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N.° 14.
SESSÃO DE 19 DE JUNHO.
1854.
PRESIDENCIA. DO SR. SILVA SANCHES.
Ao meio dia e um quarto procedeu o sr. secretario Rebello de Carvalho á chamada, e verificou-se estarem presentes 67 srs. deputados.
Entraram durante a sessão os srs. Souza Pires, Archer, Pitta, Fontes Pereira de Mello, Antonio Pereira de Menezes, Dias e Souza, Bento de Castro, Carlos Bento, Silva Maya, Custodio Gomes, Forjaz, Garcia Peres, Jeremias, Rezende, Francisco Damazio, Costa -e Silva, Bordallo, Silva Pereira (Frederico), Pessanha (José), Joaquim Guedes, Honorato Ferreira, José Estevão, Pestana, Ferreira de Castro, José Guedes, Marçal, Nogueira Soares, e Visconde de Castro e Silva.
Faltaram com causa justificada os srs. Affonso Botelho, Vasconcellos e Si, Fonseca Coutinho, Castro e Abreu, Cezar de Vasconcellos, Corrêa Caldeira, Quelhas, Antonio Emilio, Lage, Louzada, Brayner, Pinheiro Ozorio, Arystides Abranches, Barão de Almeirim, Bazilio Alberto, Conde de Saldanha, Pinto Bastos (Eugenio), Faustino da Gama, Barrozo, D. Francisco de Almeida, Maya (Francisco), Nazareth, Palma, Fonseca Castello Branco, Pessanha (José), Jacinto Tavares, Baldy, Cazal Ribeiro,
Silva Vieira, Paredes, Placido de Abreu, Moraes Soares, Pinto da França, Simão da Luz, Northon, Torcato Maximo de Almeida, e Visconde da Junqueira.
Faltaram sem causa conhecida os srs. Calheiros Bivar, Ortigão, Magalhães Coutinho, José Joaquim da Costa, Emauz, e Passos.
O sr. Secretario Tavares de Macedo leu a acta da sessão antecedente, que foi approvada sem reclamação.
CORRESPONDENCIA.
OFFICIOS: — 1.° Da camara dos dignos pares, acompanhando as alterações que alli se fizeram ao projecto sobre a refórma monetaria. — Á commissão de fazenda.
2.º Do ministerio das obras. publicas, acompanhando os esclarecimentos que lhe foram pedidos sobre a despeza que custará aproximadamente a construcção das estradas de Mondim e Athei para Villa Real. — Á commissão de administração publica.
SEGUNDA LEITURAS.
Projecto de lei: — Senhores. Aconselha a equidade que se não obriguem os herdeiros de um valor
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a despender em emolumentos judiciaes esse valor herdado, porque existindo em debito a herança não vai áquelle a quem de direito pertence, transmitte-se em beneficios de estranhos. Os legados de pequenos valores em titulos, deixados a pessoas pobres, não podem muitas vezes receber-se pela enormidade das despezas judiciaes. Resulta daqui que muita gente, ou ha de ir entregar os titulos aos officiaes de justiça, ou abandonar, se não perder, o seu direito.
Para obstar a estes inconvenientes se promulgaram as disposições da carta de lei de 24 de agosto de 1848, a favor dos herdeiros dos pensionistas e subsidiados do estado, as quaes propomos se façam extensivas aos herdeiros dos possuidores de titulos de divida fundada.
Artigo 1.º Ficam ampliadas as disposições da carta de lei de 24 de agosto de 1848 aos herdeiros dos possuidores de titulos de divida fundada, cuja som! ma, havida por herança, não exceder a quatrocentos mil réis.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 17 de junho de 1854. = Julio Maximo de Oliveira Pimentel.
Foi Admittido — E remetteu-se á commissão de fazenda.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, mando para a mesa uma representação dos irmãos da santa casa da misericordia de Villa Ruiva, districto de Béja, contra o governador civil, por haver mandado fechar aquella confraria. Como está presente o sr. ministro do reino, e s. ex.ª já prometteu mandar saber o que ha sobre uma representação identica da Villa de Beringeles; peço ao sr. ministro que dê sobre o assumpto alguma providencia, porque, realmente, parece incrivel que haja um governador civil, que, contra expressas e claras disposições de leis vigentes, contra a manifesta vontade dos irmãos, mesarios e presidente da confraria, contra o que elle proprio devia fazer depois de ouvir os irmãos convocados á sua ordem para declararem se queriam ou não continuar a ser irmãos; e declarando que sim, o governador civil mandasse fechara confraria! Parece incrivel!
Os irmãos requereram ao governo em janeiro, o governo mandou immediatamente ouvir o governador civil, o governador civil não respondeu ainda!!!
Sr. presidente, já estou farto, cançado e aborrecido de clamar tanto e em vão. Um governador civil practica actos contra expressos e terminantes disposições da lei; os aggravados requerem ao governo, o governo manda ouvir o governador civil, e o governador civil está seis mezes sem responder ás portarias do ministro do reino!
Abre-se a junta geral de districto; o governador civil vai ajunta, e dá como factos consummados o que é ainda unia questão, sobre a qual ha recursos pendentes!
Haverá quatro ou cinco dias mandei a representação da confraria de Beringeles, hoje mando esta da confraria de Villa Ruiva. Proceda o nobre ministro como melhor parecer a s. ex.ª: s. ex.ª tem confiança illimitada no governador civil; não me parece que faz muito bem.
Peço a v. ex.ª sr. presidente, que tenha a bondade de me inscrever para uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas. Desejo que o sr. ministro venha informar a camara do que ha, com verdade, ácerca das malas-postas do Alemtejo; e se ha alguma desintelligencia entre o ministerio e os empreiteiros do caminho de ferro. Corre, com visos de probabilidade, que os empreiteiros não querem continuar, allegando que o governo falta ás condições estipuladas no contracto.
Declare o governo o que ha a este respeito, porque vamos entrar na discussão do orçamento das obras publicas; e é necessario que a camara saiba, se o caminho de ferro parar, se é por culpa dos empreiteiros, ou por culpa do governo. É necessario que o sr. ministro venha dar informações, não a mim, mas ao paiz e á camara, do que ha de verdade sobre este objecto, que tem sido o famoso cavallo de batalha para sustentar esta situação.
Leu-se logo na mesa a seguinte
NOTA DE INTERPELLAÇÃO: — Peço que seja avisado o sr. ministro das obras publicas, para ouvir uma interpellação, que desejo dirigir a s. ex.ª, ácerca das malas-postas do Alemtejo, e do caminho de ferro. = Cunha Sotto-Maior.
Mandou-se fazer a communicação. O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães): — Em quanto ao primeiro objecto, eu posso assegurar ao illustre deputado e á camara, que dentro em pouco lhe apresentarei as informações que esclarecem o estado do negocio; porque o governador civil me deu parte, em officio recebido ante-hontem, que dentro em pouco tempo, quer dizer, em brevíssimos dias, satisfaria á ordem que recebeu da secretaria do reino sobre este objecto, que me parece não é figurado nas informações que o illustre deputado teve, e mesmo nessa representação, tão genuinamente quanto o devia ser; e então um tal caso com aquellas informações mudará de figura, e a imputação que se tem feito ao governador civil ha de mostrar-se que não é bem fundada,
A respeito do susto que me parece ter tomado o illustre deputado, pelo muito interesse com que olha para as coisas publicas, este susto, digo eu, não deve durar muito tempo no coração do illustre deputado. Não ha probabilidade alguma de que parem os caminhos de ferro; não ha motivo algum de receio dessa dissensão de que na verdade se tem fallado, e tambem já me chegou aos ouvidos; podendo eu affirmar ao illustre deputado e á camara que é absolutamente sem fundamento; e que não só não ha motivo algum de receio, senão que, pelo contrario, ha todos os motivos para esperar que cada vez se prosiga na obra do caminho de ferro com mais actividade e presteza.
Pelo que respeita ás malas postas do Alemtejo, direi, que, por uma occasião de máo tempo, houve algum retardo na conducção da correspondencia, mas desde que essa occasião passou, as correspondencias tem vindo exactamente e ainda com mais presteza o mais actividade, muito mais, do que vinham antes deste estabelecimento. Eu peço ao illustre deputado, com cuja benevolencia conto muito, apezar de que uma ou outra vez sou objecto das suas iras, mas benignas... (O sr. Cunha: — A anarchia mansa) Anarchia mansa... Escusado é combater a fraze; é explicativa, e não deve por isso merecer a sua reprovação. Digo, que, depois disso as correspondencias se tem feito com mais presteza. O illustre deputado sabe que todos estes estabelecimentos no seu principio lu-
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eram com difficuldades; (O sr. Avila: Apoiado) e se acaso os governos, e os emprezarios de uma obra nova, não usada no nosso paiz, descorassem e desfalecessem aos primeiros obstaculos que encontrassem, ou aos segundos, não se tinha feito nada bom. Quanto custou, quantas difficuldades, quantas perdas, quantos perigos o estabelecimento das carreiras a vapôr em Inglaterra, e nos outros paizes onde as tem começado? E comtudo a perseverança e o estudo leiu triunfado de todas essas difficuldades: já não lembram as perdas nem mesmo as perdas de vida que algumas vezes custaram, e agora a geração actual vai gozando das immensas vantagens de taes estabelecimentos. Custaram muito, é verdade, e entre nós não póde haver privilegio; decerto que havemos de estar sujeitos á lei geral da natureza — custa ao principio; mas havendo perseverança e bom desejo de acertar, vem a alcançar-se: eis-ahi o que eu espero, e de certo ha de acontecer, com as novas viações. Isto pela parte que respeita ao caminho de ferro.
Quanto ao das malas postas e diligencias no Alemtejo, o máo tempo arruinou em parte o caminho, (estrago inevitavel) e naquella parte em que o caminho tinha sido concertado provisoriamente, não pôde este provisorio resistir ás torrentes; mas vai-se continuando com muita diligencia e com muitos operarios a formação desta estrada, que dentro em breve e antes das chuvas do outono ha de estar completa; a viação ha de fazer-se, e os obstaculos, com que até agora se tem luctado, hão de desapparecer. É o que posso dizer, sem embargo de que este objecto me não pertence, e sim ao ministerio das obras publicas: digo-o pelas informações que tenho.
O sr. Roussado Gorjão: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o meu voto em separado, a que me comprometti ha poucos dias. (Leu)
Sr. presidente, eu não tractei de fundamentar o meu voto, porque [esses fundamentos estão na opinião motivada, e fundamentados esclarecimentos que já se acham publicados nas Verdades Financeiras; por consequencia intendi que era desnecessario fazer agora uma publicação; e foi isso mesmo o que propuz na sessão de ante-hontem. Agora o que é indispensavel é, que os dois additamentos, que pouco mais levarão que uma meia folha de impressão, esses sejam impressos, para serem distribuidos com este meu voto em separado, porque são elles essencialmente os que formam o seu fundamento.
Agora, aproveitando a occasião, sr. presidente, mandarei para a mesa um outro requerimento. (Leu)
O sr. Presidente: — Mandam-se imprimir os additamentos, e o voto em separado; e em quanto ao requerimento dar-se-lhe-ha expediente. Já deu a hora de se passar á ordem do dia, e ficam inscriptos os srs. Faustino da Gama, Palmeirim e Santos Monteiro.
ORDEM DO DIA.
Continúa a discussão do orçamento do ministerio do reino — Capitulo 5.º
(Vide sessão de 14 de junho pag. 190.)
O sr. Lopes de Mendonça (Sobre a ordem): — É para mandar para a mesa a seguinte proposta. Se fôr impugnada, eu peço desde já a palavra.
PROPOSTA: — Proponho que se vote uma verba de 1:500$000 réis á academia real das sciencias, com o fim especial de habilita-la a emprehender a impressão da Collecção de documentos historicos, monumento litterario indispensavel para o estudo da historia, e que quasi todas as nações da europa hoje possuem. = Lopes de Mendonça., Foi admittida. O sr. Justino de Freitas (Sobre a ordem): — Pedi a palavra para lembrar a v. ex.ª, que está sobre a mesa um parecer que deu a commissão de fazenda, para augmentar a dotação da academia real das sciencias com a quantia de 600$000 réis, afim de se empregarem na impressão dos documentos historicos. Intendo que este parecer se deve discutir conjunctamente com o artigo 31, que tracta da academia real das sciencias.
O sr. Presidente: — Vai lêr-se o parecer a que alludio o sr. Justino de Freitas. É o seguinte.
Parecer: A commissão de fazenda examinou o incluso projecto do sr. deputado José Tavares de Macedo, e o parecer da illustre commissão de instrucção publica. O primeiro propõe e a segunda concorda em que se conceda á academia real das sciencias, 1:000$000 réis annual e por tempo de tres annos, para ser destinado á publicação de documentos respectivos á historia nacional.
Sendo incontestavel a conveniencia da publicação que se quer fazer, talvez haja bastante difficuldade em fixar o prazo em que se possa concluir, e orçar a despeza que por tal motivo deve accrescer á academia. Em quanto se não obtem informações mais amplas, parece á commissão, que, em logar de fixar já o tempo de tres annos, seja augmentada para o futuro anno economico a dotação da academia com a somma de 600$000 réis, para dar principio á referida publicação, e declarando-se que será para esse unico fim, deixando-se para os annos seguintes, e para a occasião de se votar o orçamento respectivo, o augmento ou diminuição da verba, conforme parecer á vista das informações que se tiverem obtido, e das publicações que se tiverem realisado.
Sala da commissão, 12 de junho de 1854. — João Damazio Roussado Gorjão = Justino Antonio de Freitas = A. X. Palmeirim = Carlos Cyrillo Machado =. Antonio dos Santos Monteiro.
Ficou tambem em discussão.
O sr. Silvestre Ribeiro: — Começarei, sr. presidente, a fallar ácerca da proposta do sr. deputado Tavares de Macedo, que acaba de ser lida, bem como do parecer da commissão de fazenda sobre ella. Sr. presidente, eu não posso deixar de approvar com todas as minhas forças a proposta apresentada pelo illustre secretario desta camara, o sr. Tavares de Macedo. Já se vê por consequencia, que, approvando a sua proposta, não me devo satisfazer com o parecer da illustre commissão; todavia, sr. presidente, expendendo esta opinião, não é meu intento irrogar a menor censura á illustre commissão de fazenda. A illustre commissão foi levada por sentimentos muito justificados, como são os de economia; no entretanto, sr. presidente, aquelle assumpto é de tal modo importante, que me parece que esta camara (e appello para a sua illustração) não poderá deixar de approvar a proposta do illustre deputado, como tendente a proporcionar a um estabelecimento muito respeitavel neste paiz, os meios de imprimir documentos re-
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lativos a nossa historia, que são realmente de muita importancia para as letras, por consequencia para o paiz.
Sr. presidente, ainda esta manhã eu estive vendo o orçamento francez do anno de 1852, e n'uma nota desse documento pude encontrar que, desde o anno de 1837 (e chamo sobre isto a attenção da camara) está votada para o ministerio dos negocios da instrucção publica (porque alli todos sabem que ha um ministerio destinado privativamente para a instrucção publica), para esse ministerio, digo, desde 1837 está votada a verba de 150:000 francos, para a impressão de documentos da historia nacional, sem marcar a época, pois que na relação que examinei encontro muitos documentos posteriores ao seculo XV.
Ora, eu devo apresentar francamente o que vi. Effectivamente, desde o anno de 1837 até 1850, a verba votada pelo parlamento francez para esse destino foi de 150:000 francos, que correspondem a 25:000$000 réis, pouco, mais ou menos. Ora, esta verba em 1850 teve um pequeno abatimento, passou a 132:000 francos; em 1851, diminuiu, porque ficou em 120:000 francos; mas já em 1852 foi elevada a 140:000 francos. Vejo perfeitamente a differença que ha entre os dois paizes. Vejo a França, uma nação poderosa, rica, bem constituida e bem administrada; e vejo o nosso paiz, pobre... todavia deve-se notar que os interesses litterarios devem ser os mesmos nos dois paizes, (Apoiados) embora a sua população, riqueza, e mil outras circumstancias sejam diversas e distinctas.
Effectivamente, sr. presidente, vejo que a academia real das sciencias destinou-se a mandar publicar documentos inéditos relativos á nossa historia até ao fim do seculo XV, que são porventura os de mais valia para a nossa historia, e para a nossa gloria. Já aqui disse que nós não havemos unicamente vi ver dos interesses materiaes do paiz, é preciso dar desinvolvimento intellectual aos nossos povos; e debaixo deste ponto de vista, intendo, e não me engano, que a camara approvará o pensamento que dictou ao sr. Tavares de Macedo a sua proposta, qual foi o de habilitar convenientemente a academia real das sciencias a imprimir documentos, que são tão importantes para a nossa historia.
Sr. presidente, a este respeito nada mais direi, e tractarei de um outro estabelecimento, que no seu genero é um dos principaes da Europa, é dos mais recommendaveis; quero fallar do archivo da torre do tombo. Na sessão do anno passado, e na occasião em em que se discutiu o orçamento do ministerio do reino, não estava eu presente; mas dando-me ao trabalho de lêr a discussão dessa época, eu vi, que se teceram os maiores elogios ao official maior daquelle estabelecimento, a quem o illustre deputado o sr. Avila chamou dignissimo, assim como o sr. ministro dos negocios do reino; e quando um empregado qualquer merece de tão illustres personagens um conceito tão lisongeiro, (Apoiados) é porque na verdade é digno disso. Não posso deixar de aproveitar esta occasião para tambem dar o meu testimunho sobre o merito deste funccionario.
O dignissimo e muito illustre guarda-mór daquelle estabelecimento está fóra do reino, como todos sabem; mas lá ao longe mesmo consagra o seu tempo a trabalhos importantissimos, summamente uteis á nossa historia, á nossa gloria nacional, e ás nossas letras, no que faz um grandissimo serviço ao seu paiz. (Os srs. ministro do reino, Anila, e Rivara: — Apoiado) Lamento que não esteja presente, porque certamente a sua presença poderia dar mais desinvolvimento áquelle estabelecimento.
Peço pois ao sr. ministro dos negocios do reino, que olhe com muita attenção para aquelle estabelecimento; chamo a sua attenção sobre a indispensabilidade da impressão dos catalogos daquelle estabelecimento, e que tenha isto muito em vista; e appello agora para a memoria de s. ex.ª, que, na sessão do anno passado, prometteu que empregaria os mais sérios cuidados em promover a impressão dos catalogos daquelle estabelecimento. S. ex.ª fez esta promessa, e essa promessa foi formal, e não tenho difficuldade alguma em appellar para a memoria de s. ex.ª Mas pergunto: qual é o estado de adiantamento deste negocio?
Sr. presidente, a impressão dos catalogos daquelle estabelecimento é immensamente util ao nosso paiz, por quanto alli ha documentos importantissimos que interessam tanto á nação em geral, como ás nossas letras, e aos particulares. Ora, aquelle archivo é precioso; contém documentos de muitissima valia; e, se acaso não houver catalogos, a maior parte dos individuos não poderão alli recorrer com proveito. Eu não quero isto só; eu desejava que se podesse conseguir o estremar-se daquelles estabelecimentos os que fossem mais preciosos, mais importantes, e que interessassem mais ao nosso paiz, e á nossa historia nacional, e que pouco a pouco fossemos procurando imprimi-los.
A impressão, sr. presidente, salvaria aquelles preciosos documentos, de uma qualquer catastrofe, porque v. ex.ª e a camara sabem perfeitissimamente bem, que aquelle archivo, pelo terremoto de 1755, correu grande risco, e deveu a sua salvação ao muito louvavel zelo do guarda-mór Manoel da Maya; póde acontecer uma catastrofe similhante. (quod Deus avertat!) póde haver um incendio, um roubo, e um descaminho qualquer; e para evitar qualquer desvio era mister que fossemos imprimindo pouco a pouco aquelles documentos, que mais podessem interessar á nação. Já se vê, sr. presidente, que isto não foi mais do que chamar a attenção illustrada do sr. ministro do reino, e digo illustrada, porque s. ex.ª olha muito para as letras, e é protector (O sr. Avila: — Apoiado) dos estabelecimentos litterarios. Não digo isto com o fim de ser adulador, mas unicamente de fazer justiça a s. ex.ª (Apoiados)
Agora, sr. presidente, passarei a outro artigo, á imprensa nacional. Fallando deste estabelecimento litterario, eu não posso deixar de lamentar a perda de um empregado, ao qual muito deveu aquelle estabelecimento; fallo do sr. José Frederico Pereira Marecos. (Os srs. Avila e Rivara: — Apoiado) Tivemos ainda a fortuna de o vêr substituido pelo seu digno irmão, ao qual está hoje confiada, e mui justificadamente, a administração da imprensa nacional.
Sr. presidente, o estado daquelle estabelecimento, com quanto seja muito prospero, com quanto tenha caminhado muito no progresso, ainda não satisfaz completamente ao fim para que foi destinado. Sr. presidente, procurando o primeiro decreto da sua instituição, creio que é um alvará de 1768, vê-se que o fim do legislador, o fim do imperante, quando creou aquelle estabelecimento, foi não só de que tivessemos
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Uma aperfeiçoada officina typografica, mas igualmente de proporcionar ás pessoas, que pretendessem imprimir qualquer obra naquelle estabelecimento, a maior commodidade e maior facilidade no sentido de fazerem a menor despeza possivel.
Ora, sr. presidente, em quanto á perfeição, e em quanto á nitidez da impressão, digo que esse estabelecimento nos honra, e os trabalhos que dalli sáem podem compelir com os de França e Inglaterra. Mas pelo que toca á carestia de preço, é forçoso dizer que esse estabelecimento não está tão satisfactoriamente organisado, ou falta-lhe alguma coisa; porque as obras que alli se fazem sáem muitissimo caras; e este estabelecimento tambem foi creado para favorecer as letras. A mão de obra é bastantemente cara; os trabalhos sáem perfeitos, mas são morosos e caros. É mister dizer a verdade, e não nos reunimos aqui para outro fim. Eu já teci elogios ao director daquelle estabelecimento, e tecel-os-hei a todos os empregados; mas entretanto ha um quid occulto, que obsta a que aquelle estabelecimento, aliàs bem administrado, aliàs já muito adiantado, não satisfaça a todas as indicações.
Consta-me, sr. presidente, que o governo deve áquelle estabelecimento avultadas sommas, e eu chamo a attenção de s. ex.ª sobre isto. Se o governo manda fazer alli trabalhos, esses trabalhos devem ser pagos; e eu creio que o governo está em grande divida para com aquelle estabelecimento; e por consequencia, sem querer fazer ao governo a menor censura, direi que quem quer os fins, procura empregar os meios. Sr. presidente, a mim consta-me que será muito difficil que aquelle estabelecimento se incumba da impressão do nosso Diario. V. ex.ª e a camara sabem o que se tem passado a esse respeito. Nós temos soffrido graves inconvenientes em relação a esse objecto. Declaro que para o anno será muito difficil que se possa imprimir na imprensa nacional o nosso Diario, porque lhe faltam machinas, utensilios, e até lhe falta uma casa. Ha um projecto de um membro desta camara, creio que é do sr. Pegado, em que se pede uma certa verba para que aquelle estabelecimento possa ter unia tala conveniente, assim como mandar vir os utensilios e machinismo, que lhe forem necessarios. E esta a occasião de discutir este objecto, e estou persuadido de que o auctor deste projecto não deixará de sustentar a sua proposta, mostrando as vantagens que della podem resultar; e assim exigisse, permitta-se-me dizê-lo, daquelle estabelecimento o cabal cumprimento das suas obrigações.
Relativamente á bibliotheca nacional, eu devo declarar que o sr. ministro do reino, na sessão do anno passados e chamo a sua attenção, disse (reconhecendo a insufficiencia do edificio em que está collocado) o seguinte:
«Eu comprometto-me, no intervallo da sessão, a occupar-me deste negocio, e trazer a camara um projecto, na proxima sessão com o orçamento bem desinvolvido sobre este ponto importante.»
Sr. presidente, s. ex.ª prometteu, na sessão passada, apresentar a esta camara um orçamento muito desinvolvido de todos os trabalhos relativos á construcção de uma casa em que fosse collocada a livraria. S. ex.ª comprometteu-se, e disse que no intervallo da sessão tractaria deste negocio, e apresentaria na sessão immediata o resultado dos seus trabalhos. A actual casa não preenche o seu destino; é uma lastima, uma vergonha para nós, que tenhamos uma bibliotheca nacional tão miseravelmente collocada, tanto mais quanto é frequentada, não só pelos nacionaes, mas pelos estrangeiros. S. ex.ª comprometteu-se a apresentar trabalhos; não sei que os tenha apresentado até agora. Eu pedia a s. ex.ª que, ou nos désse algumas explicações, ou nos promettesse alguma coisa. Eu peço perdão de invocar o desempenho das suas promessas j não o faço com espirito de censura; todavia encontro isto, e vejo me na necessidade de o apresentar a s. ex.ª. Alli ha um deposito das livrarias dos extinctos conventos; não sei se esse deposito está bem acondicionado j sei que delle tem saido livros para differentes seminarios; é admiravel este systema, realmente merece muito louvor, e bom é que se prosiga nelle.
Não direi mais nada relativamente a este capitulo, reservando-me para fallar depois do sr. ministro do reino, esperando que s. ex.ª me facada honra de dizer alguma coisa sobre os pontos que tenho focado.
O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães): — Sr. presidente, em quanto ao estado do estabelecimento tão importante da Torre do Tombos e aos catalogos que me comprometti mandar fazei, ou, antes, adiantar, porque os trabalhos estão começados, e estavam; elles progridem, não com a rapidez que eu desejava, mas é força que a camara saiba, que a necessidade da feitura destes catalogos trouxe a da melhor organisação daquelle estabelecimento, pela parte que respeita á classificação, collocação e conservação dos importantissimos manuscriptos e códices que elle encerra. Esse serviço tem progredido, se não rapidamente, com uma tal ordem e perfeição, que hoje em dia (não o direi por vaidade, posto que não me compete o merecimento) eu ouso affirmar, que em nenhum estabelecimento de igual natureza ha melhor regularidade, melhor collocação, melhor serviço, do que naquelle; (Apoiados) portanto, peço ao illustre deputado creia que estes trabalhos progridem sèriamente; não são trabalhos de improviso; são muito meditados, muito bem organisados, e disso resulta um grande louvor ao chefe interino daquelle estabelecimento, e aos empregados delle. Nesta parte cuidei que o illustre deputado ficará satisfeito, sabendo, informado por mim, a quem creio que acredita, (O sr. Silvestre Ribeiro: — Apoiado) que não me descuidei de um objecto tão importante como este.
Pelo que pertence á imprensa nacional, eu tambem gósto dê dizer a verdade, e só me peza expo-la, quando della póde resultar desvantagem ou menoscabo a alguma pessoa; mas quando da exposição della, tal não seja o resultado, como não é agora, francamente a exponho. Affigura-se-me que o illustre deputado não está bem certo de como as coisas se passam, quando affirma, e affirma porque o acredita, que as obras feitas na imprensa nacional sáem mais caras do que nos outros estabelecimentos. A prova de que assim não é, vem a ser a seguinte — que se procura a imprensa nacional de preferencia a todos os outros estabelecimentos, (Apoiados) e que só pela impossibilidade de satisfação áquelles que a procuram, é que recorrem a outra parte. — Isto em geral; não faço aqui a censura ao estado em que se acham os outros estabelecimentos de igual ordem; mas acredito o facto porque me passa pelas mãos, e não posso crêr que se repute mais caro, por valer mais dinheiro, uma obra que, na sua perfeição, se avantaja a outras que são acceitas por menos preço. A verdade é (sem que com
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tudo eu deixe dever que a arte typografica tem feito muitos progressos entre nós, assim como o tem feito todas as outras industrias) que a imprensa nacional rejeita, por não poder satisfazer, uma multidão de obras que vão ser impressas em outra parte; por consequencia, não é provavel, e fóra de todas as probabilidades, que, se acaso o trabalho não valesse o preço, se as pessoas interessadas achassem que alli o preço do trabalho era excessivo, comparado com a bondade e merito delle, lhe dessem preferencia; o facto diz o contrario, e parece-me que um argumento a posteriori não é daquelles que deixam de provar alguma coisa.
Mas, sr. presidente, afflue á imprensa nacional tudo quanto os diversos ministerios mandam imprimir; afflue tudo quanto das duas casas legislativas, tudo quanto pelos governos civis (que ainda não tem a sua typografia propria) se deve imprimir, bem como pelos estabelecimentos que são secundarios e subalternos dos ministerios; e affluem, além disso, outras obras, como se vê que sáem dos prelos da imprensa nacional. Ora, o estado a que tem chegado o aperfeiçoamento da imprensa nacional, ainda dista daquelle a que nós desejâmos que chegue; dista ainda muito daquelle a que pretende que chegue o seu director, homem a cujo zelo, a cuja intelligencia e boa vontade não posso deixar de fazer aqui o devido elogio. (Apoiados) Mas que lhe falla? Falta-lhe alguma coisa, porém muito menos do que falla a todos os outros estabelecimentos Que beneficios tem feito aquelle estabelecimento? Bem se sabe que elle tem concorrido como modêlo para o aperfeiçoamento de todos os outros estabelecimentos de igual natureza; isso vale alguma coisa. (O sr. Silvestre Ribeiro: — Sim, senhor) Ainda carece de alguns auxilios para poder chegar a mais, e principalmente para poder dar vasão ao muito trabalho que alli occorre. O governo tem feito a favor do estabelecimento tudo quanto póde. As dividas antigas, que hoje existem ainda escripturadas, são de data muito mais remota, e nenhum governo se tem julgado até agora habilitado para as poder satisfazer, (O sr. Avila: — Apoiado) nem me parece que seja essencialmente necessario recorrer a tempos tão atrazados para se fazer mais algum beneficio á imprensa, que se lhe deve fazer sem esse recurso.
A imprensa tinha a seu favor um grande auxilio que era o privilegio das cartas de jogar, que alli, como o illustre deputado sabe, se fabricavam exclusivamente; e em quanto existiu esse privilegio, a imprensa pôde fazer face a todas as suas despezas: agora que elle acabou, que acabou já ha annos, tem aquelle estabelecimento feito face ás suas despezas, não só com o preço das obras externas, mas tambem com o preço regularmente avalia-lo, mas antes para menos do que para mais, de todas as encommendas que lhe são feitas pelo governo. Ao governo serve este estabelecimento melhor do que poderia servir qualquer outro; não é possivel deixar tambem, por este meio de o auxiliar para que se mantenha. Parece-me que se se podesse dar ao estabelecimento mais uma machina, poderia satisfazer verdadeiramente ao que o illustre deputado receiou que elle não podesse no anno seguinte, quer dizer, ás impressões que lhe sejam encarregadas por esta camara. Se me não engano, já se tentou haver de um estabelecimento particular este mesmo trabalho, a que se intendeu ao principio, que a imprensa nacional não podia satisfazer(mas tambem a experiencia veiu mostrar que era o contrario de tudo isso, (Apoiados) e que, apezar de qualquer imperfeição que se possa notar na imprensa nacional, aquelle estabelecimento, incomparavelmente mais que nenhum outro, póde satisfazer. Ora, se isso. assim é, se com um pequeno auxilio se póde conseguir o grande desideratum, não vejo motivo nenhum para que deixem de fazer-se todos os esforços, a fim de se lhe prestar esse auxilio, na certeza de que alli ha uma bella fundição de letras, coisa que não havia capaz; que ha excellentes officiaes fundidores; que se fazem as matrizes, poncções; n'uma palavra, que alli se trabalha regularmente sem dependencia de nenhum estabelecimento estrangeiro. Quando esta certeza tenha custado muito, não devemos desesperar ainda que custe mais alguma coisa, porque resultará o ficarmos com esse ramo de industria; o que, quando mais não fosse, é vantajoso. Fallo diante de uma camara illustrada, que sabe que o adiantamento da arte typografica é uma prova do adiantamento da litteratura de um paiz. (Apoiados) Nós vêmos que na Allemanha a arte typografica tem sempre marchado a par dos conhecimentos scientificos daquella nação; e assim acontece entre nós, pelo estado em que se acha hoje a imprensa nacional. E em breve veremos a imprensa da universidade, graças aos esforços patrioticos, e ao zelo da corporação illustre a cujo cargo está confiada, ser dentro em pouco tempo o segundo estabelecimento desta ordem em Portugal, muito digno de attenção e louvor. Eis-aqui pelo que pertence á imprensa nacional.
Agora em quanto á bibliotheca, pareceu querer o nobre deputado, com toda a delicadeza, empenhar-me pela palavra. Sem duvida nenhuma, eu dei a minha palavra, e com o maior desejo de a cumprir; mas o nobre deputado sabe muito bem que quando damos a nossa palavra com o maior desejo de a satisfazer, se a não cumprimos até certo ponto, é por que difficuldades, occorridas dentro de um curto espaço de tempo, impedem o que promette de satisfazer cabalmente áquillo a que se obrigou.
A localidade ou o local para o estabelecimento de uma bibliotheca, e principalmente quando se tracta de construir a fundamentis um edificio para conter a bibliotheca nacional, é um objecto de mais difficuldade do que parece; não contando mesmo com os meios, porque esses sem duvida que os ha de dar o parlamento, não sendo capaz de os negar para isso. Mas, sr. presidente, as difficuldades, na escolha do local, as duvidas, as incertezas mesmo, os diversos alvitres que se tem apresentado (porque eu não me descuidei neste negocio), uma difficuldade imprevista que achei n'um certo local que não esperava achar, tem impedido o governo de poder apresentar á camara um projecto completo sobre o estabelecimento de uma bibliotheca. Se corressem perigo-os livros que contém a bibliotheca no seu estado actual, como já correram, se o governo não tivesse cuidado de obviar á destruição de que estiveram ameaçados, e experimentaram mesmo durante algum tempo muitos centenares de volumes, podia haver alguma razão de queixa, mas o governo contando, antevendo, e sentindo mesmo a difficuldade de poder desde já entregar-se ao cuidado de tornar effectivo o seu empenho da construcção de uma bibliotheca, tractou de salvar os volumes guardados naquelle logar, a não só
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estes volumes tem sido salvos de toda a ruina de que estiveram ameaçados por muito tempo, e em que realmente incorreram, mas tambem lhes tem dado ordem, tem reparado o edificio, tem nelle introduzido alguns melhoramentos, tem-o tornado habitavel aos leitores, n'uma palavra tem feito tudo quanto lhe era possivel fazer para a classificação, para a guarda, e até separação das obras, nos seus differentes estados de melhor e peior condição; tem separado as melhores edições, tem guardado os duplicados, tem trocado alguns desses duplicados de que temos ainda uma grande abundancia, por obras modernas de melhores auctores, e as trocas que se tem feito são vantajosas. Convido os nobres deputados, que forem curiosos, a vêr na bibliotheca as trocas dos exemplares das obras dos Santos Padres, de que temos uma abundancia immensa, e outras obras asceticas, e de certo não poderei deixar de esperar muito louvor da parte dos nobres deputados.
O sitio podia ser melhor, mais apropriado; mas emfim temos um edificio com um tecto debaixo do qual se cobre a bibliotheca, e de certo com bastante utilidade para os leitores que fazem uso della no estado actual, que me parece não ser um estado lamentavel; antes me parece este um dos estabelecimentos donde se póde esperar alguma coisa, até se dar ensejo mais favoravel de operar a mudança do edificio, que de certo ha de ser muito custosa. Isto não e querer evitar o construi-lo, e até já tive occasião de vêr em que local seria melhor; mas por me parecer que, em attenção ao que póde custar edificio tamanho, convém mais por em quanto conservar o que existe, do que sem uma urgente necessidade ír fazer uma despeza tão consideravel.
Eu não digo que a bibliotheca esteja bem collocada, mas o que posso dizer é que está em ordem, que se tem salvado das ruinas muitos livros, que está aceiada; que hoje ha alli segurança, ha luz bastante, e n'uma palavra, que se tem tirado todo o partido que se podia tirar, tal qual é. A situação do edificio relativamente á população é boa, e eu não desejava separa-lo muito daquelle fóco central da cidade, aonde a conveniencia de todos pede que a bibliotheca seja collocada. Por esta parte creio que o nobre deputado continuará a sua indulgencia para comigo a este respeito, conhecendo, como conhece, que o governo tem feito alguma coisa sobre isto; e fazer alguma coisa é não se descuidar — se não tem feito mais é porque as difficuldades são verdadeiras, não são inventadas; não ha descuido, ha difficuldades.
O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, obrigou-me a pedir a palavra por parte da commissão a proposta mandada para a mesa pelo nobre deputado o sr. Lopes de Mendonça, aliàs pedi-la-ía no logar competente, para tocar n'um dos objectos a que já fez referencia o sr. Silvestre Ribeiro. Mas como agora me cabe o usar da palavra, tocarei em uma e outra coisa.
O illustre deputado o sr. Lopes de Mendonça mandou uma proposta para a mesa, com o fim de se votar a quantia de 1:000$000 réis, augmentando deste modo a dotação da academia real das sciencias, para o fim de ser applicada essa verba á despeza com a publicação dos documentos historicos. Eu não sei se o nobre deputado tinha noticia de que a esse respeito existia já um projecto de lei apresentado por um illustre deputado, ornamento desta camara, e tambem da academia real das sciencias, o sr. Tavares de Macedo, para que se dotasse a academia real das sciencias com a quantia de 1:000$000 réis, e por tempo de tres annos, para ser applicada á despeza da publicação de documentos historicos.
A commissão de instrucção publica enviou a proposta á commissão de fazenda, e esta intendeu que lhe faltavam as habilitações necessarias para poder apresentar uma opinião segura, sobre se naquella publicação de documentos historicos se havia de despender unicamente 3:000$000 réis, porque era esta a somma a que o projecto do sr. Tavares de Macedo limitava a despeza que tinha de se fazer com esta publicação; pelo contrario, pareceu á commissão que 3:000$000 réis seria uma quantia muito diminuia para a despeza da publicação de Memorias que tem de ser publicadas, e intendeu que devia votar-se maior quantia; e pelo projecto do sr. Tavares de Macedo não se concedia á academia senão a somma de 3 000$000 réis. Ora, affigurando-se á commissão que 3:000$000 réis não seria sufficiente para esta publicação, votou para o primeiro anno simplesmente 600$000 réis, sem comtudo limitar o prazo de tempo durante o qual deve ser concedida á academia uma dotação para este fim; não aconteceria assim, porém, se fosse approvado o projecto do sr. Tavares de Macedo, porque, quando acabasse o prazo nelle marcado, teria de se apresentar um outro projecto, renovando a verba, porque aquella desapparecia no fim de tres annos. Portanto, pareceu á commissão que, por um lado, a despeza não podia ser limitada unicamente a 3:000$000 réis; e por outro lado, achando-se a commissão inteiramente desprovida de todos os esclarecimentos, para saber quanto seria possivel despender no primeiro anno, e não deixando de considerar que a dotação da academia, votada depois do decreto, com força de lei, de 13 de dezembro de 1851, de alguma fórma já tinha applicação para a publicação de memorias, á commissão pareceu conveniente, no presente anno, augmentar a dotação da academia com mais 600$000 réis para este fim restricto, sem comtudo ficar privada a academia de despender da sua primitiva dotação mais alguma quantia, como me parece que terá feito até agora, para ser applicada a esta despeza; reservando-se a commissão para no anno seguinte, quando já tivesse as necessarias informações, vir propôr o augmento da dotação. A commissão intendeu que 600$000 réis era uma quantia sufficiente para as despezas materiaes que tem que se fazer com esta publicação no primeiro anno; e pareceu á commissão que o illustre auctor do projecto não ía fóra deste accôrdo. Eis-aqui, pois, a razão por que a commissão limitou, neste anno, a quantia a 600$000 réis; declarando no parecer que está sobre a mesa, que conforme as informações que se obtivessem para o anno, assim seria augmentada a dotação; mas nunca foi a mente da commissão limitar a dotação a um certo e determinado prazo de tempo, por isso que não se póde seguramente fazer esta limitação, porque ninguem, nem de certo a propria academia, póde dizer quando hão de acabar estas publicações; e não sendo possivel que ellas acabem no fim de tres annos, comtudo, pelo projecto do sr. Tavares de Macedo, a receita para fazer frente a esta despeza acabava no fim de tres annos. São estes os esclarecimentos que tenho a dar sobre este objecto por parte da commissão,
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Agora ser-me-ha permittido fazer algumas observações, sobre outros objectos a que se referiu o sr. José Silvestre Ribeiro. Principiando pela bibliotheca publica, ha de observar-se, que a commissão de fazenda propõe que se augmente a dotação desse estabelecimento com mais 400$000 réis neste anno; e não elevou esta verba a mais, porque o sr. ministro do reino deu no centro da commissão as informações que acaba de dar na camara, isto é, que a bibliotheca, por meio da troca de algumas obras que tinha em duplicado, -tem podido obter enriquecer-se daquellas obras de que estava falha, e que tem sido importadas do estrangeiro; do que posso dar testimunho official na minha qualidade de empregado da alfandega. Devo declarar que este augmento de dotação á bibliotheca foi de accôrdo com o sr. ministro do reino, que disse no centro da commissão, como já referi, que a bibliotheca estava indirectamente dotada com a troca de obras que lhe sobravam, por outras -que tem adquirido. Agora, pelo que respeita no edificio, parece-me que este objecto não vem muito a proposito na discussão do orçamento, e por isso não tractarei delle nesta occasião.
Tocou-se tambem n'uma especie, sobre a qual não posso deixar de chamar a attenção da camara, que diz respeito á imprensa nacional. Eu tenho quasi noticia official de que a mesa desta camara fôra prevenida pelo administrador daquella casa, de que, do principio do futuro anno em diante, não será possivel que a imprensa nacional continue a encarregar-se da publicação das nossas sessões, com a brevidade e nitidez com que são publicadas actualmente. Parece-me que o sr. deputado por Macáo apresentou, n'outra occasião, um projecto para ser dotada mais largamente a imprensa nacional, a fim de poder adquirir um novo prelo mechanico, e fazer mais algumas obras que s. ex.ª intende serem necessarias, para que a imprensa possa fazer a publicação do Diario da Camara com a brevidade e nitidez com que o está fazendo actualmente.
Eu devo declarar francamente, que olhando para os orçamentos, causava-me um certo embaraço, observando que aquelle estabelecimento, que se me affigurava que devia produzir receita para o estado, a sua receita não chegasse para cobrir a sua despeza, e algumas vezes em logar de produzir receita, trouxesse um deficit, como me parece que acontece no orçamento actual. Parecia-me isto impossivel, porque, applicado este facto a todos os estabelecimentos particulares da mesma natureza, era necessario que os donos desses estabelecimentos estivessem loucos para os conservarem assim; pelo contrario, via que alguns estabelecimentos particulares tinham prosperado, fallando-lhe todavia os meios que tem a imprensa nacional, sendo grande vantagem ter sempre trabalho e freguezes. Tractei de averiguar a razão deste fenomeno; e agora estou habilitado para defender aquelle estabelecimento e o seu gerente, quanto a esta parte. É um facto que a imprensa nacional se tem ido enriquecendo á custa dos seus proprios recursos; o estado actual da imprensa não tem termo de comparação com o estado em que se achava em 1833 e 1834, quando começou a ser bem administrada e melhorada, por uma pessoa que me está ouvindo. A imprensa nacional de dia para dia, de anno para anno, augmenta extraordinariamente; e ha de reconhecer-se que, se não apresenta receita, comtudo, o capital que é do estado, e que hoje existe naquelle estabelecimento, tem augmentado extraordinariamente, e as apprehensões que eu tinha a esse respeito desappareceram completamente.
Agora irei ao ponto da questão do meu amigo, o sr. Pegado, questão que deve ser nossa. Creio que estamos ameaçados de, para o anno seguinte, não ser possivel fazer-se a publicação na imprensa nacional do Diario da Camara; e eu fui examinar e vi que a imprensa nacional tem feito sacrificios muito grandes para satisfazer á promptidão com que publica o Diario da Camara. (O sr. Avila: — Apoiado) Ora, sacrificios nem de individuos, nem de corporações particulares se podem exigir eternamente; podem-se exigir por algum tempo, mas não se podem exigir para sempre. E fóra de duvida que a imprensa nacional necessita para corresponder não só ao serviço que se lhe encarregou, como disse, mas ainda a outros serviços, montar, pelo menos, um outro prelo mechanico, e fazer mais algumas obras no proprio edificio, antes do principio do anno proximo. O sr. ministro do reino acabou de dizer ha pouco que tinha noticia de que aquelle estabelecimento tinha adquirido, ou ía adquirir um prelo mechanico de uma outra imprensa. Tenho idéa de que alguem me disse que a imprensa nacional queria fazer esta acquisição de um outro estabelecimento da mesma natureza. Se é um de que eu tenho noticia, é melhor que elle lá não vá. Mas o que é verdade é que um prelo mechanico é absolutamente necessario que a imprensa nacional o adquira, e é para isso que eu chamo a attenção do sr. ministro do reino. Não ha de ser a commissão de fazenda quem faça a proposta, é ao sr. ministro da repartição competente que isso cumpre. Aqui não estamos no caso da bibliotheca. A bibliotheca póde conservar-se no local onde está por algum tempo; a esse respeito ainda podemos adiar; mas o que não podemos adiar é a publicação das sessões, tanto desta casa como da outra, e ella não deve retardar-se por maneira nenhuma pela mesquinha despeza por uma vez de 4 ou 5:000$000 réis. (O sr. Avila: — Apoiado) Não ha de ser, repito, a commissão de fazenda que o proponha, mas sim o sr. ministro do reino.
O projecto do sr. Pegado é muito bom; mas o sr. Pegado o que quer é conseguir o seu fim, o modo não lhe importa; e a mim parece-me melhor que venha a proposta do governo, e que se vote um credito extraordinario para o presente anno á imprensa nacional; na certeza de que eu votarei por elle, pelo convencimento em que fico de que a imprensa nacional, habilitada com a acquisição que vai fazer com os 4 ou 5:000$000 réis, no anno seguinte e nos outros immediatos ha de necessariamente principiar a dar receita para o estado. Debaixo deste ponto de vista é que eu voto; e o sr. Pegado não terá duvida nenhuma, porque consegue o seu fim; mas é necessario que seja o sr. ministro do reino quem faça a proposta para isto, não deve ser a camara.
Ouvi dizer a um meu amigo que a imprensa nacional é demorada e é mais cara. Eu peço licença para lhe dizer, que eu, sendo auctor, preferiria a imprensa nacional a uma grande parte das outras typografias. Não digo a todas; ha muitas typografias que dão garantias iguaes áquellas que dá a imprensa nacional, ha bastantes em Lisboa; porém ha outras que não dão uma garantia que ella dá, não quero
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dizer qual é, que é aquella que devem desejar muito os auctores. E então póde haver typografias que façam as obras muito baratas; eu pedirei sempre a todos os auctores que fujam dellas; as que as fizerem por um preço regular podem e devem ser procuradas; as que fizerem a impressão por um preço muito arrastado, fujam os auctores de lá, que tem um certo perigo de que eu informarei o illustre deputado, por isso mesmo que é auctor, e auctor digno dos elogios que todos lhe fazem.
Faço só estas observações, e chamarei a attenção do sr. ministro do reino sobre este ponto. Desejarei que seja s. ex.ª quem faça a proposta. (O sr. Ministro do reino: — E esta!) Pois então quem? Desejarei, repito que seja de s. ex.ª que venha a proposta de uma quantia extraordinaria para o augmento do material daquella repartição que está dependente do seu ministerio. Estes é que são os principios. Já ouvi aqui outro dia dizer que a iniciativa das leis deve partir do ministerio, doctrina com a qual me não conformo; mas isto não e uma lei, é uma verba para se augmentar um estabelecimento que está encarregado a um certo e determinado ministerio, e deve ser o ministro que a proponha, que é o responsavel, e o que deve estar e está mais ao facto de que isso traz uma grandissima vantagem.
A camara já sabe que, se a imprensa nacional não fôr dotada este anno com uma somma para certas obras indispensaveis no edificio, e para a acquisição de um prelo mechanico, para o anno não se póde exigir della a publicação, em dia, das nossas sessões.
O sr. Tavares de Macedo: — Sr. presidente, como auctor do projecto para se dar uma dotação de réis 1:000$000 por tres annos, á academia das sciencia, para a publicação da collecção de documentos historicos, direi que agradeço ás illustres commissões de instrucção publica e de fazenda a verba em que combinaram. A commissão de instrucção publica intendeu que 1:000$000 réis não era demasiado; a commissão de fazenda intendeu que bastariam 600$000 íeis.
Eu não terei a fragilidade de querer entrar nesta assembléa na demonstração da utilidade do objecto para que é destinada esta verba; ficar-me-ía mal o imaginar sequer que haveria nesta assembléa quem a desconhecesse. Por consequencia, a questão reduz-se toda a qual será a quantia que seja acertado conceder. Não ha duvida que a academia tem uma dotação especial; mas desta dotação devem saír todas as despezas dos seus empregados, e quasi toda a despeza do material do serviço, coque resta é dividido pelas duas classes de que se compõe a academia, e que propriamente compõe hoje duas academias. Já se vê que a dotação ordinaria da academia das sciencias é applicada a uma immensidade de objectos. A academia, depois da sua refórma, está muito longe de não ter trabalhado: cada uma das duas classes de que ella se compõe tem dois volumes, ou promptos, ou quasi promptos, de Memorias. Já se vê, pois, que a despeza que se faz com a academia se tem utilisado. Agora, de que se tracta é de a habilitar para uma despeza extraordinaria; e chamo-lhe extraordinaria, porque esta publicação dos documentos não dispensa a publicação das Memorias j os membros da secção de sciencias historicas, que todos tem trabalhado nesta collecção de documentos, nenhum delles se julgou desobrigado de satisfazer á obrigação de apresentar em tempo competente um trabalho pessoal para a collecção das Memorias academicas. 600$000 réis não digo que me não contentam, porque toda e qualquer verba é um auxilio á academia; comtudo, se maior fôr a verba que se votar á academia, ella mais trabalho publicará; se fôr menor, menos poderá publicar. E peço á illustre commissão de fazenda, que note que a academia não tem só a depender, para a publicação desta collecção de documentos historicos, com a imprensa, porque o trabalho das cópias é precizo paga-lo: não se póde exigir dos socios da academia que elles se empreguem em tirar cópias. Já não fazem pouco em dirigir este trabalho, em procurar os documentos, e verificar a exactidão daquillo que se publicar. Querer que elles façam as cópias, só o poderia exigir quem não fizesse idéa da immensidade deste trabalho.
Eu propunha que se désse uma dotação de réis 1:000$000 por tres anno;, porque me parecia conveniente que a academia fosse auxiliada por algum tempo para ír trabalhar nesta materia. Ninguem póde dizer com certeza, em quanto importa esta publicação, porque ainda hoje mesmo se não conhecem todos os documentos que hão de ser publicados; existe já uma grande massa delles, mas muitos ainda não são conhecidos; e para isto se tenciona correr todos os cartorios do reino, e se tem de revêr todas as chronicas e escriptos antigos, e mesmo as collecções de antigos historiadores, e chronistas estrangeiros, na parte em que directa ou indirectamente tractam de Portugal.
Não faço questão, pois, sobre votar-se esta dotação para um anno, ou para tres, o que desejava era que se lhe désse mais alguma coisa do que 600$000 réis, até porque ella assim ficaria com mais responsabilidade, e apresentaria melhor e mais breve o seu trabalho.
Peço pois a v. ex.ª que, na occasião competente, ponha á votação a minha proposta, para que, em vez da verba de 600$000 réis, que propõe a commissão, possa ser votada a de 1:000$000 réis.
Circumstancias me levam tambem por esta occasião a fallar a respeito da imprensa nacional. O illustre relator da commissão de fazenda, intende que a iniciativa de qualquer proposta para melhoramentos naquella repartição deve partir do governo, e eu estimarei muito que o sr. ministro do reino queira tomar a si este objecto; mas na duvida de que isto assim aconteça, mando para a mesa a seguinte proposta. C Leu)
Sei agora que um illustre deputado, que já em outra sessão apresentou uma proposta para o mesmo fim, tem tenção de a renovar nesta discussão. Se elle o fizer, eu não lhe pretendo tirar a honra da apresentação, e até não terei duvida em retirar a minha proposta, se assim parecer acertado.
Leu-se logo na mesa a seguinte
PROPOSTA: — Proponho o augmento de 5.000$000 réis para machinas e melhoramentos da imprensa nacional. = Tavares de Macedo.
Foi admittida.
O sr. Rivara: — Direi só duas palavras porque a materia está inteiramente esgotada.
Começo por agradecer á illustre commissão de fazenda o ter satisfeito ao que eu propuz na sessão passada inserindo no orçamento da despeza uma verba para a bibliotheca de Evora, porque, da maneira em
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que se achava aquelle estabelecimento, não era possivel conservar-se; ao menos agora fica um pouco melhor, e poderá conservar as suas collecções.
A respeito da academia das sciencias, muito estimaria que se lhe podesse dar mais alguma coisa do que a verba aqui consignada; acceitaria mesmo a proposta do sr. Tavares de Macedo, ou a do sr. Lopes de Mendonça; mas attendendo ao estado em que nos achámos, e não poder a commissão concordar em augmentar a despeza demasiadamente, contento-me com o que propõe a mesma commissão, e por isso voto pela verba que ella apresenta, e estou certo de que, na occasião da discussão do orçamento do anno que vem, ha de a academia ter já apresentado alguma publicação que convide a camara a votar maior verba.
A respeito da torre do tombo, é muito diminuta a verba que se dá para a publicação dos catalogos; não creio que seja possivel fazer coisa alguma a este respeito com tão poucos meios; entretanto, approvo tambem esta verba por necessidade.
Quanto á imprensa nacional, declaro que não sou apaixonado de estabelecimentos industriaes por conta do governo. Parece-me que, senão houvesse imprensa nacional, poderia haver em Lisboa dez ou doze imprensas que rivalisassem com o estado actual della, e donde se poderiam obter impressões muito mais baratas. Dos estabelecimentos industriaes por conta do governo não se tira todas as vantagens que se promettem; entretanto, tambem me não opponho á verba aqui consignada, nem mesmo á proposta apresentada pelo illustre deputado que me precedeu; mas o tempo mostrará que estes estabelecimentos, por conta do governo, não são os mais proveitosos para o paiz, nem os mais proprios para o adiantamento das artes mechanicas. Não contesto que a arte typografica se tenha aperfeiçoado entre nós; mas, se não existisse a imprensa nacional, talvez podesse estar ainda mais adiantada do que está, por esforços de concorrencia particular, hoje reprimida pelo estabelecimento do estado. Concluo votando pelo capitulo.
O sr. Miguel do Canto: — Eu não desejo nem devo por titulo algum tomar muito tempo á camara, mas não posso deixar de fazer uma observação sobre o artigo 53.º do capitulo que está em discussão, liste artigo diz respeito ás bibliothecas publicas. Seria muito para desejar que em todas as capitaes sédes dos districto, em todos os grandes centros de população se podessem estabelecer bibliothecas publicas; com tudo e facil vêr quantas difficuldades obstariam á realisação de tão util pensamento. Parece-me todavia que localidades ha em que é facil levar ávante uma medida de tanta utilidade para a diffusão das luzes, e creio que neste caso está a cidade de Leiria. É pois Sobre este ponto que queria chamar a attenção do sr. ministro do reino. Alli está organisada uma sociedade litteraria, intitulada centro promotor da instrucção primaria, composta de homens distinctos por suas luzes, independencia, e patriotismo. Este centro promotor tem em vista tres differentes objectos, qual delles mais digno, mais louvavel. O primeiro é estabelecer, como já estabeleceu varias escólas de instrucção primaria do segundo grão conforme o novo methodo, e de arithmetica, grammatica portugueza, geografia, o desenho linear.
Estas escólas são frequentadas por mais de 250 alumnos; além disso concorrem a ella como voluntarios os mancebo; mais distinctos daquella cidade; póde dizer-se que este centro é todas as noites o ponto de reunião da mocidade estudiosa daquella terra.
O outro fim desta sociedade é estabelecer cadeiras de instrucção primaria nas freguezias ruraes, e espera-se em muito breve tempo levar á execução este pensamento.
Finalmente, desejam aquelles cidadãos benemeritos estabelecer uma bibliotheca publica nas aulas onde se practica este ensino, e pediram já ai governo que os auxiliasse com o donativo de alguns livros dos muitos existentes rios depositos publicos. Esta pretenção é justa, e tanto mais que aquella districto forneceu grande contingente para estes ricos, depositos, porque da livraria de Alcobaça saíu grande quantidade de livros de muita valia.
Esta illustre sociedade tem ainda outro fim igualmente util, que é dar principio á publicação de um jornal destinado a espalhar as noções de todos os conhecimentos uteis; e bem assim a ensinar aos povos os deveres e as obrigações do cidadão: os resultados desta associação são já immensos, e estou certo, que se continuarem, como firmemente espero, esta sociedade, ha de servir de modêlo para todos os estabelecimentos desta ordem.
Tambem direi de passagem, para esclarecimento da camara, que o novo methodo de leitura e escripta tem produzido alli bons resultados. E facto, que em trinta e seis a quarenta lições, com sessenta horas escacas de trabalho, a maior parte das creanças dos alumnos novos, conseguem lêr na pedra correntemente, e sabem compôr e decompor as palavras com summa facilidade; é certo que as creanças, que se distraem, não aprendem bem, porém aquellas que prestam attenção, e que têm vontade de aprender, conseguem resultados incontestaveis: isto é devido sem duvida aos esforços dos cavalheiros que dirigem este ensino naquella cidade, que são pessoas dignas de toda a consideração.
Devo declarar tambem á camara, que essa sociedade tem já prompta uma casa para estabelecer a bibliotheca que tem em vista, e que no proximo outono conta dar-lhe principio. Para esse fim á sociedade pertende, que se lhe dê uma Subvenção de uma quantia bem modica, 33$000 réis.
Eu recebi hoje mesmo uma representação do centro promotor de instrucção primaria, e bem assim alguns exemplares dos estatutos daquella sociedade; e tinha pedido a palavra antes da ordem do dia para apresentar estes documentos; mas como o não pude fazer, antes da ordem do dia, julguei necessario alludir a elles agora, é vou mandar para a mesa uma proposta neste sentido.
Agora, sr. presidente, desejava chamar a attenção do sr. ministro do reino sobre esta proposta, e igualmente solicitar da sua parte toda a attenção e protecção para este estabelecimento; protecção que s. ex.ª tem dado já com aquelle zêlo que mostra pelos objectos de interesse publico, e mórmente por aquelles que dizem respeito á instrucção publica, em que s. ex.ª é tão competente e distincto.
Eu peço perdão da ter tomado algum tempo á camara, mas estou convencido que a camara me ha de relevar qualquer falta. Quando cidadãos distinctos, independentissimos, mas sobrecarregados de occupações inherentes a funcções publicas que exercem, em vez de se entregarem, nas horas vagas, a um des
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canço razoavel, a passatempos devidos, mas improfícuos, se esforçam e se disvelam por declrinar a infancia e a mocidade, a camara não ha de levar a mal por certo que a minha voz, embora fraca e pouco auctorisada, commemore aqui os actos de uma sociedade composta de cidadãos illustres, e sem duvida benemeritos da attenção e da consideração publica. (Apoiados) Eu vou mandar para a mesa a seguinte Proposta: — Proponho que se dê ao centro promotor de instrucção primaria, estabelecido na cidade de Leiria, a subvenção de 38$400 réis, para pagamento da renda da casa em que a dita sociedade se obriga a estabelecer uma bibliotheca publica, e tem já aberto varios cursos de instrucção primaria e gratuita. = Miguel do Canto. Foi admittida.
O sr. Ministro do reino: — Eu estive muito attento, como merecia o illustre deputado, quando fez menção de um soccorro ou subsidio, que exige o centro promotor de instrucção publica estabelecido em Leiria; e pelo que toca ao aluguer da sua casa, peço á illustre commissão, que se não occupe, por em quanto, desse objecto, porque eu tenho meios legitimos de conseguir isso.
O sr. Pegado: — Pouco tenho para dizer a respeito da imprensa nacional, porque se fallou expressamente sobre esse ponto. Quando no anno passado propuz uma despeza extraordinaria para a imprensa nacional, tive em vista o melhoramento daquelle estabelecimento, que é um dos estabelecimentos do paiz que tem successivamente melhorado: tive tambem em vista que a camara, votando uma verba extraordinaria para essa imprensa, ella adquirisse um novo cylindro impressor, e edificasse uma casa para maior numero de compositores: tive em vista, pedindo esta despeza extraordinaria, uma coisa não menos importante, qual é, poder a camara ter as suas sessões impressas no Diario do Governo. O administrador da imprensa, segundo informações que houve por bem dar-me, e segundo o officio que dirigiu á camara, compromette-se a imprimir as sessões da camara no dia immediato a cada uma das sessões; mas se a camara intender que não convém que as suas sessões sejam impressas 24 horas depois, isso depende da sua vontade; mas a imprensa nacional compromette-se a imprimir as sessões da camara no fim de 24 horas.
Sei que a imprensa nacional, tendo mais um cylindro de dimensões duplas do que já tem, imprimirá em uma hora aquillo que exigiria hoje tres horas.
No anno de 1853, o estado gastou 6 contos e duzentos e tantos mil réis com a publicação das sessões da camara dos srs. deputados em extractos, e ao mesmo tempo com o Diario da Camara: estou persuadido que esta despeza, com o augmento de officinas, se vai reduzir a metade.
Mando, pois, para a mesa esta proposta.
PROPOSTA: — Proponho uma verba addicional de despeza no orçamento do ministerio dos negocios do reino, na importancia de 4:500$000 réis, para as seguintes despezas extraordinarias da imprensa nacional:
Para um prélo de grandes dimensões, que será movido pela mesma machina de vapôr, que aquelle estabelecimento já possue.............. 2:500$000
Transporte......... 2:500$000
Para o necessario augmento da casa dos trabalhos dos compositores, para que o numero destes possa ser augmentado...................... 2:000$000
4:500$000
Pegado.
Foi admittida.
O sr. Miguel do Canto: — Eu tinha feito uma proposta, e abalancei-me a apresentar algumas observações com o fim de a justificar, movido das razões expendidas n'uma representação que annunciei havia de mandar para a mesa. Nesta representação pede-se a quantia que faz objecto da minha proposta; como, porém, o sr. ministro do reino, que já por muitas vezes tem prestado auxilios valiosos ao centro promotor de Leiria, declara que está prompto a tomar este objecto em consideração, e que cabe na alçada dos seus poderes o satisfazer ao fim da minha proposta, peço licença para a retirar.
Á camara conveiu em que fosse retirada.
O sr. Lobo de Avila: — Eu não estava presente quando a commissão de fazenda elaborou o seu parecer ácerca do projecto do sr. Tavares de Macedo, e por isso não assignei este parecer; mas peço licença para declarar que, se estivesse presente, havia de o assignar com declaração, porque a minha opinião é que se deve dar 1:000$000 de réis para a publicação dos documentos historicos. Estou informado que elles são da mais alta importancia; todas as nações tem tractado deste objecto, e consagrado á colecção e impressão destes documentos sommas avultadas, porque todas desejam estar ao facto das fontes da historia do seu paiz. Estou tambem informado que entre nós estes documentos estão mal acondicionados nos diversos cartorios do reino, e por isso é da maior urgencia tractar de tirar cópias destes documentos, que são de absoluta necessidade para a historia nacional, e bem assim para as letras.
Ha quem diga que estes documentos são apenas necessarios para os sabios consultarem; mas eu não o intendo assim; eu intendo que estes documentos não servem só para os sabios; sem estes documentos os sabios não podem escrever a historia, e a historia deve ser lida por todos, porque uma nação não vive sem historia; e posto que dou muita importancia aos trabalhos que está fazendo o sr. visconde de Santarem, que realmente é um sabio da maior capacidade, todavia, reputo ainda esta publicação feita pela academia real das sciencias mais importante.
Parece-me que em um objecto de tanto momento, não merecia a pena de estar a regatear 400$000 réis, muito principalmente se se attender a que a academia não tem só a gastar com a impressão e investigação aos diversos cartorios, o que faz grandes despezas, mas tem tambem que gastar com a tiragem das cópias desses documentos: digo, pois, que em um objecto que se refere a documentos que são necessarios para a historia nacional, intendo que se não deve estar a disputar uma verba realmente tão pequena.
A camara vota este anno 1:000$000 de réis, e para o anno verá aquillo que deve votar, ainda que a pessoa que se occupa destes trabalhos, o sr. Ale-
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xandre Herculano, dá sufficientes garantias de que esta somma ha de ter uma applicação muito util, e de muito proveito para este paiz. Intendi que devia mencionar o seu nome, porque este distincto sabio tem feito muitos serviços á historia e ás letras do nosso paiz. (Apoiados) Portanto, intendo que deve haver toda a confiança de que este dinheiro ha de ser convenientemente empregado, pois já se tem feito alguns trabalhos a este respeito, e por conseguinte, estou seguro que esta verba ha de ter uma applicação conveniente, e para o anno as camaras verão se hão de conservar a mesma verba ou augmenta-la.
Quanto á imprensa nacional, intendo que deve dar-se-lhe os meios necessarios para comprar mais uma machina, de um ou dois cylindros impressores: sem isto não se póde fazer a impressão regular das nossas sessões, porque tem só uma machina, e é-lhe absolutamente impossivel attender a todas as impressões que della se exigem.
Voto pois por que se consigne no orçamento uma verba para a compra de uma machina, e para se alargar a casa em que os compositores trabalham.
O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães): — A academia real das sciencias, movida de um verdadeiro patriotismo, encetou já trabalhos importantes para a collecção dos documentos historicos; e fallo diante de um illustre deputado que é membro da academia, e que tem tractado, durante esta sessão, de vêr se a podia dotar com alguma somma para ajudar a publicação destes documentos. Mas digo, a academia real das sciencias, movida de grande patriotismo, sem auxilio do governo, e fazendo a applicação dos poucos recursos que tinha, privando-se assim de certas vantagens proprias, emprehendeu uma visita aos differentes cartorios do reino, entregando isto a um dos seus illustres membros, que é pessoa muito competente, e uma das illustrações mais nobres do paiz. (Muitos apoiados) Este dos seus illustres membros, achou uma grande riqueza de documentos historicos, disseminada por diversos cartorios, pertencentes a diversas corporações, uma grande parte no abandono, ou antes na ignorancia — como se não existissem — e de certo muito arriscados a serem presa das inclemencias do tempo, que nelles fez effeitos terriveis, e outros até já desappareceram. Este zêlo da academia é muito louvavel, nem se podia esperar menos desta corporação; e parece-me que a camara não deve ter duvida em votar uma verba para a impressão destes documentos, empenho este, em que todos os governos tem gasto sommas avultadas, porque é a collecção dos primeiros monumentos historicos de uma monarchia, de uma qualquer nação, seja qual fôr a sua fórma de governo, porque nós todos temos amor á nossa antiguidade, e todos desejâmos que ella se metta pelas nuvens dos seculos.
Todos sabemos que os romanos no tempo da sua republica, chegaram até a ser fabulosos em quanto á sua antiguidade, em quanto aos seus fundadores: todos sabemos que a morte de Rómulo foi uma desapparição para os céos. Mas isto é apenas uma transição que não vem nada para o caso.
A nação portugueza não precisa de recorrer a fabulas; mas precisa muito de que se collijam os seus documentos historicos, (Apoiados) de que se ponham em ordem as suas façanhas, para assim me explicar; e quando uma corporação tão illustre, tão portugueza, se apresenta para satisfazer ao que todos reconhecemos ha muito tempo ser uma necessidade da nação, o governo não póde deixar de concorrer para isso, e muito louvor seja ao illustre deputado, que, movido de tão nobres e tão patrioticos desejos, fez uma proposta para que se preste este auxilio á academia real das sciencias, a fim de conseguir aquillo a que se propõe. E não deixando de achar razão á illustre commissão, que não é menos zelosa do que todos nós, quando intende que com a somma de 600$000 réis se podia satisfazer, no primeiro anno, a este empenho; comtudo, a fallara verdade, para objectos taes, não fallemos em 400$000 réis, que valem 4 réis: (Apoiados) muito pobre, muito desgraçado é o governo que não póde arredondar a quantia a 1:000$000 réis para taes despezas. (Muitos apoiados) Portanto, por parte do governo, e contando com a annuencia dos meus collegas, digo que sim, que annuimos a que se preste este auxilio á academia; de que estou certo, contando com o zêlo e intelligencia dos seus membros, resultará um effeito que valha muito mais do que muitos contos de réis. (Apoiados, muito bem)
O sr. Lopes de Mendonça: — Eu, sr. presidente, não sabia que tinha havido uma proposta da parte do illustre deputado o sr. Tavares de Macedo; eu propuz 1:500$000 réis; mas se a camara é toda de voto que seja 1:000$000 réis, retiro a minha proposta.
A camara conveiu em que fosse retirada.
O sr. José Estevão: — Eu pedi a palavra relativamente á imprensa; não sei quanto para ella se propõe. Nós não temos Diario. V. ex.ª bem o sabe, e não o teremos mesmo havendo na imprensa nacional as machinas precisas para expeditamente o publicar, em quanto durar o methodo actual, porque a experiencia deve-nos ter desenganado, de que não basta publicar o Diario em dia: é preciso publica-lo em formato que possa entrar em circulação e ser lido; voto, pois, pela somma pedida para a acquisição das machinas com a esperança de que ellas se utilisem na publicação das sessões, não da fórma porque hoje se publicam, mas incorporando-se essa publicação no Diario do Governo. (Apoiados) E a fallar a verdade, seja dicta agora uma coisa. Eu não sei como havendo um grande movimento na imprensa (e não ha coisa que caracterise mais o espirito constitucional que domina nesta época), não sei como esta medra não seja seguida pela imprensa official; essa não medra, essa conserva-se no mesmo estado.
O Diario do Governo não é o Diario do Governo, é o Diario de uns poucos de individuos a quem o governo o deu, para depois lhe pedir emprestado o uso desse mesmo Diario, (Apoiados) e não sei como possa haver governo que soffra sujeições desta ordem.
Esta é uma questão pequena e uma questão grande. Houve uma época em que o meu partido se caracterisava como tendo uma especie de presumpção de hostilidade habitual contra a classe burocrática, e talvez se julgue que eu até certo ponto possa representar essas tradições; mas hoje não sou levado por similhantes considerações; não vejam em mim um inimigo dos empregados publicos, porque isso é uma coisa absurda, é uma idéa velha que morreu como muitas outras; não sou amigo nem inimigo dos empregados publicos. Não pretendo, pois, por modo ne-
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nhum tirar os interesses aos empregados que se consideram socios do Diario do Governo, e que repartem por todos os interesses que dahi lhes provém; o que desejo é, que sendo possivel, e julgo que é, se lhes augmentem os ordenados na proporção daquillo que lhes dá o Diario do Governo, irias não passemos pela vergonha, nem pela fraude de suppormos que o governo tem fim jornal, quando não póde usar delle. Se o governo quizer ámanhã (como talvez podesse e devesse fazer) augmentar o Diario do Governo e imprimir nelle os boletins daquellas repartições que ainda os não tem, e mesmo os daquellas que as estão publicando em separado, se lhe quizesse dar muitos outros usos, muitas outras applicações, em uma palavra fazer do Diario o que é preciso que elle seja, um archivo de noticias administrativas do reino, seria preciso haver umas poucas de consultas e negociações, umas poucas de transacções; era isso talvez uma questão como a do banco ou coisa similhante. Ora, a fallar a verdade, não me parece que este estado possa, nem deva continuar. Portanto, voto pelas machinas, para com ellas se poderem fazer todos os melhoramentos, e se conseguir u publicação do Diario da Camara, porque por ora não temos Diario; eu cá não o tenho, (O sr. Avila: — Tenho-o eu) e escusam mesmo de me mandar. As pessoas que tem muito zêlo, muito cuidado em colligir papeis, que tem tempo e disposição de espirito para, isso, podem estar á espreita de quando chega o entregador para tomarem conta da folha e junta-la áquellas que já tem; mas isso nem todos podem fazer; para isso é preciso um homem ser tão arranjado no seu escriptorio, como uma senhora no seu quarto; (Riso) riem todos temos esse talento feminino. Publicidade não a ha, porque o formato prejudica a publicidade.
Eu voto, pois, pela proposta dos 5:000$000 réis para a imprensa, e peço ao sr. ministro do reino que excite a compra das machinas, de maneira que na Sessão proxima nós possamos já ter as nossas sessões publicadas no Diario do Governo. Eu desejo muito que todas os coisas boas, que seja possivel fazer, se façam por este governo, e debaixo da rubrica desta situação, porque em fim é o unico proveito que tirâmos disto, aquelles que apoiâmos o governo. Creio que O zêlo do director da imprensa não será pouco, porque elle de certo deseja augmenta-la; (apoiados) mas nisto, pouco tempo que se perca, póde prejudicar estas indicações, e é necessario que na sessão proxima se faça o que se fazem todos os paizes europeos, dando-se a lêr no dia seguinte aquillo que teve logar na sessão do dia anterior.
O sr. Avila: — Sr. presidente, eu direi só duas palavras, porque a questão está esgotada; e mesmo tinha pedido a palavra só para dar uma informação de facto com relação á imprensa nacional. Estou inteiramente de accôrdo com as idéas que acabou de emittir o illustre deputado a respeito de que o auxilio que se propõe para a imprensa, se deve conceder a tempo, para que na proxima sessão nós possamos ler o Diario da Camara com a regularidade precisa; discrepo, porém do nobre deputado n'uma ponderação que fez, e é, que não ha Diario. Eu tenho conversado com muitas pessoas estranhas á camara, que recebem o Diario da Camara com o Diario do Governo, e que o lêem com toda a pontualidade, com toda a exactidão, Póde o nobre deputado ter a certeza de que o formato do Diario da Camara não prejudica a publicidade.
Eu convenho que alguma confusão haverá, para nós que lidamos ordinariamente com mais papeis, em coordenar as folhas avulsas do Diario da Camara que são distribuidas com o Diario do Governo; eu mesmo já perdi algumas. (O sr. José Estevão: Outro perde o dobro) Direi ao nobre deputado: e» não recebo as folhas do Diario da Camara senão no fim do mez, alguem mas recebe aqui na camara para mas dar então juntas. Mas para quem está fóra da camara, que tem menos que fazer do que nós, não ha confusão nenhuma em receber o Diario da Camara, junctamente com o Diario do Governo, e posso asseverar ao nobre deputado, que lá fóra se lê o Diario dá Camara, e se faz uma verdadeira idéa do que se passa no parlamento.
A camara não deve ter difficuldade em votar esta verba para a imprensa nacional, por unia razão que me parece não foi bem claramente explicada. O governo não está em dia com a imprensa nacional em relação ao pagamento das despezas dos differentes impressos, que alli se fazem por ordem do governo; isto é que é verdade. O sr; ministro do reino disse, que este era um alcance antigo; é verdade; esse alcance não é desta administração, nem da outra. Em geral todos os ministerios são exactos, tanto quanto é possivel, no pagamento das publicações que se fazem na imprensa nacional por ordem dos mesmos ministerios; mas no ministerio do reino estão sempre em atrazo; (O sr. Lobo de Avila: — E de casa) acho que é essa a razão; como este estabelecimento depende do ministerio do reino, o ministerio do reino está sempre em longa data de atrazo de pagamento das impressões que alli se fazem por ordem desse ministerio. No meu tempo este atrazo creio que andava por 8:000$000 ou 10:000$000 réis, atrazo que já vinha de administrações anteriores. Ora, se nós hoje votarmos 5:000$000 réis para a compra de uma machina, é o mesmo para nós que auctorisar o pagamento de 5:000$000 réis por conta do que se deve á imprensa nacional, quer dizer, podemos votar no orçamento a verba de 5:000$000 réis com destino á compra de uma machina para a imprensa nacional, ou podemos auctorisar o ministerio do reino para dar 5:000$000 réis á imprensa nacional por conta do atrazo eu que está para com este estabelecimento; vem a ser a mesma coisa. (Apoiado)
Uma das observações que se tem feito a respeito da imprensa nacional, mas parece-me que essa observação deve ter-se reconhecido que é inexacta, mesmo pelo que se disse já na camara, é que aquelle estabelecimento não dá lucro. Não é assim; porque se se tomar em consideração o atrazo em que o governo está para com ella; se se tomar em consideração os grandes melhoramentos que alli se tem introduzido, vemos que realmente ha lucro; porque, se nós considerâmos que n'uma occasião se introduziu agua naquelle estabelecimento, que n'outra occasião se introduziu illuminação a gaz, que em outra se augmentou com mais um prélo, n'outra preparou-se uma casa para a collocação de uma nova machina; e agora não se tracta só da compra da nova machina, mos dos arranjos necessarios para que ella se colloque; se tomâmos em consideração que aquelle estabelecimento vale hoje 300:000$000 réis, have-
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mes de reconhecer forçosamente que tem havido lucro.
Quem podia oppôr-se a esta moção era o governo; o governo approva-a, nem podia deixar de a approvar. Por consequencia eu intendo que nós devemos votar os 5:000$000 réis, que não precisâmos votar para a compra da machina, o arranjo do local em que deve ser collocada, mas votâmo-los como por conta do atrazo em que se está para com a imprensa nacional. 15 é inutil fallar no zêlo do administrador da imprensa nacional, que podemos ler a certeza que lia de bem desempenhar esta resolução da camara. Mão sou suspeito nestes elogios porque todos os nobres deputados conhecem aquelle empregado, sabem que é muito habil e muito intelligente; (Apoiados) tenho, é verdade, muita sympathia por elle, fui intimo amigo de seu irmão, que foi muito bem substituido; mas esta circumstancia não attenua a vivissima saudade, que deixou a todos os seus amigos, que eram todos os que conheciam as suas excellentes qualidades. (Apoiados) Tudo o que possa dizer em abono do sr. Firmo Augusto Pereira Marecos é reconhecido por todos os meus collegas e por isso, não posso ser considerado suspeito neste assumpto.
Concluo que voto pelo credito, que se propõe para a compra da machina.
O sr. Luz Pitta; — Sr. presidente, eu pedi a palavra unicamente para declarar o meu voto a respeito de todas as propostas, que se tem feito nesta camara para melhorar a instrucção publica neste paiz.
Voto pela maxima verba de todas as propostas que se tem feito, já relativamente ás escólas medico-cirurgicas, já relativamente á universidade de Coimbra, á academia real das sciencias, já para reformar e aperfeiçoar a imprensa nacional, já em fim para tudo o que fôr tendente a melhorar a instrucção publica em Portugal.
Eu vejo no orçamento verbas consideraveis propostas para outros differentes ramos de serviço publico, e vejo que para a instrucção publica em geral as verbas que sé votam são muito inferiores áquellas que se gastam em muitos outros paizes. Se de alguma coisa precisâmos mais em Portugal, para melhorar a instrucção publica, é de estabelecimentos praticos, porque de theoria não temos nós falla, lemos muita: em Portugal, temos homens summamente versados, e instruidos, nas sciencias e na litteratura, mas não temos estabelecimentos em que esses homens possam ministrar praticamente a seus alumnos os conhecimentos que possuem. Fallam nos, como aqui ouvi dizer, jardins botanicos, estufas no da universidade de Coimbra, instrumentos nas differentes escólas; falta-nos emfim uma immensidade de recursos que ha n'outros paizes, e que tornam a instrucção summamente avantajada em relação á que existe entre nós. Por consequencia, todas as propostas tendentes a que no nosso paiz se melhore quanto possivel a instrucção publica, já peja creação de estabelecimentos practicos, já por todos os outros meios de aperfeiçoamento, que na sciencia possam ter applicação, voto, digo, pelo maximo do que se tem pedido.
Foi para fazer esta declaração que eu pedi a palavra. Não seguirei por consequencia os nobres deputados nos promenores das necessidades desses estabelecimentos de instrucção, porque ellas se tem feito sentir nesta camara com muito mais conhecimentos especiaes do que os que eu posso ter sobre a materia; mas eu acompanha-os do coração nos votos que tem feito para que a instrucção publica possa ser reformada, melhorada elevada ao mais alto grão de perfeição no nosso paiz. Uno portanto os meus votos aos delles, para que sejam approvadas todas as as sommas maiores que se propozerem para este fim.
O sr. Presidente: — A camara sabe que sobre este capitulo 5.º ha um parecer da commissão de fazenda, para que á academia real das sciencias se augmente a prestação com mais 600$000 réis. Este parecer recáe sóbre um projecto do sr. Tavares de Macedo, que propunha que se augmentasse com mais 1:000$000 réis; e ha de votar-se depois de votada a verba principal.
E pondo-se logo á votação o
Capitulo 5.º, sem prejuizo do que se houver de vencer relativamente as propostas que dizem respeito á imprensa nacional, e que foram á commissão — foi approvado.
O sr. Presidente; — Agora vou propôr á votação o parecer da commissão de fazenda; se não passar, proporei a verba do projecto.
O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Como se está votando, e o regimento não permitte saír da sala quando se vota, tenho a declarar a v. ex.ª, que sou instado da camara dos pares para ír alli assistir á discussão, que está tendo logar, de um objecto importante. Tinha uns projectos que lêr nesta camara, e é para isso que havia pedido a palavra sobre a ordem; mas o meu collega o sr. ministro do reino, encarrega-se de os ter em meu logar, e eu peço licença a v. ex.ª para dispensar, a meu respeito, a observancia do regimento, pela circumstancia que acabei de indicar.
O sr. Presidente: — Eu não sabia essa circumstancia, senão ter-lhe-ía dado a palavra.
Vai votar-se, como já disse, na fórma do regimento, primeiramente o parecer da commissão.
O sr. Nogueira Soares (Sobre o modo de propôr):
— Peço a V. ex.ª que proponha primeiramente a proposta do sr. Tavares de Macedo, e depois o parecer da commissão, porque essa é que é a ordem logica — primeiro o mais, depois o menos.
O sr. Justino de Freitas (Sobre o modo de propôr): — A ordem que se tem sempre seguido quando se tracta de votar sobre verbas de despeza, é começar do menos para o mais. (Apoiado) Para mim é indifferente que se comece de cima para baixo, ou de baixo para cima; mas eu intendo que não temos necessidade de alterar esta ordem que se tem seguido sempre.
O sr. Presidente: — Por consequencia vou propôr á votação o parecer da commissão.
Posto a votos foi rejeitado; e approvou-se que o augmento fosse de 1:000$000 réis.
O sr. Presidente: — As duas propostas a respeito da imprensa nacional são remettidas á commissão.
O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães); Tomo a palavra para lêr as propostas que o sr. ministro da fazenda pediu licença á camara para apresentar. (Leu).
O sr. Presidente: — Continúa a discussão do orçamento do ministerio do reino.
Capitulo 6.°
O sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. presidente, quando
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aqui se tractou no parecer n.° 16, apresentado pela illustre commissão de saude publica, eu tive occasião de pedir a palavra, e dizer alguma coisa relativamente a este parecer. A publicação muito recente de uma memoria do conselho desande, distribuida nesta casa, e um tanto allusiva á discussão do parecer n.° 16, exige, em quanto a mim, que eu faça algumas observações a respeito do parecer que já aqui foi discutido. Serei muito breve, e desde já prometto que não hei de saír muito fóra da ordem.
Sr. presidente, o parecer da illustre commissão de saude publica, que tinha o n.° 16, e que tenho aqui presente, reconhecia muito explicitamente a necessidade de reformar o conselho de saude publica, igualmente reconhecia a necessidade de se proceder á revisão dos regimentos de saude, que regulam as procedencias de paizes estrangeiros. Tendo eu tomado parte nesta discussão, poderia alguem suppôr que fallei em sentido menos lisongeiro para aquella repartição; porém eu não disse uma só palavra que fosse offensiva para aquella repartição; (O sr. Ministro do reino: — Apoiado) nem podia dizer, porque não tenho contra ella animosidade alguma; pelo contrario, tenho a maior deferencia e consideração para com os membros de uma repartição tão respeitavel. Mas a illustre commissão de saude publica, tomando conhecimento das representações da associação commercial do Porto, e da associação commercial de Lisboa, com quanto intendesse que essas associações tinham sido acrimoniosas no modo de expôr as suas queixas, todavia reconheceu que ellas tinham razão quando mostravam a necessidade de se reformar o conselho de saude publica, e ao mesmo tempo a necessidade de serem revistos os regulamentos sanitarios. Ninguem poderá deixar de reconhecer que é este um objecto de alta importancia. Effectivamente, por parte do commercio tem-se levantado queixumes contra as providencias adoptadas pelo conselho de saude publica; estas queixas, creio eu, que tem sido expostas com muita acrimonia e azedume, da parte dessas associações, não se conformando estas com a regra geral, bem conhecida: = forliter in re, suaviter in modo =; porque foram fortes não só na essencia, mas tambem foram acrimoniosas na fórma. Sr. presidente, eu não posso deixar de chamar a attenção do governo sobre este objecto; por mais que o governo e o conselho de saude façam, estou convencido de que ha de haver sempre queixas da parte do commercio; (O sr. Ministro do reino: — Apoiado) mas se o governo fôr onde puder chegar, a sua consciencia ficará tranquilla, e elle poderá dizer = fizemos tudo quanto estava ao nosso alcance, agora vós não tendes razão de vos queixardes. = Ora, o parecer n.° 16 reconhecia as duas necessidades de que já dei conta; mas ao mesmo tempo o illustre relator da commissão veiu dizer que, para satisfazer ás exigencias do commercio do Porto, era mister que o governo adoptasse taes e taes providencias. As providências que julgava necessario serem adoptadas reduziam-se, em quanto ao Porto, a fazer um interrogatório e reconhecimento fóra da barra, por meio de telegrafo; á permissão de fazer dentro do rio as quarentenas de observação; e ao estabelecimento de um tal ou qual lazareto proximo da barra. E possivel que da parte da associação commercial do Porto, tenha havido demasias e excesso no modo de expôr as suas queixas; mas que se carece de providencias naquella localidade, relativamente á facilidade que devem ter as transacções commerciaes, pelo que toca ás providencias de navios, que devem tocar naquella barra, é uma coisa incontestavel. Parece-me, pois, que as considerações do illustre relator da commissão, não podem deixar de ler muito peso, já por ser competente na materia, porque é facultativo, mas tambem como membro e relator da commissão; e a sua opinião e que no Porto se faça um interrogatório fóra da barra por meio de telegrafo; que se estabeleça um tal ou qual lazareto proximo da barra; e que se permitta dentro do rio as quarentenas de observação, etc..
Em quanto a mim, o parecer da illustre commissão de saude publica, confrontado com o que disse depois o illustre relator, induz a um grave erro, porque, não podendo a commissão deixar de admittir como certo, que as associações tem toda a razão nas suas queixas, acolhendo as observações da associação; ultimamente o seu relator veiu apresentar uma contradicção ao parecer; porque veiu dizer que não havia necessidade, nem de revêr os regulamentos sanitarios, nem havia necessidade de reformar o conselho; e que bastavam, pelo que toca ao Porto, essas providencias que acabei de indicar; e pelo que toca a Lisboa, bastava que se fizessem no lazareto certas obras, tendentes a conseguir que a policia sanitaria se faça expeditamente, a tempo e a horas, e sem gravame do commercio, com demoras escusadas.
Talvez pareça pouco a proposito, tractando do orçamento, entrar nestes pormenores; mas s. ex.ª o sr. ministro do reino, com o seu muito saber e elevada illustração, ha de conhecer que não é inopportuno, neste capitulo = do conselho de saude = chamar a sua attenção sobre este importante objecto. (O sr. Ministro do reino: — Apoiado) Eu já declarei que tenho estado em differentes portos, e tenho presenciado que ha sempre muitos desaguisados a similhante respeito, ha sempre queixas do commercio contra as auctoridades sanitarias e administrativas, por isso que as transacções commerciaes não se fazem com aquella facilidade que se deseja. Mas eu não posso deixar de dizer que o interesse da saude publica e objecto de muita importancia; e no caso de lucta de interesses commerciaes com interesses de saude publica, eu intendo que deve prevalecer a consideração dos interesses da saude publica. Portanto intendo que, chamando a attenção da camara e a attenção do governo sobre este objecto, faço um serviço ao paiz; e e mister que nos intendamos a respeito deste negocio. A illustre commissão de saude publica reconheceu a necessidade de se reformar o conselho de saude publica, e de revêr os regulamentos sanitarios. Pergunto ao governo: — Está o governo na idéa de que é mister reformar o conselho de saude publica, e de revêr os regulamentos sanitarios? Se o governo tem esta convicção, e esta idéa, que teve a illustre commissão de saude publica, eu intendo que o governo não deve esperdiçar um só momento de proceder a esta refórma; porque se tracta de interesses de muita importancia, porque, sendo os interesses de saude publica muito importantes, os interesses commerciaes tambem não deixam de ser muito recommendaveis. Portanto intendi que era do meu dever, visto ter tomado parte naquella discussão, entrar nestes pormenores; porque esteve sempre longe do meu pensamento fazer censura ao com-
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selho de saude publica; o meu desejo era collocar as coisas no pe em que eu intendo que devem ser collocadas, e ao mesmo tempo tirar o pallido de chamar a attenção do governo sobre este objecto, pára o fim de introduzir os possiveis melhoramentos neste ramo de serviço publico. Expostas estas idéas, sr. presidente, tenho muito pouco mais que dizer relativamente a este capitulo. Entretanto sempre chamarei a attenção do governo ácerca de um t estabelecimento da cidade do Funchal, que vem a ser o lazareto alli estabelecido no anno de 1849.
Eu chamo muito a attenção do governo sobre este estabelecimento, por quanto tenho para mim que, se o governo olhar para elle com toda a attenção, poderá vir alli a estabelecer-se um dos melhores lazaretos, não digo só de Portugal, mas de toda a Europa, em consequencia de se ter escolhido um excelente local muitissimo arejado. Junto desse local ha grande abundancia de aguas; alli podem fazer-se obras que tornem ás pessoas que entram no lazareto muito faceis todas as commodidades, todos os allivios. Pela sua posição e pelas circumstancias que o revestem, intendo que aquelle lazareto póde vir a ser um dos melhores da Europa; e não serei tido por exaggerado entre as pessoas que o conhecem, como é o meu illustre collega, o sr. Luz Pitta; elle póde testimunhar o que digo neste particular. Mas é preciso que o govérno dê a isto alguma attenção. Em primeiro logar, é necessario que aquelle terreno, onde está o lazareto, seja apropriado para aquelle destino; é um terreno nacional. O governo já fez alguma coisa boa a este respeito; teve a feliz lembrança de mandar sustar a venda daquella porção de terreno, e, por esse facto, não posso deixar de congratular-me com o governo, e de lhe dar o louvor que elle merece; mas não basta isso, é mister que aquelle terreno seja consagrado para uni similhante destino ad perpetuum — para sempre. Se o governo se não julgar para isso habilitado, como creio que deve julgar-se com unia auctorisação que tem, ainda do tempo da dictadura, fará muito bem, e prestará um grande serviço áquelle districto, e em geral á humanidade, se solicitar da camara a auctorisação necessaria para que aquella porção de terreno seja para sempre consagrada para aquelle destino.
Sr. presidente, neste capitulo vejo eu algumas verbas sobre as quaes não posso deixar de chamar a attenção da commissão de fazenda: ha aqui diversidade de verbas para o mesmo destino. Por exemplo: eu vejo que o interprete escrivão de Angra tem de ordenado 80$000 réis; o do Funchal 130$000 réis; é da Horta 80$000 réis; o de Ponta Delgada 100$000 réis. Ora, não sei em que fundamento assente a diversidade dos ordenados aqui votados. Affigura-se-me que nesta parte poderia haver igualdade; ou reduzindo todos, por exemplo, á verba de 80$000 réis, ou á de 100$000 réis. Não posso perceber, a razão por que a commissão admitte uma tal differença. No Funchal estou inteiramente convencido de que o ordenado votado para o interprete escrivão podia ser menor, em consequencia de que os emolumentos, que elle alli percebe, são muitissimo consideraveis. Eu nada tenho contra a pessoa que actualmente alli exerce aquelle emprego; o que intendo é, que é mister fazerem-se algumas economias onde isso é possivel. Se essa diversidade de ordenados se fundasse ha diversidade de emolumentos, onde houvesse maiores emolumentos 0 ordenado devia ser menor, e vice-versa; mas eu vejo que no Funchal, por exemplo, onde os emolumentos são maiores, o ordenado é muito maior do que, nos outros districtos.
Talvez estas observações sejam mesquinhas, todavia é da minha obrigação apresenta las; e espero pela resposta da illustre commissão, se o julgar conveniente.
Sr. presidente, um dia destes li eu no Diario do Governo um edital do conselho de saude, para ser provido o logar de guarda-mór do districto do Funchal. Diz-se alli que este emprego tem 200$000 réis de ordenado, afóra os emolumentos que percebe por lei. Eu leio o orçamento, e não encontro alli inserto, ordenado para o guarda-mór. Por consequencia, de duas uma: ou ha equivocação no orçamento, ou no edital. Affigura-se me que a equivocação está antes no edital, porque effectivamente o guarda-mór não percebe alli ordenado algum, nem era bem que o recebesse, por quanto os emolumentos, que percebe, são pingues, não tanto como os dos interpretes-escrivães: estes dobram, estes são duplicados, todavia os do, guarda-mór são muitissimo pingues; por consequencia muito bem é que não tenha ordenado. Como vi o annuncio no Diario, desejava que a illustre commissão reflectisse sobre este negocio, e me dissesse ou, de está a equivocação.
Tenho dicto, sr. presidente, e talvez de mais, sobre, este capitulo.
O sr. Justino de Freitas: — Sinto não poder talvez satisfazer a todas as informações que exige de mim o illustre deputado.
Quanto aos ordenados dos escrivães-interpretes, a commissão achou isso estabelecido no orçamento, e em differentes leis que regulavam o assumpto, e não podia alterar esses ordenados, sem que houvesse reclamação, e para poder apresentar um projecto de lei fundado em bases seguras para esse fim.
O mesmo digo a respeito do ordenado do guarda-mór, que o illustre deputado intende que não deve ter ordenado.
Em consequencia, a commissão não fez mais do que approvar o orçamento, que tinha sido proposto pelo governo, nesta parte, porque era fundado na legislação que estava estabelecida; e intendeu que, não havendo reclamação, não podia propôr novas, medidas sobre este objecto. Se o illustre deputado intende que ha nisto a fazer alguma reforma, peço que mande as suas propostas para a mesa, a commissão as considerará, e trará o seu parece sobre este objecto; mas por em quanto, a commissão, não tinha mais nada a fazer do que fez; como não havia reclamação sobre este objecto, cingiu-se ao que estava proposto no orçamento, na conformidade das leis do reino.
Agora, em quanto ao equivoco, não estou habilitado de prompto para poder responder sobre este objecto; mas parece-me que deve prevalecer o orçamento, porque é um trabalho official e feito com todas as informações do governo; creio que haverá, talvez equivoco da parte do edital, e não do orçamento.
O sr. Luz Pitta: — Sr. presidente, eu sinto achar-me, até certo ponto, em opposição com o meu illustre amigo e collega, o sr. Silvestre Ribeiro. S. ex.ª, pareceu-me de algum modo justificar algumas das reclamações feitas pela associação commercial do
VOL. VI — JUNHO — 1854.
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Porto contra o conselho de saude publica. (O sr. Silvestre Ribeiro: — Peço a palavra). Pareceu-me pedir ao governo que tomasse em consideração as exigencias do commercio, a respeito das repartições de saude publica. Nesta parte eu não posso concordar com o meu -illustre collega. As exigencias do commercio não tem limites, as corporações de saude publica, a que me honro de pertencer, estão todos os dias sendo atacadas violentamente pelo commercio, não só do Porto, mas de outros pontos do paiz; todos querem que os navios entrem sem quarentenas, e que não se obste á introducção das molestias, e apoiam-se nas opiniões adoptadas em outros paizes, onde as medidas sanitarias não podem ter logar. A Inglaterra, por exemplo, onde o conselho de saude publica, como não póde estabelecer medidas sanitarias, porque não e possivel por em quarentena todos quantos passageiros alli chegam, assentou que não devia tomar medidas sanitarias, que devia deixar entrar toda a gente, morra quem morrer, diminua ou não a população; mas nós que estamos n'um. paiz onde desgraçadamente não ha ainda barcos de vapôr, não ha caminhos de ferro, não chegam centenares de passageiros todos os dias, como á Inglaterra; podemos, ao menos em compensação dessas desvantagens, ter os beneficios da protecção á saude, e por consequencia, devemos por meio de medidas sanitarias obstar á introducção de molestias, reputadas na sciencia como susceptiveis de serem importadas.
Houve tempo em que se julgou na sciencia, em que uni grande numero de medicos respeitaveis assentava, que a cholera-morbus não era molestia contagiosa, outros assentavam que a febre amarella não era tambem contagiosa; hoje numerosos factos provam o Contrario, hoje póde-se affirmar que o maior numero de medicos assenta que qualquer destes dois males e susceptivel de importação, e que é conveniente adoptar um systema de medidas sanitarias. Em Inglaterra, na America, e mesmo em França, não se podem pôr em practica estas medidas, porque o numero de passageiros diario é tão grande, que não é possivel ter lazaretos onde se façam as quarentenas; mas entre nós, ao menos em quanto não temos aquellas vantagens, podemos precaver-nos contra essas molestias. O commercio não o intende assim, e Influenciado pelo que se practica nos outros paizes, e quer que se faça o mesmo aqui. Tem-se espalhado por toda a parte impressos feitos de proposito, em Inglaterra, por individuos interessados, onde não apparece sempre à boa fé na apreciação dos factos adduzidos, contra o systema das quarentenas, para vêr e ordem fazer com que por toda a parte se acabe com essas medidas, porque, como lá as não podem ter, não querem que ninguem as tenha; e o commercio de Portugal por interesse proprio protege essas tendencias. O conselho de saude tem respondido, quanto a mim, victoriosamente a todas essas accusações que se lhe tem feito, e até já aqui tem sido distribuidos folhetos, em que a sua justificação me parece completamente estabelecida.
Eu não contesto que seja conveniente melhorar a organisação do conselho de saude publica; parece-me mesmo muito conveniente a reforma das leis que o regem, e que julgo mui deficientes; mas o melhoramento de alguma coisa que o precise não se deve promover e conseguir atacando e lançando desfavor sobre tudo. Ainda não ha muito tempo que eu, como empregado no conselho de saude publica, fui increpado de ter posto de quarentena na ilha da Madeira um navio que ali chegou, levando a bordo individuos atacados de bexigas. Na Madeira não ha bexigas sem serem importadas; mas não se quer intender isto, e em se tomando qualquer medida, embora seja de interêsse geral, mas que affecte Individuos, ainda que seja de leve, ninguem se póde subtrair à censura; as queixas vêm logo.
Passarei agora a fallar do lazareto do Funchal. O illustre deputado disse, que esse lazareto era collocado em um predio nacional, e que desse predio se podia fazer um dos melhores lazaretos, teve dar uma explicação a este respeito. Este predio de que se bacia, foi annunciado no Diario do Governo, pára Sê vender. Por essa occasião vim eu á camara, e pedi ao Sr. ministro da fazenda que mandasse sobreestar dessa venda (isto foi ha dois annos), é comprometti-me a apresentar um projecto de lei, para que essa propriedade fosse destinada para lazareto dó Funchal. Cumpri a minha palavra, apresentando immediatamente o projecto, e renovei a iniciativa em 1853. Houve um parecer dado sobre esse projecto, que, funda não foi discutido. Nesse parecer, diz á commissão, que pode ser dada à propriedade para esse fim, más que não é preciso projecto de lei. Eu Mão sei até que ponto o governo tem ou não faculdade pára isso; e muito desejaria que o sr. ministro do reino me podesse esclarecer a este respeito; porque, estando o governo auctorisado para conceder 6 predio pára este fim, não instava pela approvação do meu projecto; e não estando auctorisado, então preciso instar pára que sé lhe dê seguimento.
Agora, em quanto aos Ordenados do guarda mór é escrivão-interprete da repartição de saude do Funchal, de que tambem se faltou, devo dizer que o logar de guarda mór não tem ordenado, e no annuncio que o conselho de saude fez para b provêr sem dúvida, houve equivocação. Aquelle logar não tem ordenado algum, tem só emolumentos, e esses emolumentos; teta sido até agora julgados sufficientes para retribuir aquelle emprego. O escrivão-interprete, pessoa que milito bem desempenha as obrigações do seu logar, e a quem devo este publico testimunho dê louvor, tem 130$000 réis, além de emolumentos, dobrados do que tem o guarda mór, pelas visitas a navios estrangeiros. Se os emolumentos forem julgados sufficientes, sem ordenado pelo estado, parecia-me que o ordenado que vem marcado no orçamento deveria ter outra applicação; e nesse caso reservo-me para fazer uma proposta sobre a applicação que sé lhe deva dar em utilidade do serviço publico. Parece-me ter deste modo esclarecido as dúvidas, que occorreram, tanto ao illustre relator da commissão de fazenda, como ao meu nobre amigo o sr. Silvestre Ribeiro; e se apparecer mais alguma, promptificar-me-hei a esclarecê-la, porque, tendo sido empregado interinamente naquella repartição de saude, posso dizer que estou muito ao facto do que nella se passa.
O sr. Santos Monteiro (Sobre a ordem): — Pedi a palavra sobre a ordem para chamar em primeiro, logar a attenção de v. ex.ª e da camara para este modo de discutir o orçamento. Se continuâmos com este vagar, trazendo para esta discussão tudo quanto ha, até as quarentenas, não chegâmos tão cedo ao fim do projecto. Eu peço aos illustres deputados que se lembrem, que já não temos senão sete dias de
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sessão, e que por consequencia, se em cada capitulo do orçamento trouxermos para a discussão materia, que se póde dizer estranha a ella, de certo que isto se torna interminavel. (Apoiados)
Pelo que respeita á observação que fez o sr. Silvestre Ribeiro, desta equivocação do conselho de saude, consta-me que já está rectificada n'outro Diario do Governo, e em todo o caso, quando o não estivesse, o conselho de saude e que havia de pagar esse ordenado.
Sobre o ordenado do escrivão-interprete, o meu amigo e collega da commissão já respondeu o que convinha responder. E necessario que os illustres deputados se compenetrem bem desta idéa; no orçamento, pelo que respeita a ordenado', não se póde votar senão o que estiver estabelecido em lei, tanto para augmentar os ordenados, como para os diminuir. (Apoiados)
Eu folgo muito de, pela primeira vez, ouvir nesta camara, que é necessario diminuir alguma coisa na ilha da Madeira; até que felizmente chegou a occasião em que dois illustres deputados lembraram, que se póde diminuir alguma coisa naquella ilha. (O sr. Silvestre Ribeiro: — E o trem da Madeira?) Fomos nós; nós, commissão de fazenda, é que estâmos debaixo das iras do paiz; chegou, como digo, a occasião de se dizer, que ha um escrivão na Madeira que tem um ordenado que não deve ter! Nós ignoravamos completamente; aproveitaremos esta lembrança dos illustres deputados, mas não para o orçamento, porque no orçamento hão de se votar os vencimentos dó pessoal estabelecidos por lei; (Apoiados) tanto pára os dar, como pára os tirar, é necessario uma lei; da minha parte espero, e a camara tem de esperar do zêlo dos Illustres deputados, é eu já tomei nota, que será a seu tempo proposta a suppressão do vencimento desse ordenado; porque poderemos acreditar que é justa á lembrança dos srs. deputados.
Agora, o que eu peço aos illustres deputados é, que não tragam para o orçamento questões que realmente vem muito pouco a proposito, (Apoiados) porque apenas nos faltam sete dias dê sessão, é, se vamos assim, ã discussão do orçamento de certo não acaba; por exemplo, esta das quarentenas; eu receio que, se ella continuar, os defensores do commercio peçam a palavra, e depois os não defensores, que a peçam também, e que não cheguemos nunca ao fim da discussão. O meu collega e amigo já respondeu a este respeito, que á declaração do conselho do saude tinha sido rectificada.
Em quanto ao ordenado do escrivão, ha de ser um projecto de lei, porque a commissão ha de ser restricta observante da lei; vencimento novo, lei; vencimento abaixo, lei; porque de outra maneira estabelecíamos aqui uma discussão interminavel. (Apoiados)
O sr. Presidente: — Quanto ás observações a respeito do modo de correr a discussão, estimarei muito que os illustres deputados sigam o que mais conveniente fôr; mas o que é certo e tem vogado é, que o orçamento é o logar competente de se fazerem todas e quaesquer observações: (Apoiados) eu por isso não me considero auctorisado para restringir a discussão.
O sr. Santos Monteiro: — Se v. ex.ª me dá licença, direi duas palavras ainda. Ahi está um parecer da commissão de fazenda, a que se referiu o sr. deputado; quando se discutir ha de se reconhecer, que o governo está auctorisado a incluir os edificios: eu intendo que o governo, empregando um edificio nacional como lazareto, está empregado, e incluido no decreto que foi citado.
Leu-se logo na mesa a seguinte:
Proposta: —.Proponho que a verba de 130$000 réis, designada no orçamento para o interprete, escrivão da estação de saude do porto do Funchal, seja applicada para o escrivão da delegação de saude do mesmo districto. = Luz Pitta.
Foi admittida.
O sr. Ministro do reino: — Sr. presidente, sem combater nenhuma das idéas apresentadas pelos nobres deputados os srs. Silvestre Ribeiro, e Pitta, não posso deixar de fazer uma ligeira observação, pelo que toca ao conselho de saude, lin não estranho que algumas queixas tenha havido contra o conselho de saude pela parte do commercio: aqui tenho eu, segundo a minha consciencia e o meu dever, defendido o conselho de saude dessas imputações; isso passou: o negocio está entregue a uma commissão, que eu nomeei, em que o conselho de saude tem parte, e em que tem assento um commerciante, para que juntos considerem o negocio sem a relação immediata do facto ao interesse; pois a peior occasião para se poder ajuizar do assumpto é quando o interesse esta por um lado, e o facto do lado contrario: então todos ralham, e todos têm razão, (Uma voz: — Ou nenhum) ou nenhum tem razão; vem a importar o mesmo.
Portanto, descansem os illustres deputados: as observações que tenho aqui ouvido muitas vezes da bocca de s. ex.ª tem calado no meu animo. Intendi, e intendo, que se carece de uma refórma, porque o conselho de saude, como todos os outros estabelecimentos, está sujeito a esta alteração de idéas, de principios; emfim tudo quanto existe, existe carecendo continuadamente de reformas e emendas, e isto tanto nos homens como nas coisas, e o conselho de saude necessariamente deve precisar de algumas medidas de melhoramento: por essa parte não temos nada a innovar em quanto ás providencias, porque estão dada, e espero que o seu resultado produza bons effeitos.
Quanto á irregularidade do ordenado, lembrada pelo illustre deputado, está claro que a camara não póde agora fazer alteração; mas o governo, em vi-ta destas observações, ha de pensar, e de certo que se illustrará a este respeito.
Em quanto á duvida do illustre deputado o sr. Pitta, sobre se o governo está auctorisado ou não a applica r aquelle edificio do Funchal para o estabelecimento de um lazareto, direi: se é o edificio, sim; se é o terreno
O sr. Pitta: — É uma coisa e outra.
O Orador: — Não me parece que o governo esteja auctorisado; eu não estou certo na lei: intendo que o governo o póde applicar, como digo, convertendo o seu uso em serviço publico, e elle já está servindo de lazareto. Tem uma cêrca?
O sr. Silvestre Pereira: — Tem uma cêrca e já nella se fizeram obras.
O sr. Pitta: Esse edificio já foi á praça, mas já se sobreesteve na venda.
O Orador: — Mas desde que se sobreesteve na venda, acabou tudo por parte do governo; agora pela permanencia da medida...
O sr. Pitta: — Para isso é que eu propuz um pro.
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jecto de lei;, para não acontecer o que aconteceu lia anno, que foi o annunciar-se a venda.
O Orador: — Aconteceu isso ha annos; mas o edificio tem continuado a servir para o mesmo fim; então melhor é deixa-lo pacificamente; reserve o illustre deputado as suas observações para a defeza do projecto: não se cançará muito, porque estou certo que ninguem o combaterá.
Agora o que peço aos illustres deputados, se me é permittido, e que pensemos todos nós na estreiteza do tempo, e apenas façamos aquellas observações que aliàs julguemos absolutamente necessarias; sejam aquellas só que illustrem. Mas isto não é fazer censura; nem a podia fazer, nem a minha situação o permitte: faço este reparo pela muita necessidade que temos de andar. (Apoiados).
O sr. Santos Monteiro (Sobre a ordem). — Peço se prorogue a sessão até se concluir a votação deste capitulo.
O sr. J. M. de Abreu: — Mando para a mesa o seguinte parecer da commissão de instrucção publica, que contem as bases para a refórma da instrucção primaria. (Leu)
O sr. Presidente: — Na casa ainda ha numero: consulto pois camara sobre a prorogação da sessão até se concluir a discussão deste capítulo.
Dicidiu se que se prorogasse a sessão para este fim.
O sr. Presidente: — Então tem a palavra o sr. Silvestre Ribeiro.
O sr. Silvestre Ribeiro: — Cedo da palavra.
O sr. Presidente. Segue-se o sr. Pitta.
O sr. Pitta: — Eu cedo tambem da palavra.
E pondo-se logo á votação o
Capitulo 6.º — Foi approvado (sem prejuizo da proposta do sr. Pitta).
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje. Está levantada a sessão. — Era pouco mais das quatro horas da tarde.
O 1.º REDACTOR
J. B. Gastão.