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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 4

EM 15 DE MARÇO DE 1910

Presidencia e Exmo. Sr. Conde de Bertiandes

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente.- O Digno Par Sr. José de Alpoim occupa-se dos livros actualmente usados no Seminario de Beja, e apresenta algumas considerações acêrca da questão religiosa. - Responde o Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro). - O Digno Par Sr. Sebastião Baracho promette estigmatizaras infracções praticadas pelos prelados, fazendo por que se mantenham intactas as prerogativas do poder civil. Envia para a mesa dois requerimentos pedindo documentos; fala da reforma do Juizo de Instrucção Criminal e, por ultimo, trata da questão dos tabacos, na parte referente aos minimos, na partilha de lucros da Companhia com o Estado. - Respondem ao Digno Par os Srs. Ministros do Reino (Dias Costa) e da Fazenda (Soares Branco). - O Digno Par Sr. Francisco José Machado occupa-se da questão vinicola, e conclue mandando para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio das Obras Publicas. - Respondeu o Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior). - O Digno Par Sr. Conde de Avillez envia para a mesa uma representação e requer que ella seja publicada no Diario do Governa. - A Camara annue a essa publicação. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa envia para a mesa dois requerimentos pedindo documentos pelos Ministerios da Fazenda e Estrangeiros. - O Digno Par Sr. Conde de Bomfim apresenta requerimentos solicitando esclarecimentos pelos Ministerios da Guerra, Estrangeiros e Obras Publicas.

Ordem do dia. - São eleitos os dois membros para a Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia e a commissão especial que tem de examinar e dar parecer sobre os documentos emanados do Digno Par Sr. Sebastião Baracho. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem de dia.

Pelas 2 horas e 25 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 30 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio do Reino, communicando não haver, naquelle Ministerio, nenhum documento respeitante ao assunto sobre que incidira um requerimento do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Officio do Ministerio do Reino, satisfazendo a um requerimento do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Officio do Ministerio do Reino, remettendo o decreto com o programma para o acto de juramento de Sua Alteza o Principe Real.

Officio do Ministerio da Marinha e Ultramar, remettendo, para serem distribuidos, 150 exemplares do relatorio e propostas de lei apresentadas ás Côrtes pelo Sr. Conselheiro Antonio

F. Cabral Paes do Amaral, quando Ministro da Marinha, na sessão legislativa de 1909.

O Sr. José de Alpoim: - Pedi a palavra para dizer ao Sr. Ministro da Justiça que fui examinar o parecer do Conselho Superior de Instrucção Publica a respeito dos livros, agora usados, para ensino no Seminario de Beja. Tenho o desgosto de dizer á Camara que é absolutamente verdadeiro o que já lhe affirmei! Dois d'esses livros foram rejeitados, por conterem doutrinas contrarias á verdade dos factos historicos, a ponto tal, que nelles é apresentada como um crime, uma torpeza, a grande e immortal obra da unidade italiana, realizada sob o sceptro de Victor Manuel.

Sobre o insulto á memoria do grande Rei, bisavô do Senhor D. Manuel II, como sendo o autor de uma obra de infamia e de vergonha, ha a negra acção de educar os cerebros juvenis no erro e na mentira, pois, se ha obra immortal, resplendente de gloria e de heroismos, é esse trabalho politico e militar, elaborado em largos annos de lutas e soffrimentos, que acabou pela conquista de Roma, pela destruição do poder temporal do papado.

Nesse livro de ensino e noutros, a que me hei de referir largamente, offendem-se tambem os direitos e as regalias do poder civil, d'esse poder que os homens de Estado do absolutismo diziam, aos Reis, dever sustentar, que os Monarchas mais illustres de Portuga! defenderam, a ponto de encerrarem nas masmorras os prelados resistentes - os prelados que agora Ministros da Monarchia liberal agacham debaixo do manto regio, não ousando sequer ter uma palavra de censura para a sua acção de desrespeito ao Estado, que os sustenta e subsidia como funccionarios que são.

Hei de tratar largamente d'esse assunto na resposta ao Discurso da Coroa, como caracteristica da politica reaccionaria, de transigencias hybridas, que vae assinalando, por culpa de homens publicos, o reinado de uma quasi criança, reinado que devia ser uma aurora de reivindicações politicas e sociaes, de espancamento de todas as audacias e tentativas clericaes. Por hoje, limito-me a dizer que é verdade tudo quanto aqui affirmei ha dias. D'esse parecer, que é curto, mas limpidissimamente redigido, foi relator o Sr. Dr. José Maria Rodrigues, lente de theologia na Universidade e professor

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

do Curso Superior de Letras. E um sacerdote, insuspeito pelo seu talento é erudição, e pelo seu espirito conservador.

Tambem tratarei, na resposta ao Discurso da Coroa, do caso do Sr. Bispo de Beja, que é gravissimo, e que constitue, com a questão dos compêndios, um dos aspectos do problema clerical português, problema que ameaça ser uma conflagração como a que ameaça a Espanha. Mostrarei como esse prelado alterou os estudos no Seminario,0 contra lei, supprimindo cadeiras, supprimindo os preparatorios! Aproveitarei a occasião para me occupar da questão das congruas parochiaes e da melhoria da sorte do nosso pequeno clero, tão abandonado pelos poderes publicos e tão desapiedado pelos Bispos que se acham enfeudados á reacção - e que só teem olhos postos em Roma.

Ha dias, o Sr. Ministro do Reino disse ser catholico, mas catholico á maneira do chefe do glorioso partido reformista, de onde eu vim, d'esse santo e rude Bispo de Viseu, que nunca foi um adulador cortesão. Esse Bispo, o bom Alves Martins, não consentia, no seu bispado, frades ou missionarios: dizia que, para defender a fé, bastavam elle e os seus parochos. Não é a doutrina de alguns prelados de hoje; e o nosso clero secular corre risco de se ver esmagado, e até arruinado, pelos chamados padres de Roma, e pelos frades vindos, aos cardumes do estrangeiro.

Eu quero defender o clero português : e, por isso, hei- de falar largamente da demora das informações episcopaes para o provimento dos beneficios ecclesiasticos, demora que chega a ser um crime e uma monstruosidade, na repugnancia de alguns prelados a collar nesses beneficios padres que o Governo legitimamente despachou, no arbitrio com que essas informações são dadas. Visto que ha Igreja Portuguesa, é preciso nacionalizá-la bem, defendê-la, rodear o clero português de garantias que não tem - e combater todas as ingerencias do jesuitismo, que se quer apoderar do ensino, e combater a influencia das congregações religiosas, que pretendem mandar no Paço dos Reis e nos paços dos Bispos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Para que não possa o meu silencio ser tido como falta de deferencia para com o Digno Par, o que não pode estar no meu animo, pedi a palavra simplesmente para dizer a S. Exa. e á Camara que, visto ter-se limitado a fazer um enunciado dos diversos factos que versará por occasião da resposta ao Discurso da Coroa, para essa occasião reservo o que se me offereça dizer a proposito de essas considerações.

(S. Exa. não reviu).

O. Sr. José de Alpoim: - Agradeço as palavras do Sr. Ministro da Justiça, mas lembro a S. Exa. que, apesar da sua portaria só o Bispo de Beja, até agora, mandou a nota dos livros adoptados nos seminarios.

Desejo ver como S. Exa. liquida este assunto no Parlamento.

Hei de tratar aqui d'esse assunto, ainda que fique só completamente abandonado na defesa dos direitos da Coroa.

Não recuarei um passo, ainda que me veja completamente isolado.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - O Digno Par Alpoim acaba de declarar que de ninguem precisa para combater o clericalismo dominante.

Attentas as qualidades oratorias de S. Exa., a sua affirmativa é de facil comprehensão. Eu porem, pela parte que me é concernente, não deixarei de estigmatizar, como no passado, as infracções, praticadas pelos prelados. Nesta salutar campanha, não alvejarei de preferencia um ou outro. Farei incidir a minha critica sobre todos os que não respeitem as leis do reino, sobre todos os transgressores das prerogativas do Estado.

Apropositada e simultaneamente pedirei contas ao Governo pelas complacencias abusivas que tenha para com os delinquentes. Lembrar-lhe-hei, como faço neste momento, que, desde as epocas mais remotas, o poder civil inutilizou as tentativas absorventes do clericalismo. O imprescindivel beneplacito regio, por exemplo, já era sustentado com firmeza no artigo 32.° das Côrtes de Elvas, no reinado de D. Pedro I.

Um diploma que tenho á mão, a portaria de 8 de agosto de 1863, é um abundante repositorio de legislação regalista. Assina a Mendes Leal, que, não podendo ser suspeito para Ministros do partido progressista, os deve estimular a seguirem na mesma esteira. A portaria alludida encontra-se entre os Documentos comprovativos do Direito Ecclesiastico Português, de Bernardino Carneiro, e merece ser lido e meditado pelos cultores do liberalismo sem pecha, do liberalismo sincero e confortante.

Isto posto, mando para a mesa dois requerimentos, e, antes de versar a questão dos tabacos, para que, na sessão anterior, pedi a presença do Sr. Ministro da Fazenda, seja-me permittido

Os requerimentos vão adeante insertos.

dirigir-me ao Sr. Ministro do Reino, a fina de o informar de que me reservo para mais tarde responder circunstanciadamente ás considerações, por S. Exa. formuladas, acêrca do Juizo de Instrucção Criminal.

Entretanto, notarei agora que o Sr. Ministro entende que esse padrão de opprobio, não pode manter se tal qual se encontra; e, todavia, conserva-o. O instrumento que mais o caracteriza na sua feição perversamente inquisitorial, é o abominavel decreto de 19 de setembro de 1902. Com outro decreto, poderia aquelle ser inutilizado, com applauso geral e proveito publico. O Sr. Ministro, porém, não se norteia por esse modo, limitando-se a intitular-se liberal, exactamente como os seus antecessores. Todos, na verdade, se mediram theoricamente por aquella craveira. Na pratica, comtudo, deixaram intacto o decreto abjecto, e sustentaram integralmente o Juizo de Instrucção, que eu em 1902, d'este mesmo logar, denominei a Bastilha, como hoje é popularmente conhecido.

Este facto prova á exuberancia a propriedade com que designo, não direi aquelle antro, mas aquelle refugio deshumano de crueldades, dia a dia exercidas, odienta e odiosamente.

Não tenho duvida em acreditar na sinceridade das asseverações liberaes do Sr. Ministro; mas muito conveniente seria que S. Exa. harmonizasse a theoria com a pratica dos seus actos. E muito lucraria tambem a causa publica, quando não houvesse contemporizações de especie alguma, com a reacção instigante dos torpes feitos em que a Bastilha é fertil. O Sr. Ministro encontra-se, ao que se observa, entre a bigorna reaccionaria e o martelo liberal, a ninguem podendo satisfazer esta attitude ambigua, o que está na lógica dos acontecimentos. E humano.

As situações dubias a ninguem aproveitam, mormente a quem as provoca e as mantem. Como lição muito recommendavel em casos d'estes, occorreme-a fabula do velho, do rapaz e do burro, imitada de Lafontaine por Curvo Semedo, e que me embalou na meninice. Assim sé exprime significativamente a velho:

É mau se monto no burro,
Se o rapaz monta, mau é,
Se ambos montamos, é mau,
E é mau se vamos a pé!

O velho então para, e exclama:
"Do qu'observo me confunde!
Por mais qu'a gente se mate,
Nunca tapa a boca ao mundo".

O Sr. Ministro, que se jacta da sua procedencia plebleia, e constitue, como homem, o louvavel producto do seu tra-

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balho, não carece de favores para representar o seu papel. Tudo indica, portanto, dada a sua jactancia de liberal, que devia formar, sem subterfugios, d'este lado da barricada, onde todos nos congregamos para fazer frente á reacção politica e clerical, que ousa erguer-se impudentemente contra a evolução do progresso, impossivel de deter.

É, circunstancia digna de ser registada, á repugnante Bastilha, e seus não menos repugnantes corifeus, não faltam defensores, pela palavra e pela escrita. Hei de noutra occasião analysar mais detidamente este tópico, porque o merece em todo o ponto. Neste momento, porém, limitar-me-hei a recordar que a dotação da Bastilha, para occorrer a despesas inconfessaveis, era em 1900-1901 de 25 contos de réis annuaes. De 1901-1902 a 1907-1908 foi de 36 contos da réis. Em 1908-1909 e 1909-1910 a dotação tem sido de 50 contos de réis. Com um tal mana disponivel, não admiram os enthusiasmos, mesmo quando elles incidem, como no caso sujeito, sobre a hedionda Bastilha e seus graduados esbirros. E fruta do tempo.

Consignada mais uma vez, pela minha parte, a repulsão que me produz a Bastilha, com todo o seu repellente organismo, vou occupar-me da questão dos tabacos, na parte referente aos minimos, na partilha de lucros da Companhia com o Estado.

A questão foi, entre outras vezes, por mim posta na sessão de 17 de agosto de 1908, nestes precisos termos:

Que providencias foram adoptada, com o objectivo de remediar a omissão do ultimo relatorio da absorvente Companhia, concernentemente á partilha de lucros, na importancia de 50 contos de réis, a que o Estado tem inilludivel direito, nos tres exercidos de 1907-1910, em virtude do preceituado no n.° 1.° do artigo 6.° do contrato definitivo de 8 de novembro de 1906 ?

Nessa mesma sessão, o titular da pasta da Fazenda respondia á sua pergunta por este modo:

No relatorio da Companhia não se allude, "afectivamente, aos 50 contos de réis com que ella é obrigada a contribuir para o Estado, pela importancia minima garantida na partilha de lucros.

Essa quantia está, porem, inscrita no Orçamento Geral do Estado, e o Governo ha de, em tempo competente, obrigar a Companhia a pagá-la.

Não ha duvida de que, na resposta do Ministro de então, se assegura peremptoriamente a obrigação da Companhia ao pagamento. Mas como elle se deveria verificar em tempo competente tudo deixa perceber que o Governo ainda não suppôs chegado o momento para ser satisfeito esse compromisso, e não será, por certo, a Companhia, que apressará a liquidação das coutas. Quanto a ella, mão se labora em erro, se se lhe attribuir o proposito de nunca se chegar ao tempo competente para saldar o seu debito.

É o que logicamente se deduz da insistencia com que na imprensa se tem affirmado que o Governo a dispensou de satisfazer os 100 contos de réis, que a tanto avultam os minimos, em divida, da partilha de lucros.

Não quero crer que a dispensa do pagamento se tenha effectuado. Desejo, todavia, que o Sr. Ministro seja explicito sobre este ponto, e bem assim informando a Camara sobre se alguma tentativa se fez nesse sentido.

Em tal caso, careço de saber em que altura se encontram as negociações; se ellas são acompanhadas por consultas de qualquer estação official; e, emfim, quaes as minuciosidades todas com que é revestido esse escabroso assunto.

Necessito igualmente de ser informado acêrca das causas que teem obstado ao pagamento, se de facto elle não foi dispensado, e nem tão pouco se iniciaram trabalhos com esse objectivo.

No anno de 1908, a que me estou referindo, insisti com o Ministro da Fazenda para que usasse do direito que é garantido na alinea a) do artigo 9.° do contrato, determinando que o director da contabilidade publica procedesse ao exame da escrituração commercial da Companhia.

E indispensavel praticar este acto de fiscalização, mormente quando a Companhia faz allegações perfeitamente arbitrarias, como são as que dizem respeito á partilha de lucros.

Reage a Companhia contra o exame estatuido na lei? Por essa recusa, incorre na multa de dois contos a nove contos de réis.

Deixou ella, effectivamente, de satisfazer os tres exercicios de partilha de lucros, reputado cada um em 50 contos de réis? A rescisão está naturalmente indicada,, visto que ella subsiste pela alinea e) do artigo 9.°, já indicado, quando o concessionario falte a dois pagamentos seguidos da quota parte dos lucros liquidos, pertencentes ao Estado, ou ao pessoal operario e não operario.

No exercicio da minha legitima acção fiscalizadora, chamo a attenção do Sr. Ministro da Fazenda para as penalidades em que a Companhia pode incorrer, por transgredir os preceitos da lei, por isso que devo continuar a suppor que é inadmissivel que ella tenha sido, ou seja dispensada de satisfazer a partilha de lucros. Semelhante acto não teria a mais minima desculpa, e representaria um esbanjamento contra o Erario, para lhe não dar nome mais expressivo, de 0:550 contos de réis, no periodo da concessão.

Não pode ser.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro do Reino (Dias Costa):- Pedi a palavra para confirmar ao Digno Par e á Camara as declarações que fiz na ultima sessão, do que diz respeito ao Juizo de Instruo cão Criminal.

Essa instituição não corresponde aos principios liberaes que o Governo professa, porque se baseia numa verdadeira confusão de poderes.

Como já disse ao Digno Par, eu tenciono apresentar uma reforma em sentido liberal, e d'ahi vem, como consequencia immediata, a modificação do decreto de 19 de setembro de 1902.

Creio que, por esta forma, ficado satisfeitos es desejos do Digno Par e de todos os liberaes que se insurjem contra o modo por que o assunto tem corrido até aqui.

O Sr. Sebastião Baracho: - Reconhece-se pelas declarações de V. Exa. que vae tomando posição d'este lado da barricada. Oxalá não se perca no caminho.

O Orador: - Não se trata de barricadas. Não ha barricadas, e, se as houvesse, continuaria ao lado dos liberaes, mas na defesa da manutenção da ordem publica.

O Sr. Sebastião Baracho: - E quem é que a ataca? A barricada é em sentido figurado, essencialmente ordeiro.

O Orador: - Repito, que eu permanecerei sempre ao lado dos liberaes.

Como já disse, trata se de uma verdadeira confusão de poderes, que não pode continuar.

É absolutamente necessario separar as funcções judiciaes d'aquillo que pertence á policia preventiva.

Estou portanto convencido de que a proposta que o Governo tenciona apresentar ao Parlamento satisfará as aspirações do Digno Par e as de todos os liberaes.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco): - Vou responder tão claramente quanto me seja possivel ás perguntas que me dirigiu o Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

S. Exa. começou por dizer que tinha visto na imprensa a noticia de que a Companhia dos Tabacos era dispensada do pagamento dos minimos, correspondentes aos exercicios de 1909- 1910, isto com manifesto desprezo do que se encontra preceituado no n.° 1.° do artigo 6.° do contrato de 1906, e acrescentou que não acreditara que semelhante boato fosse verdadeiro.

Fez S. Exa. muito bem em não acreditar em tal boato, porque, effectivamente, elle não é verdadeiro.

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4 ANAES DA CAMARA DOS DIGNOSA PARES DO REINO

Antes de me referir propriamente ás perguntas que o Digno Par me dirigiu, parece-me conveniente fazer, ainda que resumidamente, a historia da questão.

O Digno Par alludiu a umas declarações feitas nesta Camara, em 1909, pelo Sr. Espregueira, então Ministro da Fazenda, e nellas se contem a affirmação de que a Companhia dos Tabacos era obrigada ao pagamento dos minimos.

Tenho na minha pasta um documento, que é um officio dirigido pela Thesouraria á Companhia, em que se mantem a affirmação feita na Camara, de que aquelle pagamento é devido.

Esse documento é do teor seguinte:

"Illmo. e Exmo. Sr.-Não- tendo a Companhia dos Tabacos de Portugal feito allusão alguma no relatorio apresentado á assembleia geral, com respeito ao minimo da partilha de lucros, na importancia de 50 contos de réis, que está garantido ao Estado na 2.ª parte do artigo 6.° do contrato de 8 de novembro, de 1906, tenho a honra de chamar sobre o assunto a attenção de V. Exa. para que o abono da referida importancia se faça em devido tempo, como foi recommendado por ordem de S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda.

Deus guarde a V, Exa. a- Direcção Geral da Thesouraria, 7 de outubro de 1908. - Illmo. e Exmo. Sr. Vice-Presidente do Conselho de Administração da Companhia dos Tabacos de Portugal. = O Director Geral da Thesouraria, L. A, Perestrello de Vasconcellos.

Está conforme. - 1.ª Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 28 de julho de 1909.= O Chefe, Augusto Collaço".

O Sr. Sebastião Baracho: - Peço ao Sr. Ministro da Fazenda que faça publicar esse officio no Summario das sessões.

O Orador: - Não tenho duvida em annuir aos desejos do Digno Par.

Perguntou o Digno Par se a Companhia tinha opposto algumas duvidas ao pagamento d'esses minimos.

Com effeito, a Companhia, num officio dirigido ao Ministerio da Fazenda, que por copia remetterei a S. Exa., declarou que entende não ser obrigada ao pagamento dos minimos em questão, visto não ter tido lucros sobre os quaes esses minimos deveriam incidir.

Assim foi collocada esta questão, que se tem arrastado até hoje, sem solução definitiva.

Nos poucos meses que tenho a honra de gerir a pasta da Fazenda, ainda não tive tempo de resolver semelhante questão. Estou certo que S. Exa. não me levará isso a mal, e que bastará affirmar qual é a minha opinião e a do Governo a tal respeito.

O Governo insistirá com a Companhia dos Tabacos pelo pagamento dos minimos, por ella devidos ao Estado, nos tres annos a que o Digno Par se referiu.

No Orçamento Geral do Estado para o futuro anno economico será consignada a verba de 150 contos de réis correspondente aos minimos que, nos termos do artigo 6.,° do contrato, o Estado deve exigir á Companhia.

Se ella oppuser quaesquer duvidas ao pagamento d'esses minimos atrasados, será a questão entregue ao tribunal competente, que a resolverá como de direito.

Parece-me que o Digno Par não ficou satisfeito com esta resposta, mas em todo o caso S Exa. apresentará, querendo, a sua contestação e eu depois lhe responderei.

O Sr. Sebastião Baracho: - Na verdade não estou satisfeito.

O Orador: - Como já disse, a minha opinião é que se deve insistir no pagamento.

Vou agora dar resposta cabal ás perguntas feitas pelo Digno Par.

São essas perguntas, de que tomei nota, as seguintes:

(Leu).

Foi consultada a Procuradoria Geral da Coroa, cuja opinião está em desacordo com a interpretação que o Digno Par dá ao contrato.

A consulta da Procuradoria Geral da Coroa dia o seguinte:

Ministerio da Fazenda.- Direcção Geral da Thesouraria, 1.ª Repartição.

(Copia).

Illmo. e Exmo. Sr.-Referindo-me ao officio de V. Exa. de 3 do corrente, tenho a honra de declarar a V. Exa., autorizado por despacho de S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda, da mesma data, que os termos da resposta approvada em conferencia dos fiscaes superiores da Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda, consultada sobre as obrigações impostas a essa Companhia pelo artigo 6.° do seu contrato, são os seguintes: "Á vista do exposto é meu parecer que a Companhia, pelo artigo 6.° do seu contrato, só é obrigada a garantir os minimos ali indicados quando se mostre que ella na venda, manipulação e importação do tabaco excedeu os maximos designados no mesmo artigo, ainda que aquelles factos importem lucros muito inferiores aos mesmos minimos.

Deus guarde a V. Exa. - Direcção Geral da Thesouraria, 7 de dezembro de 1909. - Illmo. e Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Administração da Companhia dos Tabacos de Portugal. - O Director geral da Thesouraria, L, A. Perestrello de Vasconcellos, Está conforme. - 1.ª Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 15 de dezembro de 1908. = O Chefe, Augusto Collaço.

Tendo S. Exa. solicitado a minha presença nesta Camara para versarmos este assunto, parece que não deve ser estranhavel que eu trouxesse estes documentos, pois que ignorava as perguntas que me seriam feitas.

Affirmo de uma vez para sempre que, tanto neste assunto, como em qualquer outro, estou pronto a facultar a V. Exa. ou a outros Dignos Pares todos os documentos que peçam para formularem bem o seu juizo acêrca das questões que desejem ventilar.

Se o Governo se conformasse com o parecer da Procuradoria Geral da Coroa, a Companhia ficaria isenta da obrigação do pagamento dos minimos.

Á affirmação que fiz, importa dizer que, não tendo havido despacho sobre o parecer da Procuradoria Geral da Coroa, o Governo não se conforma com a doutrina d'aquelle parecer e3 portanto, insiste pelo pagamento dos

Devo dizer mais, e assim finalizo as minhas considerações, que o Governo vae communicar esta sua opinião á Companhia dós Tabacos, e se ella suscitar duvidas acêrca do pagamento dos minimos em questão será o assunto, como já declarei, entregue á resolução do tribunal competente.

Disse.

(S. Exa. não reviu),

O Sr. Francisco José Sr. Presidente : proponho-me tratar, nesta Camara, de uma grave e melindrosa questão que prende com a nossa economia interna : a questão vinicola.

De ha muito, prevendo a crise que nos assoberba, eu pedia aos Governos que, por qualquer forma, tratassem de impedir que tão inconsideradamente caminhassemos para o abysmo, e, a final, a situação é por tal maneira desoladora que já muitos vinicultores se declaram na impossibilidade de pagar as suas contribuições.

De ha annos, repito, que tenho versado esta questão, no intuito de conjurar grandes males; mas a triste verdade é que chegámos a uma situação indiscutivelmente deploravel.

E certo que depois, e durante algum tempo, mantive me silencioso a respeito d'este assunto, mas essa altitude deve-se a circunstancias que eu ainda algum dia terei a honra de expor á Camara.

Como já disse a V. Exa., Sr. Pré-

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sidente, eu previ a crise que nos assoberba, e todas as lastimosas consequencias que derivam de um tal estado de cousas.

E tanto assim é, que, numa discussão travada aqui, ha quatro ou cinco annos, eu disse ao meu amigo e Digno Par Sr. Dantas Baracho, quando S. Exa. declarou que não era vinicultor, que o felicitava por esse facto, o que não deixou de provocar uma certa surpresa por parte d'aquelles que me ouviam.

Apressei-me a dissipar o espanto que essa minha felicitação tinha produzido no animo de algumas das pessoas que me escutavam, dizendo que eu considerava cada vinhateiro tanto mais pobre quanto maior fosse a quantidade de vinha que cultivasse.

E porque, então, eu já descortinava as circunstancias a que chegariamos, e tanto assim é que interrompi a plantação de vinha nas minhas propriedades, do que não estou arrependido.

Olhou-se para este assunto com a indifferença que, em geral, neste país se vota aos mais importantes assuntos, e a consequencia é encontrar-se a primeira riqueza agricola do país em circunstancias verdadeiramente afflictivas.

Prophetizei a imminencia d'esta desgraça nacional, e os factos confirmam, infelizmente, as minhas previsões.

O Sr. Presidente: - Previno o Digno Par de que é chegada a hora de se entrar na ordem do dia.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Desejo acatar a recommendação de V. Exa., mas ao mesmo tempo vejo a necessidade de ainda apresentar algumas reflexões acêrca d'este assunto, que é incontestavelmente serio e grave.

Farei por condensar o mais possivel aquillo que de momento se me offerece em relação ao assunto, e mais tarde o explanarei devidamente.

No intuito de se attenuar a crise, surgiram differentes alvitres e, entre elles, o da criação da Cooperativa Vinicola, que, ao contrario do que se dizia e affirmava, veio aggravar o mal.

Hei de occupar-me d'esta cooperativa, quando me cheguem os documentos que vou requisitar, e demonstrarei então que a criação d'ella foi o acto mais monstruoso que se podia praticar.

Prometto analysar meudamente os actos da Cooperativa Vinicola, quando estejam em meu poder os documentos a que alludo ; mas desde já me é permittido affirmar que, vindo ella para valorizar o preço do vinho, succede absolutamente o contrario, o que era de facilima, previsão.

Quando foi presente ao Parlamento a proposta de lei que se destinava á criação da cooperativa, eu disse aos que, como hypnotizados, só descobriam as mirificas e mirabolantes vantagens que d'ahi adviriam para a viticultura nacional que, ao contrario do que se suppunha, tal medida apressaria o triste desenlace que se pretendia evitar.

Afigura-se-me que era eu o unico que não enfileirava ao lado dos optimistas.

Desejaria bastante ter me enganado; mas infelizmente as minhas sinistras previsões realizaram-se, e o mal, que já então era intenso, encontra-se actualmente sensivelmente aggravado.

Não é menos certo que aquelles que viam na criação da cooperativa o elixir que milagrosamente curaria a enfermidade perderam a breve trecho as suas illusões, e a prova d'isto está em que muitos dos subscritores s(r) recusaram a entregar as quantidades de vinho e dinheiro que tinham promettido.

Alguns dos que mais enthusiasmados se mostravam, e que haviam sido nomeados para os corpos gerentes, solicitaram a sua exoneração, para que lhes não fosse imputada a responsabilidade de um desastre fatal, e sem remedio.

Eu, que tinha previsto esta derrocada, e que por feliz me daria se reconhecesse que tinham sido falsas as minhas suspeições, via-me limitado a deplorar intensa e profundamente a triste sorte da nossa viticultura.

A cegueira de alguns viticultores era ámanhã, tão profunda era a sua crença no mana redemptor, que não esmoreciam no ardor com que exigiam mais garantias para a cooperativa.

E os poderes publicos d'este país accediam a essas petições, com uma cegueira e ignorancia, verdadeiramente pasmosas.

Por vezes, vendo o afan com que se reclamava a decretação d'essa providencia, cheguei a convencer-me de que as minhas apprehensões eram injustificadas.

Infelizmente, pouco depois da cria cão da Cooperativa, já via a meu lado aquelles que mais enthusiasticamente preconizavam as suas vantagens, porque as suas illusões estavam desfeitas.

A Cooperativa foi criada para valorizar o preço do vinho e tanto que recebeu dos viticultores, salvo erro, o branco a 500 réis o almude e o tinto a 600 réis.

A despeito d'estes preços tentadores, poucos foram os que acorreram á entrega dos seus vinhos.

No anno em que se fundou a Cooperativa vendeu-se o vinho, na região torreana, a 360 e 400 réis, e mais, os 20 litros. Depois d'isso, e apesar de se haver dito que ella vinha salvar os viticultores, fazendo que o vinho alcançasse uma alta remuneradora, os preços vieram successivamente declinando a tal ponto que, na região alludidas está-se vendendo vinho a 150, 160, 180 e 200 réis o almude de 20 litros!

Aqui tem a Camara o excellente serviço que a Cooperativa prestou á viticultura do país!

Parece que o mal se aggrava, na proporção dos remedios que lhe applicam.

Como já disse á Camara, tempo houve em que eu raro era o anno em que não fazia referencias á crise vinicola, que via aproximar-se a passos agigantados. Ha dois annos, porem, nem uma palavra tenho proferido, porque não queria que se me attribuisse a fallencia de um meio que tão enthusiasticamente era preconizado. Agora, em razão de factos que chegam ao meu conhecimento, entendo que o meu silencio é criminoso, desde que tenho a honra de ter voz nesta Camara.

Como, porém, não desejo orientar-me apenas pelo que me teem dito, requeiro documentos que me habilitem a versar desenvolvidamente a questão que, aliás, deve merecer a desvelada attenção de todos.

Antes de concluir, cumpre-me declarar que ainda faço votos por que sejam enganosas as minhas supposições, e que a Cooperativa attinja os fins que determinaram a sua criação.

Não me impulsiona qualquer má vontade contra a Cooperativa, e conto entre as pessoas que fazem parte dos corpos gerentes amigos dedicados, e pessoas respeitabilissimas.

Se os factos, porventura, se encarregassem de demonstrar que eu me havia enganado, não hesitaria um momento em confessar o meu erro.

Oxalá que a Cooperativa possa ainda salvar os viticultores, e proveja de remedio a uma crise angustiosa. Oxalá que me fosse permittido vir aqui elogiar a Cooperativa, pois só me anima o desejo de concorrer para a melhoria da classe agricola do país.

Deposito a maior confiança no illustre Ministro das Obras Publicas, e espero que S. Exa., com o seu talento, a sua competencia, o seu saber e energia, saberá defender os interesses do país.

Mando para a mesa os meus requerimentos, que são do teor seguinte:

"Requeiro que pelo Ministerio das Obras Publicas me seja enviado com & possivel urgencia:

1.° Copia do relatorio e quaesquer outros documentos que o commissario do governo junto da Cooperativa Vinicola - União dos Viticultores de Por-

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tugal - deve ter enviado ao respectivo Ministerio;

2.° Copia dos contratos celebrados entre a Cooperativa Vinicola e as firmas commerciaes que ultimamente deixaram o seu commercio transformando se em viticultores - constando até que algumas foram á ultima hora arrendar vinhas para poderem como viticultores entrar para a Cooperativa;

3.° Nota dos valores com que estes novos accionistas entraram para a Cooperativa;

4.° Nota de qual o criterio que presidia á valorização do capital d'estes novos accionistas, pois consta que o valor com que figuraram as suas entradas excede muito o valor real d'esse capital, e havendo, se for confirmado o que se diz, um grande prejuizo para os antigos accionistas e para o Governo caso se venha a autorizar a emissão de novas obrigações.

5.° Nota de qual foi a applicação que teve a emissão dos 1:000 contos de réis de obrigações que o Governo autorizou a Cooperativa a emittir;

6.° Constando que alguns dos socios das firmas dissolvidas receberam a parte do seu capital que tinham nessas firmas commerciaes em obrigações, e constando por outro lado que o capital dos novos socios foi feito em acções, desejo saber o que ha de verdade a tal respeito;

7.° Requeiro mais que me seja enviada copia do balanço e estado financeiro da Cooperativa, relativo a 31 de dezembro ultimo;

8.° Requeiro mais uma nota detalhada das entradas dos subscritores e quanto falta ainda a entrar, tanto em genero como em dinheiro;

9.° Requeiro ainda nota do valor por que foi recebido todo o vinho e aguardente dos subscritores;

10.° Requeiro tambem nota de qual a quantidade de vinho e aguardente vendida pela Cooperativa desde a sua constituição e qual o seu preço;

11.° Requeiro mais nota de qual a quantidade de vinho comprado com o producto da emissão de 1:000 contos de réis de obrigações que a Cooperativa foi autorizada a emittir, e qual o preço por que esse vinho foi comprado;

12.° O mesmo relativamente á aguardente;

13.° Não sendo permittido á Cooperativa negociar em vinhos licorosos, e constando que esta associação vendeu mostos e aguardentes a um negociante inglês, que fabricou vinhos licorosos nas adegas dos accionistas, desejo saber o que ha de verdade a tal respeito ;

14.° Constando que o Sr. Ministro das Obras Publicas enviou á Procuradoria Geral da Coroa as informações recebidas acêrca dos negocios da cooperativa, requeiro copia d'esse parecer quando for enviado a S. Exa.;

15.° Requeiro copia dos contratos feitos entre a Cooperativa e os novos gerentes, ultimamente contratados, pois correm versões que, a serem verdadeiras, muito prejudicam os accionistas, os viticultores e o Governo;

16.° Desejo saber se a entrada distes novos gerentes foi feita ou não com autorização da assembleia geral;

17.° Desejo mais saber qual o motivo por que não foi convocada uma assembleia geral para discutir a entrada d'estes novos accionistas, quando consta que alguem ou alguns accionistas a requereram;

18.° Requeiro copia d'esse requerimento. = F. J. Machado".

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente : - Vamos entrar na ordem do dia.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa., sem primeiro consultar a Camara.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior): - O Digno Par Sr. Francisco José Machado tocou um dos pontos mais serios e melindrosos da nossa situação economica. Não ha duvida nenhuma de que a crise vinicola é de natureza a concitar todas as attenções e a procurarmos todos os remedios que possam fazer sair o país d'essa crise afflictiva que pesa sobre elle.

Bem fez, portanto, o Digno Par em referir-se ao assunto e eu felicito-me por lhe ter ouvido as considerações que apresentou.

Posso affirmar que, entre as varias preoccupações respeitantes aos problemas da minha pasta, terá sido a questão vinicola uma das maiores.

E difficil obter um remedio salutar para a crise vinicola. Varias teem sido as providencias adoptadas e, todavia, não se tem obtido solução para o problema.

0 Sr. Francisco José Machado: - Os Ministros que teem tratado do problema não teem tido competencia para resolvê-lo.

O Orador: - Julgo que isso é devido a não ter havido um espirito de sequencia nas varias providencias adoptadas e a prova está em que, tendo-se promulgado a restricção do plantio, a breve prazo isso era uma providencia que se annullava, em vez de manter-se.

Depois da adopção de processos varios para resolver a crise, as Côrtes entenderam que era conveniente. contribuir com determinada quantia annual para uma cooperativa vinicola a fim de, por essa forma, facilitar a compra e venda dos vinhos. Foi a esta cooperativa que especialmente se referiu o Digno Par, chamando para ella a minha attenção.

Não entrarei agora rasgadamente na apreciação do que é essa cooperativa e como pode ser encarada; apenas direi que o Governo, ao ter conhecimento de varios actos d'ella, ao ter varias informações que lhe foram dadas pelo seu fiscal junto da cooperativa, mandou colher os elementos precisos para ouvir as estações competentes. Consultada a Procuradoria Geral da Coroa, ainda não deu o seu parecer.

Das informações officiaes consta que, depois dos ultimos factos relativos á questão vinicola, a affluencia de vinicultores á cooperativa tem sido maior? como maior tem sido o movimento commercial d'ella. Friso isto, que não é indifferente para a apreciação do assunto.

Chegada a occasião do Digno Par estar completamente esclarecido sobre os varios elementos da questão, ella será versada.

(O orador não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: - Poucas palavras direi, e é unicamente, para agradecer ao Sr. Ministro das Obras Publicas as explicações que acaba de dar-me.

Oxalá que as minhas prophecias se não realizem.

O Sr. Conde de Avilez: - Mando para a mesa uma representação, dos povos da freguesia de Ranhados, concelho de Meda, na qual se pede que a referida freguesia seja incluida, para os effeitos legaes, na região vinicola duriense. Peço que seja consultada a Camara sobre se permitte que um tal documento seja publicado no Diario do Governo.

Consultada a Camara autorizou essa publicação.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

"Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, sejam remettidas a esta Camara copias de todos os requerimentos feitos pelo subdito britannico Hinton sobre açucar, melaços, aguardente da Madeira e importe do reino, informações das repartições que sobre elle

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SESSÃO N.° 4 DE 15 DE MARÇO DE 1910 7

foram ouvidas, despachos ministeriaes, declarações feitas pelo mesmo Sr. Hinton, correspondencia trocada com o Ministerio das Obras Publicas sobre o açucar, melaços e aguardente da Madeira, correspondencia trocada com o Ministerio dos Negocios Estrangeiros sobre os mesmos assuntos, tudo posteriormente a 24 de dezembro de 1903.= Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, sejam remettidas a esta Camara copias de todos os requerimentos, reclamações ou protestos apresentados no Ministerio dos Negocios Estrangeiros pelo subdito britannico Hinton, estabelecido na Madeira, relacionados com o regime do açucar e da aguardente na mesma ilha. Requeiro mais que, não havendo inconveniente, sejam remettidas a esta Camara copias de quaesquer documentos que signifiquem apoio a qualquer reclamação que pele mesmo Sr. Hinton tenha sido apresentada. = Teixeira de Sousa.

O Sr. Conde do Bomfim: - Envio para a mesa o requerimento seguinte:

Pelo Ministerio da Guerra, requeiro que me seja remettida nota da quantia gasta com a acquisição de cavallos na Republica Argentina, do numero de cavallos adquiridos, dos existentes actualmente e como se acham distribuidos.

Pelo Ministerio dos Estrangeiros, nota da correspondencia trocada pelo Ministerio anterior e o cônsul do Transvaal acêrca da execução do tratado ou convenção luso-africana.

Pelo das Obras Publicas, nota dos reproductores comprados nos ultimos tres annos, sua raça e seu custo, distribuição dos reproductores pelas regiões durante os dois ultimos annos e suas raças. = Conde do Bomfim.

ORDEM DO DIA

PRIMEIRA PARTE

Eleição de dois vogaes para o conselho administrativo da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia.

O Sr. Presidente:-Convido os Dignos Pares a formularem as suas listas.

Feita a chamada, corrido o escrutivão, e tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Srs. Conde das Alcáçovas e Bernardo de Aguilar Teixeira Cardoso, verificou-se o seguinte resultado :

Para vogal effectivo:

Luis de Mello Bandeira Coelho 38 votos

Para vogal supplente:

Joaquim de Vasconcellos Gusmão 38 votos

As listas entradas na uma foram tambem 38.

O Sr. Presidente: -Vae proceder-se á eleição da commissão especial que terá de deliberar sobre documentos enviados para a mesa pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Peço aos Dignos Pares que formulem as suas listas.

Feita a chamada, corrido o escrutinio, e tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Srs. Francisco José Machado e Venancio Jacinto Deslandes Correia Caldeira, apurou-se o seguintes resultado:

Conde de Bomfim, com 18 votos
Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral 29 "
Arthur Alberto de Campos Henriques 29 "
Arthur Hintze Ribeiro 29 "
Ayres de Ornellas de Vasconcellos 29 "
Eduardo de Serpa Pimentel 29 "
Fernando Larcher 29 "
José Estevam de Moraes Sarmento 31 "
D. João de Alarcão Vellasques Sarmento Osorio 31 "
Julio Marques deVilhena 29 "
Luis Augusto Pimentel Pinto 31 "
Sebastião Custodio de Sousa Telles 31 "

Entraram na uma 31 listas.

Foram tambem votados:

Carlos Palmeirim 5 votos
Telles de Vasconcellos 3 votos
Marquês de Avila 3 votos
Eduardo José Coelho 2 votos

O Sr. Presidente: - Segundo a ordem do dia aprazada para hoje, deve seguir-se agora a discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa. Mas como está quasi a dar a hora, talvez a Camara queira que um tal discussão tenha inicio na sessão seguinte. (Apoiados).

O Sr. Conde de Arnoso:-Peço ao Sr. Presidente que diga claramente quando se realiza a proximo sessão, e se as sessões subsequentes serão largamente intervalladas como até aqui, ou ainda se terão essas sessões a sequencia natural que as circunstancias exigem.

O Sr. Presidente: - Costumo falar sempre muito claramente.

O Sr. Conde de Arnoso: - Quando disse claramente tive apenas o intuito de pedir a V. Exa. que fale de maneira a ouvir-se nas bancadas.

O Sr. Presidente:- As sessões seguintes terão a sequencia que for precisa.

A proximo sessão terá logar na ter ca feira 29 do corrente mês, e a ordem do dia é a mesma que foi marcada para hoje, discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa.

O Sr. Conde de Arnoso: - Que grandes ferias!

Vozes : - Grandissimas, grandissimas !

O Sr. Presidente:- Está levantada a sessão.

Eram 4 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 15 de março de 1910

Exmos. Srs. Conde de Bertiandos; Eduardo de Serpa Pimentel, Marquezes : de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein; Condes: da Alcaçovas, de Arnoso, de Avillez, de Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Lagoaça, de Sabugosa, de Valenças, de Villar Secco ; Viscondes: de Algés, de Balsemão7 de Monte-São; Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Bernardo de Aguilar, Carlos Palmeirim, Carlos Vellez Caldeira, Carlos du Bocage, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Mattozo Santos, Rebello da Silva, Poças Falcão, Bandeira Coelho,. Affonso de Espregueira, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho e Venancio Deslandes Caldeira.

O Redactor,

FRANCISCO MANSO PRETO CRUZ.

Documentos enviados para a mesa, nesta sessão, pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

v Requeiro, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° Copia, na integra, do decreto de 6 de agosto de 1908, pelo qual foi promovido a vice-almirante o Sr. Augusto de Castilho, e a que apenas se faz allusão no Diario do Go-

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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

verno de 8 de agosto de 1908, reeditada no Diario do Governo de 13 de outubro de 1908.

2.° Copia, na integra, do despacho ministerial dado á proposta da Majoria General da Armada de 13 de fevereiro de 1908, relativa á promoção que resultaria da passagem, a commissão especial, do vice-almirante Sr. Ferreira do Amaral, ao tempo Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino.

3.° Copia, na integra, do despacho ministerial que teve o requerimento datado de 18 de fevereiro de 1908, do então capitão de mar e guerra Sr. Xavier de Brito, e em que este pede a promoção a contra-almirante- promoção que lhe caberia pela passagem do vice-almirante Sr. Ferreira do Amaral para fora do quadro do almirantado.

4.° Copia do processo de recurso interposto pelo Sr. Xavier de Brito para o Supremo Tribunal Administrativo, e cuja respectiva remessa pela Majoria General da Armada se verificou em 9 de abril de 1908.

5.° Copia do accordão, na integra, proferido por esse contencioso tribunal, acêrca do retro-alludido recurso, e que não appareceu completo no Diario do Governo de 7 de janeiro de 1909, faltando-lhe, pelo menos, a assinatura dos juizes interventores na materia.

6.° O Sr. Moraes e Sousa foi elevado a vice-almirante pelo decreto de 27 de novembro de 1908, a que se faz apenas ligeira referencia no Diario do Governo de 5 de dezembro de 1908, e no de 16 de fevereiro de 1909.

Nestas condições requisito:

a) Copia, na integra, do decreto que promoveu a vice-almirante o Sr. Moraes e Sousa.

6) Copia do requerimento do mesmo official que antecedeu aquella promoção, e bem assim o despacho ministerial a elle correspondente.

c) Copia do concommitante parecer da Procuradoria Geral da Coroa e do subsequente despacho ministerial nelle lançado.

7.° Por decreto de 6 de agosto de 1908, a que se allude no Diario do Governo de 10 de Agosto e no de 13 de outubro do mesmo anno, foi promovido a contra-almiraute o Sr. Xavier de Brito, que ultimamente pediu para que fosse considerado fora do quadro do Almirantado, desde a sua ascensão a Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino, o Sr. Ferreira do Amaral.

Nestas circunstancias, reclamo:

a) Copia, na integra, do decreto que promoveu a contra-almirante o Sr. Xavier de Brito.

b) Copia de todo o expediente de secretaria acêrca do pedido do Sr. Brito, para que fosse rectificada a data da passagem do Sr. Ferreira do Amaral a commissão especial.

c) Nesse expediente -convem accentuá-lo-comprehendem-se: a consulta respectiva da Procuradoria Geral da Coroa, e seguinte despacho ministerial a ella adstricto.

8.° Referentemente ao vice almirante o Sr. Moraes e Sousa, e contra-almirante Sr. Magalhães e Silva, os quaes tambem solicitaram rectificação da data do accesso áquelles postos, requisito informações identicas ás que reclamo no numero antorior d'este articulado, relativamente ao contra-almirante Sr. Xavier de Brito.

9.° Copia de todo o expediente de secretaria - incluindo o parecer ou pareceres que haja da Procuradoria Geral da Coroa, e correspondentes despachos ministeriaes- concernentemente á pretensão do capitão de fragata Sr. Nuno Queriol, a ser promovido a capitão de mar e guerra, pela passagem a commissão especial o Sr. Augusto Castilho, ao tempo Ministro da Marinha e Ultramar.

10.° Copia dos documentos constitutivos do recurso dirigido pelo capitão de fragata Sr. Baldaque da Silva, ao Supremo Tribunal Administrativo, por motivo de se julgar preterido na promoção; e bem assim copia do accordão proferido por esse tribunal acêrca do mesmo assunto e do despacho, ministerial que se lhe seguisse.

11.° Um exemplar da Lista annual de antiguidades dos officiaes da armada, referente a 31 de dezembro de 1908. = Sebastião Baracho.

Requeiro que a mesa d'esta camara se digne facultar-me os esclarecimentos derivantes das perguntas especificadas no seguinte articulado:

1.° Os artigos 32.° e 33.° da Carta Constitucional estatuem:

"Art. 32.° No intervallo das sessões não poderá o Rei empregar um Deputado fora do reino, nem mesmo irá exercer o seu emprego, quando isso o impossibilite para se reunir no tempo da convocação das Côrtes Geraes, ordinarias ou extraordinarias.

Art. 33.° Se por algum caso imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do Estado, for indispensavel que algum Deputado saia para outra commissão, a respectiva Camara o poderá determinar".

Pelo artigo 2.° da lei de 13 de julho de 1849, as disposições do artigo 33.° da Carta são applicaveis aos Pares do Reino.

Quando, porem, se não trate de uma ausencia parlamentar, de que dependa a segurança publica ou o bem do Estado, e sim de uma licença para occorrer a circunstancias de caracter particular, consoante superabundam os exemplos, pergunto :

Quaes são os textos legaes e regulamentares, afirmativos da competencia da Camara, com esse objectivo? Isto é, os textos determinantes do appello ou recurso a dirigir-lhe por qualquer dos seus membros, e bem assim da sua acção deliberativa acêrca do mesmo assunto ?

.° Q artigo 7.° da lei de 3 de maio de 1878 estabelece:

Artigo 7.° Nenhum Par poderá ser privado da dignidade de Par, nem impedido de exercer as suas funcções, senão por algumas das seguintes causas: l.ª, Se por algumas das causas declaradas nas leis perder a qualidade de cidadão português. 2.ª, Se for condemnado em alguma das penas que importam perdimento de direitos politicos. 3.a, Se deixar de prestar juramento e tomar assento na Camara dentro de um anno depois de nomeado, ou de haver adquirido as condições que por lei são exigidas para o exercido do pariato, salvo havendo impedimento legitimo reconhecido como tal pela Camara.

Pergunto: Quaes são os preceitos legaes e regulamentares applicaveis ao assunto, e que teem de o pautar, desde o seu inicio até a sua conclusão, para que se tornem, em realidade à exclusão da dignidade de Par e o impedimento das suas funcções?

Se tal legislação não existe, tem a Camara, consoante o criterio presidencial, competencia para tornar effectivo o disposto no artigo 7.° da lei de 3 de maio de 1878, retro transcrito ?

Se não tem, qual é, segundo o mesmo criterio, a estação official a quem cumpre desempenhar esta missão ? = Sebastião Baracho.

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