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N.° 20.

SESSÃO DE 24 DE JULHO.

1854.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Ao meio dia verificou-se, pela chamada feita pelo sr. secretario Rebello de Carvalho, estarem presentes 51 srs. deputados.

O sr. Presidente — Está aberta a sessão.

O sr. secretario Tavares de Macedo leu a acta da sessão antecedente, que foi approvada sem reclamação.

Declaração: — Do sr. Pinheiro Ozorio, participando que faltou á sessão de 22 do corrente, por justo impedimento. — Inteirada.

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, pedi a palavra para me dirigir á illustre commissão do ultramar, pedindo-lhe que dê o seu parecer sobre o projecto apresentado na sessão passada, regulando o serviço e os despachos dos officiaes que vão servir nas nossas provincias ultramarinas. Esta materia e muito importante, e convém regula-la quanto antes, porque se tem dado casos extravagantes, mesmo a que convém obstar; e como o projecto foi remettido com urgencia á illustre commissão do ultramar, desejava que algum dos seus membros nos dissesse, se está deliberada a trazer ainda na presente sessão o seu parecer ácerca delle.

O sr. Celestino Soares; — O projecto, a que se referiu o illustre deputado o sr. Palmeirim, foi apresentado na sessão do anno passado pelo sr. Leão Cabreira. A commissão algumas vezes se tem reunido para tractar delle, porém, como lhe estavam affectos outros projectos mais urgentes do que aquelle, e que era necessario apresentar quanto antes, por isso tractou delles, e tem até certo ponto preterido este negocio, que é muito complicado e muito extenso; e um projecto que tem dezesete ou dezoito artigos, cada qual mais importante, e que joga com a legislação actual; e, finalmente, exige muita circumspecção e muito estudo. Além disso o presidente da commissão, o sr. Pestana, por não poder comparecer, todas as vezes ás sessões da commissão, por ter de assistir ao conselho ultramarino, tem-nos privado de nos occuparmos de alguns objectos, como desejavamos. S. ex.ª não está presente; quando chegar dirá quando quer tractar desse negocio. Da parte dos membros da commissão ha todo o interesse em tractar delle, e pela minha parte, como militar, utiliso em que passe. Do modo que as coisas estão, os despachos para o ultramar vem sempre em prejuizo dos officiaes que não querem ír para o ultramar.

O sr. Carlos Dento: — Sr. presidente, ha um assumpto grave pendente da resolução desta camara, que muito conveniente era que se decidisse nesta

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sessão. O governo, na sessão passada, apresentou a esta camara um projecto sobre recrutamento; esta camara está reunida ha seis mezes e meio, e um parecer das duas illustres commissões de guerra e administração publica existe sobre a mesa, creio que ha um mez. Sr. presidente, nós estamos tracta-se de alliviar o povo de impostos pesados e vexatorioso e o imposto mais pesado e vexatorio, principalmente quando e desigualmente distribuido, é o imposto de sangue. (Apoiados) É preciso que esta camara saiba que ha individuos que estão servindo no exercito quatro e seis annos além do prazo marcado na lei! Isto é um imposto vexatorio e cruel, de sorte que parte dos cidadãos portuguezes não pagam este imposto, como manda a carta, são só alguns infelizes; esses hão de ser soldados eternamente! Este imposto, mesmo porque é pesado, deve ser distribuido igualmente, sob pena desta nação dar um documento de barbaridade. Ha individuos que vão voluntariamente sentar praça para servir quatro annos, e estão ha mais de seis annos nas fileiras, e se por acaso abandonam as suas bandeiras, soffrem um castigo rigoroso!

Esta situação não póde continuar, e deve despertar a attenção da camara para se fazer uma lei de recrutamento, porque para ter exercito é preciso ter uma lei de recenseamento; se a não tivermos, não podemos contar com exercito.

Ha mais ainda: não havendo lei de recenseamento, as auctoridades subalternas encarregam-se de substituir todas as disposições da lei do recrutamento; e a situação destes desgraçados torna-se peior. Peço perdão de ter tomado tanto calor neste objecto, mas a continuação do estado actual é a continuação de um estado violento para os infelizes que entram nas fileiras do exercito. Espero que esta camara, antes de se encerrar, ha de discutir a lei do recenseamento, e se v. ex.ª não se julgar auctorisado para tanto, confio que consultará a camara sobre se essa lei deve ser discutida, porque me parece que não devemos saír desta casa sem termos providenciado sobre um assumpto, que reclama a nossa maior solicitude.

O sr. Presidente: — Esse projecto está já dado para ordem do dia; agora a camara resolverá o que lhe parecer.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Tendo ajunta de parocho a da Aldeia Velha, concelho de Sabugosa, dirigido a esta camara uma representação para que naquella villa se crie uma cadeira de latim; e tendo ido á illustre commissão de instrucção publica esta representação, pedia-lhe que tivesse a bondade de dar um parecer a este respeito.

O sr. Justino de Freitas: — Como membro da commissão de instrucção publica, responderei ao illustre deputado, que a commissão ha de occupar-se do objecto a que se refere; mas a commissão tem tido outros objectos importantes de que tractar, e não deixará de occupar-se a seu tempo da cadeira de latim a que se referiu.

A principal razão porque pedi apalavra, foi para lembrar á mesa a necessidade de providenciar alguma coisa sobre a livraria do palacio das côrtes: já no anno passado chamei a attenção de v. ex.ª sobre este objecto, porque na livraria não ha um livro de jurisprudencia desde Pascoal José de Mello para cá, de maneira que é melhor fecha-la, do que dizer-se que lemos uma livraria, que não serve para coisa alguma. (Apoiados) Parece-me que era coisa muito facil, e que está mesmo nas attribuições da mesa, tomar alguma providencia para apresentar alli alguns livros de jurisprudencia, e economia, porque lá não ha senão umas poucas de obras antigas sobre algumas destas materias. Este objecto é de alta importancia, porque nós muitas vezes precisâmos consultar um livro, precisámos vêr qualquer coisa, e não nos é possivel; principalmente os deputados das provincias que não tem as suas livrarias em Lisboa, querendo recorrer a qualquer obra, não a tem, nem a encontram na livraria. Limito-me a fazer estas observações, e espero que a mesa não deixará de as tomar em consideração.

O sr. Presidente: — Já em outra occasião eu disse, que no intervallo da sessão tractaria de ver, se era possivel enriquecer a livraria com as obras de que carece; mas a livraria pertence a uma e a outra casa do parlamento. O sr. Tavares de Macedo foi encarregado de se intender a este respeito com a mesa da outra camara, exarou-se um projecto tendente a regular a administração da livraria, mas creio que este projecto tem de ser convertido em lei; do contrario a mesa nada póde deliberar, porque não tem para isso auctorisação da camara.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, não posso deixar de apoiar, com todas as minhas forças, a moção ou indicação apresentada pelo illustre deputado e meu amigo, o sr. Justino de Freitas. Eu intendo que a nossa bibliotheca deve subministrar-nos os documentos que nos forem necessarios, e que para isso devemos procurar vencer todas as difficuldades. Creio que ha uma proposta para se votarem 10:000$000 réis, para arranjos de edificio, etc. Eu, sr. presidente, pela minha parte, sacrificaria alguns dos meus commodos á riqueza intellectual; quizera que a nossa bibliotheca nos podesse ministrar maiores recursos do que aquelles que actualmente nos fornece, porque, quem chama bibliotheca ao que temos, diz uma coisa inteiramente contraria do que existe. Não, senhores, não temos tal bibliotheca; temos meia duzia de livros reunidos por acaso, e a maior parte dos quaes está bem longe de satisfazer ás necessidades parlamentares, porque não temos livro algum de economia politica, nem de administração. Ora, sr. presidente, eu direi que nesta parte era necessario que houvesse uma fiscalisação, e que a mesa fosse auctorisada a intender-se com o governo, para adquirir certos documentos importantes, como, por exemplo, uma infinidade de relatorios importantes sobre objecto de administração, muitos d s quaes se estão empoeirando debaixo das mesas das secretarias; e a nós, que legislâmos, a nós, que administrâmos, e que lemos de fazer projectos sobre pontos os mais importantes, faltam-nos esses relatorios; as ultimas noticias sobre administração não as lemos. Nós não somos Rolschilds, para podermos dispender grossos capitaes em bibliothecas, mas o governo é que póde arranjar uma bibliotheca, onde os sr. deputados possam consultar o que lhes fôr preciso, e mesmo, no intervallo das sessões, ser franqueada ao publico, e aos homens intendidos, que muitas vezes não lêem, porque não tem meios. (Apoiados) Ha muitos talentos entre nós, mas não tem meios para consultarem os livros de que carecem para serem uteis ao paiz que os viu nascer. (Apoiados) Eu reputo de muita importancia que tenhamos uma bibliotheca que possa satisfazer ás necessidades parlamentares; não a lemos, porque o que temos são uns pouco» de livros reunidos por

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acaso, e que tractam de materias que não tem relação nenhuma com os trabalhos parlamentares; temos tres ou quatro exemplares da mesma obra, e não temos muitas outras obras que nos são indispensaveis para consultar. Ora, visto que está votada uma somma para alcatifas e cortina, pedia que esta somma fosse antes dispendida em livros. Eu cedia um pouco das alcatifas e cortinas, e do luxo da casa parlamentar, com tanto que houvesse uma livraria, onde se encontrassem as obras que são precisas para nossa illustração.

O sr. Tavares de Macedo: — Acho muita razão ao illustre deputado, mas o que s. ex.ª disse está em opposição com o que se resolveu. Todos convém que é necessario melhorar a bibliotheca, mas é preciso advertir, que a verba destinada para arranjos do edificio das côrtes, passou para o ministerio das obras publicas. A mesa não tem esses 10:000$000 réis, e então não póde dispôr de coisa alguma, porque não tem meios. É uma necessidade cuidar do augmento da bibliotheca do parlamento; conheço isto perfeitamente, mas é necessario que haja uma lei especial para isso. Demais, a administração da bibliotheca pertence ás mesas das duas camaras do parlamento. Os illustres deputados estão a fallar inutilmente, estão a pedir o contrario daquillo que approvaram, e exigem que a mesa de = ta camara faça por si só o que só póde ser feito de intelligencia com a da outra camara.

O sr. Santos Monteiro: — Não pedia palavra para entrar nesta questão; mas folgo que ella tenha logar, visto que fui eu no anno passado quem a provoquei. E, se bem me recordo, teve ella tal andamento, que até o meu illustre amigo o sr. Tavares de Macedo chegou a trazer e lêu á camara uma relação das obras que intendia deviam ser compradas para a nossa bibliotheca. Levantei-me agora unicamente para fazer desapparecer uma equivocação em que me parece laboram alguns dos meus illustres collegas. A camara não votou quantia alguma para obras nesta casa: houve uma proposta para esse fim, mas a commissão de fazenda não a adoptou; o que fez foi, em uma verba do orçamento da quantia de quarenta contos e tantos mil réis, destinada para differentes obras, incluir que dessa somma saisse tambem o que fôsse necessario para alguns arranjos no palacio das côrtes.

Não ha quantia alguma votada no orçamento especialmente para estas obras; houve uma proposta, mas não quantia votada; e sendo isto assim, desapparece a equivocação em que está o illustre deputado. A administração da bibliotheca das côrtes não póde por maneira nenhuma deixar de estar a cargo das mesas das duas camaras; é isso o que se determina no decreto da sua creação, e o que determinam os regimentos de cada uma das casas do parlamento. Seria por consequencia muito conveniente que os srs. presidentes das duas camaras se intendessem com o sr. ministro do reino, para se levára nossa bibliotheca ao estado a que ella deve ír. Não posso porém deixar de observar, que nunca se poderá chamar bibliotheca no sitio em que ella está collocada, no bocado do côro. (Apoiados) Para ser uma bibliotheca digna do parlamento, era necessario que continuasse o côro pelo prolongamento do corpo da igreja. Pedi pois a palavra para fazer estas observações, e tambem para lembrar que, em varios depositos da capital e provincias, existem obras em duplicado, as quaes podiam vir para a nossa bibliotheca ellas proprias, ou servirem para se adquirirem outras modernas, como tem acontecido a respeito da bibliotheca publica.

Eu pedia a v. ex.ª que, no caso de haver occasião, tivesse a bondade de dar para discussão o projecto n.° 95 sobre a expropriação dos predios entre a travessa dos Gatos e rua da Horta Secca. Parece-me uma coisa muito simples, e mesmo porque da sua approvação não vem despeza immediata. Esta medida é reclamada pela camara municipal, e por toda a cidade.

O sr. Macedo Pinto; — Sr. presidente, ha já muitos dias que a commissão das pautas apresentou a esta camara o seu parecer em relação ás alterações que julgava deviam ser feitas na ultima refórma que teve logar. Se acontecer não poder discutir-se nesta sessão este projecto, dahi virão grandissimos males ás nossas industrias, e ao paiz. Por consequencia, eu pedia a v. ex.ª que, usando da auctoridade que o regimento lhe faculta, o désse para ordem do dia, não sendo preterido por outros muitos que estão na ordem do dia, ou, quando não fosse possivel discutir-se em sessões ordinarias, o tractassemos em sessões nocturnas.

O sr. Presidente: — Farei o que o illustre deputado deseja; da-lo-hei para ordem do dia, e depois a camara resolverá o que intender.

O sr. Mamede: — Sr. presidente, satisfazendo ás indicações manifestadas nesta casa pelo illustre relator da commissão de fazenda, quando se discutiu o orçamento, eu mando para a mesa o respectivo projecto de lei, que tem por fim elevar o ordenado do porteiro do observatorio da universidade de Coimbra á quantia de 200$000 réis.

Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Discussão dos projectos n. 95, 100,67, 109, 83 e 89.

O sr. Presidente: — Não se podendo continuar ainda na discussão do projecto n.° 89, vou consultar a camara sobre o que se ha de discutir. O sr. Corrêa Caldeira, na ultima sessão, tinha pedido que se discutisse o projecto n.° 111, sobre o modo de se nomearem os empregados do estado maior do hospital de invalidos militares, estabelecido em Runa; e o sr. Santos Monteiro acaba de pedir a discussão do projecto n.° 95 sobre a expropriação, por causa de utilidade publica, do terreno comprehendido entre o largo das Duas Igrejas, rua do Loreto, travessa dos Galos, e rua da Horta Secca. Vou consultar a camara pela ordem por que foram pedidas as materias. Primeiramente consulto a camara sobre se quer entrar na discussão do projecto n.° 111.

Consultada a camara, verificou-se por duas votações successivas não haver vencimento nem pro nem contra.

O sr. Santos Monteiro (Sobre a ordem): — Agora pedia a v. ex.ª que propozesse á camara o outro projecto, que me parece simples.

A camara resolveu que se entrasse na discussão do projecto n.° 95.

É o seguinte:

Projecto de lei (n.° 95): —»-A commissão de fazenda examinou a proposta de lei, apresentada á camara pelo sr. ministro do reino, a fim de ser expropriado, por causa de utilidade publica, e depois entregue á municipalidade de Lisboa, o terreno com»

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prehendido entre o largo das duas Igrejas, rua do Loreto, travessa dos Gatos, e rua da Horta Secca.

O aformoseamento da capital, a commodidade, a policia publica, aconselhavam, desde muito tempo, a camara municipal a este expediente por seus proprios meios, se com elles se tivesse achado habilitada. Falta de recursos sufficientes, recorreu ella ao governo em 23 de dezembro de 1850, e 21 de dezembro de 1851, pedindo-lhe que fosse elle o expropriador, e que depois lhe concedesse o mesmo terreno, para ser reduzido a uma praça regular.

O governo, nutrindo o mesmo desejo da camara municipal, o tinha reduzido já a projecto de lei, quando este caso trouxe á commissão de fazenda um requerimento da ex.ma D. Maria Carlota de Bragança Sousa e Ligne, administradora actual da casa dos duques de Lafões, no qual, sem pretender oppôr-se á expropriação de que se tracta, pedia que fosse feita, segundo a lei commum de 23 de julho de 1850, é não por medida especial, porque havendo litigio da sua casa, sobre a parte vincular, e a livre do terreno de que se tracta, que ambas haviam pertencido ao marquez de -Marialva, receiava que, por alguma disposição summaria, ou pela desapparição dos limites, podessem soffrer seus direitos. liste requerimento foi enviado, com a proposta do governo, a illustre commissão de legislação, que respondeu ser sua opinião, que a expropriação tivesse logar na conformidade do artigo 2.° § 1.º da lei de 23 de julho de 1850, com ò que não só eram segurados os direitos, e a indemnação da ex.ma reclamante, mas que em quanto á limitação das duas propriedades, continuariam conhecidas, levantando-se com antecipação a planta do terreno, em que ficassem os elementos necessarios para a liquidação dos interesses disputados.

Ha, com effeito, no terreno sobre que versa a proposta, propriedades de natureza diversa, sendo a maior parte vinculada, alguma livre, mas sujeita a responsabilidades para com o vinculo de Marialva, ou Cantanhede, e outro completamente allodial.

Avultara alli, até 1755, o palacio do marquez de Marialva, que ardeu por occasião do terremoto. Obrigados á sua reedificação, segundo o plano da cidade, os proprietarios não a levaram comtudo a effeito, mas pela importancia do local acharam rendeiros que, não obstante o modo precario de empregar seus capitaes, levantaram predios, e realisaram avultadas bemfeitorias.

A commissão, para ajuizar aproximadamente dos interesses que actualmente seriam expropriados, pediu informações ao governo, que lhe ministrou o bastante para saber:

1.º Que a casa de Lafões é a proprietaria mais consideravel do terreno, e que o traz arrendado a doze locatarios por 718$960 réis, dos quaes, satisfeitos os impostos, e outros encargos, lhe ficam liquidos 560$000 réis.

2.° Que, em fevereiro de 1851, as rendas que provinham aos locatarias das bemfeitorias por elles empregadas, era de 2:107$080 réis, de que abatidas as que pagavam no senhorio, lhes restavam 1:388$120 réis, captivos de impostos.

3.º Que relativamente ás bemfeitorias, é condição expressa em todos os arrendamentos (sendo estes de data moderna, e o ultimo do anno de 1849) — Que logo que a ex.ª casa (de Lafões) quizer reedificar os eu palacio, ou por qualquer outro modo dispôr do terreno arrendado, o rendeiro fica obrigado a despeja-lo, demolindo, e levando para fôra delle, á sua custa, todas as bemfeitorias que nelle porventura existam, que conste que são suas; sendo porém avisado pela ex.ma casa, com antecipação de sei mezes, para o rendeiro ter, neste espaço, tempo sufficiente para desembaraçar o vão que occupa, sem que fique com direito a exigir indemnisação alguma, por isso que, com tal clausula fôra feito o primordial arrendamento, e é mui expressamente com a mesma clausula que agora se reserva, e continua com elle rendeiro.

4.º Que ao tempo da proposta, assim a casa de Lafões, como o fallecido conde de Barbacena, como herdeiro, inventariante, e cabeça de casal dos bens livres da casa de Marialva (no numero de cujos interessados ha todavia menores), se achavam de completa harmonia com o governo, e desejosos cada um por sua parte a concorrer, e a facilitar o melhoramento publico de que se tracta.

Em presença de todos estes factos, a auctorisação pedida, estabelecido o meio ordinario da expropriação, importa sómente a faculdade ao governo de expropriar, para ceder depois á camara municipal de Lisboa; e para fazer certa despeza extraordinaria, que por agora não póde orçar ao justo, mas que não poderá ser consideravel, attentas as considerações expendidas. Em consequencia pois da vantagem que a capital vai adquirir, a commissão de accôrdo com o governo, feitas algumas alterações, tem a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° É o governo auctorisado a expropriar, por causa de utilidade publica, o terreno comprehendido entre o largo das duas igrejas, rua do Loreto, travessa dos Gatos, e rua da Horta Sêcca.

Art. 2.° O terreno expropriado será entregue á camara municipal de Lisboa para o applicar á formação de unia praça, segundo o plano que fôr approvado pelo governo; encontrando-se o custo da expropriação em qualquer somma porque a mesma camara fôr credora ao governo.

Art. 3.° A liquidação da expropriação a que se ha de proceder, será feita na conformidade da carta de lei de 23 de julho de 1850; mas a expropriação, e o seu respectivo pagamento se completarão sómente quando, na proxima sessão legislativa, fôr votada a verba para isso indispensavel, sobre a liquidação a que o governo tiver procedido.

Art. 4.° E revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 20 de julho de 1854. — João Damazio Roussado Gorjão = Justino Antonio de Freitas = Augusto Xavier Palmeirim = J. T. Lobo de Avila =. Antonio dos Santos Monteiro =: Carlos Cyrillo Machado.

Proposta de lei (n.° 56 D) a que se refere o projecto antecedente: — Senhores. No terreno comprehendido entre o largo das duas Igrejas, rua do Loreto, travessa dos Gatos, e rua da Horta Sêcca, existem ainda as ruinas, a que por effeito do terremoto de 1755 ficou reduzido o palacio do marquez de Marialva, e existem tambem em grande parte do seu ambito não só predios de irregular construcção, mas diversas barraca» ou ignobeis edificações, que todas as conveniencias de moral e decencia publica aconselham fazer demolir.

E, com effeito, similhante estado de coisas é forçoso que acabe, como contrario a mui expressas e claras disposições contidas nomeadamente no alvará de 12 de maio de 1758, — no plano para a reedificação da cidade, de 12 de junho do mesmo anno, —

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e no decreto com força de lei de 15 de junho de 1759, e com as quaes a esclarecida administração de El-Rei o Senhor D. José intendeu dever providenciar, para fazer renascer das cinzas, porém mais magestosa e bella, a cidade, que havia sido présa daquelle desastroso acontecimento.

Na serie dos diversos melhoramentos municipaes, operados em Lisboa, ter-se-ía de ha muito, sem duvida, emprehendido o da demolição daquellas ruinas, e construcções inconvenientes, para converter o respectivo terreno em uma espaçosa praça, que é reclamada pelas necessidades de um immenso transito naquella paragem da cidade, se acaso os rendimentos do municipio, circumscriptos como são, para poder attender-se aos muitos e variadissimos encargos que lhe pesam, permittissem a acquisição do dito terreno.

Foi em taes circumstancias que já no anno de 1850 a camara municipal de Lisboa se dirigiu ao governo, pedindo a sua coadjuvação no empenho de levar a effeito obra tão indispensavel.

Decorrido quasi um seculo desde que por esclarecidas provisões foi regulado o plano da cidade, plano em virtude do qual as ruinas existentes no terreno alludido deveriam de ha muito ter desapparecido, é manifestamente um pensamento civilisador, e um objecto de urgente necessidade, que a demolição dellas não seja por mais tempo adiada.

Sob taes considerações tem o governo como imperioso e grato dever o de apresentar ao vosso exame e resolução a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.° É expropriado, por causa de utilidade publica, o terreno comprehendido entre o largo das duas igrejas, rua do Loreto, travessa dos Gatos, e rua da Horta Sêcca.

Art. 2.° O terreno expropriado será entregue á camara municipal de Lisboa, para o applicar á formação de uma praça, segundo o plano que fôr approvado pelo governo.

Art. 3.°. Fica auctorisado o governo a satisfazer a indemnisação do valor do terreno adquirido, precedendo as solemnidades legaes, para a liquidação desse valor

Art. 4.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da presente auctorisação.

Art. 5.° E revogada a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios do reino, em 21 de abril de 1854. = Rodrigo da Fonseca Magalhães.

O sr Rivara: — Sr. presidente, eu adopto a idéa do projecto, mas com uma modificação. Concordo com o primeiro e terceiro artigo. Quanto ao segundo, não obstante não poder fallar agora, senão sobre a generalidade do projecto, sempre direi qual é a modificação que nelle desejo. Concordo com a expropriação, mas no que não concordo é na applicação do local expropriado. Intendo que uma praça núa fica triste e desigual, porque não está ligada com o outro largo visinho, o do Loreto. Ha de ser sempre uma triste praça, nunca póde ser praça nem passeio que possa corresponder ao sitio.

Pretendo, portanto, offerecer uma substituição a fim de que alli se constitua um edificio, em cujos andares superiores seja collocada a bibliotheca nacional, e cujo andar térreo sirva para lojas, armazens de venda e bazares; os quaes alugando se produziam o rendimento permanente e perpetuo de 5:000$000 réis annuaes, sobre o qual desde já se póde levantar um emprestimo para fazer o edificio. Parece-me que a elegancia do bairro fica muito mais exaltada com lojas de luxo á roda daquelle bellissimo quadro, além da conveniencia que ha de ficar a bibliotheca naquelle sitio, porque a torna accessivel a toda a hora, mais do que em outro qualquer sitio. Pode-se tambem estabelecer alli a leitura nocturna com commodidade, porque os individuos, tanto do bairro superior como do inferior, passando por alli facilmente se tentam a lêr; porque nem todos podem dispôr do dia para lá ir. (Apoiados) Portanto, quando chegar a discussão do artigo 2.°, eu mandarei a minha substituição, e a camara fará o que quizer.

O sr. Julio Pimentel: — Sr. presidente, eu pedi a palavra quando ouvi enunciar a idéa do sr. Rivara, e parece-me que se discute na generalidade, e a res. posta á sua proposição tem mais logar na especialidade; entretanto, se v. ex.ª permitte eu direi algumas palavras a este respeito. Eu tambem me opporei á idéa de que naquelle local, que se tracta dê expropriar, se faça unicamente uma praça nua, que não podia aformosear o bairro, nem dar vantagem alguma. Lu era de opinião que se fizesse uma construcção elegante, e ao mesmo tempo um pequeno Palais Royal, uma rotunda com lojas e basares, o que era de utilidade para o publico.

Pelo que respeita á bibliotheca, opponho-me a essa idéa: em primeiro logar a construcção seria cara, e em segundo logar não se podia estabelecer alli uma bibliotheca com commodidade por causa do continuo movimento das carruagens. Por outro lado nós temos melhores localidades para que se possa construir uma bibliotheca accommodada; tal é a velha igreja do convenio do Carmo, onde com mui pouca despeza se póde fazer uma bibliotheca muito bella, com todas as commodidades, e livre do movimento e do tumulto; por conseguinte, eu voto pelo parecer da commissão, adoptando a idéa, de que a praça, admitte uma certa construcção, não é uma praça nua. Parece que esta idéa de praça indica logo um espaço nu, mas não deve ser assim.

O sr. José Estevão; — Sr. presidente, eu creio que nós tractâmos do parecer na generalidade; portanto não podêmos occupar-nos desde já de um dos seus pormenores. Parecia-me, portanto, que deixassemos essa questão do pormenor para o ponto em que ella vai tocada; e que não tractassemos agora senão da questão da generalidade. A questão da generalidade é se convém ou não que o governo exproprie por conta da camara municipal este terreno; nisso parece-me que não ha opposição na camara; e portanto, abstenho me de fallar neste ponto, pedindo a v. ex que chame a questão a este ponto; e depois, sobre a applicação do terreno, verei se me será necessario dizer alguma coisa.

O sr. C. M. Gomes (Sobre a ordem): — Eu queria unicamente pedir á illustre commissão alguns esclarecimentos. Apezar de que o artigo 3.° deixa para uma época mais remota a maneira de pagar; apezar de que se diz no parecer que ainda não está feito o orçamento desta despeza; como se diga, comtudo, que a despeza não poderá ser consideravel, eu pedia á illustre commissão tivesse a bondade de me esclarecer sobre qual será a sua idéa sobre a despeza aproximada, o calculo que fez sobre a despeza que isto trará, e qual é o seu pensamento sobre os meios de pagamento no anno que vem, quando se fixar o quantum.

O sr. Palmeirim: — Se o illustre deputado lêsse

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o relatorio da commissão, veria que ella não póde por agora ministrar-lhe dados positivos sobre qual será o preço da expropriação. Ha mesmo circumstancias que attenuam a avaliação, o orçamento que se póde fazer pouco mais ou menos. Se acaso se pagar só o terreno á casa do duque de Lafões, como elle rende liquidos 500$000 réis, já se vê que a despeza não poderá ser grande coisa; mas se acaso o governo, por qualquer principio de consideração e moralidade, quizer pagar as bemfeitorias que os rendeiros tem feito no edificio, então avultará muito mais. Mas o illustre deputado veria, pelas informações que foram presentes á commissão, ministradas pelo governo, que não ha obrigação alguma de fazer esta despeza a mais, porque aquelles colonos que tem alli feito bemfeitorias, sabiam no momento em que as faziam que se arriscavam a perde-las, porque se obrigaram a demoli-las desde que a casa de Lafões quizesse edificar 6 seu palacio ou dispôr por qualquer modo do terreno; e veria tambem que o rendimento dessas bemfeitorias ainda por dois contos e tantos mil réis.

Se eu soubesse que este projecto entrava em discussão hoje, trazia os apontamentos necessarios; mas os papeis, como plantas e outros documentos e informações, que foram presentes á commissão, existem na secretaria da casa, são papeis muito importantes, e nelles se incluem escripturas celebradas com differentes colonos e foreiros, que alli fizeram edificações.

Se se pagar tudo, bemfeitorias, e o terreno do directo senhor, parece-me que a despeza andará por 40:000$000 a 50:000$000 réis; mas se acaso não se pagarem as bemfeitorias, como não ha direito a exigir, então deverá ser um capital proporcionado ao rendimento de quinhentos e tantos mil réis.

A maneira de pagar ficou dependente de uma medida futura. Como não se sabia a verba em que isso importava, o governo pediu apenas, e a commissão apenas propõe a auctorisação para expropriar, porque pelos contractos os rendeiros devem ser prevenidos seis mezes antes para poderem remover as bemfeitorias e propriedades que alli tem, depois disso se fazer é que o governo póde trazer definitivamente a camara o orçamento daquella despeza.

Por agora não posso dar outras informações mais; mas se o illustre deputado intender que poderei des involver mais um ou outro ponto que loquei, tracta rei de o fazer.

Em quanto á applicação do terreno, em resposta a algumas observações que se tem feito, peço licença para dizer que reparem que o artigo 2.° dispõe que

o terreno expropriado será entregue á camara municipal para o applicar á formação de uma praça, segundo o plano que fôr approvado pelo governo. — Portanto póde ser applicado para praça aformoseada, com este ou aquelle destino, rendoso ou não rendoso; isso depende do governo.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto, e por isso vou submetter á approvação da camara o projecto na sua generalidade.

Foi approvado.

O sr. Palmeirim: — Peço que passemos immediatamente á discussão da especialidade, por isso que o projecto é pequeno.

Assim se resolveu.

O artigo 1.° foi approvado sem discussão. Entrou em discussão o artigo 2.° O sr. Rivara: — É agora occasião de mandar para a mesa a minha substituição.

Está assim redigida, mas não insisto por esta redacção.

SUBSTITUIÇÃO : — Sobre o terreno expropriado será construido um edificio, em cujos andares superiores seja collocada a bibliotheca nacional, e cujo andar terreo sirva para lojas, armazens de venda, e bazares; tudo segundo o plano que fôr adoptado pelo governo, = Rivara.

(Continuando): — Só uma objecção ouvi contra esta idéa: é ser o local demasiadamente transitado, e de muito bulicio, e que por isso não é proprio para alli se poder lêr com socego. Parece-me que esta objecção não é tão forte como parece. Um edificio solidamente construido, com a devida grossura de paredes, com vidraças e janellas fechadas não deve ser um edificio improprio para o estudo e leitura, ainda que esteja n'um local de muito transito. Parece-me que não fará tanta impressão, como se julga, no interior delle o bulicio da rua. Ao menos tenho muitas vezes lido e estudado em logares de muito transito, e não me embaraço muito com o bulicio. De mais a mais, o edificio deverá ter para o centro delle algumas salas e gabinetes mais resguardados do bulicio exterior, e serão esses que deverão com preferencia ser escolhidos para o estudo. Uma vez que isto assim se faça, o que é facil, o inconveniente do bulicio desapparece.

O sr. Carlos Bento: — Sinto discordar do illustre deputado que mandou uma emenda para a mesa, a respeito deste artigo 2.° Eu voto pelo artigo 2.°, tal qual está redigido pela illustre commissão. (Apoiados)

É preciso que distingamos; o bello e o util são duas coisas differentes. O bello na capital recommenda-se de per si só; não é preciso juntar-lhe a circumstancia da utilidade; e os edificios que são destinados para um fim de utilidade, raras vezes podem concorrer para o embellezamento, que é o fim principal deste projecto.

Ha ainda uma circumstancia: o nivelamento é o que nos póde dar mais garantias contra a inexperiencia dos nossos architectos. Realmente seria triste, se votassemos uma somma importante para a expropriação de edificios que afeam um logar dos mais frequentados da capital, e nos fossemos expôr ás experiencias architectonicas de quem o tornasse de uma ou outra fórma vergonhoso para quem o podesse vêr. É uma coisa que podia succeder. Nós corremos o menor de todos os riscos possiveis, decretando o nivelamento. Aqui e que a variedade dos gostos não póde dar uma batalha tão renhida. Ora, um pede uma bibliotheca, outro uma casa de banhos e outros estabelecimentos; um pede arthitectura gothica, outro architectura de um outro genero, e não nos intendemos mais; e esta camara vai perder um tempo precioso n'uma discussão inutil.

Sr. presidente, aquillo de que mais necessidade ha dentro de uma capital, e no sitio mais frequentado, é de espaço. (Apoiados) O maior embellezamento da capital no sitio de maior transito, é de uma praça. O que se carece no Chiado é de espaço. Realmente quasi todas as capitaes apresentam, no sitio principal e de maior concorrencia, largo espaço. Assim como, por exemplo, em Paris, os Boulevards em Madrid, Alcalá etc. Recommende-se ao governo este negocio. Eu não insisto mais neste ponto, porque me parece que a redacção da commissão é para I que se adopte esta idéa, porque realmente, se nós va-

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mes a indicar que este logar ha de servir ás experiencias dos architectos, corremos todo o risco de empregar mal a somma que applicarmos para o embelezamento daquelle sitio.

O sr. Rivara: — Sr. presidente, eu já da primeira vez que fallei, disse que não fazia questão de que se votasse por um ou por outro artigo, todavia intendo que tem uma certa. importancia o estabelecimento de uma bibliotheca naquelle sitio. O argumento do illustre deputado, o sr. Carlos Bento, prova de mais, prova que não deve haver edificio nenhum, porque vamos incorrer no risco de se fazer o edificio mal feito. Parece-me que na verdade não é argumento bastante para combater a minha idea.

Eu o que digo é, que a praça naquelle espaço fica uma triste praça, uma praça muito irregular e que pouco ou nada contribue para embellezar o bairro. Se nós precisâmos de espaço naquelle bairro, como diz o nobre deputado, então deveriamos fazer construir a praça de maneira que ficasse em continuação ás outras ruas fronteiras, e para isto seria necessario deitar as duas igrejas abaixo. Entretanto, a praça ha de ficar pouco elegante, se se limitar unicamente ao espaço que se comprehende no terreno aqui marcado, em quanto que um edificio contribue para o embelezamento daquelle bairro, e pela sua utilidade satisfaz a tudo quanto se deseja, porque a utilidade com o agradavel são perfeitamente conciliaveis, e se sé chegam a obter alcança-se uma grande vantagem

Omne tulit punctum qui miscuit utile dulci.

Não quero cançar por mais tempo a camara. Vote ella como quizer. Eu insisto pela minha substituição, se bem que intendo que esta questão não põe a patria em perigo.

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, vejo que vamos muito adiantados neste projecto. Eu supponho a praça feita, e figura se-me já passear nella, e que me encontro alli de braço dado com o illustre deputado o sr. Carlos Bento, gosando da obra para que ambos concorremos com a nossa mutua protecção.

Eu concordo perfeitamente com as idéas do nobre deputado o sr. Carlos Bento a este respeito, e creio que não é necessario desenvolve-las mais. Pedia ao meu nobre amigo que cedesse da sua bibliotheca armazem, e cedesse, porque o espaço é acanhadissimo, o local não e proprio; (Apoiados) e porque naquelle local a edificação de uma bibliotheca iria de certo contra todas as condições que demandam construcções taes, porque lhe faltariam, para esse grande serviço, certas commodidades, como as que são indispensaveis em uma bibliotheca.

Eu voto, por conseguinte, pelo parecer, e pelo que fôr indispensavel até ao ponto unicamente de auctorisar o governo com esta lei, que ha de fazer em virtude della tudo o que falta, para que a expropriação se realise, e que o terreno se applique áquillo que houver de se indicar. Eu voto por esse artigo como está, ou voto que se não prejudique a questão do destino que se deve dar ao terreno. E mesmo se querem que exprima o meu voto a este respeito, eu declaro que voto desde já contra toda a especie de edificação naquelle local, e reclamo desde já contra todo o architecto, ou corporação municipal ou fiscal, que der áquelle terreno outro destino, que não seja o livre transito. (Apoiados)

O sr. Presidente:' — Vai votar-se primeiramente sobre o artigo; se fôr approvado fica prejudicada a substituição do sr. Rivara; e se não fôr approvado votar-se-ha a substituição.

Foi approvado o artigo 2.°, e por consequencia, ficou prejudicada a substituição.

Os artigos 3. e 4. foram approvados sem discussão.

O sr. Honorato Ferreira (Sobre a ordem): — Pedia a v. ex.ª se dava agora para discussão o projecto n.° 100, que é de utilidade publica. Este projecto recaíu sobre proposta do governo, e já está dado para ordem do dia. É para auctorisar o governo a conceder uma subvenção a uma companhia, com o fim de estabelecer uma communicação no rio Minho por meio da navegação a vapôr. Como o vapôr está a chegar, seria conveniente que a lei estivesse votada antes que elle chegasse.

O sr. Catai Ribeiro: — Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem, para rogar a v. ex.ª que tivesse a bondade de informar a camara, sobre se a illustre commissão de administração publica já tinha interposto o seu parecer sobre uma representação da camara municipal de Lisboa, ácerca de um projecto que tive a honra de apresentar nesta camara. Esse projecto referia-se aos fóros e terrenos baldios, adjacentes aos concelhos dos Olivaes e Belem. Como os orçamentos das duas camaras municipaes destes dois concelhos estão dependentes do conselho de districto, e da solução deste projecto depende a approvação destes orçamentos, eu intendo que seria conveniente que se tomasse uma resolução a este respeito; e tanto mais que esse projecto não contém materia nova; é já conhecida; a illustre commissão já tinha dado um parecer affirmativo sobre elle. Eu rogava á illustre commissão que apresentasse, com a brevidade possivel, o parecer a que me refiro, visto que da sua apresentação está pendente a approvação deste projecto, de que depende habilitar as camaras municipaes de Belem e dos Olivaes, com os meios de levar a effeito algumas obras nos seus concelhos, e que não o poderão fazer em a sessão se fechando, sem se votar aquelle projecto. I

O sr. Mello Soares: — Sr. presidente, já eu disse aqui na sessão de terça-feira, que a commissão tinha dado o seu parecer, que sob o n.° 58 se acha na mesa ha muito tempo; e não sei se dado para ordem do dia. (Uma vox: — Está) Essa discussão não póde ainda ter logar por mais de uma razão, não só porque os trabalhos do orçamento tinham tido a preferencia, mas tambem porque se apresentou na camara uma representação da camara municipal de Lisboa, que pede que se não approve o projecto n.° 58, que tinha sido dado para ordem do dia.

A commissão de administração publica, á qual foi remettida essa representação, tem tido muito a peito dar andamento a este negocio, que já tractou de discutir, e procurou dar o seu voto com toda a brevidade. E verdade, como diz o nobre deputado, que a materia é conhecida; é materia juridica, e para mim sem questão nenhuma; assim o sustentei na commissão, e hei de sustentar aqui, quando vier á discussão, como permittirem as minhas fracas forças; mas não é esta a opinião de todos os membros da commissão; e como não houve accôrdo na com

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missão, ainda que os poucos membros presentes estavam accordes nos principios de razão e justiça que tinham os dois municipios, assentou-se em convocar de novo a commissão, e foram por isso avisados os seus membros, alguns dos quaes não compareceram, sendo eu um dos que por motivo de molestia tambem fallei. Entretanto, intendo que os dois concelhos tem direito e justiça, e que a questão se deve decidir quanto antes, e eu, pela minha parte, estou prompto, se os outros membros quizerem, a ír hoje mesmo á commissão, para dar o meu voto sobre este assumpto.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre a proposta do sr. Honorato Ferreira, para se discutir agora o projecto n.° 100.

Resolveu-se affirmativamente.

É o seguinte:

Projecto de lei (n.° 100): — A commissão de fazenda foi presente a proposta do governo, concedendo certas vantagens e isenções á companhia = Despertadora = estabelecida para a navegação a vapôr do rio Minho; e tendo ouvido a este respeito a illustre commissão de administração publica, com a opinião da qual se conforma, assim a respeito das vantagens publicas que devem resultar daquella navegação, como do auxilio e protecção que importa conceder a emprezas desta ordem; é de parecer, que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º É concedido á companhia = Despertadora =, estabelecida na villa de Caminha, para a navegação a vapôr no rio Minho:

1.º Uma subvenção mensal de 60$000 réis durante cinco annos;.

2.° Isenção de cargos municipaes e da serviço militar, para os empregados ou agentes da companhia, não excedendo ao numero de cinco;

3.º Embandeiramento, sem pagamento de direitos, do barco a vapôr, que a companhia importar, nos termos do artigo 2.° do decreto de 8 de setembro de 1852.

Art. 2.° A companhia será obrigada, em compensação:,

1.º A conduzir no seu barco, por metade do preço estabelecido na tabella annexa a esta lei, os militares em serviço, os presos, as escoltas que os acompanhem, e os materiaes de guerra;

2.º A transportar, gratuitamente, os dinheiros publicos, as correspondencias officiaes, e as inalas do correio;

3.º A começar a navegação, dentro de tres mezes, a contar da data desta lei;

4.º A fazer diariamente uma viagem, salvo impedimento por força maior, ou por ser o barco empregado em qualquer commissão do governo, de accôrdo com a companhia.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 27 de junho de 1854.

Tabella a que se refere o § 1.º do artigo 2.° da presente lei.

Por pessoa, á ré............ 60 réis por legoa.

Por dita, á prôa............ 30 réis idem.

Carga................... 10 réis por arroba.

João Damazio Roussado Gorjão = Augusto Xavier Palmeirim = Antonio dos Santos Monteiros = J. T. Lobo de Avila = Justino Antonio de Freitas = Carlos Cyrillo Machado.

Proposta de lei (n.° 93 D) a que se refere o projecto antecedente: — Senhores. A mais urgente necessidade que o paiz sente é a de ter boas e faceis communicações, tanto terrestres como fluviaes; e por isso o governo julga do seu dever aproveitar todas as occasiões de auxiliar quaesquer esforços e tentativas particulares, que tendam a dotar a nação com meios de viação prompta e segura.

Neste empenho, que o governo tomou, pareceu-lhe digno de consideração o pensamento que reuniu varios capitalistas e proprietarios, com o fim de estabelecer, por meio de uma companhia commercial, a navegação a vapôr no rio Minho desde a sua foz até aonde seja possivel.

Estabelecida esta navegação, as duas importantes villas Caminha e Valença ficarão ligadas por um meio de communicação, tão facil e prompto, quanto é difficil e moroso o transito que hoje se opera pela estrada escabrosa, que conduz de uma a outra daquellas povoações.

Comtudo, esta navegação, por dispendiosa em si, e pouco susceptivel de grandes desenvolvimentos, não poderá estabelecer-se, nem manter-se (sobre tudo nos primeiros tempos) se a empreza não fôr convenientemente protegida e auxiliada.

Fundado nestas razões, tenho a honra de submetter á vossa deliberação a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.º É concedido á companhia = Despertadora = estabelecida na villa de Caminha, para a navegação do rio Minho:

1.º Uma subvensão mensal de 60$000 réis durante cinco annos;

2.º Isenção de cargos municipaes e serviço militar para os empregados ou agentes da companhia, não excedendo o numero de cinco;

3.º Embandeiramento, sem pagamento de direitos, do barco, que a companhia importar, nos termos do artigo 2.° do decreto de 8 de setembro de 1852.

Art. 2.° A companhia, em compensação, será obrigada:

1.º A conduzir no seu barco, por metade do preço estabelecida na tabella annexa a esta lei, os militares; em serviço, os presos, as escoltas que os acompanharem, e os materiaes de guerra;

2.º A transportar, gratuitamente, os dinheiros publicos, as correspondencias officiaes, e malas do correio;

3.° A começar a navegação, dentro de tres mezes, a contar da data desta lei;

4. A fazer diariamente uma viagem, salvo impedimento por força maior, ou por ser o barco empregado em qualquer commissão do governo, de accôrdo com a companhia.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 5 de maio de 1854. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

TABELLA A QUE SE REFERE A PROPOSTA DE LEI DA DATA DE HOJE.

Tabella das passagens e fretes na carreira do vapôr entre Caminha e Valença.

Por pessoa, á ré............. 60 réis por legoa.

Por dita, á prôa.............30 réis idem.

Carga......................10 réis por arroba.

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Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 5 de maio de 1854. — Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, creio que nenhum sr. deputado se oppõe a que haja uma navegação a vapôr no rio Minho; e per isso peço a v. ex.ª que consulte a camara se dispensa a discussão da generalidade para se passar á especialidade. (Apoiados)

Assim se resolveu; e foi logo approvado o projecto na especialidade, sem discussão.

Foi lida na mesa e approvada a ultima redação do projecto n.° 99.

O sr. Presidente: — Ha na mesa dois projectos pelos quaes o governo tem instado, e que são na verdade urgentes. E o n.° 67, e 109; e por consequencia é destes, não havendo decisão em contrario da camara, que agora se vai tractar.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Pedia a v. ex.ª que desse para a discussão o projecto n.° 83; entretanto, como v. ex.ª lembra agora a necessidade de se

discutirem primeiro os dois sobre que fallou, a mesa tem preferencia.

O sr. Santos Monteiro: — Pedia a v. ex.ª que désse para a discussão o projecto n.° 101, que é de utilidade publica.

O sr. Silva Maya: — Desejava que v. ex.ª désse tambem para a discussão o projecto n.° 121, sobre a auctorisação do emprestimo da camara de Fafe.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do projecto n.° 67.

É o seguinte: «Projecto de lei (n.° 68): — As commissões de fazenda e instrucção publica examinaram a inclusa proposta de lei, que tem. por fim auctorisar o governo para contractar, por tempo de tres annos, a empreza do theatro de S. Carlos, podendo garantir pelo mesmo tempo o subsidio annual de 20:000$000.

Considerando que uma igual auctorisação foi concedida pela carta de lei de 11 de julho de 1919;

Sendo evidente que em emprezas de similhante naturesa as condições hão de ser tanto mais vantajosas, quanto maior fôro tempo da sua duração; e não sendo possivel deixar de subsidiar, e nem ainda diminuir o subsidio do theatro lyrico, que não é só elemento de civilisação, porém escóla de que se tem tirado muitas vantagens; são de parecer que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei.

Artigo 1.* É auctorisado o governo para contractar, por tempo de tres annos, a adjudicação da empreza do theatro de S. Carlos, mediante o subsidio annual de 20:000$000 réis, com os emprezarios, que em concurso publico se habilitarem com melhores condições, assim em relação ao serviço e policiado theatro, como em relação ás fianças e mais garantias de exacta observancia do contracto que houver de celebrar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 1. de maio de 1854. — João Damazio Roussado Gorjão = Francisco Joaquim Maya — Visconde da Junqueira = J. T. Lobo de Avila = Joaquim Gonçalves Mamede = Justino Antonio de Freitas — Augusto Xavier Palmeirim = José Teixeira de Queiroz = Carlos Cyrillo Machado = José Eduardo Magalhães Coutinho = Julio Maximo de Oliveira Pimentel — Antonio dos Santos Monteiro — Tem voto do sr. Casal Ribeiro.

Proposta de lei (n.° 56 E) a que sé refere o projecto antecedente: — Senhores. Estando proximo a findar o contracto celebrado para a manutenção do theatro de S. Carlos, mediante o subsidio annual de 20:000$000 réis, intendeu o governo dever mandar, como effectivamente mandou, abrir concurso para, na conformidade da lei, se renovar a adjudicação desta empreza, de modo que o individuo ou individuos nelle preferidos podessem, com tempo, escripturar companhias decanto e baile, que por seu merito artistico fossem dignas de vir a occupar o nosso theatro lyrico.

Diversos têem sido os prazos por que se ha effectuado aquella adjudicação; mas sendo bem obvio que, quanto maior fôr esse prazo, dentro de razoaveis limites, tanto mais vantajosas serão as condições do contracto em beneficio do publico, pareceu que ode tres annos preencheria cabalmente esta indicação.

Em que se adoptasse esta medida mostraram-se concordes o inspector geral dos theatros e o conselho dramatico, nas informações que prestaram a este respeito; e de mais fôra já pelo indicado praso que no anno de 1849 se havia effectuado a adjudicação da mencionada empreza, pela auctorisação consignada na carta de lei de 11 de julho daquelle anno.

Aberto, ainda ha pouco, neste sentido o concurso para a adjudicação da nova empreza, elle o foi, todavia, como não podia deixar de ser, com a condição expressa de ficar a concessão do subsidio triennal dependente da approvação do corpo legislativo.

Com taes fundamentos, pois, e prestando homenagem aos principios constitucionaes, venho submetter á vossa consideração a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.° É auctorisado o governo para contractar, por tempo de tres annos, a adjudicação da empreza do theatro de S. Carlos, mediante o subsidio annual de 20:000$000 réis, com os emprezarios que, em concurso publico, se habilitarem com melhores condições, assim em relação ao serviço e policia do theatro, como em relação ás fianças e mais garantias de exacta observancia do contracto, que houver de celebrar. —

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios do reino, em 21 de abril de 1854. = Rodrigo da Fonseca Magalhães.

O sr. B. F. da Costa: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sequer dispensar a generalidade, para se passar já á discussão especial deste projecto.

Assim se resolvei!, e foi logo approvado na especialidade sem discussão. —

O sr. Presidente: — Passa-se agora ao projecto n.° 109.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI (n.° 109): — Á commissão de fazenda examinou a inclusa proposta de lei, que tem por fim habilitar o governo a entrar na posse do edificio do theatro de S. Carlos, mediante o pagamento em inscripções de 3 por cento ao par da somma de que ainda é credor, e da qual se vae pagando pelas rendas o contracto do tabaco findo em 1817, actualmente representado pelos seus liquidatarios.

Das informações que a commissão obteve consta, que o mesmo theatro ora edificado ha mais de sessenta annos, dispendendo-se na edificação 165:845$196 réis; que o terreno custou 6:241$492 réis; e que posteriormente á edificação até ao anno proximo passado, se gastaram em diversas obras e outras des

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pezas, comprehendendo premio de seguro contra fogo, 63:768$014. réis.

— Um decreto de 28 de abril de 1793 encarregou o intendente geral da policia de estabelecer como contracto que fez o adiantamento gratuito a fórma do embolso, declarando-se que o edificio seria incorporado aos bens da casa pia, estabelecimento que naquella épocha era administrado pela intendencia. Supposto que o mesmo decreto mandasse lavrar escriptura, não consta que ella se lavrasse.

Pelo cofre da policia recebeu o Contracto algumas prestações, porém pararam no fim do anno de 1797, lendo recebido por esse meio 29:000$000 réis. De então até agora continuou a receber as rendas, e a dispender nos reparos e outras obras de mais urgente necessidade, sendo ainda crédor no fim do anno passado, segundo as ultimas contas, de réis 56:136/391.

Se continuar o mesmo systema de embolso seguido até agora, terão de decorrer ainda muitos annos, antes que elle se realise, e untes que o estado possa tomar conta do edificio. Isto obstará tambem a que no mesmo edificio se façam os melhoramentos de que necessita, e que são ha muito tempo reclamados.

Uma vez que os credores concordam em receber o saldo em inscripções, e que ainda se promptificam a fazer algum abatimento, por isso que se dão por quites entregando-se-lhes 50.000$000 réis nominaes, a transacção não é desvantajosa. E não augmenta os encargos do estado, por quanto a renda que as emprezas pagarem pelo theatro, ou a deducção que se dizer no subsidio em consequencia de terem uma avultada despeza de menos, hão de ser, como sempre tem sido, superiores a 1:500$000 réis annuaes, maximo, a que póde chegar o juro das inscripções. Por todos os referidos motivos é a commissão de parecer que a proposta seja convertida no seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° É o governo auctorisado a pagar, precedendo liquidação, e em inscripções de tres por cento com juro do 1.º de julho deste anno em diante, pelo seu valor nominal, a somma de que fôr ainda crédor o Contrato do Tabaco findo em 1817, pelos adiantamentos gratuitos feitos para a edificação do theatro de S. Carlos, e sua conservação até agora. A totalidade do nominal das inscripções não poderá exceder a 50:000$000 réis.

Art. 2.º A junta do credito publico emittirá as inscripções necessarias para se dar cumprimento ao artigo antecedente, e o governo designará O cofre pelo qual ha de receber as sommas para o pagamento dos juros.

Art. 3.° Realisado o pagamento, entrará o estado na posse do edificio, e de todos os pertences do theatro.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario. — Sala da commissão, 10 de julho de 1854. = João Damazio Roussado Gorjão — J. M. do Cazal Ribeiro = Carlos Cyrillo Machado = J. T. Lobo de Avila — Justino Antonio de Freitas = Antonio dos Santos Monteiro.

Proposta de lei (n.° 93 C) a que se refere o projecto antecedente: — Senhores. O edificio do theatro de S. Carlos, construido em 1793 com dinheiros para esse fim emprestados pelos contractadores do tabaco desse tempo, é ainda hoje responsavel aos caixas liquidatarios dos contractos findos em 1817 pela quantia de 56:136$391 réis, segundo a conta por elles apresentada.

Um edificio desta ordem não deve, por vantagem publica, estar entregue a credores, que mal podem prestar-se a fazer as obras de gosto e de conforto que por vezes se exigem, e algumas das quaes são reclamadas pelo estado actual do theatro.

Em taes circumstancias pareceu ao governo que seria conveniente adquirir para o estado a propriedade daquelle edificio, pela somma de 50.000$000 réis em titulos de divida fundada interna ao par, segundo foi convencionado entre o governo e os caixas liquidatarios.

Neste intuito o governo submette á vossa approvação o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adquirir para o estado a propriedade do edificio denominado = Theatro de S. Carlos = pela quantia de 50:000$ réis em titulos de divida fundada interna, do juro de tres por cento ao par.

Art. 2.º Para se levar a effeito a disposição do artigo antecedente, a junta do credito publico emittirá inscripções de tres por cento representando a referida quantia de 50:000$000 réis, com vencimento de juro desde o 1. de julho do corrente anno de 1851 em diante.

Art. 3.° O governo deduzirá do subsidio que receberem do estado as emprezas arrendatarias a importancia de 2:000$000 réis annuaes, devendo separar-se desta quantia 1:500$000 réis para dotar a junta do credito publico, habilitando-a assim para o pagamento do juro das inscripções mandadas crear pelo artigo antecedente, e destinando-se o resto para pagamento do seguro do edificio, e outras despezas do seu entretenimento.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios da fazenda, em o 1.º de junho de 1854. = A. M. de Fontes Pereira de Mello.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara para que tambem seja dispensada a discussão na generalidade deste projecto, e se passe já á especialidade.

Dispensou-se a discussão na generalidade.

Entrou em discussão o

Artigo 1.°

O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, não tenho medo do projecto, mas tenho medo da sua theoria. Houve uma época em que se fizeram grandes despezas contando-se com as receitas futuras. A isto chamava-se antecipação, e tal foi o resultado que dahi veiu, que essa palavra ainda hoje é ouvida com horror. Desgraçadamente vejo que se vai caminhando para o mesmo estado: hoje votam-se em grande quaesquer despezas, uma vez que ellas sejam pagas em inscripções. E o que é pagar em inscripções? É legar ao futuro um encargo que não se paga na actualidade. É esta a razão por que eu ainda agora pedi esclarecimentos sobre a maneira de pagar os edificios comprehendidos naquellas quatro ruas.

Nós vemos que no orçamento actual, embora seja pequeno, sempre existe algum deficit, que pelas despezas que aqui se augmentaram na discussão ficou maior, e que o governo effectivamente tem falta de meios para occorrer a elle. Pergunto: será indifferente que nós, para occorrer a todas as despezas correntes, sejamos indifferentes ao augmento espantoso de emis-

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são de inscripções que a toda a hora estamos votando que se emitam? Aquelles que contam com as banca-rotas devem ficar tranquillos com isto, mas eu intendo que daqui póde provir um grande mal ao paiz. Por isso temo muito estas concessões, e sobre tudo a facilidade com que ellas se fazem. Da parte dos individuos que tem de receber isto, não ha senão devidos louvores a dar-lhes, porque fizeram esta obra sem premio algum, e estão hoje de accôrdo em ceder da sua divida por um pagamento em inscripções; por consequencia delles não ha senão continuação da generosidade com que procederam desde o principio, mas temo muito deste systema applicado a todos os casos correntes. Parece-me mesmo que apezar desta compra parecer vantajosa, e de nós pagarmos em inscripções, isto é, pelo terço do valor nominal, comtudo, sendo este objecto passado para o governo, ha de ser preciso fazer muitas mais obras, do que conservando-se o edificio nas mãos dos individuos que o tem, e se pagam por elle. Por consequencia, declaro que voto contra, mas contra o systema de pagar em inscripções.

O sr..Cazal Ribeiro: — O illustre deputado assusta-se demasiadamente, me parece, com este projecto. Não receie o illustre deputado do desequilibrio que possa resultar da approvação deste innocente projecto, que não tracta da compra nem da reparação daquelle edificio, mas sim do pagamento de uma divida, mas do pagamento por um modo tal que poucas vezes poderá acontecer; pagamento que não traz encargo algum superior ao estado, e que antes pelo contrario póde resultar e é natural que resulte economia: parece um paradoxo, mas não é. É verdade que a propriedade do edificio de S. Carlos não pertence aos contractadores do tabaco daquelle tempo, pertence ao estado; elles edificaram por conta do governo e ficaram credores dessas sommas. Tem decorrido muito tempo, tem recebido as rendas do theatro; mas essas não chegam nunca para amortisar aquella divida. Offerecem-se elles agora a receber em inscripções o saldo que se lhes deve; quero dizer, quasi dois terços do seu capital; e não deveremos acceitar essa offerta? Parece-me que a um credor que faz isto, que pede este modo de pagamento, não se lhe póde negar. A verdade é que o theatro rende 2:000$000 réis, ou mais, e o encargo das inscripções que se dão no pagamento não póde exceder a 1:500$000 réis.

Deste projecto resulta pois o pagamento de uma divida, sem encargo novo para o estado, entrando desde já o governo na posse do edificio e podendo nelle fazer as obras que se tornarem necessarias. (O sr. Gomes: — Ahi é que vai) Ahi é que vai! Não sei que por esse lado se possa combater o projecto; é essa ante» uma razão de mais para a sua approvação. Pois o nobre deputado vê que votamos annualmente um subsidio de 20:000$000 réis, para o theatro de S. Carlos (e ha certas despezas que á primeira vista parecem inuteis, mas que não são, antes são exigencias de um certo grão de civilisação, indispensaveis em uma capital da importancia de Lisboa), e será muito que, quando seja preciso, se gastem alguns contes de mil réis em melhorar o edificio? Será isto um disperdicio? Intendo que não. Como já disse, da acquisição do edificio não resulta encargo para o estado; pelo contrario resulta uma economia, e a possibilidade de fazer as obras, considero-a como mais uma vantagem; muito bondosos e muito generosos são aquelles credores, que se contentam com este modo de pagamento. (Vozes: — Votos, votos)

O sr. C. M. Gomes: — Eu respeito muito a opinião do meu nobre amigo o sr. Cazal Ribeiro; faço votos porque o thesouro tire lucros desta transacção. Fui o primeiro a fazer justiça á abnegação e desinteresse dos individuos que fizeram o theatro; mas estou convencido de que não ha de ser o thesouro que ha de lucrar com esta transacção. Segundo os dados fornecidos pelo meu nobre amigo, o thesouro fica com o encargo de 1:500$000 réis, e com o rendimento de 2:000$000 réis: mas como o thesouro tenha de fazer as obras necessarias no edificio, estou convencido de que a transacção não ha de ser vantajosa para o governo, e muito estimaria que o illustre deputado (que tem muito boas posses para isso), quizesse fazer a transacção em logar do governo. (Riso)

Procedeu-se á votação, e foi approvado o artigo 1.°, e seguidamente foram approvados sem discussão os artigos 2.º 3.º e 4.°

O sr. Pinto de Almeida (Sobre a ordem): — Sr. presidente, entre os projectos que s. ex.ª deu para ordem do dia, está o projecto n.° 104, que é para que sejam auctorisados os sub-enfyteutas e sub-censuarios dos prazos pertencentes á corôa e fazenda nacional, a reunir os seus fóros. Este projecto é filho de immensas representações que chegaram a esta camara, pedindo a prorogação do prazo concedido pela lei de 22 de junho de 1846, e não posso deixar de pedir a s. ex.ª que consulte a camara, sobre se quer tractar já deste projecto, que estou certo que não terá discussão alguma, e que é reclamado pela opinião publica.

O sr. J. M. de Abreu: — Tambem pedia a v. ex.ª que consultasse a camara sobre se queria que se discutisse o projecto n.° 76; tem um artigo só, e o governo está de accôrdo com elle.

O sr. Presidente: — Ha quatro srs. deputados que pedem que se discutam alguns projectos. O sr. Jeremias pede que se discuta o projecto n.° 83; o sr. Santos Monteiro, o n.° 131; o sr. Pinto de Almeida, o projecto sobre fóros (não me lembra o numero); o sr. José Maria de Abreu, o n.° 76...

O sr. C. M. Gomes: — Eu tambem pedia a s. ex.ª que se lembrasse dos projectos n.° 106 sobre emolumentos ecclesiasticos; e n.° 120 sobre a exportação da prata.

O sr. Presidente: — O projecto n.° 106 tambem já está dado para ordem do dia. Eu consulto a camara pela ordem por que os srs. deputados fizeram os seus requerimentos.

O sr. Alves Martins: — Ha muitos pedidos para se discutirem projectos;.mas o melhor é deixar ao arbitrio da mesa regular o andamento dos trabalhos, e dar preferencia áquelles projectos que intender, para não se estar a consultar a camara sobre cada pedido. (Apoiados geraes)

O sr. B. F. da Costa: — Eu approvo a idéa do sr. Alves Martins, mas se s. ex.ª se lembrar de pôr em discussão o projecto n.° 83, que foi adiado até estar presente o sr. ministro da marinha, ficarei muito obrigado a s. ex.ª

O sr. Presidente: — Então se a camara intende que o presidente regule os projectos que hão de entrar em discussão (Apoiados geraes), não levará a camara a mal que eu ponha em discussão o n.° 83,

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pela circumstancia de se achar presente o sr. ministro da marinha, e de ter ficado este projecto adiado para quando s. ex.ª estivesse presente.

Foi lido na mesa, e é o seguinte:

Projecto de lei (n.º 83): — Senhores. A distincção de castas tem explicação no gentilismo. Mas a Luz do Evangelho apresenta todos os homens como irmãos, filhos de um Pai commum.

A mesma doctrina estabelece a carta constitucional em relação á parte politica e civil da monarchia

Antes mesmo da lei ser igual para todos, e de abolidos, os privilegios, a odiosa distincção de castas foi fulminada por muitas disposições, e entre outras pela provisão de 13 de fevereiro de 1743, alvará de 2 de abril de 1761, aviso regio de 11 de março de 1774, e carta regia de 2 de outubro de 1777, apezar porém de tantas disposições tão positivas e tão auctorisadas, algumas associações de piedade dos estados da India conservam exclusões para certas castas; e, o que mais admira, no compromisso da Santa Casada Misericordia de Goa se introduziu, em 1842, a exclusão de todos os naturaes do paiz, é por conseguinte fecharam-se, para suas filhas, as portas do unico recolhimento que ha nos estamos da India!

E é este compromisso, que ainda não foi approva-o, o que rege, a despeito das diligencias em contrario dos povos, das juntas geraes de districtos, e de algum dos governadores geraes.

Como estes estatutos e compromisso (approvado que estivesse) sejam direito constituido, mas contra o direito geral, e fomentem odios, em vez de civilisar, a vossa commissão no póde deixar de dar seu pleno assentimento ao projecto n.° 75 B. apresentado pelo sr. deputado Bernardo Francisco da Costa, e de propôr que elle seja approvado nos seguintes termos:

Artigo 1.º São annulladas quaesquer disposições legislativas, governamentaes, compromissos ou regulamentos, na parte que estabelecer ou mantiver nos estados da India portugueza distincções de casta, quer seja entre os nascidos no Oriente, quer entre estes e os europeos.

Art. 2.° Todas as disposições assim annulladas serão trancadas, cancelladas e riscadas em fórma que mais não possam lêr-se.

Art. 3.° São exceptuadas as disposições que respeitarem aos que professam religião que não seja a christã; mas só na parte relativa os factos religiosos, e aos usos e costumes mantidos aos povos das Novas Conquistas do Estado de Gôa.

Art. 4.º Fica revogada qualquer disposição em contrario.

Sala da commissão do Ultramar, 7 de junho de 1854 = José Ferreira Pestana = Frederico Leão Cabreira = = Joaquim, Pedro Celestino Soares = Jacinto Pereira Carneiro =. Antonio Augusto Sequeira Thedim = Estevão Jeremias Mascarenhas — Custodio Manoel Gomes.

O sr. C. M. Gomes: — O membro da commissão do ultramar que relatou este objecto compulsou a differente legislação que aqui vem citada, principalmente a do tempo do marquez de Pombal, e por tal fórma se enamorou das idéas daquelle estadista, que inutilisou o projecto que havia feito, copiando quanto possivel as palavras que se achavam nas provisões daquelle ministro da corôa. É essa a razão porque ai apparece a disposição do artigo 2.° Era a animadversão daquelle ministro contra similhantes erros, tão enraizados naquelle tempo, e que ainda hoje parece que, tem alguns defensores, que assim os estigmatisava para que não ficassem vestigios deterem existido similhantes prejuizos; no entanto como sei que estas ideas encontram objecção da parte de alguns cavalheiros, que desejam que á historia se mantenha narrando todos, os factos copio elles se passaram nas differentes épocas da nossa existencia social, a commissão não tem. duvida alguma em que se retire o artigo 2.°

O sr. Dias e Sousa: — Sr. presidente, parece-me desnecessaria esta provisão, e até pouco airoso para a camara, occupar-se em 1854 de fazer uma lei para acabar as castas em uma parte da monarchia portugueza; (Apoiados) dizermos em 1854 que existem principios e disposições legislativas que mantem esta odiosa differença entre os cidadãos do mesmo paiz, é realmente fazermos a nós proprios uma injuria! (Apoiados) O que diz o relatorio da illustre commissão, leva-me ainda mais a rejeitar o projecto; porque, o que ha? Ha um compromisso. Pois o compromisso de uma associação póde destruir o que dispõe a lei fundamental, e toda a legislação que nos rege? Os habitantes das provincias ultramarinas são tão portuguezes como nós somos; não são colonias, são provincias ultramarinas, fazem parte de Portugal, do mesmo modo que as provincias do continente. Por consequencia, parece-me que não tem logar legislar sobre isto; o governo, quanto a mim, está no direito de fazer executar as leis, e de impedir que qualquer particular ou associação faça um compromisso que contrarie as mesmas leis. Por minha parte rejeito o projecto; estou inteiramente conforme com as idéas que se querem fazer valer, mas parece-me desnecessaria uma disposição legislativa.

O sr. Cunha Sotto-Maior. — Sr. presidente, este projecto parece-me desnecessario; (Apoiados) está presente o sr. ministro da marinha, e eu convido a s. ex.ª para que tenha a bondade, cotejando o artigo do projecto com a carta constitucional, de declarar se o projecto é necessario.

Sr. presidente, este projecto é um insulto para camara, é um pleonasmo, e eu intendo que nós o devemos rejeitar in limine. (Apoiados) Portanto q sr. ministro da marinha está aqui, e eu convido o a declarar, se o projecto é necessario; porque em verdade é futil, é ridiculo estarmos nós agora, em virtude (já, carta constitucional, onde todos os cidadãos são livres, a discutir sobre distincção de castas. (Apoiados)

O sr. Jeremias Mascarenhas: — É muito claro e sabido, que para isto não se precisa de medida legislativa, (Apoiados) porque a disposição está contida na carta constitucional; mas infelizmente algumas, auctoridades não atem intendido. Subsiste essa distincção, e como no relatorio se falla de um compromisso, é preciso saber que ha immensos compromissos no mesmo caso. Na Misericordia, por exemplo, nenhum europeo ou branco será admittido para esta irmandade; nos regulamentos das irmandades os proprios interessados não admittem os europeos. (O sr. Cunha Sotto Maior: — É uma tolice) E verdade, mas as auctoridades sustentam a distincção. Para mim não preciso do projecto; satisfaço-me com a disposição consignada na carta constitucional; mas como as coisas) 1 ficam sempre em mortuorio, satisfaço-me, com tanto que-

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VOL. VII — JULHO — 185.

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o governo se comprometta a fazer Cumprir a carta constitucional. Desta maneira desiste a commissão do ultramar do projecto. (Apoiados)

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Alho. guia): — Sr. presidente, um dos illustres deputados, que me precedeu, começou por dizer, que realmente não era airoso para a camara que, depois da carta Constitucional, que nos rege, appareça um projecto que nada explica, (Apoiados) e que não está em harmonia com a disposição da carta constitucional; é exacto; e não é só a carta constitucional: eu tive occasião de vêr alguns alvarás de tempo antigo, que fulminam esta distincção, e em que se davam ordens aos governadores para que não distinguissem as castas. Segundo acarta constitucional nenhum governo póde deixar, em vista della, de prohibir tudo o que são distincções de castas; (Apoiados) mas vejam os nobres deputados, que a questão vem a ficar em pe não como castas, mas, sim como população contra população: porque aqui, segundo eu vejo, as castas são só entre os naturaes do paiz. Fu o que intendo é, que a população europea tem alli um privilegio quanto á misericordia: supponhamos que esse estabelecimento se fez com sommas que foram de Portugal, mas é certo que veiu logo a idéa de que naquella corporação só fossem admittidos os naturaes, o que dá ainda logar a grandes questões; esta distincção que se quer acabar estou certo que está salva pela carta; não me consta que tenham havido declarações da justiça dizendo — vós naturaes da India sois desta ou daquella casta; (Apoiados) mas o que deu logar aos differentes alvarás que aqui se citam, e que são muito explicitos, foi uma representação que subiu ao governo, e nella se indicaram algumas expressões menos benevolas de castas, o que, repito, deu logar aos antigos alvarás. Logo, pelo principio geral, esta lei nada explica.;

Agora, quanto ás questões particulares, receio, que ellas continuem: não fico mais desembaraçado por esta lei, do que hoje pela disposição da carta. (Apoiados)

O sr. C. M: Gomes: — Sr. presidente, o exemplo citado, da misericordia de Goa, não é um facto unico, nem o mais fulminante; foi citado pela circumstancia de o antigo compromisso da misericordia de Goa não conter disposição alguma sobre exclusão de filhos de Goa; e peço sobre isto a attenção do sr. ministro; não continha similhante distincção: continha uma que tambem cá vigorou em Portugal, que era relativa a judeos e mouros; e o auctor deste compromisso intendeu que devia substituir judeos e mouros por naturaes de Goa: o pensamento não era religioso, nem liberal, e o povo com muitissima razão se queixou. Um governador que lá esteve depois desta innovação, vendo questões a este respeito, vendo mais que este novo compromisso não havia ainda sido approvado pelo governo, mandou que se não cumprisse similhante compromisso, e essa ordem do governador foi reprovada pelo governo superior. Aqui está por que adopto o projecto. Mas se o governo se compromette a pôr as coisas nos bons principios, a fazer cumprir a carta constitucional, eu, por mais simplicidade, prefiro a declaração do nobre ministro á disposição do projecto. (Apoiados) O que é facto é, que existe esta distincção entre os europeos e os filhos de Goa: ha a distincção, entre estes, de bramines, de chardós, de sudros, e de mestiços; e como

esta distincção de castas prende com o gentilismo, não devemos ser nós, povo catholico, que sustente mos similhante distincção; (Apoiados) o projecto o que fazia era pronunciar-se formalmente contra similhantes theorias que se tem sustentado no paiz pelos prejuizos, e que desgraçadamente tem sido sustentados não só por ordens das auctoridades locaes, mas ainda por disposições emanadas da secretaria da marinha. (Apoiados)

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Athoguia): — Eu desde já me comprometto a mandar ordens para que se acabe com esta distincção de castas, que as leis não permittem, nem a carta consente. Não me comprometto a mandar prender gente por não comprir as determinações do governo, porque todos sabem quanto é difficil fazer desapparecer certos habitos que estão enraizados nos povos desde longo tempo: no entretanto, repito, vou mandar ordens para que, em conformidade da carta, tal differença ou tal distincção se não consinta, porque esta e a obrigação do governo.

O sr. B. F. da Costa: — Sr. Presidente, depois do que se tem acabado de dizer, qualquer que seja o resultado, não me arrependo de ter apresentado este projecto, porque desta mesma discussão se vê claramente qual é a animadversão em que a camara tem essa odiosa distincção de castas, enthronisada em corporações de instituição pia, onde aliàs se proclama a igualdade e a caridade, e se hasteia a bandeira de beneficencia! E depois da declaração formal que faz o sr. ministro da marinha, de que o preceito da carta constitucional lhe é bastante para mandar acabar com essa disposição, inserida e sustentada nos estatutos e regimentos dessas corporações por conveniencias mesquinhas, ainda menos me arrependo.

No estado em que a questão se acha, era talvez escusado usar eu da palavra. O meu pensamento triumphou moralmente, porque de todos os lados da camara é esposado, e a unica coisa que tenho ouvido aos oradores que fallaram contra o projecto é allegar a sua desnecessidade. Mas, sr. presidente, eu não posso, comtudo, deixar passar sem correctivo algumas observações que se tem feito, ainda que a maior parte incidentalmente: pouco tempo tomarei á camara.

Sr. presidente, eu ouvi aqui a um nobre deputado, que nos era desairoso estarmos a fazer hoje leis para abolição de castas, que estão já abolidas e fulminadas desde que a carta constitucional foi a lei fundamental do estado. Que a carta contém esse principio, de accôrdo; e tanto abundo nesta idéa, que a invoquei no relatorio da minha proposta, que á commissão converteu em projecto de lei. Mas, sr. presidente, em que eu não posso concordar, desculpe-me o illustre deputado, é em que, existindo na practica essa distincção, achando-se ella consignada nos compromissos dos estabelecimentos pios, e sendo estes mantidos pelos irmãos com apoio da auctoridade publica, encarregada de velar na execução da carta e na administração dessas corporações, seja desairoso ao corpo legislativo tomar uma medida que acabe com esse abuso. Qual é peior? Fazermos uma lei para que se acabe com um abominavel abuso que se practica, com violação da carta constitucional e quebra dos mais sagrados principios da lei e da razão; ou, por uma susceptibilidade mal intendida, ficarmos de braços cruzados diante de uma practica absurda, e

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por todos os motivos altamente condemnavel, só porque nos parece dever revestirmo-nos de um pundonor mal intendido, para não passarmos pela vergonha de mandarmos cumprir a carta tão tarde?! Eu não esperava isto das luzes do illustre deputado. Ora, sr. presidente, não é do nosso dever velar pela manutenção e cumprimento da carta? Se o é, e sabemos que ha um facto contrario a ella, havemos de deixar de promover todos os meios ao nosso alcance para que ella se cumpra? Não e mais desairoso faltarmos ao nosso dever, do que cumprirmo-lo ainda que mui tarde, porque ignoravamos a existencia do facto? Eu não intendo, portanto, que resultaria a menor vergonha ou desaire de hoje tractarmos de uma questão desta ordem.

Porém não insisto em que forçosamente haja uma lei, uma vez que o sr. ministro declara terminantemente, que lhe basta o preceito existente na carta para mandar riscar essas clausulas de castas, e que o vai fazer; eu concordo com o nobre ministro que a carta constitucional é bastante, e esta foi sempre a minha idéa; mas para cortar as cem cabeças da hydra, que, apezar de tudo, mantem essas odiosas distincções que a civilisação actual condemna, intendi dever obrar como obrei, e creio que consegui o meu tão justo fim; (Apoiados) o detalhe das mais razões acabou de dar o meu collega e particular amigo, o sr. Gomes, e se acham no relatorio do projecto; escuso, portanto, de repeti-las.

Outro sr. deputado apodou o projecto de ridiculo, mesquinho, e não sei mais o que! Ha muitas vezes coisas muito pequenas e rasteiras que apparecem cheias de apparato e ostentação, e com pretenções de immensa importancia, que a si mesmo querem dar, comtudo não são mais do que são; por entre meio de todos os ornatos não deixa de transparecer a sua pequenez; outras, porém, apparecem humildes, mas tem alcance muito maior do que o seu aspecto; destas é o projecto. Pois que! É ridiculo e mesquinho pretender que se acabe com a violação da lei fundamental, e a quebra de todos os principios da razão? Sr. presidente, bem sei que desta medida não póde resultar já toda a vantagem, mas as minhas pretenções não só se limitam para o momento, vejo para mais longe, e tenho fé que, no futuro, immenso proveito della se ha de tirar; ganha-se muito em plantar bons principios que fecundam, e fecundam incalculavelmente pelo andar dos tempos; e mesmo desde já espero se começarão a sentir alguns dos seus beneficos effeitos. Proteja o governo este pensamento; como promette, auxilie estes esforços, e verá se o paiz tira muito fructo. —

Mas o sr. ministro diz-me que elle não póde prender os homens para que esqueçam as castas. Sr. presidente, eu não quero que se prenda a gente; prendam-se, aferrolhem-se, e matem-se essas clausulas de castas que existem nos invulneraveis estatutos da santa casa da misericordia e confrarias de Gôa. Proclame-se a igualdade, sejam todos considerados como irmãos perante a lei, e estou satisfeito. (Muitos apoiados) Fez reparo o sr. ministro na palavra naturaes do paiz que apparece no projecto, e pareceu intender que a distincção era só entre os nascidos no paiz e fóra, e que isto não eram castas. Eu vou explicar o que em Gôa se chamam naturaes. Faz-se alli a seguinte distincção: europeos, descendentes ou místicos, bramines, chardós, sudros, etc..; e tudo Isto são castas, das quaes, á excepção das primeiras duas, aos individuos das Outras se chamam, quando sequer fallar em globo, naturaes; e são estes os que se excluem do direito de serem irmãos da santa casa da misericordia! Ha confrarias em que não podem entrar senão brancos, nas outras chardós, etc., ainda que tenham os mais distinctos e reconhecidos talentos! Só a pecha da casta é a barreira para a admissão! Ahi está, pois, que a differença de naturaes e não naturaes é distincção de casta.

Um tal systema póde-se tolerar no seculo actual? Não devem levantar-se todas as vozes para o condemnar? Eu, por mim, brado contra elle muito alto; e sou nisto, insuspeito, porque pertencendo á casta dos bramines, que sequer dizer superior ás outras, desejo que acabem com as castas, e desejo-o tão sinceramente quanto estou intimamente convencido do absurdo de taes idéas, que nasceram no paganismo, e que deviam ter acabado com as aguas do baptismo. Eu, por mim, respeito, e tenho em muita consideração, e julgo-me até inferior ao homem que tenha mais merecimento que eu, mais talento e virtude, venha elle da casta que vier. Porventura, é dado ao homem escolher os pais de quem nasce? (Vozes: — Muito bem) Mas infelizmente, sendo isto verdade, e tão verdade, ainda vejo mantidos taes prejuizos, que lamento, e desejo que acabem, porque, além do absurdo da idéa, intendo que da união da familia portugueza na India deve resultar grande proveito áquella provincia, em promover cuja felicidade hei de por todo o esforço, pois amo muito o meu paiz.

Portanto, digo, que se o governo está disposto a fazer cumprir a carta, e as leis do reino, talvez que este projecto seja desnecessario, (Apoiados) e eu mesmo não terei duvida de concordar em que elle seja retirado, satisfazendo-se assim aos desejos de alguns illustres deputados, e folgarei se, na sessão seguinte, eu tiver a occasião de agradecer ao sr. ministro a medida que tomar, pela qual se acabe com esta distincção odiosa. Não quero medidas de rigor; quero medidas de razão que plantem e sustentem os bons principios. Não intendo que deva haver distincção entre castas; intendo que deve haver distincção, mas é pelo merecimento e virtudes do homem; respeito todo o individuo, seja de que casta fôr, ou em que casta se considere, uma vez que seja superior a mim em talentos.

Por conseguinte, uma vez que o governo se compromette a executar acarta, eu, como auctor do projecto, declaro que o retiro, se a commissão do ultramar concorda. (Vozes: — Muito bem)

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Em vista das declarações do sr. ministro, que diz que não precisa desta lei, e que promette fazer executar a carta, eu, por parte da commissão, peço licença para retirar o projecto.

Foi retirado.

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, o governo ha muito tempo que tem reputado, assim como o reputam os homens notaveis deste paiz, que amam o bem publico, que uma das necessidades mais urgentes delle, é sem duvida alguma as vias de communicação. Para isso tem empregado todos os meios ao seu alcance, e tem procurado, dentro dos limites das suas attribuições, concorrer, quanto lhe cabe, para realisar, ou tornar effectivo, este melhoramento.

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Entre as estradas, ou vias de communicação mais importantes, avulta de certo a que vai de Aldea-Gallega até á fronteira de Hespanha, e para a qual tem o parlamento votado uma somma importante para o seu adiantamento. Mas pessoa nenhuma desconhece que ha difficuldades grandes na estrada de Aldeia-Gallega á fronteira de Hespanha, e por mais de uma vez se tem dicto, que estas difficuldades consistem principalmente nas oito ou nove legoas de areal, que ficam entre Aldeia-Gallega e Vendas Novas. Entre nós ainda não temos experiencia alguma, que nos possa elucidar sobre o preço provavel de similhantes construcções, e não é possivel regularmo-nos absolutamente pelos preços dos paizes estrangeiros, porque as circumstancias particulares desses paizes influem poderosamente no quantitativo destes mesmos preços. O que é certo, sr. presidente, e que, pela esterilidade do terreno, pela sua extensão, e por outras muitas circumstancias, deve saír por um preço muito caro cada uma legoa de estrada, que se mandar construir, e sem este lanço de estrada a linha entre Aldeia-Gallega d a fronteira e uma linha incompleta. Nestes termos, lembrou-se o governo, que seria comparativamente barato o caminho de ferro que se fizesse no tracto de territorio, que acabo de mencionar entre estes dois pontos, e comparando a despeza do caminho de ferro, com a da estrada que se houver de construir, a differença maior que ha de custar o caminho de ferro é mais que sobejamente compensada com este meio de communicação. Ha uma circumstancia que não é licito perder de vista. A provincia do Alemtejo, pela sua estructura, pelas circumstancias que a acompanham, pelo isolamento de focos de população naquella mesma provincia, por muitas outras razões que são obvias, principalmente áquelles, como muitos dos srs. deputados que me escutam, que conhecem perfeitamente aquella parte da monarchia, parece estar indicada para se estabelecerem nella os caminhos de ferro que, construidos de uma maneira simples, facil, e sem trazerem um enorme encargo para o estado, satisfaçam, comtudo, a uma das primeiras necessidades do paiz, pela communicação entre as diversas localidades. O caminho de ferro entre Aldeia-Gallega e Vendas Novas não tem de servir unicamente para communicar estes dois pontos; está claro que, se a sua importancia não passasse dos estreitos limites desta communicação, seria uma chimera, e uma decepção, a construcção de similhante caminho, e seriam perdidas as despezas que te fizessem com elle; mas o caminho de ferro entre Aldeia-Gallega e Vendas Novas deve ser o tronco principal de toda a locomoção, de toda a viação que partir daquelles pontos para todo o sul da provincia. Nestas circumstancias, é de uma alta importancia a communicação entre estes dois pontos, porque, feita ella, e feita com a facilidade que dá aquelle meio de locomoção, fica, na minha opinião, resolvida a parte mais difficil e mais importante da questão da viação publica naquella provincia.

Convencido desta verdade, o governo procurou indagar se haveria meios de formar uma companhia, a qual, mediante uma subvenção do estado, ou uma garantia de juro, ou algum dos meios que em outros paizes se empregam para conseguir a construcção das vias ferreas, se encarregasse entre nós de realisar este importante melhoramento. Effectivamente o governo encontrou uma companhia ou cavalheiros que a representam, que se obriga, mediante uma subvenção do estado, que se acha exarada no contracto provisorio, que eu vou lêr á camara, e que depende da sua approvação, e que depende sobre tudo do concurso publico, porque o governo não julgou que podesse nem devesse fazer contracto com companhia alguma em que se estabelecesse uma subvenção por parte do estado, sem que precedesse praça publica, para saber se haveria alguem que por condições mais favoraveis o fizesse. O governo, pois, redigiu uma proposta de lei que eu vou lêr á camara, approvando um contracto provisorio, que eu tambem vou lêr, pára a construcção do caminho de ferro de Aldeia-Gallega ás Vendas Novas. Este contracto serve de programma para o concurso publico, e o ponto da licitação desse concurso, porque não póde haver, como todos sabem, para se poderem colher as verdadeiras vantagens dó concurso, mais que um ponto variavel para a licitação na praça; o ponto variavel neste caso é o da subvenção. É claro que, se apparecer algum individuo ou companhia que se offereça a construir este caminho de ferro de uma maneira mais economica para o estado, esse individuo ou companhia ha de ser attendido de preferencia. Nestas circumstancias, a unica vantagem que daqui resulta é a segurança de que no caso de nenhum outro individuo ou companhia querer contractar a construcção deste caminho de ferro, esta proposta não e esteril de resultado, porque ha quem se obrigue a faze-lo.

Não tive tempo de fazer um relatorio, por isso estou fazendo estas considerações geraes; mas parece-me que seria abusar muito do tempo da camara, sobre tudo, e da sua benevolencia, se as continuasse, quando a proposta de lei e o contracto provisorio que vou lêr, explicam cabalmente todos os ponto) que devem de certo interessar os nobres deputados.

Passo, portanto, a lêr á camara a proposta e o contracto; não lerei tambem, mas faço acompanhar esta proposta, da consulta que o conselho das obras publicas e minas fez ao governo sobre o merecimento da mesma proposta e as suas differentes bases.

Leu uma proposta para se approvar o contracto feito com os dignos pares do reino, Marquez de Ficalho, e José Maria Eugenio de Almeida, para a construcção de um caminho de ferro entre Aldeia-Gallega e as Vendas Novas.

Sendo declarada urgente, foi enviada d commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda J e della se dará conta textualmente, quando entrar em discussão o respectivo parecer.

O sr. Presidente: — Continúa a discussão sobre d projecto n.° 89.

O sr. Avila (Sobre a ordem): — Sr. presidente, ouvi hontem ao illustre deputado, que fallou por parte da commissão, dizer, que nos 300:000$000 réis concedidos pela rescisão do contracto do sabão nó reino e ilhas, e do tabaco nas ilhas, entrava o tabaco nas ilhas por 70:000$000 réis. Desejava saber dá illustre commissão se esta é a cifra exacta que corresponde naquella somma de 300:000$000 réis ao tabaco nas ilhas.

Desejava tambem que á illustre commissão tivesse a bondade de me dizer, se porventura lhe for presente algum documento por onde ella podesse conhecer qual é o producto bruto da venda do sabio no reino e nas ilhas. E desejava que a illustre commissão, no caso de lhe ter sido presente este do

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cumento, tivesse a bondade de dizer-me a importancia destas duas cifras, quero dizer, a importancia do producto bruto da venda do sabão no reino; a importancia do producto bruto da venda do sabão nas ilhas; e além disto d cifra verdadeira da indemnisação em relação á rescisão do monopolio do tabaco nas ilhas.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello) (Sobre a ordem): — Ainda que a pergunta do illustre deputado e meu amigo é dirigida á illustre commissão de fazenda, como tenho presente um documento, que satisfaz a primeira pergunta do illustre deputado, peço licença á camara para o lêr e mandar para a mesa.

Tendo ouvido que na camara dos srs. deputados se levantavam algumas duvidas e desejos de saber o preço dos dois monopolios, mandei á commissão, nomeada para examinar qual devia ser a compensação á companhia do tabaco o sabão pela rescisão do contracto do tabaco nas ilhas, e do sabão no reino e ilhas, para que ella consultasse da importancia aproximada dos dois monopolios. A commissão respondeu nos termos seguintes. (Leu) Alando esta consulta para a mesa, a fim de poder ser examinada. O sr. Avila: — Essa consulta responde cabalmente á minha primeira pergunta.

O sr. Ministro da fazenda: — Quanto ao resto o nobre relator da commissão pediu a palavra.

O sr. Cazal Ribeiro: — Quanto á primeira pergunta que o illustre deputado o sr. Avila dirigiu á commissão, está respondida na consulta que mandou para a mesa o sr. ministro da fazenda, e devo sómente accrescentar, que na commissão não foi presente esta consulta especial; mas foi presente a informação em conformidade com esta consulta. É preciso que se intenda: exactamente não se póde affirmar que seja esta cifra, por isso que a indemnisação ainda não está determinada. (Apoiados) Foi por esta informação que se prestou na commissão, que o meu collega e amigo, o sr. Lobo de Avila, disse hontem á camara, que seria 70:000$000 réis o monopolio do tabaco nas ilhas, e 230:000$000 ré:s o do sabão no reino e ilhas. Se bem me recordo, a informação que verbalmente dei na commissão foi que se podia calcular entre 60 e 70:000$000 réis o tabaco nas Ilhas, e o sabão no reino e Ilhas entre 230 e 240:000$000 réis. Tudo isto são, nem podem deixar de ser, cifras aproximadas. Já se vê que não é para notar que entre a asserção do illustre deputado e aquella consulta haja uma differença, porque não são isto mais que calculos de aproximação.

Quanto á segunda pergunta que o nobre deputado dirigiu á commissão, eu posso satisfaze-la, e vou satisfaze-la com um documento que tenho presente, e que mandarei para a mesa. Creio que o nobre deputado quer saber qual é o producto bruto da venda do sabão no reino, e da venda do sabão nas ilhas, indistinctamente — eu posso mandar para a mesa uma nota dessa importancia, mas devo declarar que estas sommas que nella se indicam é o que consta das filhas das administrações, mas que precisam ainda combinar-se com alguns outros documentos. O sr. Lobo de Avila: — Sr. presidente, eu, o Outro dia, sendo interpellada na camara a commissão de fazenda a respeito destes esclarecimentos, da distincção destas indemnisações, isto é, da parte correspondente ao tabaco, e da parte correspondente ao sabão — disse que a commissão de fazenda pedíra estes esclarecimentos ao governo, e foi em consequencia desse pedido que se fez na commissão ao sr. ministro da fazenda, que s. ex.ª expediu a portaria pedindo os esclarecimentos, que hoje apresentou á camara. Mas nós tinhamos sido já informados antes por explicações dadas pelo meu illustre amigo o sr. Cazal Ribeiro, de que a cifra devia oscillar entre 60 e 70:000$000 réis; e foi baseado nestas informações o que eu disse em resposta ao sr. Avila.

Ora, em referencia á importancia do consumo do tabaco nas ilhas, e do sabão no reino e ilhas, tambem foram presentes á commissão os mappas que sé apuraram na commissão liquidataria, e que vão dê accôrdo com as explicações, que agora deu o meu illustre amigo o sr. Cazal Ribeiro. Eu tenho aqui um resumo e vem a ser. (Leu)

Por consequencia, eu, antes de hontem quando fallei, estava baseado nestas informações, e parece-me que tinha bastante fundamento para avançar o que disse na camara a este respeito. (Apoiados)

O ir. Cazal Ribeiro (Sobre a ordem): — Vou mandar para a mesa o mappa a que me referi, e que contém não só a cifra do que corresponde dó producto bruto do sabão no continente, nos Açores e Madeira, mas o desinvolvimento em cada um dos mezes, e que deve servir de base á liquidação. Mando-o para a mesa, para ser consultado por aquelles srs. que o quizerem examinar.

Foi lida e approvada a ultima redacção do projecto n.° 100.

O sr. Presidente: — Tem a palavra contra o projecto n.° 89 o sr. Vellez Caldeira.

O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, impressionado ainda pelos grandes beneficios que não de resultar á provincia do Alemtejo com o estabelecimento de dois caminhos de ferro, não sei como poderei coordenar as minhas idéas sobre o importante assumpto que nos occupa, e sobre o qual pedi a palavra, porquê quero deste modo deixar consignada a minha opinião sobre um objecto, que eu julgo dos de maior importancia que se podem tractar no parlamento; pois que tende nada menos que d sobrecarregar de novo o paiz com mais de 340:000$000 réis, além dos mala tributos, e isto depois de com mãos largas se terem votado no orçamento despezas consideraveis, e que todos os dias vão augmentando, corpo hoje já a camara deu um longo exemplo. Porém eu, sr. presidente, ao menos, resta me a satisfação de ter votado contra todos os projectos que hoje se approvaram, porque, sem saber como se lia de fazer face a todas às despezas consignadas na lei da despeza, não serei eu que com o meu voto, posto que o mais humilde nesta camara, vá sobrecarregar o nosso paiz Com mais impostos.

Sr. presidente, este projecto, e nenhum mais dó que este, é justamente aquelle que se proporcionava a mais larga discussão, porém eu hei de ser o mais breve que puder, porque não quero senão consignar as minhas opiniões, e as razões porque voto contra elle. Eu já prevejo que me hão de alcunhar de fazer opposição, e outras coisas mais com que se costumam alcunhar aquelles que não significam as suas opiniões á opinião da maioria. Eu nunca digo nada a ninguem para que desinvolva as suas idéas, e dê o seu voto desta ou daquella maneira; (O sr. Pinto Bastos: — Apoiado) tambem procuro sempre o não ser influido por opi-

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niões dos outros. Eu sou o homem mais independente que póde haver neste objecto de votar; emprazo todos os nobres deputados para que digam se já alguma vez me reuni com alguns delles, para tractar da votação na camara, (Interrupção do sr. José Estevão que não se percebeu) á excepção dos objectos de algumas das commissões, a que tenho a honra de pertencer, porque então tenho de combinar com os meus collegas. (O sr. José Estevão: — E quando v. ex.ª foi ministro, que tinha uma maioria) (Uma voz: — Isso já lá vai ha muito tempo; não lembra) Pouco me lembra, mas lembra-me do bastante para este caso. Desse tempo lembro-me, que a primeira coisa que o ministerio fez logo depois da honra que recebeu de Sua Magestade, foi officiar a todas as auctoridades, até mesmo pelo telegrafo, para que deixassem a todos, quanto possivel, manifestar livremente as suas opiniões, e procederem livremente, e como quizessem nas eleições a que se estava procedendo. O nobre deputado (dirigindo-se ao sr. José Estevão, que era membro da camara naquella época, sabe-o muito bem. (O sr. Pinto de Almeida: — Não era elle; era seu pai o sr. Cypriano) Mas diga alguem, que aqui ha deputados desse tempo, que eu pedisse por algum modo o seu voto. Algumas vezes me foram fallar em differentes negocios particulares, como é costume; mas nunca sacrifiquei a esses pedidos o que eu intendia dever fazer; e a minha resposta foi sempre isto: — póde fazer-se, ou não póde fazer-se; — mas sem nenhuma influencia sobre a liberdade dos votos.

Entro na questão, sr. presidente. O objecto é grave; ha aqui varias coisas a considerar; ha a rejeição do exclusivo do sabão, o preço que se arbitra para a indemnisação, o modo como é calculado esse preço, p os tributos com que sequer fazer face a essa indemnisação; e ha a considerar de mais a compra do edificio em que se acha actualmente a fabrica do sabão, que são todos estes objectos em que fallaram os nobres deputados que me precederam, e sobre que eu passo a fallar.

Sr. presidente, sobre a abolição do contracto do sabão, eu nesse ponto estou concorde, voto por elle; como sempre tenho assignado todos os projectos, que, estando eu na camara, se tem apresentado a este respeito; e sempre tenho fallado a favor da abolição; mas, sr. presidente, a todo o deputado é licito consi derar se os sacrificios que se exigem para tal abolição estão ou não em proporção com o beneficio, e quando intenda que não estão em proporção, deve votar contra, como reconheceu o meu amigo o sr. Lobo de A vi-la; a differença está em que o meu amigo não considera os sacrificios por desproporcionados, e eu tenho-os por muito, não por corresponderem ao beneficio, e serem excessivamente gravosos; pela abolição de um exclusivo, aliàs vexatorio, mas a que os povos estão acostumados, e sobretudo que vai acabar daqui a tres annos e meio, vamos desde já sobrecarrega-los com muito mais de 340:000$000 réis.

Tanto mais, sr. presidente, eu voto contra a extincção do exclusivo por este modo, porque intendo que ella se póde obter sem sacrificio.

Passarei já a examinar a outra parte, que é os meios por que se pretende fazer a indemnisação, e o modo por que foi calculada.

Sr. presidente, quando o anno passado o governo veiu trazer á camara uma proposta para a extincção do exclusivo do monopolio do tabaco, o que se dizia no artigo 1.º dessa proposta, apresentada em 5 de março? (Leu)

Pois, sr. presidente, o anno passado, quando se rescindia o contracto do tabaco, que é o mais importante, e de que os contractadores tiram lucros em grande, não se lhes dava indemnisação alguma, e hoje que se pretende rescindir só o contracto do sabão, vindo apenas por appendice a rescisão do contracto do tabaco nas ilhas adjacentes, é que se lhes ha de dar uma indemnisação? E que indemnisação! 340:000$000 réis!

Isto são coisas que nem precisam de demonstração; todos sabem que o contracto do tabaco dá lucros, e lucros grandes aos contractadores; basta saber, o preço por que fica o tabaco comprado, e o preço por que o vendem; é mais de meio por meio, e o contracto do sabão, não só pelo contrabando que se faz, mas por outras razões, sabe-se que os lucros são insignificantissimos, e tanto assim é, que por vezes se tem visto os estancos sem sabão, e até nas Ilhas os proprios administradores tem permittido por vezes que se fabrique, porque lhes não deixa quasi interesse algum.

Pois se o lucro do sabão é tão insignificante, como se vê, que os proprios contractadores consentem que elle se fabrique algumas vezes nas Ilhas, para que havemos nós dar uma indemnisação de 235:000$000 réis, que é o que hoje ouvi dizer que se dá por esta rescisão do sabão? E por esta occasião não posso deixar de lamentar, que só depois de se entrar em uma discussão desta ordem, é que se apresentem as informações que mandou para a mesa o sr. ministro, e as que deu o sr. relator da commissão. Como hei de eu fazer as contas, que necessitaria fazer? Isto não é modo de tractar uma questão de tanta gravidade. (Apoiados)

Todos sabem o preço porque andou arrematado este contracto, que foi por 120:000$000 réis. Pois havemos de dar quasi o dobro por uma coisa de que os contractadores não tiravam interesse? Parece-me impossivel que pessoas tão zelosas como os membros, da commissão de fazenda, e o sr. ministro da fazenda da, a quem me prezo de considerar como homem de bem e honrado, não tivessem isto em attenção. Pois não era melhor esperar mais tres annos e meio, do que ir lançar agora mais 340:000$000 réis de direitos novos sobre a nação? Se eu não reconhecesse, como já disse, o zêlo da illustre commissão e do governo, dizia que não havia aqui amor de nação, nem zêlo pelo bem publico; pois que á primeira vista é o que parece.

Ora, sr. presidente, como se fez este calculo? Como procedeu a commissão que o governo nomeou para este objecto? Não me deram a este respeito esclarecimentos sufficientes, apezar do que a illustre commissão de fazenda diz a este respeito, a qual conheceu a necessidade de se não comprometter o thesouro sem exactas informações. Mas o governo nomeou uma commissão de pessoas as mais capazes, para examinar, quanto podesse ser, o preço deste exclusivo, e de passagem direi, que esta mesma commissão era escusada se se tivessem cumprido as leis, porque, segundo as leis fiscaes, eram obrigados, se se arremattasse o a sabão, a declarar-se o valor delle, para que o governo soubesse quanto se havia pagar por elle. Eu espero que a illustre commissão responda como tem satisfeito o governo a isto.

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A commissão que o governo nomeou, fique eu, repito, reconheço composta de pessoas as mais competentes, diz. (Leu)

E continuando para baixo n'outro paragrafo. (Leu)

O meu illustre amigo, que me está ouvindo, disse, que não era de grande importancia esta exigencia de livros mestres e diarios; porque isso podia examinar-se pelos cadernos. Perdôe-me o illustre deputado, porque não disse elle isso á commissão? Se elle o dissesse, a commissão lhe responderia; mas que taes livros são indispensaveis ao exame de contas mercantis, e quem é commerciante tem obrigação deter a sua escripturação em dia; (Apoiados) e esta não se suppre por cadernos; (Apoiados) Em juizo, o negociante que não tem a sua escripturação em dia, não tem fé, e não quero dizer aqui outros nomes que lhe competem, porque não são muito parlamentares. (Apoiados) Que fé por consequencia podemos nós ter, salvo o respeito devido á commissão, sobre bases tão viciadas? Eu escuso de estar agora dizendo a camara que os livros mestres e diarios são todos rubricados, e que os cadernos podem ser substituidos mesmo por outros com a maior facilidade; (Apoiados) e isto de mais a mais quando os contractadores tinham obrigação, pela condição 2.° do contracto, de terem sempre corrente a sua escripturação.

Sr. presidente, diga-se o que se quizer, porém ninguem póde acreditar que sejam verdadeiros os lucros do exclusivo do sabão, quando os contractadores são os proprios que, por vezes, tem permittido que nas Ilhas se possa fabricar o sabão. Até mesmo no nosso paiz, no continente, um lavrador foi condemnado por ter mandado buscar á Hespanha um pouco de sabão molle para curar o seu gado que estava doente, e isto depois de ter provado que tinha ido aos estancos, e até ás boticas, sem haver quem o tivesse para lho vender. (O sr. José Estevão: — Apoiado)

Sr. presidente, nestes processos de contrabandos ha coisas as mais singulares; e não o é pouco um perdão dado pelos caixas mediante duas moedas, mais ou menos, segundo lhes apraz, como se podessem perdoar a acção da justiça! São coisas vergonhosissimas; (Apoiados) mas olhe a camara que se ellas acabam em quanto ao sabão, continuam em quanto ao tabaco... (O sr. José Estevão: — Mas por metade) Lá iremos... (Interrupção da parte do sr. José Estevão que não se percebeu) todos os processos que se me offereceram para julgar como juiz, julguei-os segundo o meu fraco intendimento, mas com rectidão; (Apoiados) neste respeito tenho a minha consciencia de todo tranquilla.

Ora, sr. presidente, como se pretende occorrer ao desfalque que ha de resultar ao thesouro da abolição do monopolio do sabão? E eis-aqui outra parte da discussão. Diz-se que são necessarios 300:000$000 réis; mas para isto o que se propõe que se vote? São 210:000$000 réis, porque se diz que póde haver alguma pequena differença. Oh, sr. presidente, pois a illustre commissão n'um objecto tão grave não calculou com exactidão? Será coisa insignificante em contribuições sobre o povo 40:000$000 réis? Se eu quizesse descer a cifras, se não soubesse que tem a fallar depois de mim um illustre deputado tão competente a este respeito, havia de mostrar pelas cifras que monta ainda a muito mais de 340:000$000 réis a contribuição que se pretende estabelecer. Mas, sr. presidente, que generos são os collectados?

Além dos generos ordinarios do constituo, que já estão muito sobrecarregados, vai-se collectar o vinho) o mesmo vinho do Douro, que o ministerio ainda em 1852 tinha beneficiado, vai de novo sobrecarregar-se! E quando? Quando desgraçadamente é notorio que o mal das vinhas se tem espalhado por todo o reino; é nestas desgraçadissimas circumstancias, depois que a molestia das vinhas já assolou uma das nossas mais importantes ilhas, e quando se vai generalisando a todo o reino, que se lança um novo tributo sobre o vinho!. Isto parece impossivel; e não será com o meu humilde voto que se ha de fazer.

Sr. presidente, passo agora a tractar do objecto da compra da casa, a respeito do qual, depois do que a mesma commissão diz, parecia-me que não deveria haver duvida alguma. A commissão é a mesma que reconhece que não é possivel desde já tractar da abolição do monopolio do tabaco, e parece-me que deixa aventar a idéa de que será conveniente fabricar-se o tabaco por conta do estado, o que sem duvida seria uma coisa muito importante.

Pois, sr. presidente, é nestas circumstancias que se ha de ir vender um edificio de que o governo necessita para a fabricação do tabaco? Disse o illustre deputado que primeiro fallou por parte da commissão — que havia outros edificios. — Pois nós temos muitos edificios publicos? (Apoiados) Peço ao meu illustre amigo que diga, depois do desbarato que houve dos edificios publicos em Lisboa, quaes são aquelles que nos restam e que se possam aproveitar para este objecto? Eu não os acho. (Apoiados) E demais, sr. presidente, deve-se attender á localidade daquelle edificio, tão commodo para tudo, com modo para embarque, juncto ao novo caminho de ferro, mesmo á borda delle, etc. Na vida particular quando um homem vende um objecto de que necessita, é tractado por Touco; pois nós temos esta propriedade e havemos de vende-la para daqui a tres annos irmos comprar outra? Isto parece impossivel, e eu não posso de modo nenhum votar por similhante coisa.

Eu disse, que me parecia que não era necessario recorrer a estes meios para se extinguir o monopolio, e não quero deixar de tocar nesta materia. Em 1852 (creio que s. ex.ª se lembra), era geral a opinião na maioria de então, que a arrematação do contracto do tabaco estava nulla, e que nulla está parece ainda hoje a muita gente cordata, não só porque o contracto foi arrematado, não se observando todas as clausulas das leis fiscaes, mas mesmo porque os contractadores não tem cumprido as condições do contracto. Por vezes os estancos tem estado sem fornecimento; aqui mesmo nesta casa tem havido queixas do máo fornecimento feito pelos contractadores, e comtudo é uma das suas obrigações o terem os estancos fornecidos e bem fornecidos, e a falta de cumprimento das obrigações que contraíram dá logar á rescisão do contracto.

Perguntarei eu: que cumprimento tem os contractadores dado á condição 18.* do contracto, pela qual se obrigaram a comprar cinco mil arrobas de tabaco nas nossas possessões de Angola e Cabo-Verde? Nenhum. Que tem feito o governo? Tem o governo obrigado os contractadores a que cumpram essa condição? É necessario que o governo se explique positivamente a este respeito, porque se elle tem abandonado os interesses das provincias ultramarinas por

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este modo, sem fazer cumprir o contricto, não só tem feito um mal aquellas provincias, mas de mais tem deixado gosar o Contracto de vantagem de não cumprir uma condição que se estipulou: A primeira obrigação do governo, neste caso, em lugar de apresentar esta proposta, era procurar pelos meio a competentes a rescizão do contracto, porque, sr. presidente em quanto o contracto estiver como está os vexames hão de continuar do mesmo modo, ha de haver os mesmos processos, contra desgraçados, pelo contrabando de 20,10 e até 5 reis, pois que até se tem procurado no bolso dos trabalhadores um cigarro, e por isso tem sido pronunciadas e processados; e até se disse que ao pé de alguem se lançou um pouco de tabaco para o apprehender como pertencendo-lhe! Não digo mais nada, sr. presidente. Sobre o projecto, em resumo, a minha opinião é, que para acabar o monopolio do sabão não são necessário os meios que o governo propõe, e que estes meios são onerosissimos para o povo. Voto contra elle.

O sr. Presidente: — Ninguem se acha inscripto a favor dou por consequencia a palavra aos que estão inscritos contra.

O sr. L. J. Moniz — Sr. presidente, a minha actual posição neste assumpto é extremamente especial, e de certo tambem sobremaneira desagradavel para mim; e em razão della sou obrigado a dar ponta de mim a camara para não apparecer no campo deste debate de uma maneira contradictoria com a minha vida passada. Logo desde os primeiros annos da minha correira parlamentar apresentei-me como um advogado constante da extincção do monopolio das saboarias, e tambem desejando muito a extincção do monopólio do tabaco e na verdade de todos os monopolios que podessem, existir, porque é bem reconhecido p quanto elles são, em regra geral, contrarios aos mais, sãos principios da liberdade, da, industria e do commercio, e por isso anathematisados pela era constitucional.

Por estas razões sr. presidente, logo em 1336 no congresso constituinte tive a honra, de combinação com algum dos meus collegas, de fazer uma proposta que passou debaixo da fórma de uma resolução, para que o governo, na ausencia do corpo legislativo, creasse uma commissão que inquirisse sobre os melhores meios de substituir os rendimentos que o estaco derivava do exclusivo do sabão, a fim de serem apresentados ás côrtes seguintes, e de se tractar da extincção daquelle, monopolio; ficando desde logo intendido, que o governo não contractaria mais aquelle exclusivo: o ministro da fazenda daquelle tempo, que tambem era meu collega pela Madeira, conveiu na proposta, e, se bem me lembro, tambem a assignou: mas passados poucos mezes, talvez em algum desses apertos por dinheiro para occorrer ás necessidades publicas que tem sido tão frequentes entre nós, tornou a arrematar o contracto.

Em 1819 eu uni a minha assignatura ás de outros muitos srs. deputados, em um projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Pereira dos Reis; este não chegou a ser discutido, porque a camara foi dissolvida. Em 1852 tractava eu de apromptar um projecto de lei o mais completo que me fosse possivel, mas dando-se certa, impaciencia em muitos dos meus collegas que abraçavam o mesmo pensamento, resolvi-me, para adiantar o negocio, a renovar a iniciativa do projecto do sr. Pereira dos Reis, como texto para sobre elle introduzir as alterações que nos parecessem convenientes. Sobre este projecto, assim tomado como thema, apresentou a commissão o seu parecer. Pelo mesmo tempo offereceu outro sr. deputado, o sr. Maya, outro projecto de lei para igual fim, que tambem foi enviado á mesma commissão, e por ela tomado em consideração. Nestas meus esforços eu, não fazia mais que seguir a opinião geralmente pronunciada, até com impaciencia; e os differentes, actos legislativos que já tinham precedido como um decreto da regencia da Terceira, outro de Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro Duque de Bragança, expedido por elle daquella mesma ilha como Regente em, nome da Rainha; e outro, finalmente, expedido pelo mesmo Augusto Senhor da cidade do Porto na mesma qualidade. Apesar de todos os actos, e dos projectos de lei para o mesmo intento, depois de virem ás cortes, entre os quaes parece-me que ainda devo copiar mais um, offerecido em tempo em que eu não me achava na legislatura. O monopolio tem continuado, tanto para o sabão, como para o tabaco. Aquelle ardor que tão impacientemente chamava — abaixo o estanco do sabão. — ainda, que seja á custa de um augmento ás decimas e que me tinha feito adoptar o projecto do sr. Pereira dos Reis, quando se tractou dessa quota addicional para o reino, ás decimas; para as ilhas, de uma quantia lançada na correspondente proporção pelo methodo da contribuição de repartição; e chegou o negocio á commissão, recuou do seu primeiro impeto diante das repugnancia, que encontrava nas provincias, e eu não tive remedio senão ír cora a maioria dos meus collegas da commissão, e deixar ao governo a incumbencia de observar os resultado do projecto, e quando elles não produzissem bastante para supprir os meios de receita que cessavam com o monopolio, tanto por as despezas do estado, em geral, como para as, destinadas ás indemnisações aos contractadores, a que legalmente se provasse terem elles direito, propôr elle ás côrtes os meios que tivesse por mais suaves e mais adequados para tal, fim.

Todos os projectos que propunham a rescisão do contracto antes do seu, termo regular adoptavam o principio da indemnisação; mas era minha intenção que, se o direito a, ella fosse bem provado, a liquidação dos prejuizos fosse feita pelas estações competentes; que as quantias liquidadas e os meios de satisfazer viessem ás côrtes; e assim se estabeleceu no projecto de lei apresentado pela commissão de 1852., A commissão creada pelo governo para tractar dos, meios de acudir com remedio aos resultados da calamidade da doença das vinhas, consultando sobre um requerimento em que este objecto tambem entrava como outros muitos, e sobre um officio do governador civil e algumas camaras, propôz ao governo do Sua Magestade alguns ensaios a respeito do tabaco, mas uma medida definitiva ácerca do contracto do sabão, pela grande differença que lhe parecia haver entre as utilidades de um e outro, e entre os meios de os levar a execução. O governo não julgou proprio usar dos poderes extraordinarios de dictadura, em que citava, para aquelle fim, mas na actual sessão legislativa veiu propôr á camara a abolição de ambos os monopolios; mais tarde limitou a sua primeira pro» posta quanto ao do tabaco, restringindo a extincção ás ilhas dos Açores e Madeira. Eu não podia deixar

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de vêr com prazer o projecto do governo para um objecto que tinha tido a peito por tão longo tempo; mas confesso que desde logo tive apprehensões, que aquillo que era muito difficil, viesse completar o que era comparativamente facil, e que quando vi os meios propostos para supprir a receita produzida ao governo pelos monopolios, e quando vi a complexidade de todo este negocio, e as muitas difficuldades que por esta tinham vindo involve-lo, quasi de todo desanimei. —

As razões por que eu tanto e tão constantemente me tenho empenhado pela extincção do contracto do exclusivo do sabão, estão consignadas com tanta precisão e clareza no parecer da commissão de 1852, que é desnecessario reproduzi-las agora aqui: ellas são todas de natureza tal, que só as mais extraordinarias e poderosas razões poderiam fazer arredar do proposito para que ellas foram então adduzidas aquelles que dellas estivessem convencidos, sob pena de com razão incorrerem na arguição de homens de uma inconsequencia inqualificavel. Cumpre-me, portanto, procurar desvanecer esta apparente contradicção, e para esse effeito discorrerei pelos dois, projectos de lei e accôrdo entre o governo e os contractadores, apresentados a esta discussão geral conjuncta e simultaneamente; e farei a resenha das disposições que nelles posso approvar, e daquellas que não está em meu poder dar-lhes o meu assenso.

Sr. presidente, eu approvo a extincção do monopolio do sabão; e approvaria mesmo a extincção parcial da do tabaco; mas, sr. presidente, a que encontro grandes difficuldades, é a approvar todos os meios que o governo propôz, e com que a commissão de fazenda concordou; porque a respeito de alguns que tocam ao reino, tenho grandes duvidas, e a respeito de outros parece-me ser uma grande inconveniencia em tempos normaes, e uma impossibilidade de os levar a effeito, na parte que toca á provincia que tenho a honra de representar, em razão do calamitoso estado a que está reduzida, por causa da perda total da sua principal e quasi unica producção, por dois annos consecutivos; e do estado prostrado do seu commercio por essa e outras causas, que já mesmo antes da doença, actuavam contra elle. Eu vejo uma complexidade neste accôrdo e nos dois projectos que o acompanham, que me põe em grande aperto, e talvez me force a votar contra aquillo que eu queria approvar, por não poder ser talvez votado em separado; mas em razão da natureza do contracto, exigir ou ser no todo approvado, ou no todo rejeitado. Eu approvo a rescisão do contracto do sabão, quero-a com o mesmo afinco que sempre quiz, mas não a quero por todo o preço, não a posso querer por encargos que vão custar, e mais caros, e especialmente á provincia que represento, nas desgraçadas circumstancias em que se acha, que o beneficio que esta extincção lhe póde trazer: quereria tambem a liberdade da cultura, fabrico, e commercio do tabaco; mas ainda menos á custa de encargos pesados, que destruam toda a proporção entre o beneficio e o peso delles. A extincção do monopolio do sabão, já eu disse que é um objecto desejado por todos, e pedido por todos: o do tabaco não é tanto assim; o enthusiasmo por elle não é tão intenso nem tão geral; na minha terra houve seu momento de febre, que eu não partilhei, e que vi que os homens mais prudentes do paiz tambem não partilharam.

Eu, sr. presidente, vivi alguns annos em um dos principaes paizes do tabaco; e apezar do tabaco ser hoje uma planta quasi cosmopolita, está bem longe de dar bons productos por toda a parte onde. póde vegetar: uma comparação entre as condições de terreno, clima, mão de obra, e preço de jornaes, facilidade ou grande custo de obter estrumes em abundancia, etc., me fazem duvidar muito se as ilhas, e principalmente a Madeira, poderão produzir tabaco, que possa competir vantajosamente em preço e qualidade com os tabacos dos outros paizes mais felizmente situados. (Apoiados) Este é que é o ponto da questão. Se se não tractasse senão da liberdade da cultura e commercio deste genere, Sem ter de por ella pagar grossas sommas de indemnisações aos contractadores e ao. estado, para supprir o desfalque do rendimento do monopolio: se se não tractasse mesmo senão de alguma protecção, como isenção de encargos por alguns annos na sua cultura, um direito protector, mas moderado sobre o estrangeiro, eu diria — desde já conceda-se; cultive tabaco, e faça negocio em tabaco quem quizer —; mas quando para obter a mesma liberdade e necessario recorrer a grossas sommas lançadas sobre as outras industrias, e até sobre muitas de primeira necessidade, o negocio muda de figura; como podem deixar de se tornar pelo menos mui problemático para mim, e para muita gente no reino e na minha terra. Eis-aqui, sr. presidente, porque as representações mais sensatas, os pareceres de individuos e corporações mais judiciosos, como foram os da primeira auctoridade civil, e os da sociedade de agricultura da Madeira, e a consulta da commissão nomeada pelo governo, a que acima me referi, se limitaram a pedir algum ensaio antes de nos precipitarmos em medidas de incertos resultados, que podiam vir a ser desastrosos. Eu, na discussão especial, desinvolverei mais as idéas concernentes a este assumpto: por ora, na generalidade dos projectos, bastam-me estes pontos geraes que tenho tocado; e delles tirarei, por consequencia, que não podendo eu approvar uma grande parte dos novos impostos, creados como preço, para assim dizer, desta concessão; não posso tão pouco approvar era tudo aquelle projecto, e o convenio a que elle se refere; uma coisa para mim é a consequencia da outra: uma coisa é condição sine que non para a outra. Como posso eu, pois, seguir a ordem que o sr. ministro da fazenda e a illustre commissão propõe, de votar primeiro o projecto de approvação do accôrdo? Isto é uma violencia á minha razão, e á minha consciencia; e posto nesse estado, torno a dizer, talvez tenha de rejeitar aquillo, que aliàs, com as minhas condições, eu queria approvar. Eu não irrogo censura alguma ao nobre ministro e á commissão por este estado de coisas: existindo um contracto, comede certo existia, o governo não podia deixar de apresentar o negocio sob aquella fórma; mas dahi não, póde vir razão alguma que me possa libertar do aperto em que me vejo.

Outras considerações geraes tornam ainda este assumpto mui escabroso para mim. O governo achou conveniente incorporar nelle aquella parte do pagamento da amortisação das notas que ainda resta; fez cessar os impostos como estavam antes, de 5, 6 e 10 por cento, sobre varios objectos; e reune-os com os de 10, 12, e 15, sobre as contribuições directas, sobre as alfandegas, como mencionados no artigo 4.º

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VOL VII — JULHO — 1854.

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do projecto n.° 09 D. Ora, em primeiro logar, eu não gosto da practica destas transferencias de impostos, votados para um fim especial, para outros com que originalmente nada tiveram, porque ella tende a arreigar, cada vez mais, a opinião em que se está em Portugal, que, tributos, uma vez estabelecidos entre nós, seja para que fôr, são eternos í (Apoiado) e isto é muito máo para o credito de um governo constitucional; reconheço que alguma vez, por excepção, este modo de proceder póde ter vantagens para a nação, mas só como medida excepcional: algumas circumstancias de utilidade se podem dar no caso presente; mas ha outras que me repugnam, e não justificam para mim a excepção. É bem sabido que as ilhas tinham sido isentas dos encargos de contribuirem para a amortisação das notas do banco de Lisboa, pelo fundamento de que não tendo ellas jámais partilhado os beneficios do banco, não era justo que viessem agora carregar com os máos resultados; assim o intenderam os governos e as legislaturas anteriores. Como posso eu agora convir em que especialmente nas circumstancias mais deploraveis de um paiz, a braços com uma vasta calamidade, se vá crear tão oneroso e tão estranho encargo? Ha ainda outra consideração para mim de muito peso, que é a garantia a favor do caminho de ferro, que já tinha sido constituida no producto do imposto para a amortisação das notas, e é transferida para o producto do novo imposto, donde resultará que, se algum desses impostos provar mal, se chegar o tempo, já antes esperado, de extinguir ou reformar outros, muito mais difficil se tornará essa medida salutar, porque elles se acharam presos pelo novo annel da cadeia de um contracto, e com uma companhia poderosa; e todos sabem o quanto é difficil tractar taes negocios, e ás vezes perigoso com taes companhias. Entre as contribuições, sobre que vão recaír estes impostos addicionaes, ha uma nas ilhas, que pede a minha especial attenção, e que eu peço muito ao governo e á camara que meditem muito seriamente antes de se decidirem por essa medida: refiro-me ao imposto addicional sobre os dizimos: todos nós sabemos que os dizimos, mesmo secularisados como estão nas ilhas, e despidos de tantas alcavalas que tornavam odiosa uma parte de sua applicação no reino, como contribuição ainda estão sujeitos a fortes objecções, porque cáem sobre o producto bruto, porque operam com muita desigualdade, porque trazem comsigo fortes despezas de administração, e por muitas outras razões: comtudo, ha nelles um principio que faz com que os povos os paguem de boa vontade; e, para conservar este principio, é necessario não lhes accrescentar coisa alguma, que profane aos olhos dos mesmos povos esse principio: é bem escusado dizer, que esse principio é o caracter religioso do fim para que os dizimos são destinados. Eu desde já declaro, que não poderei convir nesta associação dos novos impostos com os dizimos, sobre tudo em uma occasião em que de vinho pouco havia de que os pagar, e em que a carestia nos ameaça a respeito dos mais generos, o que tudo tende a enfraquecer os meios de os pagar. Tambem me parece que não posso concordar com os addicionaes sobre as alfandegas. Ha annos, por effeito de outra calamidade, as pautas das alfandegas foram reduzidas á metade dos direitos; os effeitos dessa calamidade ainda não tinham de todo cessado, quando caíu sobre a Madeira a fatal doença das vinhas, que tambem agora tem invadido o reino, ainda que não tão geralmente, nem ainda no mesmo grão. O governo e as côrtes não mandaram alterar aquella lei benefica, porque duas calamidades não podiam ser uma razão mais favoravel para a suspensão daquelle beneficio que uma: as circumstancias actuaes não mudaram, antes tem peiorado. Os antigos depositos de vinhos velhos ainda tinham alimentado alguma exportação, e a esta correspondencia alguma importação; mas aquelles depositos vão-se exhaurindo, e não havendo novas colheitas, hão de em pouco tempo cessar de todo; constam que elles já estão muito reduzidos. Ora, neste estado de coisas, será esta uma occasião opportuna para ír onerar de novos impostos osdireitos das alfandegas? Será isso coherente com as providencias anteriores? Pois quando aquella parte da familia portugueza, do meio daquelle pélago de infortunios, clama á mãe patria para que lhe Valha, e esta lhe diz que não póde acudir-lhe na extensão que ella pede, será conveniente com uma mão fazer-lhe um presente de valor muito duvidoso (fallo do tabaco), é com outra exigir por este e pelo outro um preço tão avultado e tão além das suas forças?

Sr. presidente, nós não pedimos este beneficio de graça; não o pedimos! á custa dos meios geraes; não queremos para nós excepções de favores gratuitos; mas queremos que nos caiba parte com que possamos, e que com razão e justiça deva recaír sobre nós. Eu, sr. presidente, approvo em geral o principio de fazer contribuir o sabão, e tabaco por si mesmos, para a massa das contribuições, approvo um direito moderado, e mesmo Um tanto protector sobre o sabão estrangeiro; um direito ainda mais protector sobre o tabaco estrangeiro, mas não tal que convide ao contrabando; e o que está no projecto considero como tal. Admitto tambem algum imposto por licenças, pelo consumo interno, e aquelles resultados a que esta industria no reino estiver sujeito pela lei do maneio. Essas ilhas, se ellas todas estivessem em circumstancias normaes, diria eu que se avaliasse o que fallava para prefazer o rendimento do monopolio, e que se lançasse essa quantia pelos mesmos principios das contribuições de repartição; mas, nas circumstancias actuaes da Ilha da Madeira, não me atrevo a tanto, antes pelo contrario, se o governo não póde dar de mão a esses impostos addicionaes, de que tenho fallado, ou modifica-los, então eu quasi que não ouso pedi-lo, mas parece-me que é logico, e que não é injusto ou suspender a sua applicação em quanto durarem as calamitosas circumstancias actuaes, pondo em execução só os que recaem sobre o mesmo sabão e tabaco; ou deferir de todo a lei do beneficio dos encargos até o termo do actual contracto, depois do qual a lei deve vir sem o peso das indemnisações.

Eu partilho das opiniões, que em materia de monopolios não devemos olhar só ao quantitativo dos rendimentos pecuniarios do peso; que devemos ter em vista o muito que temos a ganhar para a liberdade das industrias, para a moralidade publica, para a liberdade pessoal, e da propriedade; e que todos estes bens valem bem o preço de alguns sacos de ouro ou prata: todavia tudo tem seu limite, e sempre convém que aquillo que se substitue não vá produzir tão grandes ou maiores males. Em Inglaterra não ha monopolio de tabaco, mas os altos direitos que lá se

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pagaram por muitos annos conduziram pelo contrabando a uma somma de horrores pouco inferiores aos de um monopolio; a mesma fiscalisação dos direitos sobre o sabão traz comsigo uma serie de regulamentos tão vexatorios, que eu nunca quizera velos em o nosso paiz.

Tenho, sr. presidente, dado conta á camara da especialidade da minha situação, e da necessidade em que me poderei achar forçosamente de votar contra aquillo mesmo que tanto tenho advogado. Tenho exposto por uma maneira geral, todas as razões que a tanto me compellem: na discussão especial, como já disse, desinvolverei os pormenores dellas. Resta-me sómente pedir perdão á camara de a ter occupado por algum tempo com coisas relativas á minha pessoa: quanto ao tempo que levei com tractar dos mais, esse foi empregado no desempenho de deveres meus, como deputado, e menos lenho porque lhe pedir venia.

O sr. Santos Monteiro; — Sr. presidente, eu, ou não tomaria a palavra na generalidade desta questão, ou quando houvesse de fallar não seria por em quanto. Fui compellido a mudar de proposito, pelo illustre deputado pela Ilha da Madeira, que acaba de sentar-se. Foi s. ex.ª 'quem me obrigou a inscrever-me nó momento em que me pareceu estar um pouco confundido, em quanto suppõe absolutamente inseparaveis os. dois projectos de lei que estão sobre a mesa, e para cuja confecção tenho muita honra de haver concorrido; quando me pareceu suppôr que a respeito de ambos elles intendia não haver opção, que ou os haviamos approvar como estão, ou rejeitar. Não é assim. Peço licença para lho dizer e demonstrar, concorrendo para que a preoccupação de s. ex.ª não lavre, e não affecte outros membros da camara. Espero consegui-lo, e nesse caso, pelas suas proprias palavras, pelos seus precedentes e pelos seus principios, em logar de ser contra, tem de votara favor da medida.

Nós actualmente não estamos a discutir um unico projecto. Vamos adoptar ou não uma medida economica reclamada ha muito tempo, e por todos os partidos. Os dois projectos completam a medida, mas só um delles, pela sua natureza, é que não admitte alteração, ou o havemos approvar ou rejeitar. Se o rejeitarmos a questão acabou, e o segundo projecto caíu com elle, mas se o approvarmos, como eu creio, e como espero, a respeito do segundo podemos alterar, modificar e additar, como melhor convier. Parece-me conveniente que isto se intenda bem. O projecto que confirma o accôrdo só admitte rejeição ou approvação. O que estabelece a substituição da renda e do nos = o absoluto dominio. E necessario distinguir isto. Parecia-me que estava claro, mas se não estava creio que todos ficarão agora sabendo o que unicamente não póde admittir alteração. Quiz dizer ao illustre deputado qual era o meu modo de vêr a este respeito, qual é e foi sempre o modo de vêr da commissão de accôrdo com o governo, e qual ha de ser necessariamente o modo de vêr da Camara. Projecto que não admitte alteração é só um, a respeito desse ou approvação ou rejeição. Se o primeiro projecto (repito) aquelle que approva o accôrdo fôr rejeitado, nem em discussão entra o segundo. Mas no segundo é admissivel toda a alteração e modificação: por conseguinte, se o illustre deputado apresentar a camara razões que a convençam de que qualquer das disposições do projecto, que estabeleça os meios de, substituir a receita que deixa de entrar no thesouro. por certo modo, deve ser substituida por outras; se. apresentar, digo, alterações a um ou a outro artigo deste projecto originariamente do governo, e depois modificado pela commissão de fazenda, comtanto, que essas alterações, partam ellas da iniciativa do illustre deputado, ou de qualquer dos nossos collegas, venham a dar o mesmo resultado de haver uma, renda, que suppra a que acaba pela rescisão do monopolio do sabão no reino e ilhas, e do monopolio, do tabaco nas ilhas, nem a commissão nem o governo, e nem a camara deixarão de ser doceis, por isso que todos nós desejavamos que a renda seja substituida o mais suavemente possivel para os contribuintes. Neste ponto e escusado alargar-me mais.

Como o illustre deputado não póde negar agora os principios que tem sustentado, sempre que tem vindo á camara, como já se referiu a projectos seus apresentados em varias épocas, projectos que encerravam um desejo, e desejo que vê agora realisado, ha de votar, e deve votar, por coherencia, pela abolição do monopolio, tão oneroso e tão repugnante como elle é (Apoiados).

Sobre a substituição da renda, sobre os meios propostos para a substituição, especialmente nas ilhas,. e especialmente na da Madeira, tem s. ex.ª apprehensões e grandes, resta averiguar se procedem e se são exaggeradas. Essa questão é mais da especialidade do segundo projecto. Como nós havemos de acceitar tudo o que fôr justo e razoavel, como o sr. deputado desde muito tempo que pede a abolição do monopolio, devemos contar com o seu voto. No outro projecto tractaremos de vêr se é sustentavel o que se propõe, e afigura-se-me que não ha de ser difficil chegar a um accôrdo. Sem azedume, havemos de convencer-nos mutuamente, e por fim o que fôr votado ha de ser o melhor.

Desde já digo ao sr. deputado, a v. ex.ª e á camara que não póde haver, e sei que não ha, proposito de sustentar á risca esta disposição: pois todos os differentes meios da substituição da renda indicada pela commissão, podem ser substituidos por outros que pareçam melhores, mas comtanto que se reconheça que não podemos prescindir de uma substituição de receita, porque, falhando uma certa renda do estado, é necessario que seja substituida.

Ainda que mais tarde é que temos de tractar em detalhe da substituição da renda, não posso deixar de fazer algumas leves observações sobre o que ouvi ao illustre deputado com referencia ao que está proposto para as ilhas.

Algumas das ponderações do illustre deputado tendem a fazer acreditar, que a cifra que nós calculámos não é realisavel, e que não obteremos essa cifra das ilhas dos Açôres e Madeira, se porventura fôr approvado o meio proposto para a substituição da renda nas mesma» ilhas. Peço licença ao illustre deputado para lhe dizer, que me parece que as suas apprehensões são demasiadamente excessivas e colhem pouco.

Talvez que a base sobre a qual calcularam o governo e á commissão falhe, quando fôr levada á practica; mas em que póde falhar? Em se realisar uma somma inferior á calculada. Podem as ilhas vir a pagar muito menos do que se calcula, porque tem effectivamente (e desgraçadamente) diminuido na

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ilha da Madeira a. sua principal producção e a renda publica que della derivava. Estou de accôrdo; segue-se que assim mesmo ficam pagando proporcionalmente á sua renda.

Note-se, porém, que é em attenção a isso, por ser possivel haver falhas não só nas ilhas como no reino, que estendemos um pouco o imposto. Já se fallou nesse augmento, mas quem reflectir sem paixão, ha de vêr que difficilmente cobrirá as falhas das duas rendas a do tabaco, e a do imposto para amortisação de notas que desapparece. Não ha de ser com o tal augmento que o thesouro tem de engordar. —

Disse o illustre deputado que, estabelecendo o projecto de substituição de renda um imposto que vai substituir o outro que, applicado para a amortisação das notas, tem elle de ser conservado largamente, por isso que fica sendo garantia dos juros do contracto do caminho de ferro; parece-me que o illustre deputado nesta parte não tem razão. Pois, se o corpo legislativo póde decretar uma alteração actualmente, em qualquer tempo, se se conhecer que o imposto que se estabeleceu agora não deve continuar porque é vexatorio ou por outro motivo, não tem direito de o substituir por outro qualquer! Ninguem póde contestar. E parece ao sr. deputado que se extinguissemos o imposto para a amortisação de notas, sem o substituir, os juros de que elle era garantia, ficariam sem ser garantidos? No proprio contracto está o correctivo: a garantia é transferivel para os outros rendimentos publicos.

A proposito das notas do banco de Lisboa, ouvi ao sr. deputado o que não tem desculpa em s. ex.ª, attenta a sua muita illustração, e o seu conhecimento nestas materias. Não queria ouvir dizer ainda, e dizer aqui, e dizer quem o disse, que pagâmos as notas do banco de Lisboa, dando a intender que temos estado a pagar as dividas de um estabelecimento de credito. (O sr. Moniz...): — Pois não pagámos nem pagâmos as notas do banco, pagâmos uma divida do estado, e uma divida contraída por um governo que governava na conformidade da lei, e que foi approvada pelos poderes politicos da nação, e que esta havia de pagar mais tarde, ou mais cedo. (Vozes: — É verdade) A opinião contraria não póde ser nossa.

Agora direi alguma coisa a respeito da cultura do tabaco nas ilhas, e especialmente na Madeira. Já hoje aqui disse um dos meus collegas na commissão, e o sr. ministro da fazenda, qual era a somma a que montava o tributo (álem dos vexames que não tem preço) proveniente do monopolio do tabaco e sabão nas ilhas, e o illustre deputado sabe que é muitissimo superior á cifra da substituição da renda calculada no parecer da commissão; é superior talvez em 20:000$000 réis. Já ouvi a um illustre deputado pelas ilhas, que elle desejava que ellas pagassem por uma derrama, só, e unicamente só a somma do valor do monopolio que se extinguia. Pois no projecto propõe-se muito menos, e isto prova que zelâmos os interesses daquellas localidades, mais alguma coisa do que os seus naturaes representantes.

Pelo que respeita á cultura do tabaco nas ilhas, o sr. Moniz disse que tinha vivido em paiz onde se cultivava o tabaco, e que podia dar informações a este respeito, e que estava capacitado que o tabaco cultivado na ilha da Madeira não podia jámais competir com o tabaco de outros paizes; estou de accôrdo com esta opinião, se a ilha da Madeira nos primeiros tempos daquella cultivação imaginasse fazer-se exportadora, o que só poderá acontecer mais tarde. Mas não ha de poder competir a ilha da Madeira, e competir em grande vantagem com o tabaco dos outros paizes para o consumo da propria ilha, ficando esse tabaco da sua producção livre dos pesadissimos direitos de entrada, que ha de pagar o tabaco estrangeiro? Pois se com a vantagem extraordinaria do não pagamento de direitos de entrada tem a seu favor uma protecção tão desmedida, e sendo essa a razão por que a commissão de fazenda não adoptou a idéa que germinava em alguns individuos, de se estabelecerem direitos no consumo do tabaco produzido na propria localidade; a cultura não ha de prosperar? Eu intendo que sim. Creio que ha mais uma outra ilha, onde a cultivação já foi experimentada, e ha de tirar muitissima vantagem, porque tem uma protecção desmedida, que decerto senão dá em nenhuma outra producção. Ora, quererá dizer-se, que tudo quanto se tem escripto tem sido poesia, que não havia fundamento para o fazer? Se assim fosse, ocaso era outro, porém as auctoridades tem sido tão competentes, que eu continúo a dar-lhes credito. (Interrupção)

Eu o que tenho visto é uma e muitas vezes pedir que se abolisse o monopolio do sabão, e que se permittisse a livre cultivação do tabaco na ilha da Madeira. Porque se pedia isso? Porque se suppunha dê vantagem; e grande vantagem para a ilha. (Uma voz: — Pediu-se o ensaio) Não vi pedir ensaios, o que vi foi pedir a faculdade da cultivação, sem se lhe chamar ensaio. (Uma voz: — Está enganado) Algum de nós o estará, e talvez todos.

Como eu pedi a palavra, e tenha acabado de fallar uma pessoa a quem respeito, que é o sr. deputado Vellez Caldeira, eu não posso deixar de passar em resenha, rapidamente, algumas das observações que ouvi a s. ex.ª O sr. deputado disse nesta casa (e era escusado dizer) que tem assignado todos os projectos, quantos se tem apresentado na camara propondo a extincção do monopolio do sabão. Eu desejava que o illustre deputado me dissesse se alguma vez assignou algum projecto, intendendo que, depois delle reduzido a lei, não havia necessariamente de vir um desfalque para as rendas publicas, desfalque que havia de ser supprido diminuindo despeza, ou creando impostos: que trouxessem nova receita? A isto não se responde. O que se dava has occasiões em que s. ex.ª foi signatario de diversos projectos apresentados nesta casa ha de dar-se aqui, e ha de dar-se sempre.

O illustre deputado apresentou-se tomado de horror, porque o governo propõe, e a commissão concorda n'uma idéa, que é, e tem sido de s. ex.ª O sr. deputado quer não só a abolição do monopolio do sabão, porém de todos os monopolios; mas não consente que a renda proveniente delles seja substituida por outro modo. Mas como isso, sendo coisa optima toca o impossivel, o illustre deputado, como juiz recto, como jurisconsulto profundo, ha de concordar em que, tirada uma parte do monopolio, seria horroroso obrigar, e seria inepto conceber, que a renda havia de ser exigida e paga por inteiro.

Como eu, e toda a camara fazem justiça, e isto não é cumprimento ao illustre deputado, s. ex.ª não póde atacar o principio, não póde querer que aos contractadores deixe de se abater o valor do que se lhe tira. Isto não é indemnisação, porém chame-se-lhe, que os nomes a mim não me assustam.

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Não se podendo atacar o principio, não podemos razoavelmente fazer questão da somma. A somma não vem aqui senão para informação. O que ha a averiguar é se o meio, ou os meios empregados para se achar a verdade dessas sommas, e o mais proprio, é o unico, ou se ha outro, ou outros melhores. Esta é a questão unica que póde tractar quem deseja a abolição do monopolio, e quem a tem proposto. Qual é o meio por que se ha de conhecer a verdade, o meio porque se ha de descobrir uma somma, a qual por em quanto apenas sabemos que não ha de passar além de um maximum? O meio que ainda ninguem achou máo, que ainda ninguem combateu, porque não pôde, aqui está na terceira das condições do accôrdo. (Leu)

Pergunto eu: será este ou não o meio razoavel e legal de se fazer a liquidação sobre a quantia que deixam de receber os contractadores desde que se separa dos dois monopolios um? Em quanto se não negar que este é o meio legal e regular, não póde deixar de se votar pela quantia que fôr liquidada. Não foi disto de que se occupou o sr. deputado; em quanto não se occupar disto, não se póde occupar da quantia. A quantia não está marcada senão no maximo; e está marcada no maximo, porque para fixar o maximo já a commissão tinha os esclarecimentos necessarios. Mas seja muito menos do que a somma apresentada como maximo, ou seja pouco menos, não é licito a ninguem duvidar da somma, uma vez que não combata as bases para a liquidação, e uma vez que não declare positivamente que havia outro meio de chegar á liquidação. Póde combater-se a medida por qualquer outro motivo, mas nunca por este.,

Não posso deixar de me maravilhar de vêr nesta casa um jurisconsulto profundo, absorto porque no anno passado foi trazido aqui um projecto para a rescisão completa dos dois monopolios sem indemnisação, e que este anno se apresenta um projecto só para parte do monopolio, e com indemnisação. Affigurar-se-ha a algum sr. deputado que os contractadores, se tivesse passado o projecto de 1853, continuavam a pagar a renda? Não lhes quero fazer similhante aggravo. Não havia indemnisação, mas havia de haver uma outra substituição de receita, fôsse ella como fosse. É o que há agora; não ha indemnisação; por esta terceira condição vai-se averiguar o que é que diminue a renda, e vai-se abater da renda essa quantia que realmente se conhecer que diminue, e vai ser substituida por outro modo para o estado. Se tivessemos approvado o projecto do anno passado. Haviamos de ter substituido mil trezentos e tantos contos de réis por outro qualquer modo; os contractadores não pagavam nada. Tambem não pagam este anno; a questão é a mesma, não ha aqui indemnisação.

O sr. Cunha Pessoa: — Mas recebem.

O Orador: — Recebem o que?

O sr. Cunha Pessoa: — Recebem os prejuizos, o que deixam de ganhar.

O Orador: — Era o que faltava. Isso mesmo é que eu queria ouvir, é a prova de que o interesse dos dois monopolios reunidos provinha mais do monopolio do sabão do que do monopolio do tabaco. (O sr. José Estevão: — Apoiado! Apoiado!) Essa é que é aprova. (Vozes: — É verdade) A prova está nas contas e nos documentos que foram presentes á commissão (O sr. Cunha Pessoa: — Ahi é que eu queria tambem a questão) Ora, o que se vê dos documentos que tem a commissão, da commissão que está liquidando o valor da substituição? É que o consumo do sabão tem, de anno para anno, de mez para mez, ido sempre em augmento. (O sr. José Estevão: — Apoiado! Apoiado! — O sr. Cazal Ribeiro: — É exacto) Ora, o que prova isto? O anno passado entregavam os contractadores os dois monopolios,.porque os dois monopolios reunidos não lhes davam interesse, e então não perdiam nem ganhavam, e talvez ganhassem; este anno, tirando-se-lhes o monopolio de que tiram o interesse, ha de necessariamente ser liquidado o valor desse monopolio, que tem ido crescendo a pouco e pouco, como se vê dos documentos irrecusaveis que foram presentes á commissão.

Ora, pergunto eu agora: haverá alguem que duvide da probidade dos membros escolhidos para comporem essa commissão de liquidação? Eu tenho nelles, pelo menos por mim, e creio que uma grande parte da camara tem nelles tambem a mais completa confiança. (O sr. José Estevão a outros senhores: — Apoiado! Apoiado! — O sr. Cunha Pessoa: — Nem ninguem pôz isso em duvida) Quem é que o pôz em duvida?

Ora, disse aqui o mesmo illustre deputado que, nas condições do actual contracto, não se fez separação entre o valor do monopolio do sabão e o valor do monopolio do tabaco. Mas quererão deitar as culpas á actual administração desta falta, se é falta? Creio que não. De quando são as condições? Esta falta, se o é, é do acto da arrematação, é de 1844. Teremos nós a culpa? Terá a situação actual culpa disto? Creio que não. (O sr. Ministro da fazenda: — Apoiado!)

Ora, eu espero que um collega meu da commissão ha de levar á evidencia o que eu apenas esbocei; ha de talvez provar que, calculado o termo medio de tres annos, fixando-se o actual anno n'uma certa época, isso mesmo é de vantagem para o estado, porque o consumo ainda agora vai em augmento, e as causas são tantas, e tão conhecidas, que eu offenderia a camara se as enumerasse. O consumo do sabão augmenta á proporção que nos vamos civilisando mais; e a civilisação é progressista.

N'outros pontos tocou o sr. deputado, aos quaes me era bem facil responder. Não o faço pela hora, e porque sei que não ficam sem resposta.

Mas, sr. presidente, antes de concluir, chamo a attenção da camara para uma circumstancia que não deve passar desapercebida, uma vez que o illustre e nobre deputado concluiu declarando que votava contra o projecto. O illustre deputado afeiou, se tanto é possivel, o quadro dos vexames provenientes da existencia dos monopolios, da exigencia desse estado no estado. Disse-nos o que todos sabemos, recordou para que nos não esquecessem os vexames que tem dado causa a um milhão de representações contra o monopolio, e até mencionou singularmente o facto de um desgraçado, que padecêra e muito, porque, não havendo sabão exposto á venda na terra da sua residencia, fôra provêr-se de uma pequena porção delle ao reino visinho. Pois se isso é assim, se os vexames por causa da existencia do monopolio horrorisam, se nós reconhecemos, como não podemos deixar de reconhecer, que tudo quanto é resultado da existencia do monopolio do tabaco e do sabão é horroroso, havemos nós de conserva-lo?... E é o illustre deputado, que faz essa resenha dos vexames, quem vota pela continuação delles? Aonde estamos nós?

Para se sustentarem esses vexames até uma certa

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época, já aqui, se referiu, e parece-me que foi lida a consulta de uma junta geral de districto (eu não conheço os membros dessa junta, mas quero reivendicar o seu credito), creio que foi a junta geral de Portalegre, além de outras, que tinha pedido a abolição do monopolio do sabão para quando acabasse o actual contracto. E verdade que pediu; mas quando pediu? Muito antes de se pensar na possibilidade da rescisão desse monopolio, mesmo antes de findar o contracto. Veja-se a data da consulta dessa junta geral de districto que é de 1852. Já em 1852 essa junta geral de districto pedia que se acabasse o monopolio do sabão, no fim do contracto — nós acabâmo-lo já, porque e possivel faze-lo.

Eu, como disse, pedi a palavra unicamente para tirar os escrupulos ao nobre deputado o sr. Moniz. Creio, que até certo ponto já estamos de accôrdo. (O sr. Moniz: — Não em tudo) Mas em alguma coisa já estamos de accôrdo — de que é possivel alterar as disposições do projecto que estabelece a substituição — o que não é possivel por fórma alguma a discutir esse projecto uma vez que se não vote o primeiro do qual elle é consequencia, é votado o primeiro não se segue que se hão de votar todas as disposiçoes do projecto relativo á substituição da venda..

Não quero abusar por mais tempo da paciencia da camara; nem sei, nem mesmo quero tirar aos meus collegas... (Uma voz da direita: — A gloria).pois como queiram, seja a gloria de brilharem, naquelles pontos em que o podem fazer com grande credito seu, e com grande vantagem para e debate e para o esclarecimento da verdade, o que eu sou incapaz de fazer, como o primeiro a reconhecer a minha inferioridade e a minha insufficiencia.

O sr. Cazal Ribeiro (Sobre a ordem): — Mando para a mesa um outro mappa referido ao consumo do tabaco nas ilhas adjacentes. Ainda que não foi reclamado por ora pela commissão, como tenho aqui presente este documento, peço licença av. ex, para permittir que fique sobre a mesa, para ser tambem consultado por quem o quizer vêr, se intender que elle é de vantagem para a discussão. Não é um documento official, é um mappa extrahido da folha da administração, da, mesma fórma que o outro, que já mandei para a mesa, relativo ao consumo do sabão.

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, depois que existe a administração actual, mais de uma vez o governo tem sido procurado por diversas pessoas encarregadas, que se dizem ser, por algumas companhias, para propôr ao mesmo governo o contracto de uma linha de ferro entre Lisboa e Cintra. Estas propostas feitas ao governo, mais ou menos explicitamente, implicavam todas a idéa de uma garantia de juro da parte do governo de 6 ou 5 por cento pelo menos.

O governo, examinando com a attenção que merece este objecto, os interesses economicos que se teriam attendido pelo estabelecimento do caminho de ferro entre Lisboa e Cintra, não achou que fossem bastante ponderosas as razões para justificara concessão de uma garantia de juro para um caminho de ferro, que se não reputa tão necessario, em quanto que nós precisâmos applicar os recursos immediatos do thesouro para a construcção de outros caminhos, que são mais immediatamente vantajosos ao paiz. Nestes termos o governo não julgou opportuno apresentarão parlamento nenhuma proposta, nem que fosse vantajoso apresenta-la, afim de contractar sobre nenhuma dessas propostas que lhe foram feitas,

O governo tem sido ultimamente solicitado por um individuo, representando uma companhia estrangeira, para que se lhe conceda a construcção do muro do caes ao longo do Tejo, uma docca, e sobre o dicto muro do cáes um caminho de ferro partindo de um ponto proximo ao forte de S. Paulo, até a villa de Cintra; isto sem subvenção alguma da parte do governo, e sem garantia de juro algum, e unicamente pedindo que se lhe concedam os terrenos que pertençam ao estado, adjacentes á margem do Tejo até á linha que decorrer o muno do caes.

Nestas circumstancias com quanto não seja, como não é realmente, o caminho de ferro entre Lisboa e a villa de Cintra de um grande interesse economico para o paiz, comtudo não se póde desconhecer que sempre é de vantagem para o paiz o estabelecer em alguma parte do territorio este meio de communicação prompto e facil; e além disso a communicação hoje facil e prompta de quasi todas as classes da sociedade fará que a villa de Cintra, um dos pontos mais pittorescos do paiz, se torne sem duvida um bello arrabalde da capital.

Nestes termos, qualquer, que seja a opinião que se possa fazer da importancia deste caminho, o que é certo é que o governo não deve desprezar o momento que se lhe offerece de poder realisar este melhoramento importante, que além das commodidades e da segurança que offerece, é de certo de vantagem publica, e uma vez que se, não pedem encargos que sejam incompativeis com as forças do thesouro, porque os encargos propriamente do thesouro são nenhuns, pareceu ao governo que seria util o contractar com esta companhia debaixo destas condições.

Mas para fazer o governo um contracto, como deve ser um contracto desta natureza, attendendo a todos os interesses licitos, estipulando tocas as garantias indispensaveis para a segurança do estado e dos que transitam, attendendo a todas as condições de arte a que era necessario attender, em objectos desta natureza, era necessario que ouvisse, o conselho de obras publicas, e minas sobre o assumpto, a fim de poder formar uma opinião judiciosa sobre a construcção deste caminho de ferro.

Na altura em que está a sessão não foi possivel fazer passar a proposta que se fez ao governo e por todos os tramites que deviam observar-se, a fim de poder fazer successivamente um contracto provisorio. E nestes lermos o governo vem trazer a camara uma proposta para, que o parlamento o auctorise a contractar.com esta companhia a construcção do muro do caes, a doca, e sobre o dito muro de caes a construcção de um caminho de ferro até Cintra, mediante as condições estipuladas na proposta que tenho a honra de apresentar, á camara. (Leu) Peço a urgencia desta proposta. Foi declarada urgente.

O sr. Presidente: — Ámanhã se lhe dará seguimento. A ordem do dia para ámanhã, álem da que já estava dada, é o projecto n.° 98, para ser auctorisado o governo a fazer na organisação do corpo de marinheiros militares aquellas alterações que a experiencia mostrem necessarias; projecto n.° 113 sobre alteração das pautas; projecto n.° 118 sobre ser auctorisado a fazer alguma refórma no serviço interno

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e externo das alfandegas; projecto n.° 119 diminuindo o direito na exportação da prata; 121 auctorisando a camara municipal a contrahir um emprestimo; e 122, auctorisando o governo a reintegrar no exercito differentes militares, que serviram no exercito libertador. Está levantada a sessão. — Eram 4 horas e 3 quartos da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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