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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 22 DE JULHO

PRESIDENCIA DO SR. CUSTODIO REBELLO DE CARVALHO

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Antonio Carlos da Maia

Chamada — Presentes 67 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Alvares da Silva, Braamcamp, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Carlos Maia, Correia Caldeira, Quaresma, Dias da Silva, Brandão, A. Pinto de Magalhães, Mazziotti, V. Peixoto, Xavier da Silva, Barão da Torre, Oliveira e Castro, Abranches, Almeida e Azevedo, Cyrillo Machado, Rebello de Carvalho, Domingos de Barros, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Barroso, Ignacio Lopes, Borges Fernandes, Gomes, F. M. da Costa, Gaspar Pereira, Magalhães e Lacerda, Carvalho e Abreu, H. de Castro, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, Macedo, Noronha e Menezes, Torres e Almeida, Matos Correia, Neutel, Ortigão, Silva Cabral, José Guedes, Alves Chaves, D. José de Alarcão, Costa e Silva, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Pinto de Almeida, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, José Paes, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Freitas Branco, Mendes de Vasconcellos, Affonseca, Moura, Murta, Pereira Dias, Pinto de Araujo, Miguel Osorio, Modesto Borges, Placido de Abreu, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Affonso Botelho, Moraes Carvalho, Gonçalves de Freitas, Gouveia Osorio, Arrobas, Fontes, Pequito, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, Antonio de Serpa, David, A. Peixoto, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão de Santos, Barão do Rio Zezere, Garcez, Bento de Freitas, Carlos Bento, Pinto Coelho, Cesario, Cláudio Nunes, Conde de Valle de Reis, Poças Falcão, Celorico Drago, Abranches Homem, Bicudo Correia, Chamiço, Guilhermino de Barros, Blanc, Gomes de Castro, João Chrysostomo, Almeida Pessanha, Roboredo, Aragão, Sepulveda Teixeira, Ferreira de Mello, J. Coelho de Carvalho, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Veiga, J. A. Gama, José Estevão, Luciano de Castro, Feijó, J. M. de Abreu, Frazão, Rojão, Batalhoz, Mendes Leal Junior, Almeida Maia, Sousa Junior, Vaz Preto, Pitta e Thomás Ribeiro. V

Não compareceram — Os srs. A. B. Ferreira, Ferreira Pontes, Seabra, Aristides, Basilio Cabral, Ferreri, Conde de Azambuja, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Faustino da Gama, Bivar, Amaral, Diogo de Sá, Fernandes Costa, Izidoro Vianna, Pulido, Mendes de Carvalho, Fonseca Coutinho, Calça e Pina, Simas, J. Pinto de Magalhães, J. A. Maia, Galvão, Infante Pessanha, Figueiredo Faria, Camara Leme, Alves Guerra, Rocha Peixoto, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães, Charters, Moraes Soares, S. Coelho de Carvalho, Simão de Almeida, Velloso de Horta, Ferrer e Visconde de Portocarrero.

Abertura — Á meia hora da tarde.

Actas das duas sessões antecedentes — Approvadas.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. D. José de Alarcão, de que o sr. Coelho do Amaral faltou á sessão de hontem á noite, e faltará a mais algumas, por falta de saúde — Inteirada.

2.° Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Mendes de Vasconcellos, ácerca das quantias despendidas por este ministerio na compra de condecorações para estrangeiros nos ultimos dez annos economicos. — Para a secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, declarando, em resposta ao sr. Mendes de Vasconcellos, que por este ministerio não se gastou somma alguma em condecorações concedidas a estrangeiros. — Para a secretaria.

4.° Do ministerio da fazenda, acompanhando os. documentos, pedidos pelo sr. Pereira de Carvalho e Abreu, relativos aos trapiches e deslastres da cidade de Setubal. — Para a secretaria.

5.° Do ministerio da justiça, participando, em resposta a um requerimento do sr. Pereira de Carvalho e Abreu, que nada consta n'esta secretaria ácerca da exoneração do sub-delegado do procurador regio em Cabeceiras de Basto, por ser a sua nomeação e exoneração feita pelos procuradores regios. — Para a secretaria.

6.º Uma representação da camara municipal de Mondim de Basto, pedindo a construcção de um ramal de estrada. — A commissão de obras publicas.

7.° Da camara municipal de Santo Thyrso, queixando-se da demissão dada pelo governo ao escrivão d'aquelle municipio, João Justiniano de Sousa Trepa. — A commissão de administração publica.

8.º Dos escrivães de paz de diversos circulos da comarca de Ponte de Lima, pedindo providencias que melhorem a sua sorte. — A commissão de legislação.

9.° Da camara municipal de Castro Daire, ácerca da estrada que deve ligar Lamego com Vizeu. — A commissão de obras publicas.

expediente A que se deu destino pela mesa

Declaro que tambem assignei os projectos de lei, um sobre o modo de pagar o imposto da laranja com applicação ao porto artificial de Ponta Delgada, e outro sobre o espirito do artigo 4.° da lei de 9 de agosto do anno findo, apresentados estes projectos pelo meu collega, o sr. Bicudo Correia, na sessão de 18 do corrente.

Camara dos deputados, 22 de julho de 1861. = O deputado por S. Miguel, F. L. da Camara Falcão.

Mandou-se lançar na acta.

REQUERIMENTOS

1.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettida a esta camara uma nota dos mancebos recrutados, excluidos ou isentos do serviço militar em cada um(dos annos decorridos desde a publicação da lei de 27 de julho de 1855. = J. Cabral de Noronha.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja remettida a esta camara copia das relações que, em conformidade do artigo 1.°, n.ºs 2.° e 3.° do regulamento de 10 de janeiro de 1856, devem ter acompanhado as differentes propostas, que têem sido apresentadas ás côrtes para a fixação da força do exercito. = J. Cabral de Noronha.

Foram remettidos ao governo.

3. " Requeiro que seja enviada á commissão competente a representação do bacharel Manuel Albino Pacheco Cordeiro, apresentada em sessão do 1.° de fevereiro d'este anno, pedindo a interpretação de alguns artigos do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852 e da lei de 23 de novembro de 1852. = J. Cabral de Noronha.

Foi remettido á commissão de legislação.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

1.ª Peço para ser inscripto para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado Cyrillo Machado, sobre a demissão do escrivão da camara de Santo Thyrso.

Sala das sessões da camara dos deputados, 22 de julho de 1861. = B. Freitas Soares.

2.ª Em 14 ou 15 do mez passado mandei para a mesa uma nota de interpellação ao ex.mo sr. ministro das obras publicas, que dizia respeito á estrada, que tem de ligar as duas cidades Viseu e Lamego; e como eu pedi a palavra para mandar agora tambem uma representação da camara de Castro Daire, que diz respeito á mesma estrada, renovo aquella interpellação por este meio, e quero que chegue ao conhecimento de s. ex.ª, que me parece que dos tres pon-

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tos, em que a directriz d'esta estrada tinha de passar, que era Villa Cora, Rio de Mel e S. Pedro do Sul, tendo-se abandonado o primeiro como o menos conveniente, e escolhido o segundo (Rio de Mel), por onde julgo já estão concluidos os trabalhos graphicos, é sem duvida este o verdadeiro ponto, porque offerece mais commodidade, mais economia e utilidade.

Porque de Viseu a Castro Daire, indo a estrada a Rio de Mel, serão 20 kilometros, e passando em S. Pedro do Sul serão 34, e por isso offerece mais commodidade passando em Rio de Mel; e é mais economica e mais util, não só porque sendo mais curta (em regra) traz menos despezas, mas até porque de Vizeu ao Almarge tem pouco que fazer, e mesmo porque indo a S. Pedro tem de se fazer muitas expropriações em terreno fertil, e de se inutilisar as despezas que já se fizeram.

E quando se queira dizer que se aproveitam alguns kilometros da estrada de Albergaria, tudo isto não equivale aos sacrificios que os povos teriam de fazer talvez por seculos inteiros.

Por estas e outras considerações parece-me que a estrada deve passar em Rio de Mel, e que s. ex.ª não deixará de as attender, e de se lembrar de incluir no orçamento alguma verba para lhe dar o desenvolvimento necessario.

Mando a representação para a mesa. = Antonio Augusto Soares de Moraes.

3.ª Peço para ser inscripto na interpellação do sr. deputado Cyrillo Machado ao ex.mo ministro do reino, relativamente á demissão do escrivão da camara de Santo Thyrso. = Visconde de Pindella.

Mandaram-se fazer as communicações respectivas.

SEGUNDAS LEITURAS PROJECTO DE LEI

Senhores. — A carta de lei de 22 de junho de 1846 concedendo, no artigo 12.° § 2.º n.° 2.° aos sub-emphyteutas e sub-censoarios. de predios pertencentes no dominio directo á corôa ou fazenda nacional, o direito de remissão das respectivas pensões dentro do praso de dois annos, raros porém se aproveitaram d'este beneficio, porque á publicação da referida carta de lei sobreveio uma guerra civil, bastante duradoura, a qual não só absorveu a attenção dos povos, mas igualmente suspendeu por vezes as relações das provincias com a capital do reino.

Attendendo pois a esta circumstancia; attendendo á natureza dos bens que acima mencionei; attendendo emfim aos intuitos eminentemente civilisadores e liberaes do sabio auctor do decreto de 13 de agosto de 1832, e dos legisladores que collaboraram na citada carta de lei de 22 de junho de 1846, parece-me de justiça que se renove por um anno o praso outorgado aquelles sub-emphyteutas e sub-censoarios para requererem a remissão.

Não me animei comtudo a tornar extensiva essa medida ás pensões impostas em bens, cujo dominio directo ou censitico a fazenda nacional já vendeu em hasta publica, porque entendi que seria isso um attentado contra o direito de propriedade, direito sagrado que cumpre respeitar. Se não ha liberdade politica sem liberdade da terra, tambem sem o direito de propriedade não ha sociedade possivel.

Esse attentado porém não te verifica, facultando sómente a remissão das pensões, constituidas em propriedades, o dominio directo ou censitico das quaes ainda se conserva na posse e administração da fazenda ou da corôa de seus donatários.

A maior parte das rasões, que actuam no meu espírito para exercer n'este sentido a iniciativa parlamentar, são as mesmas que me instigam a contemplar, no projecto que tenho a honra de propor-vos, os sub-emphyteutas e sub-censoarios de bens foreiros ou censoarios aos conventos de religiosas, mitras, cabidos, collegiadas, seminarios e respectivas fabricas.

Não posso descobrir o motivo por que a, carta de lei de 4 de abril ultimo, chamada da desamortisação, só permittiu a remissão das pensões sub-emphyteuticas e sub-censiticas pertencente ás corporações n'ella designadas, como senhorios estes dos predios onerados, e não das que se pagam a particulares, como censoarios ou emphyteutas principaes, posto sejam impostas em bens das mencionadas corporações que ainda conservam o dominio directo ou censitico.

O legislador, para ser coherente e logico, devia estender até ahi o beneficio. O bem publico constantemente o reclama. O desiderandum da liberdade da terra assim o exige em nome dos principios consagrados pelo parlamento na discussão da lei de 4 de abril, a qual, no meu humilde conceito, não produzirá os effeitos salutares, que se desejam, sem a indicada ampliação.

Por estas considerações e outras que deixo á sabedoria da camara, confeccionei o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Aos sub emphyteutas e sub-censoarios de bens pertencentes á corôa ou fazenda nacional, comprehendidos na disposição do § 2.º do artigo 12.º da carta de lei de 22 de junho de 1846, que deixaram de requerer a remissão das pensões sub-emphyteuticas e sub-censoarias dentro do praso de dois annos, facultado no n.° 2.° do citado § 2.°, é outorgado o praso de mais um anno, contado da publicação da presente lei, para requererem a sobredita remissão, uma vez que a corôa, ou fazenda, ou seus donatários conservem ainda o dominio directo ou censitico dos predios onerados.

§ unico. A remissão verificar-se-ha com os beneficios e pela fórma indicada nos n.º 1.°, 2.º, 3.º, 4.°, 5.º e 6.° do § 2.º do referido artigo 12.°

Art. 2.° É permittido aos sub-emphyteutas e sub-censoarios de bens foreiros ou censoarios aos conventos de religiosas, mitras, cabidos, collegiadas, seminarios e respectivas fabricas requererem dentro de um anno, contado da publicação da presente lei, a remissão das pensões sub-emphyteuticas e sub-censiticas.

§ 1.° A remissão terá logar em harmonia com o disposto no artigo 7.° da carta de lei de 4 de abril de 1861, com declaração de que o respectivo preço será sempre pago aos emphyteutas e censoarios principaes em moeda metallica corrente no reino.

§ 2.° Serão a este respeito observadas, no que poderem ser applicaveis, as disposições do § 2.º e seus numeros do artigo 12.º da citada carta de lei de 22 de junho de 1846.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos deputados, em sessão de 22 de julho de 1861. = 0 deputado pelo circulo n.° 15, Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida.

Foi admittido e enviado á commissão de foraes, ouvida a de fazenda.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Por decretos de 17 de agosto de 1849 e 1 de agosto de 1856 foi concedido ao commercio de Lisboa e Porto o transporte por baldeação de uma para outra praça dos generos e mais effeitos, cuja admissão é permittida, podendo depois ser ou reexportados para o estrangeiro, ou despachados para consumo, pagando os respectivos direitos na alfandega em que ultimamente são admittidos.

Esta salutar providencia que tem produzido importantes resultados para o commercio d'estas duas praças, concorrendo efficazmente para a reproducção de transacções, o que não póde deixar de ser tambem vantajoso para os cofres do estado, não se tem até hoje tornado extensiva ás outras alfandegas do reino, na parte que diz respeito aos generos que ali são admittidos a despacho para consumo com grave vexame, manifesta desigualdade, e prejuizo de valiosos interesses.

A rasão d'esta desigualdade e privilegio, concedido unicamente a estas duas praças com exclusão de todas as outras, não póde facilmente encontrar-se. E nem póde servir de motivo o dizer-se que Lisboa e Porto são considerados portos francos, pois que o que unicamente se pede é a baldeação dos generos que tem despacho nas outras alfandegas. Os direitos que a pauta estabelece sobre os generos tem de infallivelmente pagar-se e são os mesmos, qualquer que seja a alfandega em que são admittidos a despacho; e o commercio das differentes localidades melhora consideravelmente com esta concessão sem prejuizo, antes com vantagem da fazenda, porque podendo o commerciante depositar sempre o genero que importa do estrangeiro na alfandega de sua localidade, e despacha-lo na proporção que o seu commercio exige, não só dispensa mais largo emprego de capital, como evita collocar fundos em outra praça, o que sempre é despendioso, podendo assim verificar as suas transacções em mais larga escala, d'onde deve resultar o desenvolvimento do commercio e por consequencia de riqueza publica.

Esta consideração é tanto mais importante quanto é certo que as praças a que esta restricção se estende estão completamente desherdadas de estabelecimentos de credito; cada individuo tem de restringir-se aos seus proprios haveres, e não póde rasoavelmente aggravar-lhes ainda a sua penosa situação com peias e restricções que, só tendem a limitar o definhado commercio d'aquellas localidades, com prejuizo manifesto para o thesouro.

E demais, se um genero qualquer póde ser importado directamente do estrangeiro, se tem despacho na alfandega a que se destina, não póde haver rasão plausivel que obste a que se faça igual concessão de um para outro porto do paiz, e ainda menos que se conceda de Lisboa para o Porto e vice-versa, com grave prejuizo de variados e legitimos interesses que têem igual direito a ser attendidos. Por todas estas considerações temos a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º São extensivas a todas as alfandegas do reino as disposições dos decretos de 17 de agosto de 1849 e 1 de agosto de 1856, em todos os artigos que são admittidos a despacho de consumo n'aquellas alfandegas.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 20 de julho de 1861. = Manuel José de Sousa Junior, deputado pelo 2.º circulo da Figueira = José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pelo circulo de Arganil.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

PROPOSTA DE LEI

Senhores. — Os alvarás da creação da junta dos juros dos reaes emprestimos, de 13 de março de 1797 e 31 de maio de 1825, consideram os empregados da sua contadoria em igualdade de circumstancias aos empregados do extincto erario.

A carta de lei de 15 de julho do 1837 considerou-os da mesma fórma com relação aos empregados do thesouro publico.

O decreto de 3 de novembro de 1860, applicando as disposições para a aposentação aos empregados da secretaria da fazenda e do thesouro publico, não as tornou extensivas aos empregados da contadoria da junta do credito publico.

As mesmas rasões que levaram o governo de Sua Magestade a decretar as condições para a aposentação dos empregados do ministerio da fazenda são applicaveis em tudo aos empregados da referida contadoria.

Por estas rasões pois tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º São applicaveis aos empregados da contadoria da junta do credito publico as disposições contidas no artigo 59.°, e seus paragraphos, do titulo 4.º do decreto de 3 de novembro de 1860.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos deputados, 21 de julho de 1861. = O deputado, Francisco Izidoro Vianna.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Gouveia Osorio: — Eu tinha pedido a palavra ha muitos dias, porque desejava fazer algumas observações sobre pontos importantes de interesse publico ao sr. ministro das obras publicas; mas como s. ex.ª não está presente, aguardarei para quando o estiver.

E aproveitando a palavra que v. ex.ª me deu, apesar de algumas explicações que se deram aqui n'uma das sessões passadas, peço novamente ás commissões de administração publica e de guerra a bondade de darem o seu parecer com relação ás alterações da lei do recrutamento, tão reclamadas pela opinião publica e pelas camaras municipaes, e cuja necessidade é tambem reconhecida pelos proprios governos, por isso que tantas portarias têem publicado sobre este assumpto. É um negocio que o parlamento não póde nem deve deixar de ter em consideração. E visto que as commissões tomaram sobre si a responsabilidade de dar o seu parecer com brevidade, entendo que é do seu dever e da dignidade da camara que nos occupemos d'este assumpto com a maior urgencia.

Como estou com a palavra, permitta-me v. ex.ª que eu faça uma pergunta a que talvez o sr. ministro da marinha não esteja habilitado para responder, por isso que o seu objecto pertence mais á repartição dos negocios estrangeiros; mas se s. ex.ª entender que póde ou devo dizer alguma cousa sobre ella, estimarei ouvir o nobre ministro.

Nos jornaes francezes, chegados hontem, vem publicada a noticia do reconhecimento do reino de Italia pelo governo portuguez, mas accrescentando que o governo de Sua Magestade Fidelissima tinha feito esse reconhecimento com algumas restricções. Não se diz porém quaes são essas restricções, e eu desejava que s. ex.ª o sr. ministro dos negocios estrangeiros estivesse presente, para me dar algumas explicações a este respeito, se entendesse que era conveniente satisfazer a esta pergunta, sem quebra dos principios geraes e conveniencias que se costumam guardar nestas materias.

O sr. Ministro da Marinha (Carlos Bento): — Sr. presidente, o illustre deputado, na pergunta que me dirigiu, reconheceu que não era a minha repartição a competente para lhe responder; no entanto parece-me poder desde já dizer ao illustre deputado que a pergunta que me fez com relação ao ponto determinado, do reconhecimento do reino dei Italia, não se póde entender com restricções ao acto do reconhecimento, mas o que eu entendo é que só o meu collega, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, poderá dar mais cabaes informações ao illustre deputado.

Visto que estou de pé, peço a v. ex.ª licença para mandar para a mesa uma proposta para augmentar o decimo, que é concedido ás praças da armada que continuam o seu serviço alem do praso marcado pela lei. Esta proposta faz um pequeno augmento de despeza, que não chega a réis 3:000$000, mas que póde produzir grandes vantagens.

A proposta é a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Senhores. — O decreto com força de lei de 6 de março de 1855, tendo dado uma nova organisação ao corpo de marinheiros militares, consignou quaes devessem ser os vencimentos mensaes e o tempo de serviço das differentes praças do mesmo corpo, o qual em virtude d'aquelle decreto passou a denominar-se corpo de marinheiros da armada real.

Pelo artigo 27.º do mesmo decreto se determinou, que as praças de marinhagem, que acabassem o seu tempo de serviço, na conformidade da lei do recrutamento maritimo, e quizessem continuar no serviço da armada, venceriam mais um decimo de suas respectivas soldadas, e tal pratica foi igualmente extensiva ás praças que por motivos urgentes e rasões de conveniencia publica não obtivessem as suas baixas em tempo competente.

Esta disposição, tendo por fim compensar um serviço que a lei não exige de quem o pratica, alem de prestar homenagem a um principio de justiça e equidade, tinha por fim uma vantagem para o serviço naval, qual era a de conservar, fazendo parte das equipagens, aquelles maritimos que pela pratica adquirida, pelos habitos da disciplina, e pelas mais condições physicas e moraes se achavam habilitados para melhor o desempenhar, dispensando assim pela acquisição do melhor pessoal um mais crescido numero de praças novas, que não podem prescindir de uma longa aprendizagem.

Se o augmento de uma decima parte das soldadas tinha por fim alcançar tão attendiveis resultados á custa de uma verba pouco consideravel, e ao mesmo tempo bem compensada pelos mesmos resultados, é certo tambem que tal augmento não tem produzido o fim que se teve em vista.

Elevando porém a um quinto das soldadas o excesso de vencimento em taes condições ás praças de marinhagem, é de suppor que se consiga o resultado proposto de conservar nas equipagens voluntariamente os mais uteis elementos do seu pessoal, dispensando assim um mais crescido numero de praças novas, e diminuindo o onus á população maritima, evitando tambem uma constante aprendizagem menos proficua para o serviço.

Actualmente a verba de despeza resultante de tal acrescimo, até hoje em uso, montava a 2:597$280 réis annuaes, por abranger muitas praças com direito á baixa e ás quaes esta não era concedida.

Cumprindo porém tomar todas as disposições pára que a continuação no serviço das praças, que concluiram o seu tempo, seja voluntario, é indispensavel procurar consegui-lo, pelas vantagens que para similhante fim forem legalmente concedidas.

Por todos estes motivos, tenho a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° As praças do corpo de marinheiros da armada real, que concluirem o tempo de serviço que lhes é

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designado na lei do recrutamento maritimo, e declararem querer continuar no serviço da armada, vencerão por este serviço, alem de suas soldadas, um augmento de uma quinta parte da importancia das mesmas.

§ unico. Quaesquer praças, que houverem terminado o tempo de serviço, vencerão o mesmo augmento emquanto lhe não for concedida a baixa a que tiverem direito.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 22 de julho de 1861. = Carlos Bento da Silva.

Foi enviada á commissão de marinha.

O sr. João Chrysostomo: — Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas relativo á navegação do rio Douro.

O sr. Presidente: — Deu uma hora, e vae passar-se á ordem do dia, se ha alguns srs. deputados que tenham a mandar algumas representações, podem manda-las.

O sr. Visconde de Pindella: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação do sr. dom prior e cabido da real e insigne collegiada de Guimarães, em que pedem que seja ouvida aquella corporação em todos os actos do processo de arrematação, que se lhes conceda um louvado, e mostram que se póde dar o caso em que deixe de receber os fóros um anno.

Todos estes pedidos são de justiça reconhecida, e a que não attende o regulamento á lei de desamortisação, e o ill.mo cabido a faz ver com as melhores rasões, como se vê n'esta representação. Como não está presente o sr. ministro da fazenda, eu reservo-me para quando s. ex.ª esteja, para o que já pedi a palavra, para fazer algumas reflexões a este respeito; esperando que o nobre ministro attenderá aos pedidos do ill.mo cabido de Guimarães, que são de toda a reconhecida justiça. Portanto peço a v. ex.ª se digne dar andamento a esta representação, que creio será o ser remettida á illustre commissão de fazenda.

Mando a representação, e nada mais digo visto não ver presente o nobre ministro da fazenda.

O sr. Silva Cabral: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação de alguns escrivães de paz da comarca de Lisboa, na qual pedem, como já pediram os de Braga, que se melhore a sua situação. Este requerimento naturalmente ha de ser remettido, como foi o outro, á illustre commissão de legislação; portanto eu escuso de apresentar o meu voto sobre isto, porque, quaesquer que sejam as minhas opiniões particulares a este respeito, hei de considerar como devo o bem publico.

Por esta occasião mando tambem para a mesa um requerimento da viuva do major Caldeira, que pede uma pensão, fundando-se em differentes documentos. Este requerimento, naturalmente, ha de ser enviado á commissão de fazenda, e esta é natural que o remetta ao governo.

O sr. Pinto Coelho: — Mando para a mesa uma representação da junta geral do districto de Braga, sobre uma especie de conflicto que houve entre ella e o governador civil do mesmo districto.

Peço a V. ex.ª que a representação seja remettida onde deve ser. Peço tambem a V. ex.ª que tenha a bondade de me inscrever para antes da ordem do dia de ámanhã.

Mando para a mesa um requerimento a pedir uns documentos que faltam para fundamentar esta representação que mandei agora para a mesa.

Peço tambem por esta occasião que V. ex.ª tenha a bondade de me inscrever para apresentar projectos de lei, e de fazer declarar na acta que faltei um mez ás sessões por motivo de doença.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

DISCUSSÃO DE PARECERES DA COMMISSÃO DE PODERES

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer da commissão sobre a eleição do circulo de barlavento de Cabo Verde.

É a seguinte:

PERTENCE (O) DO N.° 1

Senhores. — A commissão de verificação de poderes examinou attentamente os processos eleitoraes dos circulos de barlavento de Cabo Verde e sotavento de Cabo Verde; e em cumprimento do seu dever vem dar conta da missão de que foi encarregada.

Circulo de barlavento de Cabo Verde

Numero real dos votantes.................... 1:665.

Maioria absoluta............................ 833.

O processo correu regularmente, como se conhece das actas das assembléas das ilhas de S. Nicolau, de S. Vicente, do Sal, da Boa Vista e das da ilha de Santo Antão. Não houve eleição na assembléa de Nossa Senhora da Lapa por não terem comparecido pessoas habeis para a formação da mesa, como refere o presidente nomeado para dirigir os trabalhos eleitoraes da mesma assembléa, no seu officio de 9 de junho ultimo, que está junto ao processo.

Foi proclamado pela mesa de apuramento o cidadão Joaquim José Rodrigues da Camara, que obteve 1:051 votos, e a commissão é de parecer que a eleição seja approvada e proclamado deputado o referido cidadão Joaquim José Rodrigues da Camara, que apresentou o seu diploma, o qual confere com a respectiva acta e com o processo eleitoral.

Foi logo approvado, e proclamado deputado o sr. Joaquim José Rodrigues da Camara.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do parecer Sobreda eleição do circulo de sotavento de Cabo Verde.

É o seguinte:

PARECER

Circulo de sotavento de Cabo Verde

Numero real de votantes..................... 4:047.

Maioria absoluta............................ 2:024.

Compõe-se este circulo das assembléas de Nossa Senhora da Graça; S. Nicolau Tolentino, S. Lourenço dos Órgãos, S. Thiago, Santa Catharina, S, Salvador, S. Miguel, Santo Amaro, ilha de Maio, ilha Brava e Nossa Senhora da Conceição, S. Lourenço e Nossa Senhora da Ajuda da ilha do Fogo. Em todas as assembléas o processo eleitoral foi executado regularmente e sem reclamação, tendo obtido 4:036 votos o cidadão Antonio Maria Barreiros Arrobas, que a mesa do apuramento proclamou.

A commissão é pois de parecer que a eleição seja approvada.

Sala da commissão, 19 de julho de 1861. = Antonio Vicente Peixoto = Anselmo José Braamcamp = Augusto Xavier da Silva.

Foi logo approvado.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — Agora vou ler um parecer da commissão de poderes sobre um officio do sr. Arrobas, relativo ao seu diploma.

É o seguinte:

PARECER

A commissão de verificação de poderes examinou o officio que o sr. deputado eleito por Cabo Verde, Antonio Maria Barreiros Arrobas, dirigiu á mesa, em que expõe: que lhe consta que lhe foi remettido o seu diploma pelo mesmo paquete que trouxe o processo eleitoral, mas que o não recebeu, e suppõe que se extraviou; e pede que a camara resolva se elle póde tomar assento na camara, apesar da falta de tal documento.

A vossa commissão, tendo em consideração as rasões que o sr. deputado eleito apresenta, attendendo ás delongas e demoras a que daria logar a substituição d'este documento, ficando por todo esse tempo privada de ter um representante no parlamento aquella nossa tão importante provincia ultramarina; e lembrando, por ultimo, que nenhuma duvida póde haver a respeito da identidade do eleito, é de parecer que, n'estas circumstancias tão especiaes, a camara, a exemplo do que já resolveu na eleição do circulo n.° 92, póde prescindir da apresentação do diploma, proclamando deputado o sr. Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Sala da commissão, 22 de julho de 1861. = Anselmo José Braamcamp = Antonio Vicente Peixoto = Augusto Xavier da Silva.

Foi logo approvado, e senão proclamado deputado o sr. Antonio Maria Barreiros Arrobas, foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Passa-se á eleição do circulo de Vianna. Vae ler-se o segundo parecer que a commissão deu sobre esta eleição.

E o seguinte;

PERTENCE AO N.° 1

(FAZ PARTE DO PERTENCE F)

Em 3 de junho a vossa commissão de verificação de poderes apresentou o seu primeiro parecer, em que propunha a annullação da eleição do circulo de Vianna (8.°), fundando-se na differença que existe entre o numero das listas que, segundo as actas das assembléas primarias de Deão, Serreleis e Anha, foram recebidas e apuradas, e o numero das notas de descarga lançadas nos cadernos, differença tal que affecta irremediavelmente o resultado da votação.

Desde então têem sido successivamente remettidos á camara muitos documentos, uns com o fim de mostrar que só se devem ter como verdadeiras as actas das assembléas primarias, outros para contrariar esta asserção; e são as seguintes:

Correspondencia dos reverendos Antonio José Lopes e Manuel Affonso da Rocha, em que dizem que foram vogaes da mesa eleitoral de Deão e que presenciaram que se conferiram por duas vezes as listas com as descargas, achando-se sempre que eram tresentas e quatro as primeiras, e tresentas e duas as segundas.

Declaração de oito eleitores das freguezias de Santa Marinha de Moreira e de Geraz de Lima, de que votaram na assembléa de Deão e foram seus nomes descarregados nos cadernos, o que presenciaram alem de outros cinco eleitores que com elles assignam.

Abaixo assignado de dezoito eleitores da assembléa de Anha, affirmando que aquella eleição correu regularmente, e que procedendo-se á contagem das listas encontraram-se quatrocentas sessenta e nove, ou mais uma sómente do que as notas de descargas.

Termo que assignam Delphim Antonio Alves e Antonio Durães, da freguezia de Darque, com duas testemunhas presenciaes, em. que declaram que entregaram as suas listas na assembléa de Anha e que foram descarregados os seus nomes.

Correspondencia para a imprensa, de Domingos Felgueiras Lima e mais dois mesarios da assembléa de Serreleis, narrando que o presidente tinha o maior escrupulo em evitar que as listas fossem duplicadas, e que na confrontação d'estas com as descargas, repetida por duas vezes, sómente se encontraram tres listas a mais.

Abaixo assignado de dez eleitores, confirmando estes mesmos factos.

Declaração de dez eleitores da freguezia do Outeiro, que asseveram que foram á uma e votaram, do que dão como testemunhas quatro eleitores que vem assignados, e outra igual de um eleitor da freguezia de S. Lourenço.

Em opposição a estes documentos recebeu a commissão uma contra-declaração de sete dos oito eleitores das freguezias de Moreira e Geraz de Lima, de que na realidade não tomaram parte directa na eleição, que não entregaram lista e que se alguma vez assignaram outro documento foi para satisfazer a pessoas de quem dependiam.

Um abaixo assignado do vigario, juiz eleito e regedor da freguezia de Geraz de Lima, do juiz eleito e regedor da Moreira e de mais seis eleitores, declarando que não viram que nenhum d'aquelles oito recenseados fosse votar.

Outro do presidente e cinco vogaes da mesa eleitoral de Deão, em que dizem que não duvidam que houvesse alguma falta ou engano nas diversas operações eleitoraes occasionado pelo barulho feito pela grande affluencia dos eleitores.

Um auto de declaração de que depois de concluidas as copias do recenseamento, e antes da eleição, foi necessario descose-las para se lavrar novos termos de abertura e de encerramento, assignado pelo secretario da commissão recenseadora e confirmado por outra igual declaração dos sete vogaes da mesma commissão.

Tres documentos assignados, um pelo juiz de direito José Bernardo Gonçalves Ferreira Pinto, que serviu de presidente da mesa de apuramento, outro pelo secretario da referida mesa João Pedro Coelho, e o terceiro pelos cinco portadores das actas das assembléas ruraes, em que todos declaram que os massos que continham as actas, cadernos de recenseamento e mais papeis foram presentes á assembléa perfeitamente fechados, lacrados e rubricados.

E por ultimo um requerimento de Bernardo José Affonso de Espergueira, pedindo certidão de uma justificação promovida por José Affonso Pinheiro, requerimento a que o juiz não deferiu com o fundamento de que não tinha ficado copia no juizo.

A vossa commissão, depois de examinar estes documentos com o cuidado e attenção que lhe devia merecer tão importante assumpto, não encontra n'elles rasão sufficiente, factos provados que a devam levar a alterar o seu primeiro parecer.

As correspondencias e attestados relativos ás eleições primarias não podem ter mais força no animo da commissão do que as proprias actas eleitoraes.

A declaração dos oito eleitores das freguezias de Moreira e de Geraz de Lima, de que foram á uma e votaram, acha-se destruída pela outra que assignaram em contrario.

As declarações dos dois eleitores da assembléa de Anha e dos onze eleitores da de Serreleis, ainda que não foram impugnadas, são attestados graciosos, talvez importantes, mas aos quaes faltam todas as solemnidades legaes para fazerem prova plena.

A commissão tambem tomou conhecimento das arguições gravissimas e das reconvenções não menos fortes que se têem apresentado na imprensa, porém n'estas discussões apaixonadas e parciaes ella tambem não acha elementos para formar um juizo seguro.

N'estas circumstancias a vossa commissão, devendo, na conformidade da lei, guiar-se principalmente pelas actas das eleições e cadernos de recenseamento, encontrando uns e outros em completa contradicção, e portanto viciada a eleição, e não estando habilitada, pelos documentos que lhe foram presentes, a conhecer e determinar qual é a verdadeira causa d'este vicio e a occasião em que elle se deu, nem a classificar o facto que o originou, persuade-se que, seja qual for a hypothese que se pretenda adoptar, este processo eleitoral está eivado de nullidade insanavel, e por isso ella concluo confirmando o seu primeiro parecer.

Sala da commissão, 14 de julho de 1861. = Vicente Ferrer Neto de Paiva = Antonio Vicente Peixoto = Anselmo José Braamcamp.

O sr. Pinto Coelho: — A commissão de verificação de poderes no parecer que deu sobre a eleição de Vianna, por excepção a todas as outras eleições, foi de voto que se annullasse; e depois d'este voto dado, deu segundo parecer em vista dos documentos que se lhe apresentaram por uma e outra parte, confirmando o primeiro, para que a eleição se annullasse para serem consultados novamente os votos dos eleitores.

Estou persuadido de que este parecer ha de ser indispensavelmente rejeitado, porque contraria a letra e espirito da lei eleitoral, e estabelece um precedente perigosíssimo e de terriveis consequencias. A camara tem todo o interesse, e mais do que ninguem, em evitar que tal precedente se estabeleça.

O processo como se apresenta diz o seguinte: «No circulo de Vianna houve quatro assembléas — a de Santa Maria Maior, Anta, Serreleis e Deão. Em Santa Maria Maior venceu o candidato do governo, tendo uma maioria consideravel sobre o candidato da opposição; nas outras tres assembléas venceu o candidato da opposição tendo maioria em todas ellas, que lhe veio a dar em resultado a maioria de 35 votos contra o candidato governamental.

As tres actas d'estas assembléas fazem menção de que, feita a contagem das listas e das descargas, se achou a differença n'uma das assembléas de uma unica lista a mais das descargas, que era a lista do presidente que não estava recenseado n'aquella assembléa; n'uma outra assembléa, duas listas alem das descargas; em outra uma lista alem das descargas. Em consequencia d'isto annullem-se as listas que apparecem a mais das descargas feitas, e o candidato da opposição ainda tem a maioria de 32 votos, e por consequencia deve ser proclamado deputado. Estas actas asseveram mais que, feita a contagem das listas e das descargas, verificada a differença que havia entre umas e outras, d'este resultado se affixou o edital á porta da igreja sem reclamação de um nem de outro lado. Estas actas deve presumir-se que dizem a verdade, porque são documentos authenticos, e como taes devem ser aceites por esta camara e pela commissão de poderes que os tem aceitado como se viu pelos differentes pareceres que foram aqui muito e muito debatidos. Mas a camara sanccionou o principio de que as actas eram documentos authenticos, e na minha opinião muito authenticos.

As descargas nos cadernos eram aquellas que a acta eleitoral mencionava, e não eram nem mais nem menos de tres; mas oito dias depois a assembléa do apuramento achou que em vez de tres descargas de menos havia quarenta divididas pelas tres assembléas.

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Que os cadernos se achavam n'esse estado, diz a acta do apuramento, que nós devemos acreditar, porque é um documento authentico; e tambem é verdade que os cadernos vieram n'este estado á camara; mas da comparação das actas da eleição com a do apuramento, resulta conhecer-se que os cadernos foram alterados e viciados entre a eleição primaria e o apuramento da eleição. Tres actas dizem o estado dos cadernos em 28 de abril, e uma acta diz que esses cadernos estavam em differente estado no dia 5 de maio. Por consequencia deve-se presumir que houve um vicio entre um e outro acto; mas esse vicio é que a camara não póde asseverar.

Para nós acreditarmos que os cadernos não foram viciados é preciso estabelecer como verdade, que as actas da eleição faltaram completamente á verdade, que se falsificaram os factos, que se disse que estavam feitas descargas que não estavam effectivamente feitas, o que seria lançar uma injuria, e uma injuria ponderosa aos membros d'essas mesas, e que é tão pouco aceitavel, quanto é inverosímil a todos os respeitos.

Em primeiro logar cumpre-me notar, e peço a attenção da camara a este respeito: não foi a opposição que nomeou estas mesas, foi a commissão de recenseamento que, na sua quasi totalidade, senão na sua totalidade, pertence ao partido que propoz para candidato o cavalheiro que não venceu a eleição, o sr. José Barbosa e Silva.

Basta vermos os nomes dos membros da commissão de recenseamento do concelho de Vianna, para a camara ver que este facto é verdadeiro. Essa commissão é que designou, nas conformidades legaes, os presidentes para estas tres mesas, e estes presidentes, chegando ás assembléas, designaram os membros das mesas. A opposição aceitou essas mesas taes quaes foram propostas.

Um dos presidentes era irmão do proprio candidato que não venceu a eleição; outro era o sr. Espergueira, amigo intimo do candidato; e na outra mesa serviu o substituto do administrador, que assistiu a todos os actos de contagem das listas, das descargas e confrontação. O substituto do administrador nomeado para aquelle acto é irmão do sr. Espergueira.

Ora, com todos estes elementos veja a camara se se póde acreditar que em logar de haver de mais ou de menos duas descargas, como se menciona nas actas da eleição, se póde crer que houvesse quarenta votos a mais, e que isto se não mencionasse nas actas das assembléas; isto é um facto completamente inverosimil.

Eu disse que a letra e o espirito da lei exige que as actas sejam acreditadas emquanto se não mostrar por documentos authenticos que são falsas, e isto por um modo que exclua toda e qualquer outra explicação; porque, qual é o motivo por que a lei eleitoral exige que antes de se saber o que dizem as listas, antes de se saber qual é o candidato que vence, antes de se saber qual é o resultado da eleição, se faça a confrontação das listas e das descargas, e se publique por edital á porta da igreja? É para evitar as viciações e falsificações posteriores; porque, por via de regra, e a lei de certo assim o suppoz, o partido vencido, quando se convence de que perde a eleição, emprega todos os meios possiveis para a annullar. Foi sem duvida este um dos -motivos por que a lei exigiu que se verificasse previamente ao escrutinio se o numero das listas estava conforme com as descargas, se havia listas de mais ou de menos, e que se publicasse o resultado d'esse exame á porta da igreja.

Este preceito da lei executou-se; publicou-se o resultado da confrontação das listas com as descargas á porta da igreja. Parece que ninguem podia duvidar d'este facto, que podia dizer-se que passou em julgado; já não podia ser alterado.

Mas a commissão aceitou a viciação; e eu hei de chamar-lhe viciação para justificar que as actas eram verdadeiras; porque, feita a confrontação das listas na assembléa, e publicado o resultado por edital na porta da igreja, sem protesto, sem reclamação nenhuma, jamais se podia apresentar resultado differente d'aquelle. Tudo que não fosse conforme com o que se publicou, era e é illegal, porque então o edital á porta da igreja não servia de nada. 01 edital serve para firmar aquelle resultado de modo que depois não possa ser alterado. Este é que é o principio, esta é que é a lei.

Mas a opinião publica explicou logo o facto; a opinião publica começou por clamar que os cadernos tinham sido viciados entre o acto eleitoral e o do apuramento; e por isso eu e mais alguns amigos tratámos de examinar esses -cadernos. O resultado d'este exame foi acharmos logo no principio vestigios visíveis de que os cadernos tinham sido descosidos, e depois cosidos de novo; isto deu-nos a conhecer que não era impossivel que se tivessem mettido n'elles folhas de permeio.

Este facto já se tem querido explicar, dizendo-se que se tendo apresentado estes cadernos depois de rubricados pela commissão do recenseamento, para servirem no acto eleitoral, foi preciso altera-los, porque da assembléa de Serreleis se tinham separado duas freguezias, que tinham ido votar na freguezia de Santa Maria Maior. É certo, mas isto não deu motivo para se alterar o recenseamento, porque as descargas só recaíam em quem votasse. Alem d'isto nada temos aqui com a assembléa de Santa Maria Maior, porque ahi venceu o candidato do governo, ahi não foi preciso viciar, e os mesarios que fizeram as actas estiveram com toda a attenção. Nas outras é que as descarga"? foram tiradas depois, e foram tiradas de que modo? Ao principio disse-se que tinham sido raspadas, e depois disse-se que se tinham tirado e mettido folhas nos cadernos do recenseamento... O illustre deputado, o sr. Placido, está com um arzinho de riso, como quem diz, usando de uma phrase vulgar — elles lá andaram a nadar. Não se admire d'isto, porque estes cadernos tinham sido fechados depois do acto eleitoral até á assembléa do apuramento, e quando os interessados as quizeram ver, respondeu-se-lhes que tinham vindo para a secretaria do reino; de modo que nunca poderam pôr-lhes a vista em cima, e nós mesmos aqui só os podemos ver quando a commissão de verificação de poderes deu o seu parecer.

Ora, eu mesmo confesso que estive a folhear nos cadernos muito tempo para dar com a viciação; mas dei de um modo que me não resta duvida nenhuma. Aqui estão algumas folhas dobradas, e convido os illustres deputados a virem examina-las antes de dar o seu voto. O vicio está aqui tão patente como á luz do dia (apoiados).

Houve para mim alguma difficuldade em acreditar que as folhas tivessem sido tiradas dos cadernos, porque, por mais venal, no sentido politico, que se podesse suppor uma commissão de recenseamento, cujos membros eu não tinha a honra de conhecer, parecia-me impossivel que toda a commissão se prestasse a rubricar folhas nos cadernos aonde as tivesse mettido de proposito para que as descargas apparecessem, julgando que não se podesse conhecer a falsificação. Felizmente foi isso impossivel, e acredito-o mesmo por honra dos membros da commissão.

Chamo a attenção da camara para a rubrica S. Miguel nas folhas dos cadernos do recenseamento da assembléa de Serreleis, e peço que se confrontem umas com as outras, porque quem as examinar, mesmo que não seja com olhos perspicazes, conhecerá immediatamente a falsidade, porque foi isso que aconteceu quando eu e os srs. Bento de Freitas Soares e Alvares Guerra examinámos esses cadernos.

(Interrupção do sr. Placido, que não foi percebida.)

Perdôe-me o meu nobre collega, mas isso não é exacto; agora o que o meu illustre collega podia fazer era convidar todos os nossos nobres collegas para que examinem estas rubricas, e depois formem o seu juizo. Esse convite faço eu a todos em geral. O que eu sinto é ter adoecido exactamente na occasião em que notámos este vicio. Eu notei-o na quarta-feira 12 de junho e no dia 13 já passei incommodado, e no dia 14 caí de cama. Já no dia 12 tinha chamado dois ou tres membros conspicuos desta camara, e mostrei-lhes a falsidade destas assignaturas, e um d'elles foi o meu nobre amigo o sr. Anselmo Braamcamp, e invoco o seu testemunho; e sinto muito que tendo eu escripto, já no estado de doente, uma carta que dirigi ao sr. Seabra, presidente da commissão, em que expuz todas estas circumstancias, lançando sobre mim a responsabilidade de todos os factos que narrava n'essa carta, sinto, digo, que a commissão se não fizesse cargo d'ella, e apesar de que não vejo assignado neste parecer o sr. Seabra, mas estando tanto tempo este processo na sua mão, tinha tido tempo para dar conhecimento aos seus collegas de todas as considerações que eu apresentava n'essa carta que lhe dirigi. Mas estando eu e os meus amigos, os srs. Bento de Freitas Soares e Alvares Guerra, a examinar os cadernos, chegámos a estas duas folhas e achámos que as rubricas S. Miguel e Oliveira faziam uma differença notavel de todas as assignaturas que estão no resto dos cadernos. A rubrica Oliveira liga o o com o r pela parte convexa, e liga por um modo completamente differente do que estão estas rubricas nas outras folhas, a ponto de não haver a menor duvida da differença dellas, logo que se comparem umas com as outras. A rubrica verdadeira S. Miguel custa a ler, emquanto as outras apparecem tão claras, tão nítidas, que se não podem confundir umas com as outras.

Assim que notámos esta differença fomos aos outros cadernos, e não tratámos de escolher as folhas, porque já tinhamos os elementos; porque tinhamos mandado vir de Vianna uns cadernos, e fomos correndo: chegámos a esta folha e achámos differença entre estas duas rubricas: fomos aos outros cadernos e não nos guiámos pelas relações que tinhamos á vista; começámos a folhear e demos immediatamente com a differença das rubricas, porque ella salta aos olhos.

Fizemos mais alguma cousa. O sr. Bento de Freitas Soares tinha um caderno, e o sr. Alvares Guerra outro; um folheou um, e outro folheou outro, e deram ao mesmo tempo com a mesma folha correspondente, e depois começaram a examinar o resto das folhas, folha por folha, e reconheceram que as rubricas são falsas, que a letra com que estão escriptas é falsa, que o papel é muito mais áspero, e que não parece novo, porque está mais sujo. Estas duas folhas para se não conhecerem sujaram-n'as, mas de tal modo que fazem muita differença das outras.

Tive o cuidado de fazer sentir isso ao sr. Anselmo Braamcamp, que, permitta-se-me a expressão, torceu-se, encolheu-se como quem se envergonhava de se ter feito isto; e se me dá licença para aqui referir uma conversação que tivemos, direi que ao mesmo tempo s. ex.ª acrescentou = que era um negocio muito serio, mas que por emquanto ainda não podia emittir opinião. =

Eu disse a s. ex.ª — não me é preciso exame de peritos sobre estas folhas, mesmo porque não tinha precedentes da camara que me auctorisasse a isso. Este é o primeiro fundamento. Aqui já se declarou viciada uma acta, e não foi preciso que se chamassem peritos, nem se fallou em tal. Tenho outro motivo e motivo capital, que é que esta camara não julga só como juiz de direito, mas como juiz de facto, julga segundo a sua consciencia; e cada um pela sua inspecção ocular convence-se por si, e em consequencia d'isso não devo suppor que seja preciso recorrer á opinião de tres tabelliães, que devo suppor que sejam menos habilitados que nós todos, ou pelo menos tão habilitados como nós todos; por isso não requeri exame de peritos. Mas tenho muita pena de não ter vindo á camara n'estes dias, porque queria chamar tres ou quatro dos meus collegas dos mais imparciaes e dos mais conspicuos, para que se convencessem de que este facto foi praticado de proposito para em logar, por exemplo, de trinta descargas, apparecerem vinte e cinco ou vinte, para da differença resultar a nullidadè da eleição. Eu devo desde já declarar que não torno responsavel por esse facto a commissão do recenseamento. Felizmente para mim, é fóra de duvida que as assignaturas são falsas, ou porque os individuos não as quizeram dar verdadeiras quando lhes foram pedidas, ou viram diante de si caracteres tão robustos e tão fortes que não houve coragem para as pedir. Digo mais, a propria rubrica do sr. Espergueira, que é de todos os individuos que figuram n'esta eleição o mais interessado em ver se podia triumphar o seu amigo José Barbosa, creio que é falsa, e sendo falsa quero acreditar que todas são falsas. Não quero acreditar que uma corporação como a commissão do recenseamento chegasse a prostituir-se até ao ponto de falsificar os cadernos para vencer uma eleição que se tinha perdido. Longe de mim similhante idéa. Mas vi, quando este. parecer estava em discussão, por parte de alguns dos seus membros que se apresentava a difficuldade de que a camara não podia julgar da falsificação ou vicio desses cadernos, porque esta declaração da camara podia dar resultados funestos, conflictos a que a camara se não devia arriscar. Que em primeiro logar isto era uma sentença sobre um facto criminoso que podia ir pesar sobre a acção do poder judicial; em segundo logar, que o poder judicial podia a final declarar que não havia vicio; e qual era a posição em que ficava por virtude de uma determinação contraria d'esta camara? A isso respondo bem. Entendo que depois da camara se pronunciar, o governo tem rigorosa obrigação de mandar proceder ás investigações competentes para saber judicialmente se se prova ou não a falsidade, e quem foram os auctores d'ella. Mas a decisão do poder judicial não tem nada com a decisão desta camara. Muitas vezes a falsidade é declarada civilmente, é remettido o processo para o juizo criminal, e os tribunaes absolvem o réu. Muitas vezes succede isso, e o poder civil não se acha embaraçado, nas sentenças que tem de proferir, com o que virá a acontecer nos juizos criminaes. Esta decisão não tem outro effeito senão saber se esta eleição se ha de annullar ou não, se o deputado eleito ha de entrar ou não por aquella porta. São os unicos effeitos. Os effeitos criminaes que podem resultar da falsidade e do dolo pertencem a outro poder. Mas supponhamos que judicialmente se declara que não está provada a falsidade que nós declarâmos que está provada; o que se segue a isto, é que o poder judicial tem de se regular pelas provas judiciaes, e nós regulâmo-nos pelas provas judiciaes e moraes. E longe de mim querer fazer dependente da decisão da camara actos do poder judicial, porque são poderes independentes, cada um póde julgar por aquillo que vê e que entende em sua consciencia.

Agora eu peço á camara que preste toda a attenção a este negocio. O vicio, para mim, está claro. Portanto não é preciso nada mais para que a eleição seja approvada; porque eu repito o que já disse —o principio da lei eleitoral é que este acto da conferencia das descargas com as listas se faça antes de se saber do resultado da eleição. Isto não serve senão para mostrar a rasão que teve a lei quando determinou que isto tenha logar antes do se verificar a eleição para se não saber quem vencia; porque quem ficava vencido, querendo tirar a Victoria ao vencedor, recorreria a meios illicitos e irregulares. Torno a repetir, os nobres deputados examinando os cadernos verão que n'essas folhas, que não estão dobradas, as rubricas estão todas uniformes, e chegando a essas duas folhas vê-se que tem a rubrica visivelmente falsa. Segue-se o caderno de Serreleis, que tem estas duas folhas que são falsas, e isto antes de chegar á folha do meio, e seguem-se todas as outras sem vicio algum, tendo todas as rubricas uniformes. No caderno de Serreleis as folhas falsas são as duas antes de chegar á folha do meio, são visivelmente falsas na sua rubrica; chega-se á folha do meio é verdadeira; passam-se seis, acha-se o mesmo defeito. Os srs. deputados encontrarão isto. Eu entrego este negocio ás suas luzes.

Eu não invoco rasão nenhuma, absolutamente nenhuma, de excepção e podia invoca-la. E a segunda falsificação que vem á camara. A primeira foi feita de proposito para deitar fóra do lado da camara, em que me sento, um deputado que pertencia á parcialidade politica a que eu pertenço. Apresenta-se a segunda falsificação para deitar fóra tambem um deputado realista! Eu peço á camara que seja hoje tão imparcial, tão tolerante, tão justa como foi quando se tratou da primeira falsificação. Refiro-me á eleição de Lamego. O sr. Francisco de Mello Peixoto, dizendo a esta camara que tinha vencido por tantos votos, rasparam com um canivete esse resultado para lhe darem menos votos e augmentar o numero dos que teve o outro candidato, mas por Um modo tão claro, que a camara teve vergonha que se praticasse similhante acto, condemnou essa falsificação e mandou restituir os votos a quem pertenciam. Eu peço á camara que seja hoje igualmente tolerante, igualmente justiceira, igualmente imparcial e que dê ao candidato que effectivamente foi eleito os votos que a fraude lhe tirou.

Voto portanto contra o parecer da commissão, peço que seja rejeitado e que em substituição a elle se approve a eleição.

(O sr. deputado não reviu este discurso.)

O sr. Ministro da Fazenda (A. J. d'Avila): — Sr. presidente, não pedi a palavra para combater os argumentos do nobre deputado, nem para tomar parte na discussão, como s. ex.ª julgou; é uma discussão que pertence á camara, e eu não tenho a honra de ser membro della. Tambem não desejo que este negocio fique sem solução, mas eu pedia á camara que se lembrasse de que estamos hoje a 23 de julho e que a auctorisação para a cobrança dos impostos

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acaba no dia 31 d'este mez. O orçamento é hoje a nossa primeira necessidade, e eu lembrarei um expediente que, se algum sr. deputado me quizer fazer a honra de o propôr e a camara o quizer aceitar, estimarei muito.

Temos sessões nocturnas ás segundas, quartas e sabbados para a discussão do orçamento, mas não as temos nos outros dias. Se a camara quizesse que este assumpto ficasse para ser tratado n'uma sessão nocturna em qualquer dos outros dias, hoje por exemplo... (Signaes de desapprovação. — O sr. J. M. de Abreu: — Não póde ser.) Pareceu-me que o sr. José Maria de Abreu não approva este expediente, mas eu peço-lhe que se colloque na situação do governo. Que quer o sr. deputado que façamos se o orçamento não se discutir e votar? A primeira necessidade hoje, torno a dizer, é votar o orçamento. A estação está muito adiantada. Estão-se retirando srs. deputados todos os dias, n'uma bella manhã havemos de nos achar sem numero, e se o orçamento não estiver votado, querem que o governo proveja por um decreto dictatorial? Pia o expediente de abafar o debate, mas não serei eu que o restrinja, nem mesmo me pertence faze-lo. Lembrava por consequencia que podiamos nas sessões diurnas continuar a discutir o orçamento, assim como nas sessões nocturnas destinadas para essa discussão, havendo em qualquer dos outros dias uma sessão nocturna para continuar este debate. Peço á camara que note bem a minha situação. Eu quero tirar de mim a responsabilidade de que não emprego todos os meios á minha disposição para que se discuta e se vote o orçamento quanto antes (apoiados).

Quero que se saiba que se esta discussão está tendo logar, não é por conselho do governo, que o governo não concorreu para que se desse para ordem do dia uma discussão que póde levar oito dias ou mais. Não sei os dias que levará, nem quero que se restrinja, mas eu tenho uma tremenda responsabilidade pela discussão a vapor do orçamento, como já se disse, ou pela não discussão do orçamento, e acho muito possivel que cheguemos a essa situação por falta de numero na camara. Fiz estas observações, e peço á camara que em vista dellas proveja como entender.

O sr. Presidente: — Vou dar uma explicação á camara sobre os motivos por que dei este parecer para ordem do dia.

A camara sabe que tinha havido uma resolução, para que emquanto houvesse para discutir pareceres da commissão de poderes sobre eleições, a camara se não occupasse de outro assumpto. O parecer sobre a eleição de Vianna tinha sido já distribuido ha oito ou dez dias, e não o tinha dado para ordem do dia, a fim de não interromper a discussão do orçamento que. eu julgava urgente, assim como o sr. ministro e toda acamara o julga; porém hontem, tendo um sr. deputado requerido que se desse para ordem do dia os pareceres sobre as eleições de Cabo Verde, entendi que dando esses pareceres para ordem do dia de hoje, devia tambem dar o parecer sobre a eleição de Vianna, que já tinha sido apresentado ha mais tempo (apoiados).

O sr. Pinto Coelho: — Pedi a palavra sobre a ordem, para dizer que se a camara entender que a discussão do orçamento deve preferir passando a discussão deste para depois de votado o orçamento, não tenho duvida alguma em concordar com isso (apoiados); mas o que peço, e empraso para isso a honra da camara, é que não termine a sessão sem que esta questão seja decidida (apoiados geraes).

Em folgo de ver que o sr. ministro da fazenda se tem collocado completamente de fóra d'esta questão. Ouvi dizer que um dos srs. ministros andava pedindo que o parecer fosse approvado, porque havia essa exigencia da parte do partido governamental em Vianna. (Vozes: — Não, não.) Eu não acreditei isto, e não acredito que o governo tome parte n'uma questão em que eu com a mais profunda consciencia arguo uma falsificação. Acredito mesmo que o partido chamado historico ou governamental em Vianna é na sua maxima parte innocente n'este vicio. Acredito mesmo que o candidato governamental se tivesse visto os cadernos como eu os vi, assim como pediu que a eleição fosse annullada, seria o primeiro a retirar o protesto que mandou, e a pedir á camara que não lhe abrisse nem directa nem indirectamente aquella porta por via de uma falsificação. Eu folgo de ver que o governo se põe completamente estranho a esta questão, que lhe tira todo o caracter governamental. Peço á camara que examine os cadernos, que não se regule por aquillo que eu digo, mas por aquillo que vir, e que dê o seu voto como entender. Não tenho duvida em que esta discussão se adie para depois do orçamento, com tanto que ella venha e que tenha a largueza necessaria (apoiados).

O sr. Arrobas: — Era para fazer um requerimento igual aquelle que acaba de fazer o sr. Pinto Coelho, o meu fim está preenchido.

O sr. Xavier da Silva: — Remetto para a mesa cinco pareceres da commissão de fazenda.

O sr. Bicudo Correia: — Mando para a mesa a participação de achar-se constituida a commissão especial, que ha poucos dias foi nomeada pela mesa para dar parecer sobre um projecto que apresentei.

O sr. Braamcamp: — Sr. presidente, o sr. Arrobas tinha escripto um requerimento, que eu tomei a liberdade de o adoptar por parte da commissão, a fim de que se discuta o orçamento de preferencia a outro e qualquer assumpto (apoiados). v. ex.ª e a camara sabem que eu sou á mais empenhado na discussão do parecer sobre a eleição de Vianna. E não só as minhas palavras; mas os factos que tenho praticado o provam bastante. Eu tomei conta d'este parecer quando a doença do seu relator o impediu de concluir este trabalho. Eu desejava muito responder desde já ás observações, apresentadas pelo sr. Pinto Coelho quanto a este parecer, e não queria ficar debaixo de impressões desagradaveis (apoiados); mas antepondo os interesses da causa publica ás considerações pessoaes, mando este requerimento para a mesa, que espero a camara approvará (apoiados).

REQUERIMENTOS

Requeiro que seja adiada a discussão da eleição de Vianna para depois do orçamento, com preferencia a outro qualquer assumpto.

Sala das sessões da camara dos deputados, em 22 de julho de 1860. = Arrobas = A. J. Braamcamp.

O sr. Presidente: — Isto importa um adiamento de discussão de parecer, e por isso, na fórma do regimento precisa ser apoiado.

Tendo, sido apoiado entrou em discussão.

O sr. Placido de Abreu: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Placido de Abreu: — Mas eu tenho a palavra, que m'a deu o sr. presidente, e hei de fallar. Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: — O sr. deputado tem a palavra, e póde fallar sobre o adiamento (apoiados).

O sr. Placido de Abreu: — Agradeço aos illustres deputados o desejo que tinham de que eu ficasse calado! Agradeço a sua tolerancia, querendo que um negocio d'esta ordem, depois das expressões e das proposições que aventou o sr. Pinto Coelho n'esta casa, desde já se adie deixando de passar sem reparo essas expressões e proposições do illustre deputado.

Eu tambem convenho em que se discuta primeiro que outro qualquer assumpto o orçamento; mas entendi que se não devia ficar debaixo de impressões tão desagradaveis (apoiados). Não entro agora na apreciação de todos os documentos e cadernos de recenseamento pertencente á eleição de Vianna; mas desde já digo ao sr. Pinto Coelho, que tambem examinei com o maior escrupulo e com o maior desejo de acertar, com todo o desejo de chegar á verdade, os documentos que acompanham este processo eleitoral, e tirei em conclusão que não havia essa viciação que o illustre deputado lhe attribue, e que as rubricas não estavam falsificadas. Nem era possivel combinarem para este facto sete homens de opiniões differentes, pertencendo dois d'elles ás opiniões que tem o sr. Pinto Coelho; não era possivel, digo, que tantos homens combinassem n'um facto d'esta ordem. Tenho pois opinião inteiramente contraria á do sr. Pinto Coelho, e quando se tratar d'esta questão eu descerei á analyse e apreciação dos cadernos, e hei de mostrar a s. ex.ª que não ha similhante falsidade.

Eu estou persuadido, á vista do resultado da eleição, que houve effectivamente uma viciação: aonde ella foi não sei (apoiados).

O sr. Freitas Soares: — Aproveitarei essa declaração.

O Orador: — Não sei onde ella foi; apparecem listas de mais, descargas de menos: d'onde vem isto não sei. Eu hei de apresentar os factos á camara com toda a verdade, porque eu não quero, nem a camara quer senão a verdade (apoiados): eu não quero que nas cadeiras dos representantes do paiz se sentem senão aquelles individuos que forem legalmente eleitos (apoiados); não quero dar diplomas a ninguem (apoiados); não quero favores n'estes assumptos (apoiados); hei do apresentar os factos com toda a verdade, não tenho receio algum de entrar n'esta questão. Sei que os homens que estão envolvidos n'este negocio são homens de toda a excepção, de uma probidade que se não póde desconhecer; mas o que não posso admittir é que o sr. Pinto Coelho venha tirar d'ahi os seus correligionarios, dizendo = que as assignaturas eram falsas = deixando assim os mais individuos debaixo de desagradaveis impressões; o illustre deputado salvou só os srs. Oliveira e S. Miguel.

Nós trataremos a questão de frente, e convido desde já os srs. deputados para então.

Uma voz: — E o papel que é differente?

O Orador: — O papel não é differente, é da mesma marca d'agua.

O sr. Pinto de Almeida: — Requeiro que se consulte a camara se a materia do adiamento está sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida; e pondo-se logo á votação a

Proposta de adiamento — foi approvada.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO ORÇAMENTO

O sr. Presidente: — Continua a discussão do orçamento do ministerio do reino, capitulo 5.°

O sr. Mendes Leal (na tribuna): — Antes de tudo devo pedir desculpas v. ex.ª de vir para este logar: podia parecer que era da minha parte uma ostentação, e é unicamente para supprir o defeito natural da fraqueza da minha voz.

Pedi a palavra sobre a ordem para mandar para a mesa uma proposta, e em conformidade com o nosso regimento vou ler a proposta, que é a seguinte (leu).

Sr. presidente, depois da proposta de adiamento, que eu tive a honra de apresentar quando se tratou do projecto relativo ao augmento de vencimento dos ajudantes do procurador geral da corôa juntos aos differentes ministerios, apresentando eu agora esta proposta para augmento de vencimentos poderei parecer contradictorio, e por isso cumpre-me dar as rasões d'esta proposta.

Esta minha proposta deve parecer que está assignada unicamente por mim; mas não é assim, está assignada por quarenta e oito srs. deputados, que tantos foram os que votaram contra aquelle adiamento, isto é, contra o adiamento do principio — de que se podiam remunerar por um systema geral de remunerações todos os servidores do estado, segundo os logares que occupassem e as funcções que exercessem nos diversos ramos do serviço do estado; digo, desde o momento em que a camara tomou outra decisão (e note-se que eu respeito sempre todas as decisões da maioria, e entendo que se não podem decentemente rejeitar os votos d'ella para depois a injuriar — apoiados); depois da decisão tomada pela maioria, e na conformidade do espirito que tal decisão dictou, não ponho duvida em apresentar á sua consideração outra injustiça relativa, e tambem mais grave ainda do que aquella que a mesma camara pretendeu remediar e effectivamente remediou.

Entendo tambem que, quando se trata do orçamento, aos deputados que são funccionarios cumpre, senão a obrigação de se explicarem, ao menos, o dever moral de dar, ainda que summariamente, conta ao mesmo parlamento do estado dos estabelecimentos que lhes estão commettidos. E tratando-se n'este capitulo dos estabelecimentos scientificos, e estando um d'elles confiado á minha gerencia, aproveitarei a occasião para dar breves explicações do que esse estabelecimento é, e do que póde vir a ser sendo devidamente auxiliado.

Tem-se dito muitas vezes que o funccionalismo pésa sobre o estado gravemente, e por outro lado o funccionalismo queixa-se com frequencia de que as suas remunerações são insufficientes. Parecia que as duas allegações se destruiam, e é exactamente o contrario. Tem rasão o funccionalismo e tem rasão o contribuinte, quer dizer — se ha um numero consideravel de funccionarios, o que cumpre era ir pensando na fórma de restringir este numero pelo modo mais natural; por aquelle que aconselhava um antigo parlamentar, que era—fechando as portas ás entradas e abrindo-as ás saídas. Cumpria ir tratando de habilitar estes funccionarios, porque é indubitavel que faz mais um bom funccionario do que muitos funccionarios maus. Cumpria simplificar os processos, e assim se póde tambem restringir melhor o numero dos funccionarios, e pensar ainda mais em remunera-los bem, para se poder pedir todo o bom serviço de que elles são susceptiveis, porque d'esta maneira lucrava muito o estado.

Que os serviços quasi todos estão mal remunerados, é uma verdade que sabe a camara toda. Mas entre estes serviços mal remunerados, aquelle a favor do qual apresento a minha proposta, é de uma desproporção que seguramente ha de assombrar a camara. E depois das larguezas aqui votadas ha dias, e eu respeito a consciencia com que o foram, entendi que estava na obrigação moral de pugnar pelo interesse d'estes funccionarios que tenho debaixo das minhas ordens. A estes funccionarios exigem-se habilitações de alta ordem, A um conservador exige-se não só mais do que um curso superior especial, mas estudos completos de humanidades, mas o conhecimento das linguas modernas e praticas bibliographicas. E basta ver os programmas dos concursos a estes logares, para se conhecer quanto cabedal é necessario aos concorrentes, e com que rigor se procede nas exigencias que se fazem a estes funccionarios para os admittir. Descendo pela escala: aos officiaes, que são chefes e que são officiaes ajudantes, exigem-se tambem tantas habilitações, quantas a outros empregados de igual categoria em outros serviços se não exigem: de modo que vemos logo uma flagrante injustiça, porque aos empregados a quem maior numero de habilitações se pedem, é exactamente a quem menos remuneração se dá.

Quer a camara saber quanto tem de vencimento um primeiro conservador, a quem se pede um serviço como já. disse? 450$000 réis annuaes. Quer a camara saber quanto tem de vencimento o porteiro do thesouro? 500$000 réis. 50$000 réis mais do que um homem, a quem se pede um curso especial e habilitações que se não exigem nem podem exigir aquelles funccionarios. De modo que toda esta severidade nas habilitações e categoria está no que toca á recompensa em grau inferior aos outros. A camara de certo tomará a peito remediar esta injustiça relativa.

E infelizmente d'esta escala para baixo estão todos no mesmo caso. E note-se que eu não proponho senão o augmento para os officiaes, porque os continuos estão melhor remunerados. Os ajudantes a quem se exigem habilitações têem 280$000 réis e os continuos têem 200$000 réis.

E, sr. presidente, não se imagino que estes pequenos augmentos poderão perturbar a economia publica. O dinheiro dos funccionarios não serve nunca para enthesourar, vae entrar em circulação e vae animar as outras classes.

Ha homens n'esta camara, que n'este ponto têem feito serviços importantes; que a cegueira das paixões póde algumas vezes ter desconhecido, mas que hão de sobreviver a todos os juizos temerários. E um d'esses homens é o sr. Fontes Pereira de Mello (apoiados), que fez grande serviço estabelecendo os pagamentos em dia (apoiados), e o outro é o sr. ministro da fazenda e actualmente ministro tambem dos negocios estrangeiros, diminuindo as decimas (apoiados), porque o resultado immediato d'estas medidas tem sido um augmento de prosperidade da capital (apoiados).

Um augmento traz comsigo a vantagem de que o chefe de uma repartição, vendo que o seu subordinado recebe o sufficiente para se manter, está armado com a força moral precisa para poder exigir-lhe mais trabalho, o que não acontece quando elle vê que o seu subordinado tem de recorrer a outra industria para poder subsistir. Eu indo em certa, occasião visitar a viuva de um empregado da bibliotheca, que tinha servido mais de trinta annos, e que tinha sido bacharel formado em uma faculdade, entrei em casa d'essa senhora, e fiquei horrorisado da miseria e da penúria que observei e desde então entendi que, apenas o podesse fazer, devia vir a esta casa solicitar por todos os meios ao meu alcance este augmento, que é relativamente minimo em comparação de muitas outras despezas que se fazem, mas que, pequeno como é, vae anniquilar grandes necessidades.

Permitta-me agora a camara que eu diga duas palavras relativamente á importancia da bibliotheca nacional de Lis-

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boa, tanto mais quanto tambem proponho um augmento na verba da sua dotação annual.

(O Orador mencionou o numero dos volumes, e dos objectos das collecções numismática, de mappas geographicos e outras que se comprehendem na bibliotheca a que se referia, no que não póde ser bem percebido, e continuou).

Em summa esta bibliotheca comprehende um numero de valores que, avaliados por uma taxa menos favoravel, não devem descer de seiscentos e tantos contos. Ora, para acrescentar ou completar estas collecções tão valiosas, para as acautelar, para as resguardar, para encadernações, para correio, e para expediente tem tido a bibliotheca 1:000$000 réis. Esta dotação já foi menor, mas tambem já foi maior; e eu peço que para todas estas despezas se lhe dê annualmente 600$000 réis, quantia que n'outro tempo se lhe dava unicamente para compra de livros; advertindo-se que a despeza que se faz com as encadernações é muito consideravel e indispensavel, porque d'ella depende a conservação dos livros, os quaes o regulamento da casa manda apresentar ao publico, e que se estragam se não estiverem encadernados, porque com facilidade se perde qualquer folha.

(O orador tendo comparado as dotações da livraria real de Bruxellas e outras com a que propunha, fazendo ver quanto esta era pequena relativamente aquellas, no que pouco póde ser percebido, continuou dizendo:)

Já se vê pois que não é uma grande prodigalidade o pedir 1:600$000 réis para a nossa bibliotheca, e eu proponho esta somma tendo em consideração as nossas particulares circumstancias, e unicamente com o espirito de se ir augmentando successivamente esta verba para a nossa bibliotheca, que, apesar de estar muito pobre de collecções de livros modernos que seria para desejar tivesse, é muito frequentada, e a prova está n'esta comparação que vou fazer.

Na livraria real de Bruxellas a media dos leitores por dia é de 18 a 20, e a media dos leitores na bibliotheca nacional de Lisboa é de 28 a 30 por dia; mas muitos d'elles homens eminentes que podem achar, como ali têem achado, valioso auxilio para as suas obras. Por exemplo, o sr. ministro da fazenda e dos negocios estrangeiros sabe e póde certificar, na sua qualidade de membro distinctissimo da primeira corporação scientifica do paiz, se para os seus escriptos politicos lhe tem sido preciso recorrer aquelle estabelecimento, e se s. ex.ª tem ali achado valioso auxilio para o seu trabalho. E assim muitas outras pessoas.

O illustre deputado que ha pouco tempo esteve á testa da instrucção publica póde tambem certificar se effectivamente ali ha ou não collecções valiosas que importa muito completar, porque se tornam muito mais valiosas depois de completas, como são as collecções dos monumentos da historia de França e de outras muitas obras, que seria fastidioso estar agora a enumerar.

Ora, para remediar todas estas necessidades, que o são e instantâneas, e para melhor remunerar os empregados benemeritos d'aquella casa, creio que não é muito pedir a verba de 1:339$200 réis.

Se o sr. ministro do reino e o sr. ministro da fazenda entendem que não ha inconveniente em adoptar esta proposta, isto é, que nem fica prejudicado o serviço, nem lesada a fazenda publica, eu mando a proposta para a mesa, e pediria á camara, solicitaria d'ella empenhadamente, que olhasse com attenção para este estabelecimento, que se já é alguma cousa, póde ser muito mais se os poderes publicos se desvelarem por elle.

Não acrescentarei mais, porque não desejo tomar á camara os momentos que lhe são preciosos, e que o publico conta; mas era do meu dever fazer esta fiel exposição, não sómente para informar a camara do estado d'aquelle estabelecimento, senão tambem para fundamentar este meu pedido, que espero a camara tome na sua benevolencia. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)

(O sr. deputado não reviu este discurso)

Leu-se logo na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que os segundos officiaes da bibliotheca nacional de Lisboa, que vencem actualmente 288$000 réis, sejam elevados ao vencimento de 300$000 réis annuaes, sommando o augmento destes officiaes, em numero de tres, 36$000 réis; que os primeiros officiaes subam em vencimento de 345$600 a 400$000 réis, sommando o augmento d'estes funccionarios, em numero de oito, 433$200 réis; que o official do cartorio passe de vencer 350$000 a vencer 400$000 réis; que o conservador dos impressos, que tem de honorarios 450$000 réis, se melhore no vencimento de 540$000 réis; e que ao conservador ajudante, que é conservador dos manuscriptos e antiguidades, igualando-se em categoria com o precedente, em vez do vencimento de 360$000 réis, seja dado o vencimento de 540$000 réis, sommando o augmento d'estes dois funccionarios 270$000 réis. Proponho mais que a dotação fixa da bibliotheca nacional seja elevada de 1:000$000 réis annual a 1:600$000 réis, sommando todos estes differentes acréscimos 1:389$300 réis. = O deputado, Mendes Leal Junior.

Foi admittida.

Leu-se na mesa a seguinte

O sr. J. M. de Abreu: — Sr. presidente, procurarei ser muito breve nas observações que desejo fazer, sómente para fundamentar uma proposta que tenho de mandar para a mesa, porque accedendo aos desejos que o sr. ministro da fazenda manifestou hoje a esta camara, por occasião de pedir que se não interrompesse a discussão do orçamento, não serei eu que pretenda demorar essa discussão. Eu poderia, aproveitando a palavra sobre a ordem, tratar n'este capitulo mais largamente alguns assumptos intimamente connexos com o ensino publico, mas não o faço e limito-me simplesmente á proposta que tenho a apresentar, e sobre que vou chamar a attenção da camara e do governo.

N'este capitulo vem comprehendido o real archivo da torre do tombo: eu devo informar a camara que o estado em que se acha uma boa parte do cartorio daquelle real archivo é o mais lamentavel e deploravel possivel. O real archivo, contendo já grandes preciosidades antes de 1834, está hoje muito mais enriquecido, porque nelle se reuniram os cartórios de diversas corporações religiosas e de diversos tribunaes extinctos n'aquella epocha: a accumulação de tantos cartorios e de tantas preciosidades em um local que é jade per si inconveniente, e o mais improprio para a conservação de taes preciosidades, obrigou a administração do archivo a deposita-los em casas húmidas e sem ventilação; o resultado foi, que muitos desses documentos originaes de grande valor, pertencentes aquelles cartorios, se acham quasi inutilisados. (Vozes: — É verdade.) No principio do anno proximo passado o conselho geral de instrucção publica propoz ao governo, que uma commissão de membros seus fosse encarregada de examinar o estado em que se achava aquelle estabelecimento debaixo d'este ponto de vista; a commissão foi nomeada, e o resultado do seu exame foi consignado n'uma consulta que subiu ao governo, em que se ponderava que alguns dos principaes cartorios ali archivados se achavam quasi completamente deteriorados, e eram nada menos que o cartorio da extincta mesa da consciencia e ordens, o da inquisição e o do desembargo do paço, com prejuizo gravissimo e irreparavel dos interesses de muitas familias nas questões que diariamente se suscitam no fôro; sem fallar aqui da perda não menos fatal d'esses documentos para a historia politica, litteraria e ecclesiastica do paiz.

Desgraçadamente o estado d'estes cartorios é tal, que uma grande parte d'aquelles importantissimos documentos se acham em estado de quasi se desfazerem quando se lhes toca, ou de todo inutilisados, porque foram collocados na sacristia que foi d'este antigo mosteiro, aonde durante o inverno lhe chove como se estivessem a descoberto, e onde a humidade é tal que as paredes estão cobertas de bolor. (Vozes: — É verdade.) O sr. ministro do reino sabe decerto isto, e não póde deixar de tomar instantemente uma providencia para a conservação do que ainda resta desses valiosissimos documentos que ali estão expostos ao rigor do tempo (apoiados). Esta providencia é urgentissima, e não posso deixar de convidar a camara a que se associe a este pensamento, e promova que o governo empregue todos os meios para se remediar este mal que todos os dias se aggrava, que todos os dias vae destruindo preciosidades litterarias de incalculavel valor.

Em todos os paizes se precisa hoje, mais que nunca, a conservação de documentos d'esta ordem, que servem para a historia litteraria e politica das epochas a que pertencem, e que são monumentos preciosos que interessam á gloria nacional.

Tem-se perdido muitos documentos importantes pela maneira precipitada por que se recolheram os dos conventos extinctos e mosteiros para o real archivo, e aggravâmos esta perda fatal pela maneira por que deixâmos deteriorar as reliquias que nos restam dessas valiosas collecções.

Tambem não posso deixar de chamar a attenção do governo sobre outro objecto. O pessoal do real archivo não é sufficiente para o que exige hoje a sua organisação; não é o mais habilitado em relação aos variados serviços que se exigem ali. Mas ha outro objecto que deve merecer a particular attenção do governo — fallo da organisação dos estudos paleographicos e diplomaticos. O conselho geral de instrucção publica teve já a honra de consultar ao governo sobre esta reforma. Actualmente o estudo da diplomatica limita-se unicamente ás lições que o official maior d'aquella repartição dá, mediante uma pequena gratificação, a alguns alumnos que frequentam aquelle curso; mas este estudo não é o que deve ser, nem o que convem que seja, e não se deve conceder o titulo de perito paleographo sómente por um simples attestado de frequencia de dois annos na aula de diplomatica, como ordenava o alvará de 21 de fevereiro de 1801.

É urgente crear um curso regular e bem organisado, segundo o plano da escola des charles em França; e não como está hoje, ainda entre nós, em que apenas o official maior do archivo dá algumas lições de diplomatica aos alumnos que se lhe apresentam. Este é o ensino da paleographia como se professava ha sessenta annos.

Não é melhor o ensino da numismática, não por que o empregado encarregado d'este serviço na bibliotheca nacional não seja competente, mas porque este ensino tambem está mal organisado, dando-se ao professor apenas uma pequena gratificação, e sem se exigirem habilitações nem offerecer vantagens aquelles que frequentam este curso, quando se podem tirar resultados muito importantes d'estes estudos. Ligar portanto o ensino da numismática com o da paleographia e archeologia figurado n'um curso em que se professe tambem a architectura christã, a sigillographia, a arte de verificar as datas, e os outros diversos ramos que constituem este ensino, organisa-lo de modo que sirva de habilitação para os archivistas paleographos, exigindo-se-lhes para entrar n'aquelle curso os conhecimentos preparatorios que podem ser estudados em differentes estabelecimentos publicos, parece-me uma reforma altamente importante, que o sr. ministro do reino não deve deixar de propor á camara.

Creio que a proposta do conselho de instrucção publica, apresentada a s. ex.ª, não obriga a grandes despezas. É necessario que os alumnos que se destinarem a este curso possuam as habilitações necessarias nas humanidades, e em algumas disciplinas que se professam no curso superior de letras, e especialmente na cadeira de historia; e aproveitando-se estes elementos que ha na capital, poderá com facilidade tornar-se este curso uma realidade, em vez de ser uma habilitação superficial, como não existe em paiz algum.

Não posso tambem agora deixar de dar o meu testemunho de approvação ao que acaba de ponderar o meu illustre collega o sr. deputado bibliothecario-mór. O estado da bibliotheca nacional é, quanto o permittem os seus recursos, digno do illustrado chefe que está á frente d'aquelle estabelecimento. O seu relatorio apresentado ao ministerio do reino honra muito o digno funccionario que desempenha aquellas funcções.

É certo que não ha serviço mais mal retribuido do que o da bibliotheca, e tambem é certo que não ha estabelecimento menos bem dotado do que este (apoiados). «Não é possivel (dizia no seu relatorio o illustre bibliothecario) que fiquemos atrazados cincoenta annos na acquisição das obras mais importantes nas sciencias, nas letras e nas artes.» Este atrazo é tanto mais fatal, quanto em tempos antigos as congregações religiosas dotavam as suas bibliothecas com avultadas sommas com que proviam á acquisição de obras em todos os ramos dos conhecimentos humanos, de maneira que a bibliotheca nacional e a da universidade de Coimbra adquiriram muitas obras, que não possuiam, pela encorporação n'ellas das livrarias d'aquellas corporações. Estando porém actualmente a bibliotheca nacional reduzida a 1:000$000 réis de dotação para todo o seu expediente, é o mesmo que fechar a porta á acquisição de toda a litteratura estrangeira, o que é um desaire e uma grave falta, porque obras ha que os particulares não podem comprar, e é necessario que as haja nas bibliothecas publicas, onde possam ser lidas e consultadas por todos que tiverem interesse em as ver. Ha ainda outro objecto que não teve ainda resolução, e a que é necessario dar seguimento: refiro-me á troca das obras, de que ha duplicaturas, por outras estrangeiras, que não possuimos, depois de providas todas as bibliothecas publicas. Espero que o sr. ministro do reino attenderá tambem a este negocio, de que já se tem tirado alguns resultados vantajosos nas primeiras trocas que se fizeram por obras modernas que a bibliotheca não possuia.

Portanto, não tendo mais nada a acrescentar ás ponderosas rasões do meu illustre collega, faço votos para que seja attendida a requisição apresentada por s. ex.ª Mando para a mesa as seguintes

Este discurso foi, por equivoco, publicado na sessão nocturna de 22, a pag. 1934, col. 3.ª e 1935 col. 1.ª, em logar de outro, que o sr. deputado proferiu n’aquella sessão, e ainda não restituiu.

PROPOSTA

A camara confia que o governo proverá instantemente á melhor conservação dos documentos existentes no real archivo. = J. M. de Abreu.

Foi admittida.

O sr. Faria Guimarães (sobre a ordem): — Vou mandar para a mesa uma proposta que tinha mais cabimento no capitulo 4.°; mas a discussão terminou sem que me chegasse a palavra que havia pedido sobre a ordem, e por isso espero que a camara me permitta que mande esta proposta, pois como as que foram apresentadas no capitulo 4.° têem de ir á commissão, a esta se dará tambem o mesmo destino, e a commissão a considerará quando tratar das outras.

A nota preliminar não diz a rasão por que se retiraram estes 450$000 réis de dotação á academia polytechnica: eu supponho que não ha outra rasão senão não se ter gasto no anno anterior mais de 600$000 réis; mas se se não gastou não é por não ser necessario gastar-se. Espero que o sr. ministro e a commissão tomarão este negocio em consideração.

Leu-se logo na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que a verba destinada no capitulo 4.° á conservação e aperfeiçoamento dos estabelecimentos dependentes da academia polytechnica do Porto seja, como era actualmente, de 1:100$000 réis, e que portanto se lhe não retirem os 450$000 réis de que trata a nota preliminar. = Faria Guimarães.

Foi admittida.

O sr. Sá Nogueira: — Eu pedi a palavra sobre a ordem para fazer algumas observações, porque se deu agora no systema de pedir a palavra sobre a ordem para alterar a ordem da inscripção; no entretanto, para não faltar ao preceito do regimento, mandarei para a mesa uma proposta, pedindo que todas as que estão sobre a mesa vão á commissão.

Aproveitarei a occasião, a exemplo do que alguns srs. deputados têem feito, para dizer algumas palavras, poucas, porque, attentas as circumstancias, entendo que não ha agora logar nem para fazer grandes discursos, nem para discutir a organisação dos differentes estabelecimentos. Isso levar-nos-ía muito longe; e por este motivo é que eu não combaterei muitas das reflexões feitas hontem pelo sr. José Maria de Abreu, com que não concordo, se bem que concorde com outras.

Ha asserções de s. ex.ª que eu não quereria deixar passar em julgado; ha factos allegados por s. ex.ª, cuja exactidão não reconheço; e para que não pareça que digo isto por demais, direi que está neste caso a asserção = de que não havia nação que gastasse com a instrucção primaria mais do que a portugueza =. Quanto diz o orçamento que nós gastamos com ella? Pois só na New-York, nos Estados Unidos, se gastavam ha annos muito mais de 200:000 libras, isto é, muito mais de dois milhões de cruzados. Já se vê que esta quantia é alguma cousa maior do que a verba do orçamento que discutimos.

O sr. J. M. de Abreu: — O que eu disse foi que não havia quem gastasse mais na Europa.

O Orador: — Ainda ahi teriamos que dizer.

Tambem s. ex.ª disse = que a nação mais adiantada na

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instrucção publica era a Allemanha, quando talvez esteja mais adiantada em alguns dos differentes estados d'este paiz, por exemplo, na Saxonia e no ducado de Baden, do que nós, e quando ha nações mais adiantadas ainda do que os estados da Allemanha.

Feitas estas considerações, entendo que devo agora chamar a attenção do sr. ministro do reino para o modo por que está organisado o curso superior de letras. Os preparatorios que para elle se exigem, e que, segundo minha lembrança, foram propostos pelo conselho geral de instrucção publica (peço ao illustre deputado que me corrija se achar que estou em erro), que pouca differença fazem dos que d'antes se exigiam para a matricula na universidade de Coimbra. Este curso não tem o nexo que devia ter com os outros cursos, tanto de sciencias naturaes, como positivas: não tem certa ligação que era necessaria.

Fallando assim, não faço allusão a pessoas. Reconheço que os professores que foram nomeados para aquellas cadeiras são muito habeis, muito competentes e muito distinctos, e que nada ha que dizer a seu respeito.

Parece-me comtudo que o curso superior de letras está organisado de tal modo que verdadeiramente não habilita para cousa alguma, nem póde habilitar. No estado em que está, é mais um curso recreativo do que outra cousa. E não se admirem de eu dizer isto, porque em Londres, na instituição real (royal institution), assisti eu a um curso recreativo professado pelo doutor Faraday, um dos mais distinctos sabios da Europa.

Resumindo digo — que o que eu desejava era que o curso superior tivesse a ligação que devia ter com os outros cursos que habilitam para alguma profissão, para tambem poder habilitar para alguma cousa.

Pelo que toca á proposta do sr. Mendes Leal, não me opponho a ella, e entendo que deve ir á commissão para a considerar.

Todas estas propostas estão mostrando a necessidade de se reorganisarem muitos estabelecimentos publicos, attendendo-se á sua mutua relação, ao modo de se fazer o serviço e á conveniente retribuição dos empregados.

É idéa minha muito antiga, que nos logares das bibliothecas devem estar os homens mais eminentes, mais distinctos nas letras e nas sciencias, e que a alguns dos logares de officiaes devem ter accesso os professores, tanto de ensino secundario como primario, quando elles tiverem a educação que devem ter, pois que então devem ter mais consideração e mais elevada posição social, e ser para esse effeito mais bem retribuidos, e um dos meios de o retribuir é o terem direito a ser promovidos.

E a proposito direi que n'este caso poderiam ser attrahidos ao ensino primario, como já aconteceu com o ensino secundario, alguns bachareis, pois não têem elles tanto em que se empreguem. Abra-se-lhes essa carreira. S. ex.ª, que é tão versado na historia da instrucção primaria, não só portugueza como estrangeira, sabe que na Escócia, um dos paizes que primeiro se adiantou na instrucção, esta profissão era procurada e abraçada pelos bachareis.

Parece-me que o que havia a fazer era uma revisão a todos os estabelecimentos, sobre a organisação do serviço que devem prestar; e a relação que deve haver entre uns e outros. Quanto á proposta do sr. Mendes Leal já disse que era preciso exigir habilitações aos professores, mas para se lhe poderem exigir é preciso remunera-los melhor.

Podia ainda fazer muitas considerações sobre muitos pontos de administração, de que fallaram alguns srs. deputados, mas não desejo demorar a discussão. Um sr. deputado, por exemplo, avançou aqui uma cousa que não é exacta, dizendo que nas administrações não ha estatisticas, porque as auctoridades não tinham capacidade para as fazer; está enganado; nas administrações ha algumas estatisticas: na administração de Lisboa achei bastantes estatisticas quando ali entrei, e deixei muitas mais quando sahi.

Abstenho-me de fazer mais considerações; o sr. ministro do reino está presente, elle responderá como entender conveniente.

O sr. Affonso Botelho: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara se a materia está discutida.

Consultada a camara decidiu affirmativamente.

O sr. Presidente: — Durante a discussão foram apresentadas e mandadas para a mesa algumas propostas; creio que a camara quererá que, na fórma do costume, sejam remettidas á commissão (apoiados). Vou pôr portanto o capitulo á votação, sem prejuizo do que a camara resolver sobre as propostas que foram mandadas para a mesa, e que vão ser remettidas para a commissão de fazenda.

Posto á votação o

Capitulo 5.°—foi approvado.

As propostas foram enviadas á commissão de fazenda.

O sr. Pereira Dias (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de instrucção publica.

Capitulo 6.º

O sr. Antonio de Serpa: — Sr. presidente, o capitulo que actualmente se discute trata de um objecto importantissimo, como é a saude publica. Pedi a palavra unicamente para chamar a attenção do governo e pedir-lhe explicações sobre um ponto tambem importantissimo, e que ha muitos annos se ventila n'este paiz: fallo da questão dos arrozaes. Alguns dos meus illustres collegas que têem feito parte das camaras passadas estão de certo lembrados de quão vehementes e acalorados debates tiveram logar nesta casa ácerca d'este gravissimo assumpto; questão importante principalmente pelo lado da salubridade publica, e ainda importante, segundo querem alguns, pelo lado economico. Todos se lembrarão de que n'esta casa alguns illustres deputados, que eram representantes de localidades que em virtude da nova cultura dos arrozaes tinham soffrido bastante no seu estado de salubridade, asseveraram, e, segundo parece, as mesmas estatisticas o confirmam, que a mortalidade tinha ali crescido de uma maneira espantosa desde que se introduziu a cultura do arroz; que gerações, n'outro tempo robustas, quasi que definhavam pelas febres occasionadas por esta especie de cultura; todos se lembrarão de um deputado, que n'esta casa se levantava sempre pedindo contas aos poderes publicos de não tomarem providencias sobre este estado de cousas; e esse protesto era quasi uma proinsciencia da desgraçada sorte que havia de lhe caber, porque num intervallo das sessões legislativas, dirigindo-se á localidade onde tinha a sua casa e os seus negocios, foi victima das febres occasionadas por aquella cultura.

O governo actual teve a fortuna, mez e meio depois da sua entrada no ministerio, de ver saír á luz um bem elaborado, consciencioso e minucioso inquerito ácerca d'esta questão importante, porque depois de muitas reclamações n'esta casa, o governo de que tive a honra de fazer parte, mandou fazer este inquerito, nomeando para elle pessoas competentes. Esta questão podia em alguns pontos julgar-se desde logo estudada, já na parte economica, já pelo que diz respeito á salubridade publica; achava-se estudada nos livros de agricultura, de medicina e de economia, e na legislação de outros paizes onde esta cultura está bastante derramada; mas como havia opiniões encontradas sobre este objecto, e grandes interesses que se diziam compromettidos, como havia uns que queriam uma medida radical para acabar com esta cultura completamente, e outros, que em abono das suas opiniões, mostravam que em algumas partes as febres existiam, ha muitos annos antes da cultura do arroz, e que parecia até terem melhorado com essa cultura (apoiados), entendeu o governo que não podia tomar uma resolução, apesar da experiencia que nos davam os livros e os factos de outros paizes, sem mandar proceder a um inquerito minucioso nas localidades onde se cultivava este genero tão vantajoso para a alimentação pública, e tão prejudicial pelos inconvenientes que traz á salubridade.

Acharam portanto os srs. ministros os subsidios, que eu reputava necessarios para se tomar a este respeito uma resolução adequada.

Pedindo a palavra sobre este objecto, eu não faço mais do que pedir ao governo algumas explicações sobre se elle entende, á vista d'aquelle relatorio, e mesmo das consultas que têem feito outros corpos do estado competentes n'esta materia, que o estado actual deve continuar, ou se entende que deve tomar uma medida radical sobre esse objecto, ou sé se devem adoptar as precauções que se têem adoptado em outros paizes, se não para destruir de todo o mal, ao menos para minorar os seus effeitos.

Tem-se apontado como meio indirecto para resolver esta questão (não sei se elle será ou não efficaz) uma diminuição consideravel nos direitos de importação do arroz estrangeiro; ora se o arroz estrangeiro, entrando com pequenos direitos, pozesse uma parte do nosso fóra do mercado, ou não admittisse a concorrencia d'elle, podia isto concorrer para resolver a questão de salubridade, e resolvida ficava tambem a questão economica. Na verdade, se o arroz nacional cultivado, como hoje, em certos terrenos menos proprios, não póde concorrer com o arroz estrangeiro, diminuindo-se-lhe o direito, claro está que com esta medida não são prejudicados os verdadeiros interesses do paiz, porque o lucro dos proprietarios é um lucro de monopolio, filho do preço artificial do arroz. O preço do arroz nacional é regulado pelo preço do arroz estrangeiro, que é o preço do arroz nos nossos portos, augmentado com a importancia do direito. Assim o lucro dos proprietarios não é um lucro para o paiz, é um lucro pago pelos consumidores no excesso do preço pelo qual têem de pagar este genero, quasi de primeira necessidade.

Não sei se o governo quer adoptar este meio; se o quizesse adoptar convinha adopta-lo quanto antes, no que não haveria inconveniente algum, mesmo para a receita do estado.

Tem-se já aqui mencionado que no anno de 1856, por causa da escacez das subsistencias, se admittiu a entrada livre de cereaes, tendo-se igualmente diminuido o imposto sobre o arroz, ficando reduzido de 1$240 a 400 réis por cem arrateis; ora resultou d'aqui que o estado não ficou prejudicado, porque o producto do direito do arroz n'esse anno não só não diminuiu, mas subiu consideravelmente. Embora esse facto seja explicado pela escacez das subsistencias, que foram suppridas pelo arroz. Entretanto não se póde negar de modo nenhum, que esse augmento não fosse devido em grande parte á reducção dos direitos n'esse genero, que augmentou o consumo pela barateza do genero. É verdade que o sr. ministro da fazenda já apresentou uma proposta para a diminuição dos direitos sobre o arroz, e que foi approvada n'esta camara; mas esta diminuição foi ainda pequena, e não produziu o effeito desejado. Em 1858 ou 1859, por occasião de se discutir aqui uma auctorisação para a entrada temporaria de cereaes, tive a honra de propôr tambem, por um anno, a reducção do direito do arroz, o que foi approvado pela camara, e com isto nada soffreu o thesouro. Portanto desejava que o governo desse explicações a este respeito, e se entende que esta questão precisa ainda de ser mais estudada. Depois d'esta questão ter sido tão estudada lá fóra pelos homens da sciencia, pela pratica da legislação de outros paizes; depois de um minucioso e bem elaborado relatorio, e das estatisticas que o acompanham, o governo póde e deve resolver a questão quanto antes.

Apontei esta medida indirecta, que foi tambem lembrada por um alto corpo do estado; não sei se será efficaz, e nem sei mesmo se convirá adoptar esta ou outra mais radical, e talvez mais difficil, que é importar para aqui a legislação que é difficil de se executar, e que foi adoptada no Piemonte. Em todo o caso entendi que não se devia deixar passar esta occasião sem que o governo diga — se tenciona ou não resolver esta questão, que é de grande importancia para o paiz e para a salubridade publica, porque ha povoações que eram sadias e que hoje se vêem completamente dizimadas, e enfraquecida a nova geração. Todos sabem que tem havido povoações n'outras epochas e noutros paizes, que em virtude d'estas febres causadas pelos pantanos, e por causas analogas ás que resultam dos arrozaes, têem desapparecido. Todos sabem o que foram e o que são os campos juntos a Roma; todos sabem que as febres provenientes d'este estado têem anniquilado completamente muitas povoações.

Não entrarei agora na questão scientifica; não sei se os pantanos artificiaes para a cultura do arroz, são elles por si que causam o mal, ou se são as materias orgânicas em putrefacção proveniente da planta do arroz que produzem ou pelo menos aggravam a desenvolução d'esses miasmas, e que dão tão tristes resultados. Creio que hoje a sciencia já resolveu que essas causas provinham de uma e outra cousa.

É possivel que se possa adoptar uma providencia, acabando com a cultura n'esses terrenos que eram sadios, e que são hoje insalubres. Não indicarei qual ella seja, mas é preciso que esta questão seja resolvida. Pedia algumas explicações sobre este ponto aos srs. ministros, principalmente ao sr. ministro do reino.

O sr. Sá Nogueira: — Tinha algumas considerações a apresentar, mas, como não quero tomar tempo á camara, cedo da palavra.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Ouvi aqui fallar da cultura do arroz, e então não posso deixar de tomar a palavra.

Vozes: — Ceda da palavra.

O Orador: — E sinto não poder ceder d'ella, no interesse da discussão. O sr. Antonio de Serpa pediu ao sr. ministro do reino que declarasse se estava resolvido a decidir, e quanto antes, a questão dos arrozaes. Não sei o que o sr. ministro do reino irá dizer; mas fazendo eu a justiça que faço á intelligencia de s. ex.ª, aos seus desejos de acertar, e á sua constante pratica de não decidir as questões senão quando ellas estão sufficientemente estudadas, espero que a resposta do sr. ministro ha de ser = que não está habilitado para resolver de prompto esta questão =. O sr. Antonio de Serpa deu como estudada completamente, minuciosamente, cabalmente esta questão com referencia a um relatorio que se publicou e distribuiu. Tenho muita pena, tenho sempre a maior repugnancia em entrar em questões que podem ir ferir melindres ou amor proprio; mas sou forçado a referir-me tambem a esse documento de que o sr. deputado fallou com tanto elogio. Se nós tratâmos aqui de discutir e apreciar a capacidade, os serviços, os talentos, a sciencia de todos os individuos que figuraram n'esse relatorio, eu uno-me ao sr. deputado, e sou o primeiro a dizer com s. ex.ª — que respeito completamente esses cavalheiros, que os reconheço como homens de muito talento, de muito saber e de muita consciencia; mas se se considera só o documento em si, abstrahindo das pessoas que o elaboraram, tenho pena de ser forçado a dize-lo, mas não posso deixar de dizer aqui — que não ligo essa importancia, a esse documento (apoiados); não o reputo tão cabal e tão minucioso, e sobretudo tão luminoso como s. ex.ª o reputou. Ainda ha pouco se distribuiu nesta casa um pequeno folheto de um facultativo muito habil... (apoiados).

O sr. Quaresma: — Habilissimo.

O Orador: — Fallo do sr. doutor José Barata da Silva, que reside ha mais de quatorze annos entre os arrozaes; que é um facultativo do muitos talentos e de muito saber, e que tem feito d'aquella questão um estudo pratico; e esse facultativo trata o relatorio por uma fórma que não deixa duvida sobre a ligeireza com que se procedeu a respeito de muitas investigações.

O sr. J. M. de Abreu: — Alguém ha de responder a isso.

O Orador: — Está no seu direito.

O sr. J. M. de Abreu: — Não sou eu, ha de ser a commissão.

O Orador: — Vê-se n'esse folheto a maneira como se manejaram as estatisticas por parte da commissão. Vê-se n'esse folheto que se não apreciaram bem as estatisticas locaes, que se tirou d'ellas conclusões que ellas não continham; que o mesmo facto foi apreciado de um modo com respeito a uma freguezia e do modo contrario com relação a outra, porque assim era preciso para concluir contra a cultura do arroz em ambas as freguezias. Intenda porém bem a camara, que eu não quero negar aos illustres membros da commissão a boa fé com que procederam. Mas aqui se vê quanto é perigoso o espirito systematico e generalisador. A commissão principiou os seus trabalhos com uma opinião já feita, e sem mesmo o presentir deixou-se arrastar pela idéa preconcebida para chegar á conclusão que desejava. Principiaram esses trabalhos, declarando que a cultura do arroz era prejudicial á salubridade. Concluiu-se do mesmo modo. Concordo com o sr. Antonio de Serpa emquanto diz = que a cultura do arroz póde ser prejudicial n'uma parte, e n'outra beneficas. Aceito as conclusões de s. ex.ª. Mas a commissão declara que a cultura do arroz é absolutamente insalubre e prejudicial em toda a parte. Não póde ser. A commissão não tinha tempo de investigar, pela maneira por que fez o seu trabalho. Torno a repetir — sinto ter de tratar esta questão n'este terreno. A commissão chegou á terra mais productiva do arroz em Portugal, passou por defronte de terrenos cultivados de arroz, no sitio em que se cultiva o arroz com mais perfeição, aonde tem assumido as proporções de cultura unica, e não olhou para ahi talvez por medo das intermittentes. Foi rio acima, dizem-me que tomando pipulas de quinino; foi á fazenda de um seu amigo, onde se demo-

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rou algumas horas, e n'esse mesmo dia regressou á villa; no outro dia pela manhã já lá não estava.

A commissão não viu do concelho mais productivo de arroz que tem Portugal, senão Um bocadinho, e no sitio onde se não cultiva arroz principalmente, onde essa cultura não é á unica; a commissão contentou-se com isto, não investigou mais.

Não é para aqui, nem eu sou competente para isso, tratar a questão dos pantanos; mas devo dizer de passagem, que na minha localidade, havia nove leguas de pantanos mixtos, isto é, eram terrenos cobertos de agua doce, e recebendo a>agua do mar, misturava-se esta com a agua doce e é essa mistura que produz o peior de todos os pantanos. Que fez a cultura do arroz? Separou a agua salgada dessas terras; hoje já lá não entra agua salgada, e tornou um pantano mixto n'um pantano de agua doce se não absolutamente innocente, ao menos muito menos prejudicial. Eu convidava o illustre deputado ou quaesquer outros que fallam na dessecação dos pantanos, a darem um passeio á minha terra, e quando ss. ex.as vissem o que ali é preciso fazer, e attendessem ao estado do nosso thesouro e á difficuldade que temos de fazer obras de vulto, haviam de ver que o unico meio possivel de melhorar ali a saude publica são os arrozaes. Os arrozaes em certas e determinadas localidades são a unica causa possivel para beneficiar a saude publica...

O sr. J. M. de Abreu: — Com effeito!

O sr. Cesario: — Isso é uma barbaridade!

O Orador: — O sr. deputado póde dizer que é uma barbaridade, mas eu argumento com os factos e com a verdade. Pergunto eu ao illustre deputado, que é medico, o que será peior, um pantano mixto, um pantano abandonado de todos, em que as aguas andam extravasadas, em que ninguem cuida de as encanar, ou uma superficie coberta de agua doce que corre constantemente?

O sr. Cesario: — Eu já pedi a palavra.

O Orador: — Se v. ex.ª pediu a palavra, era melhor ter tratado a questão, do que dizer que é barbaridade o que está dizendo um seu collega que falla...

O sr. Cesario: — Eu não sabia que tinha o ouvido tão fino.

O Orador: — Eu sou um pouco tysico, ou por desgraça minha muito tysico e tenho o ouvido apurado.

Disse o sr. Antonio de Serpa que havia um meio de tratar esta questão, que era acabar com os direitos da alfandega sobre o arroz. Nesse caminho estamos nós. De 1$200 réis que pagava o arroz, já não paga senão 600 réis. O governo vae nesse caminho e muito bem faz em ir gradualmente e não de repente destruir essa receita.

É preciso tambem que se saiba que o governo de um paiz constitucional em que o direito de propriedade significa alguma cousa, não póde cortar essa questão de uma maneira absoluta e com um rasgo de penna. São muitos centos de contos de réis que estão applicados á cultura do arroz. Muitas familias ricas reduziram tudo quanto tinham á cultura do arroz. Empregaram todos os seus fundos em arrotear terrenos, em torna-los aptos para essa cultura, e quando fizeram isto á sombra da lei, que não só lhes permittia a liberdade de o fazerem, mas que era até uma lei protectora, que as incitava a faze-lo, ha de agora dizer-se-lhes = percam tudo quanto empregaram nessa cultura?! = Isto é que era uma barbaridade que eu não supponho que o governo de um paiz constitucional viesse propôr a uma camara (apoiados).

Reduzindo os direitos, disse o sr. Serpa, colhem-se os dois resultados — o consumidor tem o arroz barato e o thesouro não é prejudicado, porque já a experiencia mostrou que a reducção dos direitos não diminue a receita. Mas o proprietario ha de ser desprezado? Não devemos tratar só dos interesses do consumidor e do fisco, sacrificando o proprietario. Devemos tambem olhar para o proprietario; temos obrigação de garantir a propriedade creada não só coma permissão da lei, mas com a sua auctorisação. Tambem devemos olhar para a industria. Posso affiançar á camara que na minha localidade a cultura do arroz tem beneficiado completamente a saude publica. Hoje a mortalidade é muito menor e vê-se a abundancia em logar da fome, a população em logar do ermo; são palpáveis os beneficios que a cultura do arroz ali tem produzido.

Eu supponho que a camara não quererá a proposito do orçamento tratar uma questão tão importante; limito-me por consequencia a isto, e peço desculpa á camara de não ter podido resistir a dizer algumas palavras sobre esta materia.

O sr. D. José de Alarcão: — Para não tomar tempo á camara não entrarei na questão das conveniencias ou inconveniencias da cultura dos arrozaes, e mesmo porque estou inscripto para tomar parte na interpellação que sobre este objecto dirigiu o meu amigo e collega, o sr. Antonio Carlos da Maia ao ex.mo sr. ministro do reino, e então tratarei como poder esta questão; agora, porém, limito-me a dizer ao sr. ministro do reino, que tendo s. ex.ª de dar algumas providencias sobre este objecto, tenha em vista que a illustre commissão encarregada de examinar os arrozaes, no seu relatório só faz menção de alguns districtos, não comprehende outros em que a cultura é em larga escala, como o districto de Santarem, no qual só os concelhos ao sul do districto produzem mais do que os districtos juntos do Aveiro e Lima, como mostrarei pelas suas estatisticas; portanto nada mais digo sobre isto.

O sr. Antonio de Serpa: — Eu não entrei na questão da cultura do arroz, em relação á sua parte scientifica, nem a occasião é propria para entrar n'ella com desenvolvimento, quiz apenas provocar uma explicação por parte do governo.

O sr. Ministro do Reino: — Já, pedi a palavra.

O Orador: — Muito bem, desejo muito ouvir a explicação de s. ex.ª

Eu creio que o illustre deputado que me precedeu não fallou como relator da commissão de fazenda; não creio mesmo que a commissão participe completamente das idéas do illustre deputado, nem tão pouco que o governo as adopte.

Como disse — não entrei, nem entro na questão principal, porque não é occasião para isso; mas não posso deixar de dizer algumas palavras depois do que disse o illustre deputado a respeito da commissão de inquerito aos arrozaes.

Aquella commissão era composta de pessoas muito competentes (apoiados); ella foi fazer os seus inqueritos aonde julgou que devia ir, fez o serviço que julgou dever fazer. Ora, se o governo entendeu que isso não era sufficiente, que carecia de novos exames para decidir a questão, se entendia que precisava de novos factos, o seu dever era ter mandado essa ou outra commissão fazer esses novos exames e colher esses novos factos para assim se habilitar, se o não está ainda, a resolver a questão que tanto carece ser resolvida sem delongas (apoiados).

Eu respeito muito o direito de propriedade, mas respeito ainda mais o direito da existencia (muitos apoiados), respeito este direito muito mais que o outro (apoiados). O illustre deputado não póde, ainda que queira, negar os factos hoje adquiridos pela sciencia (apoiados); cito os homens todos da sciencia que estão presentes (apoiados), cito-os para que elles digam se a cultura do arroz é ou não prejudicialissima á saude publica (apoiados dos srs. Cesario, Pereira Dias e outros srs. deputados).

O sr. Aragão: — Não nego isso.

O Orador: — O illustre deputado já vê que para os homens da sciencia é ponto resolvido — que a cultura do arroz é prejudicial á saude publica (apoiados). Eu bem sei que ha outras industrias de inevitaveis e funestas consequencias; que são muito insalubres, a exploração das minas, por exemplo, é uma industria insalubre, e por isso o governo estabelece regulamentos para evitar o maior mal, para melhorar as condições de salubridade dessa e de outras industrias. Mas ainda assim essas industrias insalubres são sómente prejudiciaes aos que nellas tomam parte, e não devastam populações inteiras.

Portanto, se o governo entende que a questão não está resolvida, se não tem ainda os dados sufficientes para a resolver definitivamente, então é necessario que entretanto tome medidas restrictivas, ao menos para o mal ser o menor possivel; estabeleça regulamentos, como já os ha neutros paizes, para tornar esta industria menos prejudicial á saude publica.

Todos sabem que no Piemonte os regulamentos estabelecem prescripções rigorosas para que esta cultura não possa ter logar ao pé das povoações, isto quer dizer que as povoações que estiverem proximas aos logares aonde se cultive o arroz estão constantemente sendo invadidas por febres intermitentes de mau caracter (apoiados).

Disse o illustre deputado = que quando eu apresentei aquelle alvitre, que fôra já apresentado por uma corporação a que ha pouco alludi, aquelle alvitre indirecto de diminuir o direito sobre o arroz, que tiverem consideração apenas o consumidor, e não tive em consideração o proprietario =. Eu considerei o proprietario, e considerei o direito de propriedade. Porém a propriedade que vive do imposto, esses lucros resultantes de um direito, que é pago por todos os consumidores, não são nem podem ser considerados direito de propriedade (apoiados).

Eu não faço mais reflexões; espero as explicações do nobre ministro do reino; espero que o governo tome em consideração os factos todos que se dão a este respeito; se julga que a questão póde ser resolvida trate de a resolver (apoiados); se entende que deve mandar recolher novos factos mande os recolher, mas o que peço ao governo é que tome quanto antes uma medida a respeito d'este negocio importante, que envolve as vidas de milhares de cidadãos (apoiados. (Vozes: — É verdade.)

O sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino (Marquez de Loulé): — Sr. presidente, estou inteiramente de accordo com o illustre deputado sobre a necessidade de resolver esta questão, e creio que temos hoje os elementos necessarios para a resolver, porque ha uns poucos de factos em que creio todos estamos de accordo.

Primeiro facto — é ou não verdade que a cultura do arroz é prejudicial á saude publica? Entendo que sim (apoiados). (Vozes: — Muito bem.) Mas, não obstante, eu devo dar o meu testemunho ao que asseverou o sr. Aragão. Na localidade a que s. ex.ª se referiu dá-se um phenomeno que não se vê em outra parte. Effectivamente, em Alcácer do Sal, onde ha poucos annos havia bastantes pantanos, a que s. ex.ª chamou mixtos, aonde se encontrava a agua salgada com a agua doce, o que produzia febres intermitentes de uma natureza terrivel ha tempos a esta parte, apesar d'ali haver a cultura do arroz tem melhorado consideravelmente as suas condições de salubridade. Isto porém não quer dizer que a cultura do arroz não é prejudicial á saude; é prejudicial e muito (apoiados), e por consequencia o governo precisa resolver esta questão de modo que os interesses particulares não estejam em opposição com os da saude publica (apoiados).

Outra cousa em que todos estarão de accordo, é que a medida que se tomar a este respeito não póde ser uma medida de tal modo que tenha um effeito permanente e logo de uma vez: ha de ser por medidas successivas e com prudencia (apoiados), e attendendo quanto possivel aos interesses creados como acabou de ponderar o sr. Aragão. O governo já entrou n'este caminho. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.) Os direitos do arroz estrangeiro eram de 1$240 réis; foram reduzidos na ultima reducção a 800 réis, e ultimamente a 700 réis; o governo está na intenção de progredir successivamente n'estas medidas de reducção de direitos (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.)

A cultura do arroz é uma cultura insalubre que distroe um grande numero de vidas no paiz (apoiados repetidos); é pois necessario indirecta e successivamente ir tomando medidas que a reprimam até ao ponto de a extinguir. (Apoiados.) — Vozes: — Muito bem.)

O sr. M. Firmino: — Requeiro que se consulte a camara se a materia d'este capitulo está discutida.

Consultada a camara decidiu afirmativamente.

Posto a votos o capitulo 6.º — foi approvado.

Capitulo 7.°

O sr. Sá Nogueira: — Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para chamar a attenção da camara e do governo sobre a necessidade que ha de melhorar os rendimento? municipaes (apoiados). Todos as dias se está a dizer que a municipalidade está fazendo taes e taes despezas, mas não se attende a que a municipalidade não tem rendimentos para essas despezas. A despeza que faz com os empregados da propria administração, e a que faz com os expostos quasi que lhe absorvem o seu rendimento (apoiados).

No districto de Lisboa todas as contribuições que recebem as municipalidades tanto directas como indirectas importam em 174:000$000 réis, segundo o termo medio do que as camaras arrecadaram nos tres ultimos annos. Ora como é possivel que as municipalidades possam satisfazer a todos estes encargos por este modo? Peço portanto a attenção da camara e do governo sobre este objecto. E necessario que se faça algum augmento nos rendimentos das camaras municipaes, que se faça como se faz lá fóra, que as camaras votem uma percentagem sobre a contribuição geral do estado para distribuir pelas camaras municipaes em certa proporção (apoiados). Sem isto não é possivel que se faça alguma cousa. A não ser a municipalidade de Lisboa que recebe cento o tantos contos da alfandega municipal, as outras não recebem nada (apoiados). Chamo portanto a attenção da camara e do governo sobre este objecto, para que d'elle se occupe quanto antes como uma cousa da primeira necessidade para a boa governação do paiz.

O sr. Torres e Almeida: — Sr. presidente, mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

Peço que esta proposta seja remettida á commissão respectiva, e se a camara me permitte direi algumas palavras para a sustentar.

Em Villa Nova de Famalicão existe um antro (não lhe posso dar outro nome) húmido, immundo, infecto, que não offerece as necessarias condições de salubridade e segurança, a que se chama cadeia. E todavia o movimento dos presos ali é grande, porque, alem dos que são julgados na comarca, pernoitam frequentes vezes na cadeia da villa e se demoram bastantes horas os que são remettidos do Porto para Braga e vice-versa, e de Vianna para o Porto.

A camara municipal de Famalicão, que é uma das mais illustradas e zelosas que eu conheço, tem vehementes desejos de construir uma cadeia, mas não se acha habilitada a emprehender só por si, a expensas suas, uma obra que demanda bastante despeza.

As municipalidades lutam hoje com graves difficuldades. O estado de abatimento a que o oidium tukeri reduziu a agricultura nos ultimos oito annos, diminui-lhes consideravelmente a sua principal fonte de receita. Por outro lado as enormes e sempre crescentes despezas com a sustentação dos expostos sobrecarregara de tal fórma os cofres municipaes, que a maior parte das camaras com difficuldade subsistem, e não ha talvez uma só que se ache habilitada para satisfazer convenientemente ás necessidades do seu concelho.

A camara municipal de Famalicão está ainda em peior situação que as outras, porque o seu concelho é de recente data, modernissimo. Creado apenas em 1835 com parte do antigo termo de Barcellos e do couto de Landica, dotado com escassos rendimentos, teve de fazer avultadas despezas ao principio com a sua organisação e depois com importantes melhoramentos, que já possue á custa de muitos sacrificios.

Por estas considerações eu espero, que será devidamente attendida a proposta, que tenho a honra de enviar para a mesa.

Leu-se na mesa a seguinte:

PROPOSTA

Proponho, que da verba votada no capitulo 7.° do orçamento do ministerio do reino, que se denomina subsidio a municipalidades, seja destinada a quantia de 2:000$000 réis para auxiliar a construcção de uma cadeia em Villa Nova de Famalicão. = O deputado pelo circulo n.° 15, Torres e Almeida.

Quando esta proposta se não vença, proponho desde já, que á referida verba seja augmentada a quantia de 2:000$000 réis para o indicado fim. = Torres e Almeida.

Foi admittida.

O sr. Pereira Dias: — Requeiro a v. ex.ª queira ter a. bondade de consultar a camara sobre se a materia está sufficientemente discutida.

Assim se resolveu, e foi approvado o capitulo 7.°

Capitulo 8.°

O sr. Almeida Maia: — Requeiro a V. ex.ª queira consultar a camara se quer que a sessão se prorogue até se votar o orçamento do ministerio do reino.

Não foi approvado.

O sr. Annibal: — Sr. presidente, chega-me a palavra quando a hora está adiantada e a camara fatigada, e quando de certo não é occasião de entrar agora na vasta questão da organisação da beneficencia publica no nosso paiz, sobre a qual eu me propunha fazer algumas considerações. Não as farei; mas quem olha para o capitulo 8.° do orçamento que está em discussão, que se inscreve = Soccorros a estabelecimentos de beneficencia = é impossivel não ver desde logo o vulto gigante das nossas misericordias, que são institutos de beneficencia verdadeiramente portuguezes

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que attestam á face do mundo inteiro a nossa civilisação e philanthropia!

Mas estes estabelecimentos, que sempre mereceram a especial protecção dos nossos soberanos, e até de todos os governos d'este paiz, sem differença de côr politica, não deixarão tambem, espero eu, de ser attendidos por esta camara quando se apresentem a invocar a sua piedade.

A misericordia de Setubal, que é o segundo estabelecimento desta ordem do districto de Lisboa, acha-se em circumstancias especiaes, especialissimas; e para de algum modo a habilitar para fazer frente aos seus encargos, e contando com a benevolencia d'esta camara, atrevo-me a mandar para a mesa uma proposta para que lhe seja dado como subsidio o alcance em que está para com o estado, proveniente de contribuição predial.

O grande inverno de 1855 esterilisou por tal fórma em 1856 os moinhos, que são a principal fonte do rendimento d'esta casa, que dahi em diante não lhe tem sido possivel fazer frente a suas despezas sem grande empenho. Sobreveio depois o grande terremoto de 1858, que destruiu alguns predios d'esta santa casa...

Vozes: — Já deu a hora.

O Orador: — Eu vou concluir já, porque sou inimigo de levar a palavra para casa, e mesmo porque lá não me servia de nada.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — O terremoto de 1858 aggravou ainda mais a sua situação, de fórma que não lhe tem sido possivel pagar a contribuição predial que lhe tem sido lançada, e está em circumstancias ou de fechar a porta á indigencia desvalida, ou deixar de pagar ao governo o que deve.

O governo, em attenção ás circumstancias especiaes d'este pio estabelecimento, concedeu-lhe uma moratoria; mas isto não basta, porque ao encargo da contribuição predial corrente acresce o pagamento da divida atrazada, e o estabelecimento não póde com tanto.

Proponho portanto, e mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

Esta proposta peço a V. ex.ª seja remettida á commissão de fazenda para a considerar juntamente com outras que lá tem, abstendo-me por ora de outras considerações, que farei em occasião opportuna.

Vozes: — Deu a hora.

O sr. Presidente: — Já deu a hora. Fica para ámanhã o perguntar á camara se admitte á discussão a proposta do sr. deputado. A ordem do dia para ámanhã é a mesma que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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