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N.º 20. SESSÃO DE 27 DE JUNHO. 1853

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDÊNCIA.

Officio — Do sr. Castro e Abreu, participando que talvez não lhe seja possivel assistir á sessão de hoje. — Inteirada.

Deu-se pela mesa destino ao seguinte:

Officios — 1 º Do ministerio da fazenda participando que, segundo as informações officiaes, os dizimos da ilha de S. Miguel, no triennio que decorreu do 1.º de janeiro de 1850 a 30 de dezembro de 1852, foram arrematados por 69:044,$000 íeis, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Maia (Carlos). — Para a secretaria.

2.º Do ministerio da marinha acompanhando os esclarecimentos sobre os navios de guerra que devem ser reparados, e os navios, que estando muito arruinados, devem ser vendidos; satisfazendo a um requerimento do sr. Arrobas. — Para a secretaria.

1.º Requerimento: — «Requeiro que o governo pelo ministerio da guerra remetta a esta camara as informações e orçamentos que alli houver sobre o concerto do paiol da polvora na ilha de S. Miguel, que ficou arruinado pelo terremoto do anno passado. — Maia (Carlos) = Soares de Albergaria = Julio Guerra.

Foi remettido ao governo.

2.º Requerimento: — «Requeiro que o governo remetta com urgencia a esta camara, não havendo inconveniente, os documentos officiaes que pelo governador geral de Angola lhe tiverem sido remettidos sobre os tractados projectados, ou realisados pelos inglezes no Ambriz e Cabinda; e bem assim cópias de quaesquer providencias que o governo haja por similhante motivo expedido ao citado governador geral» — Simão José da Luz.

Foi remettido ao governo.

3. Requerimento: — «Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio da fazenda, que remetta a esta camara com urgencia uma nota, da qual conste:

1.º A importancia dos direitos recebidos na alfandega grande de Lisboa pelo despacho de quaesquer drogas, materias primas, maquinas ou utensilios destinados á fabrica de lanificios de Portalegre, desde 1843 (julho) até junho deste anno corrente de 1853.

2.º A classificação dessa importancia por cada uni dos annos, comprehendidos no periodo citado, e a designação das drogas, materias primas, etc, despachadas em cada um anno.» — Corrêa Caldeira.

Foi remettido ao governo.

4.º Requerimento: — «Requeiro que se officie, pelo ministerio da fazenda, afim de que seja remettida a esta camara cópia do contracto feito com D. Roza Joaquina Larcher, em 25 de janeiro de 1822, ácerca da fabrica de Portalegre.» — Corrêa Caldeira — Cunha Sotto-Maior.

Foi remettido ao governo.

5.º Requerimento: — «requeiro que se peça ao governo que, pelo ministerio da marinha, envie com urgencia a esta camara uma informação do constructor do arsenal sobre o seguinte:

Se com a qualidade de madeiras e outros meios de que actualmente póde dispor o arsenal, elle póde, como determina o artigo 96 do regulamento do arsenal, responsabilisar-se pela perfeição e segurança das construcções navaes, ou fabricos dos navios do estado.» — Arrobas.

Foi remettido ao governo.

6.º Requerimento: — «Requeiro que se peça ao governo que, pelo ministerio da marinha, se declare a esta camara qual o ultimo anno em que cada uma das juntas de fazenda das differentes provincias ultramarinas deu contas ao ministerio da marinha e ultramar da gerencia dos fundos das mesmas provincias, bem como do ultimo anno em que cada uma deu conta da despeza feita com os navios de guerra e mais objectos por conta do ministerio da marinha.» — Arrobas.

Foi remettido ao governo.

7.º Requerimento: — Fallando para satisfazer completamente ao meu requerimento apresentado na sessão de 29 de março do corrente anno — que o governo enviasse a esta camara a cópia da relação de mostra da companhia de deposito do corpo de marinheiros militares — requeiro que se peça ao governo envie a esta camara o proprio original ou cópia que

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faltar para servir de esclarecimento na discussão do orçamento da marinha.» — Arrobas. Foi remettido ao governo.

8.º Requerimento: — Tendo alguma duvida sobre a legalidade do modo porque se fixaram em 90:429$300 réis e 12:668$785 reis as verbas que veiu no artigo 29 do orçamento, destinadas a primeira para pagamento de 909 operarios e partidos do arsenal da marinha; e a segunda para pagamento dos operarios reformados do mesmo arsenal; requeiro que pelo ministerio da marinha se envie com urgencia a esta camara, para servir ainda na discussão do orçamento, um mappa demonstrativo daquellas duas verbas; formando esse mappa por officinas e partidos, classes e vencimentos diarios, designando os dias de trabalho, que se calcularam no anno para esta classe de individuos, e importancia annual dos vencimentos calculados.

«Igual mappa requeiro que seja enviado a respeito dos operarios da cordoaria, tanto do quadro, como não pertencentes a elle.

N. B. «Em quanto aos reformados requeiro que se declare tambem o vencimento que tinham antes de reformados.» — Arrobas.

Foi remettido ao governo.

9. Requerimento: — Tendo alguma duvida sobre a legalidade com que se liquidam certas quantias pelo artigo 26 do orçamento, requeiro que se peça ao governo pelo ministerio da marinha envie a esta camara, a tempo de servir ainda na discussão do orçamento, uma nota detalhada das quantias liquidadas pelo artigo 36 do orçamento em relação ao anno economico de 1852-1853.» — Arrobas.

Foi remettido ao governo.

Parecer — Das commissões de legislação e estatistica, auctorisando o governo a proceder ás divisões administrativa, ecclesiastica e judicial. — Mandou-se imprimir.

SEGUNDAS LEITURAS.

Proposta. 1.ª — «Reconhecendo a necessidade de uma cadeira especial de direito administrativo na universidade, assignei a proposta feita pelo meu illustre amigo e collega o sr. Pegado, para a creação della, porém não basta crear a cadeira, é preciso formar um curso administrativo, no qual se juntem os estudos juridicos, mathematicos e filosóficos; por quanto, ainda que aquelles não prejudiquem a administração, antes sejam indispensaveis para ella, são com tudo insufficientes, e por isso é preciso completal-os com estes.

A universidade e o conselho superior reconhecendo esta verdade, já formularam o programma do curso administrativo naquelle sentido e o enviaram ao governo. Proponho que se mande vir, para a commissão de instrucção publica para que esta dê maior desenvolvimento á proposta do sr. Pegado; de modo que comprehenda não só a creação da cadeira, senão tambem a formação do curso administrativo.

Ainda assim não fica esta obra completa. E preciso designar os logares da administração, para os quaes deva o curso administrativo servir de habilitação obrigada, no todo ou em parte, assim como a graduação e accesso desses logares, de modo que uns sirvam de escala para os outros, e para assim a consideração dos superiores reflectir nos inferiores que dão entrada para elles. Porem este trabalho parece mais proprio da commissão de administração publica, e por isso proponho que seja convidada para se encarregar delle, podendo intender-se com a de instrucção publica, se assim o julgar necessario.» — Bazilio Alberto.

Foi admittido — E remetteu-se ás commissões de instrucção publica e administração publica, ás quaes se remetterão tambem os papeis que se pediram ao governo.

2.ª Proposta. — Peço que se mande imprimir no Diario do Governo os projectos de lei que apresentei ácerca das minas de carvão de viche de S. Pedro da Cova, no districto do Porto e de Buarcos no districto de Coimbra — Placido de Abreu.

Foi admittida — E logo approvada.

Requerimento. — Requeiro, que a camara convide a commissão de guerra para apresentar, ainda nesta sessão, o seu parecer sobre o projecto ácerca de preterição de officiaes do exercito; do que tracta de restituição do sr. conde de Samodães, e o que tracta das reformas illegaes, que apresentei nesta casa, e no caso de se acharem sobrecarregados com trabalho nestas commissões alguns dos membros da commissão de guerra, que o declarem á camara para serem substituidos por alguns srs. deputados militares que não pertencem a outras commissões.» — Cezar de Vasconcellos.

Foi admittido.

O sr. Presidente: — Ha uma proposta do sr. Cunha Sotto-Maior, que tem connexão com este requerimento: vai ler-se para no caso de ser admittida, se discutirem conjunctamente.

E a seguinte

Proposta. — «Considerando que o prolongado adiamento da decisão dos requerimentos de muitos officiaes do exercito, que se queixam ou de ter sido reformados com manifesta violação e accintoso desprezo das leis, ou arbitraria e illegalmente preteridos, ou em fim demittidos em virtude de perseguição por motivos politicos, equivale á negação completa de justiça, por parte da camara dos deputados, a cidadãos que perante ella se aggravam das prepotencias e abusos do poder executivo.

Considerando que este procedimento da camara principalmente depois da circular do commando em chefe, que prohibiu aos officiaes do exercito o exercicio do direito de petição perante o corpo legislativo, não obstante a garantia expressa que ao uso desse direito presta o § 28.º do artigo 145.º da carta constitucional, importa não menos a annuencia da camara dos srs. deputados a esta insolita infracção de um direito constitucionalissimo, que a tacita confirmação dos abusos e violações de leis que deram fundada origem ás queixas dos offendidos

Considerando que em consequencia da execução que se tem dado á citada circumstancia do commando em chefe não tem podido chegar ao conhecimento official da camara as petições de grande numero de officiaes do exercito injusta e arbitrariamente preteridos na promoção do posto de 23 de abril de 1851.

Proponho que a camara convide a commissão de guerra a apresentar «seu parecer sobre o modo de reparação devida aos officiaes illegalmente reformados, aos illegalmente preteridos, e aos que em virtude da preseguição que soffreram, foi imposta a dura

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necessidade de requerer a demissão do serviço» — Cunha Sotto-Maior. Foi admittida.

O sr. Placido de Abreu: — Sr. presidente, peço a attenção de v. ex.ª e da camara obre os diferentes objectos de que vou tractar em relação aos requerimentos que estão em discussão.

Hontem, quando foi apresentado o requerimento do sr. deputado Cezar de Vasconcellos, estará V. ex.ª certo que pedi a palavra para dar algumas explicações; porém, lendo dado a hora de se entrar na ordem do dia, V. ex.ª não ma concedeu, e por consequencia não pude dar essas explicações, porque antes de tudo estava a resolução da camara. Agora que estão em dicussão os requerimentos do sr. Cezar de Vasconcellos, e tambem do sr. Cunha Sotto-Maior, tractarei de dar as explicações a que já me referi. O requerimento do sr. deputado por Beja contem insinuações, um pouco fortes (para lhe não chamar outra cousa) as quaes tractarei de provar, perante a camara que além de não terem motivo algum que as justifique, involvem de mais a mais uma censura injusta que a commissão de guerra não merece de modo algum, não só por motivo dos trabalhos que tem apresentado successivamente, mas tambem pelos que tem preparados para serem presentes a camara.

E possivel e conveniente que as commissões venham aqui dizer todos os dias o estado em que estão os seus trabalhos? O que se deve exigir é que as commissões trabalhem e isso tem a commissão de guerra feito com grave sacrificio; pois é bem sabido que alguns dos seus membros se tem occupado dos trabalhos a seu cargo até além das duas horas da noute, para assim darem vencimento aos muitos negocios, que pezam sobre a commissão.

O requerimento do sr. Cunha comprehende tres pontos, a questão das reformas, das preterições e a das demissões que diz s. ex.ª dadas por motivos politicos; sobre isso tambem versa o requerimento do sr. Cezar de Vasconcellos. Quanto ás reformas dadas pelo governo em differentes épocas, sendo uma questão tão gravissima, e questão que affecta muitos interesses, a commissão deseja apresentar o resultado dos seus trabalhos de modo a chegar a uma conclusão, que seja o melhor possivel e que attenda, convenientemente, os individuos a quem respeita essa medida, quer directa quer indirectamente, e nessa conformidade tractou de a estudar, e finalmente de chegar a uma conclusão que podesse representar as opiniões da maioria da camara. Este objecto, quando o sr. Cunha apresentou o seu requerimento, já estava resolvido pela commissão; mas querendo ella ouvir o governo, e exigindo se para isso a presença de todos os seus membros, que são igualmente membros de outras commissões, como o sr. Palmeirim que está occupado na commissão de fazenda, que lhe rouba todo o tempo, não foi por isso possivel chegar esse negocio ha mais tempo á sua conclusão; entretanto já está resolvido, e hoje tenciono mandar para a mesa o parecer da commissão a este respeito. Em quanto ás preterições, chamadas da 28 e de 29 de abril, tendo os interessados levado uma representão ao conhecimento da auctoridade superior, pedindo que essas preterições acabassem, e se declarasse que ellas eram todas do mesmo dia, (negocio por consequencia já resolvido. Assim estão satisfeitos nesta parte os pedidos do sr. Cunha.

Em relação a demissões é preciso que eu diga ao sr. deputado, e declare á camara, que era um pensamento antigo da commissão, e que desde muito tempo estava resolvido; mas a opinião da commissão e do governo era que esse negocio se resolvesse, não em relação a pessoas, mas em relação a principios: portanto ao governo pertence fazer as convenientes propostas, e a commissão sabe que tenciona apresental-as brevemente.

Em vista destas explicações já se vê que a commissão de guerra tem satisfeito a todas as partes do requerimento do sr. deputado por Béja, apresentado nesta camara com as censuras mais acres que é possivel. A esse respeito direi de passagem que, quando taes censuras devessem ler cabimento, só deviam ser dirigidas aos governos e ás commissões dos parlamentos que desde 43 tem gerido os negocios publicos. Todavia devo observar, que sendo ouvidas a similhante respeito as commissões de legislação e de infracções desse tempo, foram de opinião que o governo não tinha infringido as leis: assim veja a camara a contradicção do illustre deputa lo daquelle lado. (Direito) Portanto estão resolvidas todas as questões por parte da commissão de guerra.

E em quanto ao projecto do sr. Cezar, já se vê que parte delle está satisfeito, fallando só uma parte; e em relação a essa parte, certifico mais uma vez o que disse em outra occasião, quando se discutiu o projecto das reformas dos officiaes das guardas municipaes, declarando mui positivamente a v. ex.ª e á camara, que o parecer da commissão de guerra hade ser apresentado ainda nesta sessão. Por consequencia uma commissão que tem trabalhado tanto, que tem promptos outros muitos trabalho, não merecia as asperas expressões que lhe dirigiu o sr. deputado por Béja. Entre elles ha um que é muitissimo importante, por, diz respeito ao montepio militar, que é de toda a necessidade, e de urgencia reconhecida, tractar quanto antes; porque é util ao exercito, e ao estado, pois nessa hypothese esta contribuição pezará sobre os interessados, e não sobre o thesouro, e evitando-se deste modo que ás côrtes venha essa immensidade de pedidos de pensões que constantemente afflige esta camara. (Apoiados) Sobre este trabalho que elaborei, e já mostrei ao illustre deputado e meu amigo, o sr. Cezar de Vasconcellos, chamo o seu testimunho a este respeito, porque me pareceu que s. ex.ª ficou satisfeito com elle. (O sr. Cezar de Vasconcellos: — Apoiado, é verdade) Ora este trabalho que abrange uma infinidade de casos, que previne muitas hypotheses, e que por consequencia é pela sua propria natureza um trabalho importante, ninguem poderá dizer que se pudesse fazer em muito pouco tempo. (Apoiados)

A commissão de guerra não se descuida dos objectos que tem a seu cargo, tem trabalhado de noite e de dia; e parece-me que depois do que tenho exposto, a commissão de guerra não merece a aspereza de expressão dos dois requerimentos que estão em discussão, e muito menos merece a censura que pelos mesmos se irroga á commissão (Apoiados)

Eu não me julgo com direito para pedir aos srs. deputados Cunha e Cezar que retirem da discussão os seus requerimentos, a camara decidirá este negocio da melhor fórma que lhe parecer. A commissão

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de guerra reputa esses requerimentos uma censura injusta, o se a camara os approvar, o que não é de esperar, a commissão não póde deixar de vir pedir a sua demissão, porque similhantes requerimentos são injustissimos a todos os respeitos, e não merecem a approvação desta camara. (Apoiados)

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu principio por declarar que nada tenho com o lado direito da camara, no sentido que indicam as frases do nobre deputado que me precedeu. Fui opposição, sou opposição, e, como tal, combali e combato tudo quanto achei e acho injusto, tudo que considerei e considero illegal, tudo quanto reputei e repillo desacerto, tudo quanto suppuz que prejudicava e prejudica o paiz. Já o nobre deputado vê qual tem sido e é o meu proceder, qual foi e é a minha linha de conducta. Vós, senhores, é que não podeis dizer outro tanto: approvais hoje o que então combatestes, o approvais o que então rejeitastes! Mas já que o nobre deputado se referiu aos pareceres que as commissões passadas deram sobre os requerimentos daquelles officiaes que se queixavam das reformas illegaes, folhêe o nobre deputado o Diario da Camara desse tempo, e lá verá que a minha voz não ficou silenciosa, e se levantou contra esses pareceres, assim como hoje se levanta contra o procedimento da commissão de guerra.

Sr. presidente, eu já aqui tenho declarado por muitas vezes, e torno a declarar novamente, que nada tenho com o passado. As minhas contas com o passado estão completamente saldadas, e demais talvez: não devo nada.

É preciso acabar, de uma vez por todas, com essas invocações ao passado para desculpar os erros e desacertos do presente. Essa invocação não mostra senão falla de razões e de argumentos para justificar o procedimento actual, em que só vejo escandalo sobre escandalo, desacerto sobre desacerto, erro sobre erro, injustiça sobre injustiça!... Eis a face do presente.

Sr. presidente, eu fiz o meu requerimento por vêr a desattenção com que a commissão de guerra tractava as reclamações dos officiaes que se queixavam de reformas illegaes, e de preterições injustas; e assim tambem o que era respectivo aos officiaes que foram demittidos por motivos politicos, ou que por estes ou outros se viram forçados ou constrangidos a pedirem as suas demissões, e que tem requerido ou não para entrar de novo no exercito: estas reclamações, estes objectos todos, eram ou estavam de facto indeferidos, porque a commisão de guerra não apresentava os competentes pareceres.

Ora se o meu requerimento contém expressões desabridas, se envolve uma acre censura á commissão de guerra, a culpa não é minha, é da propria commissão de guerra, e eu não tenho motivo para me arrepender disto; porque a commissão de guerra tendo em seu poder trabalhos já preparados da sessão passada, pois que a commissão militar da camara transacta linha tractado e resolvido quasi todos estes negocios; e achando-se a camara actual reunida ha seis mezes, não havia que justificar a demora da commissão de guerra em apresentar o seu parecer ácerca de cada um dos objectos mencionados nos requerimentos em discussão.

Agora, a prova de que o meu requerimento não é injusto, está no proprio deferimento de que a commissão de guerra lhe deu, satisfazendo plena e cabalmente a cada uma das suas partes. Não o posso retirar. Se o retirasse, poderia suppôr-se que eu o considerava injusto; e não o considerando eu tal, por modo algum o posso retirar: a camara rejeite-o: está no seu direito.

Sr. presidente, se a commissão de guerra não désse o parecer que apresentou agora, eu havia de trazer uma nova proposta pela qual forçosamente se havia de resolver a questão; e esta proposta ainda a apresentarei, se vir que o parecer da commissão é mais um paliativo, como tenho razão para suppôr, porque estou furto, fartissimo de promessas, tenho visto prometter muito o não cumprir nada; tenho visto fazer aqui declarações solemnes, e 24 horas depois contra-dizê-los em outro logar. Tenho ouvido dizer ao illustre ministro da fazenda, e aos deputados da maioria, que se paga a todos em dia, e é facto que os officiaes da convenção de Evora Monte que foram ultimamente admittidos ao exercito, e addidos ao batalhão de veteranos, estão em um atraso espantoso: ha uma desigualdade flagrante entre officiaes do mesmo corpo. E por estas e outras razões não posso confiar cegamente nas promessas do poder, nem nas dos membros da commissão de guerra; muito embora eu tenha muita consideração para com as suas pessoas: como homens politicos não ficam com a liberdade necessaria para darem a sua opinião conforme requer a razão e a justiçada paixão politica faz sustentar, e dizer, muitos absurdos ainda aos homens mais cordatos, justos, e até moraes: a paixão politica cega a razão. (Apoiados)

Concluo, sr. presidente, dizendo que não posso retirar o meu requerimento; retiral-o seria confessar que é injusto; e não é esta de certo a convicção em que estou — agradeço por ultimo, á illustre commissão de guerra a declaração que faz á camara, e a mim, de estarem completamente satisfeitas as tres recommendações do meu requerimento. As reformas illegaes vão ser emendadas; os officiaes injustamente preteridos vão ser promovidos aos postos a que teem direito, e os demittidos por motivos politicos, vão entrar para o exercito. Muito bem, e por isso me dou por satisfeito. Não é pouco o que a commissão faz: venha essa reparação, venha essa justiça, que já não é cedo.

O sr. Cesar de Vasconcellos: — Sr. presidente, pedi a palavra para agradecerá commissão de guerra as explicações que deu á camara, ácerca dos negocios sobre que eu pedia no meu requerimento, que se dignasse apresentar quanto antes o seu parecer. Na redacção que dei ao requerimento, tractei de andar de modo que não offendesse por fórma alguma os membros da illustre commissão de guerra; o meu fim não foi censurar a commissão, o meu fim unico foi excita-la a dar o seu parecer, sobre os negocios ali indicados; o meu requerimento nada tem de censura á illustre commissão de guerra. E nem o podia ter. A commissão de guerra encarregada de muitos trabalhos, tem sido uma das commissões que já tem apresentado bastantes, e resolvido muitos negocios, ainda que a maior parte delles sobre objectos de particulares; mas tem-os apresentado. Oxalá que algumas outras commissões tivessem apresentado tantos trabalhos como a commissão de guerra tem feito.

Não podia eu pois fazer censura nenhuma á illustre commissão de guerra. Sei mesmo que algum dos

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seus membro; se acha occupado n'um trabalho muito importante, e minto util para certa classe desvalida do exercito, e para o thesouro publico. Esse illustre membro da commissão de guerra teve a bondade de m'o mostrar; e eu pela idéa que faço delle, já que o nobre deputado appellou para o meu simples e insignificante testimunho, estimo ter esta occasião de declarar lealmente que tendo visto mui importantes trabalhos sobre monte-pios, ainda nenhum vi que me agradasse tanto, nem que fosse tão perfeito e tão completo. Ora o illustre deputado, membro da commissão de guerra, não havia de fazer tal trabalho sem gastar muito tempo, e muitas horas roubadas ao socego. Estimo pois dar este testimunho ao meu nobre amigo e camarada o sr. Placido: e de certo não sou eu, quem dá o merecimento a esses trabalhos, é sim a camara que os ha de avaliar na sua sabedoria.

Por conseguinte depois das declarações expressas que em nome da commissão de guerra acabou de fazer o seu relator; depois de promessas feitas com tal solemnidade, eu fazendo justiça a cada um dos illustres membros de que se compõe a commissão, não posso esperar que ella falte a este compromisso para com a camara, apresentando quanto antes o seu parecer.

O principal objecto era sobre as preterições. E ainda que nas explicações do illustre relator não fui tão feliz como o meu nobre amigo o sr. Cunha, porque, quanto ás exigencias deste sr. deputado, s. ex.ª disse que haviam de ser completamente satisfeitas, o que eu exijo ácerca do meu projecto é que a illustre commissão dê um parecer qualquer embora seja desfavoravel, depois a camara apreciará como melhor intender as razões com que a commissão fundamentar esse parecer. Como pois o illustre relator declarou que ha de ser apresentado nesta sessão, confio que o ha de ser, e eu satisfaço-me em que venha esse parecer especialmente sobre os officiaes reformados illegalmente, e sobre os officiaes demittidos por motivos politicos, que lembrei no meu requerimento; lembrando tambem o projecto relativo á restituição do sr. conde de Samodães, porque sou auctor desse projecto apresentado na sessão passada, e cuja iniciativa nesta renovei.

Portanto, como do meu requerimento não póde deprehender-se a menor censura a nenhum dos illustres membros da commissão de guerra, porque só tinha por fim excitar a sua actividade e o seu zelo para quanto antes apresentar um parecer sobre os negocios importantes que têem sido submettidos ao seu exame, não tenho duvida em retirar o meu requerimento, aliás satisfeito com a promessa que acabou de fazer a commissão por bocca do seu illustre relator, que, repito, é uma declaração importantissima feita á camara e ao paiz.

A camara consentiu que retirasse o requerimento.

O sr. J. J. da Silva Pereira: — Sr. presidente, o sr. Cezar de Vasconcellos, e o sr. Cunha fizeram dois requerimentos (ponho de parte as expressões de censura que nelles havia) o sr. Cezar de Vasconcellos retirou o seu requerimento convencido pelas razões da commissão de guerra, e confiado na sua promessa. O sr. Cunha mais moço, mais fogoso, e talvez movido mais da esperança de que os seus esforços sejam attendidos naquillo que julga justo e de facil resolução, não quiz retirar o seu requerimento. Mas eu pedia ao meu illustre amigo o sr. Cunha, que em vista dos desejos que a commissão tem mostrado de satisfazer ao seu requerimento, invocando a reflexão e considerando devidamente a circumstancia de que esta camara deve evitar quanto possivel todas as pendencias que a estorvem de preencher o seu fim e possam separar os seus membros da boa harmonia que entre elles deve reinar, peço, digo, ao meu illustre amigo que seguindo o exemplo do sr. Cezar de Vasconcellos retire o seu requerimento.

O sr. Cunha Sotto-Maior: = Sr. presidente, eu sou instado com tanto amor e carinho que lhe não posso resistir, e por isso deixo o meu proposito, e peço para retirar o meu requerimento. (Apoiado)

Permittiu-se-lhe que o retirasse.

E continuando as segundas leituras, mencionou-se o seguinte:

5.º Requerimento: — «Requeiro que a camara convide a commissão de legislação, para apresentar, quanto antes, o seu parecer sobre o projecto, que apresentei nesta casa, da reforma judiciaria, ou que, no caso de alguns de seus membros não poderem trabalhar naquella commissão, por pertencerem a outras, que o declarem á camara francamente, como o fez o sr. deputado Bazilio Alberto, para que a camara nomeie os srs. deputados que hão de substitui-los, visto que felizmente ha nesta camara muitos jurisconsultos, que não pertencem a commissão alguma.» — Cear de Vasconcellos.

Foi admittido.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Sr. presidente, pasmo de vêr que o meu illustre amigo o sr. deputado auctor desse requerimento, que conheci sempre circunspecto, prudente e attencioso, nesta sessão seja tão desabrido, rigido e injusto censor da commissão de legislação. Parece que ha alguma cousa mysteriosa neste requerimento que leva o illustre deputado a tão excessivo zêlo. O tempo o demonstrará.

Eu por mim estou resignado a acceitar qualquer censura merecida da camara, e a vêr retirar a confiança que depositou em mim para fazer parte das commissões a que pertenço, mas não estou disposto a acceitar a censura do illustre deputado, nem a reconhecer o direito de fiscalisação que cada um dos nobres deputados se tem arrogado de censurar as commissões; pelo menos este direito nunca foi exercido nesta camara desde que tenho a honra de occupar uma cadeira no parlamento.

Uma de duas — ou o illustre deputado póde avaliar a importancia dos trabalhos submettidos ao exame da commissão de legislação, e é minha opinião que póde e muito bem, ou não póde — se póde avaliar o que é uma reforma judicial especialmente no ramo orfanológico, estou certo que o nobre deputado tão zeloso como é nas cousas publicas, não ha-de recusar-se a vir tomar parte nos trabalhos da commissão e ajudal-a, e eu peço a v. ex.ª consinta que o nobre deputado se associe aos membros da commissão de legislação para os auxiliar, porque a commissão ha-de aprender de muita boa vontade a dirigir-se nos meios de apresentar em poucos dias a reforma do processo crime e civel.

Mas se o nobre deputado não póde avaliar perfeitamente esse trabalho, permittir-me-ha dizer que foi indiscreto nas censuras e aggressões que á commissão dirigiu.

Sr. presidente, a commissão de legislação tem sido encarregada de diversos trabalhos importantissimos

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ella intendeu que devia começar por aquelle em que vinha involvido mais interesse para este paiz, qual é — a lei dos morgados — e este trabalho para quem o sabe avaliar, só de per si seria bastante para que a commissão não podesse ser arguida de descuidada. A commissão não se contentou com isto, tem attendido a outros trabalhos que lhe foram presentes, e particularmente sobre o negocio de que tracta o requerimento do illustre deputado. Já começou o exame da reforma judicial, e se o nobre deputado se quizer dar ao trabalho de ir á commissão, alli poderá vêr, porque consta das actas, quantos dias a commissão tem trabalhado sobre essa reforma judicial; mas este trabalho é de muita importancia, demanda muito cuidado e reflexão, e não é obra que se faça de um dia para o outro; e eu em nome da commissão já declaro que ella não póde, nesta sessão, apresentar trabalho completo sobre este assumpto.

A commissão, e eu particularmente, estou disposto a receber da camara qualquer censura que ella lhe faça; a commissão de legislação está disposta a acceitar que esta camara lhe retire a confiança que nella depositou, mas não está disposta a acceitar censuras do illustre deputado, e peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a commissão de legislação ainda merece ou não a sua confiança, porque sem isso a commissão está inhibida de poder funccionar.

O sr. Cezar de Vasconcellos: — Eu começarei por onde começou o illustre deputado. Pasmo de vêr que o illustre deputado, que eu sempre considerei como um homem sizudo, como um homem prudente e como um homem delicado, neste momento desse um desmentido de todas estas boas qualidades que eu lhe suppunha. Sinto que o illustre deputado me fizesse uma insinuação que não posso soffrer nem ao sr. deputado nem a nenhum outro, porque eu assim como sou homem bem educado, assim como nunca dirijo palavra alguma offensiva aos meus collegas, tenho esforço sufficiente para repellir uma insinuação que parece impossivel saisse da boca de um homem prudente, de um homem que tem passado por serio!... Disse o illustre deputado, que a minha insistencia neste negocio era misteriosa!...

Sr. presidente, aqui e em toda a parte posso sempre apresentar-me a salvo de similhantes insinuações, posso fallar alto, e se quizesse imitar o exemplo do illustre deputado pudera talvez....; mas da minha boca não sáem taes expressões; porque não as sei proferir sem ter na mão provas para fazer accusações de similhante gravidade.

Pasmo, sr. presidente, repito, pasmo de vêr que de um homem serio, de um homem que quer passar por sizudo e tem passado até hoje, saissem similhantes expressões; tanto póde.... não digo mais nada.

Sr. presidente, disse o illustre deputado, que o negocio do meu projecto é grave, que é um negocio de reforma judiciaria e do processo criminal. Ora eu creio que depois do codigo penal estar encarregado a uma commissão para o rever e para propôr as reformas necessarias no processo criminal, não havia nada mais natural do que a commissão, para assim dizer, expurgar o meu projecto de todas as provisões que existiam nelle sobre a reforma criminal e então mais simples ficava o projecto. E permitta-me o nobre deputado que eu não acredite nas difficuldades que apresenta para justificar a não apresentação do parecer, porque com quanto não seja competente para entrar com miudeza n'uma discussão de reforma judiciaria, tenho uma razão, e posso emittir a minha opinião ácerca do assumpto, assim como o nobre deputado e outros a emittem a respeito de objectos militares e de outros estranhos á sua profissão.

Portanto eu não acredito nas difficuldades que apresenta o nobre deputado. Se soubesse que a commissão se tinha occupado instantemente do assumpto e que não tinha apresentado o seu parecer por isso não lhe ser possivel, diria eu — tem razão o illustre deputado —; mas eu sei por alguns membros da commissão de legislação que me merecem tanto conceito como o illustre deputado, que ella se tem occupado de alguns artigos, discutindo largamente alguns que, na minha opinião, não precisavam dessa discussão, porque a sua conveniencia é de todos reconhecida. E quantas reuniões tem tido a commissão de legislação para tractar deste negocio, já que o nobre deputado me chama a este campo!

O que é verdade, sr. presidente, é como disse o sr. Corrêa Caldeira, que quasi não se póde pedir a uma commissão que apresente o resultado dos seus trabalhos sem logo se escandalisar e offender: tudo são susceptibilidades. Pois eu sou apenas membro da commissão de obras publicas, e peçam os nobres deputados todos os dias que essa commissão apresente o resultado dos seus trabalhos, que nunca me hei-de escandalisar com isso. Mas o nobre deputado intendeu que eu tinha feito um grande insulto á commissão de legislação; pois saiba o nobre deputado que alguns cavalheiros tambem membros da commissão me tem dicto, que umas vezes não se tem reunido porque foram para tal commissão, outras vezes porque não houve numero, e diz o nobre deputado que a commissão tem tido um trabalho insano, que a materia é difficilima e de summa gravidade!.. Se alguns membros da commissão de legislação pertencem a outras commissões, e se por isso não podem trabalhar na de legislação, declarem-no francamente como fez o sr. Bazilio Alberto, o qual disse que pertencia a tres commissões, e que não podia ir á de legislação; isso intendo eu, isso é portuguez.

Sr. presidente, peço desculpa á camara de alguma expressão um pouco forte de que lenha usado, e de que não costumo usar nesta casa, mas não podia deixar de o fazer em vista da insinuação pouco cavalheira, nada cavalheira do illustre deputado por eu exigir o parecer da commissão de legislação sobre o meu projecto, que tem por fim o processo gratuito dos inventarios que não excedam a 40 mil réis, conforme estabelecia o sr. Seabra no decreto de 7 de agosto do anno passado; não venho defender interesses de grandes da terra, venho defender uma classe de infelizes, porque Lodos os annos em que essa idéa deixa de ser convertida em lei, são outras tantas fortunas que vão para os escrivães e para os juizes, sem elles terem culpa nenhuma nisso. (Apoiados) Eu invoco o testimunho de magistrados respeitaveis que são juizes, todos elles sabem muito bem que todas as fortunas pequenas não chegam para as despezas do inventario.

Peço á camara que me desculpe se porventura usei de alguma expressão mais forte, mas provocada pela insinuação pouco cavalheira que se me fez, sobretudo quando o meu fim, insistindo pelo parecer sobre o meu projecto, é favorecer uma classe de infelizes como

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a dos orfãos, cujas fortunas, quando pequenas, não chegam para as despezas dos inventarios.

O sr. Presidente: — Devo advertir que já deu a hora designada para se entrar na ordem do dia; por consequencia fica este incidente pendente para a sessão seguinte.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Peço que me seja concedida a palavra para uma explicação.

O sr. Presidente: — Eu não lha posso conceder, sem que a camara o resolva.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Pois consulte V. ex.ª a camara.

A camara decidiu affirmativamente.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Sr. presidente, eu desde que tenho a honra de ser deputado nunca dirigi palavra ou expressão alguma offensiva aos meus collegas, e invoco a este respeito o testimunho de todos aquelles que nesta e nas passadas sessões legislativas têem sido comigo deputados; (Apoiados) nem agora quando me dirigi ao illustre deputado, meu amigo o sr. Cezar de Vasconcellos, tive intenção alguma de o offender; e se o illustre deputado intendeu que as minhas expressões se dirigiam a esse fim, dou-lhe todas as satisfações necessarias para que não fique intendendo uma cousa que assim não é.

Eu o que disse, e ainda repito, é, que tendo o illustre deputado empregado differentes vezes contra a commissão de legislação expressões que não costumou nunca empregar, e tendo provocado a commissão de legislação, pareceu-me que o illustre deputado pensaria que havia algumas outras causas que não fossem motivo justo da parte da commissão: não attribui que essas provocações do illustre deputado viessem de algumas outras causas, nem estou persuadido de que algumas outras causas existam, nem de certo existem.

Parece-me que o illustre deputado deve ficar satisfeito com esta declaração que faço. (Vozes: — Muito bem)

O sr. Julio Pimentel: — Pedi a palavra para apresentar um parecer da commissão de instrucção publica. (Leu)

Ficou para opportunamente se tomar em conta.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Ficou para se lhe dar destino na sessão seguinte.

O sr. Placido de Abreu: — Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação: — «Pertendemos interpellar o sr. ministro das obras publicas, ácerca da necessidade de se resolverem as questões pendentes sobre a directriz da estrada do Porto a Guimarães por Santo Thyrso; fazendo-lhe sentir ao mesmo tempo a necessidade de se mandarem continuar immediatamente os trabalhos de construcção da dicta estrada, segundo o contracto feito com a companhia — Viação Portuense. — Placido de Abreu — Cyrillo Machado.

Mandou-se fazer a communicação.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do orçamento da despeza da junta do credito publico.

Encargos da divida interna.

Cap. 2.º — juros 1.202:364$795 réis.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Não me parece que

se possa começar esta discussão sem estar presente o sr. ministro competente. Como se ha-de discutir o orçamento estando os bancos do ministerio vasios? Por consequencia proponho o adiamento. E não é em relação a mim, porque tenho muitissimo poucas observações a fazer, mas intendo que não é nada constitucional nem parlamentar estar uma camara de deputados a discutir o orçamento na ausencia completa dos ministros. Elles sabiam muito bem que se discutia o orçamento: se não estão aqui, é porque não podem ou porque não querem; se não podem, não temos culpa disso, se não querem não podemos fazer-lhes a vontade. Deve pois adiar-se a discussão do orçamento até que venha algum sr. ministro.

Foi apoiado — E logo approvado.

O sr. Presidente: — Passa-se ao incidente que se interrompeu, do requerimento do sr. Cezar de Vasconcellos.

O sr. Ferreira de Castro: — (Sobre a ordem).

Peço a v. ex.ª consulte a camara sobre se este incidente está discutido, a fim de se passar á ordem do dia, ou a outros trabalhos.

Julgou-se discutido — E pondo-se logo á votação o Requerimento do sr. Cezar de Vasconcellos em duas partes:

1.ª parte até ás palavras — reforma judiciaria — foi approvada.

2.ª parte até ao fim — rejeitada.

E como se achasse já presente o sr. ministro da fazenda, entrou-se na ordem do dia.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, continuando o meu discurso direi mui poucas palavras á camara.

Eu disse na sessão passada que pedira a palavra com a condição de poder sair fóra da ordem e de me desmandar como tinham feito os deputados que fallaram antes de mim; mas que pensando melhor sobrestaria nessa resolução, que, até certo ponto, foi concedida pela camara, porque tolerou o precedente, e os precedentes nesta casa constituem certa especie de direito; e eu podia socorrer-me a esse direito como tinham feito sem auctorisação alguma os deputados que me precederam: não quiz.

Sr. presidente, não espero que as minhas palavras e as minhas reflexões demovam do orçamento a mais pequena verba de despeza que lá está, por consequencia não quero locar neste assumpto; mas o illustre ministro da fazenda e alguns dos deputados que fallaram nesta questão, ou a favor ou contra, referiram -se a certas transacções offerecidas, propostas, ou entaboladas com o banco; e eu declaro francamente á camara que não acredito nessas transacções, o não acredito por honra da camara, por honra do paiz, por honra do governo, e por honra dos cavalheiros que directa ou indirectamente entrassem nellas. Sr. presidente, não creio ser possivel, não acho justo, não julgo sensato, intendo que é fallar a todas as indicações do brio e pundonor, procurar o governo uma especie de conciliação qualquer com o banco, quando veiu aqui a esta camara, e não contente de vir a esta camara passou á outra, e declarou que o banco era um estabelecimento altamente lesivo para o paiz, que era um fóco de grande agiotagem, a usura desgrenhada, que tinha roubado o estado, e que era composto na maior parte de homens que não davam garantias ao estabelecimento, e de cuja probidade particular até se podia duvidar (O sr. ministro da Fa-

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zenda: — Da probidade particular não), Isto disse-se aqui na camara, escreveu-se em jornaes, disse-se na camara dos pares, disse-se por todos os modos e maneiras, não houve frase severa, não houve pensamento desabrido, insinuação calumniosa, não houve termo baixo, expressão rasteira que se não accumulasse aqui contra o banco. O banco, sr. presidente, foi em summa declarado officialmente pelo governo como uma caverna de ladrões, e o banco declarou pela sua parte que o governo era espoliador. (O sr. Ministro da Fazenda: — Protesto contra a expressão, eu não a pronunciei). Agora póde protestar; mas verba volant, e scripta maneut é o dito dos latinos. Eu sei de muita gente que quer rei irar as suas palavras e modificar as suas opiniões; mas temos o diario da camara, temos o Diario do Governo, e lemos varios jornaes em que estas palavras, estas expressães benignas a favor do banco estão expendidas. Disse-se que o banco era a usura desgrenhada, que levou por um pequeno emprestimo 17 por cento, que os emprestimos de 35 eram um roubo manifesto; que o banco não satisfazia nenhuma das indicações para que fôra creado, que era prenicioso ao paiz: e o banco declarou por sua parte, que o governo era um grande espoliador. Chegadas pois as cousas a estas alturas, como na minha humilde opinião ha injurias que se não esquecem, crimes que se não perdoam, e aggravos que se não devem riscar da memoria, não acredito que o governo tenha procurado entrar em transacções com o banco, nem isto é crivel apezar de dizer o dictado — Deus os fez, Deus os ajuntou; porque se o banco é ladrão, e o governo espoliador, desde o momento em que um se ajuntava com o outro, a cousa ficava perfeitamente nivelada. (Riso)

Sr. presidente, é um facto incontestavel que se pertendeu estabelecer certas transacções com o banco, que se entabolaram negociações para o banco vir a um accôrdo com o governo; essas transações não pódem ler por fim senão a modificação dos decretos da dictadura que feriram aquelle estabelecimento nos seus interesses; ora no momento em que o banco conseguir a modificação dos decretos da dictadura, o governo declara por este seu passo, que obrou mal promulgando aquelles decretos: se o governo obrou mal, o banco linha razão, não devia perdoar ao governo os aggravos que delle recebeu; e o proceder logico do governo neste caso seria não continuar a gerir os negocios publicos. Isto e a cousa mais logica que ha neste mundo. Porém como já disse, não acredito na existencia de similhante transacção; não a póde haver, nem a deve haver; e no momento em que o banco viesse a um accôrdo com o governo, não sendo o resultado desse accôrdo a revogação dos decretos que mais feriram aquelle estabelecimento, o banco dava um passo erradissimo, e compromettia séria e fatalmente os interesses que lhe estam confiados: e eu consideraria como a cousa mais vergonhoza, e de que mais me arrependeria, o discurso que na camara fiz a favor do banco.

Não posso deixar de fazer brevissimas reflexões sobre uma fraze que ouvi aqui proferir. Estou resolvido a não admirar-me de cousa alguma; mas o que nunca esperei, foi ouvir nesta casa, que não são possiveis as economias, e isto depois de certo partido ter apregoado calorosamente a impreterivel precizão de fazer com que a cifra da despeza entrasse precisamente na cifra da receita; considerando este pensamento como

condição sine qua non, da organisação financeira, a ponto de tirar do thesouro o pagamento das congruas dos parochos, fazendo com que estes andem com uma alcofa do sr. Jesus dos Terremotos (Riso) pelas portas dos seus parochianos; como se o povo não continuasse a pagar da mesma maneira que pagava antecedentemente, com a differença de que a somma que o povo paga, em vez de entrar directamente para o thesouro, entra para a alcofa do parocho. Mas se as economias não são precisas, ao menos não se estranhe que eu peça melhor applicação da receita.

Feitas estas observações, não tenho mais nada a accrescentar: quero dar á camara um testimunho de que não pretendo protrair a questão; mas não podia ficar quedo, é impossivel, ao ouvir ao sr. ministro da fazenda, e ao illustre deputado por Lisboa, por mais de uma vez, que havia transacção com o banco. No momento, sr. presidente, em que o banco vier a um accôrdo com o governo, não sendo esse accôrdo o resultado da revogação dos decretos que mais feriram aquelle estabelecimento, o banco, repito, dá um passo erradissimo, e compromette seriamente os seus interesses. Os meus votos não são para que o banco se accorde com o governo: porém se tal acontecer, eu prometto a v. ex.ª e á camara de ir ao Limoeiro vestido como um penitente e peccador, pedir ao carrasco que vá queimar o discurso que proferi a favor do banco, no caes do Tojo; porque será o acto da minha vida de que mais me envergonharia.

Sr. presidente, esta cifra que se discute é muito minha conhecida, acho-a hoje como a encontrei ha 10 annos; porque este orçamento é o mesmo que os orçamentos passados. Dizia-se então muito mal desses orçamentos, que tinham muitos defeitos; mas o caso é que hoje não os corrigiram, e o actual appareço com os mesmos defeitos e vicios.

Diz-se que este orçamento é fomentador — eu até gosto da palavra, porque é pouca usada na nossa frazeologia; mas se o orçamento é agora fomentador, fomentadores têem sido os orçamentos anteriores, sendo este apenas a cópia delles. Mas como tenho sempre votado contra todos os orçamentos anteriores, não posso hoje deixar do votar contra este.

Quando se discutir o ministerio da guerra que é o panchresto de todas as nossas questões financeiras, eu mostrarei que é possivel fazer grandes reducções; mostrarei que o paiz tem sido embalado com promessas muito pompozas que se não tem cumprido, e que se não hão de cumprir: por exemplo, clamou-se por muito tempo pela separação das obras publicas do ministerio do reino, porque o ministerio do reino não podia satisfazer a esta accumulação de trabalhos, o creando-se um ministerio de obras publicas com o fim de alliviar o ministro do reino de trabalhos de que não podia dar conta, entregou-se aquelle ministerio ao sr. ministro da fazenda, cuja pasta é talvez mais laboriosa que a do reino!.... Dir-se-ha que o sr. ministro da fazenda está encarregado provisoriamente do ministerio das obras publicas; mas um estado provisorio que dura 1 anno ou 2, póde durar 4 ou 5, o eternamente.

Eu acredito no talento do sr. ministro e no dos meus adversarios, e quando estes o não têem, dou tractos á minha imaginação para lho dar; se o meu adversario é um estupido, é um mentecapto não discuto com elle, porque não me honra a lucta: lá fóra algumas vezes me tem isto acontecido, aqui nunca,

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porque reconheço que está aqui uma reunião muito illustrada de cavalheiros dotados das mais amplas faculdades intellectuaes; mas se aqui estivesse argumentando um homem dotado de insignificantes dotes intellectuaes, eu fingia que esse homem era um Mirabeau e punha-o numa grande peanha, porque queria que todos pensassem que travava a lucta comum grande heroe.

Não quero tomar mais tempo á camara, e declaro a v. ex. que continuo a votar contra o orçamento por um principio de coherencia, porque tenho votado constantemente contra, e não vejo razão para votar a favor. Se visse o meu paiz mais bem organisado, se visse que os interesses materiaes íam por diante, que ía por diante o caminho de ferro de leste, os vapores para Angola, as escólas agricolas et coetera, votava a favor, mas o que vejo é tudo no papel, o que ouço é promessas pompozas, promessas muitissimo solemnes feitas com um tal entono e arrogancia que é de metter uma pessoa vinte braças abaixo do chão; e quando se põem em duvida estes beneficios, aqui d'el-rei que é cabralista! Porque aquelle que não quizer acreditar estes senhores, é cabralista, quer o conde de Thomar! Devemos acreditar estes senhores com as suas palavras de caminho de ferro no papel, com o correio geral que se vai mudar do largo do Calhariz para a alfandega, mas que está ainda no mesmo logar, como os vapores que deviam partir para Angola, mas que não partem, com estradas que deviam cortar o paiz, mas que não se fazem, com os rios canalisados que nunca se canalisam, com escólas agricolas que não funccionam, com um ministerio de obras publicas em separado que não se separa, com a suppressão do ministerio dos negocios estrangeiros em um dia e com a sua indicação em outro dia; devemos acreditar tudo isso, que está no papel para enganar os incautos! Agora fecha-se a camara, e depois é aberta em 15 de novembro para se rescindir então o contracto do tabaco; mas naturalmente a 15 de novembro não se abre, desconfio isso, e tenho razão ate certo ponto para desconfiar, e fica para 2 de janeiro, chega o dia 2 de janeiro ha interpellações, ha orçamento, e era uma vez a rescisão do contracto do tabaco, e no entretanto os caixas lá estão pares do reino: esta é que foi a grande cousa. E não cuidem que se fallo em serem os caixas do contracto pares do reino, e por sentimento mesquinho de inveja: se acaso fôr necessario para affastar tal supposição da minha pessoa, farei uma concessão, porque estou em maré de grandes condescendencias, estou prompto a dar aos meus adversarios todas as armas para me convencerem: eu quero que se fique intendendo de uma maneira irrefragavel — nem espero ter carta de conselho, nem ser barão; e agora se me apertam muito tambem declaro que já não tenho muita vontade de ser par do reino; e se querem que me engaje com escriptura publica num tabellião, tambem o faço. (Riso) Carta de conselho e barão, não quero. E mesmo visconde não o quero ser: (Riso) dou a minha palavra de honra. E se acaso o pariato continuar a ser como vai sendo, tambem declaro que resigno á candidatura de par do reino. Por consequencia já a camara vê que não fallo nisto por inveja, mas porque considero o negocio do contracto como uma grande aberração politica, e um grande erro governamental, que veiu lançar mais illusão neste pobre paiz, já tão illudido.

O sr. Pereira Menezes: — Peço a v. ex. consulte a camara sobre se a materia está sufficientemente discutida.

Decidiu-se affirmativamente — E pondo-se logo á votação o

Capitulo 2. — foi approvado. Passou-se ao seguinte

Capitulo 3. — Diversos encargos — 3:400$000 réis.

O sr. Presidente: — Eu lembro novamente aos srs. deputados que a discussão na especialidade limita-se a approvar ou não a verba consignada nos capitulos, ou a propôr o seu augmento ou diminuição.

E pondo-se logo á votação o

Capitulo 3.º — foi approvado.

ENCARGOS DA DIVIDA EXTERNA.

Capitulo 4.º — Despeza com a commissão de agencia em Londres — 7:549$090 réis. Foi logo approvado.

Capitulo 5.º — Juros — 1:407:386$920 réis.

O sr. Avila: — Sr. presidente, o governo descreveu no orçamento os encargos resultantes do capitulo em discussão, em relação unicamente aos juros da divida externa, na quantia de 1.342:533$902 réis, e a illustre commissão de fazenda intendeu, que não devia unicamente descrever estes encargos, mas tambem juntar-lhe a verba estabelecida por lei para a amortisação. Intendo que esta verba foi bem descripta, embora a illustre commissão conte descrever na receita a importancia de 61:853$018 réis, que aqui propõe a mais, e que é a importancia da verba destinada para essa amortisação.

Parece-me tambem, que a illustre commissão foi deste modo remover um dos embaraços, em que o governo necessariamente se ha de ter encontrado a respeito desta divida, e sobre este ponto pedirei a attenção do sr. ministro da fazenda.

O decreto de 18 de dezembro de 1852 reduziu os juros da divida externa em harmonia com a conversão estabelecida em Portugal, a 3 por cento: mas é necessario advertir, que a conversão feita em Portugal leve um caracter muito differente. Em Portugal deduzia-se 25 por cento, e o governo por decreto de 18 de dezembro elevou esta deducção a 40 por cento: de maneira que a conversão feita em Portugal leve por base reduzir o juro de toda a divida a 3 quintos; para o que os titulos de 5 por cento foram trocados por titulos de 3 por cento ao par; os titulos de 4 por cento foram trocados por titulos de 3 por cento, dando-se 80 por cento destes por cada 100 daquelles; e assim progressivamente para os outros titulos de juro mais baixo.

Em Inglaterra só se deduziram 25 por cento, dando-se titulos de 3 por cento ao par pelos titulos de 4 por cento, e compensando aos possuidores dos titulos da escala ascendente pelo que deixaram de receber no quadriennio de 1845-1848 por não terem annuido á conversão de 1845.

Apezar disso os nossos credores estrangeiros não acceitaram a conversão, e intenderam que o governo não tinha auctoridade para a fazer sem sua annuencia, e negaram até ao corpo legislativo a auctoridade para approvar esse acto practicado pelo governo. E no Times, em resposta a um annuncio da Agencia Financial em Londres, para que os possuidores da divida portugueza fossem capitalisar os coupon dos 4

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semestres em divida, o para receberem o juro do capital correspondente a estes 4 semestres, o Stock-Exchange publicou outro annuncio assignado pelo seu secretario, prevenindo a todos os possuidores de titulos de divida portugueza, que cortassem os coupons dos 4 semestres, ou que annuirem a trocar os titulos velhos pelos titulos mandados crear pelo decreto de 10 de dezembro, que os seus fundos não haviam de ser cotados em qualquer destas duas hypotheses. O facto depois provou, que esta ameaça produziu os seus resultados, pois estou informado de que os lindos cujos coupons dos 4 semestres haviam sido coitados, não só não foram colados, mas tem ate um preço muito inferior comparativamente ao dos outros titulos.

Esta situação é tal, que o governo não póde deixar de ler já sentido os seus inconvenientes. Desde o principio dei logo a este estado de cousas a mesma importancia que ainda hoje lhe dou. Eu disse n'uma occasião em que se tractou deste negocio, e repito-o agora porque intendo, que da mesma maneira que é conveniente sustentar na tribuna os bons principios, por isso que isto ajuda o governo em todas as transacções que elle quizer fazer, tambem estou convencido de que se devem repellir no parlamento todas as pertenções injustas; porque o governo fica assim mais forte para se oppôr a ellas. Eu disse já nesta camara, que o primeiro interdicto que appareceu na praça de Londres contra Portugal, teve por motivo o ter sido hypothecado para o caminho de ferro o imposto das notas, que este interdicto, isto é, a resolução adoptada pelo Stoch-Exchange, de não colar as acções do caminho de ferro, não tinha, na minha opinião, fundamento algum; porque o imposto das notas é um imposto especial, creado para um fim especial, e que por isso não póde estar hypothecado como estão os rendimentos das alfandegas, ao pagamento dos juros da divida externa. Todos sabem que o imposto das notas é um imposto especial lançado sobre todas as contribuições na época do seu pagamento, e que este imposto tem por pensamento unico, obrigar o contribuinte, na occasião em que satisfaz as suas contribuições, a pagar mais 10 por cento em notas para a amortisação dellas; e por consequencia não é um imposto especial sobre as alfandegas que esteja sujeito aos contractos, que prendem os rendimentos das alfandegas á divida externa. Não houve, por consequencia, razão nenhuma da parte do Stoch-Exchange, quando declarou que elle não colaria as acções do caminho de ferro em quanto o governo não reformasse a legislação pela qual tinha hypothecado o imposto das notas para os encargos do mesmo caminho.

Esta declaração do Stock-Exchange não póde justificar-se, e o governo fez bem se a repelliu, como creio que repelliu; mas já não está no mesmo caso a outra declaração que fez o Stock-Exchange, e que tem por fundamento o decreto de 18 de dezembro, pelo qual o governo reduziu, sem accordo com os credores, o juro da divida externa. O Stock-Exchange, quanto a mim, leve razão quando intendeu, que o governo não tinha auctoridade para fazer uma reducção nos juros da divida externa sem o previo consentimento dos credores: e por isso fez opposição que podia a esta medida, declarando, que não colaria o novo fundo, que se creava para trocar os velhos fundos, nem colaria mesmo os velhos fundos, a que se tivessem cortado os coupons dos 4 semestres que o governo queria capitalisar. Esta declaração fez muito mal, e estou persuadido de que é do interesse do governo que os seus effeitos cessem quanto antes, revogando-se a mesma declaração. E assim como intendo que o governo deve repellir as pertenções injustas do Stock Exchange, intendo tambem que deve ceder áquellas que forem justas, sem com tudo comprometter a sua dignidade.

Consta-me que o governo encarregara um funcionario de ir a Londres para tractar sobre este objecto com o Stock-Exchange. Esta noticia foi dada nos jornaes estrangeiros e portuguezes; eu desejava que o sr. ministro desse sobre este objecto algumas explicações, que eu julgo que devem dar-se Ornou fim, quando provoco estas explicações, é puramente manifestar ao governo e á camara, que eu intendo ser muito conveniente e necessario fazer desapparecer quanto antes essa desintelligencia que existe entre o governo portuguez e a praça de Londres: o desde já asseguro aos srs. ministros, que podem contar com o meu apoio para todas as medidas que tiverem por fim levantar o interdicto do Stock-Exchange, que já tem produzido e ha de continuar a produzir graves inconvenientes para o nosso credito.

Não me parece provavel que o funccionario que partiu para Inglaterra, fosse encarregado de propôr a manutenção do decreto de 18 de dezembro, porque nesse caso era inutil lá ir: logo não podia propôr aos credores senão uma medida mais favoravel para elles e nesta hypothese é evidente que o governo nada póde fazer sem auctorisação do corpo legislativo, por que o decreto de 18 de dezembro é já uma lei do estado, e por tanto só por outra lei póde ser revogado.

Desejo por consequencia, que o sr. ministro da fazenda tenha a bondade de dar a este respeito explicações á camara, caso que s. ex.ª intenda poder falei-o sem compromettimento, e sobre tudo, quero manifestar a s. ex.ª que me ha de encontrar a seu lado, e a favor de todas as medidas que adoptar para que esta desintelligencia cesse: bem como já manifestei diante da camara e do illustre ministro, o desejo que me anima de ver cessar a desintelligencia, que existe entre o governo e o banco de Portugal. E do interesse do governo, e de todos, que sejam resolvidas durante esta sessão, as difficuldades que se teem levantado entre o governo e os credores externos, entre o governo e o banco.

O sr. Carlos Bento — A questão de que se tracta, é uma questão grave e importante. Pelo capitulo em discussão vê-se que o governo teve um pensamento que não posso deixar de approvar em geral, qual é o de fazer economias. O governa intendeu dever ser economico, por que na verdade a verba que se apresenta, não é outra conga mais do que a verba dos nossos juros da divida capitalisada externa, feita a deducção que se intendeu indispensavel, e essa deducção não é senão uma economia. Já por aqui vê a camara que o systema das economias, não está ainda de todo abandonado.

É porém certo, sr. presidente, que, apesar das grandes economias levadas a effeito na reducção dos juros, a experiencia se encarregou do demonstrar que as successivas medidas adoptadas pelo governo portuguez a respeito da divida fundada interna e externa, não foram as mais convenientes, nem mesmo

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as mais economicas. E neste ponto, ninguem desconhece a doutrina de uma certa escola que intende possivel levar a effeito a realisação de um systema qualquer, ou os melhoramentos materiaes de um paiz, em que não haja credito: ainda em paiz algum que não fosse favorecido pelo credito, teve logar a realisação de similhantes melhoramentos.

Por consequencia, sr. presidente, parece-me que em más circumstancias foram adoptadas algumas medidas, tendentes ao desenvolvimento e prosperidade do paiz. Todos sabem que a riqueza publica, e o progresso de uma nação, não provém se não dos capitaes: os capitaes não são se não economias, o capital é a economia, nem ha outra geração do capital, senão por meio da economia. O proprio credito contribue muito efficazmente, para o melhoramento de um povo, e para a civilisação de um paiz. Digo pois, que me parece haver motivo para se duvidar da efficacia de algumas medidas adoptadas, attentas as circumstancias em que o foram, e muito principalmente quando dellas já tem resultado embaraços. A palavra fomento que constantemente se tem visto empregar, parece-me que se devia trocar por outra, por que na verdade ella não tem feito muita fortuna: e ainda que, um illustre deputado quiz achar a genealogia do fomento, eu ainda assim, não me recordo qual seja a data do seu apparecimento no mundo economico.

Diz-se que se tracta alguma cousa a respeito da modificação destas medidas. Intendo que se assim é, o governo neste ponto procede muito curialmente, vendo se póde modificar os inconvenientes de algumas dessas medidas que adoptou: nisto não mostra o governo tenacidade em querer levar avante uma medida que reconhece não ser a mais conveniente; mostra pelo contrario, desejos de acertar. O que isto prova em quanto a mim, é que o tempo mostrou aos srs. ministros que das medidas por ss. ex.ªs adoptadas, se não seguiram aquelles bens que ss. ex.ªs esperavam.

E nesta parte, visto que alguem disse que retirava todas as expressões que dirigira a favor do banco, se acaso se levasse a effeito a conciliação de que se falla entre elle e o governo, sem que primeiramente fossem revogados os decretos que mais feriram aquelle estabelecimento, peço licença para dizer, que, muito estimarei que esta conciliação venha a ter logar. O governo sabe muito bem que eu já tractei quanto pude de vêr se essa conciliação se podia levar a effeito, isto em uma época em que alguns serviços podia prestar, porque, vindo de fóra, nestas circumstancias, era completamente alheio ao deploravel systema de hostilidades que vim achar em Portugal.

Não sou suspeito quando disser que estimo muito que esta conciliação venha a estabelecer-se, e que seja favoravel tanto para o governo como para o estabelecimento. Esta hostilidade é desagradavel, e não acredito no systema de trazer o capitaes ás emprezas uteis, pelo emprego do terror e da violencia: não julgo que o systema do terror se deva substituir pelo da confiança: o terror não póde de modo nenhum dar credito.

Eu, sr. presidente, não me refiro aos srs. ministros, mas devo dizer a ss. ex.ªs que ha uma circumstancia deploravel. Quando o governo adopta muitas vezes uma medida, para assim dizer forçado: quando adopta essa medida em consequencia de imperiosas necessidades, ella tem ás vezes commentarios desgraçados, porque se diz que foi adoptada pelos srs. ministros como um acto de satisfação a certos principios enthusiasticos.

Não acredito que os srs. ministros quando são obrigados a fazer côrtes nos ordenados, ou a reduzir os juros, o façam por ter horror aos capitaes: ha escolas que teem sustentado estas e outras doutrinas, as quaes muito tem feito recuar a sociedade: póde ser que nos seculos futuros ellas possam ser adoptadas, mas no seculo actual, digo que similhantes doutrinas teem feito recuar a sociedade no sentido economico e politico.

O sr. Presidente — Peço licença para observar que não podemos estar tractando constantemente da discussão geral.

O Orador: — Eu acceito a observação de v. ex.ª, mas confesso que me acho alguma cousa incommodado no modo de exprimir as minhas idéas; vejo mais importancia na verba em discussão do que á primeira vista parece. Tracta-se de reduzir os juros da divida fundada, e parece-me que não é este um objecto de pouca importancia, nem que a elle se não liguem muitas considerações dignas de se apresentarem nesta camara.

Não se diga pois que os factos consummados, as votações da camara, e a lei do paiz, já deram logar á discussão deste objecto; se isto fosse verdade, se não houvesse boal os de que o governo tracta de modificar a legislação...

O sr. Presidente — Permitta-me o illustre deputado lhe diga que de que se tracta, é da divida externa, e que, quanto á interna essa já está approvada pela camara.

O Orador: — O illustre ministro fez tambem uma differença entre a divida interna e externa; fez bem, e na minha opinião s. ex.ª tinha motivos para a fazer. Ainda que me parece uma grave desigualdade, e o seja, tractar differentemente os credores da divida interna, a respeito dos da divida externa, não se subtrahem á minha consideração os motivos que o illustre ministro tinha para o fazer.

Sr. presidente, os credores da divida externa mesmo quando são tractados desigualmente, se por acazo das medidas que se puzeram em practica, se seguissem grandes vantagens, eram os primeiros interessados nella: tinham o exclusivo da posse das vantagens que podiam locar aos credores da divida interna, elles podiam dizer — somos indirectamente indifferentes a essas vantagens, mas o que queremos, é a satisfação das obrigações a que por contractos solemnes estais sujeitos — Via uma differença entre os credores nacionaes, e os estrangeiros, e até se podia dizer que a diminuição dos capitaes quanto aos credores da divida interna tem uma razão que não se dá a respeito dos credores da divida externa, porque sendo mais limitado o capital interno, é claro que o augmento quanto maior fosse, mais o depreciava.

Mas, sr. presidente, perguntarei se será indifferente ao governo, ou ao illustre ministro da fazenda, que impoz um sacrificio á divida interna, ser elle mesmo quem um anno depois de ler imposto esse sacrificio, diga á face do paramento inteiramente o contrario, do que tinha diclo quando teve logar a imposição desse sacrificio? Peço licença ao sr. ministro da fazenda para dizer que s. ex.ª teve duas opiniões, diametralmente oppostas uma á outra: teve uma opinião em 3 de dezembro de 1851, e outra em 18 de

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dezembro de 1852. Já se vê pois que o sr. ministro modificou a sua opinião pelo decreto de 18 de dezembro, em relação ao de 3 de dezembro, e vê-se que tambem agora a quer modificar, em relação áquelle.

Sr. presidente, sou o primeiro a reconhecer que não é o sr. ministro só o que tem imposto sacrificios á divida externa, porque com justiça não se póde deixar de desconhecer o atraso que havia dos semestres, e as deducções. Alas os credores da divida externa leram o decreto de 3 de dezembro; reclamaram contra elle, porque não ha duvida que tinham motivos para não se acharem muito satisfeitos da capitalisação do semestre que estava para se vencer; mas leram o seguinte periodo do relatorio do decreto de 3 de dezembro. (Leu) Ora estas são as palavras do governo portuguez, estas são as palavras do relatorio do illustre ministro da fazenda, na occasião em que capitalisava um semestre da divida fundada externa, estão aqui prevenidas todas as hypotheses. O governo diz formalmente, que é esta a ultima vez que se podem impôr sacrificios a estes credores, e assevera solemnemente a possibilidade de pagar a divida que fica contrahida por este decreto; isto é formal, sr. presidente, mas o que acontece? O governo promulgando o decreto de 18 de dezembro, deixou de cumprir as promessas que fez no decreto de 3 de dezembro; eu peço toda a attenção da camara para estas palavras do sr. ministro. E note-se que não e um deputado que se levanta por um determinado pensamento de opposição acintosa, e emprega palavras que possam comprometter a administração, é o illustre ministro que devia ter observado os recursos do thesouro, e que pela segunda vez se vê obrigado a modificar a sua opinião, note a camara, sem que tivesse havido um acontecimento extraordinario, que fizesse alterar a situação financeira, sem que tenha havido uma guerra civil; porque se a houvesse, havia um argumento para tapar a bocca aos credores da divida estrangeira, e sem que tenha uma peste; que se alguma destas cousas tivera havido, forneceria argumento ao governo para dizer que não entrou no seu calculo a apparição de um flagello.

Sr. presidente, as circumstancias não variaram, ou se variaram, peço licença ao illustre ministro para lhe dizer, que foi pelas medidas que o illustre ministro adoptou como iniciativa sua. O illustre ministro, por exemplo, procedeu á reforma das pautas, e foi s. ex.ª o proprio que nos veiu dizer, que essa reforma tinha dado já uma verba significativa, de differença para menos, no nosso estado financeiro. Já se vê pois que existe uma deducção importante nas nossas finanças, e isto por se ler adoptado uma reforma de pautas, que não foi a mais conveniente, por isso que se principiou com essa reforma em julho, para acabar em dezembro. £ foi o sr. ministro, foi s. ex.ª que leve a franqueza de declarar que da reforma dessas pautas se linha seguido para o thesouro a diminuição da receita na importancia de 210 contos. Que hão de dizer os credores estrangeiros, quando souberem que uma das medidas adoptadas pelo governo diminuiu a receita em 210 contos?

Mas no decreto de 18 de dezembro, decreto que corrigia, que modificava, que alterava, e intendia que não se podia cumprir o decreto de 3 de dezembro, lê-se a seguinte fraze (Leu).

O governo tinha no decreto de 3 de dezembro manifestado que podia cumprir tudo o que promettia, que tinha pezado os encargos que contrahia, e pedia um semestre á divida externa; e em 18 de dezembro reduz a divida externa, e diz que o governo não póde inspirar confiança senão promettendo só o que póde cumprir, e cumprindo religiosamente o que promette. Ora o que podem dizer os credores nestas circumstancias?

Mas accrescenta-se no decreto de 18 de dezembro — que com a reducção na despeza publica de quasi 350 contos, extingue-se o deficit que ainda resta, e habilita-se o thesouro a satisfazer pontualmente os seus encargos dentro de cada anno. Sr. presidente, estas ultimas promessas, estas recentes promessas do decreto de 18 de dezembro estão ellas, realisadas? Ha apparencias de se realisarem? Cessou o deficit em presença desta reducção dos 350 contos? Não cessou, como não tinha cessado na presença do decreto de 3 de dezembro. Infelizmente são novas promessas que se fizeram a respeito do que já está demonstrado que não se póde cumprir, porque infelizmente o deficit appareceu.

Falla-se no decreto de 18 de dezembro, no decreto que impõe sacrificios aos credores estrangeiros, embora os imponha em menor escala que aos nacionaes, falla-se, digo, no decreto de 18 de dezembro em ficarem as rendas publicas todas desembaraçadas. Succede isto? Soube o decreto de 18 de dezembro com exactidão o que promettia? Encarregou-se a realidade de corresponder a estas esperanças? Sr. presidente, sirva de reforçar mais este desengano a franqueza com que o illustre ministro da fazenda, nos documentos que entregou a esta camara, mostra que as antecipações não cessaram, que as rendas publicas estão antecipadas; a franqueza com que mostra que não podiam deixar de, o estar. E em que circumstancias acontece isto? E quando o thesouro tem tido recursos extraordinarios, com os quaes me parece que tem feito face ás despezas correntes, é quando se verifica como receita do thesouro o que raras vezes se verificará debaixo de tal denominação: parece-me que o sr. ministro da fazenda foi o proprio que nos declarou que parte do rendimento do fundo de amortisação tinha sido empregado para despezas correntes. É verdade que s. ex.ª disse que contava dentro das posses do anno economico, restituir esta verba que linha tirado do rendimento daquelle fundo. Mas isto é sómente mais uma esperança que o sr. ministro da fazenda tem: o que é facto, e que esse rendimento que linha uma applicação especial, foi applicado para um fim diverso, e que o thesouro tem tido recursos extraordinarios, recursos que se não póde contar que se hão de verificar para fazer face ás despezas correntes.

Sr. presidente, aos credores da divida externa fez-se uma reducção, reducção pouco importante, eu o reconheço, economia de pouca monta, eu sou o primeiro a declara-lo; mas se isto serve de argumento para se dizer que os credores estrangeiros, e ale certo ponto é exacto, não tinham direito para levantar tamanhos brados contra a execução desta medida, eu sou o primeiro a declarai que os credores estrangeiros estão muito pouco dispostos a ser justos, mesuro quando os governos fazem sacrificios para lhes pagar o que podem das suas dividas, e nunca hei de estar de accôrdo com os credores estrangeiros, no que entender que elles não teem justiça; entendendo ao mês-

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me tempo que sirvo o meu paiz, quando declaro que se deve fazer toda a justiça possivel a esses credores: e creio que estas proposições se conciliam. Mas digo, e por acaso não é consideravel a economia que se obtem por esta reducção, não seria isso mais um argumento, para ella não se ter feito? E note-se, se esta economia, se esta reducção limitada fosse feita por um illustre ministro, que não tivesse importo outro sacrificio a esta classe, poder-se-ía dizer que as reclamações não eram tão fundadas, tinha-se mais direito para resistir a essas reclamações; mas quando o mesmo ministro que pezou as difficuldades do thesouro, e impoz a essa classe um encargo violento para desantecipar, e não desantecipou, para restabelecer o equilibrio, e não equilibrou, nestas circumstancias ha menos força da parte do illustre ministro, para resistir as pretenções dos credores estrangeiros. Intendo que um ministro que se apresenta dizendo — eu não tenho a responsabilidade desse encargo, não é a mim que deveis pedir contas, esse ministro leria mais for ça para resistir ás pretenções dos credores estrangeiros. Eu peço perdão para dizer que o sr. Ministro da fazenda acha-se em ma posição, relativa para resistir, porque foi elle quem lhes impoz sacrificios, uma e duas vezes para conseguir resultados, que uma e duas vezes se não conseguiram.

Mas ha mais, ha a fórma porque se impoz esta reducção. Eu já quero que a conversão, ou como se lhe queira chamar, da divida, não fosse similhante ás conversões que se effectuam lá fóra: mas que difficuldade havia para que as imitassemos naquillo em que as deviamos imitar, para que se désse mais uma garantia aos credores? V. ex.ª sabe muito bem que a França quando converteu, com a conversão voluntaria coma alternativa do imposto, estabeleceu o prazo de 10 annos, durante os quaes nenhuma futura reducção teria logar; a Belgica quando reduziu com a alternativa do imposto, estabeleceu que durante 8 annos; a Inglaterra, quando ultimamente quiz estabelecer uma medida a respeito da conversão da sua divida, estabeleceu que durante 20 annos. Que custava imitar estas disposições? Nós que traduzimos tanta cousa, porque não traduziriamos mais uma garantia, que n'outras nações faz acceitar com facilidade estas conversões? É tanto assim que quando em Inglaterra se espalhou que mr. Gladstone ia proceder em larga escala á diminuição do fundo de tres por cento, esta noticia foi recebida com enthusiasmo na praça, por que se declarou que durante 20 annos não haveria outra medida similhante. Já se vê que elemento importante de credito e este da certeza do credor, do portador do titulo, de que a sua divida não será reduzida dentro de um espaço qualquer. Lamento que não se tivesse traduzido esta disposição salutar, que acompanha conversões que não são feitas de uma maneira tão dura, como são aquellas que acredito que a consideração das necessidades em que o illustre ministro se julgou vêr, o obrigou a adoptar.

Eu não posso deixar de acompanhar o illustre deputado que me precedeu, em pedir ao nobre ministro que tanto quanto o póde fazer, sem comprometter a posição em que se acha, nos declare se effectivamente tem tenção, ou se acha negociando a respeito do ponto de que se tracta; e eu espero que o illustre ministro será o primeiro em reconhecer que sobre este ponto toda a negociação é impossivel, sem que esteja devidamente auctorisado pelo parlamento a acceitar quaesquer condições favoraveis; e esta observação que eu faço, longe de prejudicar o resultado das negociações do illustre ministro, ha de contribuir para o facilitar, para lhes dar mais importancia, porque todos sabem que em Inglaterra liga-se uma grande importancia ao voto parlamentar, todos sabem que ainda ha pouco, quando em Hespanha se tractou do fazer passar os titulos de uma empreza de caminho de feno, apparecia nos programmas de todas as companhias — esta é daquellas para as quaes houve uma resolução do parlamento —: e isto era um motivo de importancia no mercado dos fundos. Ainda bem que no systema representativo não falla esta recommendação da auctoridade que póde dar-se a contractos que se devam celebrar.

Sr. presidente, eu direi que lamento muito as arguições que tem sido dirigidas ao governo portuguez, parte das quaes são reconhecidamente injustas; e é por isso que desapprovo esta violencia de linguagem, que sou o primeiro a reconhecer que não devia ter logar, que nós não mereciamos. Nós temos pago, a nação portugueza tem pago sempre a sua duvida, quando por muito tempo a nação visinha deixou de pagar u sua, estando era circumstancias mais adiantadas.

Por consequencia, sr. presidente, não approvo a violencia dessa lingoagem, que nós não mereciamos, porque repito, a nação portugueza tem sempre pago a sua divida melhor do que muitas nações. (Apoiados) Sr. presidente, os credores estrangeiros trabalham contra os seus proprios interesses, senão directa, indirectamente, quando se oppõem a que esta nação possa obter os recursos necessarios para emprezas, que, sou o primeiro a reconhecel-o, sendo levadas á execução com sensatez, hão-de dar não sõ prosperidade ao portuguezes, mas mais garantias aos credores estrangeiros — da cortesã com que hão-de ser satisfeitos da sua divida. Por consequencia estes credores não podem deixar de desejar, e appetecer todos os melhoramentos materiaes desta nação, porque se deixar de ser melhorada não paga, por muitos bons desejos que lenha.

Eu intendo, sr. presidente, que tudo que se tem empregado de máo neste ponto em relação aos nossos credores, tem sido querer realisar em pouco tempo, o que se havia de realisar mais tarde. E não se dia. que a escala ascendente actuava sobre nos, porque a isto responderei eu: que foi o proprio illustre ministro da fazenda (e s. ex.ª não póde deixar de o reconhecer) quem augmentou a escala ascendente, promulgando o decreto de 3 de dezembro.

Sr. presidente, se a medida que se tomou, pelo decreto de 18 de dezembro, se tivesse deixado para mais tarde, não se teriam arguido as imprecações que se ergueram contra ella, na occasião em que precisavamos levantar fundos, que se não puderam conseguir pois desta medida. Porque, repito, a todo o tempo era tempo para tomai uma medida tão violenta como a que se adoptou com o decreto de 18 de dezembro.

O sr. Presidente: — Eu peço licença ao illustre deputado para lhe notai, que o decreto de 18 de dezembro já foi discutido ha muito tempo: agora tracta-se da discussão da verba necessaria para o pagamento dos juros da divida externa. O Orador: — Cedo da palavra.

O Sr. Ministro da fazenda. — Sr. presidente, eu tenho pena, depois da altura que tomou a discussão, pie o illustre deputado cedesse da palavra, no mo-

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mento em que me parecia estar prestes a acabar, porque se assim acontecesse, demonstrava que pouco lhe restava mais que dizer sobre o orçamento.

A fallar a verdade, sr. presidente, sinto faltarem-me as forças para a prespectiva do debate que se apresenta sobre o orçamento. £ sem querer nisto fazer censura ao illustre deputado, ao qual intendo que assiste todo o direito de expender as suas opiniões, como bem lhe parecer, permitta-me elle, que como seu collega, como deputado, lhe diga, que o orçamento do estado discutido por esta maneira, trazendo para cada um dos seus artigos as leis da dictadura que formam, como se disse um volume de 235 decretos, importa pelo menos, uma discussão de 10 annos (Apoiados) assim é absolutamente impossivel. Digo-o ao nobre deputado como collega seu, como membro desta camara (O sr. Carlos Bento: — Póde dizel-o como ministro) como ministro não o quero dizer. (O sr. Carlos Bento: — Mas um ministro tambem argumenta e combale) Sr. presidente, eu tomo cuidado tanto quanto posso de quando nesta casa falla qualquer orador, soltar uma só expressão que sirva de interromper; mas eu nunca tomo a palavra, nunca, que não seja desde logo interrompido a cada momento. (Apoiados) É isto o que me acontece constantemente.

O sr. Carlos Bento: — Eu no que disse, longe de fazer offensa a v. ex., reconheci, o direito que tinha de dizer o que disse como ministro, porque nesta qualidade tem o direito de argumentar e combater.

O Orador: — O nobre deputado conhece-me ha muito tempo: eu tambem não tenho nunca no animo offendel-o, nem a ninguem, não é esse o meu genio; mas permitta-me dizer-lhe, que a rasão porque fallei como deputado e não como ministro, é porque não queria se persuadisse que eu fallando do modo como fallei, te o fizesse como ministro, como membro do ministerio, pertendia de alguma forma restringir lhe o uso do direito da tribuna na pessoa do nobre deputado ou doutro qualquer que fallasse sobre a materia, e foi por isto que como deputado emitti aquella minha opinião; parecendo-me que, como tal, não póde ser estranhavel o dizer — que deste modo não se discute o orçamento, que é absolutamente impossivel. (Apoiados) Sr. presidente, o illustre deputado obrigar-me-hia a fazer um longo discurso, para o que de certo não estava preparado; (mas já vejo que tenho de o estar todos os dias) digo, obrigar-me-hia a fazer um longo discurso em resposta ás suas observações sobre os motivos que o governo leve, ou podia ler, para publicar os diversos actos da dictadura, a respeito de materias de fazenda.

O illustre deputado a proposito da questão do pagamento do juro da divida externa, pagamento do juro que não póde ser contestado, nem de certo foi intenção do illustre deputado contesta-lo, que está exarado no orçamento na conformidade da lei vigente; a proposito, digo, desta verba, trouxe as tendencias do governo sobre materia de finanças, a escola pela qual elle se dirigia, os commentarios feitos ás razões porque se publicaram as medidas sobre finanças, os boatos que se espalharam por causa dessas mesmas medidas, os fados mais ou menos alterados que occorreram em relação a este objecto; e assim vejo-me collocado n'uma difficuldade grande para responder a Ião variados objectos.... e tão indefinidos que inclusivamente tenho de responder aos boatos que se espalharam!...

O illustre deputado que viu um perigo, que viu um mal, que viu um erro no systema de fazenda adoptado pelo actual ministerio, e creio que principalmente se referia ao decreto de 3 de dezembro de 1851, o acto mais importante sobre materia de finanças que viu da administração actual; o illustre deputado começou por ser pouco generoso comigo, e com os meus collegas, attribuindo sómente a mim aquillo que de certo foi opinião não só de todos os ministros, mas opinião de mais alguns amigos muito esclarecidos nestas materias, entre os quaes se contava o illustre deputado (Vozes: — Ouçam, ouçam) e parece-me até que eu tive a docilidade de entregar uma parte desses trabalhos a s. s.ª para os vêr e corrigir... (O sr. Carlos Bento: — Nisso não ha toda a exactidão: peço a palavra) Póde ser que não haja toda a exactidão, mas, hão-de ser infieis comigo todos os meus collegas do ministerio, assim como alguns cavalheiros que fazem parte das duas casas do parlamento.

Não quero com isto fazer insinuação alguma desairosa ao illustre deputado, nem allusões menos honrosas; não posso desauctorisa-lo a elle por opiniões que são minhas; mas o que quero é pedir-lhe, que seja menos severo para com um collega, para com o homem que tem sido seu amigo, que o tem ouvido em muitas cousas, que o ouviu neste ponto; e pedir-lhe tambem que não reprove tão formalmente um systema que naquella época não era combatido ião fortemente, como agora o é, pelo illustre deputado...

O sr. Carlos Bento: — Eu combali grande parte desse decreto: e devo notar ao illustre ministro, que o decreto de 3 de dezembro de 1851, leve depois outros decretos.

O Orador: — Já me contento que o illustre deputado não renegue a parte que teve de seu conselho importante no decreto de 3 de dezembro de 1851. Mas eu no lugar do illustre deputado, se não approvasse o pensamento d'um decreto, e se (não como official de secretaria que nessa qualidade não tem logar algum) fosse chamado como amigo a aconselhar o governo sobre uma medida daquella importancia, não tomava nenhuma responsabilidade moral, dizia — que não podia concorrer, que não podia aconselhar, e retirava-me, não entrava no debate (Apoiados) Repito ainda: que não desejo fazer insinuação alguma ao illustre deputado, não lh'a faço, não lh'a posso fazer porque são as minhas opiniões, não o posso desauctorisar a elle, com aquillo que intendo que me faz honra a mim.

Sr. presidente, eu sinto que o illustre deputado que tem examinado delida e circumspectamente esta questão pelo modo que a considera em todas as suas ramificações, insistisse em certos pontos que não vinham propriamente para o caso, e que tem o seu lugar de discussão em outra parte; mas insistiu, por assim dizer, antecipadamente nesses pontos, que peço licença ao illustre deputado para dizer — que não são exactos.

Já n'uma das sessões passadas e n'um discurso do illustre deputado a que não respondi... e por esta occasião permitta-se-me dizer, que apoiei uma idéa que emittiu, quando referindo-se ao caso de não ler respondido a um discurso pronunciado por outro illustre deputado, disse — que não era certo que quem caia, consente; que não lhe fallava a resposta apezar de não ter respondido; e que assim, posto não o tivesse feito desde logo, nem por isso consentiu in» observações que fez, nem no resultado dellas — Peço

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pois ao illustre deputado que applique essa sua idéa a este seu collega.

Digo, o illustre deputado insistiu em querer fazer acreditar á camara que existia um deficit, mas um deficit muito consideravel... (O sr. Carlos Bento: — Eu disse que existia um deficit; muito consideravel não disse). Se o illustre deputado se limita ao deficit que vem mencionado no orçamento, então não posso refutar cousa alguma. Eu já disse, e repito, o deficit segundo está mencionado no orçamento é de 24 contos de réis, tomei aquella cifra, ou aquelle algarismo como elle tinha saído naturalmente, porque se o calculasse, ou apreciasse debaixo de diversas considerações que se apresentavam, esse deficit desapparecia, mas eu que sou inimigo dos saldos positivos, não quiz fazer considerações sobre considerações para provar a camara que havia saldo positivo. Ha pois um deficit do 2+ contos, parece-me que é a este que o illustre se referiu; e se suppoz, que não é mais consideravel, acceito as suas observações. (O sr. Carlos Bento: — Reputo-o mais consideravel). Então ía eu bem no meu raciocinio. O illustre deputado quiz fazer acreditar á camara que ha deficit consideravel. O illustre deputado para apreciar esse deficit teve um meio muito engenhoso e simples: chamou deficit de anno aos deficit accumulados de annos anteriores; e disse = a divida fluctuante são tantos centos de contos, logo o deficit é o que se apresenta no orçamento e mais estes tantos centos de contos! Não ha cousa mais facil de fazer deficit consideraveis: é accumular para um anno deficit accumulados de annos anteriores! Ora este modo de fazer deficit é simples, não deixa de ser até muito engenhoso, mas creio que não produz cousa nenhuma util.

Sr. presidente, se o illustre deputado quiz denunciar á camara que existia divida fluctuante, declaro que existe, declarou-o até o Diario do Governo muito a miudo; agora se intende que esta divida fluctuante se deve considerar deficit do anno, parece-me que se revoltará contra elle não só a natureza das cousas, mas o proprio systema pelo qual se organisam os orçamentos: eu não tenho idéa de que nem aqui nem em parte alguma se considerasse nunca deficit do anno a divida fluctuante do estado. Todos sabem que nos paizes muito ricos, com as suas finanças em estado muito prospero e bem organisados, se representa a receita, e que por consequencia, emquanto dura essa representação, existe uma divida fluctuante; mas que nesses estados não se accumulam dividas fluctuantes, que dizem respeito á despeza effectiva do mesmo anno, por lhe chamarem deficit do anno: nunca se faz isso. (Apoiados)

Sr. presidente, a divida fluctuante, e as antecipações (e logo vou responder no illustre deputado a respeito de antecipações) é o resultado da differença que ha entre a receita e despeza dos annos anteriores, um dos quaes é mesmo da minha gerencia. Esta differença é representada por uma divida, cujo resultado reconheço; mas que não posso concordar se addicione á despeza effectiva do anno para se achar o deficit desse anno.

Mas o illustre deputado ainda fez mais alguma cousa: não quer chamar-lhe divida fluctuante e chama-lhe — antecipações. — Eu intendo por antecipações a necessidade em que se colloca um governo de administrar, de governar ou de gerir a fazenda durante o anno com a receita do anno futuro: isto é, chamo antecipações, por exemplo — descontos de letras sobre as alfandegas, do anno economico futuro — de — conto de letras dos contractos reaes, do anno economico futuro; chamo antecipações, a estas o similhantes cousas; mas como nada disto existe agora, como não ha uma só letra sobre as alfandegas, como não ha um só real de letras de contractos reaes descontadas que pertença ao anno futuro, por isso digo que não ha antecipações, porque apenas entra o anno economico futuro, o governo tem á sua disposição, assim como tem tido este anno todos os rendimentos de todas as estações fiscaes para fazer face á necessidade do serviço, e ás despezas do thesouro; e a respeito das dividas fluctuantes ha de fazer o que se tem feito sempre que ha emprestimos sobre penhores que representam essa divida fluctuante, que se reformam ou por meio dos mesmos penhores ou outros que representem essa divida.

Aqui está o que se faz, e o que se tem feito sempre, e que não é censurado por ninguem, nem o devia ser. Aqui está o modo de considerar essa divida não como uma antecipação que não o é, e sim como se chama em todos os paizes, divida fluctuante do estado — não é divida consolidada, é divida que se entertem, e de que é verdade que se paga um juro, mas que não actua na despeza do anno.

Digo mais ao illustre deputado que se eu sem tomar uma medida excepcional quizesse fazer desapparecer esse tal deficit, já havia de ser um pouco difficultoso, porque por meio de economias, por meio de impostos (que não sei que haja outro modo de satisfazer a divida fluctuante) custaria muito a conseguil-o por ser uma somma importante.

Eu desejei dar estas explicações para que a camara fique convencida do que é esta divida que o illustre deputado chama antecipações, e com a qual intende que vai onerar a despeza do anno a ponto de formar um deficit consideravel, porque é assim que calcula o deficit.

A proposito de economias, permitta-me o nobre deputado dizer em resposta á sua observação — de que as economias não são populares — que eu ignoro a quem se dirige; a mim de certo não é porque não (acceito essa doutrina. E a dizer a verdade não sei se absolutamente fallando se tem sustentado nesta camara que as economias não devem adoptar-se; eu não o tenho ouvido: aquillo de que estou convencido, e é certo, é que as economias não pódem fazer-se na escala em que o governo mesmo deseja que se façam. Sobre este ponto ha algumas difficuldades, ha restrições impostas pela natureza das cousas, pela necessidade de governar, pela urgencia da administração, pelas circumstancias mesmo em que nos achamos hoje, e nem o governo, nem os parlamentos poderiam ir tão longe como desejariam ir na escala das economias, em virtude dessas circumstancias que não é dado a ninguem destruir completamente.

Que trabalhemos quanto possivel para reduzir as despezas do serviço, só no que póde ser real, sem inconveniente do mesmo serviço, de accôrdo. Está em discussão o orçamento: se o illustre deputado ou algum dos illustres deputados apresentar qualquer reducção para fazer economias sem inconveniente do serviço publico, pela minha parte, e dos meus collegas não tenho duvida em a acceitar. Mas fallando a verdade, não encontro no orçamento que se apresentou, nem no parecer da illustre commissão de fa-

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zenda vejo, nas circumstancias actuaes, que seja possivel reduzir mais a despeza publica: póde ser que o nobre deputado tivesse meio de poder propôr reformas economicas e reducções mais avultadas a respeito das quaes não ache inconveniente de serviço, mas o governo não as vê, isto é, acha muitas, mas não as póde fazer. Se se intende por economias cortar ou reduzir as verbas do orçamento, isso é facil; mas fazel-as considerando ao mesmo tempo as necessidades do serviço publico, e considerar a urgencia desse serviço, então isso torna-se difficil, muda um pouco de figura, porque se torna mais complicada a applicação dessa regra e desses desejos.

Disse o illustre deputado, que o que fez mal á questão de fazenda (visto que a questão de fazenda é que está em discussão) foi a successão das providencias que se tomaram num certo sentido, que o illustre deputado suppoz que atacava o credito publico. Eu ha dias esquivei-me a entrar nesta questão do credito publico, porque a dizer a verdade, vejo-me obrigado a combater as asserções do illustre deputado, estando eu de accôrdo nos seus desejos; e é uma cousa um pouco difficil. O nobre deputado pugna pelo credito, e eu, que desejo o credito, pugno pelo credito; mas o nobre deputado quer o credito de uma certa maneira, e eu de outra. Aqui está a que se reduz a questão entre o systema do governo, e o do illustre deputado. O governo intendeu, e intende ainda, e já o disse num dos relatorios a que se referiu o nobre deputado, e que eu não renego, está persuadido que o verdadeiro credito se estabelece pela confiança de que o devedor e solúvel, que tem com que pagar, isto é, que tem capacidade para pagar, porque em quanto ao desejo de pagar, esse temno todas as administrações, e mesmo não concebo que possa haver um ministerio que não tenha ardentes desejos de pagar por interesse proprio (se e necessario recorrer ao interesse para movel de todas as nossas acções); mas nem todos teem os meios para effectuar o pagamento; e só desde o momento em que o credor possa ter a convicção de que o seu devedor tem capacidade para pagar, e que tem tambem vontade, parece-me que ha-de ter credito.

A questão, pois, reduz-se a saber se o governo tem meios de pagar aquillo a que está compromettido, ou se ha-de vir propôr ao parlamento, o lançar uma somma consideravel de impostos ao paiz uma vez que não possa reduzir a despeza publica (porque é esta outra alternativa) para fazer face a esta despeza.

O governo intende que o paiz precisa pagar, e que ha-de pagar; mas o governo não julga conveniente vir pedir ao paiz que pague os impostos com que é necessario sobrecarrega-lo para o collocar no gráo de civilisação em que tem direito de estar, em quanto não se estabelecesse o equilibrio entre a receita e a despeza do estado, porque não fazendo isto, ha-de suppôr-se que os impostos que se pedissem ao paiz, eram para satisfazer ás despezas quotidianas do thesouro, e não para os melhoramentos do mesmo paiz.

O illustre deputado alludindo ao decreto que reformou as pautas disse — aqui está o ministro da fazenda que já veiu declarar á camara que a reforma das pautas custou 167 contos de réis, e é um acto seu — É verdade que é um acto meu (hoje da camara, mas foi da iniciativa do governo) entretanto não me arrependo deste acto, nem me envergonho delle, e estou persuadido mesmo pelo que tenho lido nesses jornaes que tantas vezes nos acreditam pouco vantajosamente lá por fóra, que se havia algum acto publico que justificasse o governo, foi a reforma das pautas. Poder-se-ha dizer que é porque os interesses os levam para aí; que applaudem umas cousas por que os seus interesses os movem a isso, assim como reprovam outras porque os seus interesses os aconselham: são sempre os seus interesses, mas não é sempre a justiça. (Apoiados)

Peço ao illustre deputado pelo amor de Deos não se faça ecco das observações e ponderações dos nossos credores, porque elles advogam os seus interesses, achando que tem razão, mas o illustre deputado tem tambem razão e direito de advogar a causa da justiça.

A reforma das pautas occasionou uma diminuição no rendimento das alfandegas, é verdade; mas intenda-se bem que essa diminuição não procede dos direitos que se estabeleceram, porque a esse respeito tive o cuidado de attender a esta reforma de modo que não affectasse a receita publica. O governo achava-se collocado entre duas grandes difficuldades: carecia de reformar as pautas, o que julgava de necessidade, e que está hoje reconhecido como de grande vantagem e utilidade em todos os paizes; mas o governo não queria fazel-o de modo que compromettesse os interesses do thesouro na diminuição dos direitos das alfandegas. O illustre deputado que citou Gladstone, podia a este respeito citar um ministro hespanhol (que creio já não é ministro); elle sabe que na Hespanha estão reformando as pautas num sentido liberal, direi liberalissimo, muito adiante do que nós fizemos; e se me não engano, parece-me que o relatorio do ministro hespanhol faz uma allusão a algumas nações pequenas que apesar dos inconvenientes em que estavam collocadas, têem dado alguns passos nesse caminho dos verdadeiros principios economicos. Visto que o illustre deputado nos citou o que dizem os Bond-holders, permitta-me que lhe cite tambem o que disse o ministro hespanhol, porque cada um eita as auctoridades que são em seu abono.

Sr. presidente, restringindo-me ao ponto do debate, porque eu seria réo da falta que levemente indiquei, e que v. ex.ª fez notar ao illustre deputado, se me demorasse em largas dissertações sobre cada uma das considerações importantes que o nobre deputado fez, irei agora responder ao meu illustre amigo o sr. Avila nas poucas observações que apresentou sobre este objecto.

O governo deseja que haja um bom accôrdo entre os Bond-holders e elle governo; deseja que o Stock-Exchange cole os novos fundos; e peço licença para dizer ao nobre deputado que na Hollanda, onde ha uma grande porção de fundos da escala ascendente de que são cortados os coupons, já foram colados; e que esse facto ha-de ser bastante importante para levar o Stock-Exchange a colar os nossos fundos. Devo tambem dizer, o que é importante que se saiba, que depois da declaração feita por Thornton a respeito dos capitaes que se haviam de levar á agencia financial em Londres para se converterem, entre o dia dessa declaração e o dia 16, poucos dias depois já havia 130 e tantas libras levadas á agencia financial para serem convertidas, sendo grande parte da escala ascendente apesar de estarem debaixo da pressão da mesma declaração.

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Eu confesso a v. ex. os meus desejos de que os nossos fundos sejam cotados; mas estou persuadido que o proprio interesse dos bond-holders ha de aconselhar o Stock-Exchange a fazer essa cotação.

O nobre deputado sabe muito bem a resistencia que em outras épocas encontraram medidas similhantes, as excitações a que deram logar muitas vezes, por se suppôr que podiam de alguma maneira affectar os interesses dos credores. Quantos meios senão lêem posto em practica para impedir que fossem levadas á execução, outras conversões que se fizeram! E entretanto o tempo passou, as conversões fizeram-se e as cousas aquietaram, voltando tudo á marcha regular. Direi porém que se o governo puder contribuir da sua parte para que haja como ha pouco disse, este bom accôrdo, de certo o ha de fazer, nunca de maneira que sacrifique ou o sou pensamento ou a dignidade que cumpre manter por parte do governo. (Muito bem)

Em quanto á missão a que se referiu o illustre deputado de um cavalheiro que foi a Londres, peço que se intenda como de reserva este negocio para não dar por agora explicações a este respeito; direi sómente que é de natureza confidencial, e pediria ao illustre deputado que não insista mais sobre este ponto. Accrescentarei todavia que eu não me julgo auctorisado a fazer qualquer alteração ou modificação no que existo sem a annuencia do corpo legislativo, e que por consequencia se houvesse de propôr alguma, de certo havia de vir no seio do parlamento pedir auctorisação para isso. (Muito bem)

Depois destas considerações parece-me que tenho habilitado os illustres deputados a votarem conscienciosamente sobre a verba que está em discussão.

O sr. Francisco Joaquim Maia (Sobre a ordem) — Sr. presidente, pedi a palavra sobre a ordem para dizer que nos faltam apenas duas sessões do mez de junho, e por consequencia muito pouco tempo para acabar o prazo da prorogação; e eu pela minha parte estou cançado, desejo retirar-mo, alguns srs. deputados já o lêem feito, e creio que todos desejam o mesmo (Apoiado) comtudo o que eu vejo, é que não nos limitamos á discussão necessaria dos objectos sujeitos á deliberação da camara.

Na verdade com quanto um illustre deputado fizesse um discurso muito instructivo, eu confesso que em todo esse discurso não ouvi nada em relação ao objecto que está em discussão, V. ex.ª advertiu o illustre deputado de que estava fóra da ordem; mas ou peço a v. ex.ª que use com mais força, das attribuições que lhe dá o regimento para chamar á ordem o deputado que se desviar della.

A questão limita-se ao capitulo 5.º, isto é, a saber — se ela despeza está ou não votada no orçamento na conformidade das leis —: se o não está, qualquer dos nobres deputados póde fazer as observações que queira, e apresentar as propostas que julgar convenientes para terem o resultado que deverem ser; desta discussão, como foi tractada pelo illustre deputado, nenhum resultado se tira nem serve senão de embaraçar o andamento de uma questão ião importante como é a do orçamento.

O sr. Presidente: — Eu declarei já a camara qual -era a questão de que se tractava. Assim o tenho feito sempre que se põe uma verba em discussão. Os illustres deputados que fallam fóra da ordem, não os advirto violentamente, porque não está isso no meu genio, e quem não o quizer assim, não tem presidente. Por agora não tenho motivo de queixa, e quando esses motivos se derem o que não espero que aconteça, intendo que não posso fazer advertencias senão brandas, porque nunca eu tenho violencia para empregar com os srs. deputados que todos reconhecem os seus deveres, nem está isso nos meus habitos, nem eu vejo mesmo que a violencia conduza ao resultado que se deseja. (Muitos apoiados)

Agora o que desejo é que os srs. deputados se restrinjam á questão; e torno a pedi-lo mesmo para não dar logar a que se faça outra vez tal advertencia, que eu julgo nesta occasião muito immerecidamente feita. (Apoiado) Mas para que senão repita, peço aos srs. deputados que se restrinjam á materia até pela consideração de que a sessão está muito adiantada, como já fiz ver n'uma das sessões passadas.

Agora segue-se o sr. Cunha a quem peço que se restrinja á questão.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, agora começo e já vou terminar, porque quando a situação politica de um parlamento chega a este estado, nada ha que dizer. O illustre deputado membro da commissão de fazenda acabou de fazer censuras o increpações por não se discutir o orçamento: o culpado é elle que o apresentou tão tarde, quasi no fim da sessão. Não terá o illustre deputado a bondade de nos dizer, qual foi a razão que teve para isso? O illustre deputado que se mostra tão zelador dos dinheiros publicos, porque razão se mostra tão agastado quando alguem quer discutir uma verba de despeza contida no orçamento? O illustre deputado que é membro e relator da commissão de fazenda, teve nada menos que é mezes para examinar o orçamento; e agora vem censurar-nos por querermos discutir o orçamento nos poucos dias que restam de sessão: ralhou com v. ex. e comnosco, e pouco faltou para nos bater com um páo. (Riso)

Declaro que me abstenho de entrar na discussão da verba de que se tracta; mas quero sómente notar á camara que o Stock-Exchange não cota os titulos da divida portugueza, ao passo que cola os titulos de todas as mais nações. Desejava que o sr. ministro da fazenda me dissesse qual a razão disto. Ha pouco tempo ainda, que em Inglaterra um deputado da camara dos communs interpellou o ministro da fazenda sobre negocios financeiros; o ministro respondeu; como porem, o deputado se não desse por satisfeito com as explicações do ministro, este replicou dizendo-lhe — que em assumptos financeiros havia de seguir antes as opiniões do Stock-xchange, que as opiniões do deputado interpellante. Parece-me pois que a similhante respeito posso citar desassombradamente antes as opiniões do Stock-Exchange, que as opiniões dos nossos financeiros; por que na verdade Os nossos financeiros não teem dado prelecções algumas uteis sobre economia politica. O facto é que o Stock-Exchange não acredita na organisação financeira de Portugal, pelos meios que teem sido empregados até agora.

Apezar do sr. ministro da fazenda ter declarado, que o deficit de 80 contos não devia envergonhar governo algum para ter receio de dirigir os negocios publicos, e muito menos agora o deficit de 24 contos, é certo com tudo, que os embaraços financeiros crescem de dia para dia, e que a fazenda publica não obstante os sacrificios que não está organisada

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se impozeram aos servidores do estado, e mais ainda aos credores. Se fossemos a acreditar tudo quanto se tem dicto e escripto, o resultado de tudo seria não haver deficit, e haver um saldo positivo; mas o facto e que não ha tal saldo positivo.

Na verdade é muito digno de notar-se, que tendo o governo portuguez subscripto com um terço das acções para o caminho de ferro, e alguns inglezes com dous terços, quer dizer, estando o capital todo subscripto, e para notar que não se começasse ainda a feitura do caminho de ferro, e que a commissão respectiva não apresentasse ainda o seu parecer a respeito do contracto do caminho de ferro!...

O sr. Presidente: — Peço ao illustre deputado que se restrinja ao ponto da discussão.

O Orador: — Agradeço a v. ex.ª a observação que acaba de dirigir-me, e peço perdão se saí fóra da ordem. Por agora nada mais tenho que dizer.

O sr. Cazal Ribeiro: — Desejo contrair-me sempre ao objecto da discussão, principalmente tractando-se do orçamento; porque mesmo a discussão especial do orçamento offerece campo vasto para cada um dos deputados fazer as suas considerações; mas não me parece que seja mais conveniente agrupal-as todas menos a proposito, em uma ou outra parte do orçamento; todas essas questões se podem alli tractar, mas cada uma tem o seu logar proprio. Por exemplo, nada póde haver mais deslocado do que tractar a questão do caminho de ferro na occasião em que se tracta dos juros da divida externa. Pela minha parte não desejo restringir a discussão, nem creio que o nobre deputado possa attribuir esses desejos á commissão de fazenda, porque um de seus membros fez uma moção procurando encaminhar a discussão no sentido que intendeu conveniente. A commissão de fazenda nada tem com isto, a commissão de fazenda acceila a discussão ampla, deseja-a amplissima.

O illustre deputado que encetou o debate, contrahiu-se propriamente ao assumpto em discussão, e encaminhou muito habilmente as suas observações para fallar nos arranjos com os credores da divida externa. Disse s. ex.ª que approvava a alteração proposta pela commissão, não só pelas razões que ella apresenta, mas em vista dos arranjos que podiam vir a fazer-se com os bond-holde rs. Ora eu devo dizer, que este augmento não foi proposto pelo governo, foi a commissão que se lembrou de propôl-o e o governo adoptou-o, mas nos motivos que levaram a commissão a proceder assim, não houve idéa alguma de facilitar nem difficultar o arranjo com os bond-holde rs. Isto não quer dizer que cada um dos membros da commissão de per si, que eu, por exemplo, não desejo que se chegue a um arranjo rasoavel com os bond holders, mas quer dizer que não foi esse o pensamento que dictou a alteração. Não vejam os nobres deputados aqui um principio de arranjo com os bond holders, não vejam porque era isso uma illusão, não estava nas vistas da commissão nem do governo.

Ora ainda que eu como disse, deseje sempre contrahir-me ao assumpto em discussão, V. ex.ª ha de concordar que, como membro da commissão de fazenda vejo-me em uma posição realmente embaraçosa e difficil. A commissão de fazenda é arrastada a cada passo para o debate, trazem-se a proposito de cada verba questões que não teem relação com ella, a commissão calando-se, por um respeito religioso ao regimento como em verdade deve fazer, mas devem-o fazer todos, póde parecer aqui e póde parecer lá fóra, que é porque ella não tem razões com que sustentar a sua obra: por tanto não me parece que possa ser o nosso direito mais restricto que o dos outros srs. deputados, e então permitta-me v. ex. que ainda que pouco tenha a accrescentar ás observações do sr. ministro da fazenda, eu responda alguma cousa ao sr. Carlos Bento sobre o deficit.

S. ex.ª não hoje, mas n'um dos dias passados, e hoje quasi que repetiu as suas observações, procurou mostrar que entre a apreciação do deficit feita pelo governo e a apreciação feita pela commissão, havia certa dissidencia. Peço licença as. ex.ªs para lhe observar, que nenhuma das palavras do relatorio que está impresso e sujeito a discussão da camara, póde auctorisar similhante interpretação. A commissão não deu ao deficit o nome amavel de divida fluctuante, amavel seria s. ex.ª se quizesse reconhecer que não leve razão nenhuma para interpretar deste modo as palavras da commissão. Divida fluctuante, antecipações e deficit, são idéas inteiramente diversas e distinctas como s. ex.ª sabe perfeitamente. A commissão não tractou de apreciar o deficit neste relatorio, e só o póde fazer quando apresentar a lei de meios e comparar a receita com a despeza; e ainda assim sabe perfeitamente o nobre deputado, que o deficit não póde ser apreciado com a exactidão precisa, porque vemos que se votam creditos supplementares; por isso quando se diz que o deficit é de 24, 30 ou 100 contos, não se póde dizer que a esta cifra corresponde uma exactidão mathematica, e se por um lado os creditos supplementares vem augmentar o deficit calculado, por outro lado o deficit póde ser attenuado porque muitas despezas vem calculadas que não tem de effectuar-se; o nobre deputado sabe que se votam os quadros completos, mas tambem sabe que em virtude da lei das accumulações e de outras muitas despezas que se votam, não se verificam. Mas isto nada tem com o deficit, nada absolutamente; é a divida fluctuante que passa de um para outro anno economico e á qual corresponde a receita equivalente.

Em quanto ao mais sei bem que não está em discussão o decreto de 3 de dezembro, nem o decreto de 18 de dezembro. Eu não venho repetir nesta occasião á camara as opiniões que por mais de uma vez tenho pronunciado. V. ex.ª sabe e sabe a camara a minha opinião a respeito do decreto de 3 de dezembro, que já foi approvado, na parte relativa á capitalisação; V. ex.ª sabe que fallei contra elle na sessão passada e na sessão actual, e tambem contra o decreto de 18 de dezembro; aqui porém, no orçamento tracta-se de acceitar os factos como elles existem.

Não sei a parte que o nobre deputado teve na confecção do decreto de 3 de dezembro, não sei em que qualidade foi chamado ao conselhos do governo, mas sei o que se passa aqui publicamente (Apoiados) e por isso não posso deixar de admirar-me das suas considerações adversas ao decreto de 3 de dezembro, porque sei que o nobre deputado o sustentou calorosamente, e sei que o nobre deputado dirigiu fortes increpações a este lado da camara por impugnar esse decreto. (Apoiados) (Interrupção da parte do sr. Carlos Bento, que não se ouviu) Quer dizer que o nobre deputado mudou de opinião a esse respeito. (O sr. Carlos Bento: — Não senhor; ao contrario, os outros é que mudaram) Eu não mudei, e ainda este

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anno quando se tractou dos actos da dictadura, não só fallei contra o decreto de 3 de dezembro, mas pedi que se votasse em separado sobre os decretos a respeito dos quaes havia proposta especial; e declaro ao nobre deputado e á camara que pedi isto por votar contra o decreto de 3 de dezembro, e tambem contra o decreto de 18 de dezembro. Portanto a minha opinião não mudou a este respeito, podia ler mudado e isso não era deshonroso, mas effectivamente não mudou. Em quanto ao decreto de 18 dezembro, sabe o illustre deputado que eu o considerei então e 0 Considero ainda hoje consequencia do decreto de 3 dezembro. Intendo que o augmento dos encargos que produziu a capitalisação, trouxe a necessidade da reducção forçada do decreto de 18 de dezembro.

Mas ponhamos estas questões de parte que são questões parlamentarmente tractadas que não podem ressuscitar. Eu desejo tambem o credito e o arranjo com os credores. Não creio (seja-me permettido enunciar esta opinião) que o nosso descredito date dos decrelos de 3 e de 18 de dezembro; creio que a nossa falta de credito é antiga, isto é, daquelle que possa dar-nos largas para nos occuparmos em grande escala, como é necessario, dos melhoramentos publicos; intendo que data de há muito tempo. O nobre deputado sabe perfeitamente (ja que se aqui fallou na questão do Stock-Exchange) que as primeiras reclamações do Stock-Exchange referiram-se não só á creação especial do imposto das notas que os credores julgaram mal, suppondo que elle era hypotheca especial á sua divida, mas referiram-se tambem á reducção dos 25 por cento, reducção que não pertence a este governo nem a um certo e determinado governo, mas que pertence a todos os governos dos diversos pallidos e de todas as opiniões que decerto não se enthusiasmaram pela belleza da medida da reducção do juro, porque nisto não póde haver enthusiasmos; mas forçados por uma necessidade de que intendem não poder sair por outro meio, adoptaram essa medida que no entretanto trouxe máos resultados.

Sr. presidente, a commissão quer as economias; propoz as que intendeu dever já propor: ainda aqui ninguem se pronunciou contra as economias; o que a commissão declarou no seu relatorio, é que ella não confia exclusivamente nas economias: não vê a salvação publica pura e simplesmente nas economias: mais ainda a commissão confiou mais nas economias, que se fazem sem córtes rapidos e promptos, porque vão offender muitos interesses, e que se não podem fazer a maior parte das vezes; confiou mais, digo, nas economias que se fazem pela acção do tempo, do que nas que se fazem com rapidez (Apoiados).

Portanto eu concluo. Limitei-me a dar estas explicações, pedindo desculpa a v. ex.ª de ler estado um pouco fóra da ordem; mas não podia, por parte da commissão de fazenda, deixar de explicar aquelles ponto», em que ella tem sido combatida.

O sr. Carlos Bento: — Eu não tenciono abusar muito da benevolencia da camara; mas não posso deixar de responder a uma allusão, que me foi feita. O illustre ministro da fazenda não admira que seja inexacto: lendo lido quasi sempre duas pastas a seu cargo, tendo fundado ministerios que lhe cumpria organisar, na multiplicidade de encargos, superiores aos que outros ministros, mesmo dos mais intendidos, tem tido sobre os seus hombros, não admira, digo, que seja inexacto na narração de um facto,

do occorrido em uma reunião particular; narração que ainda póde melhorar a posição de s. ex.ª neste debate. S. ex. sabe perfeitamente quem é o auctor do decreto de 3 de dezembro: sabe que não sou eu, porque o não negava, se o tivesse sido. Sabe que é verdade que fui convidado para reuniões, onde se tractou destas medidas; mas fiz observações sobre elle, sendo dos presentes talvez o unico que o combateu.

Sr. presidente, depois do decreto publicado, isto é, depois de se ter apropriado o governo dos 1:200 contos de um semestre dos dividendos, então pugnei na camara passada, com todas as minhas forças, para que o decreto fosse sanccionado, depois de se ter verificado o encargo para os credores, intendi que o governo não se podia eximir a tornar-lhes effectiva a compensação que lhes prometteu. Defendi isto com todo o calor, Com calor de mais talvez, mas com rasão e justiça; não fui eu que mudei de opinião neste ponto.

Agora perguntarei amigavelmente ao illustre ministro da fazenda, em que o salva das contradicções que se lêem nos relatorios dos decretos de 3 de dezembro de 1851, e 18 de igual mez de 1852, o facto da solidariedade minha no primeiro destes decretos, quando a tivesse havido? Não sou eu, ainda assim, o contradictorio. A contradicção está em se ter promettido em 3 de dezembro, e que um anno depois se disse que se não podia cumprir.

Sobre deficit ha muito a dizer. Não admira que o sr. ministro, quando escreveu o seu relatorio do orçamento, desconhecesse o que só mais tarde lhe podia ser revelado em documentos subsequentes. E assim que nos impostos directos, pelo que vejo nos documentos ultimamente apresentados, se conhece não se poder contar com os 180 contos a mais com que s. ex.ª contava. A receita das alfandegas em 5 mezes, de janeiro por diante, tem diminuido 50 contos, comparada com a receita dos mezes correspondentes do anno anterior. A commissão de fazenda só pelo facto de elevar a 80 contos o juro de levantamento de fundos, faz subir a mais de 100 os 24 contos de falla, que o sr. ministro apresentou no orçamento. Demais s. ex. não faz entrar no calculo da despeza a importancia dos creditos supplementares, que todo o orçamento suppõe ou deve suppôr. Eis aqui o deficit a sair destas commissões.

Sr. presidente, eu não quero dar mais pretexto a observações, de que saio da ordem, de que se não discute o orçamento. Se o parlamento está cançado, se não póde ouvir, escuso eu de fallar, o silencio é o meu recurso, e fique certa a camara que não tomo mais a palavra na discussão do orçamento. Não ha-de ser a minha tal ou qual oraloiia que sirva de obstaculo á organisação da fazenda. Morri para esta discussão — Quando ha pressa, não ha tempo para haver razão.

Sr. presidente, direi que não sei a parte que tive na confecção ou publicação do decreto de 3 de dezembro; se sou ou não o auctor desse decreto, nem o que se passou ou sustentou nas reuniões particulares, em que se tractou deste assumpto; tenho, porem, perfeita lembrança que impugnei muitas das suas disposições. Alas o que não sei, o que ignoro completamente, é o que ganha a camara com as declarações do que se passa em reuniões particulares.

Eu impugnei, como disse, grande parte das disposições do decreto de 3 de dezembro, antes delle ser

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publicado: o depois de publicado não se me podia levar a mal, que fizesse algumas ponderações ácerca da conveniencia da sustentação das condições do mesmo decreto.

Por consequencia, repito, que a haver contradicção da minha parte, ácerca desse assumpto, essa contradicção, não salva ou não attenua a contradicção que existe entre o relatorio do decreto de 3 de dezembro de 1851, e o relatorio do decreto de 18 de dezembro de 1852; e foi sobre estes relatorios, que eu erigi ou formulei as observações que apresentei á consideração da camara.

Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda calculou o deficit na occasião em que formou o orçamento, mas, posteriormente, ha documentos que dão para menos certas verbas da receita, com que s. ex.ª havia contado n'uma cifra, que actualmente é menor: e portanto não foi sem fundamento que eu disse que o deficit era mais consideravel do que o designado no orçamento.

E termino dando á camara a nova de que pela minha parte me despeço da discussão do orçamento.

O sr. Ministro da fazenda: — Peço licença para fazer algumas observações. Sinto que o illustre deputado que me precedeu, nos annuncie a sua retirada da discussão do orçamento: sendo necessario e até indispensavel que, assim como ha quem defenda, haja tambem quem combata: é este o unico modo de apparecer a verdade. Se quando o illustre deputado combatendo o governo, tiver pela sua parte a razão e a justiça, de certo que ha-de achar a camara completamente accorde. Peço, pois, ao illustre deputado que pelo proprio interesse do systema representativo, continue a tomar parte na discussão do orçamento, materia que o illustre deputado tracta com a lucidez que o distingue. A camara ouvindo a impugnação do illustre deputado, e a defeza do governo, julgará depois entre mim e o illustre deputado.

Direi unicamente duas palavras sobre um incidente. Não disse que o illustre deputado tinha sido o auctor do decreto de 3 de dezembro de 1051, porque o auctor deste decreto, fui eu: por consequencia não podia attribuir ao illustre deputado essa paternidade que não tem. Eu disse só, e nisto, creio, lhe não fiz nenhuma offensa, que o illustre deputado me acompanhara no exame desse documento, e que eu lh'o tinha entregue para elle detidamente o ponderar; tenho, porém, a certeza que o illustre deputado não impugnou o pensamento geral do decreto de 3 de dezembro, nem quando se tractou de o publicar, nem mesmo tempo depois; e se bem me lembro, assistiu a todas as conferencias que até ao fim tiveram logar. O illustre deputado combateu, e verdade, alguns detalhes, indicou algumas modificações, e não sei mesmo se algumas dellas foram acceitas; mas o que é certo, é que não combateu a idéa principal.

Mas não vale a pena de estarmos a gastar tempo com isto. Se acaso incommodei o illustre deputado na revelação que fiz, foi na convicção que não o injuriava: a responsabilidade moral, essa já disse peza sobre mim, nem eu pertendo negal-a de modo nenhum.

Agora quanto á diminuição da receita de que o illustre deputado fallou, peço licença para lhe observar, que não foi de todo exacto. Se examinar bem o mappa que apresentei á camara, verá que se ha verbas a respeito das quaes houve este anno diminuição,

tambem não é menos digno de se ter em linha de conta que outras ha calculadas em menos do que effectivamente produziram. E isto que aconteceu com algumas verbas, podia tambem acontecer ao illustre deputado, que já outro dia se enganou, e o engano da sua parte não é muito desculpavel, principalmente para quem sabe tão bem fazer uso dos seus calculos e da sua intelligencia. O illustre deputado veiu outro dia declarar á camara, que uma das causas por que o deficit parecia inferior, é porque no orçamento vinham calculadas certas verbas, n'uma importancia muito differente daquella que na realidade tinham; e referiu-se por esta occasião a uma nota da junta do credito publico, onde se diz — que o imposto das notas rendeu 444 contos.

O illustre deputado não tem de certo vontade de me aggredir: se ás vezes o parece, eu sei que é por effeito da sua organisação e do desejo que tem de discutir as materias. Mas na verdade o illustre deputado trouxe para aqui um documento que lhe não podia servir para o caso: elle sabe que pelo decreto de 3 de dezembro uma parte do rendimento das notas foi applicado para um fim diverso daquelle que ale então linha. Como póde pois, o illustre deputado dizer que o governo computou numa somma superior o rendimento das notas?

Eu tenho aqui a nota do que rendeu esse imposto no anno findo: vejo que o rendimento não foi inferior, sim superior, em 120 contos, e fui tão cuidadoso que no orçamento inseri a somma de 591 contos, sem me fazer cargo deste augmento. Eu suppuz que era possivel haver diminuição neste rendimento, e por isso não quiz peccar por excessivo na appreciação da receita. O illustre deputado foi buscar o calculo de 414 contos feito pela junta, e julgou que este rendimento não rendera se não esta somma; mas não é assim.

Termino portanto estas observações que julguei dever fazer, e peço a v. ex. que, quando acabar a discussão deste capitulo, me dê a palavra sobre a ordem para apresentar algumas propostas de lei.

O sr. Maia (Francisco): — Sr. presidente, senti muito que se tomasse como censura, um requerimento meu. Nunca tive intenção de offender ninguem, quanto mais a v. ex., que sabe a consideração e respeito que lhe tenho, não só como presidente desta camara, se não tambem pelas qualidades de que é dotado; por conseguinte V. ex. sabe muito bem que eu não era capaz de lhe fazer a menor censura. Fiz um pedido, que só tinha por fim evitar por todos os modos que a discussão se desviasse do seu verdadeiro ponto.

Quanto ao que disseram outros illustres deputados, não dou satisfação nenhuma, por que são meus iguaes.

O sr. Presidente: — Tenho tantas provas de attenção e benevolencia do illustre deputado para comigo, que não polia intender como censura o que o illustre deputado ha pouco disse.

E pondo-se logo a votação o

Capitulo 5.º — foi logo approvado.

O sr. Ministro da Fazenda: — Mando para a mesa as tres seguintes propostas de lei (leu).

1.ª Proposta. — Para ser fixada a importancia da decima de repartição predial, pelos diversos districtos administrativos do reino.

Foi remettida a commissão de fazenda.

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2.ª Proposta. — Para ser supprimido o logar de subinspector da alfandega grande de Lisboa no porto de Paço de Arcos.

Foi remettida á commissão de fazenda.

3.ª Proposta. — Para que a direcção do jardim botanico da Ajuda seja accumulada á do instituto agricola e escola regional.

Foi remettida á commissão de agricultura ou vindo a de instrucção publica.

N. B. — Estas propostas transcrever-se-hão quando se discutirem os pareceres que sobre ellas se derem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje. Está levantada a sessão — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão.

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