S. João Baptista de Ajuda á Inglaterra.
E commentando o tratado acrescentava ainda:
«Sir Julian Pauncefote, com o qual eu conferenciei sobre o assumpto, disse me, que o gabinete inglez só muito a custo consentira na instituição de uma commissão anglo lusa, e assegurou que a Inglaterra aproveitaria a posição novamente adquirida no Congo só para fazer valer e fiscalisar os interesses geraes de todas as nações.»
Mais uma vez escuso notar a gravidade de similhantes expressões!
Tendo assim communicado em 3 do março ao seu governo a impressão que lhe produzira o conhecimento, tornado publico, do tratado, o conde de Munster diligenciou em seguida, como ia dizendo ha pouco, saber qual era a disposição de animo dos seus collegas do corpo diplomatico em Londres a tal respeito, e n'um officio de 21 de março podia já dizer ao seu governo, que tinha sido desagradavel essa impressão, e que especialmente se pronunciavam contra o tratado o ministro de Hollanda e o embaixador francez, o sr. Waddington. Ambos viam n'elle prejudicados os interesses internacionaes, e já n'essa occasião o embaixador francez lhe perguntara quaes eram as idéas e a opinião do governo allemão em face do tratado, e qual o procedimento que se deveria seguir na presença de um documento, que por tal forma ia ferir a susceptibilidade dos differentes gabinetes. Isto prova que as idéas de approximação entre a França e a Allemanha brotavam espontaneamente do simples conhecimento e primeira leitura do tratado do Congo.
Em 3 de março o cônsul geral da Allemanha, em Loanda, o sr. Pasteur, que pela sua posição, e como conhecedor que era das circmnstancias da localidade, tinha importante voto na matéria, voto que o governo allemão muito necessariamente havia de attender, o sr. Pasteur, que se achava então em Dnisburg, na Allemanha, representou tambem ao seu governo chamando toda a attenção d'este para a gravidade das consequências que podiam provir da ratificação do tratado.
N'este ultimo documento, a representação do consul, aprecia-se de um modo bem desfavoravel a acção das nossas auctoridades coloniaes, e em geral o nosso systema de administração ultramarina.
Embora injusto em muitos pontos, parece me, comtudo, que este relatorio deve obrigar o nosso governo a reflectir e a ver com que rasão, muitas vexes, deste lado da camara, se notam vícios e deficiencias no nosso systema colonial, a que é necessario pôr termo, porque nós hoje não temos colónias que estejam longe de toda a acção civilisadora, (Apoiados.) e que não possam ser estudadas e apreciadas pelos governos europeus.
Nós hoje administrâmos os nossos vastos domínios do ultramar, e colonisamol-os á face da Europa inteira, e carecemos, para poder mantel-os, que essa administração, que não póde ser nem ma nem brilhante, visto não termos

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possibilidade de ali introduzir muitos melhoramentos materiaes, por nos escassearem, infelizmente, recursos para tanto, seja, comtudo, perfeitamente honesta, digna, e se inspire num pensamento civilisador e de progresso, respeitadas assim muitas das nossas tradições mais alevantadas e títulos de posse mais gloriosos. (Vozes: - Muito bem.)
N'este documento dizia o consul allemão o seguinte, resumindo e fechando com essa reflexão o seu relatorio:
«O receio de circumstancias analogas ás que vigoram em Angola, por exemplo, é de per si bastante para destruir toda a vida commercial e todo o espirito de empresa nas regiões agora ameaçadas, e que se encontravam em pleno e vivo desenvolvimento.»
Ora isto, em verdade, faz pensar e obriga a reflectir seriamente.
A este documento seguem-se no Livro branco allemão uma serie de outros analogos, que são as representações das differentes camaras do commercio ao governo allemão, pedindo e instando para que elle tomasse uma attitude energica na questão do tratado.
A primeira d'estas representações é da camara commercial da cidade de Hamburgo. Seguem-se muitas outras, das quaes não darei noticia mais minuciosa, para não cansar por essa fórma a attenção dos meus collegas.
Citarei apenas algumas das suas datas. A primeira, a que já me referi, é de 20 de março; a ultima, de 10 de maio, e 6 a da cidade de Mannheim.
Vê-se, pois, que apenas a imprensa tornara publico o conhecimento do tratado, pelo consul allemão, todas as camaras do commercio una voce dicentes protestaram contra elle. A de Hamburgo chamava muito particularmente a attenção do governo allemão para a importancia dos interesses do imperio na costa Occidental de Africa, fazendo notar a existência de uma carreira mensal de vapores da casa Woermann, e o valor das mercadorias exportadas da Allemanha para aquellas regiões, valor que subia, incluindo o preço dos fretes, e em periodo pouco superior a um anno, a perto de 1.000:000 de marcos.
Crescia, pois, a tempestade, e de todos os angulos do horisonte fusulavam relampagos e se acastellavam nuvens, que deviam descarregar mais tarde sobre nós a electricidade de que estavam prenhes, destruindo e fazendo desapparecer esse tratado, que tantas e taes amarguras e cuidados custará já ao nosso paiz; e no emtanto, no nosso palacio do Calhariz, não parecia que fosse ainda muito grande inquietação, nem que se apreciassem devidamente os acontecimentos, devido tudo, talvez, não á culpa directa do ministro, mas á incrivel deficiencia de informações diplomaticas.
O unico documento em que se revelam, por essa epocha, as primeiras diligencias do nosso governo, para procurar debelar a tempestade e oppôr um pára-raios a esses xcesso de fluido electrico, que nos ameaçava com as suas detonações, é um officio para o nosso ministro em Londres, o sr. d'Antas, com a data de 29 de março de 1884, no qual o sr. Bocage ordenava áquelle funccionario que tivesse uma entrevista com lord Granville e procurasse tornar effectiva a promessa da Inglaterra, de que empregaria pelo seu lado quantos meios podesse para desfazer quaesquer difficuldades que se levantassem contra o tratado.
E no entretanto, já tinha havido toda esta correspondencia, já se haviam manifestado os senados, das cidades hanseaticas, já a agitação era quasi geral.
N'estas condições, repito, é que o governo deu o primeiro passo, dirigindo-se á potencia com quem tinha contratado, potencia que occupava então, como ainda hoje occupa, um logar eminente no concelho das nações, a fim de que fizesse bom o tratado que firmára!
Não me parece, portanto, que possa affirmar-se em presença de tudo isto terem sido as informações do governo portuguez completas, sobre o estado dos espiritos e as disposições dos gabinetes.
E até certo ponto, é ao proprio parecer da commissão que n'este momento vou buscar armas para provar mais uma vez o que acabo de dizer.
N'esse parecer diz-se a paginas 3 e sob o n.° 33 o seguinte:
«Vivamente solicitada de ha muito para que iniciasse uma política de expansão e de protecção colonial em proveito e segurança dos interesses allemães largamente espalhados e radicados nas diversas partes do inundo, a chancellaria imperial de Berlim resolveu que não podia deixar de attender á agitação promovida nas praças do seu paiz, como nas de outros, contra o accordo anglo-portuguez.»
Diz em seguida o illustre relator, que o governo imperial suggerira em 14 de abril de 1883, quer dizer, quasi um anno antes da assiguatura do tratado de 26 de fevereiro, a idéa de uma consulta geral de todos os senados das cidades hanseaticas, e camarás de commercio de diversas povoações, sobre qual deveria ser a política do governo nas regiões africanas, consulta a que muitas d'ellas responderam, dever o governo, insistir muito principalmente pela neutralização das bocas do Congo e do Níger; quer dizer, em 6 de julho de 1883, muito antes da assignatura do tratado de 1884, já as camaras de commercio da Allemanha, manifestavam o desejo, de que se neutralisassem os terrenos do Congo! Affirma o o nosso collega n'este parecer, e já eu tinha tido occasião de o narrar á camara desde muito.
O que parece, portanto, certo é que a agitação e o movimento na Allemanha, em consequencia deste facto, era consideravel.
E devo declarar, que não farei menção, hoje, senão de documentos novos, e que apenas de passagem citarei alguns d'aquelles a que tive occasião de me referir em 26 de janeiro d'este anno.
Farei uma d'essas excepções no momento actual, recordando o officio, por tantos títulos recommendavel, do sr. Augusto de Andrade, então nosso encarregado de negócios em Bruxellas, no qual se affirmava que, desde 1882, existia constituída uma associação colonial allemã (ácerca da qual terei mais tarde de fallar largamente), e que era uma demonstração clara de quanto aquella nação desejava expandir a sua acção pelas diversas regiões do globo, e muito especialmente pelo grande continente negro. Lembrarei tambem que por essa occasião mr. Frère Orban declarára que o governo allemão em occupar alguns territorios nas costas da Africa occidental.
Mas temos mais. Não são documentos estrangeiros; não são factos passados lá fóra, são documentos nossos, são livros e elementos de estudo que deviam estar nas mãos do governo, que vão provar-nos até que ponto era absolutamente impossivel deixar de Ter em linha de conta os interesses allemães na resolução d'esta questão.
Refiro-me n'este momento ao interessante relatorio do sr. Francisco Antonio Pinto, em que elle narra ao governo as peripecias da sua missão no Zaire, documento notavel por mais de um titulo, e que é um resumo das conferencias, que mais tarde muitos de entre nós tivemos o prazer de lhe ouvir no salão da Trindade.
Este documento, relatando a pag. 40 as condições em que se faz o commercio do Zaire, affirma que todas as fazendas que vão para o Zaire e se accumulam nos armazens das feitorias de diversas nacionalidades são provenientes de Hamburgo, Rotterdam e de Liverpool.
Cita assim primeiro Hamburgo.
E effectivamente, como vimos, uma das carreiras de vapores mais regular e frequente para aquellas regiões é a carreira allemã, que tem aquelle porto por ponto de partida.
Quer dizer que este documento, que estava nas mãos do governo, justificava de um modo claro que, embora não existissem no Zaire feitorias allemãs, as mercadorias e depositos ali accumulados ou consumidos eram em grande parte de origem allemã.

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Diz mais este documento a pag. 17 o seguinte:
«O germen de vida nova está lançado já no Humpata, no Bihé, no Zaire e em Landara; e a Allemanha procurara terrenos para a sementeira nas immediações do Montiavo.»
E mais adiante:
«Tambem vi ao passar successivas expedições allemãs para leste de Malange, constando que ellas se propunham a creação de uma colonia lá para o Matianvo, como fim ultimo das suas explorações scientificas.»
E note-se que isto era escripto em novembro de 1882.
Portanto aqui temos um documento, que estava há muito nas mãos que não só eram allemães em grande parte as fazendas que constituiam o commercio do Zaire, mas que o governo allemão desejava que as suas expedições scientifgicas, que dirigia para as regiões do Zaire, chegassem até o Mantiavo, pensando em constituir ali uma primeira colonia.
N'estas condições podia o governo portuguez ignorar a existencia d'este interesse poderoso a attender, e poderiamos nós, nas circumstancias em que nos encontrâmos de um paiz pequeno e enfraquecido, imaginar que nos era dado saltar por cima de obstaculos d'esta natureza? (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, o Livro branco parece que tem d'esta vez muito em mente mostrar que o pensamento do governo estava dirigido para Berlim, e que o governo estava informado do que ali se passava, porque se repetem os officios e as communicações, sobre o estado dos espiritos em Allemanha no sentido da expansão ou não expansão colonial. (Apoiados.)
Quando vi o Livro branco, tive logo a curiosidade de procurar os documentos e communicações datadas de Berlim, e vi que havia um grande numero d'ellas, mas ainda assim não eram firmadas pelo nosso plenipotenciario n'aquella côrte, pois que, segundo o costume, elle estava na camara dos dignos pares, votando a favor do governo, que para nada aliás carecia do seu voto. (Apoiados.)
Estava em Berlim, substituindo-o como encarregado de negocios, o sr. barão de S. Pedro; devo dizer no entanto foi do sr. barão de S. Pedro que partiu a iniciativa d'este curioso estudo ácerca de cousas allemãs, foi directamente do sr. Bocage.
O seu a seu dono.
Começou pois esta correspondencia, por muitos títulos instructiva, por um despacho dirigido pelo sr. Bocage, em 2 de abril, ao nosso encarregado de negocios em Berlim.
Diz s. exa. haver lido no Times de 5 de abril, que se tinha constituído em Berlim uma associação para colonisação allemã, e que chamava muito em particular a attenção do nosso encarregado de negocios para este facto.
Acrescentava logo em seguida o sr. Bocage:
«Não ignora v. sa. que o governo allemão se tem até agora desinteressado completamente de qualquer intervenção nas questões coloniaes, e muito particularmente nas africanas, que mais directamente interessam a Portugal. É de crer que a sua attitude não tenha mudado; comtudo succeder que a sua attenção seja agora solicitada para estes assumptos, o que teria para o nosso paiz uma importancia que me parece desnecessario encarecer.
N'esta conformidade espero que v. sa. procurará sempre informar se de quanto occorra n'este sentido, e agora especialmente da importancia e significação da nova «sociedade de colonisação allemã», dando-me conhecimento immediato do resultado das suas averiguações sobre este assumpto.»
A 17 abril responde o sr. barão de S. Pedro, que tambem seu lado ficára impressionado com a constituiçã: da nova sociedade, e tanto assim que logo prevenira o consul geral, que naturalmente é allemão, para assistir á reunião e o informar em seguida do occorrido. Veja a camara que notavel previsão esta!
É certo que a nacionalidade do consul geral não dava a melhor garantia para a exactidão da informação; por outro lado a precaução não deixava de ter seu tanto de pueril, pois os jornaes do dia seguinte, e eu tenho presente um d'elles, referiram minuciosamente quanto se passára n'essa reunião.
Mas o que acrescentava o sr. barão de S. Pedro na occasião em que fazia ao seu ministro o relatorio do occorrido na famosa sessão? O sr. barão de S. Pedro fazia logo em seguida referencia a informações de pessoas que julgava bem informadas. E, antes de proseguir, seja-me licito dizer que muitas nações têem em Berlim embaixadores, Portugal não póde aspirar a tanto. Não podemos pretender hombrear com as grandes nações; mas seria muito conveniente em todo o caso, não me cançarei de o repetir, que ali se conservasse ao menos um ministro, para não termos que fazer obra como infelizmente succedeu n'este caso pelas informações de terceira pessoa.
Dizia, pois, o sr. barão de S. Pedro:
«O governo allemão em nada interveiu, e continua a affirmar que se desinteressa das questões coloniaes africanas, procurando sómente assegurar toda a protecção aos subditos allemães ali estabelecidos.
«Pessoas que julgo bem informadas confirmam este actual proposito do governo imperial, acrescentando-se que este governo vae mandar o seu consul em Tunis, o dr. Nachtigal, não só ao Congo, mas a toda a Africa occidental, a fim de estudar os interesses dos subditos allemães n'aquellas paragens, bem como a conveniencia da creação de consulados que os possam proteger.
«Não perderei de vista o assumpto do despacho de v. exa., que accuso, e do que mais occorrer a tal respeito terei a honra de informar a v. exa., como é do meu dever.»
A camara sabe toda o que foi a missão do dr. Nachtigal; conhece de sobejo o que era este estudo das questões na localidade e em que se transformou a modesta constituição de alguns consulados nos pontos onde parecesse mais conveniente estabelecel-os.
A 19 de abril o sr. barão de S. Pedro volta novamente á questão do novo instituto, e depois de declarar que existia em Allemanha um partido importante firmado no commercio e nas marinhas mercantes e de guerra, que estimaria poder levar o governo a assumir uma attitude mais enérgica, acrescenta que o não conseguirá, continuando o gabinete de Berlim a concentrar toda a sua exclusiva attenção nos negocios da política continental.
«Por enquanto continuam a ser estas as idéas do governo imperial. Assim m'o asseverou hontem alguem que tem frequentes occasiões de tratar de perto com o governo, e por isso me parece pessoa competente para saber o que se, pensa nas regiões officiaes. Disse-me mais que me podia affirmar que o príncipe de Bismarck se mostra de todo opposto ás idéas de emigração e de estabelecimento de colonias, por entender que ambas na actualidade são nocivas á política da Allemanha, a qual, a respeito dos negocios de Africa, se limitará por emquanto a promover os interesses dos subditos allemães estabelecidos n'aquelle continente, assegurando-lhes toda a possível protecção.»
Não admira, pois, que á vista de informações desta ordem o nosso governo socegasse e suppozesse que do norte não poderiam soprar ventos tempestuosos que agitassem o barquinho ministerial, o qual infelizmente levava dentro em si n'esse momento a dignidade e o brio da nação portugueza!
Sr. presidente, não me será difficil demonstrar á camara que para receber informações taes não era necessario ter um encarregado de negocios em Berlim.
Bastava para isso a assignatura de um jornal qualquer allemão.
Aqui tenho neste momento presente um de 17 de abril onde se dá noticia, por exemplo, da constituição do instituto que tanto preoccupava o sr. Bocage; aqui vem minu-

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ciosamente referido o que occorrêra na primeira sessão, presidida pelo conde de Behr-Bendelin, e se extracta com largueza o discurso proferido pelo bem conhecido dr. Carlos Peters.
Continuemos, porém, no exame d'esta correspondencia com Berlim, por tantos motivos, repito, interessante e instructiva dos processos da nossa diplomacia.
Em primeiro logar cumpre-me chamar a attenção da camara sobre a seguinte circumstancia.
O sr. ministro notou de longe, e desde logo, o facto de reunião e constituição d'esta sociedade, a que me tenho referido, preoccupou-se extraordinariamente com isso, mas não notou, porque a desconhecia, ou lhe não ligava importancia a existencia de uma outra associação bem mais valiosa que se constituiu em 1882, da qual dava noticia o officio, por vezes citado, do sr. Andrade, e que se chamava associação colonial, presidida pelo príncipe de Hohenlohe Langenburg, que tem relações directas com o príncipe de Bismarck.
Pois esta associação estava constituída havia, dois annos, contava por milhares o numero de socios, trabalhava incessantemente e tinha á sua frente, circumstancia capital, um homem que, pela sua posição imminente e relações de família com indivíduos altamente collocados na igreja e no estado, estava só por si no caso de lhe assegurar uma indisputavel importancia.
Ora esta associação celebrára em janeiro de 1884 em Berlim uma reunião na qual se declarou, entre outras cousas, por parte do presidente, que felizmente a acção official, a principio retrahida, ia começando a affirmar-se com mais desassombro.
Pois esta reunião tão significativa escapou á observação attenta do palacio do Calhariz, e não foi conhecida nem mereceu o estudo da nossa legação em Berlim.
Uma associação de bem menor importância e que se constituiu mais tarde, em abril d'aquelle anno, essa, porém, mereceu o despacho do sr. Bocage, e a extensa correspondencia do sr. barão de S. Pedro, que se não limitou aos officios já citados, pois já a 24 do abril aquelle diplomata voltava de novo ao assumpto, começando o seu officio com as seguintes palavras:
«V. exa., que de longe previu tão bem as consequencias que podem resultar da nova sociedade de colonisação allemã, relevará que eu de novo volte a este assumpto, tendo ha tão pouco escripto ácerca d'elle.
«Novas informações, que julgo fidedignas, confirmam que o governo allemão não dá protecção pecuniaria á nova sociedade, e continua nas mesmas idéas de não adquirir possessões propriamente ditas na costa occidental de Africa.»
Mas ainda não ficamos n'isto. O mais notavel está para chegar.
A pag. 28, novo officio com data de 1 de maio. N'elle se lê o seguinte:
«Teve hontem á noite logar a segunda reunião da sociedade de colonisação allemã, e dou-me pressa em levar ao conhecimento de v. exa., em resumo, o que ali se passou; reservando-me mandar mais detalhada noticia, se me for possível obter algumas informações a respeito de assumptos que foram tratados secretamente entre os membros da direcção.
«A direcção declarou que tinha negociações pendentes para adquirir, dentro em pouco, vastos territorios na costa Occidental de Africa; mas que não convinha tornal-as do dominio publico, porque outras nações teriam interesse em contrarial-as, ou impedil-as de todo.
«O príncipe de Hohenlohe Langenburg, propoz que a sociedade dirigisse uma representação ao governo imperial, a fim de que fosse reconhecida por este governo a associação internacional africana; acrescentando que era necessario fazer opposição ao tratado ultimamente celebrado entre Portugal e a Gran-Bretanha, que regula a questão do Congo».
Ora, quer a camara saber o facto que eu considero mais curioso em toda esta correspondencia?
É o de não ser a sociedade de colonisacão allemã, a que celebrou a sua sessão n'esta data, mas sim a associação colonial, a que existia desde 1882; e o nosso encarregado de negocios mostra-se tão bem informado, que confundiu com uma associação pouco importante, e que se havia fundado, como vimos, em abril, sob a presidencia do conde de Behz-Bendelim, uma sociedade que existia desde 1882 e á frente da qual estava o príncipe de Hohenlohe-Laugenburg, tendo sede em Francfort, e secções em muitos pontos da Allemanha, e entre elles, como era natural, em Berlim.
E era em sessão d'essa filial que se passaram os factos, aliás muito importantes, a que se referia o despacho do sr. barão de S. Pedro, e que no dia immediato eram repetidos por todos os jornaes d'aquella capital.
Sr. presidente, estas questões são muito graves, e nós carecemos olhar com attenção para o modo como estamos representados no estrangeiro.
Por fórma alguma desejaria censurar ou ser desagradável ao sr. barão de S. Pedro; tenho mesmo por s. exa. grande sympathia, mas aquelle agente do nosso governo, chegado havia pouco a Berlim, sem relações n'aquella capital, não podia, ainda que quizesse, zelar como careciam de ser zelados n'aquelle momento, os interesses da nossa posição em Africa. E por outro lado, eu não podia deixar de analisar, no cumprimento do meu dever, quaes eram as informações que havia em Lisboa, que valor tinham, e como é que ellas habilitavam o sr. ministro dos estrangeiros a apoiar e a desenvolver a sua acção diplomatica.
Pois essas informações, acabo de demonstral-o, não foram exactas, eram incompletas, absolutamente insufficientes.
E isto explica, até certo ponto, a situação em que o sr. ministro se encontrou, mas tambem não o allivia da responsabilidade de não ter nas missões, e particularmente em uma missão com a importância da de Berlim, os chefes de legação, mais capazes, pela sua posição, de informar a todo o momento o governo do que se passava, não carecendo de ir procurar informações de terceiro, ou de repetir as noticias dos jornaes, para ter o governo correntemente ao facto d'aquillo que nos possa ir interessando.
Esta sessão, a que me ia referindo, foi como disse importantissima. O príncipe Hohenlohe declarou n'ella que a antiga e grande aspiração allemã seguia o seu caminho, que se esperava adquirir territórios importantes, e se suppunha que dentro em pouco idéas desde muito contidas no intimo da consciência d'aquelle grande povo teriam a sua realisação completo, e que a bandeira allemã, seria em breve hasteada em territórios de alem-mar; acrescentou, porém, que não se podia alargar mais nem fazer por então maiores revelações, receiando as difficuldades oppostas pelos outros governos, e que eram o motivo unico dessa aspiração não ter ido por diante desde muito.
E quer v. exa. ver agora até que ponto era exacto o que se afirmára para cá sobre o desinteresse do governo allemão d'este genero de problemas?
A esta sessão da associação colonial assistio, disseram-o todos os jornaes, e confirma-o o sr. barão de S. Pedro, o ministro do commercio o dr. Lucius, lendo-se na mesa uma communicação do condo de Hatzfeldt, ministro dos negocios estrangeiros, desculpando se de não comparecer por incommodo de saude.
Aqui está, pois, demonstrada a maneira porque o governo se desinteressava das questões coloniaes. E deve notar-se, particularidade esta que não vem referida no despacho do nosso encarregado de negocios, que ao mencionar-se no fim da sessão, que na séde da associação se deliberara dias antes pedir ao governo que protestasse contra o tratado anglo-portuguez, um indivíduo por nome Meyer, de Bremen,

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1920 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

exclamou em áparte: «Ao que o chanceller poderia logo responder: «Isso fiz eu desde muito.»
Passava se isto em 30 de abril!
Ainda ha mais, e no facto que vou citar e que vem narrado num jornal da epocha, em data de 13 de maio, prova-se a um tempo o empenho que o gabinete allemão mostrava pelas questões coloniaes e a existência das relações directas entre o príncipe de Bismarck e o príncipe Hohenlohe.
Refiro-me a uma carta dirigida pelo chanceller a este ultimo, carta na qual se lêem entre outros os seguintes paragraphos:
«Embora mal possa contar com exito immediato e feliz para o projecto, em vista do precedente da questão das ilhas Samoa e das tendencias predominantes no seio do parlamento imperial, tenho comtudo por dever desgovernos confederados o não desistir da iniciativa para a creação de quaesquer instituições, de que se possa esperar um progresso nacional, só pelo facto de ser menos provavel a approvação do parlamento, que em uma determinada epocha esteia funccionando.»
Isto escrevia o príncipe a proposito da apresentação de um projecto de lei, subsidiando a navegação de differentes linhas a vapor para o Extremo Oriente e para a Africa.
E note-se que o governo allemão insiste assim nas suas idéas e declara francamente que o parlamento desconhece muitas vezes o interesse nacional, que o mesmo governo, por seu lado, suppõe representar melhor pedindo a approvação de projectos de lei, que traduzem uma aspiração geral do paiz. Não duvida o chanceller affirmar que o parlamento se divorcia em certos momentos e em determinados assumptos do sentimento da nação. Mas, sr. presidente, muitos oradores da nossa camara o têem affirmado durante esta sessão, e eu o affirmo mais uma vez, julgando prestar serviço ao paiz com a minha insistencia, apesar de toda a força excepcionalissima que tem aquelle governo, elle nunca saltou por cima do parlamento.
Defende perante os representantes da nação e com energia a sua iniciativa, não duvida ir á imprensa defendendo-a ainda nesse campo, como o fez por meio da carta dirigida ao presidente de uma associação importante mas o que elle não ousa, é assumir dictaduras, e mais que tudo entende que lhe cumpre respeitar a lei!
E outra, seria a nossa sorte, sr. presidente, se entre nós a lei fosse respeitada, se o culto d'essa salva guarda de todos os direitos inspirasse nos seus actos desde o mais alto cidadão d'este paiz até ao mais infimo proletario; outra seria então a situação das instituições parlamentares entre nós e não as veríamos n'esta decadencia humilhante, que todos deploramos, n'este verdadeiro aviltamento a que as têem arrastado as influencias predominantes da nossa política, e contra as quaes nunca será demasiado ou excessivo o brado de protesto que se levante. (Apoiados.)
Creio ter demonstrado de um modo exuberante que as informações enviadas de Berlim estavam longe de ser exactas e de modo algum correspondiam á gravidade do momento.
Ora, sr. presidente, eu desejava não melindrar com isso o nobre ministro dos negocios estrangeiros e meu amigo, mas, verdade, verdade, tenho para mim uma certa desconfiança que todas estas referencias ás previsões de longe de s. exa., toda esta correspondencia de Berlim trazida agora para o Livro branco, não o foi sem um segundo sentido, que não direi qual me pareça ser. E certo que aliás mal se percebe rasão para inserir como documentos diplomaticos, simples e incompletas narrações de factos, que eu me abstenho desqualificar pela fórma que naturalmente se me suscita á lembrança n'este momento.
Em uma occasião, porém, conseguiu o nosso encarregado de negocios em Berlim fazer obra por informações directas, e não transmittidas por terceira pessoa. Refiro-me ao despacho de 21 de maio, n'elle se relata uma conversa, não com o ministro dos negocios estrangeiros, mas ao menos com um sub-secretario d'estado, que deveria ter sido o dr. Busch, em cujo despacho que, era resposta á circular do nosso governo de 13 de maio que declarando a resolução de não submetter ao parlamento o tratado de 26 de fevereiro, e assentando pela primeira vez a idéa de uma conferencia, se lia o seguinte:
«Igualmente tomei conhecimento das causas que levaram o governo de Sua Magestade a adoptar esta resolução, bem como das considerações que dizem respeito á conciliação dos direitos da corôa portugueza com os interesses das outras nações, assumptos que, segundo v. exa. me diz, serão provavelmente tratados em uma conferencia. De tudo me inteirei, e nas minhas conversações ácerca dos negocios do Zaire não perderei nunca de vista as instrucções por v. exa. dadas, n'este e nos anteriores despachos, sobre tão importantes negocios.
«Desde a installação da sociedade de colonisação allemã, que logo despertou, a attenção de v. exa., expedindo-me ácerca d'ella o despacho reservado de 12 de abril ultimo, tem variado bastante a linguagem do governo allemão, quanto aos negocios coloniaes, como tenho ido informando a v. exa.
«Affirmando, ao principio, não querer ingerir-se nos negocios de Africa, como v. exa. sabe, e ainda menos possuir colonias; o governo allemão, disse-me hoje o sub-secretario d'estado, está em negociações com o governo britannico a respeito de Angra Pequena, sem comtudo entrar em promenores a respeito do assumpto.
«Este, e outros factos, bem demonstram que o governo imperial está sendo levado a modificar a sua política, quanto aos negocios de Africa, e por isso não é facil saber-se ao certo qual será a attitude que ha de tomar em tão importantes questões, que todas mais ou menos se ligam umas ás outras.»
Diz o sr. barão de S. Pedro que, desde que se constituirá a sociedade de colonisação allemã (a associação colonial estava constituida desde 1882) a linguagem do governo allemão começara a modificar-se, devendo, acrescentava s. exa., o governo portuguez felicitar-se por ter a Allemanha saído finalmente da reserva em que se mantinha, dando-nos noticia, embora incompleta, das suas intenções com respeito a Angra Pequena.
Ora deve notar-se que já em 12 de maio o príncipe de Bismark se dirigira aos senados e camarás de commercio, communicando-lhes que o governo allemão fizera saber aos dois governos interessados que não admittia que podessem ser applicadas aos subditos allemães as disposições do tratado auglo-luso.
E com respeito a Angra Pequena lia-se por exemplo em alguns jornaes sob data de 20 de maio (o despacho do encarregado de negócios é de 21) o seguinte:
«Com respeito a Angra Pequena affirmava-se ultimamente que se esperava ainda uma resposta de Inglaterra, para resolver definitivamente alguns pontos. A Allemanha de certo defenderá ali os interesses dos seus subditos como o fez no Congo, e não se duvida de que a Inglaterra attenderá devidamente a elles;» e proseguindo na sua narração o jornal depois de ter feito referencia a uma ida provavel do dr. Nachtigal a Angra Pequena, acrescentava ignorar-se ainda se a Allemanha tinha ali em vista fins coloniaes, mas que em todo o caso era seguro que os interesses commerciaes e industriaes allemães encontrariam a necessaria protecção.
Ora aqui tem, v. exa. e a camara, mais uma vez confirmado que a leitura dos jornaes podia ainda n'este caso supprir as nossas informações diplomaticas, pois diziam muito mais, e com antecedencia, o que e pelo menos curioso.
Seja, porém, como for, ha ainda um documento que me cumpre analysar, que é da mais subida importancia e para o qual eu chamo toda a attenção do governo e da camara.

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1921

Tenciono concluir este discurso, dirigindo algumas perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiras, e a primeira refere-se precisamente a este ponto, que eu reputo, por minha parte, de altíssima gravidade. No Livro Branco allemão lê se o seguinte despacho, com data de 18 de abril, dirigido de Berlim ao ministro allemão em Lisboa, o barão de Schmidlhals:
«Extracto:
«Das communicações de v. exa. e bem assim dos documentos apresentados ahi ás côrtes, e em Inglaterra ao parlamento, pude ver que o governo portuguez julgara incompatível com os interesses políticos de Portugal a regulamentação internacional do commercio no Baixo Congo, que ao gabinete de Londres parecia ainda ha pouco corresponder melhor á situação presente das cousas, havendo Portugal dado preferencia á instituição de uma commissão, composta de delegados portuguezes e inglezes.
«O governo portuguez não está no caso de applicar a subditos de outras nações as disposições do tratado urinado com a Inglaterra e que são relativas a interesses commerciaes.
«Mesmo em Inglaterra, apesar das notaveis vantagens e privilegios, que o tratado de 26 de fevereiro lhe assegura, taes disposições são consideradas pelo commercio como nocivas.
«O governo portuguez tem tanto menos probabilidade de fazer valer de um modo geral a opinião manifestada a v. exa. pelo sr. ministro du Bocage, quanto o proprio governo inglez repetidas vezes declarou, no decurso das negociações, que as condições pactuadas ácerca do commercio no Congo ficariam sem valor para Portugal, caso lhes faltasse o assentimento das outras potencias. Eu lembro a este respeito, entre outras, as notas de lord Granville ao ministro portuguez em Londres, Dantas, com datas de 15 de março e 1 de junho do anno passado. Na ultima empregava o secretario d'estado inglez a expressão «futility «of a more dual arrangement between the two countries, «unrecognised by other powers».
«Pelo que nos respeita, abstivemo-nos, em attenção a ser o governo portuguez um governo amigo, de qualquer ingerencia nas suas negociações com a Inglaterra e outras potencias, ácerca do lado territorial da quentão do Congo, emquanto tivemos por assegurados os interesses do commercio allemão, graças ás declarações repetidas e officiaes dos governos interessados n'essas negociações, que a liberdade commercial subsistiria para todas as nacionalidades nas regiões do Congo.
«Mas, os elementos que no tratado anglo-portuguez dizem respeito ao commercio estrangeiro, de modo algum correspondem áquella supposição e por isso não estamos no caso de concordar que sejam applicadas aos subditos do imperio.
«O commercio allemão protestou contra, ellas, pelo orgão das camaras commerciaes. Fez-se notar alem disso que o actual systema colonial se mostra em extremo impeditivo do desenvolvimento commercial com as possessões portuguezas.
«Formulam-se tambem accusações contra o tratamento differencial de estrangeiros e nacionaes, contra a elevação das tarifas aduaneiras e outros impedimentos ao commercio, finalmente contra muitos abusos por parte dos empregados coloniaes.
«O governo imperial não está por isso no caso de considerar preceptivo para o imperio e para os seus nacionaes o tratado anglo-portuguez de 26 de fevereiro d'este anno.
«Queira v. exa. manifestar-se no sentido acima indicado ao ministro dos negocios estrangeiros.»
Ora esta nota de 18 de maio, de tamanha importância para Portugal, coincide com a correspondência do sr. barão de S. Pedro em que tanto era discutida e observada a famosa sociedade colonial, que parecia ser o unico perigo que por essa epocha poderia ameaçar-nos do lado da Allemanha.
Em resposta á mesma nota, o ministro allemão em Lisboa, ou antes o encarregado de negocios, porque o ministro parece ter estado ausente, dizia para Berlim o seguinte. Antes, porém, de fazer a leitura d'essa resposta, peço á camara para notar que tudo isto está de accordo com parte do despacho do príncipe de Bismark do 7 de junho, a que me referi largamente no meu discurso de 26 de janeiro, e que foi expedido de Berlim para o embaixador allemão em Londres, despacho no qual se affirmava alem d'isso e peremptoriamente a recusa de reconhecer os nossos direitos, e a intenção de tornar impossível a ratificação do tratado de 26 de fevereiro!
Ácerca, porém, do despacho de 18 de abril dirigido para Lisboa, ha ainda a notar uma circumstancia muito importante, e vem a ser que no relatorio da illustre commissão se diz o seguinte:
«Foi o tratado anglo-portuguez encontrar o governo imperial no meio das preoccupações e do estudo deste crescente movimento de opinião e de interesses, que a intriga organisada contra a occupação portugueza não deixava naturalmente de aproveitar junto do commercio allemão, e um mez depois de apresentadas, por parte do governo francez, as reservas e declarações alludidas relativamente áquelle tratado, dava o governo de Berlim o primeiro passo em igual sentido (18 de abril de 1884) por uma nota ao seu ministro em Lisboa, que aliás deixou de ser communicada ao nosso governo».
Esta asseveração da commissão é um facto gravíssimo e a respeito do qual carecemos ser informados plenamente.
Mas em contradicção a esta affirmativa da commissão ha a resposta a que eu me ia referindo da legação allemã, em Lisboa ao despacho de 18 de abril, resposta para o conteúdo da qual chamo igualmente a attenção da camara. Creio, como disse, que n'essa occasião se não encontrava em Lisboa o sr. barão de Schmidthals, visto que este documento está assignado pelo conde Rex, encarregado de negocios; diz pois este funccionario:
« Extracto:
«Em obediencia ao despacho de 18 d'este mez, que se referia á questão do Congo, tive uma entrevista com o ministro dos estrangeiros, no decurso da qual lhe dei communicação do seu conteudo.
«O sr. du Bocage respondeu que a Inglaterra tinha tomado para com Portugal o compromisso de empregar a sua, influencia junto ás outras potencias, para alcançar o reconhecimento por parte d'estas da soberania portugueza no Congo. Emquanto ás queixas das associações commerciaes allemãs considerava-as exageradas.
«Hoje procurou-me o sr. ministro em minha casa e declarou-me que o governo portuguez mantinha u tratado de 26 de fevereiro, até que a questão da sua ratificação pela Inglaterra tivesse sido decidida.
«O sr. du Bocage affirmou-me repetidas vezes que o governo portuguez estava prompto a dar inteira satisfação aos interesses commerciaes da Allemanha, mas com respeito á região do Congo considerava-se ligado pelo actual tratado á Inglaterra. = (Assinado) Conde Rex.»
Ora a este respeito formulo pois, e desde já, a minha primeira pergunta ao governo. Consiste ella no seguinte. Teve ou não o sr. ministro conhecimento do conteúdo d'este despacho tão importante, conforme foi asseverado pelo encarregado de negocios de Allemanha, que diz haver procurado o sr. ministro na sua secretaria o ter sido mais tarde procurado em sua própria casa pelo sr. Bocage?
Se o foi, mal comprehendo a correspondencia do sr. barão de S. Pedro, e a quentão torna-se tão grave que era temeridade esperar pelo mez de julho para mandar o sr. Antonio de Serpa a Berlim, na, idéa de conseguir que a Inglaterra se dignasse dizer-nos por um que o tratado não

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1922 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

podia ser ratificado em vista da opposição geral levantada contra elle!
Não limitando a sua acção ás côrtes do Londres e do Lisboa, o príncipe de Bismark officiava por essa occasião para Paris, para Amsterdam, para Washington, para Roma, e para Madrid, que seria conveniente estabelecer-se com relação ao Gongo a mesma solidariedade do interesses e igualdade de direitos existentes com respeito ao commercio da Asia no extremo Oriente, o por seu lado protestava nos despachos dirigidos para todos esses governos contra a interferencia exclusiva do duas potências na resolução d'esta questão do Congo.
Todas os gabinetes responderam uniformemente. Todos acceitaram as indicações do príncipe de Bismark, dizendo que receberiam com satisfação a noticia do estarem a bom caminho do uma solução pratica os votos e idéas do governo allemão. Todos se mostraram dispostos a cooperar com elle no sentido de fazer valer taes doutrinas, o de condemnar o tratado de 26 de fevereiro.
E nós que imaginámos encontrar sympathias em muitas partes, nós que nos dirigiamos á Italia pedindo-lhe uma mediação, ácerca da qual tambem tenho que fallar, nós que esperavamos um auxilio benevolo do governo de Madrid, nós que nos referíamos a uma attitude correcta por parte do governo da Haya, vemos affirmada n'aquelles documentos uma absoluta e inteira identidade de interesses entro todas essas nações e a Allemanha e uma perfeita e completa disposição dos seus respectivos governos para, numa acção commum, cooperarem com o governo allemão no sentido de destruir de um modo completo e radical o tratado de 26 de fevereiro.
São pois muitas e muito amargas as desillusões que nascem da leitura do Livro branco allemão.
E talvez nos houvessem sido poupadas se a tempo tivessemos recebido as informações que nos cumpria ter sollicitado e que deveriam ter convergido ao palacio do Calhariz. (Apoiados.)
Não lerei as respostas de muitos d'esses governos, limitar-me-hei pelo interesse particular, que ella tem para nós, á que diz respeito ao governo de Hespanha.
«Madrid, 18 de maio do 1884. O conteúdo do despacho do Vossa Alteza de 21 do mez passado relativo á situação creada pelo tratado do 26 de fevereiro foi assumpto do uma conversa confidencial com o ministro do estado Elduayen, marquez del Fazo de la Merced.
«Conhecia este já o nosso modo do ver a tal respeito e a declaração por nós feita em Lisboa, em virtude da qual reconheciamos não poder o tratado obrigar-nos, accrescentou porém que até agora não tivera tempo de discutir este assumpto com os seus collegas.
«O ministro está de accordo em que questões d'esta ordem não podem ser reguladas por uma ou outra potencia segundo os seus interesses particulares sem audiencia das nações interessadas e julga por seu lado conveniente que as questões politico-commerciaes sejam quanto possível resolvidas em commum pelas potencias interessadas. = (Assignado), conde de Solms.»
Entretanto o que fazíamos nós por nosso lado? Apparentemente sem conhecimento da nota de 18 do abril, conhecida em Hespanha, limitávamos a nossa acção diplomatica a appellar para a Inglaterra. E ácerca da Inglaterra faço minhas as palavras do relatorio da illustre commissão, que diz na primeira pagina do seu parecer o seguinte:
«8) Não é menos sabido tambem, e não ha de julgar-se de somenos importancia na justa o serena apreciação dos ultimos acontecimentos, que a nossa política externa e colonial, - obedecendo a circumstancias e a inspirações que nos não cumpre o que não desejamos discutir, e n'este ponto é que eu não acompanho o illustre relator, visto que entendo que não só posso mas que devo discutir, e estou discutindo; «entendeu» «sempre que devia confiar exclusivamente dos esforços repetidos da nossa diplomacia junto dos gabinetes inglezes que essa opposição persistente, - irreductivel, como aliás se manifestou por quasi meio seculo, aos termos do uma liquidação regular e pacifica, - acabasse por desarmar e dissolver-se nas relações amigáveis dos dois paizes, nos seus interesses recíprocos, e na lenda generosa da tua cooperação redomptora em terras e aguas africanas.»
Mais adiante diz ainda a illustre commissão o seguinte:
«Nós somos uma nação soberana. Girâmos no grande systema histórico dos estados cultos, como astro independente o distincto; de nenhum somos satellite. Temos vida propria. Precisâmos ter um movimento proprio tambem.
«As allíanças sào conjuncções de interesses, que não hão de violental-os no immobilismo de tradições mal apuradas, nem esquecel-os na sentimentalidade do cooperações mal retribuídas: - «verdade tão experimentada tanto á nossa custa,» - como diria João Pinto Ribeiro.»
Faço inteiramente minhas estas palavras; o lamento que não tivesse sido este o sentimento do governo quando no meio do tamanha tormenta appellava unica o exclusivamente para a Inglaterra.
Vejâmos porém, agora mais do perto, porque fórma se accentuára esse appello.
Disso eu já que em 29 de março pedíramos para Londres que se tornasse effectiva a promessa da Inglaterra, de desvanecer quaesqucr difficuldades oppostas por parte das outras potencias á execução do tratado do Zaire.
Em 9 de maio note a camara que em tão largo intervallo de tempo, bastante para accumular dificuldades por toda a parte, nenhuma resposta nos veiu de Londres) em 9 de maio, digo, telegraphou para Lisboa o sr. Dantas notando que as difficuldades oppostas pelas outras potencias á ratificação do tratado faziam com que lord Granville lhe significasse querer encetar comnosco novas negociações ácerca do tratado, e que mais tarde pelo ministro inglez em Lisboa communicaria o secretario d'estado do S. M. B. qual o seu novo modo do ver sobre esta questão.
Em 10 de maio, respondia o sr. Bocage declarando por parto do governo portuguez, que tambem deixava do apresentar ás camaras, para seguir os termos da ratificação, o tratado de 26 de fevereiro.
N'estas circumstancias, appareço em 12 de maio um officio muito importante do nosso governo para Londres. Esse officio é a meu ver capital por ser o primeiro em que se allude á reunião de uma conferencia, e a seu respeito tambem tenho que formular uma pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros; dizia pois, o nosso governo em 12 de maio o seguinte:
«Fiado em que o governo britannico tomaria sobre si o resolver as difficuldades internacionaes que podessem advir, o certo do que faria ratificar o tratado no mais breve periodo, em obediencia ao estipulado no artigo 15.°, o governo portuguez não queria pela sua parte faltar no mínimo ponto ao compromisso tomado e ia fazel-o discutir, quando foi surprehendido pela noticia de que o governo da Gran-Bretanha julgava agora necessario um accordo previo com as outras potencias.
«É portanto este accordo que devemos agora tratar do conseguir, antes talvez por meio de simultanea confrontação de todos os interesses, que por successivos convenios parciaes com cada um dos interessados.»
«Uma conferencia...
E note a camara que é aqui que só solta pela primeira vez esta palavra que devia ter tão largas consequencias para nós.
«Uma conferencia em que se resolva este momentoso assumpto, parece-mo ser o unico meio de chegar a um resultado praticamente sustentavel.
«Assim o communiquei hontem ao representante de Sua Magestade Britannica, quando me perguntou da parte de lord Granville se conviriamos em admittir um delegado da

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1923

França na commissão mixta que deve regular a navegação do Zaire. Ponderei ao sr. Petre que a França não limita a este ponto as suas reclamações, e disse a s. exa. que julgava inutil qualquer convenio parcial com a França, quando a Hollanda, os Estados Unidos, e, como notou confidencialmente a v. exa. lord Granville, a Allemanha, se julgam interessadas n'esta questão.
«Suggeri portanto ao ministro de Inglaterra a idéa de uma conferencia para resolver, por commum accordo dos interessados, a questão do Congo, abstendo-se por emquanto de me pronunciar ácerca do logar em que ella deve ria reunir-se e do modo por que poderia ser tomada a iniciativa da sua convocação.
«Por este despacho fica v. exa. conhecedor das intenções que animam actualmente o governo de Sua Magestade, e poderá por elle regular o seu procedimento emquanto não for possivel enviar-lhe instrucções mais positivas.»
No dia seguinte, 13 de maio, apesar do caracter indeciso e reservado d'esta primeira communicação, expedia-se já uma circular a todos os nossos representantes no estrangeiro, insistindo novamente na idéa de uma conferencia, e declarando-se que muito convinha obter a conciliação dos nossos direitos com os interesses das demais nações, o que melhor se consiguiria pela sua confrontação em uma conferencia, na qual aos representantes das grandes potencias viessem juntar-se os das secundarias, que podessem ter qualquer interesse na maneira de resolver a questão do Zaire.
Mas, note-o a camara, tinha-se suggerido para Inglaterra a idéa de ser conveniente entrar n'este caminho, unicamente para sondar a disposição do gabinete inglez, e porque por então estavamos ainda á espera do que diria lord Granville. Permaneciamos ligados á Inglaterra, e, portanto, aguardavamos a resposta d'esse paiz, mas emquanto aguardavamos e na incerteza do que podesse vir, aventavamos a idéa de uma conferencia.
Como se explica, pois, em taes condições que o governo se desse tanta pressa em espalhar desde logo a idéa da conferencia por todas as côrtes e chancellarias da Europa?
Verdade é que se accrescentava, como se provendo o pouco exito de tal aventura, o seguinte:
«Nada por emquanto resolvido definitivamente; não podemos dizer qual seja o local da conferencia, nem os termos em que ella deverá realisar-se.»
ora, é precisamente sobre este ponto que eu desejo dirigir a minha pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Essa pergunta é a seguinte:
Tendo o governo suggerido para Inglaterra a idéa de uma conferencia, e tendo no dia immediato indicado a mesma solução a todos os nossos representantes nas differentes côrtes, acrescentando ao mesmo tempo que era este um assumpto de grande segredo, desejo eu saber se o contheudo d'esta nota circular foi ou não communicado aos diversos gabinetes?
Por mim creio que o foi, e logo mostrarei á camara as rasões que tenho para assim pensar.
São muitas, bastar-me-ha porém citar algumas.
No emtanto, desde já declaro achar extraordinario que, fazendo-se para Inglaterra esta proposta, e tornando-se dependente o facto de a levar por diante da annuencia do governo com que estávamos ligados, do governo ao qual ainda nos prendia o tratado de 26 de fevereiro, fossemos n'essa mesma occasião lançar por toda a Europa a idéa da conferenmcia, em termos vagos, (Apoiados.) sem definição alguma das suas attribuições, (Apoiados.) sem nos lembrarmos de que tal conferencia podia ser para nós origem de muitos e gravissimos perigos, podendo inclusivamente pôr em risco os nossos direitos mais bem demonstrados, (Apoiados.) ameaçando talvez todo o nosso dominio colonial, ou pelo menos a sua autonomia fiscal, caso não estivessem antecipadamente, e em termos restrictos, bem marcados e bem definidos, o ambito em que ella devia trabalhar, e a esphera a que poderia circumscrever a sua actividade. (Apoiados.)
Proseguindo agora no exame da questão, direi que na mesma epocha em que nos viamos já muito embaraçados pela situação que nos era creada e inexplicavel falta de resposta por parte do governo inglez, fôra o nosso governo procurado pelo representante de El-Rei Humberto em Lisboa, o sr. marquez de Oldoini, que lhe fez saber estar o governo italiano disposto a auxiliar o governo portuguez na solução das difficuldades levantadas a este respeito.
O governo portuguez, agradecendo para Roma, em telegramma ao sr. Mathias de Carvalho, nosso representante junto do Rei Humberto, esta boa e amigavel disposição do governo italiano, determinou ao nosso representante que procurasse sem demora o sr. Mancini e se informasse de quaes eram a tal respeito as idéas do governo da Italia; e sem íam até ao ponto de promover um accordo de Portugal com as outras potencias.
O governo italiano tem sempre em vista os seus interesses, e n'esta questão de allianças mostra possuir a suprema arte de sempre conseguir muito, revelando que não estão ali perdidas as tradições do illustre florentino e mestre em política, Machiavelli, e por isso chegando, mesmo em occasiões em que o não tem favorecido a victoria com assignalados triumphos das suas armas, a alcançar, ainda assim, o engrandecimento da sua patria, e o acrescimo do seu poderio e influencia.
O governo italiano mostrou-nos, pois, a sua boa vontade, mas declarou immediatamente que se tornariam extensivas á Italia e a outras potencias as disposições preceituadas no novo accordo a que por fim se chegasse.
Deu-se pressa o nosso governo em annuir aos desejos do sr. Mancini. Fez mais; formulou em uma nota para o sr. Mathias de Carvalho, com data de 20 de maio, as concessões que por seu lado estava disposto a realisar para garantir e obter o accordo com as potencias.
Qual foi, porém, a resposta a esta nota?
Não vejo que houvesse um seguimento qualquer a taes diligencias.
Os bons officios do governo italiano, que alias eram para agradecer, não conseguiram chegar a affirmar-se de um modo tangível.
E eu poderia ainda appellar, n'este momento para o testemunho de alguns dos nossos collegas para que me dissessem se foi ou não no embaixador de Italia em Berlim, o conde Delaunay, que nós encontrámos mais tarde a origem de graves embaraços e de perigos muito attendiveis.
De facto, era tal o desejo que aquelle embaixador manifestava de se tornar o campeão e se apresentar á frente dos princípios os mais rasgadamente civilisadores, os mais liberaes, os mais destruidores de todas as peias do commercio, acabando com os impostos de importação, como de facto se acabou, querendo tambem supprimir os direitos sobre a exportação, não consentindo imposto ou tributo de qualquer outra natureza, desejando a par d'isso a facilidade na realisação de vias ferreas, que, bem póde definir-se o seu programma, vantagens e melhoramentos sem numero, e ao mesmo tempo nenhuns meios para realisar tantas e taes conquistas civilisadoras com que se pretendia felicitar a Africa!
Seria n'isto unicamente que viria a parar a benevolencia primitiva da ensaiada intervenção italiana?
Não teve ella seguimento algum?
É a meu ver de toda a importancia esta pergunta, e justificam-a amplamente a inserção no Livro branco dos documentos n.ºs 21 a 24, mencionando uma tentativa de mediação na occasião em que estávamos ainda esperando uma qualquer resposta da Inglaterra, e ao mesmo tempo nos dirigiamos para todas as nações, sugerindo a idéa de uma conferencia, que examinasse e resolvesse de vez os negocios do Zaire.

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1924 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Prolongava-se no emtanto e cada vez mais inquietador o silencio da Inglaterra. O primeiro documento em que se revela a justificadissima anciedade do nosso governo por essa demora é a nota de 29 de maio de 1884 do sr. Bocage para o sr. Dantas, recommendando-lhe que instasse com o gabinete de Saint James para pôr termo a uma situação por tal fórma humilhante.
E aqui me ponho eu inteiramente ao lado do sr. ministro dos negocios estrangeiros, comprehendendo bem as crueis amarguras que deviam ter attribulado o seu espirito por essa epocha!
Mas, como ia dizendo, o governo portuguez insistia em 29 de maio por uma resposta por parte do gabinete de Saint James e dizia, com justiça e sentimento verdadeiramente patriótico, o seguinte:
«São já decorridos cinte dias sem que lord Granville me haja ainda manifestado a sua opinião sobre tão momentoso assumpto, e n'este período, apparentemente curto, têem-se succedido com a rapidez propria dos nossos tempos occorrencias graves que tornam cada vez menos justificada e mais perigosa esta inacção a que se vê condemnado o governo de Sua Magestade Fidelíssima, para manter escrupulosamente a sua solidariedade com o governo de Sua Magestade Britannica»
E mais adiante depois de haver referido a situação especial de cada potencia na questão do Congo, acrescentava:
«Em presença doestes factos, que significam resistencias á execução do tratado de 26 de fevereiro, tal qual elle se acha formulado, e podem de um momento para o outro traduzir-se numa verdadeira colligação quando consigam harmonisar-se os interesses que as inspiram, não me parece que a abstenção e o silencio sejam as armas de que com mais vantagem nos possamos servir, nós os dois governos solidarios, para alcançar o triumpho na causa em que nos achamos igualmente empenhados; julgo, pelo contrario, indispensavel e urgente que procuremos esclarecer-nos mutuamente, e diligenciemos, com a maxima sinceridade e boa fé, chegar a um accordo, quanto ao nosso commum e ulterior procedimento.
«Não póde deixar de ser commum, repito, a acção da Gran-Bretanha e de Portugal porque são ambas estas nações solidarias no tratado que as liga: têem por conseguinte ambas de entender-se simultaneamente com as potencias que o impugnam.
«Podemos, porém, procurar resolver as difficuldades, ou tratando por sua vez com cada uma destas potências, ou convocando-as todas a uma conferencia. Affigurou-se-me mais natural e expedito este segundo processo, mas não duvidarei adherir ao primeiro, se lord Granville, em sua esclarecida apreciação, o tiver por melhor. Alem d'estes não conheço outro modo de tratarmos com as potencias.
Portanto aqui se referia novamente o sr. Bocage á conferencia, tornando-a comtudo dependente da annuencia do governo inglez, apesar de se ter espalhado a idéa d'ella aos quatro ventos da Europa! A 2 de junho continuava o silencio por parte da Inglaterra, e o sr. ministro, já afflicto por ter avançado a idéa da conferencia, formulava o seguinte commentario á sua propria suggestão:
«Preciso por esta occasião fazer notar a v. exa., para prevenir a possibilidade de mais um equivoco, que se na minha conversação com mr. Petre, assim como no meu citado despacha de 12 de maio, eu aventurei a idéa de uma conferencia, fil-o apenas como mera suggestão de um processo ou modas faciendi, que me occorria a fim de se pôr termo ás resistencias que se manifestavam contra o tratado do Zaire, mas tive o cuidado de declarar ao ministro de Inglaterra que não insistiria pela adopção d'este processo, se lord Granville o tivesse por menos opportuno e suggerisse outro mais efficaz. No meu despacho de 29 do mez findo confirmei em termos mais explícitos aquella minha declaração.»
Ora, pergunto eu mais uma vez, se faziam a conferencia dependente da annuencia da Inglaterra, para que estavamos a fallar na conferencia a todas as potencias da Europa? Por isso insisto em que se me diga de modo cabal e claro se foi ou não communicado o conteudo d'aquella circular ás respectivas chancellarias. Não deveria tel-o sido, mas creio que o foi em face dos documentos publicados no Livro branco allemão, entre outros.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Não foi.
O Orador: - Eu direi a v. exa. as rasões em que me fundava para affirmar que o fôra.
(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
(Pausa.)
Pedia licença a v. exa. para interromper por algum tempo as minhas considerações porque me sinto um pouco incommodado.
(Pausa.)
O sr. Presidente: - Em o sr. deputado querendo póde continuar com o seu discurso.
Eu não convidei logo o sr. deputado a fazer uma pausa no seu discurso porque não reparei que s. exa. estava incommodado de saúde, aliás tel-o ia feito.
O Orador: - Agradeço a v. exa. e á camara a deferencia que tiveram para commigo e continuando no uso da palavra direi que a resposta, tão anciosamente esperada, do governo inglez chegava por fim a 10 de junho em um despacho enviado pelo sr. Dantas ao nosso ministro relatando a conferencia que tivera com o secretario d'estado dos negocios estrangeiros.
N'esse despacho declara-se o seguinte:
«Dei hoje conhecimento a lord Granville do despacho que v. exa. se dignou expedir-me, em data de 2 do corrente.
«O principal secretario d'estado de Sua Magestade Britannica limitou-se a dizer-me, que tinha recebido e lido com toda a attenção o despacho de v. exa., datado de 29 de maio, de que eu lhe remettêra copia, e que preferia não tratar dos negocios do Congo senão depois de ter recebido algumas respostas por que estava esperando.
«Obrigado a dar toda a sua attenção às negociações com a França, preoccupado das difficuldades que dessas negociações podem resultar para o governo, não é para admirar que lord Granville não se occupe senão muito secundariamente da questão do Congo».
Era uma resposta interlocutoria. Em 24 de junho chegava finalmente a resposta definitiva da Inglaterra. Consistia ella na referencia às objecções levantadas pelo governo allemão conjuntamente com outras potencias, e reputadas de natureza tão decisiva e grave que a ratificação do tratado se tornara em face d'ellas impossível.
E a 2 de agosto em nota do sr. Glynn Petre acrescentava-se o seguinte:
«E igualmente sabe o governo portuguez que o mau exito do tratado é devido á circumstancia de que confiara demasiado na esperança de que não surgiriam difficuldades da parte das outras potências se os dois governos chegassem a um accordo entre si.
«Não deixará v. exa. de estar lembrado de que o governo de Sua Magestade punha em duvida a realidade d'aquellas previsões, e não póde v. exa. portanto estranhar que elle não concorde com a opinião de v. exa., de que á Inglaterra cabe agora o dever de tomar a parte principal no empenho de induzir as potencias a reconhecer a soberania de Portugal sobre o Baixo Congo».
Como quem diria, «lá se avenham, nós d'ahi lavamos as nossas mãos».
«Não estamos resolvidos a tomar o papel importante e principal na manutenção do tratado debaixo do qual pozemos a assignatura da Inglaterra».
Entretanto algumas palavras havia no fecho d'esta nota, a que com rasão o sr. ministro dos negocios estrangeiros quiz attribuir uma significação importando por parte

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1925

d'aquelle governo a confissão dos compromissos tomados para comnosco.
Eram as seguintes:
«O governo de Sua Magestade não pretende recuar da posição que a si proprio se creou pelo tratado de 26 de fevereiro; mas, antes de dar qualquer outro passo, tem de aguardar communicação das opiniões das potencias interessadas».
N'estas palavras pretendia, e bem, o sr. ministro dos negocios estrangeiros ver a confirmação inteira, por parte da Inglaterra, do reconhecimento dos nossos direitos nas regiões do Zaire.
A pag. 86 do Livro branco dizia novamente o ministro britannico n'esta côrte ao sr. Bocage:
«O governo de Sua Magestade prestou a mais cuidadosa attenção á communicação acima referida, de v. exa., e o mesmo governo, registando com satisfação a boa vontade do governo portuguez, por deferencia aos desejos do governo de Sua Magestade, de entrar em negociações com as potencias, está certo de que o governo portuguez, após mais madura, consideração, concordará com o governo de Sua Magestade na opinião de que sendo Portugal o paiz a quem mais interessam os accordos que levados a effeito lhe garantiriam a soberania do grande e importante territorio em questão, a elle incumbe o tomar a iniciativa nas negociações que têem por objecto obter aquelle resultado».
E para destruir toda a esperança ao sr. Bocage de que realmente as ultimas palavras da nota do sr. Glynn Petre de 16 de outubro importassem ainda o reconhecimento, por parte da Inglaterra, dos nossos direitos de posse na região do Baixo Zaire, accrescentava aquelle ministro o seguinte:
«Das observações contidas na ultima parte da nota de v. exa. parece ao governo de Sua Magestade que o governo portuguez não comprehendeu correctamente a communicação que por ordem do meu governo dirigi a v. exa. com referencia á posição do governo de Sua Magestade perante o de Portugal a respeito do Congo.
«Deseja, pois, o meu governo que eu explique a v. exa. que não tendo por mutuo consentimento sido ratificado o tratado celebrado entre os dois paizes, ambos os governos recuperam a sua liberdade de acção que o governo de Sua Magestade está certo será amigavelmente exercida de um para com outro.
«Alem d'isso o governo de Sua Magestade está prompto a sustentar a posição que para si proprio estabeleceu pelo tratado, comtanto que essa posição seja igualmente acceita pelas outras potencias.»
Era pois certo, que o governo ingLez nem sequer annuia a acceitar a legitima E Unica interpretação possível das ultimas palavras do officio, que ha pouco li á camara.
E succedia isto com o ministro que proferira poucos mezes antes no seio da camara dos lords palavras taes, em defeza e testemunho dos nossos direitos, que por si ellas bastariam para suppor, que nunca mais esses direitos poderiam ser postos em duvida por parte dos ministros de Inglaterra, e muito menos por parte do proprio ministro que as pronunciára de modo tão solemne, e com tão inteira e larga publicidade! Pois nem sequer essa esperança nos ficava!
Sr. presidente, no meio da angustiosa situação assim creada ao governo portuguez, o sr. Bocage, em successivas notas, que têem as datas de 9 de julho, 28 de agosto e 20 de outubro, respondia ao governo inglez nos termos mais dignos que uma nação, que presa os seus brios, póde e deve empregar; e d'ahi felicito a s. exa. por Ter as bido em tal occasião usar de linguagem levantada e de boa lei interpretando d'essa maneira os nobres sentimentos da nação portugueza. (Apoiados.)
Sr. presidente, sendo meu proposito unico zelar os interesses do meu paiz, apreciar a acção do governo e exigir-lhe a responsabilidade, que entendo possa impender sobre elle pelos seus actos, não quero por isso, mesmo negar-lhe justiça, quando a mereça e folgo de ter n'este momento, não de censurar, mas de louvar o sr. ministro.
As trrs notas a que me referi são todas ellas dignas do governo portuguez. (Muitos apoiados.)
Especialiso, porém, entre as tres a que está inserida sob o n.° 59 no Livro branco; e é tal a satisfação que tenho em a ver assignada por um portuguez, que julgo dever fazer a inteira leitura d'esse documento á camara, omittindo com tudo o paragrapho final, a meu ver deslocado, e em que por modo bastante humilde, pedimos o auxilio da Inglaterra na conferencia, exactamente quando tínhamos a consciencia de nos queixarmos com justiça por havermos sido tão completamente abandonados pelo seu governo.
Não valia, pois, de nada o pedido d'esse apoio, e os factos vieram demonstrar quanto era fementida a esperança de nos basearmos por uma qualquer fórma na Inglaterra.
Esse ultimo paragrapho era pois escusado; destoa do resto; e tanto assim que para não deixar na camara uma impressão desagradavel, lerei a notra, menos n'essa parte.
«Lisboa, 26 de outubro de 1884. - Illmo. e exmo. Sr. - O governo de Sua Magestade Fidelissima examinou com a devida attenção a nota que v. exa. me fez a honra de me dirigir em 16 do corrente, contendo a resposta dada por lord Granville em 13 de setembro á minha nota de 28 de agosto.
«Sem querer protrahir a discussão de um assumpto que pela nossa parte considero sufficientemente esclarecido, não posso contudo acceitar sem contestação um período da nota de v. exa. em que julgo encontrar uma immerecida censura ao governo portuguez, nem deixar de restabelecer em termos reigorosamente exactos uma questão de facto a que v. exa. se refere.
«Consiste a questão de facto na affirmativa que v. exa. apresenta por parte do seu governo de que o tratado de 26 de fevereiro deixará de ser ratificado por mutuo consentimento de ambos os governos. Ha n'isto manifesto equivoco. Do governo britannico, e sómente d'elle, por acto exclusivo da sua vontade, sem previo accordo com o de Sua Magestade Fidelissima, é que emanou a resolução de não ratificar o tratado. Provára-o exuberadamente a declaração que fez lord Fitzmeurice na camara dos communs em 26 de junho e a communicação que v. exa. me fez a honra de me dirigir em nome de lord Granville a 28 do mesmo mez. As idéas do governo portuguez a tal respeito acham-se claramente consignadas no meu despacho de 28 de maio ao representante de Portugal em Londres communicado a lord Granville e nas notas que tive a honra de dirigir a v. exa. em 8 de julho e 26 de agosto.
«Tambem não me parece como possa com justiça ser accusado o governo de Sua Magestade Fidelissima de não haver comprehendido correctamente a communicação que por ordem do seu governo v. exa. me dirigiu com referencia á actual posição do governo britannico para com Sua Magestde Fidelissima na questão do Zaire.
«O governo de Sua Magestade Britannica, dizia-me v. exa. no final da sua nota de 2 de agosto, não abandonará a posição em que se collocou pelo tratado de 26 de fevereiro, mas antes de dar qualquer outro passo tem de aguardar as vistas das outras potencias interessadas. Como podia o governo de Sua Magestade Fidelissima deixar de ver n'estas palavras a manifestação de um firme proposito por parte do governo de Sua Magestade Britannica de manter o compromisso que tomára de reconhecer os direitos de Portugal?
«Agora, no final da sua nota de 16 do corrente, parece ficar dependente do assentimento das outras potencias a manutenção pelo governo britannico da posição que assumiu no tratado do Zaire; porém, a despeito d'essa restricção, considero-me ainda obrigado a interpretar as intenções do governo de Sua Magestade Britannica pela maneira como julgo mais conforme aos seus sentimentos elevados e generosos, ás relações da antiga amisade que unem

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1926 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

as duas nações, aos eternos princípios de direito e ás solemnes declarações feitas perante o parlamento britannico por lord Granville, ás quaes já tive occasião de referir-me na minha nota de 9 de julho.
«É singular na historia este facto de uma nação poderosa haver durante perto de quarenta annos impedido o exercício dos direitos de soberania de uma nação amiga, sua antiga e sempre fiel alliada, e isto em territorios a respeito dos quaes não invocara nem podia invocar direitos alguns de domínio; resultando daqui manter só por tão longo período n'aquellas regiões um completo estado de anarchia, contrario ao livro desenvolvimento do commercio das nações civilizadas, mas altamente proveitoso aos interesses egoístas e ao monopolio exclusivo de alguns opulentos traficantes.
«Tamanha injustiça a que pozera termo o governo de Sua Magestade Britannica pelo tratado de 26 de fevereiro, não é de esperar que possa jamais praticar-se, qualquer que seja a sorte d'aquelle tratado».
Repito, é esta uma linguagem singelamente digna e propria de uma nação que para fazer valer o seu direito não dispõe, nem de poderosas esquadras nem de exercitos numerosos, mas que ainda assim sabe prezar a sua dignidade, e manter os seus brios tradicioaaes. (Apoiados.)
A nota que acabo de ler dá-me motivo para felicitar o sr. ministro dos negocios estrangeiros por a haver redigido. (Apoiados.)
Com os documentos que citei á camara creio, pois, ter demonstrado claramente a que abandono nos tinha votado a Inglaterra.
Mas ha ainda um documento mais duro e triste do que todos estes para o evidenciar.
Parecerá esta asserção impossível de provar, mas o Livro branco allemão veiu infelizmente dar-nos elemento para tambem a demonstrarmos á camara.
A pag. 30 d'este livro, lê-se um despacho do conde de Munster para Berlim, relatando uma conferencia que tivera com lord Granville, em Londres, n'elle se dizia o seguinte:
«Celebrando o tratado a Inglaterra só tivera em vista tornar accessivel a todas as nações o commercio do Congo, e livral-o dos vexames dos portugueses.»
Acrescentava ainda lord Granville, «que elle por si pouco valor dava ao tratado, mas que não via ainda muito claramente o que se poderia pôr em seu logar. Portugal não prescindiria de fazer valer os seus direitos áquellas regiões, e usar da força contra Portugal nenhuma potência o quereria fazer.»
Aqui está, portanto, a maneira porque a Inglaterra se exprimia na occasião em que nós tão angustiosamente appellavamos para ella.
Affirmava-se que o único motivo que levara o governo inglez a assignar o tratado do Congo era o pretender livrar o commercio dos vexames que lhe trazia o domínio colonial portuguez!
Ainda mais.
Lord Granville declarava não ligar por si nenhum grande apreço ao tratado, havendo apenas uma cousa que não estava ainda bem esclarecida no seu espirito, e era o não saber o que se lhe havia de substituir!
Era assim que a Inglaterra nos defendia perante as chancellarias européas.
Passava-se isto em 20 de junho, quer dizer, em seguida á nota de 7 de junho, tão notável e tão celebre, por mim já lida a esta camará, e dirigida pelo príncipe de Bismark ao conde de Munster.
Creio, sr. presidente, que na historia se manifesta de modo incontestavel, a existencia de uma lei providencial. Pois bem, o que ultimamente está succedendo á Inglaterra talvez seja mais uma das muitas provas da existência de uma tal lei.
Essa nação que dispôs da primeira esquadra do mundo, que é a mais rica de quantas ostentam o seu poderio por esse universo; esse paiz, do qual se póde dizer como outrora se dizia do imperio portuguez, que para elle não começa nem acaba o dia, visto abranger vastíssimos territorios em todos os continentes; esse paiz viu ha poucos dias succumbir Kartutn e morrer ali, vergonhosamente abandonado, o general Gordon-Pachá. Esse paiz sujeitou-se nas regiões montanhosas do Afghanistan, já nas proximidades do Herat, que no dizer da imprensa ingleza sempre foi considerado como chave das Indias, a ouvir troar os canhões do general Komaroff, affirmando mais uma vez o famoso momento que diz ás nações, como aos indivíduos, que também, para ellas ha períodos de decadencia e humilhação. (Apoiados.)
E é notável, sr. presidente que, seja precisamente a chave dessas Indias que nós fomos dar á Inglaterra pela cessão de Bombaim, que seja ahi que a proverbial altivez da Gran-Bretanha mais se offusque e se tenha abatido.
Não se sacrificam de balde, mercê de Deus, os principios de direito; a justiça dos fracos não póde ser menosprezada nem calcada aos pés; não se procede assim para com alliados como nós, que tínhamos, como ha pouco disse, sido a origem do poder colonial da Inglaterra, que mais tarde havíamos cooperado com ella nos campos da batalha, e do modo mais valente e levantado contribuído para salvaguardar a Europa da tyrania napoleonica, para comnosco, emfim, a que ultimamente estávamos cooperando tambem com a Gran-Bretanha na causa da civilisação do continente africano!
Referi-me ha pouco á sugestão para convocação da conferencia, referi-me ao nosso despacho para Londres de 12 de maio e á circular de 13, e perguntei ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, se a este documento tinha havido alguma resposta, e s. exa. do seu logar affirmou-me que elle não fôra communicado aos diversos governos.
No entretanto é certo que todos esses governos mostraram ter conhecimento da suggestão do governo portuguez; o proprio despacho de 7 de junho, do príncipe de Bismarck, lá se refere á tentativa do sr. Bocage; e ainda ha documento mais claro a esse respeito, é o que se lê neste Livro branco, a pag. 32, e sob igual numero:
«O governo portuguez, assim diz o conde de Hatzfeldt, em 26 de julho, para o conde de Munster, de ha tempos a esta parte reconhecera por seu lado, como eu cabalmente referi na mencionada nota de 7 de junho, que era indispensavel resolver a questão de um modo internacional. Para esse fim se dirigiu não só a nós e á Inglaterra, mas ainda a outras potencias, com a proposta de uma conferencia. Respondemos que consideravamos a proposta conveniente, e que por nosso lado facilitariamos a solução que servisse melhor os interesses geraes.»
Ora, eu não levo a mal que o governo portuguez suggerisse a idéa de uma conferencia internacional, mas do que elle devia ter tratado primeiro, era de entender-se com os governos respectivos, para definir os termos, dentro dos quaes se devia realisar essa conferencia; e tanto isto é assim, que quando o sr. Andrade Corvo, numa audiência do sr. Tules Ferry, suscitou a idéa de se resolver a questão do Zaire, pela reunião de um congresso internacional, logo o sr. Ferry lhe disse: que já lhe havia sido suggerida essa idéa por parte da Allemanha. Fez isto immediatamente com que o sr. Andrade Corvo, cavalheiro com larga pratica dos negocios, e que é um homem, a cuja intelligencia perspicaz todos prestámos inteira homenagem, (Apoiados.) logo visse o alcance d'aquelle facto, e declarasse ao sr. Ferry, mudando de linguagem, que realmente uma conferencia poderia ser muito proveitosa, mas que ainda assim ella tinha perigos possíveis, referindo-se a negocios coloniaes.
E viu bem s. exa., porque realmente a maneira unica de desviar taes perigos consistia em definir primeiro os termos em que a conferencia ia trabalhar, circumscrever-lhe

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a sua acção, e não consentir que n'ella se levantassem as questões de posse e do direito de occupação.
E o sr. Ferry que por seu lado, visto a França ter interesses tão consideraveis na Africa, avaliava muito bem a gravidade da questão, declarou logo em resposta ao sr. Corvo, que só approvaria a conferencia, limitada que fosse de antemão e cautelosamente a sua competencia.
Houve, pois, em tudo isto, por parte do nosso governo, uma inexplicavel hesitação, (Apoiados.) da qual resultou sujeitarmo-nos a perigos e corrermos riscos, que poderiam ter acarretado as mais graves consequencias para Portugal.
Suggerimos uma conferencia sem nos apoiarmos nem sobre a côrte de Londres, nem sobre qualquer outra, sujeitando nos assim a ver discutidos os nossos direitos de occupação em pontos ainda mesmo muito afastados do Zaire, e a fazer surgir a questão colonial sob todos os teus aspectos.
N'este intervallo, quando tamanhas eram as difficuldades, dera-se, porém, um facto de certa gravidade, ao qual tenho agora de alludir, e a que devia ter-se seguido um resultado qualquer: o de exito ou o de mallogro, resultado que em todo o caso cumpre ver esclarecido perante o parlamento portuguez.
Refiro-me á missão do sr. Antonio de Serpa. (Apoiados.)
No Livro branco não ha uma unica referencia a esta missão, que constou em toda a parte e foi apreciada por toda a imprensa.
É um facto positivo, de todos conhecido, que o sr. Antonio de Serpa se dirigiu em julho a diversas côrtes estrangeiras e particularmente á de Berlim.
Este cavalheiro levava, porventura, instrucções para propor uma conferencia? Procurava allianças? Ia defender officiosamente os nossos direitos, tornar-nos favoravel a opinião das chancellarias?
O sr. Serpa foi ou não recebido pelo príncipe de Bismarck?
Nada nos diz o Livro branco a este respeito; portanto, eu pergunto ao governo qual foi a missão do sr. Antonio de Serpa, de que exito foi coroada ou a que nova decepção nos expoz a viagem d'esse diplomata.
Trata-se de uma diligencia extraordinaria, justificada aliás pela gravidade da situação e das circumstancias.
O que póde, pois, explicar que perante o parlamento se não diga uma só palavra ácerca da natureza d'esta missão nem do exito que podesse ter tido? (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, analysei quanto dizia respeito ás negociações que precederam a conferencia de Berlim, agora vou entrar propriamente na apreciação da mesma conferencia, e com essa parte do meu discurso prometto não levar muito tempo á camara.
Direi apenas que a conferencia de Berlim teve umas cousas que se viam, o outras, bem mais importantes para nós, que se não viam.
Por um lado, o que era publico, o que consta dos protocollos e relatorios impressos e distribuído; por esta camara, fui uma discussão, por muitos titulos interessante, de direito internacional, no decurso da qual foram ouvidos homens eminentes, e em que tambem os assumptos africanos foram debatidos com perfeito conhecimento de causa por individuos que tinham estado em Africa, ou que de outro modo tinham em diversas occasiões innegavel competencia n'esses assumptos.
Uma similhante discussão representa incontestavelmente um passo largo para a frente na historia e tradições da diplomacia, permittiu ella que se affirmassem alguns principios, continuando-se assim as tradições honrosas dos congressos de Vienna e de Paris.
Mas é certo, a par disso, que aquella conferencia teve o seu quê de platonico.
Era uma especie de reunião academica; em que todos á porfia procuravam mostrar irem mais adiante uns do que outros no caminho sempre sympathico da liberdade e do progresso, o que podia fazer-se com tanto menos risco quanto se talhava, obra em terreno alheio, e se tinha em vista uma applicação na melhor hypothese muito remota, senão inteiramente problematica.
Mas estas eram as apparencias. O que estava por baixo de tudo ist, o que os factos vieram demonstrar amplamente, é que aquella alta assembléa se reunia em realidade para dar uma existencia official á associação internacional, e para obrigar as potencias que até ali tinham recusado reconhecel-a como soberana, a dobrarem-se perante ella e a tratal-a como tal.
Ali é que estava o perigo para nós. Das exterioridades da conferencia, das suas apparatosas discussões, pouco temos a colher, mal podem excitar em nós outro sentimento que não seja um interesse theorico e de estudo.
E que não é esta uma apreciação isolada, provam-o as seguintes palavras que, segundo creio, foram escriptas por quem tinha no assumpto toda a auctoridade para as dizer. Refiro-me a uma correspondencia de Berlim, inserida no Jornal do commercio, e na qual se relata a sessão final da conferencia.
«Bismark annunciou» assim se lê n'este jornal, «que já tinha na sua mão o acto de adhesão da associação internacional no acto geral da conferencia, que ia ser assignado, e fez o elogio do rei dos belgas. Ficou assim bem marcado qual foi o fim, não ostensivo, mas real, da conferencia. »
«Muita gente agora perguntará: a conferencia de Berlim foi uma comedia, ou uma cousa séria e com resultados praticos? Alguns responderão que teve de uma e outra cousa.
«A primeira resolução que tomou a conferencia foi de todas a menos séria: uma delimitação da bacia do Congo, que fará sorrir os geographos futuros. Na verdade, delimitar a bacia do Congo, ao sul, pelas cristas das bacias do Zambeze e do Loge, equivale a limitar a bacia do Tejo, ao norte, pela serra da Estrella, e pelo Alto da Porcalhota.»
E passado este documentario, que só por si diz tudo, acrescenta-se mais adiante o seguinte:
«A maior vantagem, porém, da conferencia de Berlim, foi estabelecer um precedente, convocando as nações de segunda ordem para deliberar com as de primeira, creando assim a primeira tentativa de um tribunal internacional, para julgar as grandes questões que interessam á civilisação.»
Ora eu não creio, por minha parte, no rigor d'esta conclusão, e na conferencia ácerca do isthmo de Suez, teve ella já, pelo que nos respeita, um primeiro e solemne desmentido.
A assembléa internacional de Berlim é, pois, assim apreciada por alguem, repito, que julgo muito auctorisado para formular similhante apreciação. Deveremos nós, em face d'isto, discutil-a no parlamento portuguez?
E no entanto, não devo deixar de dizer que merecem louvares os nossos plenipotenciarios, cuja missão consistiu em diligenciar directa e indirectamente cortar os vôos a certos philantropos e progressivas incorrigíveis, em manter-se sempre de aralaia e vigilantes contra as pretensões dos que, achando acanhadas as regiões não occupadas de Africa, queriam ainda envolver nas suas combinações o regimen das nossas colonias de Moçambique e região da Zambezia, e até a propria Angola.
A isto, parece-me, tinha de se reduzir o papel dos nossos plenipotenciarios, mas isto era muito, e envolvia os nossos mais importantes interesses coloniaes e brios como nação.

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é certo que ficam, como documentos de actividade e valor intellectual dos membros da conferencia, alguns trabalhos de vulto. Sobresáe, entre todos, o relatorio ácerca do regimen a estabelecer no Zaire e no Niger. N'elle collaborou de modo distincto um collega nosso nesta casa, ficando ali condensado quanto respeita ao regimen internacional de vias de communicação fluviaes, e illustrando-se particularmente nesse trabalho o seu relator o sr. barão de Lambermont.
Prestada, porém, homenagem aos cavalheiros que estiveram de atalaia para que não perdessemos ainda mais do que perdemos, e não tosse ainda mais atacada do que o foi a nossa autonomia colonial, acrescentarei que, para nós, o interesse maximo das negociações se resumiu na definição dos limites da nossa província de Angola e reconhecimento correspondente da Associação internacional.
Todos sabem que circumstancias occorrentes e interesses communs approximaram a França de nós, durante a conferencia, e isto deu em resultado a possibilidade de uma transacção.
D'ahi nasceu por fim o reconhecimento da Associação internacional, e com elle a final fixação de limites para aquella nossa importante província de Africa; d'ahi nasceu a mediação benévola, e a que devemos ser gratos do presidente do conselho de ministros francez, o sr. Furry, mediação vantajosa, porque todos sabemos quanto foram ainda mais extraordinariamente exageradas a principio as pretensões da associação, que, ainda assim, poderam ser excedidas por uma proposta ingleza, feita no decurso da conferencia, e que representa a mais dura de todas as humilhações e a mais completa prova do abandono a que nos votára o actual gabinete britannico.
Dizia essa extraordinária proposta o seguinte:
«Inglaterra propõe reconhecer soberania de Portugal na margem esquerda do Congo, da foz até 5 milhas abaixo do porto onde chega a grande navegação, tirando uma linha até 14° longitude, incluindo S. Salvador, e offerece promover o reconhecimento das outras potencias, com condição do governo portuguez propor ás camaras lei modificando o regimen economico das nossas colonias, e abolição direitos differenciaes. Respondi consultar o governo portuguez por deferencia á Inglaterra, mas duvido ser aeceito. Embaixador de Inglaterra pede resposta antes do fim da conferencia.»
Parece incrivel que depois de tudo quanto era passado, ainda nos viessem fazer uma proposta similhante á que se continha n'este telegramma transmittido de Berlim peio sr. marquez de Penafiel!
A resposta do governo foi immediata, e a unica possivel. Recusa absoluta e terminante; porque não podíamos ir assim sacrificar a soberania que ainda nos deixaram na província de Angola!
Continuando, porém, na analyse das negociações que precederam o convenio com a Internacional, ainda uma vez me cabe lamentar profundamente que agitando-se uma questão d'esta ordem, em que estavam pendentes interesses os mais melindrosos d'este paiz, visto que não era só o futuro de uma provincia que se podia comprometter, mas ainda as nossas tradições mais sagradas e os brios da nação portugueza, nem sequer era momento tão grave, tivéssemos em Paris pessoa de mais elevada categoria diplomatica pata tratar directamente com o sr. Jules Ferry! (Apoiados.)
E estas palavras não envolvem censura nem para os indivíduos que negociaram, e cujo merito individual eu reconheço, nem para a fórma por que foram dirigidas as negociações. Se ha censura, e muito clara, é para o governo que mantinha em Paris n'esse momento um encarregado de negocios e um addido militar. Seja como for, as negociações em Paris não deram resultado; foram novamente reatadas em Berlim.
Succedeu, porém, por esse tempo uma occorrencia extraordinaria, á qual, talvez mais do que a qualquer outra causa, seja devida a resolução ainda não de todo desfavoravel e desairosa desta longa pendencia diplomatica.
Chegára á Europa, transfigurada e engrandecida, a noticia de uma occupação militar do Zaire.
Esta noticia foi promptamente communicada á camara dos pares pelo sr. ministro da marinha, que leu aquella assembléa um telegramma incompleto enviado para a Europa pelo governador geral de Angola.
Deve notar-se que a respeito de tal occupação ainda hoje, officialmente, nada sabemos. (Apoiados.)
Nunca se communicaram a esta camara as instrucções dadas ao governador de Angola.
Lá para féra asseverou o sr. Bocage, em um despacho com data de 10 de dezembro, é o n.° 72 do Livro branco, que essas instrucções confidenciaes consistiam em nós devermos occupar um ou outro ponto, quando a associação nos quizesse preceder nessa occupação, empregando a força se tanto fosse necessario para fazer respeitar os nossos direitos.
Mas essa hypothese não se deu. Não houve tambem occupação. Houve, segundo parece, umas fundações com os regulos das localidades, sobre que nós temos direitos, fundações aliás similhantes áquellas que pouco antes esses mesmos regulos, ou alguns d'elles, haviam celebrado com a internacional e contra as quaes protestaram mais tarde.
Ora, perante direitos tão solemnemente affirmados, como os nossos o estavam desde seculos, eu não posso por mim comprehender a força que deveria resultar-nos do facto de similhantes fundações, que continuaram a celebrar-se até 27 de março ultimo, sendo as duas ultimas as effectuadas na Muanda e no Chimbollo Socco.
O que parece é que, celebradas no Zaire as primeiras fundações, logo protestaram contra ellas grande quantidade de navios de guerra de diversas nações que lá estavam n'esse momento, não se realisando occupação alguma por se tornarem estas dependentes do que resolvesse o governador geral de Angola, de accordo com as instrucções que tivesse recebido ou viesse a receber do governo da metropole.
Mas, seja como for, em resultado d'esta supposta occupação, as pretensões da associação internacional, que iam crescendo dia a dia, de repente, na presença d'aquelle novo elemento, começaram a recuar, e aproveitada habilmente aquella, primeira improperio era Berlim pelos nossos representantes, que receberam a noticia da supposta occupação com intimo jubilo, conseguiu-se ao menos salvar com a margem esquerda do Zaire até Noki um limite natural para a nossa provincia de Angola, e ainda garantir-se nos a posse de uma faxa de terra comprehendendo Cabinda e Molembo, sem acrescentar a isto quaes quer condições humilhantes de outra ordem.
Eu tinha ideia de insistir com o sr. ministro da marinha para que declarasse a final o que havia de positivo em tudo isto, o que representou em realidade uma acção previdente do nosso governo: hoje, porém, mudo de opinião, não desejo saber cousa alguma; entendo que quanto menos se aclarar officialmente este facto melhor será. Com merito proprio ou sem elle, é certo que a declaração do sr. ministro, na camara dos pares, produziu um resultado feliz.
Foi um facto para nós providencial.
Sr. presidente, eu affirmei logo no começo do meu discurso, que approvava o acto geral da conferencia de Berlim, e bem assim o convenio celebrado com a internacional, mas approvando esses documentos, porque entendo que não podemos proceder de outra forma, não me eximo por isso a apreciar fria e despaixonadamente a situação que elles criam para nós.
Antes de o fazer devo, porém, dizer a v. exa. que estimaria muito não ver no livro branco um documento que ahi se encontra, firmado pelo sr. marquez de Penafiel, e no qual se communica para Lisboa, engrandecendo-o extraordinariamente, o resultado a que se chegára. Por mim,

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francamente o declaro, entendo que nenhum motivo tinha-mo a e temos para nos enthusiasmar; podíamos dizer que acceitámos uma imposição que a força das cousas tornara inevitavel; diremos ainda que se salvou, quanto possível, o decoro nacional pela intervenção, é verdade que em parte para isso mesmo solicitada por nós, de tres potencias, e particularmente da França, que foi intermediaria entre o nosso paiz e a associação internacional: mas d'aqui a affirmar-se que alcançámos grandes victorias, chegando até ao ponto de se asseverar em um telegramma, não official, publicado n'um jornal d'esta cidade, que o príncipe de Bismarck linha dirigido em plena conferencia as expressões mais agradaveis a Portugal, pela solução a que chegara em virtude da conferencia de Berlim, vae, segundo creio, uma grandíssima differença!
Mas deixando o telegramma anonymo, que aliás referia um facto que se não dera, e passando ao officio, direi que se lêem n'elle entre outras cousas o seguinte:
«Por este documento, remettido por copia a v. exa. com o meu anterior officio se concluiu a longa pendencia entre os direitos constantemente reclamados pela corôa portugueza, e os variados interesses que se lhe tinham successivamente opposto.
«Ha perto de um seculo fôra assignado o tratado de Madrid, com a mediação da Hespanha. No congresso de Vienna, haviam-nos ficado reservados os nossos direitos aos territorios entre 8° e 5.º e 12.º, sem que tivéssemos obtido a sua pose, apegar dos esforços de um dos nossos mais illustres diplomatas, o duque de Palmella. O tratado de 26 de fevereiro preterito não obtivera nem a consagração da opinião na Gran-Bretanha, nem o assentimento da Europa. Manifestára-se abertamente contra elle, tanto em documentos diplomaticos, como em reuniões parlamentares o príncipe de Bismarck.»
Parece que se tinha conseguido a final e no meio de maiores difficuldade o que não poderá conseguir o proprio duque de Palmella:
Mas não ficaremos aqui. Prosegue o officio:
«Uma nação pequena, de ha muito esquecida pelos concílios europeus, ousára durante um mez demorar a conferencia, e impedil-a de chegar a um resultado. Accumulavam se e cresciam as impacientas de interessados e dos mesmos indifferentes. O publico mesmo esperava curioso o resultado de urna contenda em que uma só nação se oppunha com a força de um velho direito ao interesse do mundo inteiro.»
Mas onde este verdadeiro dythirambo attinge os ultimos limites do enthusiamo lyrico, é no seguinte paragrapho.
«De todos os lados vem felicitar-me os plenipotenciarios das diversas nações; todos me significam o agrado com que foi vista pela Europa inteira esta solução pacifica de uma longa lucta; todos me demonstram em termos perfeitamente claros que havia perigo, e grave, em nos oppormos pela resistencia illimitada á vontade d'aquelles que dominam o mundo pela força que lhes dá o numero dos seus soldados, e o poder das suas esquadras».
Para que tamanha exageração? Para o effeito político em Portugal?
Ora, sr. presidente, não procuremos illudir-nos! O resultado foi o que se pôde obter; como tal o acceitâmos, sem podermos felicitar-nos por elle.
E se não houvesse outro commentario a oferecer a este dythirambo diplomatico, bastar-me ía como tal o teor da ultima sessão celebrada pela conferencia de Berlim. Todos sabem que presidia a ela o principe de Bismarck, e todos sabem tambem qual foi o discurso d'aquelle esta lista, em que depois de haver dirigido por fórma geral a todos os representantes das potencias algumas phrases amaveis, especialisando, e com rasão, os srs. barões de Coronel e de Lambermont, elle creou os louvores altisenantes do rei Leopoldo II e da sua obra civilisadora.
Todos sabem igualmente que n'essa mesma sessão se apresentou o acto de adhesão da associação internacional á obra da conferencia, sendo em seguida introduzido na assembléa o sr. Stranch, que foi alvo dos comprimentos e attenções dos representantes da todas as potencias, os quaes passaram na prapria sala das sessões em frente d'elle, transformando-se assim o encerramento da conferencia na apotheose da internacional!
Ora, este commentario amargo não o teria eu feito, se não se me deparasse no Livro Branco o despacho a que me retiro.
E será agora com o proprio parecer da commissão que eu vou justificar quanto acabo de dizer á camara. A paginas 9 do parecer, lê-se o seguinte ácerca da conferencia de Berlim:
«Ladeadas habilmente, num ou n'outro ponto; afastadas com discreta delicadeza a cada problema novo; lançadas expressamente desde o primeiro dia á conta de futuros accordos entre as nações interessadas na sua liquidação, - essas questões, ou mais propriamente a questão da posse e domínio político da zona marítima da bacia convencional do Zaire, erguia-se agora, irrecusavel e inilludivel, não sómente perante uma preoccupação generosa, uma inspiração doutrinaria, uma conveniencia geral, mas em face e á beira do proprio compromisso e interesse em que se empenhara a maioria das potencias, de transformar a empreza fundada pelo rei dos belgas n'uma instituição internacional e soberana.»
E mais adiante, a paginas 11, assevera-se que:
«A situação estava indeclinavelmente definida nos seguintes termos:
«Por um lado achava-se empenhada a Europa no reconhecimento e transformado da empreza do rei dos belgas, - ou, como era permittido suppôr, - em garantir a formação de um territorio neutro e de um novo puder, exclusivamente derivado da deliberação e do interesse das potencias que nenhum domínio proprio possuiam na região do Zaire.»
«..............................................................................»
«Convem lembrar que a França enleára, de certa fórma, n'este sentido, a liberdade da sua altitude e do seu voto, contrariando as nossas pretensões, negociando com a associação, e propondo em seguida ao tratado de 26 de fevereiro de 1884 uma acção internacional no Zaire.
«Por outro lado, fortalecia-nos a necessidade manifesta do nosso assentimento e da nossa attitude pacifica, em relação ao futuro estado, mas, isolados tambem na defeza dos nossos direitos, estávamos maiormente interessados no reconhecimento d'elles por parte das mais potencias, como numa questão de honra e de segurança do nosso domínio africano.»
Ora, aqui está claramente assinalado pela commissão o fim verdadeiro e unico dos trabalhos da conferencia do Berlim.
Tinha-se em vista única e exclusivamente o reconhecimento da associação. Essa reconhecimento alcançou-se, em parte á custa de territórios nossos; esta é a verdade e não me pareço que ella justifique o mostrarmo-nos tão extraordinariamente satisfeitos e alardearmos tanto a grandeza do nosso triumpho.
Volto, porém, ao que ia dizendo, e procurarei definir a situação que nos creou o acto geral da conferencia do Berlim, e o convénio com a associação internacional.
É innegavel que no Zaire estão hoje representados valiosos interesses commerciaes, mas só quem não conheça as differentes obras que se tem publicado a este respeito, como entre outras muitas o livro de Monteiro Angola and the, Rirer Congo, ou ainda os trabalhos do sr. dr. Pinto e alguns dos muitos documentos que existem no ministerio da marinha, ácerca d'aquella região, é que póde ignorar ser a margem do norte do Zaire a séde effectiva d'estes grandes interesses. Ao sul do grande rio habita uma raça bellicosa, difficil de governar e que, segundo corresponden-

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cias recentes da localidade, se está preparando para nos obrigar a uma intervenção militar, e ao emprego de medidas de rigor, quando ali queiramos assegurar a effectividade do nosso dominio. Ora, é bem de prever quanto nos seja penoso qualquer sacrificio d'essa natureza, não se achando na actualidade o thesouro em condições de tamanho desafogo como as que nos descreveu o discurso da corôa lido occasião da abertura da actual sessão legislativa.
Eis aqui um primeiro senão, e creio que attendivel. Mas vejâmos ainda qual foi a impressão que o resultado da conferencia de Berlim produziu nas regiões do Zaire. São os interessados que fallam, e o seu testemunho é precioso. A este respeito tenho aqui uma correspondencia publicada no jornal do commercio de 13 do corrente, e datada de Banana em 17 de abril.
Lê-se n'essa correspondencia o seguinte:
«Foi aqui recebida tristemente a noticia de que Banana fica pertencendo á associação internacional. Os proprios estrangeiros, que tanto procuraram contrariar o nosso importante prestigio, imo receberam esta noticia com satisfação. Preferiam o domínio de Portugal ao de uma nação que ainda, não se conhece.»
tal foi a triste impressão com que nas regiões ao norte do Zaire, se recebeu por parte dos portuguezes a noticia do resultado da conferencia de Berlim. Mas ha mais.
Tenho tambem presente urna correspondência publicada em um jornal allemão, e escripta por um dos primeiros redactores desse jornal, que os seus proprietarios encarregaram de ir á Africa para estudar e referir para a Europa, tanto o que dissesse respeito ás novas colonias allemãs como ainda ao problema geral africano.
Lê-se n'ella o seguinte:
«Vivi, 6 de abril de 1885. - A chegada das resoluções definitivas da conferencia de Berlim ora esperada nas regiões do Congo com a anciedade que facilmente se comprehende. Tratava se de saber se na costa de Loango e ao sul do Congo dominariam os francezes, os portuguezes ou a associação internacional do Congo. Os negociantes que aqui residem receiam quasi tanto os francezes como os portugueses. Ambas as nações têem fama de impor tributos aduaneiros elevadíssimos, e apesar da liberdade de commercio resolvida pela conferencia para a bacia do Congo, não se póde fugir ao receio, que outros impostos muito onerosos, venham substituir as pautas.
«É certo que os negociantes não vêem com muita sympathia a associação internacional, julgam, porem, não ter motivo para receiar da sua parte imposições pesadas, como as que lhes seriara lançadas por portuguezes ou francezes.

«A 22 de março chegava com um vapor hollandez, que apenas era portador de correspondencia particular, a primeira noticia do encerramento da conferencia, e das resoluções tomadas com respeito a Banana; a 29 de março entrava aqui com o paquete portuguez a confirmação official d'essa noticia.
«Os portuguezes residentes no Congo davam-se ares de estar muito desilludidos e descontentes, sendo certo que deveriam dar-se por mais do que felizes com os resultados da conferencia que lhes assegura a margem sul do Congo até Noki, e na costa do norte a região que fica entre Yabe e o rio Tchilicango.»
N'esta mesma correspondencia se refere o grande descontentamento dos empregados da internacional, particularmente por causa da cessão á França, das quatorze estacões do Quilui.
Tal era esse descontentamento que no caso da França se não sujeitar a indemnisar a associação projectavam vendel-as, e quando o não conseguissem tinham já feito o proposito de as queimar!
Ora, aqui está em que termos foi recebida a noticia do resultado da conferencia de Berlim, que deu a outrem, nosso inimigo hontem, precisamente as regiões mais ricas do Zaire.
Agora no que respeita á occupação d'essa parte que nos deixaram, perguntarei eu ainda: como conta o governo fazer face aos encargos de uma tal occupação?
A liberdade commercial tal qual foi definida e decretada na conferencia de Berlim, representa uma questão muito séria e que demanda toda a nossa attenção.
Proihibidos absolutamente os direitos de importação, e apenas permittidos alguns impostos directos, e a cobrança de alguns direitos necessariamente muito moderados sobre a exportação, é certo que apesar da importancia do commercio do Zaire, que ainda assim se verifica quasi todo elle pelos tres portos do norte Banana, Porto da Lenha e Boma, mal se comprehende com que recursos se poderá fazer face ás despezas da occupação.
Repito, esta questão é muito séria, e tanto maior é a sua gravidade se considerarmos a situação em que vae ficar a provincia de Angola com relação ás suas alfandegas.
E este receio não é só meu, não nasce do prurido de fazer opposição.
Dizia a commissão diplomatica no anno passado no parecer ácerca do tratado de 26 de fevereiro:
«Alem de outras rasões que instantemente aconselhavam uma resolução, cada dia se revelava mais a da propria necessidade de evitar o forçado desvio das correntes commerciaes estabelecidas para os portos do sul da provincia pela concorrencia singular e desigual que a situação de absoluta franquia dos do norte necessariamente lhes creava. Era uma questão vital, irrecusavel e crescentemente aggravada, em que poderia ver-se facilmente que se achava compromettido o nosso proprio direito e segurança, como não tardaria a achar, se empenhada tambem, e chegou o dia em que este facto se deu, a causa da humanidade, da civilisação, da paz e do commercio licito, n'aquella mesma região do norte.»
Era, pois, a commissão diplomatica que no anno passado indicava claramente que este regimen estabelecido no Congo, podia desviar das alfandegas de Angola...
O sr. Luciano Cordeiro: - Era o regimen que havia antes d'este.
O Orador: - Peço perdão. A liberdade commercial subsiste inteira, e a occupação vae tornar mais seguras as condições do commercio e, portanto, convidar para o desvio temido, que tem agora todas as vantagens e nenhum dos riscos. Mas diz-se-nos, para consolação, mantivemos Noki.
Ora, eu não contesto que Noki seja um porto de saída para as mercadorias que vem de S. Salvador; assim como não contesto tambem que a linha do Zaire seja a fronteira natural, ao norte da provincia de Angola; mas, direi, que que o que se pôde obter foi pouco, e o que se sacrificou o principal, e a este respeito basta ver o que ácerca de Noki se lê a pag. 35 do relatorio, a que ha pouco me referi, do sr. juiz Pinto.
Diz este magistrado:
«Creio que se pensou em collocar a missão civilisadora do Zaire em qualquer ponto do interior. Vi até designar-se-lhe Noki. Era um erro. Noki é um ponto sem importancia, muito quente, insalubre e sem conforto. O pouco que ali podesse conseguir se custaria rios de dinheiro, e não fazia bem senão a Noki, que não é nada.
«Para fazermos alguma cousa por este processo precisamos de repetir, em muitos pontos, o que faziamos em Noki, e nós não temos dinheiro para isso.»
cito a opinião a quem dá auctoridade o Ter estado no Zaire e desempenhado ali uma importante missão.
Ainda mais. Dissemos de Noki. Vejamos agora o que se lê no relatorio, a pag. 63, ácerca do valor relativo das duas margens do Zaire:
«SE não acudirmos a tempo a conbjurarmos esta calamidade imminente, podemos julgar a provincia de Angola na

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situação desesperada do um corpo que se esvae em sangue pelas arterias não laqueadas de uma amputação desastrada. E com o sangue vae-se a vida!
«Vamos depressa postar nos na embocadura do Zaire para evitarmos a amputação e estudarmos o remedio que nos livre da morte. Vamos occupar a costa do norte! É difficil por ser tarde; mas nós herdamos as tradições gloriosas de muitos heroes, e a voluntariedade diplomatica de alguns estadistas de talento, e temos obrigação de honrar essas memorias venerandas.
«Temos o dever de luctar pela vida, porque ainda estamos vivos, e emquanto ha vida ha esperança. Uccupemos a costa do norte e não cedâmos nem um palmo de terreno comprehendido nos nossos direitos reservados. Exige o a nossa política e aconselha o a ethnographia.
«Do que eu tenho dito já posso concluir, que a occupação parcial de Loge até ao Zaire não impede o mal que está imminente, mas acresce ainda que ella o augmenta. É verdade que nós temos da ponta do Padrão até á povoação de Pinda ou ao sitio do Convento, um logar para o desenvolvimento de uma cidade. Ficava-lhe em frente e já do lado de dentro do rio a magnifica bahia de Santo Antonio, que ainda hoje é o que era para os nossos galeões: um porto amplo, seguro e commodo. Mas esta cidade seria um umbral só da grande porta do Zaire, e o outro com o vão d'ella ficaria para os estrangeiros, que abulariam da partilha e da vizinhança. Ma a esta cidade nem teria, agua boa e abundante, nem seria a cabeça de um paiz de campinas, ameno, salubre e colonisavel. Mas esta cidade, emfim, seria a melancholica espectadora da prosperidade alheia, eternamente condemnada, a ver passar diante de si os trens da opulencia, que a salpicariam da ignominiosa lama!
«Do Zaire ate ao Loge, na zona da beira mar, os terrenos são aridos, e em geral pobres de tudo. São o mesmo que d'ali para o sul. Musseque cortado aqui e alem por um pequeno rio, que vem do longe, e só mantém a vegetação no valle onde chegam as suas aguas. O que são estes terrenos dil o a zona de entre Quanza e Bengo, ou de entre Bengo e Dande.
A região que a éste confronta com esta, onde começa o desnível para o planalto, é montanhosa e coberta de vegetação arborea gigantesca: e a continuação de Casengo, Golungo-Alto, Dembos e Encore. E estes pontos já são de mais para esgotarem a nossa força e aptidões para a cultura do café e similhantes. De maneira que, occupando só desde o Loge até ao Zane, não conseguimos nenhuma das vantagens da occupação da costa do norte: e acabamos de esterilizar os nossos esforços agrícolas, se quizermos distribuir por toda a região os meios e as forças que temos concentradas do Logo e Encoge para o sul.
«Os estrangeiros compreheadem bem isto, e por isso estão sempre promptos a confessar que do Zaire para o sul tudo é nosso, e a negar que tenhamos alguma cousa do Zaire para o norte ....................................................
«Precisâmos absolutamente do pedaço que vae do Zaire ao Chiloango, e principalmente porque aquelle é o territorio que mais commodamente podemos colonisar em toda a província de Angola.»
Refere-se o dr. Pinto a rasões ethnographicas. As correspondencias chegadas do Zaire indicam já as difficuldades provenientes de se não ter tido em attenção esse elemento do problema, tanto pelo que respeita á raça dos cabindas, como ainda á que habita proximo a Noki. Segundo parece o delegado do governo em Cabinda vira-se já obrigado a chamar para esse pouco a attenção do sr. Ferreira do Amaral.
Sr. presidente, estâmos quasi chegados ao fim da sessão legislativa. Ha muito que os jornaes annunciaram que o sr. ministro da marinha tinha encarregado uma commissão de elaborar definitivamente o plano da organização e occupação d'aquelles territórios. Referiram-se a essa commissão entre outros o sr. dr. Pinto nas conferencias da Trindade, e o sr. Carlos de Magalhães no livro que publicou ácerca do Zaire e da conferencia.
Pergunto pois, franca e terminantemente, ao governo se está na idéa de fechar o parlamento sem vir declarar quaes são as suas intenções ácerca da occupação d'aquelles territorios; se está ou não resolvido a gastar centenas ou mesmo milhares de contos sem que nós saibamos a que pensamento obedece a occupação d'essas regiões ingratas, cuja descripção pouco animadora acabo de fazer perante a camara?
Desde já declaro a v. exa. que pela minha parte estou prompto a annuir a todo quanto for indispensavel para salvaguardar a nossa dignidade n'aquellas regiões, mas visto tratar-se de terrenos pobres e doentios e encontrarmo-nos nós em tão grandes difficuldades financeiras, não posso consentir por minha parte em que o governo, que em geral tão generoso se mostra dos dinheiros do contribuinte, vá expandir as suas tendencias grandiosas organisando luxuosamente a administração nas novas provincias, sem que a nós, representantes do povo se nos diga sequer por que fórma vão desapparecer centenas ou talvez milhares de contos de réis. (Apoiados.)
Pela minha parte protesto desde já contra isso. (Apoiados.)
Desejo portanto que o governo declare do modo mais terminante se tenciona apresentar ou não á camara a proposta da organisação e occupação dos novos territorios. Desejo que elle nos diga se virá pelo menos pedir-nos, limitando-os, os creditos necessarios para essa occupação. Se não tenciona fazel-o é melhor em verdade e acabar de vez com esta phantasmagoria de parlamento. (Apoiados.)
Se o parlamento serve só para discutir gravemente despezas de centenas de mil réis, e quando se trata de milhares de contos nem sequer se nos diz quaes são as intenções do governo, se vamos ou não ter um exercito de novos funccionarios e custosas expedições militares, recorrendo-se para isso mais uma vez abusivamente as faculdades mal interpretadas do artigo 15.º ao acto addiconal, é preferivel, repito, usar de franqueza e fechar de vez as duas casas do parlamento. (Apoiados.)
E a proposito de despezas com que não podemos, vou agora chamar a attenção do governo para a questão das missões no ultramar, para a questão muito grave dos direitos do nosso padroado n'aquellas regiões, direitos que foram ha pouco preficientemente defendidos n'um memorendum da sociedade de geographia. Ignora a camara, o que não admira, porque ignorâmos quasi tudo, quaes foram os resultados das diligencias diplomaticas a tal respeito tentadas junto ao Vaticano. O que sabemos por nosso lado, o que vemos é que as missões francezas vão adquirindo influencia na Africa e influencia não simplesmente religiosa, mas altamente politica.
Não admira, até certo ponto. A primeira e melhor maneira de zelar os direitos do padroado consiste em poder mostrar que este cumpre os deveres inherentes a esse encargo tão honroso, e em que situação nos achâmos nós a tal respeito?
Toda a gente conhece as diligencias, os esforços, os trabalhos do benemerito e patriota padre Barroso, e de outros padres que o acompanham na missão tão importante de S. Salvador; missão que constitue o unico esforço, aliás recente em data, da propaganda catholica portugueza no centro de Africa.
Em alguns numeros do jornal da sociedade de geographia têem sido publicados differentes trabalhos dos padres Antunes e Brum, um dos quaes ha pouco li, descrevendo-se n'elle as regiões entre S. Salvador e o Bembe, e fazendo-se sobresair os vestígios ainda existentes e a influencia sensível que, apesar do tempo decorrido, exerce ainda n'aquelles sertões a religião catholica. E esse facto, tão importante, está-nos indicando que nas missões existe um ele-

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mento de que devemos lançar mão, não na escala limitada em que hoje o fazemos, por meio do seminário de Sernache, em que cada seminarista nos custa uma somma, com a qual o thesouro não póde...
O sr. Luciano Cordeiro: - Custa cada um 9:000$000 réis.
O Orador: - Mas olhando para o que se faz em outras nações e tendo a coragem necessaria para sacrificar preconceitos, mostrando o governo que sabe finalmente sair da situação não ha muito descripta por um digno par, a de ter força bastante para cercear as attribuições do rei e destruir a camara dos pares, sem a par d'isso possuir a necessaria coragem para nomear um cónego, e cumprir assim um convenio a que ligára o seu nome.
E a este respeito sempre recordarei á camara o que se faz lá fóra, por exemplo, na Belgica, onde entro as mensagens de felicitação dirigidas ao rei Leopoldo a proposito da resolução da questão do Congo, figurou a do alto clero manifestando a importancia que tinha o elemento religioso para a futura civilização d'aquelles territorios.
Na Belgica desde muito que existe perto de Bruxellas, em Waluwe, um instituto religioso destinado á educação de missionarios para a Africa. Foi elle creado pelo cardeal Lavigerie, o qual, como a camara sabe, é arcebispo de Alger e ha pouco foi elevado á dignidade de metropolita de Carthago.
Pois agora por diligencias directas do rei Leopoldo, de accordo para isso com o arcebispo de Malines vae crear-se junto á universidade catholica de Louvain um novo instituto destinado especialmente a preparar missionários para o novo reino do Congo.
Chamo por minha parta toda a attenção do governo e da camara para estes factos.
Lembro-lhe ainda uma instituição que póde exercer no futuro das nossas colonias uma influencia muito benefica.
Refiro-me aos institutos salesianos e ás suas escolas profissionaes. Esses institutos, a cuja frente tem estado, desde a sua fundação, um homem emminentemente popular e conhecido hoje no mundo inteiro, o abade D. Bosco, tem como regra receber e amparar rapazes pobres dispersos e perdidos nos grandes centros de população, ensinando lhes em excellentes escolas todos os misteres, todos os officios, tudo quanto póde representar um elemento de trabalho util. No grande e magnifico estabelecimento de Turim, por exemplo, existem annexas a taes escolas, entre outras, uma fabrica de papel e uma typographia. A extraordinaria vantagem pratica d'esta instituição, explica o ella estar hoje largamente espalhada pela Italia, pela França, pelo Brazil, e pelas republicas da America do sul e regiões da Patagonia. Conta ella nas escolas espalhadas por toda essa vasta area segundo me asseverou ainda ha pouco pessoa que reputo bem informada, perto de 100:000 alumnos.
Ora, é evidente que os padres de um tal instituto são emminentemente proprios para levar a nossa civilização e as nossas artes ás regiões africanas. (Apoiados.)
E os missionários assim obtidos não custam 9:000$000 réis cada um; ali tudo sáe da caridade e lhe é devido. (Apoiados.) Os 30:000 alumnos que annualmente ficam habilitados n'aquellas casas são alimentados e educados exclusivamente á custa de esmolas. (Apoiados.)
Estes são os factos, e só os não vê quem quer ser absolutamente cego para o movimento que vae por toda essa Europa. (Apoiados.)
Vou terminar; mas, antes de o fazer, desejo dirigir ainda duas perguntas ao governo, e com ellas concluirei o meu discurso.
O reconhecimento da associação internacional do Congo fez-se em condições muito diversas pelos differentes estados.
Quem, como nós e a França, tinha províncias limitrophes do novo estado, viu se obrigado a definir por coordenadas geographicas, ou de outra maneira, os confins dos seus domínios e os da associação internacional; as outras nações, que não estavam em condições iguaes e não possuiam territorios na Africa, limitaram-se cada uma ajuntar a carta de Africa ao convénio respectivo e a declarar em artigos d'esse convenio que reconheciam como sendo da associação os territorios marcados na carta annexa com uma determinada côr.
Seguiu-se d'aqui que este por tantos títulos extraordinario estado do Congo, começa por ter extensão diversa nos convenios celebrados com as differentes nações.
Para algumas d'essas nações apparece muito acrescido; para outras conserva proporções um pouco mais modestas.
Extraordinaria elasticidade, sem precedente, de certo, apontado pela historia!
Considero este facto de uma grande importancia para nós, porque, felizmente, a conferencia de Berlim, que retalhou ou deixou retalhar a Africa, e tanto legislou para as regiões mais proximas da costa, nada entendeu dever preceituar com respeito á occupação do interior do continente. Não exigiu, para esta, notificação ás potencias, subentendeu-se que era licito a qualquer caminhar sempre para o interior, sendo o justo premio do esforço feito a posse dos terrenos assim conquistados para a esphera da civilisação.
Ora nós devemos ter sempre muito em mente não consentir cousa alguma que possa mais tarde pôr obstaculo ás relações de contra-costa entre as nossas províncias de Moçambique e Angola. Não devemos por fórma alguma deixar encravar entre aquellas duas províncias um estado que tolha o nosso desenvolvimento para o interior da Africa, e seja um perigo permanente para essas províncias. (Apoiados.)
Ora, o que succede em relação a este famoso estado? A França, determinou pelo artigo 3.º da convenção com ella celebrada, definindo-as minuciosamente, as fronteiras entre as suas possessões africanas e os territorios do novo estado. Mas, com respeito aos limites para o interior de Africa, estabeleceu no artigo 5.° o seguinte:
«Sob reserva, do accordo a celebrar entre a associação internacional do Congo e Portugal, com respeito aos territorios situados ao sul do Tochilvango, o governo da republica franceza consente em reconhecer a neutralidade das possessões da associação internacional comprehendidas dentro dos limites indicados na carta annexa, salvo o discutir e regular as condições dessa neutralidade, de accordo com as outras potencias representadas na conferencia de Berlim.»
Por outro lado o governo allemão diz apenas, na convenção respectiva, que reconhece como limites do territorio da associação e do novo estado a crear os designados no mappa annexo á convenção.
Nós, por nosso lado, declarâmos depois de haver definido miudamente as outras linhas de demarcação (fronteiras) entre territorios nossos e da associação, o seguinte:
«O parallelo de Noki até á sua intersecção com o rio Cuango, a partir d'este ponto na direcção do sul o curso do Cuango.»
Pergunto, pois, ao governo se por este artigo nós vamos reconhecer que a nossa província de Angola fica desde já limitada pelo curso de Cuango, e se toda a região que demora a leste d'este grande afflueute do Zaire é reconhecida por nós como devendo pertencer ao novo estado do Congo.
Por minha parte entendo que não póde ser assim, mas aquella interpretação parece derivar-se da letra do artigo.
Desejo, pois, que fique claramente consignado por boca do governo que este mantém a possibilidade de nos expandirmos para alem do curso do Cuango, e que á associação não reconhecemos n'essa região direitos de qualquer ordem, nem posse effectiva.
Mais ainda, e chamo toda a attenção do governo para este outro ponto.

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1933

Segundo o mappa annexo ao tratado com a Franca os limites da associação descem no sul para alem do parallelo de 13, e nos termos do artigo 5.° do convenio respectivo a França reconhece esses limites como sendo os que definem geographicamente o novo estado.
O convenio feito com a Belgica reconhece iguaes limites.
Existem, pois, dois documentos diplomaticos affirmando que os territorios que ficam pertencendo á associação vão até muito proximo do parallelo 13.° ao sul rio Equador, isto é, abaixo da latitude de Benguella.
Mau é de certo que a França e tambem a Belgica o reconhecessem; mas por nosso lado cumpre ter o maior cuidado em que fique claramente definido - que não admittimos, nem acceitâmos a idéa de não sei porque especie de inexplicavel generosidade, entregar todo o centro de Africa a um supposto estado, que não possue lá absolutamente nada.
Bem sei que o mesmo se poderá dizer de nós actualmente, com a differença, porém, de que temos atravessado essas regiões muitas vezes, e que em todas ellas se encontram vestigios da nossa influencia. (Muitos apoiados.)
Termino, pois, formulando mais uma vez, ou antes fazendo só agora a leitura das perguntas que dirijo ao governo e que tinha antecipadamente formulado.
São as seguintes:

«1.ª Foi ou não communicado ao governo portuguez o conteudo da nota dirigida em 18 de abril, polo conde de Hatzfeldt, ao ministro da Allemanha em Lisboa?
2.ª A circular de 13 de maio, na qual o governo portuguez suggeria a idéa de uma conferencia, fui ou não communicada aos diversos gabinetes? Se o foi, como parece deprehender-se, entre outros, dos despachos do 7 de junho e 26 de julho, do governo allemão para o seu embaixador em Londres, inseridos no Livro branco allemão, sob os n.ºs 27 e 32, que resposta tiveram as aberturas do nosso governo?
«3.ª Qual foi o resultado da mediação italiana proposta pelo governo do Rei Humberto, e acceita por nós, nos termos que constam dos documentos n.ºs 21 e 24 do Livro branco?
«4.ª Qual foi a missão do sr. Antonio de Serpa em julho de 1884, e que resultados teve?
«5.ª Os limites de Angola e dos territorios da associação fixados nos termos do artigo 3.° da convenção de 14 de fevereiro ultimo, importam porventura a limitação a leste da província por todo o curso do Cuango e o reconhecimento da soberania da associação nos terrenos da margem direita d'esse rio?
«6.ª Havendo a França e a Bélgica reconhecido como territorio pertencente á associação regiões que attingem approximadamente o parallelo 13° ao sul do Equador, isto é, que ficam encravados entre as províncias de Angola e Moçambique, até que ponto poderá esse reconhecimento limitar a nossa expansão colonial para o centro de Africa?
«7.ª Tenciona o governo apresentar ás côrtes o plano geral de occupação das regiões cuja posse nos foi reconhecida definitivamente, e solicitar os creditos necessarios para realisar essa occupação? = Henrique de Barros Gomes.»

Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)
(Occupou a cadeira da presidencia o sr. Luiz de Lencastre.)
O sr. Elvino de Brito: - Peço a v. exa. se digne dar immediato destino aos dois requerimentos que mando para a mesa.
Vão publicados no logar competente a pag. 1890.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Bocage): - Sr. presidente, posso desde já responder ao sr. Elvino de Brito em referencia a um dos requerimentos que acaba de ser apresentado por s. exa.
O illustre deputado pede uma serie de documentos, que no seu entender deveriam completar o Livro branco.
Direi a s. exa. que o governo incluiu nesse livro os documentos que considerou elucidativos da questão sujeita a apreciação parlamentar; e toma inteira responsabilidade dos documentos que omittiu como a toma a respeito d'esses que apresentou.
O illustre deputado é muito esclarecido para poder ignorar, que em todos os livros d'esta natureza, no que toca a negociações diplomaticas, apparecem omissões ou de telegrammas ou de outros quaesquer documentos, que, no entender dos ministros, unicos responsaveis, não devem ter publicado.
Ha publicação de documentos por extracto e ha suppressão de parte d'esses documentos, cuja publicação o ministro respectivo e o governo que representa, consideram inconveniente.
É exactamente o que se dá com a publicação do Livro branco. Ha documentos publicados por extracto e ha muitíssimos telegrammas que se não publicaram, uns por indifferentes, outros por inconvenientes: e, repito, eu tomo a responsabilidade completa, perante a camara, tanto pela omissão, como pelas publicações que apparecem no Livro branco.
Declaro, porém, que se alguns dos documentos omittidos for solicitado por qualquer membro d'esta casa e eu entenda que sem inconveniente para os interesses publicos, póde vir á camara, estou prompto a apresental-os. (Muitos apoiardos.)
O sr. Elvino de Brito: - Não foi isso que pedi. Eu requeri simplesmente a remessa dos officios e outros documentos a que allude o Livro branco, mas que não foram publicados. No meu requerimento alludo simplesmente a esses.
O Orador: - Como comprovação do desejo que eu tenho de ser sempre agradavel aos membros d'esta camara e de cumprir o meu dever, mandando ao parlamento todos os esclarecimentos que possa, pedia ao illustre deputado que completasse a sua requisição formulando urna nota indicativa dos documentos que pretende.
Pela minha parte examinarei essa nota e só entender em minha consciencia que não se pede nenhum documento de caracter reservado e que não ha inconveniente algum, no momento actual, em serem presentes á camará, não terei duvida em remettel-os.
Desejaria usar agora da palavra sobre o projecto em discussão; mas faltando apenas poucos minutos para dar a hora do encerramento, e sentindo-me fatigado pela muita attenção que tenho prestado ao longo e interessante discurso do illustre deputado e meu amigo o sr. Barros Gomes, prefiro não começar a responder hoje a s. exa., mesmo porque teria do cortar muitas das observações que desejo fazer.
Pedia por isso a v. exa. que me reservasse a palavra para na sessão de ámanhã responder ao illustre deputado. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachigraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Tenho simplesmente a declarar ao sr. Elvino de Brito que não foi nomeada commissão alguma para elaborar o projecto relativo á occupação e organisação administrativa do Congo.
O projecto está elaborado e prompto para ser apresentado á camara dos senhores deputados, e, por isso, ouvi primeiro as pessoas que suppuz mais competentes para me esclarecerem ácerca do assumpto.
E aproveitando o ensejo, devo dizer ao sr. Barros Gomes que, se ainda não foi apresentada essa proposta, para

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1934 DIARIO MDA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ser submettida n'esta sessão á apreciação parlamentar, é porque julguei que faltaria ao respeito que devo a esta camara, apresentando uma proposta relativamente a um territorio, cuja occupação não está ainda pelo parlamento.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Antonio Ennes: - Visto o sr. ministro da marinha ter declarado que o projecto relativo á occupação e oqrganisação do Zaire está prompto, e que unicamente por deferencia para com a camara, que se occupa actualmente do respectivo tratado, é que o não apresentou ainda, temos a agradecer ao sr. ministro essa deferencia, mas estou convencido de que a camara nem por isso deixa de desejar que esse projecto e os respectivos documentos venham immediatamente, a fim de serem considerados e estudados conjunctamente com o tratado em discussão.
N'este sentido mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, em vista da declaração do sr. ministro da marinha de estar prompto o projecto de organisação dos territórios portuguezes do Zaire, seja convidado o governo a apresentar immediatamente esse projecto á camara emquanto dura a discussão das convenções do Zaire. = Antonio Ennes.
O sr. Consiglieri Pedroso: - A camara ouviu as declarações do sr. ministro dos negocios estrangeiros, em resposta ao requerimento feito pelo sr. Elvino de Brito.
Não serei eu que, em um assumpto que envolve melindre e responsabilidade internacional, venha aqui estabelecer uma doutrina que poderia pôr em graves embaraços os srs. ministros que têem a tratar d'este assumpto; todavia, em presença da declaração do sr. ministro dos negocios estrangeiros de que realmente existem outros documentos, alem dos que constam do Livro branco, mas que não os publicou por assim o julgar conveniente, reservando-se o uso do direito, que eu não lhe contesto, de entregar ou não á publicidade quaesquer documentos diplomaticos, é-me licito perguntar a s. exa. se tem duvida de communicar esses documentos á camara em uma sessão secreta.
(Interrupção do sr. ministro.)
O meu pensamento é este.
Comprehendo perfeitamente os motivos de melindre e de reserva da parte de s. exa. o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e não serei eu quem venha aqui levantar lhe embaraços n'este ponto, nem instar pela publicação, desde que s. exa. declara que a não acha conveniente; mas, o que pergunto, é se porventura essa reserva e esses melindres vão até ao ponto de s. exa. não poder dar conhecimento desses documentos á camara em sessão secreta.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Provavelmente o illustre deputado não considerou que hoje, pela nova lei, tem de ser discutidos em sessões publicas os assumptos internacionaes, porque para estes foram abolidas as sessões secretas e que, portanto, se eu admittisse ou conviesse em que se apresentassem em sessão secreta quaesquer documentos, isso daria logar á interpretações, que estão certamente longe do seu pensamento.
Não ha documento algum importante relativamente a este assumpto, que não venha publicado no Livro branco; faltaria, porém, á verdade, se dissesse, que n'elle se acham todos os documentos que se trocaram entre o ministerio dos estrangeiros e as diversas legações internacionaes. Digo francamente que não estão, porque considero inconveniente que alguns se publiquem. Affirmo, porém, que não ha entre elles documento algum que indique factos secretos, sobre os quaes se possam phantasiar casos tetricos, e taes que seja necessario apresental-os em uma sessão secreta, para serem apreciados.
São documentos com que entendo, não dever avolumar o Livro branco, como são, por exemplo, os telegrammas que se trocaram entre o ministerio dos estrangeiros e as diversas legações internacionaes, etc., etc. (Apoiados.)
Repito, pois, tudo quanto há de essencial sobre a negociação de que se trata, está ahi; não há nada secreto no que respeita a transacções ou compromissos do governo. Tomo a completa responsabilidade do meu silencio, como já disse, e entendo que seria faltar a todas as praticas internacionaes, compelir o governo a publicar todos os documentos sobre assumptos d'esta natureza.
Publiquei tudo quanto devia apresentar, para inteiro esclaarecimento do assumpto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas) - Pedi a palavra simplesmente para dizer ao illustre deputado, o sr. Antonio Ennes, que não procedi, como ha pouco declarei n'esta casa, por um sentimento de banal cortezia para com a camara, e sim em cumprimento de um dever; de ministro e de representante do poder executivo; porque entendi que, emquanto a camara não tiver declarado por votação que approva e acceita a idéa da occupação do Congo, eu não posso considerar como determinada essa occupação, e não posso, por consequencia,, apresentar á camara uma proposta que deve ter por base exactamente a decisão que a camara ainda não tomou.
O sr. Antonio Ennes: - E a lei do senado?!
O Orador: - Era exactamente a esse ponto que eu ia referir-me. A lei do senado foi apresentada á camara dos senhores deputados só depois de votado n'esta camada o projecto para as reformas constitucionaes, em que estava incluída a idéa da reforma da camara dos dignos pares.
O sr. Vicente Pinheiro: - E a camara dos dignos pares não vale nada?!
O Orador: - A proposta relativa ao senado foi aqui apresentada logo que esta camara approvou a reforma constitucional, e com ella a idéa de se alterar a organisação da camara dos dignos pares. (Apoiados.)
Do mesmo modo, desde que esta camara se propuncie, approvando o tratado do Congo, ser-lhe-ha igualmenfe presente o projecto para a occupação e organisação administrativa d'aquella região. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Não insisto mais no assumpto para que pedi a palavra.
O sr. ministro declarou ha pouco que se achava incommodado e não serei eu que esteja a forçal-o a fallar n'este momento.
Permitta-me, porém, o illustre ministro dizer lhe que não fui eu quem phantasiou casos tetricos.
A minha pergunta foi natural, e simplesmente como pergunta é que eu a dirigi a s. exa.
O sr. ministro, respondendo ao sr. Elvino de Brito, tinha declarado que se reservava, como ministro dos negocios estrangeiros, o direito de publicar ou não certos documentos que...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Como todos os ministros dos estrangeiro dos negocios estrangeiros e em todos os tempos.
O Orador: - Eu sei isso perfeitamente; e sei que esse direito assenta em um principio de direito internacional, e por ser assim é que eu não vim estranhado facto.
Sei muito bem que é esta a praxe em todos os parlamentos.
Mas o sr. ministro disse que havia documentos que não podia publicar; e eu, como n'esta questão do Zaire desejo ser bem elucidado, perguntei a s. exa. se teria duvida em apresentar esses documentos á camara em sessão secreta. A resposta foi affirmativa, e eu por consequencia desisti da idéa.

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1985 1935

Desde que s. exa. se recusa a apresentar á camara esses documentos e eu não posso obrigal-o a trazei-os é inútil insistir.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Antonio Ennes: - Eu insisto com v. exa. para que ponha á votação o meu requerimento.
O sr. Presidente: - Parece-me que é uma proposta e não um requerimento. (Muitos apoiados.)
E como proposta tem de seguir os tramites legaes; isto é, tem de ser primeiro admittida á discussão para ser discutida conjunctamente com o projecto. (Muitos apoiadas.)
O sr. Antonio Ennes: - Em vista d'esta classificação, que a maioria de certo approva, peço para retirar o meu requerimento. (Muitos apoiados.)
O sr. Presidente: - Não é necessario consultar a camara.
A ordem do dia para ámanhã é a que estava dada o mais o projecto n.° 93.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

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1936 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros

Proposta de lei n.º 115-B

Senhores. - Em virtude do artigo 18.° do tratado constitutivo da união geral das postas assignado era Berne aos 9 de outubro de 1874, devem os estados contratantes formar periodicamente um congresso a fim de aperfeiçoar o systema da União, introduzindo n'elle os melhoramentos que se julgarem necessarios, e de discutir os negocios communs.
Teve logar o primeiro congresso em Paris no armo dê 1878, e conforme a disposição do artigo 19.° da convenção postal, deliberou esse congresso que de novo se reunisse em Lisboa no anno de 1884. Pelo governo portuguez foram convidados a mandar os seus delegados os governes de todos os paizes que constituem a União postal universal, e por um acto de deferencia já usado n'outras occasiões, os governos dos paizes que ainda não fazem parte da mesma União.
Por proposta de alguns d'esses paizes foi o congresso adiado, em rasão da epidemia de cholera que grassou em diversos pontos da Europa, e realisou-se a sua abertura em fevereiro do corrente anno.
Os representantes das diversas nações concertaram entre si algumas disposições consignadas nos actos addicionaes, accordos e regulamentos que o governo de Sua Magestade julga convenientes ao serviço publico. Temos pois a honra de submetter ao vosso exame a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° São approvados, para serem ratificados pelo poder executivo, o acto addicional de Lisboa á convenção de 1 de junho de 1878 e respectivo protocollo; o acto addicional á convenção relativa á permutação de encommendas das postaes sem declaração de valor e respectivo protocollo; o acto addicional ao accordo relativo á permutação de vales do correio celebrado em Paris em 4 de junho de 1878; o acto addicional ao accordo relativo de cartas á permutação de cartas com valoras declarados celebrado em Paris em 1 de junho de 1878; o accordo relativo ao serviço das cobranças; o accordo relativo á introducção de livretes de identidade no serviço postal internacional.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1885. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = José Vicente Barbosa du Bocage.

Acto addicional de Lisboa á convenção do 1.º de junho de 1878

Celebrada pela Allemanha Estados Unidos da America, Republica Argentina, Austria-Hungria, Belgica, Bolivia, Brazil, Bulgaria, Chiti, Estados Unidos de Columbia de Costa Rica, Dinamarca e colonias Dinamarquezes, Republica Dommicana, Egypto, Equador, Hespanha e colonias hespanholas, França e colonias francezas, Gran-Bretanha e diversas colonias inglezas, Canadá, India britanica, Grecia, Guatemala, Republica de Haiti, reino de Hawai, Republica de Honduras, Italia, Japão, Republica de Liberia, Luxemburgo, Mexico, Montenegro, Nicargua, Paraguay, Paizes baixos e colonias portuguezes, Roumania, Persia, Portugal e colonias portuguezes, Romania, Russia, Salvador, Servia, reino de Sião, Suecia e Noruega, Suissa, Turquia, Uruguay e Estados Unidos de Venezuela.

Os abaixo assignados, plenipotenciarios dos governos dos paizes acima indicados, reunidos no congresso de Lisboa, em virtude do artigo 19.º da convenção de Paris do 1.º de junho de 1878, estipularam de commum accordo, e sob reserva de ratificação, o acto addicional seguinte:

Artigo 1.º

A convenção do 1.º de junho de 1878 fica modificada da maneira seguinte:

I

O artigo 2.º terá de ora em diante a seguinte redacção:

Artigo 2.º

As disposições d'esta convenção comprehendem as cartas, os bilhetes postaes simples e com resposta paga, os impressos de qualquer natureza, os manuscriptos e as amostras de fazendas originaes de um dos paizes da União com destino a um outro dos mesmos paizes. Applicam se igualmente aquellas disposições, pelo que respeita ao percurso dentro da area da União, á permutação postal dos referidos objectos entre os paizes da União e os que lhe são estranhos sempre que n'essa permutação tomem parte, pelo menos, duas das partes contratantes.
Os paizes contratantes não são obrigados a emittir bilhetes postaes com resposta paga, mas assumem, todavia, a obrigação de reexpedir as respostas dos bilhetes d'esta natureza que recebem dos outros paizes da União.

II

O Artigo 4.º fica modificado da maneira seguinte:
O 8.º paragrapho é substituido pela seguinte disposição:
2.º Que em todos os paizes onde os preços do transporte maritimo estão actualmente fixados em 5 francos por Kilogramma de cartas ou de bilhetes postaes, e em 50 centimos por Kilograma de outros objectos, se mantenham esses preços.
O 13.º paragrapho fica modificado do modo seguinte:
A conta geral d'essas despezas faz-se tomando por base os dados estatisticos colligidos de tres em tres annos, durante um periodo de vinte e oito dias, que será determinado no regulamento de ezecução previsto pelo artigo 14.º adiante mencionado.
O 14.º paragrapho é substituido pela disposição seguinte:
Ficam exceptuado de qualquer despeza de transito territorial ou maritimo, a correspondencia que as administrações postaes trocam entre si, as respostas dos bilhetes postaes eram resposta paga reexpedidas para o paiz de origem, os objectos reenviados ou mal dirigidos, os refugos, os avisos de recepção, os vales de correio ou avisos de emissão de vales, e todos os outros documentos relativos ao serviço postal.

III

O artigo 5.º soffre a seguinte modificação:
O 3.º paragrapho mencionará de ora em diante:
2.º Pelos bilhetes postaes 10 centunos por bilhetes simples ou por cada uma das duas partes dos bilhetes postaes com resposta paga.
A segunda phrase do 7.º paragrapho que principia pelas palavras «Como medida de transição» é supprimida.
O 14.º paragrapho ficará assim redigido:
4.º Finalmente, os maços de manuscriptos ou de impressos de qualquer natureza, cujo peso exceda 2 kilogrammas, ou que apresentem em algum dos lados dimensão superior a 45 centimos.

IV

Entre os artigos 5.º e 6.º é intercalado um novo artigo concebido nos seguintes termos:

Artigo 5.º bis

O remettente de qualquer objecto de correspondencia tem o direito de o reinar ou modificar lhe o endereço, emquanto esse objecto não for entregue ao destinatario.
Para esse fim deverá fazer-se uma requisição que será transmittida pela via postal ou telegraphica, ficando as despezas d'essa transmissão a cargo do remettente, que terá a satisfazer:
1.º Pelas requisições feitas pela via postal, a taxa applicavel a uma simples registada;

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1886 1937

2.º Pelas requisições feitas pela via telegraphica, a taxa correspondente ao telegramma, segundo a tabella ordinaria.
As disposições do presente artigo não são obrigatorias para os paizes cujas legislações não permittem aos remettentes de correspondencias que possam d'ellas dispor depois de haverem sido expedidas para o seu destino.

V

São supprimidos os ultimos cinco paragraphos do artigo 6.º, dos quaes o primeiro começa pelas palavras «No caso de perda de um objecto registado; e em seguido ao mesmo artigo accrescenta-se um outro assim concebido:

Artigo 6.º bis

No caso de perda de um objecto registado, e salvo caso do força maior, o remettente, ou a seu pedido, o destinatario tem direito a uma indemnisação de 50 francos.
Incumbe á administração que superintende na repartição expedidora o dever de pagar aquella indemnisação, podendo, todavia, recorrer para a administração responsavel, isto é, para a administração responsavel, isto é para a administração, no territorio ou no serviço do qual a perda se verificou.
Emquanto se não obtiver prova em contrario a responsabilidade pertence á administração que, não tendo impugnado a recepção do objecto registado, não póde provar a entrega ao destinatario, nem a sua regular transmissão, se a houve, á administração correspondente.
O pagamento da indemnisação pela administração expedidora deve ser effectuado no mais curto praso possivel, e o mais tardar dentro de um anno, a contar do dia da reclamação.
A administração é obrigada a reembolsar sem demora a administração exportadora da importancia de indemnisação paga por esta ultima.
Fica entendido que a reclamação da indemnisação só é admittida dentro do praso de um anno, a contar da data em que o objecto registado foi entregue no correio, passado ente praso o reclamante não tem direito a indemnisação alguma.
Se a perda de um objecto registado se verificar durante o percurso entre as repartições de troca de malas de dois paizes limitrophes, sem que se possa determinar em qual dos dois territorios ella se realisou , a respectiva indemnisação é paga ao meio pelas duas indemnisações correspondentes.
A responsabilidade das administrações pelos objectos registados cessa logo que as pessoas auctorisadas para os receber tenham tomado entrega d'ellas e passado os competentes recibos.
Como medida de transição é permittido ás administrações dos paizes situados fóra de Europa, cuja legislação é actualmente contraria ao principio da responsabilidade, adiar a execução da clausula precedente até ao dia em que hajam alcançado do competente poder legislativo a auctorisação de adherir a ella. Até então as outras administrações da União não são obrigadas a pagar indemnisação alguma pela perda, nos seus serviços, de objectos registados provenientes dos ditos paizes ou a elles destinados.

VI

Entre os artigos 9.º e 10.º é intercalado um novo artigo assim concebido:

Artigo 9.º bis

A correspondencia de qualquer natureza são a pedido dos remettentes, entregues por um portador especial, e tão depressa cheguem ao seu destino, nos domicilios dos destinatarios; isto em todos os paizes da União que resolvam encarregar-se d'este serviço nas suas relações reciprocas.
Estas remessas, que se denominam «expressos», estão sujeitas a uma taxa especial de entrega ao domicilio, taxa que é fixada em 30 centimos, e que deve ser paga adiantadamente, e por inteiro, pelo remettente, alem do porte ordinario. A referida taxa reverte a favor da administração do paiz de origem.
Se as correspondencias forem destinadas a uma localidade em que não exista repartição postal, a administração dos correios destinataria póde cobrar uma taxa complementar até á importancia do preço fixado para a entrega porexpresso no seu serviço interno, depois de feita a deducção da taxa fixa paga pelo remettente, ou da sua equivalencia na moeda do paiz que recebe a referida taxa complementar.
As correspondencias a entregar por expresso, que não estejam completamente franqueadas pela importancia total das taxas a pagar adiantedamente, distribuem-se pelos meios ordinarios.

VII

O artigo 10.º terá a redacção seguinte:

Artigo 10.º

Não se recebe supplemento algum de taxa pela reexpedicção de correspondencias no interior da União.
As correspondencias caidas em refugo não permittem a restituição dos direitos de transito que pertençam ás administrações intermediarias pelo anterior transporte das mesmas correspondencias.

VIII

Os tres primeiros paragraphos do artigo 11.º eliminados e substituidos pelas disposições seguintes:
É prohibido ao publico expedir por via do correio:
1.º Cartas ou maços contendo dinheiro em metal;
2.º Quaesquer volumes contendo objectos sujeitos a direitos de alfandega;
3.º Objectos de oiro ou prata, joias e outros objectos preciosos, sómente no caso em que a inclusão ou expedicção dos mesmos objectos prohibida pela legislação dos paizes interessados.

IX

O artigo 13.º é modificado da fórma seguinte:

Artigo 13.º

O serviço de cartas com valores declarados, de vales de correio, de encommendas postaes, de cobrança de valores, de livretes de identidade, constituem assumptos de accordos particulares entre os diversos paizes ou grupos de paizes da União.

X

O final do ultimo paragrapho do artigo 14.º, a contar das palavras «para as condicções da entrega de cartas por expressos, etc., é supprimido, ficando este paragrapho redigido d'ora em diante da seguinte fórma:
É, comtudo, permittido ás administrações interessadas entenderem-se mutuamente para a adopção de portes reduzidos n'um raio de 30 hilometros.

XI

O primeiro paragrapho do artigo 15.º fica redigido do modo seguinte:
A presente convenção não altera em cousa alguma a legislação de cada paiz na parte a que se não referirem as estipulações n'ella contidas.

XII

O artigo 17.º é modificado da seguinte fórma:

Artigo 17.º

No caso de desaccordo entre dois ou mais membros da União, relativamente á interpretação da presente convenção ou á responsabilidade de uma administração no caso de perda de um objecto registado, será regulada a questão pendente por um julgamento arbitral.
Para esse fim, cada uma das administrações litigantes escolhe um outro membro da União que não esteja directamente interessado no negocio.

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1938 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O arbitramento é resolvido por maioria absoluta de votos.
No caso de empate de votos deverão os arbitrios escolher uma outra administração igualmente desinteressada no litigio, a cargo da qual a decisão final da questão.
As disposições do presente artigo são igualmente apllicaveis a todos os accordos celebrados em virtude do artigo 13.º da convenção do 1.º de jnho de 1878, modificado pelo artigo 1.º n.º IX do presente acto addicional.

XIII

Os segundo e terceiro paragraphos do artigo 20.º mencionnarão d'ora em diante:
1.º A unanimidade dos votos, quando se tratar de modificar as disposições do presente e dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, bis, 6.º, 6.º bis, 9.º e 9.º bis precedentes;
2.º Dois terços do votos se se tratar de modificar as disposições da convenção que não sejam as estipuladas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º bis, 6.º, 6.º bis, 9.º, 9.º bis e 20.º

Artigo 2.º

1. O presente acto addicional começará a vigorar no 1.º de abril de 1886 e terá a mesma duração que a convenção celebrada em Paris no 1.º de junho de 1878.
2.º O referido acto será ratificado logo que seja possivel, e os respectivos actos de ratificação serão trocados em Lisboa.
Em firmeza de que, os plenipotenciarios dos paizes acima mencionados assignaram o presente acto addicional em Lisboa, no dia 21 de março de 1885.
Por Portugal, Guilhermino Augusto de Barros = Ernesto Madeira Pinto.
Pelos Estados Unidos da America, William T. Otto = Jas. S. Crawford.
Pela Republica Argentina, F. P. Hansen.
Pela Austria, Dewez = Varges.
Pela Hungria, Gerway.
Pela Belgica, F. Gife.
Pela Bolivia, Joaquim Caso.
Pelo Brazil, Luiz C. P. Guimarães.
Pela Bulgaria, R. Ivanoff.
Pelo Chili, M. Martinez.
Pelos Estados Unidos da Columbia, Cesar Conto.
Pela Republica da Costa Rica,
Pela Dinamarca e colonias dinamarquezes, Lund.
Pela Republica Dominicana, P. Gomes da Silva.
Pelo Egypto, W. F. Hulton.
Pelo Equador, Antonio Flores.
Pela Hespanha e colonias hespanholas, S. Alvarez Bugallal = A. Herce.
Pela França, Loboulage = A. Besnier.
Pelas Colonias francezas, Labloulage.
Pela Gran-Bretanha e diversas colonias inglezas, S. A. Blackwood = H. Bruxton Forman.
Pelo Canadá, S. A. Blackwood = H. Buxton Forman.
Pela India britannica, H. E. M. James.
Pela Grecia, Eugène Borel.
Pela Guatemala, J. Garrera.
Pela republica de Haiti, Laboulaye = Ansault.
Pelo reino de Hawai, Eugène Borel.
Pela republica de Honduras, J. Carrera.
Pela Italia, J. B. Tantesia.
Pelo Japão, Yasushi Nomara.
Pela republica de Liberia, Conte Senmarti.
Pelo Luxemburgo, Ch. Rischard.
Pelo Mexico, L. Breton y Vedra.
Pelo Montenegro, Dewez = Varges.
Por Nicaragua, Manuel J. Alves Diniz.
Pelo Paraguay, F. A. Rebello.
Pelos Paizes Baixos e colonias neerlandezas, Hofstede = B. Sweerts de Landas = Wyborgh.
Pelo Perú,
Pela Persia, N. Semino.
Pelas colonias portuguezas, Guilhermino Augusto de Barros.
Pela Romania, Jon Ghika.
Pela Russia, N. de Besack = Georges de Poggenpohl.
Pelo Salvador,
Pela Servia.
Pelo reino de Sião, Prisdang.
Pela Suecia, W. Roos.
Pela Noruega, Harald Asche.
Pela Suissa, Ed. Hohn.
Pela Turquia,
Pelo Urrugay, Henrique kubly.
Por Venesuela, J. L. Pereira Crespo.
Pela Allemanha, Sachse = Fritsch.
Está conforme. - secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1885. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.

Protocollo final

No momento de se proceder á assignatura das convenções estipuladas pelo congresso postal universal de Lisboa, os plenipotenciarios abaixo assignados convieram no seguinte:

I

O Perú, o salvador, a Servia e a Turquia, que fazem parte da União postal, não se tendo feito representar no congresso, o protocollo fica-lhes aberto para poderem adherir ás convecções que ahi foram celebradas, ou sómente a uma ou outra d'entre ellas. Da mesma fórma com respeito á republica da Costa Rica, cujo representante não assiste á sessão na qual estes actos serão assignados.

II
As colonias britanicas da Austria e as colonias britannicas do Cabo e do Natal serão admittidas a adherir a estas convenções ou a uma ou outra d'entre ellas, e o protocollo fica-lhes para esse effeito aberto.

III

O protocollo está a favor dos paizes cujos representantes só assignaram a convenção principal, ou apenas uma parte das convenções estipuladas pelo congresso, com o fim de lhes permittir a adhesão ás outras convenções assignadas hoje, ou a uma ou outra d'entre ellas.

IV

As adhesões nos artigos I, II e III antecedentes deverão ser notificados ao governo portuguez, pelos respectivos governos, em fórma diplomatica. O praso que lhes é concedido para esta notificação terminará no 1.º de fevereiro de 1886.

V

Os representantes dosapizes que não adheriram até ao presente a uma ou outra das seguintes convenções; a saber:
Convenção do 1.º de junho de 1878;
Accordo, com a data do 1.º de junho de 1878, relativo á permutação de cartas com valor declarado;
Accordo de 4 de junho de 1878, relativo á permutação
De vales do correio;
Convenção de 3 de novembro de 1880, relativa á permutação de encommendas postaes sem declaração de valor;
Tendo sido admittidos a tomar parte nos actos addicionaes, modificado e completando as convenções e accordos, a sua assignatura em um d'estes actos addiccionaes implica de sua parte, sob reserva de ratificação, adhesão, em nome do seu paiz, á convenção ou ao accordo ao qual este acto addicional se refere, a contar da data em queeste ultimo começar a ter vigor.

VI

Dado o caso que uma ou mais partes contratantes das

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1339

convenções postaes assignadas hoje em Lisboa, não ratifique uma ou outra d'estas convenções, esta convenção não terá menos validade para os estados que a tenham ratificado.
Em firmeza do que os plenipotenciarios abaixo indicados lavraram o presente protocollo final, que terá a mesma força e o mesmo valor que se as disposições n'elle contidas estivessem incluidas nas proprias convenções, ás quaes se refere, e o assignaram em um exemplar, que ficará depositado nos archivos do governo portuguez, e do qual será entregue um copia a cada uma das partes.
Lisboa, 21 de março de 1885.
Pela Allemanha, Sachse = Fritsch.
Pelos Estados Unidos da America, William T. Otto = Jas S. Crawford.
Pela Republica Argentina, F. P. Hansen.
Pela Austria, Dewez = Varges.
Pela Hungria, Gervay.
Pela Belgica, F. Gife.
Pela Bolivia, Joaquin Caso.
Pelo Brazil, Luiz C. P. Guimarães.
Pela Bulgaria, R. Ivanoff.
Pelo Chili, M. Martinez.
Pelos Estados Unidos da Colombia, Cesar Conto.
Pala Republica de Costa-Rica,
Pela Dinamarca e colonias dinamarquezas, Lund.
Pela Republica Dominicana, P. Gomes da Silva.
Pelo Egypto, VV. F. Halton.
Pelo Equador, Antonio Flores.
Pela Hespanha e colonias hespanholas, S. Alvarez Bugallal = A. Herce.
Pela França, Laboulaye = A. Besnier.
Pelas colonias francezas, Laboulaye.
Pela Gran-Bretanha e diversas colonias inglezas, S. A. Blackwood = H. Buxton Forman.
Pelo Canadá, S. A. Blackwood = H. Buxton Forman.
Pela India Britannica, H. E. M. James.
Pela Grecia, Eugene Borel.
Pela Guatemala, J. Carrera.
Pela Republica de Haiti, Laboulaye = Ansault.
Pelo reino de Hawai, Eugène Borel.
Pela Republica de Honduras, J. Carrera.
Pela Italia, J. B. Tantesio.
Pelo Japão, Yasushi Nomura.
Pela Republica de Liberia, Comte Senmarti.
Pelo Luxemburgo, Ch. Rischard.
Pelo Mexico, L. Breton y Vedra.
Pelo Montenegro, Dewez = Varges.
Por Nicaragua, Manuel J. Alvas Diniz.
Pelo Paraguay, F. A. Rebello.
Pelos Paizes Baixos e colonias neerlandezas, Hofstede = B. Sweerts de Landas-Wyborgh.
Pelo Peru,
Pela Persia, N. Semino.
Por Portugal, Guilhermino Augusto de Barros = Ernesto Madeira Pinto.
Pelas colonias portuguezas, Guilhermino Augusto de Barros.
Pela Romania, Jon Ghika.
Pela Russia, N. de Besack = Georges de Poggenpohl.
Pelo Salvador,
Pela Servia,
Pelo reino de Siam, Prisdang.
Pela Suecia, VV. Roos.
Pela Noruega, Harald Asche.
Pela Suissa, Ed. Holm.
Pela Turquia,
Pelo Uruguay, Enrique Kubly.
Pela Venezuela, J. L. Pereira Crespo.

Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1880. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.

Acto addicional de Lisboa á convenção de 3 de novembro de 1880 relativa á permutação de encommendas postaes sem declaração de valor

Celebrada pela Allemanha, Republica Argentina, Austria-Hungria, Belgica, Brasil, Bulgária, Chili, Dinamarca, Antinhas dinamarquezas, Republica Dominicana, Egypto, Hespanha, França, Colonias francezas, Grecia, Italia, Luxemburgo, Montenegro, Paraguay, Paizes Baixos, Pérsia, Portugal, Colónias portuguesas, Romania, Servia, Suécia e Noruega, Suissa, Turquia e Venezuela.

Os abaixo assignados, plenipotenciarios dos governos dos paizes acima designados, reunidos no congresso de Lisboa, em virtude do artigo 16.° da convenção celebrada em 3 de novembro de 1880, relativa á troca de encommendas postaes sem declaração de valor, estipularam de commum accordo e sob reserva de ratificação o acto addicional seguinte:

Artigo 1.°

A convenção de 3 de novembro de 1880, relativa á permutação de encommendas postaes sem declaração de valor, é modificada do modo seguinte:

I

O artigo 1.° é substituído pelas disposições seguintes:

Artigo 1.°

I. Podem ser expedidos, com a denominação de encommendas postaes, de um dos paizes acima mencionados para outro dos mesmos paizes, quaesquer volumes com, ou sem declaração de valor, cujo peso não exceda a 5 kilogrammas. Estas encommendas podem ser oneradas de reembolso até á quantia de 500 francos.
Contudo, cada paiz póde, a seu arbitrio:
a) Limitar a 3 kilogrammas o peso das encommendas com destino ás suas estações;
b) Não se encarregar de encommendas com declaração de valor, nem de encommendas oneradas de reembolso, nem de encommendas de difficil manipulação.
Cada paiz fixa na parte que lhe diz respeito o limite maximo da declaração de valor, a qual não pôde, em caso algum, ser inferior a 500 francos.
Nas relações entre dois ou mais paizes que tenham adoptado limites maximos differentes, é o limite menos elevado o que deve ser reciprocamente seguido.
2.° O regulamento de execução determina as outras condições em que as encommendas são admittidas ao transporte, e define principalmente as encommendas que devem ser consideradas de difficil manipulação.

II

As disposições seguintes são addicionadas ao artigo 3.º, como §§ 3.° e 4.°:
3. Para as encommendas de difficil manipulação, os abonos fixados nos §§ 1.° e 2.° antecedentes são augmentados com 50 por cento.
4. Independentemente destas despezas de transito, a administração do paiz de origem é devedora, a titulo de prémio de seguro pelas encommendas com valor declarado, a cada uma das administrações por onde se effectua com responsabilidade o transporte terrestre ou marítimo de um porte proporcional similhante ao que se cobra pelas cartas com valor declarado.

III

a) As seguintes disposições são addicionadas ao artigo 5.° e formam os §§ 2.°, 3.° e 4.° desse artigo:
2. As encommendas de difficil manipulação ficam sujeitas a um porte addicional de 50 por cento, que se arredonda quando haja motivo para isso, por 5 centimos.
3. As encommendas com valor declarado, addiciona-se um premio de seguro igual ao que se cobra pelas cartas com valor declarado.
4. O expedidor de uma encommenda onerada de reembolso, tem que pagar um porte especial que não póde exceder 2 por cento da quantia a cobrar.

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1940 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A administração do paiz de origem tem a faculdade de cobrar uma quantia não inferior a 20 centimos e de arredondar as fracções por 5 centimos.
Este porte é dividido em partes iguaes entre a administração do paiz de origem e a do paiz de destino.
b) Os §§ 2.°e 3.° do mesmo artigo são substituídos peles §§ 5.° e 6.° seguintes:
5. Como medida transitoria, cada um dos paizes contratantes tem a faculdade de applicar ás encommendas postaes provenientes ou com destino ás suas repartições um porte addicional de 25 centimos por encommenda.
Este porte addicional é por excepção elevado a 75 centimos para a Republica Argentina, Brazil, Chili, Paraguay, Persia, Suecia e Venezuella.
6. O transporte entre a França continental por um lado, a Algeria e a Corsega por outro dá igualmente logar a um porte supplementar de 25 centimos por encommenda.
c) Ao artigo 5.° junta se a seguinte disposição, que fica formando o § 7.°
7. O remettente de uma encommenda postal póde obter aviso do recepção do objecto enviado, pagando adiantadamente um prémio fixo de 25 centimos pelo maximo. Este premio pertence por inteiro á administração do paiz de origem.

IV

Artigo 6.°

O artigo. 6.° é substituido pelas disposições seguintes:
A administração expedidora abona por cada encommenda;
a) A administração destinataria, 50 centimos, com o addicionamento se houver logar para isso, dos portes addicionaes previstos nos §§ 2.°, 5.° e 6.° do artigo 5.° antecedente, da metade do prémio de reembolso previsto no § 4.° d'este artigo, e de um porte de 5 centimos por cada 200 francos ou fracção de 200 francos de valor delarado.
b) Eventualmente, a cada administração intermediária os portes fixados no artigo 3.°

V

O artigo 9.° é completado pelo seguinte modo:

Artigo 9.°

A reexportação, de um para outro paiz, de encommendas postaes, por motivo de mudança de residencia dos destinatarios, bem como a devolução das encommendas postaes caídas em refugo, dá logar á cobrança supplementar dos portes fixados no artigo 5.°, a cargo dos destinatarios, ou quando se der o caso, dos expedidores, sem prejuízo do reembolso dos direitos de alfândega ou de outros já recebidos.

VI

O artigo 10.° é substituido pelas disposições seguintes:

Artigo 10.°

1. É prohibido expedir por intermedio do correio encommendas quer contendo cartas ou notas com o caracter de correspondência, quer objectos cuja administração não 6 auctorisada pelas leis ou regulamentos de alfendega ou outros.
É igualmente prohibido expedir dinheiro em metal, artigos de oiro, prata e outros objectos preciosos, nas encommendas sem valor declarado com destino a paizes que admittam a declaração de valor.
2. Dado o caso que uma encommenda contendo algum dos objectos prohibidos seja expedida por uma administração da União a outra administração da União, esta procede da maneira e na fórma prevista pela sua legislação e pelos seus regulamentos internos.

VII

Os §§ 1.° e 2.° do artigo 11.° são substituídos pelas seguintes disposições:
I. Salvo caso de força maior, quando uma encommenda postal se perder, for espoliada ou avariada, o remettente e, na sua falta ou a pedido deste o destinatario, tem direito a uma indemnisação correspondente á importancia real da perda ou da avaria, som, comtudo, que esta indemnisação possa exceder, nas encommendas ordinarias 25 francos, e nas encommendas com valor declarado, a importancia do seu valor. Comtudo, para as administrações que adoptaram o limite de 3 kilogrammas, a indemnisação pelas encommendas sem valor declarado, não póde exceder 15 francos.
O remettente de uma encommenda perdida, tem, alem disso, direito á restituição das despezas de expedição.
2. A obrigação de pagar a indemnisação incumbe á administração d'onde depende a repartição expedidora. É reservada a esta administração o recurso, contra a administração responsavel, isto é, contra a administração em cujo territorio ou serviço teve logar a perda, espoliação ou avaria.

VIII

As seguintes disposições são intercaladas entre os artigos 11.º e 12.º e formam os artigos 11.º bis e 11.º ter.

Artigo 11.º bis

É prohibida toda a declararão fraudulenta de valores superior ao valor real do conteúdo de uma encommenda. No caso de declaração fraudulenta d'esta natureza o remettente perde todo o direito á indemnisação, sem prejuizo dos processos juciciarios que se possam intentar em conformidade com a legislação do paiz de origem.

Artigo 11.° ter

Cada administração póde suspender temporariamente o serviço das encommendas postaes de um modo geral ou parcial, quando haja circunstancias extraordinarias que possam justificar similhante medida, com a condição, porém, de dar d'isso immediatamente aviso pelo telegrapho, se for preciso, á administração ou administrações interessadas.

IX

No § 2.° do artigo 14.°, o praso de quatro mezes é substituído pelo de seis mezes.

X

Os novos artigos 11.° bis e 11.° ter são intercalados no § 2.°, letra A, do actual artigo 17.°, entre os n.ºs 11.° e 16.°

Artigo 2.°

1. O presente acto addicional começará a vigorar no 1.° de abril de 1886.
2. Será ratificado logo que seja possível. Os actos de ratificação serão trocados em Lisboa.
Em firmeza do que os respectivos plenipotenciarios assignaram o presente acto addicional em Lisboa, rio dia 21 de março de 1885. Por Portugal, Guilhermino Augusto de Burros = Ernesto Madeira Pinto.
Pela Allemanha, Sachse, = Fritsch.
Pela Republica Argentina, F. P. Hansen.
Pela Austria, Dewez = Varges.
Pela Hungria, Gerway.
Pela Belgica, F. Gife.
Pelo Brazil, Luiz C. P. Guimarães.
Pela Bulgaria, R. Ivanoff.
Pelo Chili, M. Martinez.
Pela Dinamarca e Antilhas dinamarquesas, Lund.
Pela Republica Dominicana,
Pelo Egypto, VV. F. Halton.
Pela Hespanha, S. Alvarez Bugallal = A. Herce.
Pela França, Laboulaye = A. Besnier.
Pelas colonias francezas, Laboulaye.
Pela Grecia, Eugène Borel.
Pela Italia, J. B. Tantesio.
Pelo Luxemburgo, Ch. Rischard.
Pelo Montenegro, Dewez = Varges.
Pelo Paraguay, F. A. Rebello.

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Pelos Paizes Baixos, Hofstede = B. Sweerts de Landas Wyborgh.
Pela Persia,
Pelas colonias portuguezas, Guilhermino Augusto de Barros.
Pela Romania,
Pela Suecia, VV. Roos.
Pela Noruega, Harald Asche.
Pela Suissa, Ed Höhn.
Pela Turquia,
Pela Venesuella, J. L. Pereira Crespo.
Pelo Uruguay, Enrique Kubly.
Pela Servia,
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1885. = D. G. Nogueira Soares.

Protocollo final

No momento de se proceder á assignatura do acto addicional celebrado na presente data, relativo á permutação das encommendas postaes, os plenipotenciarios abaixo assignados convieram no que se segue:
Qualquer paiz em que actualmente o correio não se encarregue do transporte de pequenas encommendas e que adherir á mencionada convenção e acto addicional, terá a faculdade de fazer executar as suas clausulas pelas emprezas de caminhos de ferro e de navegação. Poderá tambem limitar este serviço ás encommendas provenientes ou com destino a localidades servidas por estas emprezas.
A administração postal d'esse paiz deverá entender-se com as emprezas de caminhos de ferro e de navegação para assegurar a completa execução, por estas ultimas, de todas as clausulas da convenção e do acto addicional, especialmente para organisar o serviço do troca na fronteira.
Servir-lhe-ha de intermediaria em todas as suas relações com as administrações postaes dos outros paizes contractantes e com a secretaria internacional.
Em firmeza do que, os plenipotenciários abaixo indicados lavraram o presente protocollo final, que terá a mesma força e o mesmo valor que se as disposições n'elle contidas estivessem inseridas na convenção e no acto ao licional e o assignaram em um exemplar que ficará depositado nos archivos do governo portuguez e do qual será entregue uma copia a cada uma das partes.
Feito em Lisboa, no dia 21 de março de 1885.
Pela Allemanha, Sachse = Fritsch.
Pela Republica Argentina, F. P. Hansen.
Pela Austria, Dewez = Varges.
Pela Hungria, Gervay.
Pela Belgica, F. Gife.
Pelo Brasil, Luiz C. P. Guimarães.
Pela Bulgaria, R. Ivanoff.
Pelo Chili, M. Martinez.
Pela Dinamarca, colonias dinamarquesas, Lund.
Pela Republica Dominicana,
Pelo Egypto, VV. F. Halton.
Pela Hespanha, S. Alvarez Bugallal = A. Herce.
Pela França, Laboulaye = A. Besnier.
Pelas colonias francezas, Laboulaye.
Pela Grecia, Eugene Borel.
Pela Italia, J. B. Tantesio.
Pelo Luxemburgo, Ch. Richard.
Pelo Montenegro, Dewez = Varges.
Pelo Paraguay. F. A. Relello.
Pelos Paizes Baixos, Hofstede = B. Swerts de Landas = Wyborgh.
Pela Persia,
Por Portugal, Guilhermino Augusto de Barros = Ernesto Madeira Pinto.
Pelas colonias portuguezas, Guilhermino Augusto de Barros.
Pela Romania,
Pela Servia,
Pela Suecia, VV. Roos.
Pela Noruega, Harald Asche.
Pela Suissa, Ed. Höhn.
Pela Turquia,
Pela Venesuela, J. L. Pereira Crespo.
Pelo Uruguay, Enrique Kully.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1884. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.

Acto addicional de Lisboa ao accordo relativo á permutação de vales do correio

Celebrado pela Allemanha, Republica Argentina, Austria-Hungria, Belgica, Brazil, Bulgaria, Chili, Dinamarca, Antilhas dinamarquezas, Republica dominicana, Egypto, França, Colonias francezas, Italia, Japão, Luxembrugo, Paizes Baixos, Persia, Portugal, Colonias portuguezas, Romania, Suecia e Noruega, Suissa, Uruguay e Venezuela, e Republica da Liberia.

Os abaixo assignados, plenipotenciarios dos governos dos paizes acima indicados, reunidos no congresso de Lisboa, em virtude dos artigos 13.º e 19.° da convenção de Paris, de 1 de junho de 1878, estipularam de commum accordo, e sob reserva de ratificação, o acto addicional seguinte:

Artigo 1.º

A accordo de 4 de junho de 1878, relativo á permutação de vales do correio, soffre as seguintes alterações:
I. Ao artigo 3.° é addicionada, entre os §§ 3.° e 4.º uma nova disposição concebida n'estes termos:
3.° bis O remettente de um vale póde obter um aviso do pagamento da mesmo vale, satisfazendo adiantadamente, em proveito exclusivo da administração do paiz de origem, uma taxa fixa igual á que n'esse mesmo paiz se recebe pelos avisos de recepção das correspondencias registadas.
II. Entre os artigos 3.° e 4.°, acrescenta-se o novo artigo seguinte:

Artigo 3.° bis

1. Os vales de correio podem transmittir-se pelo telegrapho, entre as administrações que resolvam utilisar-se d'esta fórma de transmissão nas suas mutuas relações, sendo, em tal caso, os alludidos vales qualificados de vales telegraphicos.
2. O remettente de um vale telegraphico tem a pagar:
1.° A taxa ordinaria dos vales de correio;
2.° A taxa do telegramma.
3. Os vales telegraphicos, á similhança do que acontece com os telegrammas ordinarios, e nas mesmas condições destes, podem ser urgentes, conferidos ou entregues por proprio ou pelo correio. Igualmente lhes pôde ser applicavel o pedido de certificado de recepção.
4. Os vales telegraphicos não podem ser onerados de direito algum alem dos previstos no presente artigo, ou dos que devam ser-lhes impostos em conformidade dos regulamentos telegraphicos internacionaes.
III. No primeiro paragrapho do artigo 4.° as palavras «em moeda metallica» são substituidas pelas palavras «em moeda de oiro».
IV. O artigo 6.° fica redigido da seguinte fórma:
As estipulações do presente accordo não restringem o direito das partes contratantes de manter e de celebrar accordos especiaes, assim como de manter e de estabelecer uniões mais intimas, tendentes ao melhoramento do serviço dos vales de correio internacionaes.
V. Os §§ 2.° e 3.° do artigo 10.° são modificados da maneira seguinte:
1.° A unanimidade dos votos, quando se tratar da modificação dos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 3.° bis, 4.°, 10.° e 11.° do presente accordo;
2.° Dois terços dos votos, quando se tratar da modificação de outras disposições que não sejam as dos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 3.° bis, 4.°, 10.° e 11.°

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1942 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Artigo 2.°

I. O presente acto addicional começará a vigorar em 1 de abril de 1886.
Será ratificado logo que seja possível, e os respectivos actos de ratificação trocar-se hão em Lisboa.
Em firmeza do que, os plenipotenciarios dos paizes acima indicados assignaram o presente acto addicional em Lisboa, aos 21 de março de 1885.
Por Portugal, Guilhermino Augusto de Barros = Ernesto Madeira Pinto.
Pela Allemanha, Sachse = Fritsch.
Pela Republica Argentina, F. P. Hansen.
Pela Austria, Dewez = Varges.
Pela Hungria, Gervay.
Pela Belgica, F. Gife.
Pelo Brazil, Luiz C. P. Guimarães.
Pela Bulgaria, R. Ivanoff.
Pelo Chili, M. Martinez.
Pela Dinamarca e Antilhas dinamarquezas, Lund.
Pela Republica Dominicana,
Pelo Egypto, W. F. Halton.
Pela França, Laboulaye = A. Besnier.
Pelas colonias francezas, Laboulaye.
Pela Italia, J. B. Tantesio.
Pelo Japão, Yasushi Nomura.
Peio Luxemburgo, Ch. Reichard.
Pelos Paizes Baixos, Hofstede = B. Sweerts de Laudas-Wyborgh.
Pela Persia,
Pelas colonias portuguezas, Guilhermino Augusto de Barros.
Pela Romania, Jon Ghika.
Pela Suecia, W. Roos.
Pela Noruega, Harald Asche.
Pela Suissa, Ed. Höhn.
Pelo Uruguay, Enrique Kubly.
Pela Venezuela,
Pela Republica da Liberia, Conde Senmarti.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1885. - Duarte Gustavo Nogueira Soares.

Acto addicional de Lisboa ao accordo relativo á permutação de cartas com valores declarados

Celebrado pela Allemanha, Austria-Hungria, Bélgica, Bulgaria, Dinamarca, colonias dinamarquezas, Republica Dominicana, Egypto, Hespanha, França, colonias francezas, Italia, Luxemburgo, Paizes Baixos, Portugal, colonias portuguezas, Romania, Russia, Suecia e Noruega, Suissa e Venezuela.

Os abaixo assignados, plenipotenciarios dos governos dos paizes acima designados, reunidos no congresso de Lisboa, em virtude do artigo 16.° do accordo celebrado em Paris em 1 de junho de 1878, relativo á permutação de cartas com valores declarados; estipularam de commum accordo, e sob reserva de ratificação o acto addicional seguinte:

Artigo 1.°

O accordo do 1.° de junho de 1878, relativo á permutação de cartas com valores declarados, é modificado do modo seguinte:
I O artigo 1.° é modificado por forma que na segunda parte, a quantia de 10:000 francos, substitua a de õ:000 francos.
II O artigo 6.° é completado pela seguinte disposição, que formará um segundo paragrapho do mesmo artigo:
Dado o caso de declaração fraudulenta desta natureza, o expedidor perde completamente o direito á indemnisação, independentemente dos processos judiciaes que possam ser intentados em virtude da legislação do paiz de origem.
III O artigo 8.° é modificado do modo seguinte: A segunda parte do § 1.° passa a ter a seguinte redacção: Comtudo no caso de perda ou de subtracção parcial inferior ao valor declarado, só é reembolsada a importância da perda.
O ultimo período da quinta parte do mesmo paragrapho fica daqui em diante concebido nos seguintes termos:
A administração responsável é obrigada a reembolsar, sem demora, por meio de letra ou vale do correio, á administração remettente, a totalidade da indemnisação paga por esta.
O § 2.° fica redigido da maneira seguinte:
A administração por conta da qual é feito o reembolso da importancia dos valores declarados que não chegaram ao leu destino, fica subrogada em todos os direitos do proprietario dos referidos valores.
Ficam supprimidas no final do § 4.° as palavras «as receberam».
IV A segunda parte do artigo 13.° fica modificada do seguinte modo:
1.° A unanimidade dos votos se se tratar da modificação das disposições d'este artigo, bem como dos artigos 1.°, 2.°, 3.º, 4.° e 8.° precedentes.

Artigo 2.°

I O presente acto addicional começará a vigorar no 1.° de abril de 1886.
II Será ratificado logo que seja possivel. Os actos de ratificação serão trocados em Lisboa.
Em firmeza do que, os plenipotenciários dos paizes acima designados assignaram o presente acto addicional em Lisboa, no dia 21 de março de 1885.
Por Portugal, Guilhermino Augusto de Barros = Ernesto Madeira Pinto.
Pela Allemanha, Sachse = Fritsch.
Pela Austria, Dewez = Varges.
Pela Hungria, Gervay.
Pela Belgica, F. Gife.
Pela Bulgaria, R. Ivanoff.
Pela Dinamarca e colónias dinamarquezas, Lund.
Pela Republica Dominicana, P. Gomes da Silva.
Pelo Fgipto, W. F. Halton.
Pela Hespanha, S. Alvarez Bugallal = A. Herce.
Pela França, Laboulaye = A. Besnier.
Pelas colonias francezas, Laboulaye.
Pela Italia, J. B. Tantesio.
Pelo Luxemburgo, Ch. Rischard.
Pelos Paizes Baixos, Hofstede - B. Sweerts de Landas = Wyborgh.
Pelas colonias portuguezas, Guilhermino Augusto de Barros.
Pela Romania,
Pela Russia, N. de Bésack = Georges de Poggenpohl.
Pela Suecia, W. Roos.
Pela Noruega, Harald Asche.
Pela Suissa, Ed. Höhn.
Pela Venezuela, J. L. Pereira Crespo.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1885. - Duarte Gustavo Nogueira Soares.

Accordo relativo ao serviço das cobranças

Celebrado pela Allemanha, Austria-Hungria, Belgica, Egypto, França, Itália, Luxemburgo, Portugal, colonias portuguezas, Romania, Suissa e Republica de Liberia

Os abaixo assignados, plenipotenciarios dos governos dos paizes acima designados, estipularam de commum accordo e sob reserva de ratificação o seguinte accordo:

Artigo 1.°

A permutação de valores a cobrar por intermedio do correio entre os paizes contratantes que se encarregam reciprocamente d'este serviço, é regulada pelas disposições do presente accordo.

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1943

Artigo 2.°

1. São admittidos á cobrança os recibos, facturas, ordens de pagamento, letras de cambio e em geral todos os valores commerciaes ou quaesquer outros, pagáveis sem despezas e cuja importância não exceda, por cada remessa, 1:000 francos effectivos ou uma quantia equivalente na moeda de cada paiz. As administrações postaes de dois paizes correspondentes podem, de commum accordo adoptar um maximo mais elevado.
2. As administrações postaes dos paizes contratante podem igualmente encarregar se de fazer protestar os titulos commerciaes e tomar, de commum accordo, as necessárias disposições com respeito a este serviço.

Artigo 3.°

A importancia dos valores a cobrar pelo correio deve ser indicada na moeda do paiz encarregado da cobrança

Artigo 4.°

1. A remessa dos valores a cobrar faz-se em fórma de carta registada, dirigida directamente pelo depositante dos valores á repartição postal que deve cobrar as respectivas importancias.
2. A mesma remessa póde conter differentes valores a cobrar pela mesma repartição postal de diversos devedores em proveito de um mesmo credor.

Artigo 5.°

1. O porte de uma remessa feita em conformidade do artigo 4.° antecedente é o de uma carta registada de peso igual ao da mesma remessa. Este porte pertence por inteiro á administração postal do paiz de origem.
2. No acto do deposito da carta contendo valores entrega-se gratuitamente ao interessado um recibo dessa mesma carta.

Artigo 6.°

Não se admittem pagamentos parciaes. Os valores devem ser pagos integralmente de uma só vez e não o sendo consideram-se como recusados.

Artigo 7.°

1. A administração postal encarregada da cobrança percebe sobre a importancia de cada valor cobrado uma percentagem de 10 centimos ou a sua equivalencia na moeda do paiz de destino.
2. O producto d'esta retribuição não dá logar a conta alguma entre as duas administrações interessadas.

Artigo 8.°

Nas relações entre os paizes onde actualmente o direito de cobrança é superior ao que se acha fixado no artigo antecedente tem as administrações interessada» a faculdade de conservar provisoriamente esse direito comtanto que nessas mesmas relações se limite a um porte fixo de 25 centimos o porte previsto no artigo 5.° precedente.

Artigo 9.°

1. A importancia cobrada depois de deduzidos:
a) A percentagem fixada no artigo 7.° ou no artigo 8.° conforme o caso;
b) O premio ordinario dos vales do correio, e
c) Os direitos fiscaes, havendo-os, applicaveis aos valores.
Converte-se pela repartição que fez a cobrança em um vale do correio a favor do depositante, vale que lhe é enviado sem despeza alguma.
2. Os valores que não forem cobrados reenviam-se á repartição remettente, livres de porte e de qualquer outro direito. A administração dos correios encarregada da cobrança não é obrigada a medida alguma ulterior, nem a provar a rasão da falta de pagamento.

Artigo 10.°

As disposições do accordo relativo á permutação de vales do correio são applicaveis em tudo o que não for contrario ao presente accordo aos vales do correio emittidos em virtude do artigo 9.° precedente para a liquidação dos valores cobrados por intermedio do correio.
2. Estes vales admittem-se até ao maximo fixado no § 1.° do artigo 2.°

Artigo 11.°

1. Salvo o caso de força maior, quando se perder uma carta contendo títulos a cobrar, pagar-se-ha ao depositante uma indemnisação de 50 francos nas condições determinadas pela convenção principal. A excepção contida no ultimo paragrapho do artigo 6.° bis d'esta convenção não é applicavel ás remessas de cobranças.
2. No caso de perda das quantias cobradas, a administração, a cujo serviço se attribue a perda, é obrigada ao reembolso integral das quantias perdidas.

Artigo 12.°

As administrações não são responsáveis pelas demoras da transmissão, quer das cartas registadas contendo valores para cobrar, quer dos proprios valores ou vales do pagamento.

Artigo 13.°

As estipulações do presente accordo não restringem o direito às partes contratantes, de manter ou estipular accordos especiaes, bem como de conservar e estabelecer uniões mais restrictas, com o fim de melhorar o serviço de cobranças internacionaes.

Artigo 14.°

Alem d'isto o presente accordo não affectará a legislação interna dos paizes contratantes em tudo quanto se não achar previsto por este accordo.

Artigo 15.°

1. Fica entendido que na falta de disposições formaes no presente accordo, cada administração tem a faculdade de applicar as disposições que regem as cobranças no seu serviço interno.
2. Comtudo é formalmente prohibido, receber-se, quer no paiz de origem, quer no paiz de destino, qualquer porte ou percentagem que não sejam os previstos no presente accordo.

Artigo 16.°

Cada administração póde, em circumstancias extraordinarias de natureza tal que justifiquem similhante medida, suspender temporariamente o serviço das cobranças, de uma maneira geral ou parcial, com a condição de dar d'isso immediatamente aviso, e se necessario for pelo telegrapho á administração ou administrações interessadas.

Artigo 17.°

1. As administrações postaes dos paizes contratantes admittem ao serviço das cobranças todas as repartições encarregadas de serviço de vales internacionaes.
2. Regulam de commum accordo o modo de depositar e remetter os valores a cobrar, bem como quaesquer outras medidas regulamentares necessárias para assegurar a execução do presente accordo.

Artigo 18.°

Os estados da União que ainda não tomaram parte n'este accordo, podem adherir a elle a seu pedido e na fórma prescripta pela convenção principal na parte que se refere ás adhesões á união postal universal.

Artigo 19.°

1. No intervallo que medeia entre as reuniões previstas na convenção principal, qualquer administração postal de um dos paizes contratantes tem o direito de dirigir ás outras administrações que fazem parte d'este accordo, por intermedio da repartição internacional, propostas relativas ao serviço das cobranças. Porém, para que essas propostas tenham effeito executivo, devem reunir, a saber:
1.° A unanimidade dos votos, se se tratar da modificação dos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.º, 5.°, 6.º, 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.°, 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 20.° do presente accordo;

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1944 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

2.° Os dois terços dos votos, se se tratar da modificação do artigo 17.°;
3.° A simples maioria absoluta se se tratar da interpretação das disposições do presente accordo.
2. As resoluções que se tomarem são sanccionadas, nos dois primeiros casos, por uma declaração diplomática, e no terceiro caso por uma simples notificação administrativa segundo a fórma prevista na convenção principal.

Artigo 20.°

1. O presente accordo começará a vigorar no 1.º de abril de 1886.
2. Terá a mesma duração que a convenção principal, sem prejuizo dos direitos reservados a cada paiz, de se retirar d'este accordo mediante aviso dado, com um anno de antecedencia, pelo seu governo ao governo da Confederação Suissa. Durante este ultimo anuo, o accordo continuará a ter a plena execução, sem prejuizo da liquidação e do saldo das contas depois de espirar o dito praso.
São derogadas, a contar do dia em que este accordo for posto em execução, todas as disposições estipuladas anteriormente entre os diversos governos ou administrações das partes contratantes, quando taes disposições não possam harmonisar-se com as disposições do presente accordo, e sem prejuizo dos direitos reservados pelo artigo 13.°
4. O presente accordo será ratificado logo que seja possivel. Os actos de ratificação serão trocados em Lisboa.
Em firmeza do que, os plenipotenciarios dos paizes acima designados assignaram o presente accordo em Lisboa, em 21 de março de 1885.
Por Portugal, Guilhermino Augusto de Barros = Ernesto Madeira Pinto.
Pela Allemanha, Sachse - Fritsch.
Pela Hungria, Gervay.
Pela Belgica, F. Gife.
Pelo Egypto, W. F. Halton.
Pela França, Laboulage = A. Besnier.
Pela Italia, J. B. Tantesio.
Pelo Luxemburgo, Ch. Rischard.
Pelas colonias portuguesas, Guilhermino Augusto de Barros.
Pela Romania, Jon Ghika.
Pela Suissa, Ed. Höln.
Pela republica da Liberia, Conde Senmarti.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1885. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.

Accordo relativo á introducção de livretes de identidade no serviço postal internacional

Celebrado pela Republica Argentina, Bulgaria, Egypto, Italia, Luxemburgo, Mexico, Paraguay, Portugal, Romenia, Suissa, Uruguay e Venezuela

Os governos dos paizes signatarias do presente accordo, desejando obviar, tanto quanto seja possivel, ás dificuldades que encontra o publico, na area da União postal universal, em lhe serem entregues objectos de correspondencia ou importancias de valles de correio, e, usando da faculdade que lhes concede o artigo 14.º da convenção celebrada em Paris no 1.° de junho de 1878:
Os abaixo assignados, munidos para esse fim de plenos poderes, julgados em boa e devida forma, concordam nas disposições seguintes:

Artigo 1.º

As administrações postaes dos paizes contratantes podem facultar, ás pessoas que os pedirem, livretes de identidade nas condições indicadas no presente accordo.
A precedente disposição não restringe o direito que tem o publico de empregar, na justificação de identidade, quaesquer outros meios acceitos pelas leis ou regulamentos relativas ao serviço interno do naiz destinatario.

Artigo 2.°

O livrete de identidade deve ser conforme ao modelo annexo ao presente accordo,
Cada livrete tem uma capa de cor verde, e compõe-se de seis folhas, contendo: a primeira, as indicações pessoaes do proprietário do mesmo livrete, e as cinco restantes, recibos a preencher.
A capa tem na frente, em lingua do paiz de origem, o seguinte titulo:

UNIÃO POSTAL UNIVERSAL

Livrete de identidade

N.° ...

O retrato photographico do proprietário do livrete, contendo a sua assignatura, é appenso ao verso da referida capa por meio de uma fita, cujas duas extremidades se prendem á photographia com um sinete official applicado sobre lacre, independentemente de quaesquer outros meios que as administrações queiram de commum accordo ulteriormente adoptar.
Por baixo da photographia acha se mencionada a seguinte declaração:
As administrações postaes estão isentas de qualquer responsabilidade no caso de perda do presente livrete.
A folha onde se acham as indicações pessoaes do proprietario do livrete encerra as seguintes declarações:
Na frente:

Administração dos correios de ...
Livrete de identidade n.° ...
Valido de ... a ...

O abaixo assignado declara que a assignatura que se acha na parte inferior d'esta folha, assim como a que se encontra na photographia ao lado, foram feitas pelo proprio punho do sr. ... (nome, appellido, idade, profissão e domicilio), cuja identidade foi devidamente reconhecida.
Em firmeza do que, se lhe entregou o presente livrete, que será valido por um anno, a contar d'esta data.
... de ...
Assignatura do proprietario do livrete ...
Assignatura do empregado ...
No verso:
Descripção dos signaes do proprietario do livrete e um espaço destinado á inscripção do Visa pour date.
Cada uma das folhas de recibos compõe-se de dois talões e de dois recibos.
Cada um dos talões contém as declarações seguintes:

Coupon n.° ...
... de ... de ...

Recebi da repartição postal de ... um ... (objecto de correspondencia ... vale ou importancia de vale).
Assignatura do proprietario do livrete.

Na parte que divide o talão do recibo lêem-se as seguintes palavras:

União postal universal.
Livrete de identidade.

Entre as palavra «universal» e «livrete» existe um espaço destinado para a aplicação do cunho em branco da repartição emissora dos livretes.
Na frente do recibo acha se mencionada a seguinte declaração:
Á vista do presente livrete, e em troca d'este recibo, devem as repartições postaes dos paizes contratantes entregar ao proprietario do mesmo livrete qualquer objecto de correspondencia postal que lhe seja destinado e de que haja a passar recibo, assim como a satisfazer-lhe as importancias de valles que tambem lhe forem destinados, logo que se verifique que as assignaturas feitas, tanto n'este recibo como no respectivo talão, são identicas ás que se acham no verso da capa d'este livrete e na sua primeira folha.

No verso do talão acha-se a declaração seguinte:

Os recibos devem separar-se dos talões seguidamente e pela ordem da paginação: A repartição postal que entrar na posse do ultimo recibo, arrecada igualmente o respectivo talão.

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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1885 1945

No verso do recibo lê-se a declaração seguinte:
Á vista d'este recibo foi entregue o objecto de correspondencia postal n.° ..., ou: Pago o vale do correio ... originario da repartição postal de ...

Assignatura do destinatario.

Assignatura do empregado do correio.

As folhas dos livretes, devidamente numeradas, prendem-se á capa por meio de uma fita com as cores nacionaes do paiz de origem, devendo as duas extremidades da mesma fita ser fixadas com um carimbo official sobre lacre, na parte interior das costas da referida capa.

Artigo 3.°

A redacção dos livretes de identidade é feita na lingua do paiz que os emitte.
Em continuação da ultima folha de recibos acham-se as instrucções summarias reproduzidas nas linguas dos paizes que adherem ao presente accordo, contendo explicações essenciaes para a execução d'este novo ramo de serviço.

Artigo 4.°

1. As administrações postaes dos paizes contratante designam, na parte que lhes respeita, os funccionarios que devem emittir livretes de identidade.
2. Igualmente determinam, na parte que se lhes refere, quaes são os documentos competentes para se provar a identidade dos requerentes, quando estes não sejam pessoalmente conhecidos dos alludidos funccionarios.

Artigo 5.°

Os objectos de correspondencia ordinaria são entregues aos proprietarios de livretes mediante a simples apresentação dos mesmos livretes.
A entrega de objectos dependente de recibo e o pagamento de vales de correios não se realisa para com os destinatarios portadores de livretes, senão mediante recibos tirados dos mesmos livretes e devidamente assignados.

Artigo 6.°

Os objectos postaes e a importancia dos vales de correio devem ser pessoalmente entregues aos proprietarios dos livretes.
Podem, todavia, entregar-se a uma terceira pessoa, devidamente auctorisada, e mediante a apresentação do livrete, os objectos de correspondencia postal ordinaria, e mediante recibos tirados do livrete, e assignados pelo respectivo proprietario, os objectos de outra classe de correspondencia, ficando, entretanto, a repartição destinataria auctorisada a não realisar a entrega d'estes objectos e a não satisfazer a importancia de vales de correios a uma terceira pessoa senão em troca de recibo devidamente motivado e por ella assignado.

Artigo 7.°

As leis ou regulamentos do paiz destinatario determinam quaes são os objectos de correspondencia postal que se devem considerar como objectos de correspondencia ordinaria, assim como quaes os objectos cuja entrega só póde realisar-se mediante recibos especiaes.

Artigo 8.°

É fixado n'um franco o preço do livrete de identidade, não se compreendendo n'este preço o custo do retrato photographico, que deve ser apresentado á repartição postal pelo requisitante do livrete de identidade.
Os recibos que forem entregues á repartição postal destinataria não estão sujeitos ao pagamento de porte algum, por parte do proprietário do livrete.

Artigo 9.°

As quantias recebidas, em virtude do artigo precedente, revertem por inteiro em favor da administração que as receber.

Artigo 10 °

Os recibos de que se compõe o livrete de identidade separam-se dos talões, um depois do outro, e seguindo rigorosamente a ordem da paginação.

Artigo 11.°

1.º Os livretes de identidade são validos por um anno, a contar do dia em que são entregues aos requisitantes.
2.º Expirado este praso, podem os mesmos livretes ser sujeitos a um visa pour date, o que lhes dá nova validade por espaço de um anno.

Artigo 12.°

A repartição postal a que for entregue o ultimo recibo de um livrete de identidade, deve ficar de posse do respectivo talão, e providenciar de fórma que ao proprietario do mesmo livrete a administração respectiva forneça um novo livrete, no ceso de ser pedido, sem exigencia de outras provas de identidade.

Artigo 13.°

A responsabilidade das administrações postaes dos paizes contratantes cessa, logo que o pagamento de um vale ou a entrega de um objecto de correspondencia se realise mediante recibo tirado do livrete de identidade, e assignado pelo respectivo proprietario.

Artigo 14.°

No caso de perda de um livrete o seu proprietario devo participar este facto:
1.° A repartição postal da localidade onde se ache, ou á repartição postal mais proxima;
2.° A administração que emittiu o livrete.
Em todo o caso, o proprietario do mesmo livrete é responsavel pelas consequencias da sua perda.

Artigo 15.°

Em virtude da participação que lhe for dirigida, a repartição postal mencionada no precedente artigo não realisa, provisoriamente, nem a entrega de objectos de correspondencia, nem o pagamento de vales que lhe sejam reclamados por meio do livrete perdido.

Artigo 16.°

A administração do paiz da emissão cumpre tomar na providencias necessarias para que, segundo as informações prestadas pelo proprietario do livrete perdido, o mesmo livrete seja annullado

Artigo 17.°

As administrações dos paizes contratantes devem transmittir umas às outras, por intermedio da repartição internacional, a lista das suas repartições auctorisadas a emittir livretes de identidade.

Artigo 18.°

Os paizes da união que não tomaram parte no presente accordo serão admittidos a entrar n'elle, a seu pedido, e pela fórma prescripta no artigo 18.° da convenção do 1.° de junho de 1878, no que respeita ás adhesões á União postal universal.

Artigo 19.°

1. No intervallo que medeia entre as reuniões previstas no artigo 19.° da convenção do 1.° de junho de 1878, cada uma das administrações postaes dos paizes contratantes tem o direito de dirigir ás outras administrações participantes, por intermédio da repartição internacional, quaesquer propostas ácerca do serviço do livretes de identidade. Para que essas propostas, porém, possam vir a ter execução, precisam reunir as seguintes condições:
1.° A unanimidade dos votos, se se tratar da modificação das disposições dos artigos 1.°, 4.°, 5.°, 6.° 7.°, 9.°, 11.º, 12.°, 13.°; 18.°, 19.° e 20.° do presente accordo;
2.° Os dois terços dos votos, se se tratar de modificação dos outros artigos;
3.° A simples maioria absoluta, se se tratar da interpretação das disposições do presente accordo.
2. As resoluções que se tomarem são sanccionadas, nos dois primeiros casos, por uma declaração diplomatica

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1946 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

e, ao terceiro caso, por uma notificação administrativa, seguindo a fórma indicada no paragrapho ultimo do artigo 20.º da convenção do 1.º de junho de 1878.

Artigo 20.º

1. O presente accordo começará a ter execução no 1.º de abril de 1885.
2. Terá a mesma duração que a convenção do 1.° de junho de 1878, independentemente do direito que tem cada paiz de se retirar do mesmo accordo, mediante um aviso feito um anno antes pelo seu governo ao governo da confederação suissa.
3. O presente accordo será ratificado logo que seja possivel, e os actos de ratificação trocar-se hão em Lisboa.
Em firmeza do que, os plenipotenciarios dos paizes acima indicados, assignaram o presente accordo em Lisboa, aos 21 de março de 1885.
Por Portugal, Guilhermino Augusto de Barros = Ernesto Madeira Pinto.
Pela Republica Argentina, F. P. Hansen.
Pela Bulgaria, R. Ivanoff.
Pelo Egypto, W. F. Halton.
Pela Italia, J. B. Tantesio.
Pelo Luxemburgo, Ch. Richard.
Pelo Maxico,
Pelo Paraguay, F. A. Rebello.
Pela Romania, Jon Ghika.
Pela Suissa, Ed. Höhn.
Pelo Uruguay, Enrique Kubly.
Pela Venesuela.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 18 de maio de 1885. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.
Enviada á commissão negocios externos, manda a de fazenda.

Redactor = S. Rego.

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