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DIARIO DA PRIMEIRA SESSÃO ORDINÁRIA DA QUINTA LEGISLATURA
DEPOIS DÁ RESTAURAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA.
VOL. VII. — JULHO-1853.
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DIARIO DA PRIMEIRA SESSÃO ORDINÁRIA DA QUINTA LEGISLATURA
DEPOIS DÁ RESTAURAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL PUBLICADO PELA EMPREZA DOS EMPREGADOS DA SECRETARIA DA MESMA CAMARA.
VOL. VII. — JULHO-1853.
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DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS.
N. 1.º
SESSÃO DE 1 DE JULHO
PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.
Chamada: — Presentes 80 srs. deputados.
Abertura: — Ao meio dia e um quarto.
Acta: — Approvada.
CORRESPONDENCIA.
Uma declaração: — Do sr. Palma participando que o sr. Garcia Peres, por justo impedimento, não pôde comparecer á sessão de hontem, não comparece á de hoje, e talvez á de ámanhã. — Inteirada.
Um officio: — Do sr. S. J. da Luz, participando que por justo impedimento não pode comparecer á sessão de hoje, e talvez á de ámanhã. — Inteirada.
Representações: — 1.ª Da camara municipal do concelho da Feira, reclamando contra o decreto de 31 de dezembro de 1852, na parte em que estabelece a livre exportação do trapo para o estrangeiro. — A commissão especial das pautas.
2.ª — Da commissão administrativa da misericordia de Palmella contra os incommodos e vexames, que lhe está causando a execução da portaria regulamentar da misericordia e hospital de S. José de Lisboa, de 16 de janeiro de 1851, em manifesta opposição com o que determinam os decretos de 5 de novembro de 1851 e 2-1 de dezembro de 1852. — A commissão especial dos legados pios, ouvida a de administração publica.
SEGUNDAS LEITURAS.
Requerimento. — Requeiro que á commissão de administração publica se remettam as representações, que existem na secretaria desta camara, dirigidas pela camara municipal de Ponta Delgada em 8 de maio de 1846, e 20 de maio de 1818, sobre a auctorisação que a mesma camara pede para alterar o systema de arrecadação da contribuição denominada — imposição do vinho. — Outrosim requeiro que se peça ao governo pelo ministerio dos negocios do reino, o requerimento e documentos annexos, que lhe fóra dirigido, em data de 16 de outubro de 1852, por varios commerciantes daquelle concelho, sobre este objecto, afim de que tudo seja remettido á mesma commissão, para delles tomar conhecimento. — Soares de Albergaria.
Foi approvada a primeira parte; e a 2.ª, como de expediente da mesa, mandou-se remetter ao governo.
Mandaram-se imprimir 3 projectos: — 1 da commissão de guerra, estendendo as disposições dos artigos 2.º, 3.º e 5.º do decreto de 23 de outubro de 1851, aos officiaes comprehendidos na concessão de Evora-Monte; — outro da commissão de marinha, applicando a todos os officiaes da armada, que foram demittidos por lerem servido a usurpação, as disposições do decreto de 23 de outubro de 1851; — e finalmente outro da commissão de fazenda, supprimindo o logar de sub-inspector da alfandega grande de Lisboa em Paço de Arcos.
O sr. Ferreira de Castro: — Mando para a mesa um requerimento, para suspender outros que fiz para fazer chamar á camara os papeis, e mais esclarecimentos relativos á concessão feita á camara municipal de Guimarães do convento e cerca de S. Domingos.
Por esta occasião desejo excitar a attenção da commissão de fazenda sobre um projecto de lei que apresentei na sessão passada, e sobre o qual já a commissão de legislação linha sido consultada, e que tem por fim a prorogação do praso, que a lei de 22 de junho de 1846 concedeu aos sub-enfiteutas e sub-censuarios da corôa para poderem remir suas pensões, o qual foi nesta sessão filiado pelo sr. deputado Mello Soares.
Sr. presidente, é este um assumpto importante, e reclamado pela opinião geral do paiz, e como tal deve merecer a particular attenção da commissão de fazenda; e espero que ainda nesta sessão possa o parecer respectivo ser trazido a camara, sem comtudo querer passar por censor ou fiscal da conducta de commissão alguma.
Aproveito ainda a palavra para mandar para a mesa uma representação dos fabricantes de couros, da cidade de Guimarães, em que pedem a extincção do imposto de exportação para o producto agricola, componente indispensavel nos col lumes, isto é, a casca de sobre, carvalho, ou outras arvores. A pertenção dos fabricantes é justa; o estabelecimento de couros naquella cidade é, sem duvida, um dos mais fortes e de maior escala, que neste genero tem o paiz. Alli movem-se na volta do anno entre 200 e 100 contos; alli sustentam-se centenares de braços; e preparam-se de 150 mil a 200 mil couros de todas as dimensões, empregando-se nos cortumes 200 mil arrobas de cascas.
Houve tempos em que este ramo de industria fa-
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bril corria, naquella terra, parelhas com outros dois ramos de commercio, como eram ferro e linho; mas depois do tractado de 1810, e, mais tarde, depois da separação do Brasil, estes dois artigos perderam muito de sua prosperidade, porque os artefactos estrangeiros principiaram a ler alli mais consumo, por sua barateza, e com elles não podem concorrer os nossos, que ainda demandam duplicada mão de obra, privados de machinas, costeados a braços, e com máos systemas, etc.
Se porém a casca continuar a saír, e com tão modico direito, muito será para receiar que este commercio dos couros cáia, assim como os outros, em abatimento, porque a casca já é cara, e, bem longe de ler augmentado este producto agricola, ao contrario, tem diminuido, porque nós, na provincia do Minho, não temos esses largos e extensos bravios, que offerece a provincia do Alemtejo; e, prestando-se aquella provincia muito principalmente á cultura dos cereaes, os lavradores facilmente derrubam as mattas e devezas, que os podem produzir; accrescendo de mais que, sendo alli muito caro o combustivel, a pobreza respeita muito pouco esses bravios, e tudo concorre, por falla de leis florestaes, para que, diminuindo o bravio, diminua tambem a casca. Li sendo assim, como é indubitavel, e muito geralmente conhecido, não sei a razão por que, sendo em todas as leis de pautas prohibida a saída da casca, só nas ultimas pautas é permittida a sua exportação, e por um modico tributo. Segundo os principios economicos da materia devia ser bem pelo contrario: quanto mais escaceia um artigo, mais rigorosa deve ser a prohibição da sua exportação, ou pura e simplesmente, ou por imposto tão forte, que não comporte a sua saída. Tem acontecido pelo contrario, no que muito soffrem os fabricantes da cidade de Guimarães, e não menos os de outras terras, que já aqui tambem se dirigiram; e esperando que uns e outros sejam attendidos por esta camara, mando para a mesa esta representação, que deverá ir á commissão de pautas. que julgo ser a especial.
O sr. Presidente: — Os membros da commissão de fazenda estão reunidos em trabalhos, quando vierem então lhes será presente o pedido do illustre deputado.
O sr. Bivar; — Vou mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Lagos, pedindo providencias contra os vexames que se fazem, em todos os pontos, aos pescadores que transportam peixe salgado, obrigando-os a pagar direitos que já tem pago quando em fresco.
Estimo ter occasião de levantar a minha voz a favor desta classe desgraçada e infeliz, e estimo bastante que esta representação venha reforçar o que já disse noutra occasião, quando chamei a attenção do sr. ministro da fazenda sobre este objecto. O sr. ministro da fazenda então teve a bondade de prometter que havia de tomar providencias sobre este objecto; eu confiei na palavra de s. ex.ªs e sinto muito que os as providencias se tenham demorado tanto; porque os vexames continuam, e não ha lei nenhuma que os auctorise: ha só o excesso por parte dos fiscaes.
A lei de 10 de julho de 1813, que estabeleceu a percepção do direito sobre a pescaria fresca, não se póde intender ao ponto de consentir que continuem os abusos que actualmente se estão practicando para com os pobres pescadores; por isso que depois de
terem pago o imposto que a lei ordena, vão pagar ainda outro imposto; e ainda que isto seja considerado uma fonte deste certa para o thesouro, é comtudo uma cousa que se não póde sustentar em vista da lei.
Espero portanto que estas minhas palavras transcriptas no Diario do Governo, no extracto da sessão, hão de chegar ao sr. ministro da fazenda, e que elle excitado por esta representação da camara municipal de Lagos se apressara a tomar as medidas que prometteu a favor de uma classe infeliz, que ordinariamente arrisca a sua vida para obter os meios da sua subsistencia.
O sr. Julio Pimentel: — Pela carta de lei de 30 de abril de 1849 foi o governo auctorisado a dispender até á quantia de 3 contos de réis para dar principio ao estudo geológico e mineralógico do reino. Com esta auctorisação creou o governo pelo decreto de 2 de maio do mesmo anno uma commissão, a quem encarregou aquelles estudos, e para os fazer realisar, fez baixar com o mesmo decreto umas instrucções, em que se estabelecem as obrigações da commissão. Estas instrucções não tem sido completamente cumpridas. A exploração geologica e mineralógica foi incumbida a um cidadão francez, e tem-se dispendido com ella para mais de 11 contos de réis.
Nós e o publico ignoramos o valor dos trabalhos que se tem feito neste ramo, porque apenas, nos primeiros tempos em que a commissão entrou em exercio, se fez uma exposição de alguns exemplares de rochas colhidas na provincia do Alemtéjo, rochas cuja colleção não representa talvez de um modo conveniente a constituição geologica daquella provincia. Hoje presume-se até que a indole da commissão se acha transformada, não sei com que auctorisação, em commissão geográfica e de estatistica. Não ha na realidade uma razão bem clara que justifique esta transformação; porque não se comprehende a necessidade nem a conveniencia de uma commissão geográfica collocada parallelamente á commissão geodesica (que se acha encarregada de levantar a costa do reino, e que incessantemente se occupa deste importante trabalho) senão como mero conhecimento sem importancia e sem valor: tambem a estatistica que nos convem, é a estatistica official feita pelas repartições do estado, porque essa é a unica que é convenientemente auctorisada, e cujos dados merecem confiança, e algumas repartições ha já, como as do ministerio das obras publicas, que tem executados os trabalhos desta ordem com muita preferencia. Alguns destes vi eu já que me pareceram, quanto eu posso julgar, obra bem acabada, tanto quanto é possivel sel-o nas nossas actuaes circumstancias. Assim, sendo conveniente que a camara e o paiz tenham um conhecimento exacto do estado desta questão, e da boa applicação dos fundos publicos, que se tem dispendido com a commissão geologica, mando para a mesa um requerimento pedindo no governo os necessarios esclarecimentos. (Leu)
Ficou sobre a mesa, para ler seguimento na seguinte sessão.
O sr. Santos Monteiro: — Envio para a mesa uma representação da sociedade das sciencias medicas de Lisboa, fazendo largas considerações ácerca do projecto de lei apresentado nesta casa pelo sr. deputado José Eduardo de Magalhães Coutinho, sobre a con-
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cessão de um gráo academico aos alumnos das escolas medico-cirugicas de Lisboa e Porto.
Como tenho a palavra, e tenho observado que a discussão do orçamento vai com uma tal morosidade, que, talvez não possamos, dentro nos 20 dias de prorogação, terminal a, e lendo tenção de apresentar em diversas partes do orçamento algumas propostas, que talvez a camara queira converter em lei, pareceu-me que, para ganhar tempo, as devia apresentar desde já para que sendo julgadas urgentes, se remetterem ás respectivas commissões, que dando os seus pareceres sobre ellas, possam ser tomados em consideração pela camara ainda durante a discussão do orçamento. São os seguintes:
Projecto de lei (n.º 67 A). Artigo 1.º É prohibida a promoção ao posto de tenente general, em quanto além dos 10 do quadro legal existirem supranumerarios.
Art. 2.º São igualmente prohibidas as reformas no posto de tenente general, com o respectivo soldo, salvo, se além das outros circumstancias exigidas nas leis que regulam as reformas, o reformado contar mais de sessenta annos de idade, e quarenta e cinco de serviço.
Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario. — A. S. Monteiro, Deputado por Faro.
Projecto de lei (n.º 67 B). Artigo 1.º Não é permittido ao commante em chefe do exercito, que não fôr Pessoa Real, ter entre os seus ajudantes de ordens, mais de 2 officiaes superiores.
§. As gratificações dos officiaes superiores, durante a commissão de que tracta este artigo, serão iguaes ás dos officiaes superiores em commissão no arsenal do exercito, e dos que servem de chefes de repartição no estado maior general.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario. — A. S. Monteiro, Deputado por Faro.
Projecto de lei (n.º 67 C). Artigo 1.º Fica sendo prohibido ao governo, decretar pensões de quantias, que excedam metade do soldo ou ordenado, do individuo, cujos serviços se quizerem remunerar nas pessoas de seus parentes; Em nenhum caso poderão as mesmas pensões exceder a 600$000 réis annuaes.
§ unico. Exceptuam-se as pensões que estiverem estabelecidas em leis anteriores, ou que o vierem a ser em leis especiaes.
Art. 2.º Quando haja motivo para decretamento de pensão, superior ao maximum marcado no artigo antecedente, dependerá o decretamento de concessão prévia das côrtes sob proposta do governo.
Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario — A. S. Monteiro Deputado por Faro.
Depois de lido na mesa o ultimo projecto, foi declarado urgente.
O sr. Avila: — Eu acho muito boa a doutrina do projecto, mas entro em duvida se esta doutrina póde ser adoptada por uma camara com poderes ordinarios, por que elle tende a limitar attribuições ao poder executivo. (O sr. Santos Monteiro: — Vai a uma commissão) Era esta ponderação que eu desejava fazer, para que não se impute á camara, que ella quer invadir as attribuições dos outros poderes do estado; e já esta idéa serve para que a commissão á qual for o projecto, examine como questão previa se effectivamente a camara póde adoptar a sua doutrina, tendo apenas poderes ordinarios.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu, sr. presidente, sympathiso com o principio estabelecido pelo sr. Santos Monteiro no projecto, que mandou para á mesa, mas declaro que não o approvo, porque o sr. Santos Monteiro, depois de declarar no seu projecto, que o governo não póde conceder pensões para mais de 600$000 réis no § 1.º, no § 2.º exceptua as que já foram decretadas, e as que de futuro forem dotadas com essa declaração; por tanto o projecto não serve de cousa nenhuma. Eu quisera que o sr. Santos Monteiro tivesse a honra de mostrar-me, para exemplo... (O sr. Santos Monteiro: — Se está em discussão o meu projecto, peço a palavra.)
O sr. Presidente: — Agora só se tracta de saber se o projecto deve ou não ir a uma commissão (Apoiados).
O s. Cunha Sotto-Maior: — Bem; fico por aqui.
Foi admittido o projecto e remettido á commissão de fazenda. Os outros dois tambem foram declarados urgentes, e remettidos á commissão de guerra.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, pedi a palavra antes da ordem do dia, para fazer um additamento a um requerimento que fiz em uma das sessões passadas, e que a camara approvou, para que o governo remettesse a esta camara o relatorio e mais documentos, que o procurador geral da corôa interpoz ao governo, sobre a syndicancia da relação do porto. Visto que pedi esses papeis com urgencia, e vendo a demora que tem tido, e tendo razões para acreditar, que se demorarão ainda mais, peço em additamento ao requerimento, que o relatorio e mais papeis concernentes a este objecto, sejam impressos e distribuidos aos srs. deputados.
Parece-me que estava no meu direito pedindo que elles fossem remettidos á camara; em additamento tenho a pedir, que, em logar de virem á camara, o governo os mande immediatamente imprimir, para serem distribuidos nesta camara, antes de se fechar a sessão, porque, vendo que ha alguma difficuldade em mandar estes papeis, quero fazer tudo que estiver ao meu alcance, para que elles venham.
Alando pois para a mesa o seguinte:
Requerimento. — Requeiro que se mandem imprimir tanto o relatorio do procurador geral da corôa, como todos os papeis a que me referi no meu primeiro requerimento; e que todos sejam distribuidos na camara durante a actual sessão. — Cunha Sotto-Maior.
Peço a urgencia.
O sr. Palma: — Mando para a mesa uma representação da misericordia de Mertola, sobre legados pios.
O sr. Placido de Abreu: — Requeiro que sejam impressos no Diario do Governo os projectos de lei, que o sr. Santos Monteiro mandou para a mesa, e que a camara julgou urgentes.
Assim se resolveu.
Foi lido na mesa o requerimento do sr. Cunha Sotto-Maior, e foi declarado urgente.
O sr. Justino de Freitas: — Parece-me que não tem logar votar-se sobre o additamento do nobre deputado porque ainda não vieram os papeis que pediu, nem mesmo sei se o governo poderá satisfazer ao primeiro requerimento do nobre deputado, porque no pedido de documentos ao governo sempre se intende
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— não havendo inconveniente. Não ei tu o governo quererá ou poderá mandar esses papeis, nem entro nesta questão; mas parece-me regular, que o sr. Cunha esperasse pela satisfação do seu primeiro requerimento, para depois requerer a impressão.
O sr. Presidente; — A hora de se entrar na ordem do dia já deu; a discussão não póde por consequencia continuar, a não resolver a camara o contrario,
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Como não está presente o governo, requeiro que seja consultada a camara se está resolvida a decidir este negocio.
A camara decidiu negativamente.
ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão do projecto n.º 4 A.
O sr. Corrêa Caldeira (Sobre a ordem): — Sr. presidente, não obstante os termos em que o sr. ministro da fazenda se exprimiu hontem por parte do governo, a respeito do projecto que se discute, eu intendo que a camara não póde continuar na discussão deste projecto sem estar presente o governo, não só porque elle é essencialmente connexo com o orçamento do estado, que nunca se discutiu na ausencia do governo, como porque a declaração do sr. ministro não prova senão que s. ex. olhou muito de leve para a questão, que s.ex.1 não attendeu ás gravissimas considerações, e aos gravissimos principios que estão offendidos por este projecto. Eu intendo, sr. presidente, que o governo não póde ser estranho em caso nenhum á execução ou não execução das leis, á infracção de contractos solemnes, e á violação de todos os principios de direito e propriedade. O governo é destinado a proteger os poderosos e 05 fracos; não póde ser por consequencia indifferente, quando se tracta da violação de direitos sacratissimos; é necessario que esteja sequer, e necessario que ouça as razões, e que responda se puder responder. Proponho pois o adiamento da discussão deste projecto ate estar presente alguns membros do governo.
Foi apoiado e admittido. (Entrou o sr. ministro da fazenda).) O sr. Presidente: — Com a chegada do sr. ministro da fazenda, caducou o motivo do adiamento, e por isso continua em discussão o projecto n.º 41 A.
O sr. Justino de Freitas: — Sr. presidente, começo por declarar ao sr. Avila, que hontem interpellou a commissão de fazenda por não ter tomado parte no debate, que a commissão não podia, nem devia defender o seu projecto, sem que os seus adversarios naturaes o tivessem atacado; apenas dois membros da commissão de fazenda fizeram as suas declarações para darem os motivos do seu voto; mas se assim mesmo algum dos membros da direita se tivesse antecipado a pedir á commissão as razões e os fundamentos que tivera para apresentar o projecto de lei sobre a pensão vitalicia do sr. conde de Penafiel, sem duvida algum de seus membros se teria apressado a satisfazer os desejos daquelle lado damara.
Dada esta explicação passarei a responder ao meu illustre collega o sr. Avila, que seguindo o exemplo do sr. Antonio da Cunha, procurou elevar a commissão, declarando que se ía offerecer como victima expiatoria; mas depois sentado na cadeira magistral empunhou a ferula, e castigou sem piedade os membros da commissão, sem ao menos ter a condescendencia
1 de os ouvir primeiro, fulminando-os fortemente por terem violado a fé dos contractos.
Sem duvida, é esta a época do progresso e das grandes descobertas, e a alguns membros desta casa se deve neste anno, a bella descoberta de resolver com tres palavras, violação de propriedade, contracto, e fomento, todos os problemas mais difficeis de jurisprudencia, de administração, e de economia politica: eu com receio destas palavras misterioriosas julgo necessario demonstrar a camara que felizmente no projecto em discussão não ha violação de propriedade ou contracto, e por isso a camara pode votar tranquilla sobre este assumpto.
Não irei buscar mui longe as provas desta minha asserção, pois que as hei de deduzir do mesmo decreto de 18 de janeiro de 1797 que o illustre deputado é sr. Avila leu hontem interpolladamente, omittindo a parte que lhe não era favoravel, e da qual se demonstra claramente que naquelle decreto estão consignados os verdadeiros principios sobre a natureza dos officios, e delle mesmo se deduz que não ha contracto algum.
(O Orador começou a ler o citado decreto). Sr. presidente, apezar do conde de Penafiel querer considerar o officio de correio-mór como seu patrimonio, no mesmo decreto se declara — que aquelle officio era um cargo politico, e sendo igualmente evidente o direito que me assiste de revindicar para a minha real corôa por meio de uma justa indemnisação, este emprego publico, cuja alienação temporaria não podia de modo algum considerar-se como perpetua, irrevocavel: Fui servida ordenar a D. Rodrigo de Sousa Coutinho do meu conselho de estado, etc, que propozesse ao actual correio-mór do reino a generosa indemnisação que mando publicar com este decreto assignado pelo mesmo ministro de estado, com a comminação que não acceitando voluntariamente a offerta ficasse livre á corôa o revindicar por meios legaes o seu inalienavel direito.
Nestas palavras se deduz claramente, primo, que o officio de correio-mór não era propriedade particular do conde de Penafiel, mas um emprego publico de alienação temporaria e sem caracter algum de perpetuidade; e segundo, que não havia contracto algum, porque o soberano ao mesmo tempo que dava uma generosa indemnisação lhe impunha logo a comminação de que não acceitando voluntariamente a offerta lhe ficava livre revindicar pelos meios legaes os seus inalienaveis direitos. (Apoiados)
Sr. presidente, a palavra contracto suppõe a promessa acceita — promissio acceptata — e reciprocidade de direitos para acceitar ou repulsar as condições do mesmo, mas isto é repugnante com a comminação que o citado decreto impunha de revindicar os seus inalienaveis direitos quando se não acceitasse a generosa offerta que fazia o soberano: conseguintemente não vejo em tudo isto senão uma verdadeira doação e liberalidade do imperante dando uma retribuição ao conde de Penafiel por lho ler tirado o officio de correio-mór, que por modo algum se podia denominar contracto (Apoiados) e só quem desconhece a natureza e essencia dos contractos, póde dar este nome áquelle acto da regia munificencia.
Nem era preciso que esta doutrina se achasse ião claramente expressa 110 decreto de 18 de janeiro de 1797, porque já no alvará de 23 de novembro de 1770, se haviam estabelecido os verdadeiros principios sobre
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a natureza dos officios, declarando que elles eram personalissimos, e de uma natureza precaria, condemnando o chamado direito consuetudinario com que se pertendia que os officios passassem ás familias, e isto ainda que fossem adquiridos por compra ou outro titulo oneroso como era claramente expresso no citado alvará; por estas razões mal se póde comprehender que sendo o officio do conde de Penafiel personalissimo e temporario, se quizesse estabelecer por elle uma pensão de natureza perpetua irrevogavel.
O illustre deputado o sr. Avila stygmatisou o parecer da commissão, por declarar no mesmo, que aquella pensão se não podia sustentar com o caracter da heritariedade em presença da carta constitucional, e da legislação que tem sido applicada a todos os outros chamados proprietarios de officios. Maravilho-me com esta censura da parte do illustre deputado, que não quiz recordar-se do que se acha estatuido no 12.º e 13. do artigo 145.º da carta constitucional, onde ao mesmo tempo que se estabelece o principio da igualdade dos direitos, se consigna que todo o cidadão póde ser admittido aos cargos publicos; sem outra differença que não seja a cios seus talentos e virtudes. (Apoiados) Pois que outra cousa quer dizer este principio senão a exclusão da heritariedade nos officios? (Vozes — É verdade) (O Orador passou depois a lêr o alvará de 16 de março de 1797,.pelo qual o conde de Penafiel foi elevado de grandeza com o titulo de conde de juro e herdade, fazendo-se-lhe ao mesmo tempo mercê de 40 mil creados de mula, estabelecidos em bens que podessem pelas leis vincular-se.
Leu igualmente o derreio de 17 de dezembro de 1798, pelo qual se concedeu ao referido conde o senhorio do Reguengo e terras de Penafiel; as commendas de Santa Maria de Moreira, e 16 mil cruzados de renda, pagos aos quarteis pelas rendas do correio).
Peço a camara que note que este diploma não podia ter força de lei, porque era sómente assignado pelo ministro José Seabra da Silva; e apenas se póde deduzir de tudo isto, que só havia auctorisação para constituir o vinculo, mas não verdadeira instituição de morgado que dependia de se proceder ás diligencias necessarias pelo desembargo do paço, nos termos da lei de 3 do agosto de 1770.
(Leu, além disso, o decreto de 17 de dezembro de 1798, pelo qual se concedeu a pensão de 400$000 reis aos 5 irmãos do mesmo conde, e outra igual pensão a sua mãi) -
Sr. presidente, tenho a notar que neste decreto as pensões não são reversivas para o conde, mas a despeito de tudo isso, por avizo de 10 de novembro de 1814, mandou-se dar ao conde de Penafiel mais 400$000 réis da pensão que pertencia a sua mãi, e por fallecimento da mesma, e isto interinamente em quanto se não resolvesse o que parecesse mais justo sobre a falla de combinação dos titulos, e por este modo, e com esta interinidade, o conde tem recebido perto de 40 mil cruzados, que lhe não podiam pertencer, pois que a pensão era sómente de 16 mil cruzados, e não havia o direito da reversão no decreto em que se concedeu a pensão á mãi do mesmo conde, ou a seus irmãos.
Para justificar o poder que o corpo legislativo tem de poder alterar as mercês feitas ao conde de Penafiel, bastará notar que os bens da corôa, qualquer que seja a natureza, estão sempre sujeitos a reverterem para a mesma corôa, quando o bem do estado assim o pedir; (Apoiados) sobre este objecto é terminante o assento de 24 de abril de 1788, onde se estabelece este mesmo direito a respeito dos donatarios — porque pela doação não perderam a primitiva natureza de bens da corôa; e o Principe doando, não fica ligado para não poder alterar a doação quando concorre o bem commum dos povos — doutrina esta que já no tempo do sr. D. João IV se achava consignada no decreto de 19 de novembro de 1652 — e considerando nós que os bens da corôa e ordens estão primeiro obrigados ao serviço da corôa que os patrimoniaes de cada um, etc — donde concludentemente se mostra a competencia das córtes para legislar sobre este objecto, e foi sempre por estas mesmas razões que os bens da corôa estiveram sujeitos a maiores encargos impostos do que os bens patrimoniaes de cada um.
Sr. presidente, foram estes os principaes fundamentaes que guiaram a commissão para considerar como vitalicia e não hereditaria a pensão do conde de Penafiel, no mesmo modo porque era temporario e vitalicio o seu officio de correio-mór, e nisto mesmo a commissão seguiu mais os dictames da equidade do que os principios de rigorosa justiça, pois que muitos outros cidadãos foram privados dos seus empregos sem retribuição alguma, em quanto o conde do Penafiel tem recebido mais de um milhão de cruzados por aquelle officio de correio-mór; e seria na verdade um gravo escandalo quando todo o povo portuguez tem experimentado os maiores sacrificios com prejuizo de suas fortunas, se continuasse o conceder uma pensão perpetua, irrevogavel por um officio que era propriedade do estado, segundo todos os principios da legislação antiga e novissima: (Apoiados) o por todos estes motivos voto pelo projecto de lei, esperando que a camara na sua sabedoria o approvam igualmente (Muito bem)
O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, lembra-me de ter lido que um individuo desgraçadamente arrastado por errados principios, e erradas deducções, filosóficas a duvidar de todas as crenças religiosas que recebera na educação, tomára a resolução do fazer o mais miudo e profundo exame de todas, ou das principaes religiões conhecidas, empregando nesse exame todos os recursos da sua intelligencia para se decidir emfim pela adopção daquella religião, que melhor se coadunasse com a verdade lai qual elle intendia, ou julgava poder alcançar; e depois deste estudo e exame comparativo se decidira pela adopção da religião catholica romana.
Um amigo intimo pertencente á religião protestante, admirado desta resolução, lhe perguntou o motivo sufficiente della — ao que o outro acudiu dizendo:» que, entre outras razões, o resolvera a proceder assim, a seguinte observação: que em todas as outras religiões vira que os sacerdotes, ou ministros do culto, qualquer que fosse a sua denominação, eram os primeiros a dar no exemplo da sua vida e costumes a melhor lição practica dos preceitos da sua religião — e que não obstante não crescia o numero das respectivos adeptos; e que na religião catholica romana linha notado o contrario — vendo muitos dos principaes dos seus sacerdotes, que pareciam empenhados em tirar á religião de que eram ministros, todo o respeito e veneração; e que vivendo, conservam
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dose, e crescendo sempre unida e numerosa, a religião assim desprezada por aquelles que deveriam ser os seus primeiros zeladores, concluira que era essa a religião verdadeira, e que portanto a abraçara.
Eu, sem tomar a responsabilidade do juizo, que aquelle incredulo convertido fez do clero catholico, applico todavia a anecdota no que ella tem de applicavel aos membros da commissão de fazenda — por que fazendo elles parte, e parte conspícua dos sacerdotes do culto politico constitucional, fazem quanto cabe em suas forças por desconceituar, e tornar odioso o systema politico, cujas preeminencias, e salutares regras e dogmas tem rigorosa obrigação de reconhecer e respeitar.
Eu vejo neste procedimento dos illustres deputados, e na vida que, apezar delle, ainda tem o systema representativo neste paiz, a prova e demonstração concludente, de que esse systema, que assim resiste a tão profundos e repetidos golpes, encerra em si muita vida, e muita verdade.
No tempo em que se não fazia ostentoso alarde de respeito pelo direito de propriedade, e pelos mais direitos civis dos cidadãos; no tempo em que esse respeito se não promettia em pomposos cartazes, era todavia em Portugal practicamente reconhecido, respeitado, e guardado o direito de propriedade pelos monarchas portuguezes, e pelos seus ministros.
Para demonstração basta que os illustres deputados prestem attenção a esses documentos ha pouco citados e lidos na camara por um membro da commissão de fazenda, e que (com magoa o digo) tem sido erradamente interpretados.
Lêam os senhores deputados o alvará de 18 de janeiro de 1797, em que se expõe as razões de irrecusavel utilidade publica, que exigiam que revertesse ao estado o cargo politico de correio-mór, então propriedade de um particular — e onde a par dessas razões achariam os lermos em que se tracta de obter essa retrocessão! O poder soberano não diz ao particular, senhor do officio — perde o officio que tens, que o inalienavel da minha soberania — não — propõe a esse particular condições de justiça e de equidade, pelas quaes elle desista do officio que possuia — e declara, que se as não acceitar voluntariamente, então se tractará da revindicação do officio pelos meios legaes! Comparai agora vós, legisladores constitucionaes, com aquelle o nosso procedimento.
Naquelle tempo era assim que o hei procedia depois de ter ouvido as pessoas mais respeitaveis do seu conselho, consultado e pesado madura e detidamente o direito de ambas as partes — e ainda depois de verificado o melhor direito por parte do estado, não se ameaçava com a força para extorquir o consentimento — mas com a revindicação nos termos legaes. Agora.... Nem já se requer que o governo, que os srs. ministros se dêem ao trabalho de estudar estas materias — é uma commissão, é a maioria della que toma sobre seus hombros esse encargo. Os srs. ministros actuaes não se occupam do exame do direito que assiste ao conde de Penafiel, para que se lhe mantenha o direito ao complemento e execução de um contracto feito entre elle e o governo deste paiz! Nada disso — ss. ex.ªs não tem opinião nesta materia! O direito de um cidadão portuguez, qualquer que seja a sua hierarchia, o mais elevado, como o mais pequeno em posição social, não é credor da consideração e da protecção dos srs. ministros! Li todavia a protecção dos direitos de todos e de cada um, é o verdadeiro fim da sociedade civil, é a mais santa missão do governo na mais larga accepção da palavra.
O sr. deputado Justino de Freitas, referindo-se ás considerações que fez o sr. Avila na sessão antecedente, disse que a commissão se não julgára obrigada a explicar os fundamentos do parecer em discussão, porque esperava que elle fosse impugnado pelas seus adversarios naturaes. De todas as palavras do discurso do illustre deputado são estas as que me parecem mais exactas, e que mais estimei ouvir-lhe.
Em meu nome, e em nome dos meus collegas do lado direito da camara, agradeço este cumprimento, no qual se encerra o maior elogio, que o illustre deputado podia fazer-nos. Esta declaração do illustre deputado vale o mesmo que dizer, que é no lado direito da camara que estão os mantenedores, e defensores naturaes da propriedade, do respeito á lei, do direito, da justiça, e da boa fé dos contractos. Eu, e os meus amigos acceitamos, sem hesitar, esta profissão de doutrinas.
Tambem o illustre deputado, depois disto, se empenhou em fazer acreditar, que os deputados do lado direito invocavam, em todas as questões, gratuitamente o respeito á propriedade, a fé dos contractos, e outros principios similhantes, para, á sombra desses principios combaterem os oradores da maioria. A quem isto ouvisse, pareceria que a invocação não é fundada, mas eu, e os meus amigos provaremos que não nos soccorremos a esses principios senão quando elles são esquecidos, ou violados, ou desprezados pelos nossos adversarios. — Mas accrescentarei, que não é o illustre deputado, nem os seus collegas da maioria, que podem levantar a voz, accusando os outros de invocações mal trazidas, quando não sabem para defender, e auctorisar as mais cerebrinas, e menos justificaveis disposições, senão a formula trivial de fomento, caminhos de ferro, vapores impreteriveis, progresso humanitario, e outras similhantes; tudo isto não passa de vãs palavras, como;> experiencia infelizmente mostra.
Sr. presidente, eu, e os meus amigos somos consequentes no nosso proceder com os principios contidos na nossa invocação; os nossos actos correspondem ás nossas palavras, mas o illustre deputado, e os seus amigos não poderão de si proprios dizer outro tanto.
O illustre deputado empenhou-se em demonstrar que a retrocessão do officio de correio-mór ao estado, concluida nos lermos do alvará de 18 de janeiro de 1797, não é um contracto, e serviu-se para esse fim das palavras do mesmo alvará, e é na verdade admiravel que o illustre deputado, jurisconsulto distincto, assim discorresse.
A essencia do contracto está claramente enunciada nas proprias palavras do alvará.
Aqui se acha — que o Soberano reconhecia que o officio de correio-mór linha sido alienado da sua para a mão de um particular — que a corôa linha direito indisputavel para o rehaver, dada justa indemnisação; que para esse fim havia dois meios, ou o accôrdo voluntario, acceitando o correio-mór de então as condições, sob as quaes o Soberano mandava que lhe fosse proposta a retrocessão do officio, ou a revindicação pelos termos legaes, isto é, por acção proposta perante os tribunaes de justiça; que fôra preferido, e acceito o primeiro meio, e que juntas ao alvará estão as condições com que o correio-mór ac-
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cedera voluntariamente á retrocessão que se lhe propuzera. Pergunto se tudo isto é invento meu, ou se pelo contrario tudo isto consta do alvará, citado? Não falta por tanto nenhuma das condições essenciaes aos contractos — promessa, acceitação, espontaneidade, legitimidade dos contractantes, animo de se obrigar. ele. etc.
Mas sendo esta conclusão rigorosamente verdadeira, e irrefutavel, cumpre responder á observação de que lendo o alvará de 23 de novembro de 1770 estabelecido nos lermos mais claros que os officios publicos não podem constituir propriedade, ou patrimonio particular, não se comprehendia porque houvesse 27 annos depois, tanta e tão generosa contemplação com o proprietario do officio de correio-mór! Muitos julgaram que isto procederia do valimento e favor dado ao correio-mór — talvez mesmo alguem supponha que elle houve o officio de que se tracta por mercê generosa da corôa — e em fim que devia haver um motivo que explicasse as attenções tão especiaes que com o correio-mór se tiveram em 1797. E facil a explicação, e ella encontra-se no extracto que vou lêr da Historia Genealogica da Casa Real:
Historia Genealogica da Casa Real Portugueza tom. 12, parte 1.ª, pag. 300.
Casou segunda vez Christovão de Sousa com D. Catharina de Gouvêa, filha herdeira de Manoel de Gouvêa que era correio mór do reino, a quem El Rei D. Filippe 3.º deu por equivalente o de guarda-mór da casa da india — e o outro vendeu a Luiz Gomes da Matta, fidalgo da sua casa, por 70:000 cruzados, de que se lhe passou carta em Madrid, a 19 de julho de 1606»
Agora perguntarei como é que depois disto, o estado havia de tirar este officio ao seu proprietario sem lhe dar uma justa indemnisação? Era impossivel porque as idéas daquelle tempo eram muito diversas das que hoje, não direi, se inculcam, mas das que hoje são frequentemente abraçadas.
Nesse facto da venda do officio do correio-mór feita por Filippe 3.º, pelo preço de 70:000 cruzados, está a razão sufficiente e clara, porque em 1797 foi tractado com tanta contemplação o proprietario do officio. Pondere a camara a espantosa depreciação que leve o numerario circulante desde o segundo quarto do seculo 17, principalmente até ao nosso tempo, e meça por essa justa proporção a que somma eram hoje correspondentes os 70 mil cruzados dados por Luiz Gomes da Matta a Filippe 3.º, em 1606, que eu faço uma avaliação baixa, e pelo menos nada lerá de exaggerada avaliando esse capital em 350 mil cruzados na moeda actual, e feita esta avaliação considere, se era exaggerada a compensação que foi dada pelo estado em substituição daquelle capital. Considere-se mais que o officio de correio-mór, administrador como elle era de todas as postas para o interior do reino, e para os paizes estrangeiros, demandava necessariamente um dispendioso costeamento, e tal que ainda hoje a differença entre a receita e a despeza, é a que vai de 91 contos, importancia desta á de 125, em que no orçamento vem aquella calculada.
Comtudo, não foram só essas as considerações em que se fundou de certo a Rainha a Senhora D. Maria 1, quando deu ao ex-correio-mór a compensação estabelecida no alvará citado, confirmado e robustecido pelo alvará de 16 de março do mesmo anno, e pelo decreto de 17 de dezembro de 1798, de que na sessão passada offereci cópia.
Attendeu-se não só á justiça, mas á equidade; attendeu-se á honra com que sempre havia procedido o correio-mór e os seus antepassados no desempenho dos seus deveres, no serviço do rei e do reino; attendeu-se á conservação de uma familia de tão leaes servidores, e a que, tirando-lhe por bem do estado o que ella considerava seu patrimonio, era de equidade não a deixar, sem meios de se conservar com tractamento igual á sua posição na sociedade. A tudo isto se guardavam attenções naquelle tempo! É para lastimar, que, esquecidas todas estas circumstancias, que são a verdade, a illustre commissão, em abono do seu projecto de lei, como fundamento delle, não soubesse dar senão a razão seguinte: — II Que, não podendo os officios publicos ser objecto de propriedade particular, tambem a perda delles não póde dar logar a uma indemnisação permanente e irrevogavel.;> A illustre commissão na premissa não da novidade alguma, porque o principio é velho, e o sr. Avila foi quem nesta discussão citou primeiro o alvará de 1770; mas a conclusão é errada. Se os officios não são propriedade dos que os possuem, não comprehendo como a illustre commissão intende que, pela perda delles, se deva dar uma indemnisação, temporaria que seja; é principio muito sabido, que se não deve reparação áquelle a quem se não fez injuria.
Recommendo por tanto aos illustres membros da commissão, que, ao menos, sejam coherentes com os seus principios, que sejam logicos nas suas deducções.
O mais grave, porém, nesta razão dada pela commissão, é pari ir de uma hypothese gratuita, que a mesma commissão inventou e produz para este caso, e que consiste em suppôr que o conde de Penafiel era ainda correio-mór, quando se promulgou a carta constitucional, e os decretos regulamentares subsequentes; mas isto é contrariado pela verdade eloquente dos factos, porque ha já 30 e tantos annos que o conde de Penafiel cedeu ao estado o officio de correio mór, e gosa da indemnisação ou compensação que lhe foi assegurada, quando a carta se jurou.
O contracto da retrocessão fez-se com todas as solemnidades; foi confirmado pelo poder soberano de então; se quizerem ataca-lo por nullidade, não é a camara dos deputados o logar competente. Nos termos muito positivos e expressos do decreto de 17 de dezembro de 1798, os 16 mil cruzados, pagos em cada anno pelas rendas do correio, são uma parte do preço, pelo qual o estado tornou a haver o officio, e assegurado o seu pagamento pela renda do correio, em quanto não fossem dados ao conde de Penafiel bens solidos de raiz, que elle e seus successores administrassem em morgado perpetuo,
E evidente, que se a corôa lhe tivesse dado estes bens de raiz, ninguem hoje iria tirar-lhos, porque pela letra expressa do decreto de 13 de agosto de 1832 elles ficariam em poder do donatario.
Em vista desta doutrina pergunto ao sr. deputado Justino de Freitas, a que vem neste caso, para que foi trazida a outra doutrina da reversão dos bens da corôa para a corôa? Pretende-se comtudo, não obstante o que deixo dicto, converter em pensão vitalicia a renda vinculada que até agora pertenceu ao conde de Penafiel, e aos seus successores.
Sr. Presidente, não nos illudamos: não se queira lançar poeira aos olhos. Tracta-se de converter unia
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pensão hereditaria n'uma pensão vitalicia, e eu chamo a attenção do governo para cate negocio, porque elle é grave e importante. O governo é obrigado a não esquecer os direitos do ultimo dos cidadãos: o governo é para proteger os direitos dos governados, e não para opprimir, ou para ser indifferente, quando direitos sagrados são po-los em questão no parlamento. O governo é até certo ponto solidario em responsabilidade moral, com os governos, ou ministros seus antecessores nos actos em que o estado interveiu. Vender uma cousa e receber o preço porque se ajustou — declarar pouco depois que não era permittida a sua venda, rehaver a cousa vendida, e reter o preço, tem em direito um nome e qualificação que eu não quero pronunciar por decoro meu e da camara, mas que todos intendem.
Sr. Presidente, para este procedimento ser em tudo e a todos os respeitos, injusto, mesquinho, desairoso e ingrato, accrescentarei que elle diz respeito a um respeitavel ancião, quasi octagenario, encanecido no serviço do estado e dos Reis de Portugal, a quem serviu sem nenhum estipendio, e só pela honra desse serviço; a um cidadão que tem desempenhado alias missões fóra do paiz, camarista da Rainha dos portuguezes, e unico camarista que a serve de graça. Pro-cede-se assim, para com um cavalheiro medeio de probidade, de brio e pundonor! E é este homem que quereis tractar assim? E molestia da época, e com taes qualidades, o conde de Penafiel devia ha muito esperar ser tractado desta sorte!
Ainda em 1849 o conde de Penafiel foi mandado pelo governo cumprimentar Sua Santidade, o chefe visivel da Igreja, fugido de Roma em consequencia da perseguição revolucionaria, que se lhe fazia, e consta-me que não recebeu nem um só real do estado para o desempenho desta importante commissão, fazendo todas as despezas á sua custa. E é quando ei-lo está proximo a deixar a leira attenta a sua longa idade apesar de eu lhe desejar ainda muitos annos de vida, que lhe quereis dar a consolação de ver roubar ao seu successor, aquillo que talvez constituisse o seu unico patrimonio! Sigam embora os illustres deputados este caminho, mas lembrem-se de que a reclamação da verdade, da justiça, do direito contra a força e a justiça, é eterna. Os illustres deputados ficarão com a gloria de ter esquecido e calcado aos pés estes principios, que eu quererei para mim o de ser vencido, defendendo-os.
Perguntarei outra vez á commissão, se esta pensão que se dá ao conde de Penafiel por as rendas do correio, lhe fosse dada em bens de raiz, ia por ventura a commissão tirar-lhe esses bens? Não ía, porque não podia. Logo que direito tem de o esbulhar da pensão que lhe foi dada? Não haja palavrões na resposta, haja principios e razões!
Por ultimo direi á commissão de fazenda que sei e espero poder provar a tempo que ha ainda hoje direitos e vantagens fruídas por certos individuos com muito duvidoso direito, comparado com aquelle que assiste ao conde de Penafiel, mas destes não se lembrou a commissão. (O sr. Cazal Ribeiro: — E porque o não sabe) Eu lhos lembraria se quizesse, mas não me quero fazer cargo disso: quero antes ter o direito de dizer que se esqueceram, porque a commissão os quiz esquecer. Tenho terminado e peço de novo a palavra.
O sr. Cazal Ribeiro: — O illustre deputado não
tem direito para dizer que a commissão se esqueceu por que assim o quiz: isto é entrar nas intenções dos membros da commissão o que é contra o regimento, e portanto, peço que o illustre deputado seja convidado a retirar a sua expressão.
O sr. Corrêa Caldeira: — Eu de muito bom grado acquiesço aos desejos do illustre deputado, por isso que não tive intenção de offender a commissão.
O sr. Cazal Ribeiro: — Sinto que o illustre deputado que acaba de fallar, na ultima parte do seu discurso se separasse um pouco do campo da argumentação e das razões em que até alli permaneceu, e procurasse trazer a questão para um campo em que realmente ella não póde ser tractada. A posição que a pessoa de que se tracta, occupa junto da Soberana, não me parece que deva vir para a téla da discussão parlamentar. Não intendo mesmo que de modo nenhum seja conveniente entrar em considerações dessa ordem, inteiramente alheias do debate, e como para influir no resultado da votação. A pessoa da Soberana, e a situação das pessoas que a sorvem, não tem nada com os direitos do cidadão, assim como tambem nada tem com a questão os serviços da pessoa de que se tracta, ainda que ella seja muito respeitavel, como effectivamente o é. Ç Apoiados) A commissão não teve em vista nem a situação nem os serviços da pessoa; tractando do objecto que se discute, quer elle dissesse respeito á pessoa mais respeitavel, quer ao mais infimo dos portuguezes, havia do applicar a mesma regra. A commissão teve em vista só unicamente a justiça e razão. Portanto eu deixo já este campo, porque me sinto nelle constrangido, e passo a entrar na questão.
O illustre deputado o sr. Corrêa Caldeiro disse muito bem, que a commissão não tinha dado novidade alguma á camara, quando dizia, que se os officios publicos não podem ser objecto de propriedade particular, do mesmo modo a perda delles não podia dar logar a uma indemnisação permanente e irrevogavel; mas não sei o que o illustre deputado quiz concluir da sua asserção. O illustre deputado sustentador dos principios velhos, e das velhas maximas dos portuguezes; o illustre deputado disse — condemno a commissão, porque não deu novidade nenhuma!! — A commissão sabia muito bem que não dava novidade nenhuma á camara, e que não fazia mais que repelir uma velha verdade; permitta porém, o mesmo illustre deputado que lhe diga, que não foi tão exacto n'outra asserção que avançou, e vem a ser que a commissão trouxe á camara uma hypothese gratuita, e inventada por ella.
Procurarei mostrar ao illustre deputado com auctoridades e razões — que a commissão não trouxe á camara uma affirmativa gratuita, ou que não tivesse fundamento. Peço aos illustres deputados que attendam aos documentos que vou lêr para poderem sobre elles formar o seu juizo.
Desde que se estabeleceram deducções para os vencimentos dos servidores do estado, e das classes inactivas suscitou se a questão, se este vencimento de que se tracta, estava ou não sujeito a estas deducções, e pela portai ia de 23 do dezembro de 1851, se resolveu o seguinte
Ministerio dos negocios estrangeiros — Manda Sua Magestade a Rainha participar ao administrador fiscal, servindo de sub-inspector geral dos correios e postas do reino, para sua intelligencia, e em
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resposta ao seu officio n.º 225, de 16 do corrente mez, que a folha da pensão do conde de Penafiel deve ser sujeita ao desconto de uma só decima, por ser esta a intenção das leis novissimas. Palacio das necessidades, em 23 de dezembro de 1841. — Rodrigo da Fonseca Magalhães.»
Em 16 de novembro de 1818 suscitou-se a mesma questão, sobre se este vencimento estava ou não sujeito ás deducções estabelecidas por lei para os vencimentos; note se bem, e é precizo saber se isto é um vencimento, ou se é uma renda, ou como se lhe quizer chamar, proveniente de um contracto; mas em 16 de novembro de 1848, houve outra portaria assignada pelo sr. Comes de Castro, na qual se diz o seguinte
Ministerio dos negocios estrangeiros — Manda Sua Magestade a Rainha, pela secretaria de estado dos negocios estrangeiros, participar ao conselheiro sub-inspector geral dos correios e postas do reino, para sua intelligencia, fins convenientes, e em resposta aos seus officios n. 167 e n.º 172, de 19 e 28 de setembro proximo passado, que, conformando-se com os pareceres dos conselheiros procuradores geraes da corôa e da fazenda, e servida determinar que a compensação annual de 6:800$000 réis, que pelo cofre do correio geral se paga ao conde de Penafiel, seja incluida na disposição do artigo 7.º da lei de 26 de agosto ultimo, e obrigada a deducção nella prescripta. Paço das necessidades, em 16 de novembro de 1848. — José Joaquim Gomes de (lastro.»
Mas, sr. presidente, quaes são os fundamentos que levaram os governos de então a applicar a este vencimento as deducções estabelecidas por lei nos vencimentos dos servidores do estado, e pensionistas? Passo a lêr á camara quaes são essas razões, porque é preciso que a commissão se escude com boas auctoridades, desde o momento em que é accusada de vir inverter todos os principios do direito, e do justo: desde o momento em que é accusada de desconfie ser toda a legislação que rege esta hypothese, é precizo que a commissão se escude com boas auctoridades para mostrar que a interpretação que deu, não é só sua. É precizo que a camara e o paiz saiba que esse grande erro que o nobre deputado disse, que ha-de passar á posteridade, ha-de passar não só com os nomes dos deputados que assignaram o projecto, mas tambem com os nomes e votos dos respeitaveis jurisconsultos, que assignaram os pareceres que lerei a camara.
O parecer que vou lêr com o qual se conformou aquella portaria, é assignado pelo procurador geral da corôa o sr. Ottolini. Diz este magistrado o seguinte
vista da lei de 16 de novembro de 1841, o vencimento desta pensão, a meu juizo, não póde deixar de ser havido como proprio das classes inactivas, e como tal foi considerado, e julgado comprehendido na referida lei, em virtude da qual sujeito á decima ordinaria nella imposta, e pela mesma consideração está hoje obrigado á contribuição extraordinaria lançada na lei de 26 de agosto proximo preterito, que é a substituição daquella decima no presente anno economico. Quando o alvará de 16 de março de 1797 extinguiu o officio de correio mór, e decretou a compensação corresponde me, já a lei de 23 de novembro de 1790 havia declarado que a propriedade e dominio de todos os officios publicos estava no estado, e que os officiaes não haviam nelles senão o simples ministerio e commissão precaria do principe; donde se segue que a em pensão se não deve attribuir a origem do contracto rigorosamente oneroso, porque ao soberano era livre a extincção do officio, sem nenhuma indemnisação.»
Este é o parecer do procurador geral da corôa. A commisão adopta inteiramente esta doutrina; a commissão affirma e sustenta que, não sendo um officio objecto de propriedade individual, não póde tambem a sua perdi servir de fundamento para uma compensação permanente. (
A commisão não disse que diva direito a compensação temporaria, como asseverou erradamente o sr. Corrêa Caldeira, porque esse mesmo direito não existe; as compensações quando se dão, são por um principio de equidade, e em attenção aos serviços do individuo encanecido muitas vezes no serviço publico; é um principio de equidade, não é um principio de rigorosa justiça; e isto que a commissão diz, e que se encontra confirmado pelo procurador geral da corôa.
Em quanto ao procurador geral da fazenda o sr. Simas diz o seguinte:
Nem no alvará de 16 de março de 1797, nem em algum outro regio diploma, encontro sanccionado algum contracto, e menos oneroso, de que esta pensão seja compensação. O que unicamente vejo naquelle uivara é ler a Augusta Predecessora de Vossa Magestade, a Senhora D. Mana I, abolido e excluido o officio de correio mór destes reinos e seus dominios, e ao mesmo tempo elevado á grandeza com o titulo de conde, de juro e herdade com vidas fóra da lei mental, aquelle que tinha este officio, em competente e propria compensação, e em attenção á consideração que lhe merecia por si, e por aquelles donde vinha, e á importancia da graduação do mesmo officio, e fazer-lhe mercê de quarenta mil cruzados de renda, estabelecidos em bens que podessem vincular-se, e haver-se por vinculados em morgado, em bens da corôa de juro e herdade, e vidas, fóra tambem da lei mental, e em bens das ordens em vidas. O que portanto nelle vejo, é um acto de pura liberalidade, grandeza e generosidade real: uma méra graça que podia deixar de fazer-se,>
Já vê por conseguinte o illustre deputado que ha mais alguem que intendeu as leis do mesmo modo que a commissão intendam. Os argumentos de auctoridade só por si não bastam; mas quando esses argumentos veem reforçar as rasões apresentadas pelo illustre membro da commissão o sr. Justino de Freitas, parece-me que ellas provam, e provam muito.
Sobre este ponto direi ainda á camara, que o contracto invoca-se sempre como meio a resolver todas as questões. Em nada se póde locar: tudo são contractos para uma certa escola; o contracto vem para tudo (Apoiados) e vem sempre interpor-se diante da justiça, da rasão e da conveniencia publica. Quando se invoca qualquer principio, quando se pertende atacar qualquer privilegio e cortar qualquer abuso, vem logo o contracto sanctificar todas as injustiças, e declarar perpetuas o sem remedio todas as obras do passado. Mas aqui lai contracto não existe; e direi mais, sem pertender imitar as increpações que o illustre deputado dirigiu aos membros da commissão, admira-me que o illustre deputado tão intelligente e jurisconsulto, podesse chamar a uma sup-
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posta convenção contracto, que ainda quando pertendesse tomar esse caracter, é por sua natureza nulla e de nenhum effeito. Pois ignora o illustre deputado que um contracto não se póde basear sobre objecto que esteja fóra do commercio? Não é este um principio de todo o direito; do direito romano, do direito portuguez, e de direito de todas as nações modernas? (Apoiados)
Peço licença para citar tambem ao illustre deputado, que hontem fallou, e que algumas vezes sae da especialidade a que se dedica, para divagar no no campo da jurisprudencia, no qual parece folgar, e se entretém em consultar os Struvios, os Poticrs, e outros, peço licença, digo, para lhe citar tambem algumas auctoridades. O sr. Corrêa Telles diz — o objecto do contracto deve ser cousa licita e possivel. Contracto tendente a metter em circulação cousa que não está em commercio, é nullo. — Domat dizia — les conventions oú lon met en commerce ce qui ny entre point, comme les choses sacrés, les choses publiques, sont nulles. — Isto era o mesmo principio do direito romano: expresso no Digesto e nas Institutas, era o principio consignado no artigo 1128.º do codigo civil francez, que diz — ny a que les choses, que sont dans le commerce, que puissent etre 1'object des conventions — K que dizia Rogron annotando este artigo? Diz — Ne sont pas dans le commerce les droits attachés à la souvcraineté, tels que ceux de nommer nux magistratures. — Aqui esta pois o que é o direito, e por consequencia este tal contracto, ainda que existisse, o que se não prova, e nullo, e não póde ter nenhum effeito.
O illustre deputado conhece, e todo nós conhecemos, a lei de 23 de novembro de 1770, e sabe os principios luminosos que nesta lei se encontram em relação a este assumpto O illustre deputado admirador, I orno se mostra, das nossas velhas cousas, e dos nossos antigos homens, devia ir possuir-se do espirito dessa lei; na qual se encontram, como em todas as cousas dessa época, o governo sempre memoravel do grande marquez de Pombal, energicamente desenvolvidos os verdadeiros principios sobre o assumpto. Geralmente se aprende mais nas leis do marquez de Pombal, do que na dos seus successores, e antecessores. O illustre deputado ha de achar nessa lei um trecho, como que redigido de proposito para o illustre deputado a quem respondo; e é o seguinte: «Houve tambem outros doutores, que preoccupados, «e cegos pelas sonhadas tradições do que é justo e «coherente com as leis, e costumes destes reinos, que aos officios dos pais passassem aos filhos.»
E considerando dependente de leis penaes a negação feita aos filhos dos officios dos pais; quando II estas negações são provenientes da liberdade natural, e da mesma natureza dos dictos officios: escreveram, que a ordenação do liv. 1., tit. 99, não «devia comprehender os officios comprados, ou doar dos em remuneração de serviços.»
E sendo muito raros os officios, que se não conferem por alguns daquelles dois titulos, vieram os ditos doutores a escrever, que quando eu faço mercê de um officio, sou obrigado a conservar o provido nelle, posto que prevarique, a conceder uma impunidade, e auctorizal-o para proceder mal; e isto ao mesmo tempo que quaesquer magistrados ordinarios pouco dera suspender, e privar o mesmo official comprando II o officio, ou fomente remunerado se tanto o merecer
O Absurdo por si mesmo é tão claro que não necessaria de mais ponderação.»
A conclusão que daqui se tira é, que ou fossem Os officios havidos em remuneração de serviços, por compra, ou porque modo fosse, eram mercês pessoaes, é esta a conclusão que está prescripta na lei de um modo tão expresso e terminante nas seguintes palavras da sua disposição.
A Item: — Sou servido declarar, que nas sobreditas II resoluções, e providencias se intendam tambem «comprehendido! os officios, que até ao dia da publicação desta lei, foram havidos por compra, ou «renuncia feita por dinheiro com auctoridade ou licença regia,
Como pertende o nobre deputado argumentar, dizendo que o caso de que se tracta, está n'uma situação especial, porque os antepassados do illustre varão de quem se tracta, tinham comprado este officio? E quantos outros não estavam nas mesmas circumstancias? (Muitos apoiados) Mas o que quer dizer o illustre deputado com a compra por 70:000 cruzados? Pois o nobre deputado não vê que a compensação foi arbitrada em 40:000 cruzados por anno? Não vê que deste modo o aggraciado, comprando o officio, deu por elle um capital inferior á renda de 2 annos? Que circumstancia especial ha aqui que se não repita em mil casos similhantes? Portanto é evidente que o espirito e a lettra da lei de 1770 comprehende o caso em questão, e que por consequencia não ha razão nenhuma especial para se fazer uma excepção a respeito deste cavalheiro, se não o favor do poder absoluto: não havia razão nenhuma de equidade, nem de justiça, havia só a vontade suprema do Rei, que não está sujeita a regra alguma superior; havia o poder absoluto que podia fazer uma lei a favor de um contra as disposições das leis feitas para todos.
O favor concedido ao conde de Penafiel não só é opposto á lei de 23 de novembro de 1770, mas tambem ás leis que regem os vinculos, e que determinam que possam vincular-se bens de raiz com certas restricções de rendimentos; que permittem que se vinculem certas acções de companhias, e titulos de divida publica equiparando-os aos bens de raiz, como é expresso nas leis de 3 de agosto de 1770, de 21 de junho de 1776, e de 13 de março de 1797, e outras; mas nenhuma permitte que se vinculem os rendimentos do estado. Os alvarás de 18 de janeiro, e 16 de março de 1797, e 17 de dezembro de 1798, fizeram uma excepção por favor em relação á pessoa de quem se tracta, e não sei qual seja o motivo por que um illustre deputado se admirou que a commissão citasse a carta. Na verdade estremeci ao ouvir esta expressão proferida por um cartista! Não sabe o illustre deputado porque a commissão citou a carta? Pois o illustre deputado, cartista eximio, cartista rigoroso de principios e de convicções; que nos argumenta todos os dias com a carta, não sabe o motivo porque a commissão citou a carta! Pois não vê o illustre deputado que só pelo poder absoluto se póde fazer e sustentar uma lei de excepção? Pois o que diz o § 15.º do artigo 145.º da carta constitucional? Diz o seguinte: «Ficam abolidos todos os privilegios, que não forem essencial, e inteiramente litigados aos cargos por utilidade publica.»
E não sahe o illustre deputado porque a commissão citou a caria? A commissão de fazenda citou a carta não só para fazer confirmar os principios já
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existentes da nossa legislação antiga sobre os officios publicos; mas porque em virtude da legislação moderna, da legislação da carta não se pódem consentir estes privilegios, estes favores, e estas excepções, uma vez que não sejam concedidas como a carta determina, que é sómente em casos de utilidade publica, e inteiramente ligados com os cargos que se exercem. Aqui está a razão porque a commissão intendeu, e intendeu bem que devia citar a carta.
Houve outro cartista em Portugal, já antes da commissão de fazenda, que tambem intendeu que a carta vinha para o caso; era um verdadeiro liberal, um dos mais distinctos caracteres da nossa historia moderna, que intendeu as cousas do mesmo modo, que a commissão, era o sr. José Xaveir Mousinho da Silveira. Lerei o artigo 1.º do sempre memoravel decreto de 13 de agosto de 1832.
Os direitos e prerogativas da corôa estão definidos na caria constitucional da monarchia, e ordenação do livro 2.º titulo 26. — Dos direitos reaes — foi revogada pela carta; e é declarada revogada II por este decreto.»
Presta-me responder ao ultimo argumento do illustre deputado que me precedeu. Perguntou o illustre deputado, o que faria a commissão, se era vez de ser constituida esta parte da compensação em uma pensão paga pelo correio, o tivesse sido em bens da corôa. Maravilha-me lai argumento, que se volta todo contra quem o produziu.
Não se lembra o nobre deputado, que o decreto de 13 de agosto de 1832 revogou, e declarou revogaveis as doações de muitos desses bens? Não se lembra tambem que o artigo 7.º deste decreto diz o seguinte:
« Ficam extinctos os prazos da corôa, os relegos, os reguengos, os senhorios das terras, e as alcaidarias-móres, salva a conservação puramente honoraria dos titulos? (Apoiados)
Ora, o alvará de 17 de dezembro de 1798, concedeu ao conde de Penafiel, para preencher a renda dos. 40 mil cruzados, além da pensão de que se tracta agora, o seguinte: a Senhorio do reguengo o terras de Penafiel, com o titulo de conde de Penafiel, e honras de official-mór da casa real, como linha em correio-mór, tudo de juro e herdade, com tres vidas, fôra da lei mental; e as commendas de Santa Maria de Moreira, e Santa Alaria de Adaufe da ordem de Christo, em quatro vidas, n
O que foi, pois, que succedeu com o reguengo de Penafiel? Foi abolido, como todos os de igual natureza, pelo decreto de 13 de agosto de 1832. Se toda a renda tivesse sido constituida em bens desta natureza, então era facil a posição da commissão de fazenda. Perguntar-se-hia, o que fazia neste caso a commissão? A resposta era facil, respondia que nada; porque nesse caso estava já tudo feito; não tinha que abolir o que já estava abolido. (Apoiados)
Parece-me, pois, ter sobejamente demonstrado, que outros espoliadores mais antigos e mais illustres do que os deputados, que assignaram o parecer da commissão de fazenda, se encarregaram antecipadamente de atacar este pertendido direito de propriedade. Concluo dizendo, que não quero tomar mais tempo á camara, e intendo que tenho mostrado, que a commissão de fazenda tem muito boas auctoridades, que a acompanham na interpretação que ella deu á lei; e que não merece as increpações que lhe tem sido feitas, de ter saltado por cima de todas as considerações para fazer uma pequena e mesquinha economia. A commissão, porém, não leve tanto em vista fazer uma economia, como propor aquillo que lhe pareceu ser um principio e acto de justiça. Voto, portanto, pelo projecto da commissão de fazenda, e conseguintemente pela verba respectiva do orçamento. (Vazes: — Muito bem, muito bem).
O sr. Cardozo Castello Branco: — Sr. presidente, nem de um nem de outro lado se tem considerado a questão, como deve ser considerada. A minha opinião é que nem a pensão de que se tracta, deve ser conservada, como pertendem os illustres deputados da direita, nem deve ser reduzida ao estado, a que a pertende elevar a commissão de fazenda, e por isso a verba da pensão de que se tracta, no meu intender deve ser inteiramente eliminada.
O officio de correio-mór do reino foi creado por El-Rei D. João 3.; e reinando em Portugal os Felippes de Castella, deu Felippe 3. a Manoel de Gouvêa, 3.º correio-mór, por equivalente do officio que possuia o de guarda-mór da casa da India, com o fim de vender o de correio-mór, para applicar o seu producto ás despezas do estado; e de facto o vendeu a Luiz Gomes da Matta, fidalgo da sua casa, por 70 mil cruzados, de que se lhe passou carta em 19 de julho de 1606.
Em virtude deste titulo o possuiu o comprador e seus descendentes até ao anno de 1797, em que a Rainha D. Maria 1. attendendo aos graves inconvenientes, que resultavam para a fazenda publica, de estar este officio publico em poder de um particular, que considerava patrimonio seu; e usando do direito que sempre tiveram os soberanos portuguezes de revendicarem para a corôa os officios publicos, ainda quando adquiridos por particulares por titulo oneroso, obrigou a um dos descendentes do comprador deste officio, a que o largasse para o estado, dando-lhe uma indemnisação, além do que era justo, e por generosidade, por decreto de 18 de janeiro de 1797 e alvará de 16 de março do mesmo anno.
A questão não é portanto, se os officios publicos em Portugal pódem ou não ser patrimonio de alguem; nem se os soberanos portuguezes pódem revindicar para a corôa officios publicos, ainda quando adquiridos por particulares, por titulo oneroso: a questão é se tendo qualquer particular comprado ao Rei um officio publico, póde ser extincto, e incorporado na corôa, sem preceder uma justa e devida indemnisação,
A minha opinião é que não póde; e foi sempre esta a practica constante observada nestes reinos.
A doação dos bens da corôa sempre levaram comsigo a condição da reversão para ella; mas nunca para a corôa revertiam contra vontade do seu possuidor, que os adquiriu por titulo oneroso, sem preceder justa e rasoavel indemnisação. Se a pensão de que se tracta, fosse justa indemnisação dos prejuizos que soffreram os successores do comprador do officio de correio-mór, em consequencia da sua extincção, a minha opinião é que devia respeitar-se o seu direito a recebel-a integralmente; mas intendo que a indemnisação que se deu, não é justa, nem correspondente aos prejuizos causados.
Para o demonstrar, apresentarei duas razões: uma deduzida do proprio decreto e alvará, que extinguiu
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o dicto officio de correio mór, e a outra da qualidade dos prejuizos, e indemnisação concedida.
O dicto alvará e decreto reconhecem que a indemnisação foi o resultado da generosidade da soberana; e que se é em parte fundada em justiça, em outra parte só tem por fundamento a equidade.
O officio de correio mór foi comprado por 70:000 cruzados, e a indemnisação concedida consistiu, além da concessão do titulo de conde de juro e herdade, na mercê de moço da casa real, de pensões dê 400$000 réis cada uma para a mãe e irmãos daquelle que estava possuindo o dicto officio; na concessão permanente e annual de 40:000 cruzados em bens da corôa, é em dinheiro tirado do rendimento do mesmo officio.
Esta indemnisação é excessiva e enormemente leziva, porque não está em proporção com os prejuizos causados. E por isso nem posso approvar a opinião dos illustres deputados da direita nem a conclusão que tirou a illustre commissão de fazenda; e portanto concluo mandando para d mesa a seguinte
Proposta: — Proponho como emenda a eliminação da verba de 6:800$000 réis. — Cardozo Castello Branco.
Foi admittida; e ficou tambem em discussão.
O sr. Pinto de Almeida: — Peço que se consulte a camara se a materia está discutida.
O sr. Corrêa Caldeira: — Peço que á votação, sobre se a materia está ou não discutida, seja nominal.
Venceu-se que não fosse nominal a votação -para se julgar a materia discutida.
O sr. Pinto de Almeida: — Retiro o meu requerimento, para se julgar a materia discutida,
O sr. Presidente: — Então continua a discussão sobre a materia.
(Os srs. José Estevão e Giraldes Quelhas cederam da palavra).
O sr. Alves Martins: — A questão está discutida e mais que discutida: eu só quero declarar a camara que sigo inteiramente as idéas e a opinião do Sr. Castello Branco; pior isso pedi a palavra contra, porque não approvo nem a opinião da direita, nem a opinião da commissão.
Aqui não se tracta de saber, se a pensão do conde de Penafiel é contracto, ou não é contracto; nem se tracta de analysar o alvará de 1796. A questão já é outra, e pôr conseguinte não apoio as razões da direita, bem apoio a commissão porque a commissão não póde tirar A Conclusão que quiz tirar e podia tirar a conclusão que tirou o sr. Cardozo Castello Branco, e não dar cousa nenhuma.
Eu concedo á direita que o conde de Penafiel tenha uma propriedade; que é aquella pensão uma verdadeira propriedade, mas se isto assim é, admira-me que o sentimentalismo e o antisocialismo só apparecesse agora na direita, e não apparecesse até agora para outras muitas victimas das reformas de 1834, de que ha milhares. Eu conheço uma na minha terra, que anda doido a pedir esmola, e que tinha um officio que lhe foi tirado: chama-se Manoel Teixeira; comprou um officio com o seu dinheiro, vendeu os bens para o comprar á viuva do proprietario, depois encartou-se em Lisboa, e no fim veem as reformas de 1834, tiram-lhe o officio, e elle ficou a pedir esmola e endoudeceu, e não se lhe deu indemnisação nenhuma. Ha milhares delles neste caso; o machado reformador collocou muita gente nesta situação; e só
agora vem o sentimentalismo e o antisocialismo unicamente a favor do conde de Penafiel, que talvez seja o unico portuguez que ficou na excepção, e o unico que menos precisa della! Isto é horrivel. E a injustiça relativa, e a injustiça relativa é a mais flagrante, e a que toca mais de perto. Se é verdade o que disse a direita, então applique-se a muita gente que por ahi anda no mesmo caso a mesma regra, e applique-se tambem á minha classe.
Veja-se com que direito se tirou ás ordens religiosas o que tinham Que havia mais sagrado do que os bens das ordens religiosas? E não obstante com um rasgo de penna disse-se: são bens nacionaes. Com que direito se fez isto? E agora a direita não reconhece os direitos de propriedade das ordens religiosas, nem uma palavra dá a este respeito, e só falla do conde de Penafiel! Noto uma palavra para as ordens religiosas, porque não eram grandes fidalgos, talvez fosse por isto, e tantas para o conde de Penafiel. Isto é que eu estranho, e sobre isto somente é que chamo a attenção da camara, porque de resto a discussão está esgotada. Só quero e peço á direita que applique o mesmo direito a muitas outras victimas, e que não chore só pelo conde de Penafiel; e no mais a minha opinião é a do sr. Cardozo Castello Branco. Eu declaro e quer que se saiba qual é a minha opinião, é que o parecer da commissão devia eliminar inteiramente esta verba, e collocar o conde de Penafiel nas mesmas circumstancias em que estão todas as victimas das reformas de 1834, ou então uma lei geral para todos e não sómente para o conde de Penafiel. Justiça para todos!
O sr. José Estevão (Sobre a ordem): — Para dar occasião ao illustre deputado (Referindo-se ao sr. Avila) de occupar-se deste assumpto, mando para a mesa a seguinte
Proposta: — Proponho que os proprietarios de officios por titulo oneroso, ou os herdeiros desses proprietarios, receberão pelas repartições a que esses officios pertençam, uma pensão proporcionada aos proventos dos mesmos officios = José Estevão — Sousa Pinto Basto.
É exactamente isto: a cada preto sua faxa, a cada fidalgo sua paga.
Foi admittida e ficou tambem em discussão. O sr. Avila: — O auctor do additamento julgou que nos collocava em mão terreno mandando o seu additamento para a mesa: eu pela rainha parte intendo que esse additamento é um verdadeiro projecto de lei, que deve ser mandado á illustre commissão, e depois que esta dê o seu parecer sobre elle, e entre esta discussão, saberá então o illustre deputado qual é a nossa opinião a esse respeito.
Sr. presidente, se fossem precisos novos argumentos para demonstrar, que o projecto que se discute, deve ser rejeitado, bastam para isso as poucas observações que fez o illustre deputado o sr. Alves Martins para o defender. O illustre deputado intende que se deve revogar o alvará com força de lei de 16 de março de 1797, que deu no conde de Penafiel, e a seus successores, uma compensação pela cessão do officio de correio-mór do reino, de que era proprietario, só porque um homem da sua terra comprou a uma viuva um emprego que depois perdeu sem compensação! Como se houvesse paridade entre a venda que o estado fez a um dos antepassados do sr. conde de Penafiel do officio de correio-mór por 76:000 cru-
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sados, e a venda feita por um particular, de um officio de que estava (le posse! Como, dado o caso que houvesse essa paridade, o meio de remediar essa injustiça, seja o practicar outra injustiça!
O illustre deputado disse ainda — vem a direita da camara só nesta occasião manifestar este espirito de antisocialismo, espirito que não teve, quando foram espoliadas as ordens religiosas, porque não eram compostas de fidalgos. — Esta insinuação e completamente prohibida pelo regimento da casa; (Apoiados) e foi muito mal trazida depois do comportamento cortez e urbano, que acaba de ler o illustre deputado o sr. Corrêa Caldeira, retirando uma frase, que pareceu a um illustre deputado offensiva para a commissão.
Sr. presidente, se o illustre deputado o sr. Alves Martins intendeu, que tinham sido adoptadas medidas de espoliação a respeito de uma classe qualquer, use da sua iniciativa para propôr a indemnisação devida, e só por virtude do debate, se poderá conhecer qual é a opinião dos deputados da direita a este respeito; opinião, que o illustre deputado encontrou sempre favoravel a toda a medida de reparação pelos damnos, que tem sido a consequencia inevitavel das vicissitudes porque temos passado. (Apoiados) Se a maneira como o nobre deputado se expressou, não é argumentar ad odium, se isto não é constantemente estar lançando insinuações a este lado da camara, que o não merece ao nobre deputado, não sei o que seja!
Sr. presidente, tem-se procurado sofismar constantemente esta discussão, peço perdão aos illustres deputados que tem fallado, e que tem desenvolvido todos os recursos da Sua intelligencia: mas eu declaro solemnemente á camara, que se combato o projecto, e porque não posso convencer-me, de que elle seja justo, e nada encontro que me faça mudar de opinião, apezar, como disse, da grande habilidade, com que os illustres deputados tem tractado esta questão.
O illustre deputado, e meu antigo amigo, o sr. Cardozo Castello Branco, parecendo inclinar-se a favor do projecto, offereceu contra elle considerações taes, que não posso comprehender, como em vista dellas o illustre deputado não concluiu pela rejeição dó mesmo projecto, em logar de mandar para a mesa uma emenda que me parece insustentavel, e que me parece, que a camara não acceitará.
Disse o illustre deputado — que não podia negar-se que um dos antepassados do sr. conde de Penafiel comprara em 1606 o officio de correio-mór por 70:000 crusados; e que o estado não tinha direito portanto a esbulhal-o deste officio sem compensação: que a questão só devia, pois, versar sobre se a compensação concedida era ou não excessiva, e que lhe parecia que o era em vista de todas as vantagens, que compunham a mesma compensação.
Responderei ao illustre deputado que para que essa comparação fosse exacta, devia tomar-se por uma parte não o capital de 70:000 crusados, mas o valor que hoje corresponde áquella somma em 1606, e da outra parte não a compensação concedida era 1797, mas aquillo, a que agora se acha reduzida. (Apoiados)
Sr. presidente, não é preciso dizer ao illustre deputado qual foi a depreciação que tiveram os metaes preciosos depois da descoberta da America, soffrendo o ouro e a prata uma diminuição espantosa no seu
Valor, descendo o ouro a um quarto do que valia dantes, e a prata a um sexto. O illustre deputado sabe, que os resultados daquella descoberta não foram instantaneos, e só se começaram a sentir mais de meio seculo depois daquelle importante acontecimento. Do que resulta que 70:000 cruzados em 1606 só podem encontrar um valor correspondente hoje em alguns centos de mil cruzados. Ova uma vez que o illustre deputado convém no direito á compensação, não póde negar que essa compensação foi fixada e estabelecida pelo poder que tinha auctoridade para o fazer, e portanto, que não lia já nada que fazer a este respeito.
Os dois illustres membros da commissão que hoje fallaram, os srs. Justino de Freitas, e Cazal Ribeiro, procuraram demonstrar que não havia contracto, e argumentaram para esse fim com os mesmos documentos, com que eu pretendi provar o contrario. Eu não tenho a pertenção de me medir com os illustres deputados, sobretudo em questões de jurisprudencia, em que disse já que sou de todo incompetente, questões que estudo só por dever da posição, em que me acho, e para poder dar um voto consciencioso em questões do alcance da que se discute, e cujo resultado é, ou esbulhar o sr. conde de Penafiel da sua propriedade, na minha opinião, se fôr approvado o projecto, ou fraudar a fazenda publica, no intender da commissão, se o mesmo projecto fôr rejeitado. (Apoiados)
Sr. presidente, além da letra expressa dos mesmos documentos, que não lerei de novo á camara, porque já está de certo cançada de os ouvir lêr, se encontra junto ao decreto de J 8 de janeiro de 1797 o seguinte; = Condições que. o correio-mór do reino acceitou voluntariamente para ceder o dicto officio a Sua Magestade Fidelissima a Rainha Nossa Senhora.
(Seguem-se as condições.)
Que quer isto dizer? Quer dizer que o soberano propoz condições ao correio-mór, que elle acceitou voluntariamente, para o fim de ceder o seu officio, como cedeu, ao mesmo soberano. Não será isto um contracto?
No congresso constituinte em 1821, tractando-se de um requerimento do sr. conde de Penafiel, e discutindo-se um parecer de uma commissão sobre esse mesmo requerimento, emittiram-se a respeito da compensação concedida pela extincção do officio de correio-mór do reino as opiniões, que eu peço licença para lêr á camara. (Leu)
Primeiro:
«O sr. Moura: — Não apoio; o fundamento que «toma a commissão, é contra o alvará, porque as commandas foram concedidas; porque nelle se expressa — que foram dadas por transacções e por II compensação — e requeiro a leitura do alvará»
Segundo:
«O sr. Camello Fortes: — O conde de Penafiel linha este officio, como se lhe tirou foi indemnisando, em consequencia de uma verdadeira transacção, de um verdadeiro contracto — as condições foram da sua vontade, e o que se lhe deu, é seu de rigorosa a justiça.
Terceiro:
O sr. Peixoto: — Este officio foi comprado por a Manoel José da Matta, antecessor do conde de Penafiel, pouco depois do anno de 1600, por tento e «tantos mil cruzados; eu vi ha bastantes anno a es-
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criptura do contracto; e della se colhe que a corôa não intentou fazer-lhe favor; é cheia de condições dirigidas á firmeza do contracto, de maneira que a constitua uma verdadeira propriedade, e quando a D. Rodrigo pertendeu fazer a reforma dos correios, reconheceu isto mesmo, e trouxe o negocio a meios de ajuste, posto que forçado, porque os proprietarios preferiam a conservação do seu officio, ás indemnisações que se lhes propunham; isto foi publico nesse tempo; e por ultimo se contractaram em dar se ao correio-mór o titulo de conde, um posto de accesso na tropa para elle, e outro para um irmão, e 40:000 cruzados annuaes no rendimento do correio, em quanto se lhe não verificavam em bens da corôa. — Persuado-me que nisto não ha engano, e em consequencia é manifesto que as commendas do conde de Penafiel são uma propriedade adquirida por contracto oneroso, a Quarto:
O sr. Peixoto da França: — Parece-me que o conde de Penafiel tem toda a razão, e que as suas commendas não estão na razão das outras, as que elle alem fazem uma propriedade, como mostrou o honrado membro o sr. Camello Fortes; ellas lhe foram dadas em compensação do officio que se lhe «tirou, e estão portanto na razão de dinheiro ou propriedades e rendas, que em troca se lhe houvessem «dado; não estando pois taes commendas na ordem «das outras, não parece de justiça que soffram como «ellas: em quanto a dizer um illustre deputado, que «o officio havia custado á casa do conde 100:000 cruzados, e que em recompensa recebêra 40 de renda, como em prova de ter havido lesão para o es-«tado, respondo unicamente, que as lesões se devem «examinar em relação ao tempo em que foi feito o «contracto, e que talvez 100:000 cruzados naquelle tempo fossem equivalentes a um milhão hoje. ss
O parecer que era contra a pertenção do conde de Penafiel, foi rejeitado pelo congresso.
Ora já vê portanto a camara, e o illustre deputado, que as auctoridades tão respeitaveis, como são os illustres cavalheiros, entre os quaes ha eximios jurisconsultos, cujos discursos acabo de lêr á camara, reconheciam — que a compensação concedida ao sr. conde de Penafiel era propriedade sua, e residindo de um contracto oneroso — e não perca a camara de vista, que entre esses cavalheiros se contavam, como disse, dois eximios jurisconsultos, que são o sr. Moura, e o sr. Camello Fortes (Apoiados).
Estas auctoridades posso eu antepôr á dos procuradores geraes da corôa e fazenda, ainda que sejam para mim de muito pezo, a que se soccorreu o sr. Cazal Ribeiro.
Demais, sr. presidente, não me parece, que da leitura que o illustre deputado fez dos pareceres daquelles funccionarios, se possa concluir o que o illustre deputado concluira. Disse o illustre deputado — que aquelles funccionarios sustentavam que a pensão do sr. conde de Penafiel, devia ser sujeita ás deducções que em 1841 e 1818 foram estabelecidas para todos os vencimentos pagos pelo thesouro, e na minha opinião esses funccionarios sustentando esta opinião, sustentaram o que deviam sustentar, porque aquellas deducções foram estabelecidas pela absoluta impossibilidade em que se achou o governo de pagar sem ellas; a ponto de comprehender os juros da divida consolidada interna e externa, que ninguem dirá, que não haviam sido estabelecidos por um contracto, pelo qual o governo estava obrigado a satisfazer integralmente esses juros, o que deixou de fazer pela força das circunstancias: e então quando de todos os servidores do estado, quando de todos os pensionistas pagos pelo thesouro, quando de todos os credores do estado se exigiam tão grandes sacrificios, não devia ser isenta desse sacrificio a pensão do sr. conde de Penafiel. As circunstancias do thesouro eram taes nessa época, que o Chefe do Estado intendeu, que devia ceder uma parte muito importante da sua dotação; o Augusto Esposo da Rainha a metade tambem da sua dotação estabelecida por um contracto (Apoiados) e os outros membros da Familia Real a metade tambem das suas dotações. Portanto, repito, nestas circunstancias era impossivel excluir de qualquer sacrificio a pensão do sr. conde de Penafiel, e não sei como se possa tirar argumento, a favor do projecto, das opiniões dos conselheiros procuradores geraes da corôa e fazenda, que intenderam que senão podia fazer aquella exclusão.
O que eu vejo, é que o argumento que eu fiz, em vista das disposições do alvará de 23 de novembro de 1770, ainda não foi respondido. O argumento que eu fiz, foi o seguinte — se apezar de se ter estabelecido naquelle alvará a verdadeira doutrina a respeito dos empregos publicos, isto é, que os empregos publicos não são propriedade de ninguem; o soberano comtudo intendeu, que para supprimir o emprego de correio-mór devia vir a um ajuste com o seu proprietario, concedendo-lhe uma indemnisação pela abolição do mesmo emprego; é porque se davam a respeito delle circunstancias especiaes, a que o soberano intendeu que devia attender. Ora essas circunstancias especiaes tem-nas revelado o debate, e são ellas, a de ler o mesmo officio sido vendido pelo estado por uma grande somma, e não ler por consequencia o estado direito a rehavê-lo de novo sem offerecer por isso uma compensação condigna áquelle, que havia comprado o mesmo officio, ou ao seu successor.
E hontem perguntei, e pergunto ainda hoje — se a pensão em logar de ser heriditaria fosse em duas ou mais vidas, havia a camara revogar as sobrevivencias?. Não, me responderão todos (Apoiados) — E se me respondessem — sim — perguntaria eu então porque não revoga a camara as sobrevivencias, que ha em diversas pensões 1.. (Vozes: — Não póde fazel-o) Pois então se a camara não se repilla com auctoridade para revogar sobrevivencias de pensões, como é que tem direito para revogar uma pensão hereditaria que é só em escala maior o que as sobrevivencias são em escala menor?..
O sr. Cazal Ribeiro em resposta a um argumento que eu empreguei, disse — que se o sr. conde de Penafiel tivesse recebido bens da corôa em logar da pensão, lê-los-ia perdido já por virtude do decreto de 13 de agosto de 1832. Eu fiquei muito admirado, fiquei admiradissimo quando tal ouvi, porque eu tenho uma opinião diversa sobre as disposições do decreto de 13 de agosto de 1832, e carta de lei de 22 de julho de 1846, opinião que tenho visto seguir por muita gente, e em conformidade da qual todos os governos e tribunaes tem feito obra. Eu intendi que, em virtude desse decreto de 13 de agosto de 1832, e lei de 22 de julho de 1816, as doações de bens da corôa de juro e herdade se tornaram perpetuos nas mãos dos donatarios, para disporem dei
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las livremente, como se as tivessem comprado com o seu dinheiro. (Apoiados)
Será isto assim?. (O sr. Corrêa Caldeira: — E muitas vezes — E é Pois se isto assim e, caiu completamente o argumento do sr. Cazal Ribeiro (Apoiados) e fica em pé o meu. (Apoiados)
O meu argumento é, que ao sr. Conde de Penafiel se deu pela renda do correio em morgado perpetuo a pensão de 16:000 cruzados, em quanto se não estabelecesse este rendimento em bens de raiz, que elle e os seus successores podessem administrar. Se esses bens de raiz tivessem sido dados ao sr. conde de Penafiel em logar da pensão, elle estaria de posse delles, em plena propriedade, e a camara não teria auctoridade para lhos tirar. E o que a camara não póde fazer a respeito desses bens, não o póde fazer a respeito da pensão, que os substitua.
Quero seguir o exemplo dos illustres deputados, que ou cederam da palavra, ou restringiram os seus discursos; e por isso acabo para não cançar a camara dizendo, que pelas razões, que expuz, não me parece poder-se sustentar o projecto da commissão, nem que a camara o approve: por isso voto contra elle.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu voto contra o parecer da commissão, e para votar contra o parecer da commissão não me importa nem com a carta, nem com os alvarás, nem com os decretos, nem com as leis, nem com a reversão para a corôa de certos bens nacionaes, nem com os contractos; não me imporia com a carta constitucional, porque sei que ella é o ludibrio das facções politicas; não me imporia com as leis, porque sei que são revogadas a beneplacito do partido que está dominante; não me importa com os decretos, porque ora se faz um em certo sentido, ora se publica outro em sentido opposto; não me imporia com os contractos, porque entre nós os contractos declara-se que o não são, quando assim convem; voto contra o parecer da commissão, porque é contra o direito: o direito é um principio imperioso, por consequencia é co-existente, é coevo com a sociedade; é em virtude de um principio, e não de caria, de lei, de decretos, de contractos, que eu voto contra o parecer da commissão.
Sr. presidente, a questão é simples. Um antecessor do conde de Penafiel comprou o officio de correio por uma certa e determinada somma; depois por estar neste officio que elle comprara, comprou tambem, supponhamos, deixem-me levar esta questão a estes lermos simples e baixos, 100 ou 200 cavallos, 100 ou 200 malas de couro, e pagou a uns poucos de almocreves as carreiras que faziam; depois passados tempos veiu o estado a principios de melhor administração, e quando chegou ao correio, disse: e uma vergonha que um serviço tão importante, como e o serviço do correio, de que depende a subsistencia das transacções, o credito e a honra de todas as familias, esteja entregue á diligencia e sollicitude de um unico homem; por consequencia o estado chama a si, incorpora na sua pessoa o cargo, o officio e beneficio de correio. Mas então, como não dominavam os principios socialistas, como então ainda se não tinha escripto, nem se imaginava que haveria quem escrevesse o livro de Proudhon, o estado chamou o conde de Penafiel, e disse-lhe: quanto quereis de indemnisação por este vosso officio? Convencionou-se uma somma, e essa somma foi dada em certos bens da corôa, em um accesso para o exercito, como aqui se disse, e n'uma quantia annual que elle receberia do rendimento do correio. Como v. ex 0 sabe e a camara, os reguengos de Penafiel que rendiam uma somma valiosa para o conde, foram-lhe tirados; agora resta a pensão, e a este respeito a confusão que se quer estabelecer, o acinte com que se querem inverter os principios elementares de toda a justiça e de todo o direito, o nenhum caso que esta camara mostra que faz dos direitos mais sagrados que toda a gente tem obrigação de respeitar, tudo isto é uma cousa que me fere, mas involuntariamente, porque eu já devia estar costumado a este systema de espoliação, porque a camara que votou a capitalisação dos semestres, a camara que votou a conversão dos juros, a camara que hesitou em revogar a pensão de 600000 réis a um membro da junta do credito publico, é bem que continue neste caminho.
Mas, sr. presidente, para em tudo aqui haver a politica, para a politica se intrometter em tudo e por tudo, a mesma camara que queria approvar a continuação da pensão de 600$000 réis a um membro da junta do credito publico, e a que tinha approvado os actos da dictadura, é a que vai votar a deslocação da pensão do conde de Penafiel, porque não approvou os actos da dictadura!
Mas v. ex.ª, sr. presidente, e a maioria da camara podem vêr a coacção moral em que está a commissão de fazenda, e em que estão os deputados, que são a favor da commissão de fazenda, pela seguinte maneira — é justa ou injusta a pensão do conde de Penafiel? Eu quero que a camara me resolva este dilemma — Se é justa, deve continuar; se é injusta, deve ser eliminada. Eu acho racional a proposta do sr. Cardozo Castello Branco: intende que não é justa, por consequencia propõe a eliminação; mas a commissão de fazenda intende que a pensão é injusta, e como é que a commissão de fazenda remedeia essa injustiça deslocando a pensão donde ella está? O conde de Penafiel recebia esta pensão pelo rendimento do correio; a commissão quer que continue a receber, mas pelo thesouro; de sorte que a commissão de fazenda vê na deslocação da fonte donde o conde recebia a pensão, um acto de justiça! Para ella a injustiça não está em receber, mas em receber pelo correio, e não pelo thesouro. Mas resolva a camara este dilemma — se é justa, deve continuar; se é injusta, elimine-se. A commissão acha que é injusta, mas não a elimina, contenta-se em a deslocar!
Eu intendo que esta materia está sufficientemente discutida; (Apoiados) mas não é esta a opinião da camara, porque houve um illustre deputado que fez um requerimento para se julgar a materia sufficientemente discutida, e o proprio illustre deputado que fez o requerimento, retirou-o depois, e a camara não o votou; por consequencia na opinião da camara a materia não está sufficientemente discutida; para mim está, porque julgo isto um facto consummado. Eu sei a natureza destes corpos deliberantes, e sei a natureza das maiorias; este projecto não veiu proposto pela commissão, senão precedendo accôrdo do ministro da fazenda, e a commissão de fazenda não trouxe este projecto á discussão e á votação senão de accôrdo com a maioria da camara; por consequencia é uma questão que está decidida, é um facto julgado.
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Eu não pedi a palavra nutrindo idéas de que porventura eu tivesse auctoridade para demover a commissão de fazenda e a maioria do proposito em que já estivesse, mas porque realmente feriram-me certas asserções que ouvi; por exemplo, nós fomos chamados socialistas; nós fomos accusados de tirarmos aos frades os seus bens. Eu declaro a camara, que se viesse aqui um projecto, não para que. as ordens monasticas se tornassem de novo a estabelecer no nosso paiz, mas para que os frades que restam, não morressem á fome, eu votava por elle, porque acho que a medida mais barbara que se tem tomado, foi a expulsão violenta dos fiados dos seus conventos e das suas propriedades. Se ámanhã vier uma medida qualquer para esse effeito, eu voto por ella, o a camara pode-me chamar retrogrado, e o que quizer que me não imporia com isso cousa nenhuma.
Eu voto contra o projecto. Tinha tenção de mandar uma proposta para a mesa, mas como sei a natureza das maiorias, não mando proposta nenhuma. Mas digo que se a camara intende que não devo conceder ao conde de Penafiel esta pensão, o meu parecer o que se mande proceder a um inquerito, para se examinar qual a somma que foi dispendida pelo conde de Penafiel, em quanto administrou o correio, e que depois se lhe pague esta somma, porque eu não vejo que possa haver uma razão qualquer justificavel para depois do conde de Penafiel ler gasto uma grande somma no serviço de correio-mór se lhe dizer — agora dai-me para cá o correio — e não lhe dar indemnisação alguma. Não acho que isto seja justo o tanto não acho, que encontro exemplos do contrario no paiz.
O conde do Murça linha um officio na alfandega grande de Lisboa; tiraram-lhe o officio que era vinculo, e deram-lhe uma pensão, e foi-lhe dada em titulos de divida fundada, que os vinculou, e que hoje fazem uma grande parto da receita da sua casa; e quem resolveu esta questão não foi o lado direito da camara, foi o sr. Passos (Manoel) que intendeu, que devia votar-se esta pensão; foi o sr. Passos em virtude de uma resolução para a qual se invocaram os principios, demonstrando a grande necessidade de estabelecer principios de economia, foi aquelle cavalheiro que mandou converter a pensão do conde de Murça em titulos de divida fundada para serem vinculados.
Por estas contras razões eu voto contra este projecto.
O sr. J. M. de Andrade: — Requeiro que a materia se julgue discutida.
Julgou-se discutida.
O sr. Presidente: — A discussão tem versado sobre a generalidade; e as propostas que vieram para a mesa, não podem ter cabimento senão na especialidade, porque nenhuma é substituição; por consequencia o que eu tenho a perguntar á camara, é se approva o projecto na generalidade.
O sr. Barão de Almeirim (Sobre o modo de propor): — Eu intendo que esta materia não será bem decidida por esta camara, senão por meio de quesitos, eu peço a V, ex.ª que assim a ponha á votação.
O sr. Presidente: — Eu proponho esta questão á camara; se a camara quer votar já pela especialidade, então póde-se votar sobre as emendas; mas se não quer senão votar sobre a generalidade, a questão é como eu propuz.
O sr. José Estevão: — Eu pediria a v. ex.ª que propuzesse a votação sobre a especialidade, porque nós a temos discutido de mais. (Apoiado)
O sr. Corrêa Caldeira: — Eu tinha pedido a palavra para um requerimento, mas se v. ex.ª me dá licença retiro o requerimento, e direi duas palavras sobre a proposta do sr. barão de Almeirim que me parece está n'um equivoco.
O sr. Presidente: — Mas agora o que se ha-de decidir,»: se havemos de votar sobre a generalidade, ou especialidade, e para isso vou submetter á votação a proposta do sr. José Estevão.
Decidiu-se que se votasse na especialidade.
O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, eu ia mandar para a mesa uma proposta que me parecia que resolvia a questão, porque a questão é se a, pensão para o conde de Penafiel e uma pensão vitalicia I ou hereditaria, porque a dexannexação della do correio onde está, para o ministerio da fazenda significa que é vitalicia. Ora sobre o modo de considerar esta questão assim pediria eu que a votação fosse nominal, o para isso vou mandar uma proposta para a mesa.
O sr. Presidente: — Para comprehender todas a idéas que se teem apresentado na camara, parece-me que deve principiar a votação pelo quesito prejudicial, proposto pelo sr. Cardozo Castello Branco. — hade eliminar-se essa pensão ou ha-de ficar? lista é a primeira pergunta. Não se vencendo, fica sabido que ha-de continuar a pagar-se a pensão, e então pergunto — ha-de pagar-se por meio de um titulo de ronda vitalicia, ou ha-de pagar-se como se tem pago até aqui o cofre do correio geral? Não se vencendo que seja por meio de titulo de renda vitalicia, segue-se que continua a ser, paga como está, e depois vem a outra questão — se se ha-de pagar pelo correio ou por onde se pagam as pensões das classes inactivas.
O sr. Santos Monteiro: — Eu não tenho duvida em que v. ex. proponha o primeiro quesito que indicou, depois nós veremos.
O sr. Cazal Ribeiro: — Sr. presidente, a questão foi apresentada pela commissão como questão de orçamento, no projecto que submetteu á deliberação da camara, Porque achando a verba consignada no orçamento em certo modo sem caracter de força de lei, intendeu que não podia apresental-a de outro modo. Portanto a primeira questão a resolver é — se ha de eliminar-se a verba pelo cofre donde tem sido paga até aqui; e depois, se se não eliminar, se ha de ou não pagar-se por outro cofre como a commissão propõe ficando de natureza vitalicia, ou se ha de ficar sendo perpetua?
Creio que foram estas as idéas que correram na discussão, e que desta maneira póde cada1 um deixar bem expresso o seu voto.
O sr. José Estevão: — Sr. presidente, nós chegamos a uma conclusão pelos dois methodos indicados, porque aquelles que querem rejeitar absolutamente a pensão do sr. Conde de Penafiel, não querem que ella seja paga por cofre nenhum: (Apoiados) aqui não ha subterfúgio. Agora se se quer seguir o methodo directo, de se propôr a eliminação da pensão, eu então peço precedencia para a minha proposta: ella deve ír na cabeça do rol, porque tractando-se do orçamento que é a lei geral do estado, ella tem todo o cabimento. Portanto, não se decidindo que a votação seja por quesitos, e seguindo se o methodo opposto, intendo que a minha proposta deve preferir.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, na minha opinião V. ex.ª indicou muito bom o modo de propôr; porque ou estou resolvido a apoiar qualquer
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Idea, uma voz que eu consiga que se vote: ou já sei como hei de votar; podem fallar todos sobre o modo do votar assim e assado, porque eu rejeito o parecer da commissão. Se v. ex.ª me dá licença, eu tomo as grandes proporções de apagador; quero apagar a discussão: e uma discussão caturra, pequenissima. Pois os srs. deputados não sabem como hão de votar?.Na verdade estou envergonhado de ouvir discutir uma cousa tão triste, e tão pequenita. Por consequencia eu peço á V. ex.ª que consulte a camara, se esta discussão sobre a votação está discutida. (Vozes: — Não póde, porque fallou sobre a questão) Pois eu não posso apagar! (Riso). —
O sr. Corrêa Caldeira: — Eu faço meu o requerimento: e peço tambem a v. ex.ª que a votação sobre o quesíto'2.0 seja nominal.
Julgou-se discutida a questão de ordem sobre o modo de propor. 1
O sr. Presidente: — Agora consulto a camara sobre se a votação deve ser nominal.
O sr. Santos Monteiro — Eu requeiro a observancia do regimento, que determina, que em questões pessoaes, as votações sejam por esferas.
O sr. Corrêa Caldeira: ~ — Não so Irada aqui do conde de Penafiel, tracta-se de um principio; por isso eu peço, que a votação seja nominal.
Consultada a camara resolveu que a votação fosse nominal sobre o 2. quesito.
O sr. presidente submetteu á votação da camara o seguinte quesito: —
Ha do eliminar-se a pensão, sobre que se tem discutido?
Foi rejeitada a eliminação por 56 votos contra 32. Propoz seguidamente o seguinte quesito: Ha de passar a ser vitalicia esta pensão? Feita a chamada
Disseram — approvo — os srs. Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá, Antonio Alves Martins, Antonio Augusto Mello Archer, Antonio Bonifacio Julio Guerra, Antonio Cezar de Vasconcellos Corrêa, Antonio Emygdio Geraldes Quelhas, Antonio Ferreira de Macedo Pinto, Antonio Gonçalves Lage, Antonio Freire Calheiros de Castello Branco Mascarenhas, Antonio Pinheiro da Fonseca Ozorio, Antonio Rodrigues de Sampaio; Antonio dos Santos Monteiro, Antonio Sarmento de Saavedra Teixeira, Arystides Ribeiro de Abranches Castello Branco, Augusto Xavier Palmeirim, Barão de Almeirim, Carlos Bento da Silva, Custodio Manoel Gomes, Custodio Rebello de Carvalho, Faustino da Gama, Francisco de Almeida Coelho de Bivar, Francisco Antonio de Rezende, Francisco de Carvalho, Francisco José Duarte Nazareth, Francisco Maria Bordallo, Francisco Rodrigues Ferreira Cazado, Frederico Guilherme da Silva Pereira, Guilherme José Antonio Dias Pegado, Jacinto Pereira Carneiro, João Feyo Soares de Azevedo, João de Mello Soares de Vasconcellos, João Nuno Silverio Cerqueira Gomes e Lima, João Soares de Albergaria, José Estevão
Coelho de Magalhães, José Ferreira Pinto Bastos, José Fortunato Ferreira de Castro, José Jacinto Tavares, José Joaquim da Silva Pereira, José Maria de Andrade, José Maria do Cazal Ribeiro, José de Moraes Faria de Carvalho, José de Moraes Pinto de Almeida, Julio Maximo de Oliveira Pimentel, Justino Antonio de Freitas, Lourenço de Sousa Cabral, Manoel Joaquim Cardozo Castello Branco, Manoel da Silva Passos, Placido Antonio da Cunha e Abreu, D. Rodrigo José de Menezes, Thomaz Maria de Paiva Barreto, Torquato Maximo de Almeida, e Visconde da Junqueira.
Disseram — rejeito — os srs. Adrião Accacio da Silveira Pinto, Affonso Botelho de Sampaio o Sousa, Antonio Augusto de Mello Castro e Abreu, Antonio Corrêa Caldeira, Antonio da Cunha Sotto-Maior, Antonio Emilio Corrêa de Sá Brandão, Antonio Feyo de Magalhães Coutinho, Antonio José de Avila, Antonio José Coelho Lousada, Antonio Ladishio da Costa Camarate, Antonio Maria Barreiros Arrobas, Antonio Pereira da Silva Sousa e Menezes, Bartholomeu dos Martyres Dias e Sousa, Bazilio Alberto de Sousa Pinto, Carlos da Silva Maia, Carlos Cyrillo Machado, Francisco Damásio Roussado Gorjão, Francisco Joaquim da Costa e Silva, Francisco Joaquim Maia, Francisco de Paula Castro e Lemos, Frederico Leão Cabreira, João Damásio Roussado Gorjão, João Pedro de Almeida Pessanha, Joaquim Guedes de Carvalho e Menezes -; Joaquim Manoel da Fonseca Abreu Castello Branco, José de Almeida Pessanha, José Antonio Pereira Bilhano, José da Costa Sousa Pinto Bastos, José Guedes de Castro e Menezes, José de Pina Freire da Fonseca, Julio Gomes da Silva Sanches, Lourenço José Moniz, Luiz de Almeida Menezes e Vasconcellos, Manoel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco, Miguel do Canto o Castro, Rodrigo Nogueira Soares Vieira, Thomaz Northon, Vicente Ferreira de Novaes, e Visconde de Monsão.
Ficou portanto approvado, por 52 votos contra 39, que a pensão seja vitalicia.
O sr. presidente propoz ainda o seguinte quesito -Ha de pagar-se esta pensão pelos encargos geraes do ministerio da fazenda, como propõe a commissão de fazenda?
Foi approvado.
O sr. Presidente: — Com relação ao artigo 1.º resta ainda votar o additamento do sr. José Estevão.
O sr. José Estevão: — Eu peço licença para o retirar.
Foi retirado.
Seguidamente foram approvados o artigo 2.º e 3.º do projecto, que tem estado em discussão.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da discussão do orçamento. Está levantada a sessão. — Eram 4 horas e meia da tarde.
o redactor
José de Castro Freire de Macedo.