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N.° 109
SESSAO DE 11 DE JULHO DE 1899
Presidencia do exmo. sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão
Secretarios - os exmos. srs.
Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandriao Garcia Ramirez
SUMMARIO
Lida e approvada a acta, o sr. presidente declara que lhe foram apresentadas duas representações, uma da companhia de lanificios de Massarelos e outia de diversos proprietarios de fabricas de tecidos. - O sr Mazziotti pede a publicação no Diario de uma representação dos amanuenses do concelho de Mafia. -O sr Oliveira Matos discursa sobre reflexões anteriormente produzidas pelo sr. conde de Burnay, a proposito do projecto de arrendamento do hotel do Bussaco, e por fim refere-se aos cirurgiões militares, respondendo-lhe o sr. ministro da guerra - O sr. conde de Burnay responde ao sr Oliveira Matos. - O sr Luiz José Dias pede documentos pelo ministerio da marinha.
Na ordem do dia continua a discussão do artigo 1 ° do projecto de lei n.° 30 (equiparação para a reforma) - O sr conde de Burnay usa da palavia, julgando-se depois a materia do artigo 1 ° sufficientemente discutida a requerimento do sr. Ressano Garcia - Entrando os restantes artigos conjunctamente em discussão, a requerimento do sr Francisco Machado, usam successivamente da palavra os srs. Lima Duque, ministro da guerra, conde de Burnay, Abel da Silva e Abreu Castello Branco. - Entra em discussão e projecto de lei n.° 17, que organisa os serviços medico-legaes. Discutem este projecto os srs. Silva Amado, Lima Duque, Moreira Junior e Abel da Silva - Approvam-se seguidamente os projectos de lei n°s 86, 53 e 69. - Depois de lido o projecto de lei n.° 87, ficou para ser discutido na sessão seguinte. - O sr. ministro da fazenda apresenta uma proposta de lei sobre a tributação das fabricas de cerveja. - O sr. Alexandre Cabral apresenta a ultima redacção dos projectos do lei n.ºs 17 e 30.
Primeira chamada - Ás dez horas e meia da manhã.
Presentes - 9 srs. deputados.
Segunda chamada - Ás onze horas.
Abertura da sessão - Ás onze horas e vinte minutos.
Presentes - 50 srs. deputados.
São os seguintes: - Abel da Silva, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto Affonso da Silva Monteiro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alfredo Cazimiro de Almeida Ferreira, Alvaro de Castellões, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Eduardo Villaço, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Simões dos Reis, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Bernardo Homem Machado, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Burnay, Conde de Silves, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Antonio de Sepulveda, João Baptista Ribeiro Coelho, João Joaquim Izidro dos Reis, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Benedicto de Almeida Pessanha José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Cruz Caldeira, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Matos, José Mathias Nunes, Julio Ernesto de Lima Duque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Affonso de Espregneira, Manuel Tolles do Vasconcellos, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro e Visconde da Ribeira Brava.
Entraram durante a sessão os srs: - Antonio de Menezes e Vasconcellos, Augusto José da Cunha, Carlos José de Oliveira, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Catanho de Menezes, Joaquim José Pimenta Tello, José Capello Franco Frazão, José Dias Ferreiro, José Joaquim da Silva Amado, Luiz José Dias e Manuel Antonio Moreira Junior.
Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alfredo Cesar de Oliveira, Anselmo de Andrade, Antonio Augusto Gonçalves Braga, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Idanha a Nova, Conde do Paçô Vieira, Conde da Serra de Tourega, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira do Almeida, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Malheiro Reymão, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria Pereira de Lima, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Pinto de Almeida, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.
O sr. Presidente: - Previno a camara de que ha de entrar-se na ordem do dia ás onze horas e tres quartos, e de que a sessão ha de encerrar-se ás duas horas e um quarto.
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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
cimmnico á camara que rocebi duas representações: uma da companhia manufactora de artefactos de malha e dos proprietarios da fabrica de beneficios em Santo Antoio de Massarellos, e outra dos proprietarios de differentes fabricas de tecidos e de fiação, protestando ambas contra a introducçâo na nova rubrica na pauta actual e tambem contra qualquer alteração na mesma pauta, pelo que respeita a lã penteada e em fio, e não especificado, crú ou branqueado.
Segundo o pedido feito pelos signatarios d'estas repretações vou consultar a camara sobre se permitte que ellas sejam publicadas no Diario do governo.
O sr. Mazziotti: - Vou mandar para a mesa uma representação dos secretarios e amanuenses da administração e da camara municipal do concelho de Mafra, pedindo que as suas futimio aposentações sejam pagas pelo respectivo cofre de aposentações, entrando elles com as quotas que forem duvidas.
Entendo que os representantes têem toda a rasão no seu podido, e conforme o seu desejo, peço a v. exa. que se digne consultar a camara se permitte que esta representação seja publicada no Diaro do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Conde de Burnay: - Pedia a palavra para instar pela remessa de varios documentos que ha mais de um mez pedi pelo ministerio da fazenda e que ainda me não foram enviados, quando é certo que outros, pedidos por sra. deputados muito posteriormente, já, foram remettidos a esta camara.
Insto, pois, pela sua remessa, porque muito necessito d'elles para entrar em varias questões, e lastimo a demora que tem havido em me serem enviados, tanto mais, que são de facil copia.
O sr. Presidente: - Vou instar pela remessa dos documentos a que o illustre deputado se refere.
O sr. Oliveira Matos: - Começa mandando para a mesa a declaração de que tem faltado a algumas sessões por motivo de doença grave, que o obrigou a saír de Lisboa.
Na sua ausencia começou a discutir-se o projecto de lei n.° 72, de que é relator, o que se refere ao contrato para o acabamento das obras do edifício, em construcção, na mata do Bussaco.
Viu, pelo extracto d'aquella sessão, que o nobre banqueiro conde de Burnay se referiu áquelle projecto em termos que elle, orador, não póde deixar de arredar debele já.
Não era, capaz de ser relator de qualquer projecto que envergonhasse a camara ou o governo, e por isso não dá ao nobre banqueiro o direito de lançar sobre elle, orador, a suspeita de entrar em negocios menos claros.
Tratará d'este ponto quando o projecto voltar á discussão, e pede ao sr. presidente que a faça continuar o mais depressa possivel, dando ao sr. conde de Burnay a palavra, que lhe ficou reservada, para então dizer da sua justiça, e destruir todas as inconveniencias que foram proferidas por s. exa.
O sr. Presidente: - Pede ao sr. deputado que retire ou explique a palavra o inconveniencias», que lhe parece menos correcta.
Não poderiam ellas ter sido proferidas na camara, deixando elle presidente, de fazer a necessaria advertencia.
Está convencido de que o sr deputado não teve intenção offensiva, e por isso espera que modifique a sua phrase.
O Orador: - Respeitando a observação do sr. presidente, deixa para occasião opportuna liquidar este assumpto, mas deve dizer que proferiu a palavra «inconveniencias» por ver no extracto da sessão que o sr. conde de Burnay dissera que não vinha fazer-se echo dos boatos que corriam e que não eram de moldo a dar lustre ao parlamento.
Logo que leu isto, resolveu que, na primeira vez que tomasse ali a palavra, arredaria estas phrases, não porque o offendam, pois tem por ellas o maior desprezo, mas por honra e dignidade do parlamento.
O sr. Presidente: - Observa ao sr. deputado que o projecto a que allude não está em discussão, e pede-lhe que não use de expressões como as que empregou. Elle, presidente, não as póde consentir, nem a s. exa. nem a ninguem.
O Orador: - Como já fez a referencia que não podia deixar de fazer ao que se passou na sua ausencia, volta a pedir com empenho ao sr. presidente que dê o projecto n.° 72 para discussão, o mais brevemente possível, porque deseja dizer o que ello é, e destruir as expressões que se soltaram.
Pede tambem ao sr. presidente que, quando lhe seja possivel, dê para ordem do dia o projecto de lei n.° 65, que auctorisa a camara municipal da Pampilhosa a desviar a quantia, de 800$000 réis do cofre de viação, para serem applicados a reparações de caminhos.
Por ultimo chama a attençSo do sr. ministro da guerra para a falta de cirurgiões ajudantes no exercito, de onde resultam grandes inconvenientes para os que estão em serviço, sobretudo para os menos favorecidos, que se vêem obrigados a mudarem constantemente de localidade, para irem servir nos corpos onde ha as vagas
Pareço-lhe necessario que s. exa. abra concurso ou remodele os serviços de modo que estes inconvenientes desappareçam.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente - A discussão do projecto n.° 72 ha da seguir logo que seja possivel o quando houver opportunidade porei tambem em discussão o projecto n.° 65.
O sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Pedi a palavra para responder ás observações que o sr. Oliveira Matos acaba de fazer com respeito aos cirurgiões militares. Queixa-se s exa. de que ha falta de cirurgiões ajudantes, sendo alguns deslocados para irem desempenhar serviços nos corpos onde existem as vagas
O motivo das faltas que ha de cirurgiões militares é conhecido de todos; é terem ficado desertos os concursos, ou não terem n'elles apparecido numero sufficiente de concorrentes para preencher as vagas. O unico remedio para este mal é abrir immediatamente concurso, e é o que se tem feito. Desde que estou no ministerio póde dizer-se que o concurso para o preenchimento das vagas de cirurgiões ajudantes tem estado permanentemente aberto.
Basta este facto para mostrar que ha vagas, e havendo-as, é necessario que alguem desempenhe o serviço, o que poderá ir prejudicar o interesso de alguns indivíduos.
Todo o official é obrigado a destacar quando as necessbidades do serviço assim o exigem e no mesmo caso estão os cirurgiões militares, que são officiaes do exercito; têem, portanto, de servirem onde forem necessários. Só poderia haver reclamações só as escalas não fossem feitas com justiça, mas são.
É isto que eu tinha a dizer a s. exa. e acho que a minha resposta lhe deve dissipar quaesquer duvidas que podesse ter a este respeito
O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Pergunta ao sr. presidente se o projecto de lei n.º 53 está dado para ordem do dia.
O sr Presidente: - Responde affirmativamente.
O Orador: - Pondera que este projecto é da maxima importancia para a cidade do Funchal, porque tem por fim abastecer aquella cidade de agua potavel, o que é de uma inadiavel necessidade, pois que as aguas de que ali se faz uso actualmente estão inquinadas do microbio da tisica. Pode, portanto, ao sr. presidente que o dê para discussão o mais depressa possivel.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
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SESSÃO N.° 109 DE 11 DE JULHO DE 1899 3
O sr. Presidente: - O projecto a que o illustre deputado se refere é da maior importancia e será posto em discussão logo que seja possivel.
Tem a palavra o sr. conde de Burnay, mas previno s. exa. de que apenas faltam quatro minutos para se entrar na ordem do dia.
O sr. Conde de Burnay: - Referindo-se ás considerações feitas pelo sr. Oliveira Matos, recorda que, quando discutiu o projecto, relativo ás obras do Bussaco, não se referiu a nenhum membro d'esta camara; referiu-se apenas aos concessionarios, e a esses mesmos attenciosamente, dizendo que eram pessoas honradas, intelhigentes e habeis na sua profissão.
Não melindrou nem offendeu ninguem, e por isso não comprehende a exaltação do sr. Oliveira Matos. Se alguem se podia offender, era o governo.
O illustre deputado, pelo facto de ser relator do projecto, não tem mais responsabilidade do que outro qualquer dos seus collegas.
Faz depois sentir que na camara não é banqueiro, e sim deputado, como o sr. Oliveira Matos; apresenta mais algumas observações a este respeito, e conclue affírmando de novo que na discussão afastou por completo as questões delicadas e melindrosas. Nem lhe era necessario fallar n'ellas, porque dentro do proprio projecto achou a sua completa condemnação.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o redtituir.)
O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa, podem fazel-o.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do artigo 1.° do projecto de lei n.° 30 (equiparação para a reforma)
O sr. Luiz José Dias: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me sejam remettidos com urgEncia os seguintes esclarecimentos, a fim de poder apreciar o projecto de lei n.° 109, já distribuído, e que respeita ao arrendamento da Maganja da Costa:
1.° Informação do governador geral de Moçambique, conforme o disposto no decreto de 18 de novembro de 1890;
2.° Copia de quaesquer informações da inspecção aos prasos, relativos a este arrendamento;
3.° Copia da informação ou parecer da secretaria do ultramar, sobre o arrendamento da Maganja da Costa;
4.° Copia dos trabalhos officiaes sobre a delimitação do terreno, cujo arrendamento se pede no projecto;
5.° Carta geographica, onde se conheçam os limites, a que se refere o projecto, visto que os offieiaes e conhecidos não condizem com os dizeres e limites designados no projecto;
6.° Copia do regulamento do decreto de 18 de novembro de 1890, visto que tal regulamento não existe no Diario do governo, e o relatorio do projecto cita um regulamento, e o artigo 2.º do projecto cita outro.
Requeiro que todos estes esclarecimentos me sejam envindos antes de entrar em discussão o dito projecto n.° 109. - O deputado, Luiz José Dias.
Mandou-se expedir.
O sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que a commissão de redacção reuna durante a sessão. - O deputados, Alexandre Cabral.
Foi approvado.
O sr. Conde de Burnay: - Agradece, em primeiro logar, as referencias amaveis que lhe dirigiram os srs. Francisco Machado e Abreu Castello Branco
Referindo-se depois aos discursos d'estes senhores deputados, diz que o sr. Francisco Machado, fallou com a proficiencia do seu orneio, e o sr. Abreu Castello Branco veiu dar uma prova de que é verdadeira a afirmação que elle, orador, fez, sustentando que a idade não prejudica a intelligencia e a capacidade dos homens, porque s. exa. fallou com uma energia e uma força talvez superior á dos novos que o têem precedido na tribuna.
Continua, portanto, na sua attitude contra o limite de idade, sem se importar saber se a lei é da responsabilidade do partido progressista ou do partido regenerador, porque não deseja ferir ninguem.
Sabe que alguns officiaes defendem o limite da idade; são os novos que desejam ser promovidos; mas elles conhecerão depois os inconvenientes da lei.
O sr. Francisco Machado, encarando o lado financeiro da questão, disse que com os reformados do ministerio da guerra só despendem já 800 contos, e que em breve se despenderão talvez 1:000 contos. Ao mesmo tempo referiu-se a desperdicios que se dão n'aquelle ministerio, e sustentou que bastava pôr-se-lhes cobro, para com essa economia se cobrir a despeza com os reformados.
A este respeito tem a observar que não é só no ministerio da guerra que ha desperdicios. Sem se referir ao actual sr. ministro das obras publicas, a cuja intelligencia, actividade e desejo de acertar faz justiça, deve todavia dizer que tambem no seu ministerio ha desperdicios.
Tem-se gasto muito dinheiro em estradas desnecessarias, quando outras mais importantes estão abandonadas; ha muitos edificios começados e não acabados, o que representa dinheiro despendido sem proveito, e encommenda-se material a que não se dá applicação, perdendo-se assim muito dinheiro.
O sr. Presidente: - Observa ao sr. deputado qne a sua divagação vae-se tornando muito longa, e pede-lhe que volte á questão.
O Orador: - Estava acompanhando, responde, na parte financeira da questão, o sr. Francisco Machado, a quem não foi cortada a palavra por esse motivo.
O sr. Presidente: - Pondera que não cortou a palavra ao sr. deputado, apenas notou que a divagação de s. exa. se ía tornando muito longa.
O Orador: - Em vista da observação do sr. presidente, deixa as suas considerações de ordem financeira para o artigo 5.°, onde tem mais cabimento; e, voltando á questão da equiparação, manifesta a opinião de que o principio da equiparação deve ser applicado a todos, mesmo aos membros d'esta camara.
Foi com este intuito que ha dias mandou para a mesa uma proposta para que fosse dado um subsidio aos deputados, por não achar justo nem moral que aquelles que, para virem á camara, tem de abandonar as profissões de que vivem, se vejam na necessidade ou de abandonar o mandato ou de recorrer aos amigos.
O sr. Presidente: - Lembra ao orador que a lei eleitoral não está em discussão, e pede-lhe que venha á questão.
O Orador: - Dá por findas as suas considerações, declarando que o que desejava era a equiparação para todos.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ressano Garcia: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se julga a materia suficientemente discutida. = Frederico Ressano Garcia.
Foi approvado.
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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O sr. Presidente: - Vae ler-se, para se votar, o artigo 1.º
Leu-se na mesa foi approvado.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.º
Lev-se.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. Francisco José Machado (relator): - Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho a V exa se digne consultar a camara se permitiu que os restantes artigos do projecto sejam discutidos conjunctamente. = F J. Machado.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. Francisco Machado.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Vão ler-se os restantes artigos do projecto para entrarem em discussão.
Leram se.
O sr. Mathias Nunes: - A proposta de substituição que tive a honra de mandar para a mesa, tinha por fim harmonisar quanto possivel as disposições d'este projecto de lei, com o projecto relativo á reforma do exercito.
Alguns camaradas meus e collogas n'esta camara julgam, porém, que da substituição que tive a honra de mandar para a mesa e que é assignada por mim e pelo meu collega e camarada Cazirmro Ferreira, poderia resultar o cerceamento de algumas vantagens que estão no projecto ministerial.
Ora, v. exa. comprehende que não estaria no meu animo nem no do meu collega, reduzir as vantagens apresentadas ao projecto ministerial, e n'essa conformidade, peço a v. exa. para retirar a proposta que mandei para a mesa.
O sr. Presidente: - Como a proposta não foi ainda admittida, póde V exa. retiral-a.
O sr. Lima Duque: - Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da guerra e pedir-lhe uns esclarecimentos, que tenho a certeza de que hão de ser dados de modo que o meu espirito, da camara e do paiz, fiquem completamente satisfeitos.
Refiro-me ao artigo 5 ° que trata da verba destinada a compensar a differonça entre a reforma ordinaria e extraordinaria e reforma por equiparação.
Diz o § 1.º do artigo 5.° que essa verba não poderá ser inferior a 10 contos de réis.
Comprehende-se qual foi o motivo da fixação d'essa verba, e basta para isso ler o artigo 4 ° que cria uma receita que é para pouco mais ou menos a mesma no emtanto fica o arbitrio.
Entretanto, fica ao arbitrio do orçamento o limite superior da verba que deve ser applicada á reforma por equiparação.
Deseja saber qual é o criterio que v. exa. julga mais adequado para a distribuição da verba dentro dos limites mais ou menos fixos, porque segundo as clausulas d'esse mesmo artigo 5.º § 2.° essa verba póde ser maior ou menor, não tem limite e d'ahi provém que mesmo dos officiaes terão de estar á espera que depois de esgotada a verba, seja inscripta uma nova verba no orçamento para poderem conferir depois as vantagens d'essa reforma por equipara.
Desejo, portanto, ouvir s. exa. a este respeito e tenho antecipadamente a certeza de que todos ficaremos esclarecidos ácerca do criterio que presidiu á doutrina do artigo 5.°
O sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Vou responder o mais breve possivel as considerações feitas pelo illuatre deputado o sr. Lima Duque.
Para a camara poder avaliar bem o alcance do artigo 5.º parece-me necessario fazer um resumo dos antecedentes d'esta questão.
A proposta foi por mim apresentada á camara com o pensamento de não trazer augmento de despeza, e, com effeito, não trazia, porque creava a receita necessaria para fazer face á despoza a que dera logar.
Essa receito provinha da elevação a 3 por cento do imposto de 2 por cento estabelecido pela carta de lei de 22 e agosto de 1887, imposto que anda approximadamente por 1 000 contos de réis, numeros redondos. O imposto de 1 por cento produziu a receita de 10 contos.
O projecto estava feito de maneira que, com a receita dos 10 contos de réis annuaes, não haveria encargo para o thesouro, e não haveria encargo para o thesouro por uma rasão muito simples, porque do principio do anno em que essa verba se não gastára, ficará por assim dizer em excesso que devia juntar-se com a receita do anno seguinte; de maneira que do seu conjuncto, embora a despeza fosse em alguns annos superior a 10 contos de réis, esse augmento era compensado pela despeza que tinha havido a menos no anno anterior, e devia ser assim, porque as desigualdades da promoção tendiam a diminuir e não a augmentar, visto que era este o principio estabelecido na organisação do exercito.
A commissâo objectou, porém, e no meu entender com toda a rasão, que a situação actual dos officiaes do exercito não comportava esse imposto, embora pequeno.
Concordei plenamente com essas considersçOes e procurou-se o meio de poder ficar subsistindo o projecto dispensando-se o imposto; mas ainda assim sem sobrecarregar directamente o orçamento, e n'esse sentido foi dada uma nova verba correspondente ao imposto que se projectase receber, e essa verba é a que o § 2.° do artigo 5.° diz que não poderá ser inferior a 10 contos de réis, exactamente aquella com que o projecto contara.
E para não assustar a camara e a opinião publica, que poderia suppor que o projecto traz grandes encargos para o futuro, accrescento unicamente, que segundo a condição expressa no § 2.° do mesmo artigo, quando esta verba for excedida, existe o cabimento para a reforma.
Ahi está a rasão por que foi estabelecido que a verba minima a despender com estas reformas é 10 contos de réis.
Póde-se objectar «que essa verba de 10 contos de réis não sufficiente»
Eu entendo que ella é completamente sumciente e mesmo fiz o seguinte calculo: Desde que este projecto fosse approvado, a despeza a fazer com todos os officiaes que no momento actual se poderiam aproveitar da reforma, é de 8.300$000 réis; quer dizer, ainda assim inferior aos 10 contos.
Mas é preciso notar, que exactamente os officiaos a que podia aproveitar a reforma, são os mais antigos da classe e por consequencia estão proximos da promoção ao posto immediato.
Só se poderão aproveitar tres quartos dos officiacs que têern direito á reforma por equiparação e não se aproveitam d'ella os que estão adiantados na escala da promoção, porque querem ser promovidos no effectivo.
Mas não se dá só na sua vontade, tambem é condição necessaria para a reforma d'esses officiaes, serem julgados pela junta de saude: os que estiverem em condições de servir não podem obtor a reforma.
Mas não se despendendo a verba todo o anno e suppondo que os saldos que ficam d'esta verba se podem accumular, se mais tarde a despoza viesse a angmentar, ella poderia ser paga.
Portanto, durante o tempo da execução da lei são despendidos menos de 10 contos. (Apoiados.)
Está indicada esta verba para tornar expresso o pensamento do projecto, mas é natural que possa augmentar essa verba em resultado das economias dos annos anteriores.
Aqui está explicado o machinismo de todo o projecto.
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Aqui está explicado o machinismo do projecto e entendo na minha opinião que a camara póde votar com toda a confiança e certeza até ao ponto onde póde haver certeza, que não produz augmento de despeza superior áquella que está indicada.
Ainda por declarões feitas na commissão de fazenda, como se deprehende dos relatorios da respectiva commissão, se vê que estes 10 contos não devem produzir encargo na somma total do orçamento do ministerio da guerra porque segundo declarações que fiz e que a commissão acceitou completamente esta verba podia ser paga com as sobras do capitulo 5.° do respectivo orçamento, porque esse capitulo como a camara sabe dá sempre sobras e essas sobras são sufficientes para se poder despender esses 10 contos.
Póde dizer-se: é que no orçamento do ministerio da guerra tem havido creditos especiaes, mas esses creditos especiaes proveem unica e exclusivamente de praças de pret a mais, e por conseguinte desde o momento em que esse excesso de praças de pret acabe e que fique só o numero de praças que é fixado no orçamento, então deve haver sobras.
Com a nova reforma do exercito, com o licenciamento e outras disposições que é necessario estabelecer aqui
Entendo que o numero nunca deve ser excedido de modo que assim nunca haverá augmento de despeza.
Sr. presidente, creio ter respondido ás observações apresentadas pelo sr. deputado Lima Duque e ao mesmo tempo desenvolvido o pensamento do projecto no ponto que me parece capital e interessante para a camara para que a questão do augmento de despeza possa ser avaliada.
Visto estar com a palavra, vou referir me a algumas das observações feitas pelo srs. relator major Machado, conde de Burnay e pelo sr. conego Castello Branco. S. exa. referiram-se a um ponto tão importante que julgo dever dizer algumas palavras e dar a minha opinião sobre a questão dos limites de idade. Não o vou fazer largamente porque não é occasião para isso.
S. exas. fizeram referencias tão claras, tão positivas e tão manifestamente contrarias a este principio, que me obrigam a dar a minha opinião a este respeito, opinião que não é a primeira vez que a apresento, mas já tenho dado a minha opinião na comissão de guerra e na propria camara dos pares tenho dito qual a minha opinião sobre este assumpto
Entendo que esta questão dos limites de idade é complexa e seria, e reconheço que a opinião de s. exas. é contraria a este assumpto, mas tambem reconheço que ella é apoiada por muitos membros d´esta camara e por individuos estranhos ao parlamento.
É preciso notar que todos os argumentos que v. exas. apresentaram são, effectivamente, aquelles que em toda a parte se apresentam, e que são combatidos por outras vantagens não menos importantes; por isso que a lei do limite de idade está em vigor em quasi todas as nações.
Por conseguinte, qual é a solução logica e racional d´esta questão?
A solução mais conveniente para esta questão é áquella que para resolver a questão, não isoladamente, mas, tanto quanto possivel a contento dos dois partidos; (Apoiados.) foi o que declarei na commissão de guerra por occasião da discussão da reforma do exercito, é o que tenho declarado sempre que trato d´este assumpto. (Apoiados.)
Já tenho dito por mais de uma vez que tenciono nomear uma commissão encarregada unica e exclusivamente de estudar a lei do limite de idade, da qual não póde fazer parte nenhum dos membros d´esta casa do parlamento, para que as suas opiniões a este respeito não fiquem compromettidas. (Apoiados.) Essa commissão, é claro, como a lei do limite de idade não é uma questão isolada, está ligada intimamente á lei das promoções (Apoiados.)
tem de estudar a lei do limite de idade conjunctamente com a das promoções. (Apoiados.)
Depois da commissão estudar detalhadamente, com toda a importancia que o assumpto merece apresenta o resultado dos seus trabalhos, e sobre esse resultado, sobre o que a commissão concluiu que se baseará a minha proposta do lei que, a este respeito, tenciono apresentar á camara. (Apoiados.) É o que tenciono fazer. (Apoiados.)
E parece-me que esta solução é a mais conveniente e sensata para terminar, para resolver a questão do limite de dade. (Apoiados.) (Vozes: - Muito bem, muito bem.)
Indicou v. exa. que talvez fosse conveniente suspender a execução da lei do limite de idade Eu entendo, porém, que, para resolver com equidade o justiça, como certamente é o pensamento de v. exa. (Apoiados.)
O sr. Francisoo José Machado: - Apoiado, apoiado!
O Orador: - Devemos encarar as duas faces da questão, devemos considerar os argumentos pró e contra; (Apoiados.) porque a questão é muito complexa, e uma, questão d´esta ordem não póde ser decidida aqui, na camara, n´uma discussão rapida. (Apoiados.)
A proposta de lei que, a este respeito, apresentar ao parlamento, ha de ser baseada e fundada em trabalhos anteriores, de iniciativa particular, do governo ou nos trabalhos da commissão.
É o que tenho a dizer a v. exa. (Apoiados )
Sobre esta questão, o no estado em que ella se encontra, eu quero estudar, quero apreciar os argumentos pró e contra, quero comparar uns e outros, aproveitar d´elles o que for acceitavel, porque quero resolver com justiça o equidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Conde de Burnay: - Occupando-se especialmente do artigo 5.°, nota que elle diz apenas que a verba a despender não será inferior a 10 contos, o que quer dizer que poderá ser superior. N´este caso julga que este artigo deve ser eliminado.
Mas, ou sejam 10 ou 20 contos, o que ha é um encargo para se juntar aos outros, que já foram votados.
Entende, porém, que ha meio de ae economisar por outro lado, para se fazer face a estas despezas
Faz em seguida algumas considerações no intuito de mostrar quaes as economias que devem ser feitas, frizando, que uma d´ellas seria não depositar o governo dinheiro em bancos a 1 por cento, para depois o pedir emprestado a 8, como tem feito.
(O discurso será publicado na integra guando s. exa. o restituir.)
O sr. Abel da Silva: - Tomarei apenas por cinco minutos a attenção da camara.
Sou o primeiro a applaudir, com enthusiasmo caloroso, o projecto do illustre ministro da guerra, que representa um alto principio de equidade e justiça.
O meu illustre amigo, o sr. major Machado, fallou extensamente sobre esta questão e é inutil expraiar-me em considerações, tendo s. exa. manifestado alta competencia, grande proficiencia e largo estudo como relator d´este projecto. (Apoiados.)
V. exa. sabe que este projecto era de uma necessidade urgente e inadiavel. De bem longe, desde muito longe se pensa em estabelecer o principio da equiparação.
Sabe v. exa. que em todos os exercitos se têem encontrado enormes e invenciveis difficuldades, pera regularisar as promoções nas differentes armas, de modo que não haja grandes desigualdades durante a effectividade do serviço.
O problema tem sido e será insoluvel; porque ha um factor, a morte, que vem alterar as melhores combinações, alem de outros elementos perlurbantes, que seria ocioso mencionar agora.
Sendo, porém, certo que é impossivel regularisar em
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perfeita equivalencia as promoções durante o serviço, é muito facil estabelecer a perequação para os effeitos da reforma.
Ninguem contesta a equidade da perequação; póde discordar-se do ponto inicial da partida, para a sua applicação pratica, mas ninguem discute o principio como attentatorio da justiça e dos direitos d´aquelles que a sorte não favoreceu na effectividade.
S. exa. o sr. ministro da guerra, reformando o exercito, quiz não só dar-lhe toda a energia e todos os elementos de resistencia para o ataque e para a defeza, mas normalisar, tornar equitativas as condições de vida dos elementos que o compõem, de modo que a sorte não beneficio uns em detrimento dos outros.
Por consequencia, sr. presidente, depois de adoptada a reforma do exercito, pensou s. exa., com toda a justiça, em cortar essas asperezas e desigualdades e em estabelecer esta equivalencia na reforma, depois de terminada a carreira militar.
Pertenço a uma classe que faz parte integrante do exercito e posso dizer que sou interprete da classe militar, a que tenho a honra de pertencer, felicitando o sr. ministro da guerra pela apresentação d´este projecto de lei.
Ha um pouco de egoismo n´esta declaração, porque a classe medico-militar é beneficiada pelo actual projecto em discussão, mas esse beneficio é uma justa reparação, visto que a porequação é justamente feita para igualisar as condições dos que estão atrazados, e que atravessam toda a vida militar em desfavoravel desigualdade em relação ás varias armas e serviços do exercito.
S. exa. o sr. ministro da guerra, com a apresentação d´este projecto, prestou um altissimo serviço ao exercito, porque é preciso accentuar que hoje o exercito, no nosso paiz, representa mais alguma cousa de que representava ha meia duzia de annos.
Ainda não ha muito, que se suppunha que o exercito era apenas um elemento decorativo para as procissões e um famoso reagente eleitoral ao serviço dos governos, mas, depois das campanhas africanas, viu-se que o exercito tem um papel activo e preponderante na vida intima e existencia autonoma da nação portugueza. (Apoiados.)
Mas preciso declarar que o exercito não representa só o triumpho e reivindicação do nosso largo dominio colonial; o exercito faz mais alguma cousa do que isso, o exercito representa a pacificação, representa a ordem dentro da familia portugueza. (Muitos apoiados.)
O exercito representa a pacificação e a ordem dentro da familia portugueza, e o sr. ministro da guerra, reorganisando o exercito, obedece a dois intuitos: collocal-o á devida altura, como elemento de defeza, e estabelecer, quanto possivel, a igualdade nas condições de vida dos seus elementos integrantes.
Como consequencia d´essa reorganisação, s. exa. o sr. ministro da guerra trouxe tambem á camara o projecto da perequação destinado a reparar, na reforma, as desigualdades que não é possivel evitar na promoção.
De passagem vou referir-me a um incidente que se levantou n´esta camara, ha alguns momentos, e referente a deslocações frequentes dos medicos militares, por exigencias do serviço.
S. exa. o illustre ministro da guerra, estabelecendo a genuina e rigorosa doutrina, declarou que os medicos militares, como quaesquer outros officiaes, prestariam serviços onda o paiz os reclamasse.
Assim é, assim deve ser, mas, fazendo-se justiça aos meus collegas, não se poderá dizer que elles não tenham a alta comprehensão dos seus deveres, desejando prestar á patria os serviços que ella lhe reclama na metropole ou nas colonias.
Estão-me ouvindo dois distinctos collegas, aqui, entre nós, o sr. Lima Duque, e alem, nas galerias, o sr. Barbosa Campos, que fizeram parte das nossas expedições contra o Gungunhama. Accrescentarei que na expedição em que partiu o sr. Barbosa Campos tambem seguiu um seu genro, cirurgião ajudante do mesmo regimento.
É certo que ha dias se deu o caso insolito de serem declarados incapazes do serviço de Africa tres medicos que estavam tuberculosos, um com uma lesão cardiaca, outro com mal de Bright, e ainda outro com graves alterações hepaticas.
É certo que estes individuos, quando admittidos, não estavam n´este estado, e as juntas de inspecção, como não havia o serviço do ultramar, tinham uma relativa benevolencia, tanto mais que era costume louvarem-se nas declarações de collegas, posto que interessados.
Demais, não póde haver um demasiado rigor nas inspecções; porque é sabido que os concursos constantemente repetidos ou ficam desertos, ou dão uma percentagem insuifficiente para as necessidades dos quadros do exercito.
Na commissão de guerra eu explanei largamente as rasões por que a classe medica não afflue aos concursos; eu não fatigarei a camara agora, expondo uma questão que só por incidente aflorei. Apenas me limitarei a affirmar que é um phenomeno unico na burocracia portugueza o haver logares de 600$000 réis, cujos concursos ficam desertos, dande-se o facto, de todos conhecido, que estes logares, devendo ser preenchidos por medicos, se verifica existir no paiz, mais que accumnlação, uma especie do proletariado medico, especialmente nos grandes centros.
As palavras que então referi foram apoiadas pelos illustres membros da maioria e minoria da commissão de guerra, e ao sr. ministro da guerra ou devo a leal declaração pela qual affirmava categoricamente que na reforma do exercito attenderia á desfavorecida situação dos medicos militares.
Terminando, reitero as minhas felicitações ao sr. ministro da guerra, tendo a certeza que a camara approvará este projecto, como uma obra de justiça e equidade.
Disse.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Abreu Castello Branco: - Sr. presidente, quando hontem apresentei aqui algumas considerações contra a lei do limito de idade, não pretendi que o sr. ministro da guerra suspendesse a execução da lei, não porque s. exa. não podesse suspondel-a, mas porque será antes admissivel que essa lei, depois de estudada, depois de publicados os trabalhos concernentes a esse estudo, seja reformada.
Considerei hontem e continúo a considerar essa lei como iniqua e cruel; (Apoiados.) por isso desejo que o sr. ministro providenceie de modo a modifical-a em attenção aos calamitosos effeitos que ella está produzindo.
Foi isto, me parece, o que eu disse hontem na minha proposta com relação ao quadro auxiliar; e ainda hoje não sei o que seja esse quadro auxiliar, nem o que se diz a seu respeito nas altas regiões do exercito.
A verdade é que ou os officiaes são reformados ou não são; a mim parece-me que são considerados como reformados.
Ora, como considero a posição d´esses officiaes como excepcional, é preciso que se defina positivamente o que vem isto a ser.
É preciso que se defina o que são estes officiaes, e se no artigo 6.° se diz:
(Leu.)
N´esta escala hão de entrar os que pertencem a este quadro auxiliar, o que não podem estar reformados, porque, se já o estão, ha então dois quadros de reformados, e isso não póde ser.
Quer v. exa. ver agora a consequencia d´esta lei dos limites de idade?
Em 1878 havia alguns primeiros sargentos e alguns tenentes. Alguns d´aquelles, se não todos, estando no quadro das praças de guerra, chegaram a coroneis e reformaram-
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se em generaes de brigada, ao passo que os tenentes coroneis foram attingidos pelo limite de idade e em tenente coroneis ficaram.
Ora isto representa uma situação verdadeiramente lastimavel, e o que eu desejava é que estes resultados de similhante lei fossem attenuados e fosse de algum modo modificada a sorte d´estas victimas innocentes da lei do limite de idade; peço mesmo que o seu processo seja revisto, e é justo que o seja, porque, se estas victimas não foram condemnadas em virtude de um documento secreto como o desgraçado Dreyfus, foram condemnadas por um documento publico, que é a sua certidão de idade.
Não devo tomar mais tempo á camara, e julgo desnecessario accrescentar outras considerações áquellas que já apresentei.
O sr. Presidente: - Está esgotada a discussão. Vão ler-se os artigos para serem votado.
Foram approvados.
O sr. Presidente: - Vae ler-se, para ser votado, o additamento mandado para a mesa pelo sr. deputado Abreu Castello Branco.
O sr. Francisco José Machado (relator): - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar a v. exa., em nome da commissão o de accordo com o governo, que não posso acceitar a proposta de additamento mandada para a mesa pelo meu illustre collega o sr. deputado Abreu Castello Branco.
Posta á votação, foi rejeitada.
O sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte proposta de lei.
Proposta de lei n.° 120-A
Senhores. - A cerveja consumida em Lisboa está sujeita á taxa de 1,638 réis por 10 kilogrammas da pauta especial de consumo da cidade, e no resto do paiz á taxa de 10 réis por litro, do imposto do real de agua. Sobre a primeira incide alem d´isso o imposto extraordinario de 5 por cento, e sobre a segunda os impostos complementar e 6 por cento e extraordinario de 5 por conto.
Nas ilhas adjacentes a cerveja não está sujeita a imposto algum, apesar de existirem ali quatro fabricas, duas na Madeira e duas em S. Miguel.
Os impostos de consumo em Lisboa e do real de agua no resto do paiz, são realmente cobrados por manifesto ou avença. Mesmo em Lisboa e Porto, onde ha barreiras, a cobrança faz-se em grande parte por um ou outro d´aquelles systemas, visto as fabricas do continente estarem estabelecidas dentro das barreiras das duas cidades.
D´este facto e da circumstancia de só serem cobradas directamente das fabricas de Lisboa e Porto, nos termos da legislação em vigor, as imposições relativas á parte da producção respectivamente destinada ao consumo das referidas cidades, resulta ainda tornar-se mais suave a incidencia do imposto, pois em taes condições difficil seria, sem grandes embaraços para as transacções commerciaes e sem importantes despezas, conseguir que essa incidencia attingisse realmente toda a cerveja consumida.
Assim tudo parece aconselhar que se estabeleça um só imposto sobre a cerveja, não muito inferior ao que em Lisboa recáe sobre os vinhos communs e cobravel directamente das fabricas, pelo systema adoptado em relação aos demais impostos de consumo em Lisboa e do real de agua, que se cobra em todos os outros concelhos do continente.
Aquelle imposto, unico, deverá á similhança do que succede relativamente aos impostos de fabricação e consumo, que incidem sobre os productos de que trata a carta de lei de 27 de abril de 1896, recaír tambem sobre todas as cervejas importadas, a fim de que as nacionaes não fiquem em condições desfavoraveis em relação a ellas.
As cervejas exportadas devem continuar isentas de qualquer imposto.
A fiscalisação das fabricas, quando a cobrança se não faça por avença, deverá ser paga pelos interessados em termos identicos áquelles que forem estabelecidos pelo artigo 11.° e seus paragraphos da carta de lei de 27 de abril de 1896.
O direito de consumo em Lisboa sobre os vinhos communs, comprohendido o imposto extraordinario de 5 por cento, é de 3$516,6 réis por 100 kilogrammas, isto é, de 36 réis por litro approximadamente.
O que incide actualmente sobre as cervejas em Lisboa, comprehendido o imposto extraordinario de 5 por cento, é de 1$720 réis por 100 kilogrammas, isto é, de 17 réis por litro approximadamente.
Os impostos de consumo que no Porto incidem sobre os vinhos são:
leal de agua.................. 100 réis por decalitro
Imposto especial............... 60 réis por decalitro
160 réis
6 por cento................... 9 réis
169 réis
por cento................... 8,45 réis
177,45 réis
O imposto do real de agua sobre as cervejas, comprehendendo o complementar de 6 por cento e o extraordinario de 5 por cento, de 111,3 réis por decalitro.
O rendimento medio aos ultimos annos, em relação aos inpostos de consumo que recaem cobre as cervejas, póde ser calculado pela fórma seguinte:
Lisboa................................ 7:500$000
Porto............................... 360$000
O resto do continente................... 7:400$000
Total annual.......... 15:260$000
A producção das fabricas do continente (quatro em Lisboa e uma no Porto) póde calcular-se, de harmonia com os resultados do inquerito feito no mez ultimo, em 2.660$000 litros de cerveja, não entrando em linha de conta a parte exportada, que é relativamente insignificante.
A taxa do imposto de fabricação e consumo sobre a cerveja, deverá, pois, ser de 20 a 25 réis por litro.
Sendo de 20 réis e abrangendo na incidencia a cerveja produzida nas ilhas adjacentes (que nada paga quando é ali consumida), calculo que poderá haver um acrescimo de receita para o thesouro talvez superior a 40:00$000 réis, embora deixem de cobrar-se no continente as imposições de consumo que actualmente existem.
Por todos estes fundamentos e por outros que me parece desnecessario adduzir, tenho a honra de submetter á vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1 ° É sujeita ao imposto de fabricação e consumo de 20 réis por litro, a cerveja fabricada no continente do reino e nas ilhas adjacentes, que entrar no consumo do paiz.
§ unico. Sobre o imposto de que trata o presente artigo não recairá nenhum dos addicionaes existentes á data da publicação d´esta lei.
Art. 2.° A cerveja estrangeira que entrar no consumo do paiz fica igualmente sujeita ao imposto de que trata o artigo antecedente, e será cobrado no acto do despacho de importação.
Art. 3.° A cerveja quer nacional quer estrangeira, que entrar no consumo, fica isenta do pagamento dos impostos de consumo em Lisboa e do real de agua no resto do paiz.
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Art. 4.° São applicaveis á cerveja as disposições dos artigos 10.º e 11.º e seus paragraphos da carta de lei de 27 de abril de 1896.
Art. 5.º O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.
Art. 6.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, em 11 de julho de 1899. - Manuel Affonso de Espregueira.
Foi [...ilegível] publicar no Diario do govorno e enviada [...ilegível] o respectiva.
O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto n.° 17, organisação dos serviços medico-legaes no paiz.
PROJECTO DE IEI N.° 17
Senhores. - Foi grata tarefa para as vossas commissões reunidas, de saude publica, legislação criminal, legislação civil, e instruccão superior e especial, o estudo e apreciação da proposta de lei do illustre ministro da justiça, sobre a organisação dos serviços medico-legaes, no paiz.
Assumpto de tanta magnitude e de tão urgente necessidade publica, não podia deixar do receber a esclarecida attenção do parlamento e de suscitar os applausos da nação para a fecunda iniciativa do sr. conselheiro José Maria do Alpoim.
Senhores. - As vossas commissões supracitadas, tendo largamente meditado e discutido as disposições da proposta, deram pleno assentimento ao plano geral da organisação e ao pensamento que a inspirou o delincou.
Na verdade, tornava-se impreterivel arcar afortamente com a rotina de um systema pericial, que, assentando mal definidos alicerces nas obsoletas Ordenações filippinas (1602), crystallisára nas determinações da Novissima reforma judiciaria (1841), salvas pequenas mnovações da lei de 18 de julho de 1855, e do decreto n.° 5 de 10 de janeiro de 1895.
O rodar pressuroso do carro augusto do progresso scientifico havia distanciado notavelmente a legislação medico-forense em vigor, das imperiosas aspirações sociaes da actualidade; era patente a carencia de um novo diploma legislativo que se moldasse nos principios mias avançados da sciencia, e nas exigencias mais respeitaveis e justas da sociedade.
Bem que a proposta submettida ao nosso exame não possa expandir-se completamente ao calor benefico e vivificante da civilisação hodierna, em vista dos apertados recursos financeiros, é certo representar, para o nosso paiz, um aperfeiçoamento digno de registar-se nas paginas luminosas da jurisprudencia portugueza.
Algumas alterações, todavia, entendemos util fazer na proposta do sr. ministro da justiça, não só para aclarar melhor a intenção do legislador, mas, n´alguns pontos, para ligar e harmonisar a organisação proposta com as formulas existentes, e ainda, n´um artigo, para evitar susceptibilidades de escolas ou rivalidades de competencia.
Ampliámos a representação pericial dos conselhos medico-legaes, creando um quadro de adjuntos, que, a nosso ver, augmenta o valor da pericia, sem onerar o thesouro publico, pois que reduzimos o numero de membros effectivos de cada conselho, em consequencia do juiz de direito ser dispensado da presidencia permanente d´esses conselho.
[... ilegível] que seria prescindivel, para o [... ilegível] segmmento dos processos judiciaes, a [...ilegível] em magistrado, na discussão de relatorios e exa[..ilegível] que já tinham sido presididos por juizes de direito, porque subiam aos conselhos por via de recurso. Basta, portanto, que, em conformidade da leivigente, o juiz do processo presida aos exames em que ainda não estiver preenchida essa formalidade.
Em virtude d´estas modificações, teve de ser refundida a redacção dos artigos 3.º a 7.°, e desdobrados estes em alguns paragraphos e um artigo, para imprimir á doutrina feição mais expressiva, juridicamente faltando.
No artigo 9.° da proposta, que passou a 10.° do projecto, consigna-se um direito que nos pareceu profundamente racional e proficuo; por isso resolvemos alargal-o ás ilhas adjacentes, já que esta porção do territorio portuguez tem de ficar ainda privada dos principaes beneficios emanentes da organisação continental.
Considerámos tambem altamente equitativo e liberal que á defessa se concedesse toda a latitude justificavel, e ao accusado todos os meios de prova da sua inculpabilidade, pois que mais pesará na consciencia do julgador a condemnação de um innocente do que a absolvição de um criminoso.
Eis os motivos dos §§ 1.° e 2.° do artigo 10.º do projecto.
Sendo de levantado criterio e louvavel empenho a conjugação scientifica do systema pericial com os dados fornecidos pela anthropologia criminal, cujos estudos hoje avassallam as doutrinas juridicas, orientando-as pela estrella fulgentissima da moderna sociologia, registâmos o nosso decidido apoio á creação dos medicos authropologistas, tal qual se acha na proposta.
Principalmente no que toca ao impulso methodico que póde imprimir-se ás casas de correcção de menores, para os effeitos da educação preventiva do crime, esperâmos que as disposições da proposta hão de espargir, na sociedade portugueza, os seus edificantes resultados. Em Portugal, como eloquentemente frisa o relatorio da proposta ministerial, quedâmo-nos n´um atrazo sensivel, em confronto com a Italia, Suissa, Inglaterra e outras nações, ácerca dos processos do regeneração, applicaveis aos menores delinquentes. Existe, apenas, a escola agricola de Villa Fernando, dirigida, com notavel proficiencia, pelo sr. Ernesto Leite de Vasconcellos, mas cuja instituição incipiente não permitte, por em quanto, farta colheita de fructos. Todavia, mostra-nos já animadoras esperanças, porque muitos dos colonos, saídos da escola, como verificámos nos registos officiaes, estão sendo uteis ás suas familias e á sociedade, exercendo honestamente as profissões e os mesteres que a educação correccional lhes proporcionou.
N´esta ordem de idéas pensâmos com Roussel: - «Só com a organisação regular e bem cuidada de um systema de educação preventiva póde influir-se propiciamente no desenvolvimento moral da infancia e da adolescencia, de maneira a estancar no seu seio a onda sempre crescente de delictos e de crimes, que trazem inquieta e receosa a opinião publica» -. E do mesmo modo com Berengère: - «As sommas despendidas com os esforços tendentes a obstar a que a creança chegue um dia a ser um malfeitor, economisam cem vezes as que mais tarde seria necessario empregar na repressão o castigos dos seus crimes»-.
Uma outra obrigação, commettida aos medicos anthropologistas, impõe se ao nosso elogio - a estatistica criminal.
A estatistica é o barometro que assignala as modificações sociaes de um povo, e por isso devemos-lhe todo o cuidado e todo o escrupulo. Quando, porém, se trata especialmente de compulsar a tara moral de um paiz, avultam as responsabilidades do emprehendimento. E, por consequencia, deve este ser entregue a quem possa sopesar essas responsabilidades.
Resolvemos manter na integra o artigo 15.° da proposta, que é, indubitavelmente, um dos pontos culminantes da demodelação dos serviços medico-legaes, e fonte d´onde
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póde brotar toda a efficacia da organisação que nos propomos ensaiar, e d´onde provirá maior lustre á pratica da medicina legal portugueza.
É certo que a auctorisação concedida ao governo indica a autonomia do ensino medico-legal; mas para que melhor se defina o pensamento do legislador, ponderâmos, desde já, a inanidade de qualquer reforma cathedratica que não traga a separação completa dos estudos da medicina legal e da hygiene publica, quer pelo desdobramento das cadeiras, quer pela collocação da hygiene publica, cujos conhecimentos são de mais facil acquisição, junto de outra disciplina; o que, para o momento, e para não avolumar as despezas, é assás proveitoso e praticavel.
Os dois ramos da medicina que se sobrepõem na regencia de uma só cadeira escolar, desde a creação d´essa cadeira, pelo decreto de 5 de dezembro de 1836, em Coimbra, e pelo decreto de 29 de dezembro do mesmo anno, em Lisboa e Porto, não podem, actualmente, em face do desenvolvimento scientifico que a medicina legal e a hygiene publica têem tomado, ensinar-se cumulativamente, dentro do mesmo anno lectivo.
É indispensavel que, ao findar o curso annual, o alum-no se encontre habilitado a transformar-se n´um perito que não tente occultar a deficiencia da aprendizagem, n´uma recusa de opinião, ou revele os rebates da sua consciencia, em lucta com a dignidade profissional, na hesitação insciente das suas deducções.
As nossas escolas superiores preparam, sem duvida, eximios clinicos; mas adestram precariamente os futuros peritos, cuja missão é bem diversa, como accentua Lacassagne, nas seguintes phrases, pronunciadas no congresso de Roma: - «A missão do medico legista é muito nitidamente distincta da do clinico. Uma multidão de circumstancias sem interesse n´um diagnostico geral ordinario, são muito graves num diagnostico medico-legal.»
Modifica o projecto as verbas de despeza estabelecidas na proposta ministerial, mas sem que a somma total seja augmentada.
Subimos a 6:000$000 réis a dotação para as morgues, quantia que deve ser distribuida pelas tres morgues, na proporção das respectivas necessidades, originadas na largueza mais ou menos importante do seu funccionamento.
Em compensação, diminuimos as gratificações dos funccionarios remunerados, segundo o artigo 13.° e § 1.° do artigo 5.° do projecto. Estamos certos que esses funccionarios, homens de sciencia e rasão, cederiam de bom grado a quota que lhes foi cerceada, em favor da utilissima instituição das morgues.
É possivel que um exame perfunctorio do projecto faça suppor grandes encargos financeiros, acarretados sobre o estado, pela adopção d´este plano de serviços. Computando, porém, as receitas creadas pelo artigo 15 ° e 16.°, o mettendo em linha de conta as verbas que deixara de despender se com as analyses chimicas e bacteriologicas, visto que passam a fazer-se em estabelecimentos officiaes e pelos funccionarios do estado, resulta um pequeno deficit, que nada pesará n´um orçamento de milhares de contos, e que se tornará insignificante, se o confrontarmos com a enormidade das vantagens que dimanam da lei, para o levantamento moral e scientifico do paiz. Assim, demonstra o calculo que o encargo não será superior a 7:000$000 réis. Por tão diminuta parcella ninguem, amante da patria, lavrará protesto contra o nosso intento legislativo.
Crêmol-o.
Convem, finalmente, notar que a faculdade consignada no artigo 11.° do projecto, em relação aos laboratorios municipaes, nasceu d´um proposito do legislador em supprir a qualquer difficuldade superveniente á affluencia do analyses nos laboratorios do estado.
Só n´este precisos casos é que poderá recorrer-se aos institutos municipaes, incidente que não deve escapar na regulantação da lei.
Concordámos na eliminação dos artigos 10.° e 14.° da proposta, pelas considerações que vamos explanar. O primeiro, porque constituindo doutrina em que se determinava a força juridica dos relatorios e pareceres perciaes, melhor cabimento terá no codigo do processo penal, cuja proposição de lei pende da discussão parlamentar.
O segundo, porque, embora se reconheça a conveniencia de estudar o direito penal, como preparação scientifica dos medicos legistas e mormente dos medicos anthropologistas, é ponderavel a relativa facilidade de obter essa habilitação, para os alumnos da universidade; e por que á lei deve ser concernente o caracteristico da igualdade, tanto quanto possivel, deliberámos que desapparecesse o citado artigo 14.°; demais não complicando isso cousa alguma com a urdidura intima da organisação.
Senhores. - Pelas rasões expostas, e attendendo ao inestimavel valor que derivará, para a sciencia e para a civilisação da nacionalidade portugueza, da approvação de uma medida tão necessaria, altruista, moralisadora e proeminente; considerando que, na execução rigorosa das deteminações d´esta lei, assentará a salvaguarda dos interesses, dos direitos, da honra e da liberdade dos cidadãos; as vossas commissões reunidas, de saude publica, legislação criminal, legislação civil, e instrucção superior e especial, são de parecer, do accordo com o governo, que a proposta de lei n.° 3-E, seja convertida no seguinte projecto de lei, ao qual, de certo, dedicareis o vosso lucidissimo criterio e patriotico empenho de bem servir a nação.
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° O continente do reino será dividido em tres circumscripções medico-legaes, cujas sédes serão Lisboa, Porto e Coimbra.
Art. 2.° Junto da faculdade de medicina e de cada uma das escolas medico-cirurgicas será orçada uma morgue, destinada, não só para as funcções medico-forenses, mas tambem para o ensino pratico da medicina legal, ministrado aos alumnos da respectiva cadeira escolar.
Art. 3.° Na séde de cada uma das circumscupções funccionará um conselho medico-legal, composto de membros effectivos e adjuntos.
Art. 4.° Serão membros effectivos do conselho medico-legal, o professor de medicina legal, o professor de anatomia pathologica, um medico alienista e um chimico-analysta.
§ 1.° Serão adjuntos do conselho, os professores depathologia geral, de obstetricia, de toxicologia, de chimica organica e de chimica inorganica.
§ 2.° Cada um da adjuntos terá logar no conselho, com voto, sómente quando se tratar de materia da sua competencia especial.
§ 3.° Presidirá ao conselho o membro effectivo que for professor mais antigo Mas, aos exames medico-forenses feitos pelo conselho, sem ser em virtude de recurso, presidirá sempre o juiz de direito do respectivo processo, sem voto.
§ 4.° O modo de funccionar do conselho será regulado em harmonia com as exigencias periciaes e a competencia profissional de cada membro.
§ 5.° Os delegados e sub delegados de saude de Lisboa, Porto e Coimbra, auxiliarão as funcções dos respectivos conselhos, e desempenharão mesmo essas funcções, em casos urgentes, como for determinado em regulamento.
Art. 5.° O medico-alienista e o chinico-annlysta serão
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nomeados pelo governo, de entre os que forem funccionarios do estado.
§ 1.º Cada um dos membros offectivos do conselho terá direito a uma gratificação do exercicio, que será determinada em regulamento, mas que não excederá 360$000 réis annuaes.
§ 2.º A cada um dos adjuntos será abonada uma gratificação, correspondente ao que teria direito a receber, segundo o n.° l.° do artigo 61.° da tabella dos emolumentos e salarios judiciaes, pelos actos em que intervier; excepto se, por nomeação do governo ou orgamsação do ensino, estiver já, funccionando como membro effectivo do conselho.
$ 3.° Ao director e sub-director do hospital do conde de Ferreira é dispensada a qualidade de funccionario do estado.
Art. 6.° Os exames cadavencos, os de alienação mental, e os de quaesquer casos em que o ministerio publico assim o requeira, serão feitos, nas comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra, pelo respectivo conselho medico-legal, e nas outras comarcas serão presididos pelo juiz de direito, com assistencia do ministerio publico, e feitos por dois medicos, pelo menos, sempre que os haja dentro da area da comarca.
§ unico. Os demais exames medico legaes continuarão a ser feitos por peritos medicos, na fórma da lei vigente.
Art. 7.° Nos exames que não forem feitos pelos conselhos medico-legaes, deverão os peritos observar o questionario o as instrucções especiaes que um regulamento determinará.
§ unico. D´estes exames poderá interpor-se recurso para o conselho medico-legal da respectiva circumscripção.
Art. 8.° Os juizes, presidentes dos tribunaes, corresponder-se-hão directamente com os conselhos, sobre as funcções da competencia d´estes
Art. 9.º Haverá em cada comarca, e a cargo do juiz de direito, uma caixa com instrumentos de autopsia e outros aprestos indispensaveis para uso dos peritos.
$ unico. Estas caixas serão distribuidas pelo ministerio da, justiça, mas pagas pelas camaras municipaes dos concelhos existentes na área comarca, e pela fórma indicada pelo governo.
Art. 10.° O juiz do processo ou o respectivo agente do ministerio publico poderão, sempre que o julguem necessario para elucidação da justiça, consultar o conselho medico-legal da respectiva circumscripção, sobre todo ou parte do relatorio dos peritos, mas sem que as respostas prejudiquem a validade dos corpos de delicto.
§ 1.° Os magistrados judiciaes e do ministerio publico das comarcas das ilhas adjacentes, poderão tambem consultar, nos termos d´este artigo, o conselho medico-legal de Lisboa.
§ 2.° O mesmo direito assistirá a qualquer das partes, mas á sua custa e pela fórma que for determinada.
Art. 11.° As investigações chimico-legaes e bacteriologicas serão feitas, emquanto os recursos do thesouro não permittirem laboratorios proprios, nos institutos technicos do estado, e nos laboratorios municipaes de Lisboa e Porto, a requisição dos respectivos conselhos, e sob a fiscalisação do vogal technico e de quaesquer outros membros do conselho que a queiram exercer.
Art. 12.° Para o estudo anthropometrico, biologico e social dos criminosos, serão creados dois logares de medicos-anthrepologistas criminaes em Lisboa, e um no Porto, que funccionarão junto das respectivas cadeias civis e casas de correcção. Em Coimbra será este logar desempenhado cumulativamente com o de medico da penitenciaria, sem direito a gratificação especial.
Art. 13.° Os medicos anthropologistas serão nomeados pelo governo, de entre os que forem funccionarios do estado, com direito a uma gratificação, que será determinada em regulamento, mas que não excederá, para cada um, 240$000 réis annuaes.
§ 1.° Compete a estes medicos a organisação scientifica da estatistica criminal, e a elaboração de um relatorio annual, onde proporão ao governo todas as medidas que a pratica do serviço e o progresso da sciencia anthropologica aconselharem.
§ 2.° Estes funccionarios prestarão, quando lhes forem requeridos, esclarecimentos e auxilios profissionaes do seu cargo, aos magistrados judiciaes de Lisboa, Porto e Coimbra, e aos conselhos medico-legaes respectivos.
Art. 14.º Fica o governo auctorisado a remodelar o ensino das cadeiras do medicina legal, em harmonia com as indicações scientificas que dimanam da presente organisação de serviços.
Art. 15.° Constituirá receita do ministerio da justiça, não só o producto dos salarios estabelecidos na tabella vigente para os exames medico-legacs, e que, por essa tabella, pertenceriam aos membros dos tres conselhos, mas ainda o producto de um addicional de 20 por cento sobre os emolumentos de carceragem, em Lisboa, Porto e Coimbra.
Art. 16.° As despezas com as analyses chimico-legaes e bacteriologicas, serão pagas pelas partes que as requererem, ou pelo ministerio da justiça, quando as analyses não forem feitas em laboratorios do estado, entrando, em todos os casos, depois em regra de custas.
Art. 17.º É o governo auctorisado a incluir no orçamento do ministerio da justiça a dotação annual de réis 6:000$000, para installação e conservação das morgues em Lisboa, Porto e Coimbra.
Art. 18.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.
Art. 19.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões das commissões reunidas, de saude publica, legislação criminal, legislação civil, e instrucção superior e especial, em 22 de março de 1899 = José Dias Ferreira (vencido em parte) = José Joaquim da Silva Amado = Carlos J. de Oliveira = Libanio Antonio Fialho Gomes = J. Simões Ferreira = J. A. Ferreira da Fonseca = Henrique de Carvalho Kendall = Antonio Augusto Gonçalves Braga = João Monteiro Vieira de Castro = Adriano Anthero = Antonio Cabral = Sertorio do Monte Pereira = Queiroz Ribeiro = Bernardo Homem Machaâo= J. B. Ribeiro Coelho = Martinho Tenreiro = Luiz José Dias = Oliveira Mattos = Joaquim H. da Veiga = J. Barbosa = Antonio Simões dos Reis = Antonio Tavares Festas = Manuel Antonio Moreira Junior = J. Catanho de Menezes = Abel da Silva = J. M. Barbosa de Magalhães = João Antonio de Sepulveda = Arthur Montenegro = Julio Ernesto de Lima Duque, relator.
A commissão de fazenda nada tem que oppôr ao parecer e projecto das illustres commissões de saude publica, legislação criminal, legislação civil, e instrucção superior e especial.
Lisboa, 27 de março de 1899. = Frederico Ressono Garcia = Augusto José da Cunha = Francisco Felisberto Dias Costa = Henrique de Carvalho Kendall = Adriano Anthero = Francisco da Silveira Vianna = Queiroz Ribeiro, relator.
Nº 3-E
Senhores. - Desde meiados do seculo actual que as sciencias medicas vem, especialmente pelo impulso fecundante dos processos experimentaes, dia a dia, com rapidez inesperada, rasgando novos horisontes ao saber humano e refundindo as velhas bases do edificio social. Um dos ramos d´essas sciencias que mais largos passos têem avançado no caminho da civilisação é, sem duvida, a medicina-legal Ha pouco mais de um seculo não existia esta sciencia, arvorada em plano regular de estudos. Apenas se desenhavam esforços isolados de alguns espirites sabios e
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audazes, e se compulsavam elementos dispersos de observações pouco systematisadas. O que ella representa na epocha presente, senhores, e qual o seu futuro proxima, dil-o, com eloquencia, o illustre professor de direito, na universidade de Coimbra, sr. dr. Affonso Costa, no seguinte trecho de um seu livro, referindo-se á medicina-legal:
«Hoje dá o santo e a senha aos juizes e jurados na punição de tres quartas partes dos crimes graves occorridos no mundo culto. Hoje já a propria igreja a chama em seu auxilio para explicação de casos que outr´ora só por milagres poderiam bem destrinçar-se. O seu poder é enorme.
Ámanhã, quando os povos da terra, esclarecidos, lhe pedirem a fixação das categorias de delinquentes e a designação do logar que cabe a cada um; ámanhã, quando a lei lhe pedir a constatação de quantos elementos morbidos possa ter o miseravel que a ataca, a medicina-legal terá absorvido quasi por completo o ministerio punitivo.»
E assim é, e será, nos paizes de maior e mais pratica cultura intellectual, como a Allemanha, a Austria e a França. Em Portugal, porém, ao relancear os olhos pelo campo da instrucção medico-legal, e pelo exercicio forense d´esses importantissimos serviços, de que dependem, tantas vezes, a fortuna, a honra, a liberdade e a vida dos cidadãos, sentimos a desolação e o confrangimento de alma de quem retrograda dezenas de annos na escala do progresso.
Foram estas ponderosissimas considerações que actuaram no nosso espirito com tal intensidade e com tão grande fervor, que ousámos lançar hombros á empreza, apresentando ao vosso estudo e criterio a presente proposta de lei, tendente á organisação dos serviços medico-legaes do nosso paiz.
Já por duas vezes, senhores, que á camara dos senhores deputados foram submettidos projectos de lei sobre o exercicio da medicina nas suas relações com os tribunaes de justiça. O primeiro projecto, da iniciativa do antigo ente de medicina, na universidade, o sr. dr. Macedo Pinto, foi apresentado na sessão de 6 de fevereiro de 1857.
O segundo foi apresentado na sessão de 15 de fevereiro de 1882, pelo sr. dr. Cunha Bellem. Os projectos d´estes distinctos parlamentares, apesar de modestos e um tanto exclusivistas, por abrangerem sómente Coimbra, no primeiro, Lisboa e Porto, no segundo, deveriam ter merecido a attenção das camaras legislativas, pois que annunciavam uma tentativa valiosa, que formaria nucleo de mais largos emprehendimentos, e ter-nos-íam feito entrar no convivio civilisador das nações cultas da Europa.
Infelizmente foram infructiferos esses esforços benemeritos dos illustros medicos, e o exercicio da medicina legal continuou, até hoje, com os mesmos defeitos, igualmente rudimentar, como se estivessemos nos fins do seculo preterito.
É mister, todavia, saír do torpôr que nos avilta perante o mundo scientifico. E assim o têm comprehendido alguns publicistas, jurisconsultos notaveis, como os srs. Augusto Maria de Castro, Antonio Ferreira Augusto e Affonso Costa, cujas propostas, embora susceptiveis dos reparos da critica, têem muito de aproveitavel, particularmente nas disposições propriamente regulamentares.
Ser-nos-ia facil, pondo em pratica um vicio do nosso funccionalismo, elaborar um plano desenvolvido o completo da organisação d´estes serviços; bastaria para isso copiar o systema allemão ou austriaco. São obvios, no emtanto, os erros de um tal plagio, querendo implantar de um jacto, n´um paiz falho de recursos scientificos e monetarios, as maravilhosas instituições dos paizes ricos de sabedoria e dinheiro, e que mesmo n´esses paizes gastaram muitos decennios na sua consolidação e no seu aperfeiçoamento.
Levados por esta ordem de idéas, procurámos, pois, adaptar ao nosso meio social e ás condições do thesouro publico, os principios mais consagrados e as regras mais exequiveis para uma efficaz remodelação dos serviços medico-forenses. E, em uma nação onde tudo falta, teremos de começar pelos alicerces que hão de sustentar mais tarde toda a contextura do edificio.
Por esta rasão traçámos a urdidura da proposta sobre os pontos cardeaes que hodiernamente apontam os rumos da medicina legal, delineando as bases do ensino pratico d´esta sciencia; da investigação dos crimes e apreciação da capacidade juridica dos individuos; do estudo do criminoso em si e nas suas ligações com a sociedade; assim como attendemos, o mais possivel, á questão financeira, a qual, no tempo corrente, muito atormenta os cofres do estado. Serão, portanto, estes os capitulos a revistar.
Os artigos 2.°, 14.°, 15.° e 18.° da proposta procuram obstar á continuação do inutil e acanhado ensino theorico da medecina legal, unico que as nossas escolas professara, e dar-lhe a orientação pratica necessaria para fórmar genuinos peritos, cujas resoluções possam sem hesitação de consciencia basear as decisões dos tribunaes. Com rasão escreve Tourdes - « Combieu n´est-il pas utile de substituer la demonstration à la discription et de faire passer sous les youx des éleves les piéces materielles de tout débat. Le jeuno docteur, em quittant les banes de l´école, doit être capable de résoudre un problème de médcimo legale, comme il est apte à traiter un malade; c´est un prélude à 1´experience personelle qu´aucuno théorie ne devance, mais que prépare une bonne méthode d´observation. De même que la clinique compléte les études de la pathologie, de même aussi une obserration spéciale, une véritable clinique medico-legale est necessaire pour imtier 1´élévo à l´art des expertises et pour le mettre en état d´exercer dignemente cette partie si délicate des devoirs du médecin».
O ensino da medecina-legal foi regulado officialmente na Allemanha, embora frouxamente, em fins do seculo XVI, segiundo-se-lhe a Italia nos principios do seculo XVII, a França nos fins do seculo XVIII, e todas as demais nações já no percurso do seculo XIX. Todavia, algumas d´estas nacionalidades que vieram muito mais tarde, como a Inglaterra e os Estados Unidos, encorporar-se no cortejo scientifico, galgaram rapidamente todos os degraus, só por que imprimiram ao seu ensino o caracter demonstrativo que hoje domina. A França, que já em 1797 tinha Fedéré, e depois de 1801, Mahon, Chaussier, Esquirol, Tardieu, Sauile, etc., apenas ha uma duzia de annos tornou efficazes e brilhantes os estudos praticos da medecina-legal, instituindo a morgue de Paris sob a direcção do notavel professor Brouardel.
Em Portugal o ensino pratico falta por completo, e o ensino doutrinario e didactico é simplesmente mesquinho.
Decorrem gerações sobre gerações academicas, sem que os alumnos de medecina-legal observem, um cadaver, um ferimento, um alienado ou uma doença qualquer, sob o estimulo de uma preoccupação medico-legal.
Os medicos portuguezes sáem das escolas, tendo ouvido algumas preleções sobre casos citados nos livros da especialidade, e tão vazios de conhecimentos experimentaes, que bem podem aquilatar-se com aquelle perito, referido por Brouardel, e que representava, n´esse momento, a synthese do atrazo vergonhozo da França, em face de outros paizes, sobre a pratica medico-forense. Um medico francez, perito n´um supposto caso de estupro, declarara a existencia de crime, em vista da carencia do hymen, na pessoa examinada. Um segundo exame, feito por peritos de superior categoria, evidenciou intacta a membrana hymen. Pedidas explicações ao primeiro perito, este declarou, com toda a sinceridade, que o seu engano proviera de
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nunca ter visto um hymen, senão atravez das descripçõcs dos, livros!!
É desnecessario commentar. Convem, no entanto, frizar que é logo depois de uma preparação scientifica d´este teor, que os peritos portuguezes são chamados a emittir opinião, ácerca dos assumptos mais melindrosos da medicina e da jurisprudencia; é sobre pareceres de peritos assim habilitados, pareceres que, para maior calamidade, são ordinariamente escriptos sobre o joelho, que hão de incidir julgamentos, d´onde deriva a perda ou a concessão dos mais sagrados direitos e dos mais respeitaveis interesses dos cidadãos.
Urge, pois, uma reforma de ensino medico-legal, que se acha ainda no mesmo adiantamento, que fazia dizer a Lima Leitão, em 1841: «O ensino da medicina legal, está ainda muito longe do que deve ser. Os vicios d´estas disposições avultam de tal maneira que escuso designal-os.
Mas cumpre clamar alto e, especialmente, que a medicina legal aprendida só nos livros é inutil cusinar-se nas escolas, e que, quanto á parte experimental, que é a essencial n´estas materias, nós não a temos, e que se faz extremamente preciso mandal a estudar.»
A creação das morgues, nos termos do artigo 2.°, supprirá uma parte da lacuna existente; a auctorisação do artigo l5.° põe na mão do governo a solução complementar do problema. Porque é preciso não esquecer os abali sados conselhos de Lacassague, Vibert, Hoffiman, Brouardel e muitos outros, no tocante á especialisação dos estudos medico-legaes.
O artigo 14.° insinua tambem uma outra questão, que tem sido largamente debatida no estrangeiro. A medicina legal deve pertencer ás escolas de direito ou de medicina? Os estudantes de direito devem frequentar as aulas de medicina legal, e vice-versa? Parece nos puramente subtil uma discussão d´esta natureza.
A localisação do ensino n´uma ou outra faculdade, afigura-se-nos cousa secundaria; o indispensavel é a acquisição dos conhecimentos apropriados ao desempenho cabal da missão. Ora, sob este escopo, serão sufficientes ao medico as generalidades do direito applicavel ás materias da que profissão pericial, e ao jurisconsulto os principios fundamentaes em que assentam as investigações médicas, a fim de que não formulem quesitos impertinentes e descabidos, nem critiquem levianamente declarações bem deduzidas, pois, que, como diz Tourdes, á medicina compete resolver as questões e á justiça pôl-as.
As disposições do artigo 11.º indigita aos medicos o methor caminho na preferencia da habilitação. A reforma indicada no artigo 15.º poderá fazer o resto, se o legislador reconhecer as vantagens do preceito.
Na escolha do systema pericial respigámos das nações cultas o que nos parecem mais util, scientifico e praticavel, nas circumstancias actuaes do paiz. Sobretudo, porém, dominou o nosso pensamento uma organisação melitio logal em que os peritos tivessem a maxima auctoridade com a maxima responsabilidade; porque d´estes dois requesitos derivariam assignalados benenficios para o julgamento consciencioso das causas forenses.
Repugna-nos, senhores, o systema inglez e o americano, limitação d´aquelle. Em Inglaterra não existe propriamente a função pericial. Os medicos são chamados ao tribunal como testemunhas, tanto por parte da accusação como da, defeza, e postos ahi em confronto, uns com outros, empenham discussões por vezes tão pouco edificantes, e cujos resultados são de tal modo deploraveis, que, segundo assevera Brouardel, «les docteurs honorables ne zeulont plus à aucun prix paratre aux débats». Em Portugal, dado o temporamento meridional da nossa raça, as [ilegível] seriam ainda de peior exemplificação.
Na Italia e na Hespanha, cujas funcções officiaes da medicina legal pouco differem das nossas, são incessantes os clamores perante os poderes publicos, a fim de se melhorar aquella situação de inferioridade social.
Em França, a despeito do impulso gigante dado ao ensino pratico d´esta sciencia, nos ultimos annos, ainda não existe orgamsação proficua dos serviços medico-forenses.
Todavia, esse paiz sente-se renascer sob o ponto de vista medico-legal; porque, graças ao talento e actividade de Brouardel, dentro em pouco poderá contar, junto dos seus tribunaes, verdadeiros medicos legistas, educados proficientemente na morgue de Paris.
A Austria offerece-nos Já uma orgamsação propria e satisfactoria. Os peritos são recrutados entre medicos que tenham prestado provas n´um exame especial, cujo jury é formado por professores ou medicos afamados das capitaes do imperio (Vienna, Praga, Budapesth, etc.)
Em cada districto ha um d´esses peritos, e em cada provincia um inspector para fiscalisar o serviço d´estes medicos. Estes funccionanos podem ser chamados a esclarecer os tribunaes, não como testemunhas, mas sómente como peritos, nos casos em que os seus relatorios necessitem de explanação.
Os tribunaes têem, alem d´isso, o direito de fazer examinar as questões delicadas da medecina forense pelos professores de medecina legal, ou quaesquer outros especialistas. Transparece claramente, n´esta organisação, o extremo cuidado e melindre com que se tratam as questões inedico-forenses.
Superiormente á Austria, porém, se eleva a Allemanha, esse vasto emperio do saber humano. N´este paiz tudo é magistralmente organisado - o ensino theorico e pratico da medicina legal e a funcção pericial, Ha peritos proprios e bem instruidos adstrictos aos tribunaes de justiça, e ainda assim são obrigados a seguir, nos exames cadavericos, um regulamento primorosamente elaborado, para que nada escape á sua observação. E, sobre isso, tem consignada a disposição legal de que essas autopsias só podem ser feitas por dois médicos.
Em cada uma das capitaes das provincias ha collegios medicos, em cujas attribuições entra, alem de outras, a critica dos relatorios medico-legaes e tudo o que respeita a consultas e superintendencia dos negocios da medicina forense, na respectiva area. E, como recurso supremo, senhores, existe em Berlim o tribunal de superarbitra composto de onze professores da universidade, o qual decide em ultima instancia.
Transplantar para Portugal a magnifica organisação allemã, era o nosso ideal; mas seria completamente inexequivel. Começa por nos faltarem os medicos legistas. Ora, collocar os actuacs medicos clinicos junto dos tribunaes, em funcção especial da medicina forense, seria, alem de muito dispendioso, perfeitamente irrisono.
Temos, pois, de iniciar a organisacão no nosso paiz pela instrucção preliminar d´esses funccionarios. Mais tarde, quando tivermos médicos sufficientemente habilitados, poder-se ha tentar o processo austriaco de peritos districtaes, e assim successivamente.
Da Allemanha accertámos os tribunaes de recurso, sem o apparato d´aquella grande nação, mas de tanta, efficacia quanto os recursos scientificos do nosso paiz o permittem.
N´elles entram professores e especialistas. N´isto reside a sua auctoridade. São funccionarios publicos, e por isso com toda a responsabilidade dos seus cargos.
Os professores de medicina legal não podem deixar de fazer parte dos conselhos medico-legaes, visto que as morgues se dtstinam tambem ao ensino pratico da medicina legal, afóra a competencia particular que devem ter esses professores. Por igual motivo o professor de pathologia geral, que, em Coimbra, tem sob a sua direcção os gabinetes de bacteriologia e microscopia, tão necessarios hoje nas investigações pericipes, e os professores de anatomia
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pathologica, para os exames cadavericos, têem justamente logar n´esses conselhos.
Não precisa de justificações a importancia dos medicos alienistas nos conselhos, especialmente n´um paiz onde o ensino da pathologia mental está clamando pelo seu logar na cadeira de medicina legal, visto que actualmente é assumpto totalmente estranho aos alumuos das nossas escolas medicas. Do mesmo modo para os chimicos analystas
Dêmos a presidencia d´esses conselhos a magistrados; porque na carencia em que os nossos medicos estão do conhecimentos juridicos, afigura-se-nos que estes magistrados serão um seguro guia para a exactidão legal dos relatorios, imprimindo, alem d´isso, ao conselho maior grau de auctoridade perante o poder judicial e o publico, e mais effectiva responsabilidade.
Como a competencia d´estes conselhos deve ser maxima, no nosso meio scientifico, tcr-lhe-íamos entregue todas as resoluções dos problemas medico-legaes em Lisboa, Porto e Coimbra, se a estatistica não nos demonstrasse a impossibilidade material d´esse trabalho, attendendo ao numero consideravel de exames quotidianos, principalmente nas duas primeiras cidades. É, por esta rasão, incluimos os tribunaes de primeira instancia de Lisboa, Porto e Coimbra, no plano geral dos serviços medico-legaes nas comarcas do remo, e nas circumstancias de menos ponderação.
Sendo impossivel disseminar peritos officiaes pelo paiz, entendemos de bem criterio fazer pautar os exames periciaes por um questionario, com igual fim ao do regulamento allemão, mas com muito maior motivo.
Com isto, e com a faculdade de recurso ou consulta para os conselhos, fica assegurada a uniformidade e indicado o rigor scientifico dos exames. Julgámos de boa pratica a consignação de dois medicos para os casos do artigo 7.° É de lei na Allemanha, e são conhecidas as instancias da sociedade medico-legal do França, perante o governo da republica, para que uma tal disposição illustre a legislação d´aquelle paiz. Para que se torne realisavel o nosso intento, senhores, alarga-se ajurisdicção dos magistrados por toda a area da comarca, caducando assim o preceituado na lei vigente.
O § 3.° do artigo 5.° refere-se ao auxilio dos delegados e sub delegados de saude. - Pensámos que bom proveito se póde tirar do serviço d´estes funccionarios, principalmente nos casos de levantamento dos cadaveres e verificação de obitos, commettendo-lhes a obrigação de redigirem, ácerca d´esses acontecimentos, umas notas em que se mencionem todas as circumstancias que acompanharem esses actos, e que possam servir de futuras aclarações, quando, porventura, tenha de haver procedimento criminal. Essas notas deverão ser enviadas ao respectivo conselho.
Das idéas expendidas a respeito da auctoridade e responsabilidade inherentes aos conselhos medico-legaes, derivaria a doutrina de que os relatorios e pareceres medicos não deviam ser discutidos ou contestados perante os tribunaes judiciaes. Era natural, porém, que a doutrina levantasse celeuma entre os que tivessem simplesmente em mira a latitude dos debates judiciaes; mas ha, pela nossa parte, rasões theoricas, exemplos praticos, e argugumentos de auctoridade. As rasões theoricas resaltam de tudo o que temos dito n´este capitulo; os exemplos da pratica forense são quotidianos. Advogados, delegados e testemunhas, todos se conjuram para lançar suspeições de imperícia sobre os relatorios medicos, retalhando os, contra ditando-os, commentando-os a seu talante. De modo que o julgador fica perplexo, no meio de tanta divergencia de opiniões, divergencia que, em geral, dimana da diversidade de aspectos do ponto litigioso, aspectos sobre que os profissionaes são consultados incompleta e isoladamente. Estão ainda na mente de todos, os factos pouco edificantes dos celebres processos de Joanna Pereira e de Urbino de Freitas, assim como os incidentes analyticos do major Picão e ultimamente o caso de Cardoso Pereira.
Opiniões auctorisadas, podiamos colher bastantes, entre os tratadistas do medicina-legal; mas preferimos citar, em primeira plana, as palavras de um professor de direito na universidade de Coimbra, para que mais impresso fique o cunho de imparcialidade. Eis como se exprime:
«Não queremos o que geralmente se quer e pratica, porque, a titulo de alargar os direitos da defeza, erguem-se nos tribunaes e na imprensa discussões azedas, que só produzem o descredito dos peritos, a irritação do publico contra o réu ou contra o representante da sociedade, e um estado geral do desconfiança que sobresalta os espiritos e vae influir nas decisões judiciarias. Não o queremos, porque produz nos peritos nomeados pela defeza a perda completa d´essa serena e incorruptivel imparcialidade, que todos os tratadistas recommendam com ardor.»
A intervenção de pareceres emittidos pelos profissionaes estrangeiros, embora dos mais abalisados, é puramente perturbadora sem que satisfaça ao espirito exigente dos criticos, porque a esses profissionacs faltam, na quasi totalidade dos casos, elementos precisos de observação, como exame directo e peças materiaes, e apenas traçam, os seus dictames sobre dados que lhes são fornecidos, muitas vezes, com intuitos desvirtuadores da verdade. Ora, em taes condições, esses pareceres, manejados por causidicos astutos, mais servem para confundir do que para esclarecer. Por todos estes motivos, seria do maior alcance pratico e do melhor effeito scientifico, moral e juridico, a consignação, na proposta, d´esta doutrina. Oppõem-se, no entanto, não só a legislação criminal vigente, mas, sobre tudo, os principios liberaes que regem todas as instituições publicas, em Portugal. Por isso, formulámos o artigo 10.°, com largueza maior do que a exigida pela soberania profissional.
As outras disposições da proposta, relativas á investigação directa dos crimes, mostram-se de tão imperiosa significação, que ocioso será explical-as.
Não podia, a nosso ver, qualquer formula de organisação medico-forense, no momento scientifico em que nos achâmos, ficar silenciosa perante a revolução dos principios criminaes que convulsionam as sociedades modernas, n´uma lucta de idéas e de escolas que se disputam primazias, na perfectibilidade do problema regenerativo dos individuos e as collectividades.
Foi este o pensamento dos artigos 12.° e 13.° da proposta.
A simplicidade, porém, da estatuição, creando apenas essas entidades, e deixando-lhes plena liberdade na orientação dos serviços especiaes que lhes são incumbidos, revela claramente o estado movediço da sciencia anthropologico-criminal, na hora presente.
Com effeito, seria fallivel e demasiado perigoso firmar regras e preceitos, quando se enlaçam em pugnas rijas os sectarios mais ferrenhos das theonas do livre arbitrio e do determinismo; quando vemos os trabalhos herculeos de Lombroso, os esforços athleticos de Garofalo, de Ferri, Marrô, Fioretti, etc., da escola italiana, desviados da sua primitiva constituição, por Tarde e outros, da escola franceza; quando assistimos ao resurgimento da escola neoclassica dos criminalistas socialistas, tomando vôos na França, na Belgica, na Hespanha, na Allemanha, e até na propria Italia, sob os auspicios de Proal, Desjardim, Jouly, Guillot, Luchini, etc. Por isso entregámos aos medicos anthropologistas o estudo das questões que se vão debatendo no campo da sciencia, e a indicação dos resultados positivos e praticos que se forem colhendo, para os apresentar ao governo, habilitando-o assim a uma remodelação officaz e opportuna da legislação penal, segundo prescripções inabalavelmente scientificas.
Ninguem hoje desconhece o valor dos processos anthropometricos, mercê da propaganda de Bertillon, como auxi-
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Horas da pesquizass medico-legaes, especialmente no reconhecimento da identidade dos criminosos, e mesmo em certos, casos, da identidade dos individuos mortos; como ninguem porá em duvida os assignalados serviços que irrompam da authropomeiria, em materia de reincidencias.
Assim, a França, a Inglaterra, a Prussia, a Belgica, os Estados-Unidns, etc., têem apoiado estes proficuos ensinamentos, estabelecendo as suas repartições de anthropometria.
Não é, pois, demasiado cedo que vamos preencher esse dever de nação culta, e entrar na confraternisação internacional dos paizes que corresponderam aos desejos do terceiro congresso de anthropologia criminal, expressos nos seguintes termos: «Votou por unanimidade o desejo de ver adoptar e generalisar em todos os paizes o systema dos aiguaes anthropometricos, não só para a identificação dos recidivistas, mas tambem com o fim de permittir a constatação certa e rapida da identidade pessoal».
Alem d´isto, sendo do maior alcance humanitario, averiguar com exactidão a personalidade moral e intellectual da presos, o exame biologico impõe-se á nossa consideração.
N´este ponto opinâmos com o distincto alienista, sr. dr. Julio de Mattos, insurgindo-se contra a ausencia ou deficiencia dos exumes aos detidos, mórmente sobre o ponto de vista da mentalidade, pois resulta d´ahi que muitos desgraçados, que deveriam ser recolhidos nos manicomios, são impellidos para a forca, para a guilhotina, para o desterro ou para as penitenciarias, como aconteceu a Papavoine, Bouton, Bellingham, Grandi e muitos outros.
Tambem, com intencional proposito, estendemos a acção do medico anthropologista ás casas de correcção. É ponto demonstrado, na ultima estatistica da criminalidade, em Portugal, organisada pelo medico, sr. dr. Alfredo Luiz Lopes, que, no nosso paiz, o crime vão augmentando de um modo notavel, e nomeadamente nas idades inferiores a trinta annos.
Sobretudo, é desolador o quadro numerico dos reincidentes, principalmente relativo a individuos menores. É obvia, portanto, a urgencia de empregar todos os meios que a sciencia preconisa para a educação preventiva e coerciva do crime. As nossas casas de correcção, com o regimen actual, são antes escolas do crime, do que institutos de morigeração.
Como disse Sémal, o crime é como um phenomeno natural, que se póde prevenir, estudando-o nas suas causas sociaes e individuaes; portanto cremos que será de proveitoso futuro o estudo anthropologico, methodico e preceitual, d´essas infelizes creanças que a sociedade tem obrigação de amparar e proteger. Basta volver os olhos para o mundo civilisado e compulsar as dedicações altruistas de Bowditch, na America, de West, na Inglaterra, de Robin e Roussel, na França, de Drill, na Russia, Alimane, Sergi, Ferriani e muitos mais na Italia; basta attender ao crescente desenvolvimento, n´alguns d´estes paizes, dos institutos, quer particulares, quer officiaes, regidos por esses salutares principios educativos, para dar realce á disposição da proposta.
O medico anthropologista, indagando e prescrutando a intelligencia, as inclinações, os habitos, as anomalias physicas, a morbidez e a hereditariedade do pequeno ou presumido delinquente, constitue o mais seguro pharol para nos guiar na conducta que melhor alcançará o fim regenerativo e que visa a instituição correccional.
Por outro lado iremos, talvez, fazer germinar, em Portugal, a semente vivificadora d´esses institutos que tem feito, na Inglaterra e na Suissa, diminuir consideravelmente o crime. É necessario não adormecermos sob o influxo da phrase le Guisot: - «Cada escola que se abre faz fechar uma prisão»; porque esse lemina cae por terra perante os dados estatisticos da criminalidade. E, na verdade, a pedagogia official não está ainda hoje de molde a formar caracteres moraes.
Por ultimo, justificâmos a especialisação da estatistica criminal, como uma dasattribuições dos medicos-anthropologistas, pelo facto da aptidão particular d´estes funccionarios para architectar um trabalho que se distinga da esterilidade habitual das parcimoniosas o incompletas estatisticas criminaes que possuimos, e onde as operações numericas nada indicam de elucidativo sobre as condições nativas e mesologicas dos criminosos, elementos indispensaveis n´esta ordem de estudos.
Os parcos recursos do thesouro obstam, como n´outro logar dizemos, a uma larga distribuição pelo paiz dos beneficios da organisaçao dos serviços medico-legaes, e mesmo á remuneração condigna d´esses serviços, conferida aos funccionarios gratificados, segundo o artigo 4.° §§ 2.° e 3.°, e artigo 13.°
É do mesmo modo exigua a dotação annual respectiva ás morgues, e lamentavel não podermos installar, desde já, laboratorios proprios e privativos d´essas morgues.
Todavia, o exemplo da França anima-nos a pensar que dentro em poucos annos, será concedida maior largueza á dotação que propomos. A França, que apenas votou a quantia de 7:000$000 réis annuaes para a morgue de París, no acto da sua creação, passados tempos, reconhecendo os inestimaveis favores que advieram para o exercicio da medicina legal, e que tanto explendor trouxeram á sciencia franceza e ao nome de Brouardel, elevava a 21:000$000 réis a primitiva dotação.
Apesar da modestia orçamental, ainda procurámos minorar os encargos, creando as receitas consignadas no artigo 16.° Reformar, sem augmento de despeza, é possivel e mesmo facil; organisar desde os fundamentos, sem algum dispendio, não é viavel. No entanto, senhores, abençoada despeza é aquella que se desentranha em tão opimos e sublimados fructos, como aquelles que hão de promanar da proposta de lei que submettemos á vossa apreciação e que de certo discutireis com lucido criterio e levantados propositos de utilidade para a patria e para a humanidade.
A approvação da proposta auctorisará um ensaio de organisação que nos levanta no conceito dos paizes mais civilisados, e ainda que a trama d´esta proposta pareça, á primeira vista, de minguadas proporções, é certo, comtudo, que só precisaremos amplia-la o generalisal-a n´algumas das suas disposições, logo que no paiz haja verdadeiros medicos legistas e mais desafogo financeiro, para que nos possamos altivamente defrontar com as duas poderosas nações europêas, onde hoje primacialmente se exercem as nobilissimas funcções medico-forenses.
Secretaria d´estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, 22 de fevereiro de 1899. = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Proposta de lei
Artigo 1.° O continente do reino será devidido em tres circumscripções medico-legacs, cujas sédes serão Lisboa, Porto e Coimbra.
Art. 2.° Em cada uma das sédes, e junto da faculdade de medicina e das escolas medico-cirurgicas, será creada uma morgue, destinada não só para as funcções medico-forenses, mas tambem para o ensino pratico da medicina legal, ministrado aos alumnos da respectiva cadeira escolar.
Art. 3.° Em cada uma das circumscripções haverá um conselho medico-legal, composto de cinco membros, o que funccionará na respectiva séde.
Art. 4.° Compor-se-ha o conselho medico-legal, do pro-
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fessor de medicina legal, do professor de pathologia geral ou de anatomia pathologica, de um medico alienista o de um chimico-analysta.
§ 1.º Este conselho deverá ser presidido, em Lisboa e Porto, pelos juizes dos districtos criminaes e da instrucção criminal, por turno, e em comissão de serviço publico, pelo tempo d'essa presidencia. Em Coimbra presidirá o juiz de direito, e por delegação, ou no seu impedimento, o substituto, sendo bacharel formado em direito.
§ 2.° O medico-alienista e o chimico-analysta, serão nomeados pelo governo, de entre os funccionarios do estado, com direito a uma gratificação, que será determinada em regulamento, mas que não poderá exceder para cada um, 40$000 réis mensaes.
§ 3.° Aos outros membros do conselho será concedida uma gratificação de exercicio, igual á precedente.
§ 4.° Ao director e sub director do hospital do conde de Ferreira é dispensada a qualidade de funccionario do estado.
Art. 5.° Competem a estes conselhos todas as funcções medico-forenses dos tribunaes judiciaes de Lisboa, Porto e Coimbra, nos casos referidos no artigo 7.°.
§ 1.° Nos demais casos serão feitos os exames em conformidade com o disposto no artigo 6.° e com a faculdade do § 2.° do artigo 7.°
§ 2.º Os juizes, presidentes d'estes tribunaes, corresponder-se-hão directamente com os conselhos, sobre as funcções da competencia d'estes.
§ 3.° Os delegados e sub-delegados de saude de Lisboa, Porto e Coimbra, auxiliarão as funcções dos respectivos conselhos, nos casos que forem designados em regulamento.
Art. 6.° Nas comarcas fora de Lisboa, Porto e Coimbra, os exames medico-legaes continuarão a ser feitos por peritos medicos, na fórma da lei vigente, observando, porém, estes, o questionario e as instrucções especiaes que forem determinadas em regulamento.
Art. 7.° Os exames cadavericos, os de alienação mental, e os que respeitem a casos, presumidamente de grande importancia, sob o ponto de vista penal, serão feitos por dois medicos, pelo menos, sempre que os haja dentro da area da comarca.
§ 1.° A estes exames presidirá o juiz de direito, com a assistencia do ministerio publico.
§ 2.° N'estas comarcas poderá requerer-se novo exame medico-legal, perante o conselho da respectiva circumscripção, tendo este exame caracter definitivo;
Art. 8.° Haverá em cada comarca, e a cargo do juiz do direito, uma caixa com instrumentos de autopsia o outros aprestos indispensaveis, para uso dos peritos.
§ unico. Estas caixas serão distribuidas pelo ministerio da justiça, mas pagas pelas camaras municipaes dos concelhos existentes na area comarca, e pela fórma indicada pelo governo.
Art. 9.° O juiz do processo poderá, sempre que o julgue necessario para elucidação da justiça, consultar o conselho medico-legal da respectiva circumscripção, sobre todo ou parte do relatorio dos peritos.
§ unico. O mesmo direito assiste ao agente do ministerio publico.
Art. 10.° As conclusões dos relatorios e pareceres, emanados dos conselhos medico-legaes, constituem presumpção juridica perante os tribunaes.
Art. 11.° As investigações chimico-legaes e bacteriologicas serão feitas, emquanto os recursos do thesonro não permittirem laboratorios proprios, nos institutos technicos do estado, e nos laboratorios municipaes de Lisboa o Porto, a requisição dos respectivos conselhos, e sob a fiscalisação do vogal technico e de quaesquer outros membros do conselho que a queiram exercer.
Art. 12.° Para o estudo anthropometrico, biologico e social dos criminosos serão creados dois logares de medicos-anthrpologistas-criminaes em Lisboa, e um no Porto, que funccionarão janto das respectivas cadeias civis e casas de correcção. Em Coimbra será este logar desempenhado cumulativamente com o de medico da penitenciaria, sem direito a gratificação especial.
Art. 13.° Os medicos anthropologistas serão nomeados pelo governo, d'entre os funccionarios do estado, com direito a uma gratificação que será determinada em regulamento, mas que não excederá, para cada um, 30$000 réis mensaes.
§ 1.° Compete a estes medicos a organisação scientifica da estatistica criminal, e a elaboração de um relatorio annual, onde proporão ao governo todas as medidas que a pratica do serviço e o progresso da sciencia anthropologica aconselharem.
§ 2.° Estes funccionarios prestarão, quando lhes forem requeridos, esclarecimentos e auxilios profissionaes do seu cargo, aos magistrados judiciaes de Lisboa, Porto e Coimbra, o aos conselhos medico-legaes respectivos.
Art. 14.° No futuro provimento dos logares creados por esta lei, ou por quaesquer outras que a venham ampliar, serão preferidos os medicos que apresentarem certidão de frequencia e approvação nas disciplinas professadas na cadeira universitaria de direito penal.
Art. 15.° Fica o governo auctorisado a remodelar o ensino das cadeiras de medicina legal, em harmonia com as indicações scientificas que dimanam da presente organisação de serviços.
Art. 16.° Constituirá receita do ministerio da justiça, não só o produto dos salarios estipulados na tabella vigente para os exames medico-legaes, o que, por essa tabella, pertenceriam aos membros dos tres conselhos, mas ainda o producto de um addiccional de 20 por cento sobre os emolumentos de carceragem, em Lisboa, Porto e Coimbra.
Art. 17.° As despezas feitas com as analyses chimico-legaes e bacteriologicas serão pagas pelas partes que as requererem, ou pelo ministerio da justiça, sendo officiosamente promovidas pelos agentes do ministerio publico.
Art. 18.° É o governo auctorisado a incluir no orçamento do ministerio da justiça a dotação annual de réis 4:500$000, para installação e conservação das morgues em Lisboa, Porto e Coimbra.
Art. 19.º O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.
Art. 20.° Fica revogada, a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e do justiça, 22 de fevereiro de 1899. = José Maria de Alpoim de Cerqueira Barges Cabral.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. Lima Duque (relator): - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Foi approvada.
O sr. Silva Amado: - Considera o projecto como representando um grande progresso nos serviços medicos forenses, e por isso lhe dá todo o seu apoio.
Esse serviço era entre nós deficientissimo, especialmente pela falta de ensino apropriado, e o projecto em discussão se não resolve por completo o problema, no emtanto alguma cousa faz.
Quem suppozer que por este projecto os serviços medico legaes ficam completamente organisados, engana-se; nem podia ser esse o pensamento do projecto, porque havia necessidade do attender ás circumstancias do thesouro. O que se quiz foi melhorar o que existia, o n'esse sentido é incontestavel que alguma cousa se consegue.
No projecto ha, porém, uma lacuna importante, que elle, orador, julga conveniente preencher; é a do desdobramento da cadeira de medicina legal e de hygiene em duas, porque uma sciencia tão vasta como esta, não póde ser, com aproveitamento, professada em uma só cadeira
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N'esse sentido manda para a mesa a seguinte
Proposta
Substituição ao artigo 14.º:
Artigo 14.° É desdobrada na faculdade de medicina de Coimbra e nas escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, a cadeira de medicina legal o hygiene publica, em duas: uma de medicina legal e outra de hygiene publica. = J. J. da Silva Amado.
Foi admittida.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir)
O sr. Lima Duque (relator): - Sr. presidente, coube a um ministro do meu partido a alevantada iniciativa de um projecto de lei organisando os serviços medico-legaes no paiz, (Apoiados.) e eu exulto, sr. presidente, por esse motivo. Alem do que a ninguem melhor do que ao sr. conselheiro José de Alpoim, meu sympathico amigo, assentava uma empreza de tanto encarecimento, (Apoiados.) pois a poucos é dado possuir uma trilogia psychologica tão propria para realisar (Apoiados.) uma obra utilissima como esta, exigida por todas as classes pensantes do paiz.
Não foi, é certo, o sr. ministro da justiça que delineou o projecto; nem o podia ser, porque a sua educação scientitica e a sua orientação dos negocios publicos seguiram uma directriz diversa d'aquella que convinha á organisação de uma lei d'esta natureza.
Todavia, sem a intervenção de s. exa., (Apoiados.) sem o seu estimulo, estimulo este projecto nunca viria á camara. (Apoiados.) Teve s. exa. o sentimento dos largos beneficios que hão de promanar d'este disposição legislativa; a sua intelligencia vivissima comprehendeu o alcance sociologico da proposta e a sua extraordinaria energia de vontade ha de saber imprimir-lhe execução completa o efficaz. São estas au verdadeiras qualidades de um estadista. A omnisciencia é apanagio da divindade ou aspiração ideal dos insensatos.
Felicito, pois, o illustre ministro da justiça e faço votos cara que mais tarde os beneficios que a sociedade ha de fruir da execução d'este projecto, lhe suavisem o espirito imprimindo-lhe e convicção de ter praticado uma das aceitos mais benemeritas e gloriosas da sua vida publica. (Apoiados.)
Sinto que não estejam n'aquellas bancadas os illustres deputados regeneradores para atacarem este projecto com toda a força dos seus argumentos, porque tenho a certeza do que melhor se havia do revelar a supremacia da doutrina n'elle exarada, e o triumpho havia de ser completo; mas não me agasto por isso. Resumirei, pois, as minhas considerações simplesmente a uma resposta ás observações apresentadas pelo meu illustre amigo e distinctissimo professor da escola medica, o sr Silva Amado, com respeito a um dos artigos do projecto, relativo ao ensino da medicina legal.
Concordo com o sr. Silva Amado em que é difficil, se não impossivel, ensinar medicina legal, conjunctamente com a hygiene, mas em todo o caso pelo facto do projecto não consignar de uma maneira clara e categorica que as cadeiras serão desdobradas, o prejuizo não é completo.
Effectivamente não é possivel accumular, no mesmo anno lectivo, o ensino das duas disciplinas, mas hoje mesmo não se faz isso. Os professores não ensinam medicina legal e hygiene. Os que ensinam medicina legal nada dizem do hygiene publica e os que ensinam, hygiene publica nada dizem de medicina, legal, e desde que isto é assim e desde que o projecto dá auctorisação ao governo, para remodelar o ensino, satisfaz completamente ás nossas aspirarações, porque temos a certeza do que o sr. José Luciano de Castro, que tanto se tem empenhado pelos assumptos da instrucção publica e tanto a peito toma os interesses geraes do paiz, logo que tenha opportunidade, tratará do desdobramento d'essas cadeiras, para que o ensino fique mais brilhante o assegurado
Alem d'isto, tendo de haver prejuizo para um dos ensinos, o ensino da hygiene póde ficar preterido, visto que a hygiene, como disse o sr. Silva Amado, é ensinada em toda a parte. Hoje todos sabem hygiene. O militar aprende hygiene, o engenheiro aprende hygiene, o industrial aprende hygiene. A hygiene é de facil acquisição, todos a comprehendem e podem applicar.
Sobretudo, eu penso, sr. presidente, que a separação das disciplinas é exequivel sem o desdobramento da cadeira de medicina legal.
É n'esse caminho, talvez, que o governo deve trilhar, na actual conjuntura.
Lembremo nos que a França ainda hoje conserva accumuladas as duas disciplinas. Sirva isto de moderador á nossa impaciencia.
Demais, a pratica da medicina legal exige conhecimentos especialissimos, um ensino, uma persistencia de estudo que se não póde comparar de modo nenhum com a aprendizagem da hygiene publica, que cabe na alçada de todas as intelligencias.
Portanto, não ha motivo para inserir aqui uma obrigação para o governo, a qual vem aggravar o thesouro consideravelmente, sem correspondentes vantagens para o ensino.
É isto, pois, o que tenho a dizer com respeito ao artigo mencionado e discutido pelo meu collega, o sr. Silva Amado.
As outras prescripções do projecto foram muito elogiadas pelo illustre medico, e effectivamente quem tiver a consciencia da maneira como está organisada a pericia medica perante os tribunaes do paiz, não póde deixar de render calorosos applausos a este principio, que ha do ser fecundante, desde o momento em que vamos utilisar os ciumentos do mais valor nas sciencias medicas, como são os professores e os especialistas. (Apoiados.}
Na verdade, sr. presidente, esquecer este projecto seria abandonar a honra, a liberdade e os mais licitos interesses dos cidadãos; rejeital-o seria repellir os sentimentos mais elevados da justiça humana; seria rejeitar a propria civilisação. (Apoiados.)
Disse s. exa. «que o projecto não é completo.» Tambem o diz a commissão e o relatorio da proposta do sr. ministro.
Nem isso se podia exigir, porque a primeira cousa que falta são os medico-legistas devidamente habilitados.
É preciso primeiro educal-os, ensinal-os o depois distribuil-os pelo paiz.
Ainda assim a Austria e a Allemanha são as unicas duas nações que ostentam uma organisação mais completa. (Apoiados.}
Até lá, temos a aproveitar a melhoria do existente e lançar mão dos recursos do momento.
O sr. Silva Amado não se referiu a mais ponto algum do projecto, concorda com todas as outras disposições e eu termino, portanto, as minhas considerações.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Moreira Junior: - Entende que o projecto é indiscutivelmente de um alto valor, e, portanto, digno dos applausos de todos.
Encarece a importancia do papel que tem hoje a desempenhar a medicina legal, e, portanto, a necessidade de se lhe fornecerem todos os elementos de estudo, para que preencha o fim a que é destinada.
N'esse intuito, justifica com algumas considerações, e manda para a mesa, as seguintes.
Propostas
Emenda ao artigo 4.°:
Artigo 4.º Serão membros effectivos do conselho medi-
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co-legal: o professor de medicina legal, o de Anatomia pathologica, o de obstetricia e um medico alienista.
§ 1.º Serão adjuntos do conselho, o professor do toxicologia, o de chimica organica e o de chimica inorganica, e o director technico de um instituto official do bactereologia ou o professor do pathologia geral, na sua ausencia.
§ 2.° Como no projecto de lei.
§ 3.° Presidirá ao conselho o professor de medicina legal. Mas aos exames medico-legaes feitos pelo conselho sem ser em virtude de recurso, presidirá sempre o juiz de direito do respectivo processo, sem voto.
§ 4.° Como no projecto de lei
§ 5.° Como no projecto de lei até á palavra aconselho inclusive. = O deputado, Moreira Junior.
Emenda ao artigo 6.°:
Artigo 6.° Os exames cadavericos, os de alienação mental e os de quaesquer casos em que o ministerio publico assim o requeira, serio feitos nas comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra, pelo respectivo conselho medico-legal; nas outras comarcas, por dois medicos nomeados e presididos pelo juiz de direito com assistencia do ministerio publico.
§ l.° O medico assistente d'aquelle sobre quem se exerce o exame não poderá ser nomeado perito.
§ 2.° A estes exames poderão assistir os alumnos de medicina legal, nos termos do regulamento respectivo.
§ 3.° O accusado ou accusado, e n'este caso por accordo, poderão fazer se representar por um perito diplomado nos exames medico-legaes, logo que o nomeiem até vinte e quatro horas depois da communicação respectiva.
§ 4.° Ficam exceptuados do disposto no § 3.° os casos de reconhecida urgencia.
§ 5.° O representante do accusado ou accusador não poderá estabelecer discussão com os peritos nomeados pelo juiz; apenas poderá fazer inserir as considerações que entenda uteis relativas ao exame medico legal no relatorio por aquelles elaborado. = O deputado, Moreira Junior.
Emenda ao artigo 14.°:
É desdobrada a cadeira de medicina legal e hygiene da faculdade de medicina e das escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto em duas cadeiras distinctas, as quaes serão dotadas convenientemente para que seja util o ensino que devem ministrar. = O deputado, Moreira Junior.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Abel da Silva: - Sr. presidente, tomo a palavra em condições bem desfavoraveis para mim, porque pouco posso dizer sobre o assumpto em questão, depois de terem usado da palavra cavalheiros cuja erudição é tão extraordinaria como a do sr. Silva Amado, cuja competencia é tão larga, n'este assumpto, como a do sr. Lima Duque, relator do projecto, e ainda depois do sr. Moreira Junior, cuja palavra nervosa e vibrante é escutada com tanto agrado.
Pela minha parte limito-me a felicitar tambem o illustre ministro da justiça, accrescentando que reputo este projecto de mais alcance social
Outros haverá mais importantes sob o ponto de vista economico ou financeiro, mas nenhum que a este se avantage em devoção moral e social.
A vida, a fortuna, o nome de um individuo, ou de uma familia estão muitas vezes dependentes do criterio dos peritos. Em quasi todas as causas crimes intervem o medico perito ou o chimico perito. Imagina-se facilmente a perturbação social, quando ao juizo pericial não corresponda uma elevação scientifica que ponha as suas affirmações ao abrigo de toda a suspeita.
Para a formação de peritos, que possuam toda a probidade moral que deriva de uma solida educação scientifica, a primeira cousa a fazer é o desdobramento das cadeiras de medicina legal e hygiene. Bem o frisaram os oradores que me procederam, para que eu insista mais n'este ponto.
Apenas me limitarei a dizer que, segundo o meu juizo, este desdobramento não basta, sendo preciso que o ensino tome depois um caracter essencialmente pratico, nos manicomios, nas prisões e nas morgues.
As sciencias de caracter experimental não podem sujeitar-se exclusivamente ao doutrinarismo palavroso da antiga escholastica.
Nós sabemos, infelizmente, quanto são despendiosos, na sua installação, os gabinetes de investigação e analyse de chimica toxicologica, de bacterioscopia, e de anatomia pathologica, de absoluta necessidade, para se poderem folhear, no cadaver, todas as hypotheses possiveis do crime; mas os paizes que não poderem supportar estes encargos scientificos, podem renunciar, não já a alargar os horisontes da sciencia, mas a poderem acompanhar esta nas suas ultimas descobertas.
Para a comprehensão verdadeira do crime é necessario o estudo do criminoso. Ninguem considera já este como uma entidade psychica e physiologicamente normal.
Se a anatomia do criminoso, se as alterações morphologicas que o caracterisam não têem um caracter rigoroso, se a sua patologia mental não está bem definida, isto denuncia apenas uma preparação scientifica insufficiente porá resolver muitos casos de criminologia.
A escola italiana, sobre o estudo do criminoso, que já teve fóros de classica, é hoje rudemente atacada, mas sobre as suas affirmações não se fizeram novas affirmações, mas apenas se suggeriram duvidas.
Eu sinto que a hora esteja adiantada, e adivinho a impaciencia da camara, desejosa como eu, de que este projecto seja ainda hoje votado.
Deus me livre que as minhas palavras, prolongadas em desprotenciosa, conversa, podessem ser declinadas á conta de obstruccionismo; e por isso me apresso a terminar, deixando de fazer algumas considerações e expor algumas duvidas que agora teriam toda a opportunidade.
Disse.
(S. exa. não reviu.}
O sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 30 - equiparação para a reforma.
A commissão nenhuma alteração fez ao projecto.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Vão ser enviado para a camara dos dignos pares.
O sr. Lima Duque (relator): - Em nome da commissão e de accordo com o governo declaro que não posso acceitar as emendas mandadas para a mesa pelo sr. Moreira Junior.
Foi approvado o projecto e rejeitadas as emendas do sr. Moreira Junior.
O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto n.° 86.
PROJECTO DE LEI N.º 86
Senhores. - Á vossa commissão de obras publicas foi presente a proposta de lei n.° 57-A de s. exa. o ministro das obras publicas, pela qual se concede á junta geral do districto de Ponta Delgada o direito de adjudicar ou fazer construir por conta propria um caminho de ferro que ligue os principaes centros de producção e consumo da ilha de S. Miguel com a capital da ilha e do districto.
Não carece a vossa commissão de vos explanar a importancia d'este melhoramento, nem a necessidade d'elle, fundada na riqueza d'aquella formosa ilha e na intensidade da sua população, o que tudo leva a crer que o trafego d'aquelle caminho de ferro seja desde os primeiros annos bastante grande para não carecer da totalidade da
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verba, calculada na proposta como garantia de juro que a junta geral terá do pagar annualmente á companhia.
Sendo de incontestavel utilidade publica o melhoramento cujo a proposta se destina realisar e não resultando d'elle nenhum onus para o estado, é a vossa commissão, do accordo com o governo, de parecer que ella deve merecer a vossa approvação convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a junta geral do districto de Ponta Delgada a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso, a construcção e exploração de um caminho de ferro entro a cidade de Ponta Delgada, o Valle das Furnas e a, Villa da Ribeira Grande, nos termos das bases para a construcção, exploração o condições de concurso annexas a esta lei e que d'ella fazem parte integrante.
§ unico. Se a adjudicação se não poder effectuar por falta de concorrentes ou por se não apresentarem propostas acceitaveis, fica a junta geral auctorisada a construir por sua conta e a explorar directamente ou por arrendamento o referido caminho do ferro, podendo, para tal fim, levantar os fundos necessarios, quer por emprestimo com qualquer estabelecimento bancario, quer emittindo obrigações, tudo mediante previa approvação do governo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Bases para a construcção e exploração de um caminho de ferro na ilha de S. Miguel
CAPITULO I
Obrigações que contratar a empreza. Condições relativas á construção do caminho de ferro e ao fornecimento do respectivo material fixo e circulante. Direitos do estado da junta geral do districto de Ponta Delgada e da empreza sobre as diversas construções e material fornecido.
Artigo 1.° A empreza, entendendo-se por esta palavra os primeiros concessionarios ou a companhia que organisarem e á qual com auctorisação superior trespassem os seus direitos, effectuará á sua custa e por sua conta e risco, nos termos, pelo modo o nos prasos estipulados n'estas condições:
1.° O estudo e construção de um caminho de ferro que, partindo de Ponta Delgada, nas proximidades do edificio da alfandega, siga ao longo da costa até ás Furnas, servindo as povoações de S. Roque, Livramento, Atalhada, Lapôa, Agua de Pau, Ribeira Chã, Praia, Villa Franca, Ribeira das Tainhas e Ponta Garça, e de um ramal que, entroncando n'este, nas proximidades da Pranchinha, siga até á Ribeira Grande, approximando-se o mais possivel da povoação de Rabo de Peixe; sendo o dito caminho do ferro e ramal completos em todas as suas partes, com todas as expropriares, aterros o escavações, obras de arte, assentamento de via, estações, officinas de pequena e grande reparação, edificios accessorios, casas de guarda, barreiras, passagens de nivel, muros do supporte, muros de vedação ou sobas para separar a via ferrea das propriedades contiguas e em geral as obras de construcção previstas ou imprevistas, sem excepção ou distincção, que forem necessarias para o completo acabamento da linha ferrea o exploração da mesma;
§ 1.° As obras mencionadas no n.° 1.° d'este artigo, que a empresta é obrigada a executar, serão feitas conforme os projectos definitivos por ella preparados, em harmonia com estas condições, depois de terem sido approvados pelo governo, e ouvida a junta geral.
§ 2.° Estes projectos comprehenderão:
a) A planta geral do caminho de ferro, com a indicação da collocação das estações, portos seccos, cursos de agua, estrada e caminhos atravessados, passagens superiores, inferiores e de nivel, edificios e mais accessorios e dependencias do serviço da linha, sendo esta planta na escala do 1 por 5:000;
b) O perfil longitudinal na escala de 1 por 5:000 para os comprimentos, e de 1 por 500 para as alturas, contendo as seguintes indicações: distancias kilometricas referidas á origem, comprimento e inclinação de cada rampa ou declive, extensão dos alinhamentos rectos e desenvolvimento das curvas, com designações dos raios correspondentes;
c) O perfil transversal tipo da via e os indispensaveis para boa intelligencia do projecto na escala de 1 por 200;
d) As obras de arte, na escala de 1 por 50 para um comprimento abaixo de 10 metros, de 1 por cento para um comprimento de 10 a 100 metros, de 1 por 200 para um comprimento acima de 100 metros;
e) Uma memoria descriptiva o justificativa de todo o tragado.
§ 4.° O numero e a classe das estações e suas dependencias serão determinados nos projectos definitivos; devendo em todo o caso haver uma estação principal em Ponta Delgada, com as accommodações necessarias para passageiros, mercadorias e empregados; officinas, machinas e apparelhos para montagem, reparação e concerto do material de exploração, armazens, telheiros e depositos para a arrecadação e pintura de locomotivas, tenders, carruagens e wagons; fossos para picar o fogo; apparelhos e reservatorios para a alimentação das machinas.
§ 5.° Dos projectos approvados fará a empreza tirar tres copias em téla, que serão authenticadas pela direcção geral das obras publicas e minas; uma das copias ficará na posse do governo, outra será entregue á empreza e outra á junta geral.
§ 6.° A junta geral reserva-se o direito de fazer fiscalisar a execução dos estudos no campo.
§ 7.° Para facilitar á empreza a organisação do projecto definitivo, que é obrigada a apresentar, poderá ajunta geral permittir que, a titulo de esclarecimento, ella tome conhecimento e tire copia das peças graphicas o escriptas do ante projecto.
2.° O fornecimento, conservação e renovação das locomotivas, carruagens para viajantes, wagons para mercadorias, machinas e utensilios para as officinas, plataformas giratorias, reservatorios e apparelhos hydraulicos, guindastes, signaes e em geral de todo o material fixo e circulante, designado ou não designado, que for necessario para manter a linha em perfeito estado do exploração.
3.° O estabelecimento de um telegrapho electrico ao lado da linha ferrea e a conservação e renovação de material o apparelhos que forem precisos para o conservar em bom estado de serviço.
4.° Depois de terminada a linha, a empreza, no praso de um anno, fará á sua custa, com assistencia do engenheiro delegado da junta geral, a demarcação kilometrica e o levantamento da planta cadastral do caminho de ferro e suas dependencias com a descripção de todas as obras de arte executadas, e entregará d'essa planta uma copia ao governo e outra á junta geral devidamente authenticadas.
§ 8.º Se a empreza não der, em devido tempo, cumprimento ao que n'este numero é preceituado, ajunta geral fará executar por conta da empreza e por pessoal competente nomeado pela mesma junta, os trabalhos de campo e de gabinete relativos á medição, marcação kilometrica e levantamento da planta cadastral do caminho de ferro e suas dependencias com a descripção de todas as obras de arte executadas.
Art. 2.° A linha ferrea será construida com leito e obras de arte para uma só via, á excepção das estações, em que haverá as necessarias vias de resguardo e de serviço.
Art. 3.° Quaesquer alterações ou modificações que a empresa tenha por conveniente propor, serão formuladas em harmonia com as condições technicas do projecto, mas não poderão ser executadas sem previa auctorisação do governo, ouvida a junta geral.
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Art. 4.° As terras para a formação dos aterros serão sempre extrahidas de maneira que se evite a estagnação das aguas, prejudicial á saude publica.
Art. 5.° A largura da plataforma, ao nivel inferior do balastro será de 3m,80 em aterro e de 4m,50 em escavação, comprehendendo n'esta largura as respectivas valetas, e ao nivel superior do balastro será de 2m,20, tanto em aterro como em escavação.
A largura de via será de 1 metro entre as faces interiores da carris. As dimensões dos fossos e a inclinação dos taludes, quer em aterro, quer em escavação, serão reguladas pelos respectivos perfis transversaes typos adoptados nos projectos. A entrevia ou distancia entre duas vias será, pelo menos, de 2 metros entre as faces exteriores dos carris internos de cada via.
Art. 6.° O maximo dos declives será de 30 millimetros, por metro.
Art. 7.º Os raios das curvas de concordancia não serão inferiores a 100 metros, nas linhas geraes, e nas de serviço e resguardo poderão baixar a 80 metros. Os raios das curvas inferiores a 500 metros serão empregados por fórma que a rampa ficticia que resulta do seu emprego, sommada com a rampa effectiva, não seja superior a 30 millimetros por metro. O intervallo entre os pontos de tangencia de duas curvas consecutivas em sentido contrario, será regulado por modo que, desde o ponto em que termina a sobrelevação do carril exterior de uma curva até ao ponto em que comece a elevar-se o carril opposto da outra curva, medeie, pelo menos, o comprimento de 20 metros em que os dois renques de carris estejam nivelados pelo mesmo trainel.
Art. 8.° Os carris e outros elementos constitutivos da via ferrea devem ser de boa qualidade e dos melhores modelos, proprios a preencher o seu destino.
Os carris a empregar serão de aço e seu peso não poderá ser inferior a 20 kilogrammas por metro corrente. Serão fixados pelo systema que a empreza julgar mais conveniente, segundo os ultimos aperfeiçoamentos, e com previa approvação da junta geral.
Art. 9.° As travessas serão metallicas, ou de madeira que sustente bem a pregagem, e das qualidades, fórmas e dimensões que forem approvadas pela junta geral, sob proposta da empreza.
Art. 10.° Este caminho será fechado por meio de muros, sebes vivas ou grades de madeira, que o separem das propriedades contiguas, quando a altura do aterro ou da escavação for inferior a lm,50.
Art. 11.° A empreza deverá estabelecer, para serviço das localidades atravessadas pela linha ferrea, abrigos e caes destinados ao estacionamento, carga e descarga do mercadorias, em harmonia com os projectos approvados.
Art. 12.° A empreza construirá de pedra, ferro ou tijolo os viaductos, pontes, pontões, aqueductos e canos de rega, e as passagens superiores, inferiores e de nivel, em numero sufficiente, e com as dimensões que exigir a sua estabilidade e segurança, o volume das aguas e a largura do caminho de ferro e das estradas ordinarias ou caminhos a que algumas d'essas obras devam dar passagem.
Art. 13.° Os cruzamentos do caminho de ferro com as estradas reaes, caminhos municipaes e vicinaes, poderão ser de nivel, excepto nos casos em que nos projectos estejam designadas passagens superiores ou inferiores.
Em todos os cruzamentos ou passagens de nivel a empreza será obrigada a estabelecer barreiras, que nunca poderão abrir para o lado interior da linha ferrea, havendo um guarda encarregado d'este serviço n'aquellas em que a circulação o exigir.
Art. 14.º Quando o caminho de ferro passar sobre uma estrada real, a abertura do viaducto não será menor de 6 metros; sobre uma estrada municipal, de 5 metros. A altura do fecho da abobada acima do pavimento da estrada, será de 5 metros, pelo menos; a largura entre as testas será de 3m,80; a altura dos parapeitos será de Om,70, pelo menos.
Art. 15.° Quando o caminho de ferro passar por baixo de uma estrada real, a largura do viaducto será de 6 metros, e sendo municipal de 5 metros.
A abertura entre os pés direitos será, pelo menos, de 4m,20, comprehendidos os fossos.
A distancia vertical do intradorso á parte superior dos carris será, pelo menos, de 5 metros.
Art. 16.° A abertura dos tunneis será, pelo menos, de 4m,60 entre as impostas, e de 4 metros entre os pés direitos ao nivel da plataforma; a altura acima d'este nivel até ao intradorso da abobada de revestimento será, pelo menos, de 5 metros A empreza fará todas as obras necessarias para prevenir qualquer perigo de desabamento ou infiltração.
Art. 17 ° Nos pontos de encontro das estradas ordinarias com a via ferrea, durante a feitura d'esta, a empreza construirá as necessarias obras provisorias para que a circulação não seja interrompida.
Art. 18.° A empreza restabelecerá e assegurará á sua custa o curso das aguas, que se tenha, suspendido ou modificado em consequencia das obras do caminho de ferro, ou indemnisará o proprietario, segundo as leis que lhe forem applicaveis,
Art. 19.° A empreza deverá empregar na construcção das obras, materiaes de boa qualidade. Os paramentos das abobadas, os cunhaes, os soccos e os coroamentos, serão, quanto possivel, de pedra, apparelhada, de boa qualidade; onde a não houver será tolerado o tijolo.
Art. 20.° As machinas locomotivas serão construidas segundo os melhores modelos conhecidos, e satisfarão a todas as condições actualmente prescriptas, ou às que de futuro o forem, para pôr em circulação as mesmas machinas.
As carruagens dos viajantes deverão ser igualmente dos melhores modelos, suspensas sobre molas e guarnecidas de assentos. Havel-as-ha de duas classes, pelo menos; todas serão cobertas, fechadas com vidraças e resguardadas com cortinas. As de 1.ª classe terão assentos estofados e as de 2.ª assentos de madeira.
As carruagens de todas as classes deverão preencher, alem do que fica dito, todas as condições prescriptas pelo governo no interesse da segurança publica.
Os wagons de mercadorias e gado, as plataformas e restante material será tudo de boa qualidade e solida construcção.
Art. 21.° O caminho de ferro com todos os seus edificios necessarios para o serviço e mais accessorios e dependencias, como carris, cochins, travessas, e em geral todo o material fixo de qualquer especie, fica desde a sua construcção ou collocação na linha, pertencendo ao dominio do estado, representado pela junta geral, para todos os effeitos juridicos, nos termos do direito commum e especial dos caminhos de ferro, e das diversas condições d'este contrato.
Todo o material circulante machinas, apparelhos e ferramentas, carvão, coke e quaesquer outros provimentos, ficarão pertencendo ao dominio da empreza para os mesmos effeitos e nos mesmos termos, com a declaração, porém, de que o material circulante, machinas, apparelhos e ferramentas não poderá ser alienado senão para o effeito de ser substituido, com vantagem do serviço publico. Igualmente não poderão ser alienados, emquanto forem importados livres de direitos, o carvão, coke e quaesquer outros aprovisionamentos.
CAPITULO II
Concessões que o estado faz á empreza
Art. 22.° Em compensação das obrigações que a empreza toma sobre si por este contrato, concede o estado á
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mesma empreza, pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do contrato definitivo, a exploração do mencionado caminho de ferro, nos termos e condições estipuladas n'estas bases, com a auctorisação necessaria para cobrar durante o referido praso os preços de transporto que forem fixados em tarifas devidamente approvadas pelo governo, ouvida a junta geral.
Art. 23.º A empreza deverá conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, com todo o seu material fixo e circulante, em bom estado do serviço e no mesmo estado deverá entregar tudo á junta geral, findo aquelle praso, fazendo para esse fim á sua custa todas as reparações, tanto ordinarias como extraordinarias.
Art. 24.° Logo que tenha expirado o praso da concessão acima estabelecida, a empreza entregará á junta geral em bom estado de exploração, o caminho com todo o seu material fixo e com edificios e dependencias de qualquer natureza que sejam, sem que por isso tenha direito a receber indemnisação alguma.
Tambem lhe entregará todo o material circulante, machinas, apparelhos e ferramentas que estejam em serviço; mas tanto o valor d'este como o do carvão de pedra e de outros quaesquer provimentos, que entregar á junta geral, ser-lhe-hão pagos segundo a avaliarão de louvados.
§ unico. A junta geral não será obrigada a adquirir o carvão e demais provimentos que excedam ao fornecimento necessario para seis mezes.
Art. 25.º Em qualquer epocha, depois de terminados os quinze primeiros annos, a datar do praso estabelecido para a conclusão de linha, terá a junta geral a faculdade de resgatar a concessão inteira.
Para determinar o prego da remissão toma-se o producto liquido obtido pela empreza durante os sete annos que tiverem precedido aquelle em que a remissão deva effectuar-se, deduz-se d'esta somma o producto liquido que corresponda aos dois annos menos productivos e tira-se a media dos outros annos, a qual constitue a importancia de uma annuidade, que a junta geral pagará á empreza durante cada um dos annos que faltarem para terminar o praso da concessão, não podendo esta annuidade ser inferior a 5 por cento do capital desembolsado na rasão do preço por que se effectua a adjudicação, ou á do ultimo dos annos considerados, quando o rendimento d'este anno for superior a 5 por cento.
Art. 26.° A junta geral garante á empreza o complemento do rendimento liquido annual até 5 por cento em relação ao custo de cada kilometro que se construir, comprehendendo o juro e a amortisação do capital, não podendo, porém, o desembolso effectivo da junta geral exceder a 4 por cento do mesmo custo.
§ unico. A garantia de juro de que trata este artigo, só começará a ter effeito no 1.° de janeiro de 1906, e só com referencia no segundo semestre de 1905.
Art. 27.° Para os effeitos d'esta garantia de juro o preço kilometrico da linha a construir será a quantia de réis ... fracos, segundo a proposta feita no concurso.
As despezas de exploração serão computadas em 50 por cento do producto bruto kilometrico, excluidos os impostos de transito e sêllo, fixando-se, todavia, um minimo de 700$000 réis e um maximo de 1:400$000 reis fracos por kilometro.
Art. 28.° A garantia de juro será liquidada, e as sommas correspondentes pagas no fim de cada semestre.
Art. 29 ° Logo que o producto liquido da linha exceder a 5 por cento ao anno, metade do excesso pertencerá á junta até completo reembolso das sommas adiantadas pela mesma junta, em virtude da garantia de juro de que tratam as condições antecedentes, bem como dos juros d'essas sommas na rasão de 5 por cento ao anno
§ unico. A empreza fica salvo o direito de reembolso, á junta geral das quantias que ella tiver adiantado por virtude da garantia do juro e amortisação do que tratam as condições antecedentes, podendo usar d'esse direita na epocha ou epochas que julgar convenientes.
Art. 30.° A junta geral publicará os regulamentos e usará dos meios apropriados para verificar as receitas e despezas de exploração, sendo a empreza obrigada a franquear-lhe toda a sua escripturação e correspondencia.
Art. 31.º A empreza terá a faculdade de construir todos os ramaes e prolongamentos, que possam alimentar a circulação da linha ferrea a que se referem estas condições, precedendo o respectivo contrato com a junta e auctorisações legaes, e sem que esta pela dita construcção lhe pague subsidio algum, ou lhe garanta qualquer beneficio, ficando, comtudo, pertencendo á junta geral, á qual serão entregues com a linha principal, conforme o artigo 25.° Quando, porém, o governo ou a junta geral julgar necessario construir alguns d'esses ramaes ou prolongamentos, e a empreza se não prestar a isso, o governo e a junta geral reservam-se muito expressamente o direito de os construir, ou do contratar a sua construcção com qualquer empreza, nos termos que lhe aprouver.
Art. 32.° Quando o governo ou a junta geral fizeram novas concessões de caminhos de ferro, quer esses caminhos de ferro sejam parallelos á mesma linha, ou a atravessem, ou n'ella venham a entroncar, ou sejam prolongamento d'ella, a empreza não póde, por pretexto algum, impedir os trabalhos precisos para o estabelecimento das mesmas linhas, nem tem direito a qualquer indemnisação, assim como não será obrigada a fazer qualquer despeza por causa d'essas concessões e das obras a que derem logar na sua linha.
Art. 33.º Quando o governo ou a junta geral venha a ordenar a construcção de uma estrada, canal ou via ferrea, que atravesse a linha concedida, deverá tomar todas as medidas necessarias para que não resulte impedimento ou obstaculo á circulação d'esta, nem o minimo augmento da despeza para a empreza.
Art. 34.° A abertura de qualquer das vias de communicação, de que tratam os dois precedentes artigos, nas condições ali exaradas, não poderá auctorisar reclamação alguma por parte da empreza.
Art. 35.° As emprezas concessionarias de quaesquer caminhos de ferro que venham a entroncar com a linha, que faz o objecto d'este contrato, terão a faculdade de fazer circular n'ella as suas carruagens, wagons e machinas, sujeitando-se aos respectivos regulamentos de policia e serviço, e pagando pelas pessoas e mercadorias uma portagem que, no caso de não haver accordo entre as emprezas, será regulada segundo a relação entre a portagem e o transporte estabelecido nas tarifas dos mais recentes cadernos de condições em França.
Esta faculdade será reciproca para todas as linhas. No caso em que as diversas emprezas não possam accordar-se sobre o exercicio d'esta facilidade, o governo, ouvida a junta geral, decidirá a questão.
Art. 36.° Concede mais o governo á mesma empreza a isenção de qualquer contribuição geral ou municipal nos primeiros vinte annos depois do começo das obras; comtudo, n'esta disposição não é incluido o imposto de transito o sêllo lançado sobre os preços de conducção dos passageiros e mercadorias na fórma da legislação vigente. Nenhuma contribuição especial será lançada sobre a linha ferrea durante a concessão.
Art. 37.° O governo concede mais á empreza, durante o praso de seis annos, contados da data do contrato definitivo: livre importação de carris, peças de ligação e fixação de via, apparelhos de mudanças de via, postos de signaes e semaphoricos ou de disco, material de ferro e aço para as pontes e viaductos, locomotivas e seus pertences, carruagens e wagons tambem com os seus pertences e competentes freios, o motor, machinas e ferramentas e mais material necessario para o estabelecimento das officinas de repara-
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ção; e, durante o mesmo praso, igual isenção do pagamento de direitos de importação para os utensilios e matemos em seguida especificados e nas quantidades designadas para essa especie, a saber:
1.°
Instrumentos topopraphicos
Theodolitos................. 6
Niveis...................... 6
Eclimetros.................. 3
Bussolas.................... 3
Fitas com tecido metallico. 12
Correntes metallicas com fixas. 12
Miras de madeira............. 12
Tacheometros................. 2
2.°
Diversos materiaes e utensilios destinados a construcção e exploração
Forjas volantes................... 6
Bigornas ........................ 15
Apparelho de sondagem............ 1
Tornos completos................. 2
Macacos de simples e duplo movimento 2
Carris para vias provisorias.........100:000 Kilogr.
Wagons completos para transporte de terras....... 30
Aço em barra para calços de ferramentas........... 1:200
Ferro em barra de diversas dimensões.............. 3:000 Kilogr.
Parafusos de ferro de diversas dimensões.......... 600 "
Ferragens diversas para edificios................. 1:200 "
Tubos de zinco.................................... 300
Tubos de chapa de ferro .......................... 1:200
Plataformas giratorias para machinas.............. 3
Ditas ditas para carruagens........................ 10
Tanques de ferro para deposito de agua............. 5
Cegonhas para toma de agua......................... 5
Basculas para wagons............................... 4
Balanças para bagagens............................. 20
Ditas para mercadorias............................. 20
Bombas de incendio................................. 3
Guindastes......................................... 3
Ferramentas e utensilios de ferro.................. 150 Kilogr.
Ditos ditos de aço................................. 150 "
Candieiros para estações............................ 50 "
Relogios de parede.................................. 20
Candieiros de mesa.................................. 30
Lanternas sobresalentes para carruagens............. 20
Machina para fazer bilhetes......................... 1
Ditas para marcar bilhetes........................... 20
Prensas para copiar.................................. 9
Cornetas de signaes.................................. 50
Lanternas de signaes................................. 50
3.° Telegraphos
Arame galvanisado................. 15 toneladas
Pensores de ferro galvanisado......150
Isoladores de porcelana............600
Elementos de pilhas com todos os pertences .......... 300
Caixas de folha de ferro............................. 20
Receptores............................................ 20
Transmissores Breguet................................. 20
Bussolas verticaes.................................... 20
Arame forrado de gutta-percha.......................... 30 Kilogr.
Dito dito de seda.......................................10 "
Estojos completos de ferramenta para telegrapho......... 6
Ferramentas de aço...................................... 30
4.º
Carvão
Carvão mineral .................... 6:000 toneladas
§ unico. A empreza conformar-se-ha com os regulamentos fiscaes que o governo julgar necessarios para prevenir abusos d'esta concessão.
Art. 38 ° Concede mais o governo á empreza, gratuitamente, os terrenos que possuir e forem necessarios para a construcção e exploração da linha.
Art. 39.° Quaesquer expropriações que a empreza houver de fazer para as obras do caminho de ferro serão reguladas amigavelmente, ou pelas leis respectivas, tanto geraes como especiaes, dos caminhos de ferro, devendo intervir o ministerio publico para auxiliar a empreza em nome do interesso geral, nos termos das leis em vigor, ou d'aquellas que venham a promulgar-se, para facilitar estas expropriações.
Art. 40.º Concede, emfim, o governo á mesma empreza a faculdade de desviar correntes e alterar a direcção de caminhos, uma vez que a construcção da linha ferrea assim o exija, devendo em todos os casos regular-se pelas leis sobre expropriações por utilidade publica, que lhe deverão ser applicadas, e sujeitar-se á previa approvação do governo, ouvida a junta geral.
CAPITULO III
Condições relativas á exploração
Art. 41.º Emquanto durar a garantia de juro, a junta geral estabelecerá as tarifas de passageiros, gados e mercadorias.
Art. 42 ° Logo que a junta geral estiver embolsada das quantias que tiver adiantado, em virtude da garantia de juro e amortisação, e dos juros correspondentes a essas quantias, serão as tarifas estabelecidas por accordo entre a junta geral e a empreza, em harmonia com os que vigorarem em outras linhas portuguezas que lhes sejam comparaveis, e consecutivamente, de cinco em cinco annos, proceder-se-ha á revisão das mesmas tarifas.
§ 1.° Na falta de accordo entre a junta geral e a empreza, ácerca das modificações a introduzir nas tarifas, adoptar-se-hão, como maximos, os preços das tarifas das linhas ferreas exploradas pelo estado, e, não as havendo, a media das tarifas das linhas portuguezas exploradas por companhias.
§ 2.° Qualquer modificação que em qualquer tempo se faça, será annunciada com um mez de antecedencia.
Art. 43.° São prohibidos emquanto durar o pagamento da garantia de juro os contratos particulares destinados a reduzir os preços das tarifas. Exceptuam-se d'este disposição os transportes que digam respeito ao serviço do estado e da junta geral, e às concessões feitas a indigentes.
Art. 44.° Nenhuma alienação de tarifas, de horarios ou de condições de serviço, poderá ser annunciada ao publico pela imprensa, nas estações ou de qualquer fórma, antes de obtida a approvação da junta geral.
Art. 45.º As despezas accessorias não incluidas nas tarifas, taes como as de deposito, armazenagem e outras serão fixadas pela empreza com a approvação da junta geral.
Art. 46.° A recepção das taxas terá legar por kilometros; assim, um kilometro encetado será pago como se fosse
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percorrido. Exceptua-se d'esta regra toda a distancia percorrida menor de 3 kilometros, a qual será paga por 3 kilometros inteiros.
O peso da tonelada é de 1:000 kilogrammas.
As fracções de peso não serão contadas senão por centesimos de tonelada; assim todo o peso comprehendido entre 0 e 10 kilogrammas pagará como 10 kilogrammas, entre 10 e 20 pagará como 20 kilogrammas, e assim successivamente.
Art. 47.° O transporte de objectos perigosos ou de massas indivisiveis de peso superior a 5:000 kilogrammas não será obrigatorio para a empreza.
As condições d'este transporte poderão regular-se amigavelmente entre ella e os expedidores.
Feito, porém, de accordo com um, não se poderá negar a fazel o nos mesmos termos durante trez mezes, com todos os que fizerem igual pedido.
§ 1.° Todo o transporte que necessitar, pelas suas dimensões, o emprego de um ou mais vagons, pagará pela carga inteira do vagon ou vagons que empregar, qualquer que seja o peso a transportar.
§ 2.º As mercadorias que a pedido dos expedidores forem transportadas com a velocidade de viajantes, pagarão na rasão do dobro do preço ordinario.
§ 3.° Os cavallos e mais gado tambem pagarão, no mesmo caso, o dobro do preço das respectivas tarifas.
Art. 48.° As mercadorias, volumes, animaes e outros objectos não designados nas tarifas, serão classificados para o effeito de pagamento de direitos do transporte nas classes com as quaes tiverem maior analogia. Esta classificação será feita pela empreza, do accordo com os fiscaes da junta geral, com recurso para a mesma junta.
Art. 49.° Todos os objectos (excepto os preciosos especificados na tarifa) que pesarem menos de 10 kilogrammas, serão considerados como objecto de recovagem.
Art. 50.° Todo o viajante, cuja bagagem não pesar mais de 15 kilogrammas, não terá a pagar pelo transporto d'esta bagagem augmento algum de preço, alem d'aquelle que dever pagar pelo seu logar.
Art. 51.° Os militares e marinheiros em serviço, viajando em corpo ou isoladamente, pagarão apenas, por si e suas bagagens, metade dos preços estipulados nas tarifas respectivas.
Art. 52.° Os empregados da junta geral e do governo, que forem incumbidos da fiscalisação do caminho de ferro ou da cobrança de contribuição lançada sobre os preços de transporte, ou da fiscalisação sanitaria da linha, deverão transitar n'ella sem pagar quantia alguma.
Art. 53.° A empreza será obrigada a pôr á disposição do governo, por metade dos preços das tarifas geraes, todos os meios de transporte estabelecidos para a exploração do caminho de ferro, quando elle precisar dirigir tropas ou material de guerra sobre qualquer ponto servido pela linha ferrea.
Art. 54.° A empreza será obrigada a prestar gratuitamente os seguintes serviços:
1.° Concessão nos comboios de um compartimento para transporte das malas de correspondencia publica e dos seus conductores;
2.° Transporte do material dos correios, telegraphos e pharoes;
3.° Transporte de empregados da direcção geral em serviço de inspecção e fiscalisação de correios, telegraphos e pharoes;
4.° Licença para collocação das linhas telegraphicas do governo nos postos ou apoios das linhas telegraphicas da via ferrea.
Art. 55.° O numero de viagens por dia será fixado pela empreza, de accordo com a junta geral, segundo as necessidades da circulação, não podendo, comtudo, ser inferior a quatro em cada linha, dois de ida e dois de volta.
O maximo e minimo da velocidade dos comboios ordinarios de viajantes e mercadorias, e dos comboios extraordinarios, bem como a duração do transito completo serão sujeitos às regras de policia, para segurança publica, que o governo e a junta geral têem direito de estabelecer, ouvida a empreza
Art. 56.° Todo o comboio ordinario de viajantes deverá conter, salvo os casos imprevistos de extraordinaria concorrencia, carruagens de todas as classes em quantidade sufficiente para as pessoas que se apresentarem a tomar logar.
Art. 57.° O uso do telegrapho electrico ou telephone, será gratuitamente permittido ao governo e á junta geral para os despachos officiaes, e aos particulares mediante os preços de uma tabella estabelecida pela empreza, de accordo com a junta geral.
CAPITULO IV
Condições relativas ao deposito, prasos para os estudos e construcção, penas convencionaes, legislação applicavel e outras estipulações
Art. 58.° O deposito provisorio de 30:000$000 réis fracos, effectuados pela empreza á ordem da junta geral na caixa geral de depositos, servirá de caução a este contrato provisorio, o qual fica dependente das auctorisações ou approvações superiores.
Art. 59.° Obtidas aquellas auctorisações e approvações e no praso maximo de um mez depois d'ellas terem sido recebidas pela junta, lavrar-se-ha o contrato definitivo, devendo o deposito ter sido previamente elevado a réis 60:000$000 fracos, em dinheiro, ou em titulos de divida publica portugueza, segundo o seu valor do mercado, o qual deposito ficará á ordem da junta geral servindo de caução ao contrato definitivo.
Art. 60.° Se no praso fixado no artigo antecedente a empreza não assignar o contrato definitivo, ou não elevar o seu deposito a 60:000$000 réis fracos, perderá para a junta geral a caução já depositada.
Art. 61.° O deposito definitivo de 60:000$000 réis fracos, que a empreza perfizer para servir de caução ao contrato definitivo, só poderá ser levantado quando a empreza tenha feito obras no valor equivalente ao dobro do seu deposito, passando essas obras a servir de caução.
§ unico. A empreza, se effectuar o deposito definitivo em titulos de divida publica, terá direito a receber os juros d'esses titulos; se o effectuar em dinheiro, poderá haver da caixa geral do depositos e juro que esta instituição abona aos seus depositantes.
Art. 62.° Os estudos e trabalhos technicos do traçado e das obras de arte serão feitos pela empreza e submettidos á approvação do governo, ouvida a junta geral, no praso de um anno, a contar da data do contrato definitivo.
§ unico. Os projectos das obras não serão approvados sem que sobre elles seja ouvido previamente o ministerio da guerra.
Art. 63.° A construcção do caminho de ferro começará dentro do praso de sessenta dias a contar da approvação do projecto pelo governo, devendo estar concluidas todas as obras e a linha ferrea em estado de circulação com todo o material fixo o circulante e dependencias dentro de praso maximo de quatro annos a contar da mesma data.
§ unico Quando o praso para a construcção venha a terminar antes de 1 de julho de 1905, considera-se prorogado até esta data, e a empreza só é obrigada a começar a construcção quatro annos antes.
1.° É facultado á empreza começar a construcção mais cedo e abrir as linhas á exploração, em toda a sua extensão ou por troços, antes de 1 de julho de 1905, por sua conta e risco, com previa approvação da junta geral e respectiva fiscalisação, nos termos d'este contrato.
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Art. 64.° Se a empreza não apresentar os estudos ou não começar os trabalhos nos prasos fixados, perderá o deposito effectuado.
§ unico. Se, tendo a empreza apresentado os projectos, o governo entender que elles devem ser absolutamente rejeitados, ou modificados em parte, a junta geral dará conhecimento á empreza d'essa deliberação, e lhe fixará novo praso, dentro do qual ella deverá corrigir os estudos nos termos ordenados. Se dentro d'esse novo praso não forem apresentados os estudos corrigidos nos termos determinados, a empreza soffrerá a pena imposta n'este artigo, e será obrigada a executar o projecto que a junta geral mandar elaborar pelos seus engenheiros.
Art. 65.° Se dentro do praso fixado para a conclusão das obras ellas não estiverem terminadas, e a linha ferrea respectiva em estado de exploração, pagará a empreza por cada mez de demora uma multa, que será fixada pela junta geral, ouvido o engenheiro encarregado da fiscalisação dos trabalhos o que não excederá a 1.000$000 réis fracos.
Art. 66.º Se a empreza, tendo perdido o deposito (artigo 65.°) não o renovar e restabelecer no praso fixado pelo governo; se não pagar as multas em que incorrer e lhe forem impostas (artigo 66.°); se não cumprir as outras clausulas estipuladas no contrato ou se se recusar a obedecer á decisão dos arbitros, nos casos da sua intervenção, terá o governo, ouvida a junta geral, direito de declarar rescindido o contrato.
§ 1.° N'este caso a construcção do caminho com todas as obras feitas e material fornecido, depois de competentemente avaliada, será posta em hasta publica por espaço de seis mezes com as mesmas condições, e arrematada á empreza que maior lanço offerecer.
O preço da arrematação será entregue á empreza, segundo outorgante, depois de deduzidas as despezas que a junta geral tiver feito com o pagamento da garantia de juros.
Se dentro d'estes seis mezes não houver quem arremate, serão as obras e o material fornecido adjudicados á junta geral sem indemnisação alguma, e o contrato rescindido para todos os effeitos juridicos.
§ 2.° A rescisão do contrato será feita por meio de decreto.
§ 3.° Do decreto de rescisão poderá a empreza recorrer para o tribunal arbitral, no improrogavel praso de dois mezes, a contar do dia em que for publicado na folha official.
§ 4.° A junta geral muito expressamente declara que, no caso de rescisão, não fica obrigada a indemnisar a em preza, qualquer que seja o fundamento, rasão ou pretexto allegado para justificar a indemnisação.
§ 5.° Igualmente declara a junta geral, que se não responsabilisa por quaesquer dividas da empreza, qualquer que seja o modo e titulo por que ellas forem contrahidas, nem garante, nem cauciona contratos de empreitadas geraes ou parciaes, ou outros que a empreza faça.
§ 6 ° Fica bem entendido, e é expressamente estipulado, que a junta geral, não só em rasão do dominio sobre a linha ferrea, mas como credora da conservação e exploração da mesma linha, tem preferencia sobre todos os credores da empreza, qualquer que seja a origem das suas dividas, obrigando-se a empreza em todos os contratos que fizer relativamente á linha ferrea, a resalvar os direitos da mesma junta.
Art. 67.° Exceptuam-se das disposições dos artigos precedentes os casos de força maior por motivo de guerra.
Art. 68.° Se a empreza não conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, assim como todo o material fixo e circulante, em perfeito estado de serviço, fazendo sempre para este fim á sua custa todas as reparações que forem necessarias, assim ordinarias como extraordinarias, conforme as disposições do artigo 24.°, ou se for remissa em satisfazer as requisições que para esse fim lhe forem feitas pela junta geral, poderá esta mandar proceder às necessarias reparações por sua propria auctoridade, e n'este caso tem direito de apropriar-se de todas as receitas da empreza, até completar a importancia das despezas feitas, augmentadas de um quinto a titulo de multa.
Art. 69.° No caso de interrupção total ou parcial da exploração do caminho de ferro, a junta geral proverá por sua propria auctoridado provisoriamente, para que a dita exploração continue por conta da empreza, e intimal-a-ha logo para ella se habilitar a cumprir com a sua obrigação respectiva.
§ 1.° Se tres mezes depois de intimada na fórma d'este artigo, a empreza não provar que está habilitada para continuar com a exploração da linha ferrea nos termos do contrato, incorrerá por esse mesmo facto, depois da declaração do governo, na pena da rescisão, e perderá o direito a todas as concessões que por elle lhe são feitas, e a junta geral entrará immediatamente na posse do caminho de ferro e de todas as suas dependencias sem indemnisação alguma.
§ 2.° Ficam salvos das disposições d'este artigo os casos de força maior devidamente comprovados.
Art. 70.° Quando a junta geral tomar conta do caminho de ferro, finda a concessão, terá direito de se pagar de quaesquer despezas que sejam necessarias para o pôr em bom estado de serviço pelo valor do material circulante, carvão e mais provimentos, os quaes objectos ficarão servindo, nos ultimos cinco annos de hypotheca especial a esta obrigação.
Art. 71.° A execução de todas as obras do caminho de ferro concedido por este contrato, e fornecimento, collocação e emprego do seu material fixo e circulante, ficam sujeitos á fiscalisação dos engenheiros que a junta geral nomear para esse fim.
Art. 72.° Nem o caminho de ferro na sua totalidade, nem qualquer das suas secções, será aberto ao transito publico emquanto a empreza não tiver obtido a approvação da junta geral, que para esse fim mandará examinar miuda e attentamente, por pessoas competentes, todas as obras feitas e material fixo e circulante.
§ unico. Os engenheiros que forem incumbidos d'este exame procederão a elle com o maior cuidado e circumspecção, e lavrarão um auto em que dêem relação minuciosa e exacta de tudo quanto encontrarem com respeito á segurança da via ferrea, interpondo por fim o seu juizo, sobre se sim ou não tal linha ferrea deva ser aberta á exploração. Este auto será submetido á sancção da junta geral para a habilitar a resolver.
Art. 73.° A junta geral terá o direito de fiscalisar, por meio dos seus agentes, a exploração da linha ferrea durante todo o tempo de concessão.
Art. 74.° A empreza fica sujeita:
l.° As leis, regulamentos e instrucções em vigor, e aos preceitos que o governo publicar sobre a policia e segurança de pessoas e cousas, tanto em relação às construcções, como aos serviços de exploração;
2.° Aos regulamentos relativos ao serviço telegrapho-postal;
3.° Aos regulamentos para a cobrança, fiscalisação e entrega dos impostos de transito e sêllo.
Art. 75.° A empreza será considerada portugueza para todos os effeitos.
Art. 76.° As contestações que se suscitarem entre a empreza e o estado serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo governo e dois pela empreza.
No caso de empate sobre o objecto em questão será um quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes.
Faltando accordo para esta nomeação, o quinto arbitro será nomeado pelo supremo tribunal de justiça.
§ 1.° No processo arbitral serão observados os precei-
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tos decretados pelo governo em virtude da auctorisação legislativa que lhe for conferida.
§ 2.° Serão exclusiva e definitivamente resolvidas pelo governo, ouvida a junta geral, todas as questões que se referirem á approvação, modificação e extensão dos projectos, segundo os quaes a empreza tem obrigação de construir a linha ferrea indicada n'estas condições.
Art. 77.° Ficam sujeitos á approvação do governo os estatutos da empreza, sem embargo das leis que regulam os contratos de sociedade.
Art. 78.° A empreza depositará, na caixa geral de depositos, á ordem da junta geral, os productos liquidos das obrigares que emittir; os saldos depositados serão restituidos á mesma empreza na proporção dos trabalhos executados e vencerão o juro que a mesma caixa abona aos seus depositantes.
Art. 70.° A emproa é auctorisada a fazer os regulamentos para os serviços de exploração, submettendo-os á approvação da junta geral.
Estes regulamentos são obrigatorios para a empreza, e um geral para todas as pessoas que fizerem uso do mesmo caminho.
Art. 80.º A empreza poderá trespassar, com previa auctorisação do governo, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas por este contrato, a qualquer outra empreza, sociedade ou individuo particular; mas o trespasso não poderá fazer-se á companhia ou sociedade, em cujos estatutos se não inclua expressamente a clausula do que, sendo estrangeira, renuncia a qualquer privilegio da sua nacionalidade e fica considerada portugueza para todos os effeitos
Art. 81.° A empreza terá sempre um representante em Ponta Delgada com plenos poderes para tratar com a junta geral a respeito de tudo que se refira á, construcção e exploração do caminho de ferro; devendo toda a escripturação da empresa ser feita em portuguez, na mesma cidade, para os effeitos da fiscalisação.
Condições do concurso para a construcção e exploração de um caminho de ferro na ilha de S. Miguel
Artigo 1.º Por espaço de noventa, dias se abre concurso para a construcção e exploração de um caminho de ferro, que permittido da cidade de Ponta Delgada, siga até ao Valle das Furnas, e de um ramal para a villa da Ribeira Grande.
§ unico. O praso do concurso começa a correr no dia... e termina no dia... pelas onze horas da manhá.
Art. 2.° A construcção e explorado do caminho de ferro indicado no artigo 1.º será contratada segundo as condições e clausulas que constituem o projecto do contrato
Art. 3.° Nenhum hesitante será admittido ao concurso sem ter previamente depositado na caixa geral de deposito, á ordem da junta geral do districto de Ponta Delgada, a quantia de 30.000$000 réis insulanos um dinheiro, ou o valor correspondente em titulos de divida publica pelo seu valor no mercado.
Art. 4.° A base da licitação será a quantia de 21:800$000 réis insulanos, em que, para os effeitos do concurso, se calcula o maximo kilometrico das despezas de construcção.
Art. 5.º Durante o praso do concurso estarão patentes na secretaria do ministerio do reino e na secretaria da junta geral do districto de Ponta Delgada, em todos os dias uteis, desde as onze horas da manhã até às quatro horas da tarde, todas as peças graphicas dos projectos feitos sobre a linha a construir, para serem examinadas.
Art. 6.º No dia... as onze horas da manhã, perante a commissão opportunamente nomeada pela junta geral, e com a assistencia do governador civil do districto, se procederá, na secretaria da mesma junta, á adjudicação da construcção o exploração do caminho de ferro, do que trata o artigo 1.º
Art. 7.° No referido dia, o á hora marcada, se receberão as propostas em carta fechada, assignadas pelos licitantes, sendo as assignaturas legalmente reconhecidas.
Art. 8.° Todas as cartas deverão ter no sobrescripto a seguinte legenda:
"Proposta para o concurso do caminho de ferro na ilha de S. Miguel, feita por... (nome do proponente).
Art. 9.° As propostas do preço fechar-se-hão em sobre escriptos separados, sem declaração alguma exterior, e serão escriptas em portuguez, nos termos seguintes:
"O abaixo assignado (designação da nacionalidade), residente em..., obriga-se a construir e explorar o caminho do ferro da ilha de S. Miguel, conforme as condições clausulas do concurso, fixando, para os fins indicados no artigo 28.° do projecto do contrato, em..., (por extenso) réis insulanos as despezas kilometricas de construcção.
Art. 10.° Cada proposta será acompanhada dos seguintes documentos:
1.° Certificado de ter sido feito o deposito exigido no artigo 3.°;
2.° Se o licitante representar alguma sociedade ou companhia , documento authentico, que mostre que esta sociedade ou companhia existe legalmente no paiz, a que pertencer, e que conferiu poderes especiaes para a licitação;
3.° Se o licitante representar algum indivíduo, procuração bastante com poderes especiaes para aquelle acto.
Art. 11.º A proposta do preço, fechada em separado, o os documentos indicados no artigo 10.°, serão encerrados em sobrescripto, em que se escreverá a declaração formulada no artigo 8.°
Art. 12.° Não se considerará válida qualquer proposta em que se requeiram ou proponham modificações no programma, ou nas clausulas o condições a que se refere o artigo 2.°
Art. 13.° No primeiro concurso serão sempre preferidos os concorrentes portugueses, e se o primeiro concurso ficar deserto, terão ainda os cidadãos portuguezes a preferencia em igualdade do circumstancias.
Art. 14.º Se no concurso se apresentarem duas ou mais proposta, fixando igual preço, e sendo esto o menor preço fixado, proceder-se-ha a licitação verbal, segundo o artigo 25.° das instrucções para arrematação do obras publicas, de 18 de julho do 1887, não podendo a differença entre cada um dos lanços ser inferior a 10$00 réis insulanos.
Art. 15.° Preenchidas todas as formalidades prescriptas nas citadas instrucções do 18 do julho de 1887, se lavrará termo especial da abertura das propostas e da licitação verbal, se a houver, se fará a adjudicação ao concorrente preferido, o subirá todo o processo ao governo para resolver dentro de dois mezes.
Art. L6.° Se o governo resolver approvar a adjudicação, será officialmente avisado o licitanto preferido para dentro de quinze dias elevar o deposito na caixa geral de depositos de 30:00$000 réis insulanos a 60.000$000 réis insulanos, em dinheiro ou em títulos da divida publica portugueza, segundo o seu valor no mercado, o para assignar o contrato no dia seguinte áquelle em que fizer o deposito definitivo.
Art. 17.º O licitante que não effectuar o deposito de 60:000$000 réis insulanos, ou que não assignar o contrato na conformidade do artigo 16.º, perderá, para a junta geral, a caução depositada.
Art. 18.º A junta geral não é obrigada a fazer a adjudicação, nem o governo a approval-a, quando entender que ella não é conveniente aos interesses publicos,
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SESSÃO N.º 109 DE 11 DE JULHO DE 1899 25
Art. 19.° Feita a adjudicação, e approvada pelo governo, ou resolvido que não ha proposta acceitavel, será auctorisado o levantamento dos depositos provisorios.
Sala da sessões, 7 de julho de 1899. = Francisco Ravasco = Arnaldo de Moraes Guedes Rebello = Chaves Mazíotti = Oliveira Mattos = João Pinto dos Santos = Alfredo Carlos Le-Cocq = Frederico Ramires = Jeronymo Barbosa Vieira = Alvaro de Castellões, relator.
Senhores.- A vossa commissão de fazenda, concorda com o parecer da illustre commissão de obras publicas
Sala das sessões da commissão de fazenda, 19 de junho de 1899. = Frederico Ressano Garcia = Augusto José da Cunha = Francisco Felisberto Dias Costa = Frederico Ramirez = Luiz José Dias = Francisco da Silveira Vianna = Henrique de Carvalho Kendall = Queiras Ribeiro.
N.º 57-A
Senhores. - A junta geral do districto de Ponta Delgada tem actualmente a seu cargo toda a viação do districto com excepção da municipal.
As estradas que ligam Ponta Delgada com Lagôa, Villa Franca e Furnas, por um lado, e com a Ribeira Grande, por outro, são caminhos velhos, que carecera de grandes obras e de extensas variantes, que já tinham sido mandadas estudar pelo governo.
A junta geral entende que é preferível não fazer essas variantes, mas sim um caminho de ferro, que siga approximadamente o trajecto d'aquellas estradas e que ligue a cidade com as villas mais importantes da ilha, attendendo ao enorme transito que existe actualmente e que tende cada dia a desenvolver se.
Haverá a construir assim:
Linha directa de Ponta Delgada às
Furnas........................42,180 kilometros
Ramal da Pranchinha a Ribeira Grando 16,480 "
Total........ 58,660 "
A importancia do orçamento d'esta linha ferrea é de 1.280:000$000 réia, moeda insulana, ou seja 21:900$000 réis por kilometro, numero redondo.
Este caminho de ferro interessa a toda a população da ilha, que é de 118:664 habitantes, segundo o ultimo censo, contando-se accumulados na proximidade das estações 60.500 habitantes.
O numero d'estas estações é de dezoito, como convém para o estabelecimento de comboios tramwais.
A junta geral propõe-se garantir o juro de 5 por cento do capital empregado na construcção d'este caminho de ferro, não devendo, porem, pagar na peior hypothese mais de 4 por cento.
Os calculos mais bem fundados fazem prever para a linha, attendendo apenas ao movimento actual, o vencimento bruto de 90 000$000 réis, e, sendo de 04:250$000 réis o juro do capital orçado, e importando as despezas de exploração em 50 por cento de rendimento bruto, resultará um deficit de
64:250$000 - 1/2 90:000$000 = 19:200$000 réis
que se irá extinguindo pouco a pouco pelo desenvolvimento geral da riqueza publica e mudança do habitos dos povos, resultante em grande parte do proprio estabelecimento do caminho de ferro.
Por esta forma pagar-se-ha muito barato o grande beneficio resultante para a ilha d'este caminho de ferro.
Para conseguir este grande melhoramento temos a honra do apresentar-vos a seguinte proposta, de lei:
Artigo l.° É auctorisada a junta geral do districto de Ponta Delgada a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso, a construcção e exploração de um caminho de ferro entre a cidade de Ponta Delgada, o Valle das Furnas e a Villa da Ribeira Grande, nas condições das bases da auctorisação e condições de concurso annexas, e que fazem parte integrante d'esta lei.
Art. 2.° Se a adjudicação se não puder effectuar por falta de concorrentes ou por se não apresentarem propostas acceitaveis, fica a junta geral auctorisada a construir por sua conta e a explorar directamente ou por arrendamento o referido caminho de ferro.
Art. 3.° A junta geral levantará os fundos necessarios para cumprimento dá auctorisação que lho é concedida, quer por emprestimo com qualquer estabelecimento bancario, quer emittindo obrigações, tudo mediante previa approvação do governo.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado das obras publicas, commercio A industria, em 27 de maio de 1899.- Elvino José de Sousa e Brito.
Bases do contrato para a contracção e exploração de um caminho de ferro na Ilha de S. Miguel
CAPITULO 1
Condições relativas á construcção, ao fornecimento de material lixo e circulante, e aos direitos do estado, da junta geral do districto de Ponta Delgada e da empreza sobre as diversas construções e material fornecido
Artigo 1.° A empreza effectuará á sua custa, e por sua conta e risco, nos termos, pelo modo e nos prasos estipulados n'este contrato:
1.° A construcção de um caminho de ferro que, partindo de Ponta Delgada, nas proximidades do edifício da alfandega, siga pela costa do sul até Furnas, servindo as povoações de S. Roque, Livramento, Atalhada, Lagôa, Agua de Páo, Ribeira Chá, Praia, Villa Franca, Ribeira das Tainhas e Ponta Garça, e de um ramal que, entroncando n'este, nas proximidades da Pranchinha, siga até á Ribeira Grande, approximando-se o mais possível da povoação de Rabo de Peixe; sendo o dito caminho de ferre e ramal completos em todas as suas parte, com todas as expropriações, aterros e desaterros, obras de arte, assentamento de vias, estações e officinas do pequena e grande reparação, e todos os edifícios accessorios, casas de guarda, barreiras, passagens de nível, muros de sustentação, muros de vedação ou sebes para separar a via ferrea das propriedades contíguas, e era geral as obras de construcção previstas ou imprevistas, sem excepção ou distincção, que forem necessarias para o completo acabamento da linha ferrea.
§ 1.° A palavra empreza, sempre que for empregada n'estas condições, significa o concessionario primitivo ou qualquer particular, sociedade ou companhia, para quem elle trespasse, na conformidade das leis, e com auctorisação prévia da junta geral, approvação do governo, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas em virtude d'este contrato.
§ 2.° As obras mencionadas no n.° l.º d'este artigo, que a empreza é obrigada a executar, serão feitas conformo os projectos definitivos por ella preparados, em harmonia com estas condições, depois de terem sido approvadas pelo governo, e ouvida a junta geral.
§ 3.º Estes projectos comprehenderão:
a) A planta geral do caminho do ferro, com a indicação da collocação das estações, portos secos, cursos do agua, estradas e caminhos atravessados, passagens de nível e superiores ou inferiores, edifícios e mais accessorios e dependencias do serviço da linha, sendo esta planta na escala de 1 por 5:000 ;
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a) O perfil longitudinal na escala de 1 por 5:000 para os, comprimentos, e de 1 por 500 para as alturas, contendo as seguintes indicações; distancias kilometricas referidas a origem, comprimento a inclinação de cada rampa ou declivo, extensão dos alinhamentos rectos e desenvolvimento da curvas, com designação dos raios correspondentes;
c) O perfil tranversal typo da via o os indispensaveis para boa intelligencia do projecto na escala de um por duzentos;
d) As obras de arte, na escala do 1 por 50 para um comprimento abaixo de. 10 metros, de 1 por cento para um comprimento de 10 a 100 metros, do 1 por 200 para em comprimento acima rio 100 metros;
e) Uma memoria descriptiva e justificativa de todo o [ilegivel].
§ 4.° O numero e a classe das estações e suas dependencias. Serão determinadas nos projectos definitivos; devendo em todo o caso haver uma estação principal em Ponta Delgada, com as accommodações necessarias para passageiros, mercadorias e empregados; officinas, machinas e aparelhos para montagem, reparação e concerto do material de exploração, armazens, telheiros e depositos para a arrecadação e pintura de locomotivas , tenders, carruagens e wagons; fosso para picar o fogo; apparelhos e reservatorios para a alimentação das machinas.
§ 5.° Dos projectos approvados fará a empreza tirar tres copias em téla, que serão authenticadas pela direcção geral das obras, publicas e minas; uma das copias ficará na posse do governo, outra será entregue á empreza e outra á junta geral.
§ 6.º A junta geral reserva-se o direito de fazer fiscalisar a execução dos estudos no campo.
§7.º Para facilitar á empresa a organisação do projecto definitivo, que é obrigada a apresentar, poderá a junta geral permittir, que a titulo de esclarecimento, ella tome conhecimento e tire copia das peças graphicas e escriptas do ante projecto.
2.º O fornecimento, conservação e renovação das locomotivas, carruagem para viajantes, wagons para mercadoria, machinas e utensilios para as officinas, platafórmas giratorias,reservatorios e apparelhoe hydraulicos, guindaste signaes e em geral de todo o material fixo e circulante, designado ou não designado, que for necessario para manter a linha em perfeito estado de exploração.
3.º O estabelecimento de um telegrapho electrico ao lado da linha ferrea e a conservação e renovação do material e apparelhos que forem precisos para o conservar em bom estado de serviço.
4.º Depois de terminada a linha, a empreza, no praso de um anno, fará á sua custa, com assistencia do engenheiro delegado da junta geral, a demarcação kilomotrica e o levantamento da planta cadastral do caminho de ferro suas dependencias com a descripção de todas as obras do arte executadas, e entregará á junta geral uma copia d'esta planta devidamente authenticada.
Art. 2.º A linha ferrea será com leito e obras para uma só via, á excepção das estações, em que haverá as necessarias vias de resguardo e de serviço.
Art. 3.º Quasquer alterações ou modificações que a empreza tenha por convemente propor, serão formuladas em harmonia com as condições technicas do projecto, mas não podendo ser executadas sem previa auctorisação do governo, ouvida a junta geral.
Art. 4.° As terras para a formação dos aterros serão sempre extrahidas de maneira que se evite a estagnação das aguas, prejudicial á saude publica.
Art.5.º A largura do caminho ao nivel de platafórma será de 3m,80 em aterro e de 4m,50 em desaterro, e ao nivel dos carris de 2m,20 n'um e n'outro caso.
A largura de via será de 1 metro entre as faces interiores dos carris. As dimensões dos fossos e a inclinação das atitudes quer em aterro quer em escavação serão reguladas pelos respectivos perfis transversaes typos adoptados nos projectos. A entre via ou distancia entre duas vias será, pelo menos, de 2 metros entre as faces exteriores dos carris internos de cada via.
Art.6.º O maximo dos declives será de 30 millimetros, por metro.
Art. 7.° Os raios das curvas do concordancia não serão inferiores a 100 metros, nas linhas geraes, e nas de serviço e resguardo poderão baixar a 80 metros. Os raios das curvas inferiores a 500 metros serão empregados por fórma que a rampa ficticia que resulta do seu emprego, sommada com a rampa effectiva, não seja superior a 30 millimetros, por metro. O intervallo entre os pontos de tangencia de duas curvas consecutivas em sentido contrario, será regulado por modo que, desde o ponto em que termina a sobrelevação do carril exterior de uma curva até ao ponto em que comece a elevar-se o carril opposto da outra curva, medeie, pelo menos, o comprimento de 20 metros em que os dois renques de carris estejam nivelados pelo mesmo trainel.
§ unico. Se a empreza não der, em devido tempo, cumprimento ao que n'este numero é preceituado, a junta geral fará executar por conta da empreza e por pessoal competente nomeado pela mesma junta, os trabalhos de campo e de gabinete relativos á medição, marcação kilometrica e levantamento da planta cadastral do caminho de ferro o suas dependencias com a discripção de todas as obras de arte executadas.
Art. 8.° Os carris e outros elementos constituitivos da via ferrea devem ser de boa qualidade e dos melhores modelos, proprios a preencher o seu destino.
Os carris a empregar serão de aço e seu peso não poderá ser inferior a 20 kilogrammas por metro corrente. Serão fixados pelo systema que a empreza julgar mais conveniente, segundo os ultimos aperfeiçoamentos, e com previa approvação da junta geral.
Art. 9.° As travessas serão metallicas, ou de madeira que sustente bem a pregagem, e das qualidades, fórmas e dimensões que forem approvadas pela junta geral, sob proposta da empreza.
Art. 10.° Este caminho será fechado por meio de muros, sebes vivas ou grades de madeira, que o separem das propriedades contiguas, quando a altura do aterro ou da escavação for inferior a 1m,50.
Art. 11.° A empreza deverá estabelecer, para serviço das localidades atravessadas pela linha ferrea, abrigos a caes destinados ao estacionamento, carga e descarga de mercadorias, em harmonia com os projectos approvados.
Art.12.º A empreza construirá de pedra, ferro ou tijolo, os viaductos, pontes, pontões, aquedactos e canos de rega, e as passagens superiores, inferiores e de nivel, em numero sufficiente, e com as dimensões que exigir a sua estabilidade a segurança, o volume das aguas e a largura do caminho de ferro e das entradas ordinarias ou caminhos a que algumas d'essas obras devam dar passagem.
Ari 13.º Os cruzamentos do caminho de ferro com as estradas reaes, caminhos municipaes e viemaes, poderão ser de nivel, excepto nos casos em que nos projectos estejam designadas passagem superiores ou inferiores.
Em todos os cruzamentos ou passagens de nivel a empreza será obrigada a estabelecer barreiras, que abrirão para a parte exterior do caminho de ferro, havendo um guarda encarregado d'este serviço n'aquellas em que a circulação o exigir.
Art. 14.º Quando o caminho de ferro passar sobre uma estrada real, a abertura do viaducto não será menor de 6 metros; sobre uma estrada municipal, a de 5 metros. A altura do fecho da abobada acima do pavimento de estrada, será de 5 metros, pelo menos; a largura entre as testas será de 3m,80; a altura dos parapeitos será de 0m,10. pelo menos,
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Art. 15.° Quando o caminho de ferro passar por baixo de uma estrada real, a largura do viaducto será de 6 metros, e sendo municipal do 5 metros.
A abertura entre os pés direitos será, pelo menos, de 4m,20, comprehendidos os fossos.
A distancia vertical do intradorso á parte superior dos carris será, pelo monos, de 5 metros.
Art. 16.° Se houver a desviar o traçado de qualquer estrada existente, os declives do novo traçado não poderão exceder os que existiam na estrada ou caminho que é substituído.
A junta geral, sob proposta da empreza, poderá alterar esta regra.
O angulo formado pelo eixo da via ferrea com o da estrada desviada não poderá ser inferior a 30º.
Art. 17.° A abertura dos subterraneos será, pelo menos, de 4m,60 entro as impostas, e de 4 metros entre os pés direitos ao nível dos carris; a altura acima d'este nível até ao intradorso da abobada de revestimento será, pelo menos, de 5 metros. A empreza fará todas as obras necessarias para prevenir qualquer perigo de desabamento ou infiltração.
Art. 18.° Nos pontos de encontro das estradas ordinarias com avia ferrea, durante a feitura d'esta, a empreza construirá as necessarias obras provisorias para que a circulação não seja interrompida.
Art. 19.° A empreza restabelecerá e assegurará á sua custa o curso das aguas, que se tenha suspendido ou modificado em consequencia das obras do caminho de ferro, ou indemnisará o proprietario, segundo as leis que lhe forem applicaveis.
Art. 20.° A empreza deverá empregar na construcção das obras, materiaes de boa qualidade. Os paramentos das abobadas, os cunhaes, os soccos e os corôamentos, serão, quanto possível, de pedra apparelhada, de boa qualidade; onde a não houver será tolerado o tijolo.
Art. 21.° As machinas locomotiva serão construídas segunda os melhores modelos conhecidos, e satisfarão a todas as condições actualmente prescriptas, ou às que de futuro o forem, para pôr em circulação as mesmas machinas.
As carruagens dos viajantes deverão ser igualmente dos melhores modelos, suspensas sobre molas e guarnecidas de assentos. Havel-as-ha de duas classes, pelo menos; todas serão cobertas, fechadas com vidraças e resguardadas com cortinas As de l.ª classe terão assentos estofados e as de 2.ª assentos de madeira.
As carruagens de todas as classes deverão preencher, alem do que fica dito, todas as condições prescriptas pelo governo no interesse da segurança publica.
Os wagons de mercadorias o gado, as plataformas é restante material será tudo do boa qualidade e solida construcção.
Art. 22.° O caminho de ferro com todos1 os seus edifícios necessarios para o serviço e mais accessorios e dependencias, como carris, cochins, travessas, e em geral todo o material fixo de qualquer especie, fica desde a sua construcção ou collocação na linha, pertencendo ao dominio do estado, representado pela junta geral, para todos os effeitos jurídicos, nos termos do direito commum e especial dos caminhos de ferro, e das diversas condições d'este contrato.
Todo o material circulante, carvão, coke e quaesquer outros provimentos, ficarão pertencendo ao dominio da empreza, para os mesmos effeitos e mesmos termos; com a declaração, porém, de que o material circulante não poderá ser alienado senão para o effeito de ser substituído, com vantagem do serviço publico, e o mesmo terá logar para o carvão, coke e quaesquer outros aprovisionamentos, em quanto forem importados livres de direitos.
CAPITULO II
Condições relativas às concessões que o estado da á empreza
Art. 23.° Em compensação das obrigações que a empreita toma sobre si por este contrato, concede o estado á mesma empreza, pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do contrato definitivo, a exploração do mencionado caminho de ferro, nos termos e com as condições n'elle estipuladas.
Art. 24.° A empreza deverá conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, com todo o seu material fixo o circulante, em bom estado do serviço e no mesmo estado deverá entregar tudo á junta geral, findo aquelle praso, fazendo para esse fim á sua custa todas as reparações, tanto ordinarias como extraordinarias.
§ unico. Se, porém durante o praso estabelecido no artigo antecedente, for destruída ou damnificada alguma parto do caminho de ferro, por motivo de guerra, sem culpa da empreza, o governo a indemnisará, pagando-lhe o valor das reparações, depois de avaliadas, em dinheiro ou títulos de divida publica pelo seu valor no mercado.
Art. 25.° Logo que tenha expirado o praso da concessão acima estabelecida, a empreza entregará á junta geral em bom estado de exploração, o caminho com todo o seu material fixo e com edifícios e dependências do qualquer natureza que sejam, sem que por isso tenha direito a receber indemnisação alguma.
Também lhe entregará todo o materiacl irculante; mas tanto o valor d'este como o do carvão de pedra e de outros quaesquer provimentos, que entregar á junta geral, ser-lhe-hão pagos segundo a avaliação de louvados.
Art. 26.° Em qualquer epocha, depois de terminados os quinze primeiros annos, a datar do praso estabelecido para a conclusão da linha, terá ajunta geral a faculdade de resgatar a concessão inteira.
Para determinar o preço da remissão toma-se o producto liquido obtido pela empreza durante os sete annos que tiverem precedido aquelle em que a remissão deva effectuar-se, deduz-se d'esta somma o producto liquido que corresponda aos dois annos menos productivos e tira-se a media dos outros annos, a qual constituo a importância de uma annuidade, que a junta geral pagará á empreza durante cada voa dos annos que faltarem para terminar o praso da concessão, não podendo esta annuidade ser inferior a 5 por cento do capital desembolsado na rasão do preço porque se effectua a adjudicação, ou á do ultimo dos annos considerados, quando o rendimento d'este anno for superior a 5 por cento.
N'este preço da remissão não é incluído valor do carvão, coke ou outros abastecimentos, que serão avaliados em separado e pagos pela junta geral, na occasião de serem entregues, pelo preço da avaliação por louvados.
Art. 27.° A junta geral garante á emprega o complemento do rendimento liquido annual até 5 por canto em relação ao custo dá cada kilometro que se construir, comprehendendo o juro e a amortisação do capital, não podendo, porém, o desembolso effectivo da junta geral exceder a 4 por cento do mesmo custo.
§ unico. A garantia de juro de que trata este artigo, só começará a ter effeito no 1.° de janeiro de 1906, e só com referencia ao 2.° semestre de 1905.
Art. 28.º Para os effeitos d'esta garantia de juro o preço kilometrico da linha a construir será a quantia de réis ... fracos, segundo a proposta feita no concurso.
As despezas do exploração serão computados em 50 por conto do producto bruto kilometrico, excluídos os impostos de transito e sêllo; fixando-se, todavia, um minimo de 700$000 réis e um maximo de 1:400$000 réis fracos por kilometro.
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Art. 29.º A garantia de juro será liquidada, e as somas correspondentes pagão no fim de cada semestre.
Art. 30.º Logo que o producto liquido da linha exceder a 5 por cento no anno, metade do excesso pertencerá á junta até completo reembolso das sommas adiantadas pela mesma junta, em virtude da garantia de juro de que tratam as condições antecentes, bem como dos juros d'essas sommas na rasão de 5 por cento anno.
§ unico. A empreza fica, salvo o direito do reembolso á junta geral das quantias que ella tiver adiantado por virtude de garantia de juro e amortisação de que tratam as condições antecedentes, podendo usar d'esse direito na epocha ou epochas que julgar convenientes.
Art. 31.º A junta geral publicará os regulamentos e usará dos meios apropriados para verificar as receitas e despeza de exploração, sendo a empreza obrigada a franquear-lhe toda a sua escripturação e correspondencia.
Art. 32.º A empreza terá a faculdade do construir todos os rumarei e prolongamentos, que possam alimentar a circulação da linha ferrea a que se referem estas condições, precedendo o respectivo contrato com a junta e auctorisações legaes, e sem que esta pela dita construcção lhe pague subsidio algum, ou lhe garanta qualquer beneficio, ficando com tudo pertencendo á junta geral, á qual serão entregues com a linha principal conforme o artigo 25.º. Quando, porém, o governo ou a junta geral julgar necessario construir alguns d'esses ramaes ou prolongamentos, e a empreza se não prestar a isso, o governo e ajunta geral reservam-se muito expressamente, o direito de os construir, ou de contratar a sua construcção com qualquer empresa, nos termos que lhe aprouver.
Art. 33.° Quando o governo ou a junta geral fizerem novas concessões de caminhos de ferro, quer esses caminhos sejam parallelos á mesma linha, ou a atravessem, ou n'ella venham a entroncar, ou sejam prolongamento d'ella, a empreza não póde, por pretexto algum, impedir os trabalhos precisos para o estabelecimento das mesmas linhas, nem tem direito a qualquer indemnização, assim como não será obrigada a fazer qualquer despeza por cansa d'essas concessões e das obras a que derem logar na sua linha.
Art. 34.° Quando o governo ou a junta geral venha a ordenar a construcção do uma estrada, canal ou via ferrea, que atravessa a linha concedida, deverá tomar todas as medidas necessarias para que não resulte impedimento ou obstaculo á circulação d´esta, nem o minimo augmento de despesa para a empreza.
Art: 35.º A abertura de qualquer das vias de communicação, de que tratam os dois precedentes artigos, nas condições ali exaradas, não poderá auctorisar reclamação alguma por parte da empreza.
Art. 36.° As emprezas concessionarias de quaesquer caminhou de forro que venham a entroncar com a linha, que faz o objecto d'este contrato, terão a faculdade de fazer circular n'ella as suas carruagens, wagons e machinas, sujeitando se aos respectivos regulamentos de policia e serviço, e pagando pelas pessoas e mercadorias nina portagem que, no caso de não haver accordo entre as emprezas, será regulada segundo a relação entre a portagem e o transporta estabelecido nas tarifas dos mais recentes cadernos da condições em França.
Esta faculdade será reciproca para todas as linhas. No caso em que as diversas emprezas não possam accordar-se sobre o exercício d'esta faculdade, o governo, ouvida a junta geral, decidirá a questão.
Art. 37,° Concede mais o governo á mesma empreza a isenção do qualquer contribuição geral ou municipal nos primeiros vinte annos depois do começo das obras; comtudo, n'esta disposição não é incluído o imposto de transito e sêllo lançado sobra os preços de conducção dos passageiros e mercadorias na forma da legislação vigente. Nenhuma contribuição especial será lançada sobre a linha ferrea durante a concessão.
Art. 38.° O governo concede mais á empreza, durante o praso de seis annos, contados da data do contrato definitivo : livre importação do carris, peças de ligação e fixação do via, apparelhos de mudanças de via, postos de signaes e semaphoricos ou do disco, material de ferro e aço para as pontes e viaductos, locomotivas o seus pertences, carruagens e wagons tambem com os seus pertences e competentes freios, o motor, machinas o ferramentas e mais material necessario para o estabelecimento das officinas de reparação; e, durante o mesmo praso, igual isenção do pagamento do direitos de importação para os utensílio e mnteriaes em seguida especificados e nas quantidades designadas para essa especie, a saber:
1.°
Instrumentos topographicos
Theodolitos....................... 6
Níveis............................. 6
Eclimetros......................... 3
Bussolas........................... 3
Fitas com tecido metallico........ 12
Correntes raetallicas com fixas.. 12
Miras de madeira.................. 12
Tacheomctros....................... 2
2.º
Diversos materiaes e utensílios destinados á construcção e exploração
Forjas volantes......................... 6
Bigornas............................... 15
Apparelho de sondagem................... 1
Ternos nos completos.................... 2
Macacos de simples e duplo movimento.... 2
Carris para vias provisorias..............100:000 kilogr.
Wagons completos, para transporte de terras.......................... 30
Aço era barra, para calços de ferramentas ............................ 1:200
Ferro em barra de diversas dimensões. 3:000 kilogr. Parafusos de ferro do diversas dimensões ........................... 600"
Ferragens diversas, para edifícios..... 1:200"
Tubos de zinco............................................ 300 "
Tubos de chapa de feno................................. 1 :200 "
Plátaformas giratorias, para machinas........................3
Ditas ditas para carruagens................................ 10
Tanques de ferro, para deposito de agua..................... 5
Cegonhas para toma de agua.................................. 5
Basculas para wagons........................................ 4
Balanças para bagagens.................................... 20
Ditas para mercadorias.................................... 20
Rombas de incêndio.......................................... 3
Guindastes.................................................. 3
Ferramentas e utensílios do ferro......................... 150 kilogr.
Ditos ditos de aço........................................ 150 "
Candieiros para estações.................................. 50
Relogios de parede........................................ 20
Candieiros de mesa........................................ 30
Lanternas sobresalentes para carruagens................... 20
Machina para fazer bilhetes................................. 1
Ditas para marcar bilhetes................................ 20
Prensas para copiar......................................... 9
Cornetas do signaes....................................... 50
Lanternas de signaes...................................... 50
3.°
Telegrapbos
Arame galvanisado......................... 15 toneladas
Pensores de ferro galvanisado............ 150
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Isoladores de porcelana.................................... 600 toneladas
Elementos de pilhas com todos os pertences..... ........... 300
Caixas do folha de ferro................................... 20
Receptores.................................................. 20
Transmissores Breguet...................................... 20
Bussolas verticaes.......................................... 20
Arame forrado de gutta-percha.............................. 30 kilogr.
Dito dito de seda........................................... 10 "
Estojos completos de ferramenta para
telegrapho .................................................. 6
Ferramentas de aço......................................... 30 kilogr.
4.°
Carvão
Carvão mineral............................................. 6:000 toneladas
§ unico. A empreza conformar-se-ha com os regulamentos físcaes que o governo julgar necessarios para prevenir abusos d'esta concessão.
Art. 39.° Concede mais o governo á empreza, gratuitamente, os terrenos que possuir e forem necessarios para a construcção e exploração da linha.
Art. 40.° Quaesquer expropriações que a empreza houver de fazer para as obras do caminho de ferro serão reguladas amigavelmente, ou pelas leis respectivas, tanto geraes como especiaes, dos caminhos de ferro, devendo intervir o ministerio publico para, auxiliar a empreza era nome do interesse geral, nos termos das leis em vigor, ou d'aquellas que venham a promulgar-se, para facilitar estas expropriações.
Art. 41.° Concede, emfim, o governo á mesma empreza, a faculdade de desviar correntes, e alterar a direcção de caminhos, uma vez que a construcção da linha ferrea assim o exija, devendo em todos os casos regular-se pelas leis sobre expropriações por utilidade publica que lhe deverão ser applicadas, e sujeitar-se á previa approvação do governo, ouvida a junta geral.
CAPITULO III
Condições relativas a exploração
Art. 42.° Emquanto durar a garantia de juro, a junta geral estabelecerá as tarifas de passageiros, gados e mercadorias.
Art. 43.° Logo que a junta geral estiver embolsada das quantias que tiver adiantado em virtude da garantia de juro e amortisação e dos juros correspondentes a essas quantias, serão as tarifas estabelecidas por accordo entre a junta geral e a empreza, em harmonia com os que vigorarem em outras linhas portuguesas que lhes sejam comparaveis, e consecutivamente, de cinco em cinco annos, proceder-se-ha á revisão das mesmas tarifas.
§ 1.° Na falta de accordo entre ajunta geral o a empreza, ácerca das modificações à introduzir nas tarifas, adoptar-se-hão, como maximos, os preços das tarifas das linhas ferreas exploradas pelo estado, e, não as havendo, a media das tarifas das linhas portuguezas exploradas por companhias.
§ 2.° Qualquer modificação que em qualquer tempo se faça, será annunciada com um mez de antecedencia.
Art. 44.° São prohibidos os contratos particulares destinados a reduzir os preços das tarifas. Exceptuam-se desta disposição os transportes que digam respeito ao serviço do estado e da junta geral, e às concessões feitas a indigentes.
Art. 45.° Nenhuma alteração de tarifas, de horarios ou de condições de serviço, poderá ser annunciada ao publico pela imprensa, nas estações ou de qualquer forma, antes de obtida a approvação da junta geral.
Art. 46.° As despezas accessorias não incluídas nas tarifas, taes como as de deposito, armazenagem e outras serão fixadas pela empreza com a approvação da junta geral.
Art. 47.° A recepção das taxas terá logar por kilometro; assim, um kilometro encetado será pago como se fosse percorrido. Exceptua-se d'esta regra toda a distancia percorrida menor de 3 kilometros, a qual será paga por 3 kilometros inteiros.
O peso da tonelada é de 1:000 kilogrammas.
As fracções de peso não serão contadas senão por centesimos de tonelada; assim todo o peso comprehendido entre O e 10 kilogrammas pagará como 10 kilogrammas, entre 10 e 20 pagará como 20 kilogrammas, e assim successivamente.
Art. 48.° O transporte de objectos perigosos ou de massas indivisíveis de peso superior a 5.000 kilogrammas não será obrigatorio para a empreza.
As condições d'este transporte poderão regular-se amigavelmente entre ella e os expedidores.
Feito, porem, de accordo com um, não se poderá negar a fazei-o nos mesmos termos durante tres mezes, com todos os que fizerem igual pedido.
§ 1.° Todo Ò transporte que necessitar, pelas suas dimensões, o emprego de um ou mais vagons, pagará pela carga inteira do vagon ou vagons que empregar, qualquer que seja o peso a transportar.
§ 2.° As mercadorias que a pedido dos expedidores forem transportadas com a velocidade de viajantes, pagarão na rasão do dobro do preço ordinario.
§ 3.° Os cavallos e mais gado tambem pagarão, no mesmo caso, o dobro do preço das respectivas tarifas.
Art. 49.° As mercadorias, volumes, animaes e outros objectos não designados nas tarifas, serão classificados para o effeito de pagamento de direitos de transporte nas classes com às quaes tiverem maior analogia. Esta classificação será feita pela empreza, de accordo com os físcaes da junta geral, com recurso para a mesma - junta.
Art. 50.° Todos os objectos (excepto os preciosos especificados na tarifa) que pésarem menos de 10 kilogrammas, serão considerados como objecto de recovarem.
Art. 51.° Todo o viajante, cuja bagagem não pesar mais do 15 kilogramas, não terá a, pagar pelo transporte d'esta bagagem augmento algum de preço, alem d'aquelle que dever pagar pelo seu logar.
Art. 52.º Os militares e marinheiros em serviço, viajando em corpo ou isoladamente, pagarão apenas, por si é suas bagagens, metade dos preços estipulados nas tarifas respectivas.
Art. 53.° Os empregados da junta geral e do governo, que forem incumbidos da fiscalisação do caminho de ferro ou da cobrança dê contribuição lançada sobre os preços do transporte, Ou da fiscalisação sanitaria da linha, deverão transitar n'ella sem pagar quantia alguma
Art. 54.° A empreza será obrigada a pôr á disposição do governo, por metade dos preços das tarifas geraes, todos os meios do transporte estabelecidos para a exploração do caminho de ferro, quando elle precisar dirigir tropas ou material de guerra sobre1 qualquer ponto servido pela linha ferrea.
Art. 55.° A empreza será obrigada a prestar gratuitamente os seguintes serviços:
1.° Concessão nos comboios de um compartimento para transporte das malas de correspondencia publica e dos seus conductores;
2.° Transporte do material dos correios, telegraphos o pharoes;
3.° Transporte de empregados da direcção geral em serviço de inspecção e fiscalização de correios, telegraphos e pharoes;
4.° Licença para collocação das linhas telegraphicas do governo nos postes ou apoios das linhas telegraphicas da via, ferrea.
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Art. 56.° O numero de viagens por dia será fixado pela empreza, de accordo com a junta geral, segundo as necessidades da circulação, não podendo, comtudo, ser inferior a quatro em cada linha, dois de ida e dois do volta.
O maximo e mínimo da velocidade dos comboios ordinarios de viajantes e mercadorias, e dos comboios extraordinarios, bem como a duração do transito completo serão sujeitos às regras de policia, para segurança publica, que o governo o a junta geral têem direito de estabelecer, ouvida a empreza.
Art. 57.° Todo o comboio ordinário do viajantes deverá conter, salvo os casos imprevistos de extraordinaria concorrencia, carruagens de todas as classes em quantidade sufficiente para as pessoas que se apresentarem a tomar logar.
Art. 58.° O uso do telegrapho eléctrico ou telephone, será gratuitamente permittido ao governo o á junta geral para os despachos officiaes, e aos particulares mediante os preços de uma tabella estabelecida pela empreza, de accordo com a junta geral.
CAPITULO IV
Condições relativas ao deposito, prasos para os estudes e construcção, penas convencionaes, legislação applicavel e outras estipulações
Art. 59.° O deposito provisorio do 30:000$000 réis fracos, effectuados pela empreza á ordem da junta geral na caixa geral de depositos, servirá de caução a este contrato provisorio, o qual fica dependente das auctorisações ou approvações superiores.
Art. 60.° Obtidas aquellas auctorisações e approvações e no praso maximo de um mez depois d'ellas terem sido recebidas pela junta, lavrar-se-ha o contrato definitivo, devendo o deposito ter sido previamente elevado a réis 60:000$000 fracos, em dinheiro, ou em títulos de divida publica portugueza, segundo o seu valor do mercado, o qual deposito ficará á ordem da junta geral servindo de caução ao contrato definitivo.
Art. 61.° Se no praso fixado no artigo antecedente a empreza não assignar o contrato definitivo, ou não elevar o seu deposito a 60:000$000 réis fracos, perderá para a junta geral a caução já depositada.
Art. 62.° O deposito definitivo de 60:000$000 réis fracos, que a empreza perfizer para servir de caução ao contrato definitivo, só poderá ser levantado quando a empreza tenha feito obras no valor equivalente ao dobro do seu deposito, passando essas obras a servir de caução.
§ unico. A empreza, se effectuar o deposito definitivo em titulos de divida publica, terá direito a receber os juros d'esses títulos; se o effectuar em dinheiro, poderá haver da caixa geral de depositos o juro que esta instituição abona aos seus depositantes.
Art. 63.° Os estudos e trabalhos technicos do traçado e das obras de arte serão feitos pela empreza e submettidos á approvação do governo, ouvida a junta geral, no praso de um anno, a contar da data do contrato definitivo.
§ unico. Os projectos das obras não serão approvados som que sobro elles seja ouvido previamente o ministerio da guerra.
Art. 64.° A construcção do caminho de ferro começará dentro do praso de sessenta dias a contar da approvação do projecto pelo governo, devendo estar concluídas todas as obras e a linha ferrea em estado de circulação com todo o material fixo e circulante e dependencias dentro do praso maximo de quatro annos a contar da mesma data.
§ unico. Quando o praso para a construcção venha a terminar antes de 1 de julho de 1905, considera-se prorogado até esta data, e a empreza só é obrigada a começar a construcção quatro annos antes.
1.° É facultado á empraza começar a construcção mais cedo e abrir as linhas á exploração, em toda a sua extensão ou troços, antes de 1 de julho de 1905 por sua conta e risco, com previa approvação da junta geral o respectiva fiscalisação, nos termos d'este contrato.
Art. (65.° Se a empreza não apresentar os estudos ou não começar os trabalhos nos prasos fixados, perderá o deposito effectuado.
§ unico. Se, tendo a empreza apresentado os projectos, o governo entender que elles devem ser absolutamente rejeitados, ou modificados em parte, a junta geral dará conhecimento á empreza d'essa deliberação, e lhe fixará novo praso, dentro do qual ella deverá corrigir os estudos nos termos ordenados. Se dentro d'esse novo praso não forem apresentados os estudos corrigidos nos termos determinados, a empreza soffrerá a pena imposta n'este artigo, e será obrigada a executar o projecto que ajunta geral mandar elaborar pelos seus engenheiros.
Art. 66.° Só dentro do praso fixado para a conclusão das obras ellas não estiverem terminadas, e a linha ferrea respectiva em estado do exploração, pagará a empreza por cada mez de demora uma multa, que será fixada pela junta geral, ouvido o engenheiro encarregado da fiscalisação dos trabalhos o que não excederá a 1:000$000 réis fracos.
Art. 67.° Se a empreza, lendo perdido o deposito (artigo 65.°) não o renovar o restabelecer no praso fixado polo governo; se não pagar as multas em que incorrer e lhe forem impostas (artigo 66.°); se não cumprir as outras clausulas estipuladas no contrato ou se se recusar a obedecer á decisão dos arbitros, nos casos da sua intervenção, terá é governo, ouvida a junta geral, direito de declarar rescindido o contrato.
§ 1.° N'este caso a construcção do caminho com todas as obras feitas e material fornecido, depois do competontemente avaliada, será posta em hasta publica por espaço de seis mezes com as mesmas condições, e arrematada á empreza que maior lanço offerecer.
O preço da arrematação será entregue á empreza, segundo outorgante, depois de deduzidas as despezas que a junta geral tiver feito com o pagamento da garantia de juros.
Se dentro d'estes seis mezes não houver quem arremato, serão as obras e o material fornecido adjudicados á junta geral sem indemnisação alguma, e o contrato rescindido para todos os effeitos jurídicos.
§ 2.º A rescisão do contrato será feita por meio de decreto.
§ 3.° Do decreto de rescisão poderá a empreza recorrer para o tribunal arbitrai, no imprerogavel praso de dois mezes, a contar do dia em que for publicado na folha official.
§ 4.° A junta geral muito expressamente declara que, no caso do rescisão, não fica obrigada a indemnisar a empreza, qualquer que seja o fundamento, rasão ou pretexto allegado para justificar a indemnisação.
§ 5.° Igualmente declara ajunta gorai, que se não responsabilisa por quaesquer dividas da empreza, qualquer que seja o modo o titulo por que ellas forem contrahidas, nem garante, nem canciona contratos de empreitadas geraes ou parciaes, ou outros que a empreza faça.
§ 6.° Fica bem entendido, e é expressamente estipulado, que ajunta geral, não só em rasão do domínio sobre a linha ferrea, mas como credora da conservação e expio ração da mesma linha, tem preferencia sobre todos os credores da empreza, qualquer que seja a origem das suas dividas, obrigando-se a empreza em todos os contratos que fizer relativamente á linha férrea, a resalvar os direitos da mesma junta.
Art. 68.° Exceptuam-se das disposições dos artigos precedentes os casos de força maior por motivo de guerra.
Art. 69.° Se a empreza não conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependências, assim como todo o material fixo e circulante, em perfeito
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estado de serviço, fazendo sempre para este fim á sua custa todas as reparações que forem necessarias, assim ordinarias como extraordinarias, conforme as disposições do artigo 24.°, ou se for remissa em satisfazer as requisições que para esse fim lhe forem feitas pela junta geral, poderá esta mandar proceder ás necessarias reparações por sua propria auctoridade, e n'este caso tem direito de apropriar-se de todas as receitas da empreza, até completar a importancia das despezas feitas, augmentadas de um quinto a titulo de multa.
Art. 70.° No caso de interrupção total ou parcial da exploração do caminho de ferro, ajunta geral proverá por sua propria auctoridade provisoriamente, para que a dita exploração continue por conta da empreza, e intimal-a-ha logo para ella se habilitar a cumprir com a sua obrigação respectiva.
§ 1.° Se tres mezes depois de intimada na fórma d'este artigo, a empreza não provar que está habilitada para continuar com a exploração da linha ferrea nos termos do contrato, incorrerá por esse mesmo facto, depois da declaração do governo, na pena da rescisão, e perderá o direito a todas as concessões que por elle lhe são feitas, e a junta geral entrará immediatamente na posso do caminho de ferro e de todas as suas dependencias som indemnisação alguma.
§ 2.° Ficam salvos das disposições d'este artigo os casos de força maior devidamente comprovados.
Art. 71.° Quando a junta geral tomar conta do caminho de ferro, Anda a concessão, terá direito de se pagar de quaesquer despezas que sejam necessarias para o pôr em bom estado de serviço pelo valor do material circulante, carvão e mais provimentos, os quaes objectos ficarão servindo, nos ultimos cinco annos de hypotheca especial a esta obrigação.
Art. 72.° A execução de todas as obras do caminho de ferro concedido por este contrato, o fornecimento, collocação e emprego do seu material fixo e circulante, ficam sucitos á fiscalisação dos engenheiros que a junta geral nomear para esse fim.
Art 73.° Nem o caminho de ferro na sua totalidade, nem qualquer das suas secções, será aberto ao transito publico emquanto a empreza não tiver obtido a approvação da junta geral, que para esse fim mandará examinar miuda e attentamente, por pessoas competentes, todas as obras feitas e material fixo e circulante.
§ unico. Os engenheiros que forem incumbidos d'este exame procederão a elle com o maior cuidado e circumspecção, e lavrarão um auto em que dêem relação minuciosa e exacta de tudo quanto encontrarem com respeito á segurança da via ferrea, interpondo por fim o seu juizo, sobre se sim ou não tal linha ferrea deva ser aborta á exploração. Este auto será submettido á sancção da junta geral para a habilitar a resolver.
Art. 74.° A junta geral terá o direito de fiscalisar, por meio dos seus agentes, a exploração da linha ferrea durante todo o tempo de concessão.
Art. 75.° A empreza fica sujeita:
1.° Ás leis, regulamentos e instrucções em vigor, e aos preceitos que o governo publicar sobre a policia e segurança de pessoas e cousas, tanto em relação á construcções, como aos serviços da exploração;
2.° Aos regulamentos relativos ao serviço telegrapho-postal;
3.° Aos regulamentos para a cobrança, fiscalisação e entrega dos impostos de transito e sêllo.
Art. 76.° A empreza será considerada portugueza para todos os effeitos.
Art. 77.° As contestações que só suscitarem entre a empreza e o estado serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo governo e dois pela empreza.
No caso de empate sobre o objecto em questão será um quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes.
Faltando accordo para esta nomeação, o quinto arbitro será nomeado pelo supremo tribunal de justiça.
§ 1.° No processo arbitrai serão observados os preceitos decretados pelo governo em virtude da auctorisação legislativa que lhe for conferida.
§ 2.° Serão exclusiva e definitivamente resolvidas pelo governo, ouvida a junta geral, todas as questões que se referirem á approvação, modificação e execução dos projectos, segundo os quaes a empreza tem obrigação de construir a linha ferrea indicada n'estas condições.
Art. 78.° Ficam sujeitos á approvação do governo os estatutos da empreza, sem embargo das leis que regulam os contratos de sociedade.
Art. 79.° A empreza depositará, na caixa geral de depositos, á ordem da junta geral, os productos liquidos das obrigações que emittir; os saldos depositados serão restituidos á mesma empreza na proporção dos trabalhos executados e vencerão o juro que a mesma caixa abona aos seus depositantes.
Art. 80.° O governo fará nos regulamentos de policia dos caminhos de ferro as alterações que julgar convenientes, ouvida a junta geral e a empreza.
A empreza é auctorisada a fazer os regulamentos para os serviços de exploração, submettendo-os á approvação da junta geral.
Estes regulamentos são obrigatorios para a empreza, e em geral para todas as pessoas que fizerem uso do mesmo caminho.
Art. 81.° A empreza poderá trespassar, com previa auctorisação do governo, os direitos adquiridos e as obrigações contratadas por este contrato, a qualquer outra empreza, sociedade ou individuo particular; mas o trespasse não poderá fazer-se á companhia ou sociedade, em cujos estatutos se não inclua expressamente a clausula de que, sendo estrangeira, renuncia a qualquer privilegio da sua nacionalidade e fica considerada portugueza para todos os effeitos.
Art. 82.° A empreza terá sempre um representante em Ponta Delgada com plenos poderes para tratar com a junta geral a respeito de tudo que se refira a construcção e exploração do caminho de ferro; devendo toda a escripturação da empreza ser feita em portuguez, na mesma cidade, para os effeitos da fiscalisação. = Elvino José de Sousa e Brito.
Condições do concurso para a construção e exploração de um caminho de ferro na Ilha de S. Miguel
Artigo 1.° Por espaço de noventa dias se abre concurso para a construcção e exploração de um caminho de ferro, que partindo da cidade de Ponta Delgada, siga até ao Valle das Furnas, e de um ramal para a villa da Ribeira Grande.
§ unico. O praso do concurso começa a correr no dia ... e termina no dia ... pelas onze horas da manhã.
Art. 2.º A construcção e exploração do caminho de ferro indicado no artigo 1.° será contratada segundo as condições e clausulas que constituem o projecto do contrato.
Art. 3.° Nenhum licitante será admittido ao concurso sem ter previamente depositado na caixa geral de depositos, á ordem da junta geral do districto de Ponta Delgada, a quantia de 30:000$000 réis insulanos em dinheiro, ou o valor correspondente em titulos de divida publica pelo seu valor no mercado.
Art. 4.° A base da licitação será a quantia de 21:800$000 réis insulanos, em que, para os effeitos do concurso, se calcula o maximo kilometrico das despezas de construcção.
Art. 5.° Durante o praso do concurso estarão patentes na secretaria do ministerio do reino e na secretaria da
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junta geral do districto de Ponta Delgada, em todos os dias uteis, desde as onze horas da manhã até ás quatro horas, da tarde, todas as peças graphicas da projectos feitos sobre a linha a construir, para serem examinadas.
Art. 6.° No dia ..., ás onze horas da manhã, perante a commissão opportunamente nomeada pela junta geral, e com a assistencia do governador civil do districto, se procederá, na secretaria da mesma junta, á adjudicação da construcção e exploração de caminho de ferro, de que trata o artigo 1.°
Art. 7.° No referido dia, e á hora marcada, se receberão as propostas em carta fechada, assignadas pelos licitantes, sendo as assignaturas legalmente reconhecidas.
Art. 8.º Todas as cartas deverão ter no sobrescripto a seguinte legenda:
"Proposta para o concurso do caminho de ferro na ilha de S. Miguel, feita por ... (nome do proponente.)
Art. 9.° As propostas do preço fechar se-hão em sobrescriptos separados, sem declaração alguma exterior, e serão escriptas em portuguez, nos termos seguintes:
"O abaixo assignado (designação da nacionalidade), residente o em ..., obriga-se a construir e explorar o caminho de ferro da ilha de S. Miguel, conforme as condições e clausulas do concurso, fixando, para os fins indicados no artigo 28.° do projecto do contrato, em ..., (por extenso) réis insulanos as despezas kilometricas de construcção.)
Art. 10.° Cada proposta será acompanhado dos seguintes documentos:
1.° Certificado de ter sida feito o deposito exigido no artigo 3.°;
2.° Se o licitante representar alguma sociedade ou companhia, documento authetico, que mostre que esta sociedade on companhia existe legalmente no paiz, a que pertencer, o que conferiu poderes especiaes para a licitação;
3.° Se o licitante representar algum individuo, procuração bastante com poderes especiaes para aquelle acto.
Art. 11.° A proposta do preço, fechada em separado, e os documentos indicados no artigo 10.°, serão encerrados em sobrescripto, em que só escreverá a declaração formulada no artigo 8.°
Art. 12.° Não se considera válida qualquer proposta em que se requeiram ou proponham modificações no programma, ou nas clausulas e condições a que se refere o artigo 2.º
Art. 13.° No primeiro concurso serão sempre proferidos os concorrentes portugueses, e se o primeiro concurso ficar deserto, terão ainda os cidadãos portugueses a preferencia era igualdade de circumstancias.
Art. ]4.° Se no concuso se apresentarem duas ou mais propostas fixando igual preço, e sendo este o menor preço fixado, proceder se ha á licitação verbal, segundo o artigo 25.° das instrucções para arrematação de obras publicas, de 18 de julho de 1887, não podendo a differença entre cada um dos lanços ser inferior a 10$000 réis insulanos.
Art. 15.° Preenchidas todas as formalidades prescriptas nas citadas instrucções de 18 de julho de 1887, se lavrará termo especial da abertura das propostas e da licitação verbal, se a houver, se fará a adjudicação ao concorrente preferido, e subirá todo o processo ao governo para resolver dentro de dois mezes.
Art. 16,° Se o governo resolver approvar a adjudicarão, será officialmente avisado o licitante preferido para dentro de quinze dias elevar o deposito na caixa geral de depositos de 30:000$000 réis insulanos a 60:000$000 réis insulanos, em dinheiro ou em titulos da divida publica portuguesa, segundo o seu valor no mercado, e para assignar o contrato no dia seguinte áquelle em que fizer o deposito definitivo.
Art. 17.° O licitante que não effectuar o deposito de 60.000$000 réis insulanos, ou que não assignar o contrato na conformidade do artigo 16.°, perderá, para a junta geral, a caução depositada.
Art 18.° A junta geral não é obrigada a fazer a adjudicação, nem o governo a approval-a, quando entender que ella não é conveniente aos interesses publicos.
Art. 19. Feita a adjudicação, e approvada pelo governo, ou resolvido que não ha proposta acceitavel, será auctorisado o levantamento dos depositos provisorios. = Elvino José de Sousa e Brito.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. Alexandre Cabral (por parte da commissão de redacção): - Mando para a mesa a ultima redacção do projecto n.° 17. A commissão tambem nenhuma alteração fez a este projecto.
O sr. Presidente: - Como ninguem pede a palavra sobre o artigo 1.° do projecto n.° 86, considera-se approvado.
O sr. Presidente: - Vae ser enviado para a camara dos dignos pares.
O sr. Alvaro de Castellões (relator): - Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que entrem em discussão conjunctamente todos os artigos do projecto. - Alvaro de Castellões.
Foi approvado.
Seguidamente approvou-se conjunctamente e sem discussão todos os artigos do projecto.
O sr. Presidente: - Vão ler-se, para entrar em discussão, o projecto n.° 53.
Leu-se. É o seguinte
PROJECTO DE LEI N.° 53
Senhores. - Á vossa commissão de administração publica foi presente o projecto de lei n.° 40-A, que auctorisa a expropriação do terreno necessario para a execução das obras do abastecimento de agua potavel na cidade do Funchal, e em que tambem se auctorisa o governo e a camara municipal do Funchal a cederem gratuitamente nos seus terrenos, ruas, largos, praças e faixa litoral as permissões necessarias para a execução das mesmas obras.
Este projecto, convertido em lei, concorrerá de certo para um dos principaes melhoramentos de que está carecida aquella importante cidade, que, gosando de um clima de uma benignidade excepcional, está comtudo sendo prejudicada pela falta de canalisação para esgotos, e agua potavel dentro dos domicilios, o que muito concorrerá para a melhor hygiene dos seus habitantes.
Já na lei de 16 de setembro de 1897 foi reconhecida a necessidade impreterivel d'aquellas obras, ficando até o governo auctorisado a auxilial-as com uma verba, que póde ser igual á sexta parte do rendimento liquido de todas as contribuições do estado arrecadadas no respectivo districto.
É, pois, a vossa commissão de parecer, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É declarada de utilidade publica e urgente, e regulada pelas leis em vigor, a expropriação do terreno para a execução de todas as obras de abastecimento de agua potavel na cidade do Funchal, feitas de harmonia com o respectivo projecto já approvado.
Art 2.° O estado e a camara municipal do Funchal cederão gratuitamente nos seus terrenos, ruas, praças, largos e faixa litoral, as servidões ou permissões necessarias para a execução das obras de abastecimento de aguas,
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esgoto e saneamento, feitas tambem de accordo com o respectivo projecto, já approvado.
Art. 3.° Fica a camara municipal do Funchal auctorisada a obrigar os proprietarios dos predios urbanos, comprehendidos na area da cidade do Funchal, a fazerem ou deixarem fazer, n'esses predios os encanamentos parciaes, que do cano geral conduzam agua ao interior dos mesmos predios.
§ 1.° São comtudo isentos d'esta obrigação:
1.° Os proprietarios dos predios cujo rendimento annual collectavel ou renda annual seja interior a 48$000 réis;
2.° Os proprietarios que tiverem dentro de suas casas agua potavel.
3.° Os proprietarios, cujas casas, em rasão do seu mau estado de conservação, ou por defeito da sua construcção, não comportarem nenhum dos systemas de encanamento que forem adoptados pela camara, empreza ou adjudicatario.
§ 2.º O direito concedido no n.° 1.° d'este artigo não obriga os inquilinos ou proprietarios a receberem agua em seus domicilios, pois que a todos os habitantes fica salvo o direito de se abastecerem nos chafarizes e marcos fontenarios.
§ 3.° Os proprietarios que, antes de serem intimados para receberem a canalisação em casa, a quizerem receber, terão direito a exigir que se proceda ás respectivas obras com a maior brevidade possivel.
§ 4.° No caso das obras de canalisação de que trata este artigo terem de ser feitas pela camara municipal ou pela empreza que a representar, em consequencia do proprietario se recusar a fazel-as, será o custo das mesmas addicionado de uma percentagem de 6 por cento e cobrada em noventa e nove prestações annuaes, pela renda da mesma propriedade, pelo processo estabelecido para a arrecadação das contribuições do estado; ficando comtudo para o proprietario a liberdade de remir em qualquer occasião este encargo, com o desconto de 6 por cento sobre as prestações em divida no tempo da remissão.
Art. 4.° A camara municipal do Funchal, mediante approvação do governo, estabelecerá um regulamento, em que especificará os termos das obrigações impostas aos proprietarios no artigo antecedente e seus paragraphos, e o modo de exigil-as.
§ 1.° Para a arrecadação das rendas da agua e debito das obras de canalisação feitas pela camara municipal ou pela empreza que a representar, no caso de recusa ou omissão do proprietario, poderá nesse regulamento adoptar-se o processo de arrecadação das dividas provenientes de contribuições do estado.
§ 2.° Pelas contravenções do mesmo regulamento, pódera a camara estabelecer penalidades aos infractores, nos termos do artigo 486.° do codigo penal.
Art. 5.° A camara municipal poderá, com previa auctorisação do governo, transferir a qualquer empreza, collectiva ou individual, os direitos adquiridos e as obrigações contrahidas pela presente lei, bem como os direitos que lhe foram concedidos pela carta de lei de 16 de setembro de 1897, relativamente á isenção de pagamento de direitos sobre os materiaes ou apparelhos, que hajam de ser importados do estrangeiro, com destino ás obras de abastecimento de aguas e canalisação de esgotos.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario. = Martinho Tenreiro = J. Simões Ferreira - José Benedicto Pessanha = Carlos J. de Oliveira = Alexandre Cabral = Antonio Cabral = Fortuna Rosado = Antonio Tavares Festas - Jeronymo Barbosa - Antonio Simões dos Reis, relator.
Senhores. - A commissão de fazenda está de accordo com o parecer da commissão de administração publica.
Sala das sessões da commissão de fazenda, em 25 de maio de 1899. = Frederico Ressano Garcia - Luiz José Dias = Francisco Felisberto Dias Costas - Henrique de Carvalho Kendall - Tem. voto dos srs.: Adriano Anthero = Queiroz Ribeiro -Ramirez - Augusto José da Cunha, relator.
N.º 40-A
Senhores. - Um dos principaes melhoramentos de ha muito reclamados para o Funchal, como necessidade urgente, é sem duvida o que diz respeito ás obras de canalisação de aguas potaveis e de esgotos, que prestando aos habitantes o mais commodo e hygienico serviço, hão de concorrer ao mesmo tempo para tornar ainda mais salubre aquella formosa e hospitaleira cidade.
Foi de certo attendendo a estas considerações que o parlamento, na lei de 16 de setembro de 1897, auctorisou o governo a auxiliar especialmente aquellas obras com uma verba não excedente á sexta parte dos rendimentos liquidos das contribuições ahi arrecadadas e isentou de direitos os materiaes importados para esse fim.
Estão felizmente concluidos e approvados os projectos d'esses importantissimos trabalhos e n'esta diligencia se empenharam vivamente o magistrado superior do districto e a camara d'aquelle minicipio.
Ainda é necessario, porém, para que se proceda á execução de todas as obras, algumas providencias legislativas, paia as quaes temos a honra de apresentar e submetter á vossa sabedoria e elevadissima consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É declarada de utilidade publica e urgente e regulada, pelas leis em vigor, a expropriação do terreno para a execução de todas as obras de abastecimento de agua potavel na cidade do Funchal, feitas de harmonia com o respectivo projecto já approvado
Art. 2.° O estado e a camara municipal do Funchal cederão gratuitamente nos seus terrenos, ruas, praças, largos e faixa litoral as servidões ou permissões necessarias para a execução das obras de abastecimento de aguas, esgoto e saneamento, feitas tambem de accordo com o respectivo projecto, já approvado.
Art. 3.° Fica a camara municipal do Funchal auctorisada a obrigarmos proprietarios dos predios urbanos, comprehendidos na area da cidade do Funchal, a fazerem ou deixarem fazer n'esses predios os encanamentos parciaes, que de cano geral conduzam agua ao interior dos mesmos predios.
§ l.° São comtudo isentos d'esta obrigação:
1.° Os proprietarios dos predios cujo rendimento annual collectavel ou renda annual seja inferior a 48$000 réis;
2 ° Os proprietarios que tiverem dentro de suas casas agua potavel;
3.° Os proprietarios cujas casas, em rasão do seu mau estado de conservação ou por defeito da sua construcção, não comportarem nenhum dos systemas de encanamento, que forem adoptados pela camara, empreza ou adjudicatario.
§ 2.° O direito concedido no n.° 1.° d'este artigo não obriga os inquilinos ou proprietarios a receberem agua em seus domicilios, pois que a todos os habitantes fica salvo o direito desse abastecerem nos chafarizes e marcos fontenarios.
§ 3.° Os proprietarios que, antes de serem intimados para receberem a canalisação em casa, a quizerem receber, terão direito a exigir que se proceda ás respectivas obras com a maior brevidade possivel.
§ 4.° No caso das obras de canalisação de que trata este artigo terem, de ser feitas pela camara municipal ou pela empreza que a representar, em consequencia do proprietario se recusar a fazel-as, será o custo das mesmas addicionado de uma percentagem de 6 por cento e cobrada em noventa e nove prestações annuaes, pela renda da mesma propriedade, pelo processo estabelecido para a arrecadação das contribuições do estado, ficando comtudo para o proprietario a liberdade de remir em qualquer occasião este encargo, com o desconto de 6 por cento sobre as prestações em divida ao tempo da remissão.
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Art. 4.° A camara municipal do Funchal, mediante approvação do governo, estabelecerá um regulamento, em que especificará os termos das obrigações impostas aos proprietarios no artigo antecedente e seus paragraphos e o modo de exigil-as.
§ 1.° Para a arrecadação das rendas de agua e debito das obras do canalisação feitas pela camara municipal ou pela empreza que a representar, no caso de recusa ou omissão do proprietario, poderá n'esse regulamento adoptar-se o processo de arrecadação das dividas provenientes do contribuições do estado.
§ 2.° Pelas contravenções do mesmo regulamento poderá a camara estabelecer penalidades aos infractores, nos termos do artigo 486.º do codigo penal
Art. 5.° A camara municipal poderá, com previa auctorisação do governo, transferir a qualquer empreza, collectiva ou individual, os direitos adquiridos e as obrigações contratadas pela presente lei, bem como os direitos que lhe foram concedidos pela carta de lei de 16 de setembro de 1897, relativamente á isenção do pagamento de direitos sobre os materiaes ou apparelhos que hajam de ser importados do estrangeiro, com o destino ás obras do abastecimento de aguas e canalisação de esgostos.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, 16 de maio de 1890. = João Catanho de Menezes = Visconde da Ribeira Brava = Augusto José da Cunha.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
(Pausa.)
Como ninguem pede a palavra considera-se approvado.
O sr. Presidente: - Vau entrar em discussão o projecto de lei n.° 59.
Leu-se. É o seguinte
PROJECTO DE LEI N.° 59
Senhores: - A vossa commissão de administração publica examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 5-D, da iniciativa do sr. deputado Frederico Ressano Garcia, relativo á creação de um concelho com sede na povoação de Espinho, composto exclusivamente da respectiva freguezia.
É incontestavel que aquella importante estação balnear tem, como poucas localidades, todas as condições de vida autonoma e até superiores a grande numero de concelhos existentes. Esta florescente terra, com um futuro manifestamente progressivo, accusa uma população fixa, de residencia habitual, approximadamente igual á de Penafiel, Leiria, Pinhel e outros centros do paiz, e uma população de facto, durante toda a quadra thermal, de mais de 20:000 habitantes.
E não lhe escasseiam, senhores, recursos, mais que sufficientes, para os encargos assumidos com a sua nova situação administrativa, que para tanto bastam os impostos que lhe cabe pagar annualmente ao actual municipio da Feira.
Injusto é, pois, que continue na sujeição em que até hoje se tem achado, com grave prejuizo do seu desenvolvimento material e moral e manifesto detrimento dos interesses publicou que intimamente lhe estão ligados.
Da creação d'este concelho resulta, é evidente, um pequeno augmento nas despezas publicas. Não é isso, todavia motivo para se não attender a reclamação dos povos interessados, pois bem administrar não consiste em evitar systematicamente todos os accrescimos de despeza, mas permittir sómente aquellas que se reconheçam indispensaveis ao augmento da riqueza publica, e á justa satisfação das necessidades e aspirações fundamentadas, como o são as que levam a onerar agora o thesouro.
Dando parecer favoravel ao projecto, julga a vossa commissão de administração publica que não melindra e menos aggrava o municipio da Feira, por isso que se comprehende que lhe seja motivo de legitima satisfação ver que os poderes publicos, decretando a autonomia administrativa de Espinho, fazem a merecida justiça áquella ridente e prospera estação balnear. Ali, sob o impulso unico de uma rasgada iniciativa local, sempre louvavel e credora do estimulos e alentos, têem-se promovido, com zêlo e dedicação, todos os melhoramentos e accentuam-se dia a dia excepcionaes condições de vida propria, que tornam aquella povoação capaz da emancipação que deve ser-lhe concedida.
Por todas estas ponderações, entendo esta commissão e é de parecer, de accordo com o governo, que approveis o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É separada do actual concelho da Feira a freguezia de Espinho, que constituirá um concelho com esta nova denominação.
§ Unico. A cargo do concelho, assim creado, ficará o pagamento dos juros e amortisação da parte correspondente das dividas actuaes do concelho da Feira.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de administração publica, 27 de maio de 1899. = Martinho Tenreiro = Antonio Cabral = Jeronymo Barbosa = Fortuna Rosado = J. Simões Ferreira = Manuel Telles de Vasconcellos - Alexandre Cabral - Simões dos Reis = Antonio Festas = José Pessanha, relator.
Senhores. - A vossa commissão de fazenda está concorde com o parecer da commissão de administração publica.
Sala das sessões da commissão, 27 de maio de 1899. = Frederico Ressano Garcia = Francisco Felisberto Dias Costa = Frederico Ramirez - Augusto José da Cunha - Hintze Ribeiro = Henrique de Carvalho Kendall.
Nº 5-D
Artigo l.º É separada do actual concelho da Feira a freguezia de Espinho, que constituirá um novo concelho com esta ultima denominação.
§ unico. A cargo do concelho, assim creado, ficará o pagamento dos juros e amortisação da parte correspondente das dividas actuaes do concelho da Feira.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 27 de fevereiro de 1899. = O deputado, Frederico Ressano Garcia.
O sr. Presidente - Está em discussão.
(Pausa.)
Como ninguem pede a palavra considera-se approvado.
O sr. Presidente: - Passe-se ao projecto n.° 87.
Leu-se. É o seguinte
PROJECTO DE LEI N.º 87
Senhores. - Foi presente á vossa commissão de fazenda a proposta de lei n.° 13-N, tendente a crear uma commissão permanente, constituida por funccionarios da maior idoneidade, para rever as contas das companhias que exploram concessões do estado, quando, por virtude dos respectivos contratos, o thesouro ficar, do qualquer modo, interessado na administração d'essas empresas.
Tão justo e util é o fim da proposta que a commissão, depois de lhe haver feito algumas ligeiras modificações, que em nada prejudicam o seu principio fundamental, antes alargam convenientemente a sua applicação, entende, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É creada, junto do ministerio da fazenda, uma commissão revisora das contas das differentes sociedades, companhias ou emprezas que, nos termos dos res-
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pectivos contratos, recebam do thesouro subsidio, ou garantia de juro ou de rendimento, ou que tenham de partilhar os seus lucros com o estado, ou que estejam sujeitas a remissão, mediante o pagamento de quantias dependentes da importancia das suas receitas liquidas.
Art. 2.º Esta commissão compor-se-ha, alem do presidente, nomeado pelo governo:
1.° De um conselheiro vogal do supremo tribunal administrativo, de um conselheiro vogal do tribunal de contas, de um vogal do conselho superior de obras publicas e minas, e de um vogal da junta consultiva do ultramar, indicados pelos respectivos ministros;
2.° Dos commissarios regios e inspectores technicos, por parte do governo, junto das differentes sociedades, companhias ou emprezas, tendo voto deliberativo, quando se tratar das que estão sob sua fiscalisação.
§ unico. São gratuitas as funcções d'esta commissão.
Art. 3.° Serão adjuntos á commissão, para servirem de relatores e de secretario: um chefe de repartição da direcção geral da contabilidade publica, um chefe de repartição da direcção geral do ultramar e um contador do tribunal de contas.
Art. 4.° A commissão poderá exigir das referidas sociedades, companhias ou emprezas todos os documentos que julgar necessarios, e examinar a sua escripturação commercial, na parte que considerar indispensavel para a verificação das suas contas com o estado.
§ unico. A commissão poderá igualmente requisitar todos os documentos que existirem nas diversas repartições publicas.
Art. 5.° O governo publicará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.
Art. 6.º Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala das sessões da commissão, 10 de junho de 1899. = José Dias Ferreira (com declarações) = Augusto José da Cunha = Francisco Felisberto Dias Costa = Luiz José Dias = Francisco da Silveira Vianna = Frederico Ramirez = Henrique de Carvalho Kendall - Queiroz Ribeiro = Frederico Ressano Garcia, relator.
Nº 13-N
Senhores. - Os melhoramentos materiaes, que, desde 1852, têem sido executados no paiz, tanto no continente como nas provincias ultramarinas, são como já disse causa de pesados encargos para o thesouro publico.
As companhias constructoras e exploradoras de caminhos de ferro com subvenção kilometrica, liquidam facilmente as suas contas com o governo; mas as que têem garantia de juros dão logar a liquidações financeiras complicadas, que n'alguns paizes estão a cargo, como em França, de uma commissão especial de verificação de contas, creada por decreto de 28 março de 1883.
Entre nós não são unicamente os caminhos de ferro que têem garantia de juros; os telegraphos submarinos e companhias territoriaes no ultramar têem igualmente garantia de obrigações, partilhas de taxas, ou percentagem em lucros annuaes.
Rever a justificação d'estas contas ou melhor formulal-a, para que o seu pagamento recáia sempre em processos regulares, e que não deixam duvidas, que mais tarde possam levantar questões de arbitragem ou outras entre o governo e as companhias subsidiadas, parece ao governo de necessidade para a boa administração dos dinheiros publicos.
E julga que tal verificação e revisão deve abranger não só as companhias de viação, transporte e communicações, como todas as de utilidade publica que tenham contas com o estado; taes como as de mineração, as exploradoras de aguas ou de territorios, as de monopolios de vendas ou fabricação e outras.
A isenção de direitos aduaneiros constituo muitas vezes um subsidio valioso, que se repete por muitos annos e cuja importancia deve tambem liquidar-se regularmente.
Taes contas devem sujeitar-se á fiscalisação de uma commissão permanente, formada por altos funccionarios dos differentes ministerios, que se instituirá e terá relações immediatas com o ministerio da fazenda.
As attribuições d'esta commissão devem ser as mais latas para o exame de livros e conferencia de contas das companhias subsidiadas e para a requisição de documentos existentes nas repartições, que julgue necessarios para a verificação SESSÃO N.° 109 DE 11 DE JULHO DE 1899 35
pectivos contratos, recebam do thesouro subsidio, ou garantia de juro ou de rendimento, ou que tenham de partilhar os seus lucros com o estado, ou que estejam sujeitas a remissão, mediante o pagamento de quantias dependentes da importancia das suas receitas liquidas.
Art. 2.º Esta commissão compor-se-ha, alem do presidente, nomeado pelo governo:
1.° De um conselheiro vogal do supremo tribunal administrativo, de um conselheiro vogal do tribunal de contas, de um vogal do conselho superior de obras publicas e minas, e de um vogal da junta consultiva do ultramar, indicados pelos respectivos ministros;
2.° Dos commissarios regios e inspectores technicos, por parte do governo, junto das differentes sociedades, companhias ou emprezas, tendo voto deliberativo, quando se tratar das que estão sob sua fiscalisação.
§ unico. São gratuitas as funcções d'esta commissão.
Art. 3.° Serão adjuntos á commissão, para servirem de relatores e de secretario: um chefe de repartição da direcção geral da contabilidade publica, um chefe de repartição da direcção geral do ultramar e um contador do tribunal de contas.
Art. 4.° A commissão poderá exigir das referidas sociedades, companhias ou emprezas todos os documentos que julgar necessarios, e examinar a sua escripturação commercial, na parte que considerar indispensavel para a verificação das suas contas com o estado.
§ unico. A commissão poderá igualmente requisitar todos os documentos que existirem nas diversas repartições publicas.
Art. 5.° O governo publicará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.
Art. 6.º Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala das sessões da commissão, 10 de junho de 1899. = José Dias Ferreira (com declarações) = Augusto José da Cunha = Francisco Felisberto Dias Costa = Luiz José Dias = Francisco da Silveira Vianna = Frederico Ramirez = Henrique de Carvalho Kendall - Queiroz Ribeiro = Frederico Ressano Garcia, relator.
Nº 13-N
Senhores. - Os melhoramentos materiaes, que, desde 1852, têem sido executados no paiz, tanto no continente como nas provincias ultramarinas, são como já disse causa de pesados encargos para o thesouro publico.
As companhias constructoras e exploradoras de caminhos de ferro com subvenção kilometrica, liquidam facilmente as suas contas com o governo; mas as que têem garantia de juros dão logar a liquidações financeiras complicadas, que n'alguns paizes estão a cargo, como em França, de uma commissão especial de verificação de contas, creada p
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36 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Representações enviadas para a mesa n'esta sessão
Da companhia manufactora de artefactos de malha e dos proprietarios da fabrica de lanificios em Santo Antonio de Massarellos, pedindo que não seja acceita a introducção da nova rubrica na pauta actual, nem alteração alguma no que respeita á lã penteada e ao fio não especificado cru, ou branqueado e tinto ou estampado, solicitada nas representações com os n.ºs E-182 e E-206, publicadas no Diario do governo de 1 do corrente.
Apresentada pelo sr. presidente da camara Poças Falcão, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
Dos proprietários de diversas fabricas de fiação e tecidos, fazendo igual pedido.
Apresentada pelo sr. presidente da camara Poças Falcão, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
Dos secretarios e amanuenses da administração e da camara municipal do concelho de Mafra, pedindo melhoria de situação.
Apresentada pelo sr. deputado Chaves Mazziotti, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.
O redactor - Barbosa Colen.