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O vergonhoso systema actual de despejo e esgoto das immundicias de Lisboa.

Quando as prescripções mais rudimentares da hygiene recommendam o escôo rapido e prompto das immundicias para fôra e para longe das povoações, succede que, pelo actual systema, ficam em muitos pontos, as immundicias accumuladas debaixo das nossas habitações.

Quando a hygiene aconselha que nos afastemos das emanações mephiticas, porque arruinam e matam, o systema actual consente na nossa proximidade focos inexgotaveis de exhalação de gazes deletérios.

Tenciono apresentar a esta camara um projecto de lei com o intuito de modificar completamente o systema actual de despejo das immundicias de Lisboa; porém, como isto ainda tem alguma demora, eu peço a s. ex.ª o sr. ministro do reino, que tenha a bondade de providenciar de modo que a camara municipal de Lisboa mande reparar e limpar os canos que necessitarem d'essas obras, e que a coadjuve com alguns meios. Peço que se proceda a isto com a maior brevidade possivel, porque a cholera morbus, em algumas epochas, tem desapparecido com a estação fria, tem então ficado em uma especie de lethargo para renovar com a energia primitiva na vinda da estação calmosa.

Deverá portanto aproveitar-se a estação fria para fazer taes obras.

Chamo tambem a attenção do mesmo sr. ministro para a necessidade da disseminação das familias pobres de todas as povoações que infelizmente forem accommettidas, e que providencie de modo que as familias residentes em casas insalubres sejam removidas para os logares espaçosos dos edificios publicos, aonde lhes devem ser fornecidas roupas para se agazalharem, e uma alimentação sufficiente para melhor ficarem ao abrigo do inimigo.

Peço tambem a s. ex.ª que providencie de modo que seja creado um pessoal medico sufficiente para satisfazer ás necessidades do serviço, não só nas epochas normaes, mas tambem e muito principalmente nas epochas epidemicas, e que disponha tudo de modo que o conselho de saude publica do reino adopte um systema efficaz de visitas medicas preventivas em todos os pontos do reino, que infelizmente forem victimas da invasão epidemica,

Sr. presidente, a cholera morbus é precedida, na maior parte dos casos, de uma diarrhea simples; e a pratica tem mostrado que, combatendo-se essa convenientemente, evita se a maior parte das vezes o desenvolvimento do ataque cholerico. Acontece porém que um grande numero de individuos da classe menos illustrada desprezam este aviso, e são victimas da sua negligencia e ignorancia em muitos casos. Foi este conhecimento que fez com que em 1849 os inglezes, nas quinze principaes cidades de Inglaterra, adoptassem o systema das visitas domiciliarias, e conseguissem um resultado admiravel, porque de 130:000 accommettidos das diarrheas predisponentes, só 250 tiveram o ataque de cholera morbus.

Na Escocia tambem experimentaram este systema depois da cholera ali ter produzido um grande numero de victimas, e notaram que, no decurso de tres dias, o flagello diminuiu consideravelmente, em breve desappareceu.

Parece-me porém, sr. presidente, que podiamos abster nos de apontar estes factos, e que bastava só ter bem presente ao nosso espirito o axioma muito vulgar Principiis obstat, para nos convencermos de que a medida deve ser proveitosa, porque certamente é mais facil curar um simples desarranjo intestinal, do que um ataque de cholera com todo o seu cortejo.

Há outro assumpto, que tambem deve chamar a nossa attenção.

A cholera morbus é endemica no Ganges, é ali que o flagello tem o seu berço, é d'aquelle ponto que aquelle terrivel inimigo se estende com um furor admiravel para os differentes pontos do globo. Foi este conhecimento que fez com que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, em França, ultimamente fizesse um convite ás differentes nações europeas, para se proceder a uma conferencia, na qual se apreciassem e discutissem as causas primordiaes da cholera morbus, os seus pontos de origem, os caracteres da sua marcha, e os meios praticos de matar o mal na sua origem.

Sr. presidente, o convite que acaba de ser feito pela França, é altamente importante e humanitario. Torna-se por isto necessario que Portugal adhira a este appello, e que o governo nomeie um dos membros mais auctorisados da classe medica para nos representar dignamente n'aquella commissão tão transcendente e de tanta magnitude.

Faltaria eu a um dever se n'esta occasião, em que eu menciono e aprecio os serviços prestados pela classe medica, nas epochas epidemicas, não mandasse para a mesa um projecto de lei com as vistas de procurar um amparo para as familias dos membros da classe medica, que no serviço das epidemias fallecerem das molestias então reinantes.

É este um assumpto que envolve um acto de grande justiça e moralidade. Submetto-o á apreciação da commissão respectiva e da camara, e espero pela sua resolução que, a meu ver, ha de ser favoravel. Tenho terminado.

O sr. Ayres de Gouveia: — Não tendo comparecido a algumas sessões por grave incommodo de saude, agradeço aos cavalheiros meus collegas que tiveram a bondade de me desculpar para com esta assembléa.

Quando ha pouco entrava n'esta casa, votava-se uma proposta do illustre deputado por Vinhaes, louvando a camara municipal do Porto pela iniciativa e esforços que essa corporação empregou para a realisação da exposição internacional do Porto.

Eu estou prompto a votar qualquer manifestação d'esta camara sobre o zêlo, dignidade e honradez com que aquella corporação tem administrado os negocios do seu municipio, mas pelo que respeita ao pensamento inicial da exposição

Internacional, não cabe essa gloria á camara municipal do Porto, cabe ao sr. Alfredo Allen, ao sr. Antonio Ferreira Braga, ao sr. Pinto Bessa, ao sr. Nascimento Leão, e a muitos outros cavalheiros, e á um ao qual me prendem os mais intimos laços de sangue, e cujo nome não devo pois mencionar. A camara municipal auxiliou, como auxiliou todo o Porto, a exposição;,mas a honra da iniciativa pertence, como já disse, ao sr. Alfredo Allen, sobre todos (apoiados).

Eu não censuro, n'estas minhas palavras, a proposta do illustre deputado por Vinhaes; digo, pelo contrario, que me associo a todos os louvores que queiram tributar á camara municipal do Porto; sou o primeiro a reconhecer os grandes serviços que a camara tem feito, mas só não voto a proposta na parte que respeita ao pensamento inicial da exposição internacional do Porto (apoiados).

O sr. Julio do Carvalhal: — Tinha pedido a palavra, para mandar para a mesa alguns requerimentos no mesmo sentido dos que mandou o illustre deputado o sr. Gustavo de Almeida; mas, segundo a determinação de v. ex.ª, vou deita-los na caixa.

Mando para a mesa uma proposta renovando a iniciativa de um projecto de lei, e aproveito a occasião para participar á camara que se acha constituida a commissão de recrutamento, tendo-me nomeado para seu presidente, e ao sr. Matos Correia para relator, e ao sr. Salgado para secretario. Em nome da mesma commissão, requeiro que sejam nomeados pela mesa para delegados junto da commissão de recrutamento, o sr. José Paulino de Sá Carneiro e Antonio Camillo de Almeida Carvalho.

O sr. Presidente: — O sr. deputado pede que á commissão encarregada de revêr os projectos sobre o recrutamento sejam aggregados os srs. José Paulino de Sá Carneiro e Antonio Camillo de Almeida Carvalho, os srs. deputados que approvam esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Sepulveda Teixeira: — Participo a v. ex.ª e á camara que o sr. barão do Vallado não tem comparecido ás sessões por motivos imperiosos, mas que comparecerá logo que lhe seja possivel.

O. sr. Cesar de Almeida: — Participo a v. ex.ª que não tenho comparecido desde segunda feira aos trabalhos da camara por ter estado doente de cama até hontem.

O sr. Falcão da Fonseca: — Sr. presidente, agradeço ao nobre deputado, o sr. Ayres de Gouveia, o proporcionar-me esta occasião para novamente eu poder fallar n'este assumpto.

A proposta, que hontem tive a honra de enviar para a mesa, referia-se só, é verdade, á camara municipal do Porto, mas na qualidade de representante d'aquella cidade invicta; d'esse povo que, para a gloria, sabe vencer todos os obstaculos e soffrer todos os sacrificios! D'esse povo grande pela sua intelligencia, pelo seu amor ao trabalho, pela sua perseverança, pelo seu patriotismo e pelas suas tradições gloriosas.

Quando hontem, sr. presidente, apresentei a minha proposta, por incommodado não pude acompanha-la, como desejava, de algumas reflexões. Uma d'essas reflexões era que por minha vontade se deveria lançar na acta um voto especial de louvor á benemerita associação do palacio de crystal do Porto. Porém deve s. ex.ª notar que de proposito não individualisei ninguem para não ferir susceptibilidades. Comtudo eu nenhuma duvida tenho, antes pelo contrario terei muito prazer em modificar aquella minha proposta.

O pensamento da exposição pertence (quem ousará duvida-lo?) a alguns cavalheiros muito dignos da nossa estima e consideração, e não á camara municipal.

Eu sou o primeiro a reconhecer quanto se deve a todos esses cavalheiros benemeritos, e com especialidade o sr. Alfredo Allen, esse nome sympathico, nosso concidadão energico e esclarecido! Tenho muita honra e muita satisfação de o declarar aqui no parlamento e em toda a parte.

A proposta porém, como v. ex.ª sabe, já mereceu a honra de ser approvada; no entanto, se v. ex.ª e a camara me concedem licença para que eu a modifique, eu desde já agradeço; e, n'este caso, não só pedirei que se lance um voto de louvor á benemerita associação do palacio de crystal portuense (O sr. Ayres de Gouveia: — De accordo, apoiado.), e á illustrada camara municipal do Porto, mas a todas as pessoas que concorreram para dar honra e brilho aquella grande festa nacional (apoiados); e n'este numero não posso deixar de incluir os nossos concidadãos benemeritos que lá do outro hemispherio, o Brazil (apoiados), concorreram, como bizarramente costumam, com os seus capitães para que a nossa exposição internacional se podesse realisar, como realisou, de uma maneira tão digna e honrosa para a referida associação, para a cidade do Porto e para todo o paiz.

O sr. Fernando de Mello: — Sou encarregado por parte da commissão de saude para participar a v. ex.ª e á camara que se acha já constituida, tendo nomeado para presidente o sr. Cesario, para secretario o sr. Nogueira, devendo nomear-se relatores especiaes para cada um dos objectos que lhe forem submettidos.

O sr. Sá Nogueira: — Mando para a mesa uma representação de 316 praças de pret dos extinctos batalhões, que serviram desde 1826 até 1834 combatendo a favor da liberdade.

Elles pedem ser reformados nos postos que tinham, attendendo á sua avançada idade e aos seus serviços.

Espero que a camara os contemple, porque não têem menos direito do que outros a quem se tem concedido a reforma, e talvez alguns com menos rasão.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO, NA GENERALIDADE, DO PROJECTO DE LEI N.° 5 SOBRE A LIBERDADE DO COMMERCIO DOS VINHOS

O sr. Sá Carneiro: — Depois dos eminentes oradores que tomaram hontem parte na discussão do projecto sobre vinhos, parecerá quasi estranho que eu venha ao seio da representação nacional levantar a minha voz para combater o projecto apresentado pelo governo, e tão habilmente combatido pelos illustres deputados Pinto de Magalhães e José Julio.

Mas honrado com um diploma de deputado pelo circulo onde se produz o mais rico vinho do Douro, e talvez o melhor do mundo, seria para estranhar da parte dos meus constituintes, que eu não viesse depor o obulo dos mesquinhos recursos da minha intelligencia a favor da sua causa. Mas o que posso eu acrescentar, ao que disseram os illustres oradores que me precederam, e que deixaram, por assim dizer, a materia esgotada; elles, que estão em muito melhor campo do que eu, porque conhecem perfeitamente a questão!

Os illustres deputados a que me refiro demonstraram exuberantemente, com os seus argumentos eloquentes e luminosos, que a causa do Douro é uma causa que deve ser tomada em consideração, e que nós não vimos aqui combater a liberdade ampla do commercio dos vinhos.

Os illustres deputados que hontem fallaram fizeram declarações categoricas a este respeito. Querem a liberdade de commercio dos vinhos? Tambem eu a quero, e os lavradores são os primeiros que a querem, mas em troca d'isto desejam elles que se lhes dêem algumas compensações. O que querem é que esses vinhos, que saem pela barra, sáiam com as competentes denominações das suas procedencias. Creio que, esta questão é questão de direito, ainda que não conheço nada de fôro.

Todos os vinhos que saem para os mercados estrangeiros, ou sejam da Bairrada, ou de qualquer outra procedencia, apresentam-se todos com a denominação de vinho do Porto. A grande abundancia d'esses vinhos no mercado e a sua inferior qualidade produzem o barateio e, o que é peior, o descredito, porque elles não estão no caso de competir com os vinhos do Douro, e o affectar directamente os interesses dos lavradores do Douro e do paiz, porque é preciso confessar que o principal commercio que a Inglaterra faz comnosco é O do vinho. O sr. Pinto de Magalhães e o sr. José Julio — o primeiro, compulsando a historia d'este importantissimo commercio de vinhos nas suas differentes phases da prosperidade e decadencia, remontou até 1678, em que appareceram pela primeira vez 408 pipas nos portos da Gran-Bretanha, mas não sei até que ponto isto será exacto, porque um escriptor francez diz que = já muito antes d'esta epocha a Inglaterra fazia commercio de vinho com o Porto =.

O mesmo senhor fez uma analyse para mostrar o desenvolvimento progressivo que tinha tido o commercio dos vinhos; desceu á especialidade, como todos os illustres deputados, que estão presentes, creio que ouviram; apresentou uma synopse mui detalhada da nossa exportação; e depois, para mostrar quanto era delicada a questão do commercio dos vinhos, disse que = ella podia affectar gravemente os interesses do paiz, se as medidas que se adoptassem sobre esse commercio não fossem bem calculadas =.

Os principaes estadistas, nossos contemporaneos, que pela maior parte já infelizmente não existem, trepidaram e não levaram a effeito medida alguma a respeito do Douro; appareceram depois muitas medidas, mas nenhuma dellas satisfez ao fim principal que se queria obter. Appareceu em 1834 a liberdade do commercio dos vinhos; em 1835 veiu a associação commercial do Porto, e demonstrou n'uma representação que era impossivel continuar a liberdade do commercio dos vinhos; veio depois 1836, 1838, 1843, 1846, 1852, e o empenho dos lavradores do Douro, o meu empenho, repito, como representante d'aquelle paiz, não é que a barra seja estorvada á exportação dos vinhos de todas as procedencias, é unicamente que se declare qual a procedencia do vinho que sáe por aquella barra; porque a Europa, considerando como vinho do Porto ao vinho que unicamente sáe pela sua barra, tomará como tal todo o vinho que levar despacho d'aquella alfandega, embora o vinho seja de qualquer procedencia muito afastada do Douro. E acredite-se que a grande insistencia para a liberdade do commercio dos vinhos é d'aquelles que têem vinhos que não são do Douro, e que os querem levar aquella barra para os baptisarem com o nome de vinhos do Porto, na esperança de que nos mercados estrangeiros obtenham maior preço.

Para os vinhos da Bairrada ha a barra da Figueira, e para os vinhos do Minho ha as barras de Vianna e Caminha; o grande empenho é faze-los saír pela barra do Porto para lhes dar o nome aristocratico de vinhos do Porto. Nós os do Douro queriamos que se desse a liberdade de exportação, mas que houvesse a denominação propria. Isto é o que se quer evitar. Parece-me até que ha n'isto o direito de propriedade.

O sr. José Julio tambem fez a analyse detalhada do commercio dos vinhos; fez-nos ver que a mancommunação dos feitores inglezes tinha dado origem a que o grande Pombal, esse distincto estadista, instituísse a companhia.

Não entro na apreciação, nem é esta a occasião de saber se os privilegios concedidos a essa companhia foram grandes, mas é certo que os resultados beneficos se sentiram e se conheceram logo.

O sr. José Julio poz em relevo essa desgraçada scena de sangue passada no Porto, derivada da instituição da companhia. Não foram só dois os individuos a quem se attribuiu os horrores de acontecimento tão tragico, foi tambem o commissionado pelo marquez de Pombal, Mascarenhas, filho, que abusou da sua posição, e que mais tarde recebeu o justo premio d'esse bom serviço, premio negativo.

Disse mais o sr. José Julio uma cousa, que não posso deixar passar despercebida, fazendo a apologia dos grandes talentos do estadista marquez de Pombal attribuiu-lhe um caracter de ferocidade. Não creio que o caracter do