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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 57

dida entre o Zambeze e o Limpopo julgo dever dar noticia do seu estado presente.

Vimos ha pouco como o pacifico imperio de Monomotapa se destruiu pela ambição de alguns chefes; agora vejamos como do seio das tribus; negras do sul da Africa saiu um Alexandre, um Cesar, um Napoleão, um heroe, emfim, como todos os heroes, para conquistar a Africa, por si ou por seus capitães, do Cabo da Boa Esperança ao Zambeze, e anda ao norte d'este rio.

Os cafres do sul da Africa podem, naturalmente, dividir-se em cofres do litoral que occuparam originariamente toda a faxa que vá e do Infante até ao Delta do Zambeze, e em cafres das terras altas os berhanas e basutos, que occuparam as altas planuras do Free States e do Transvaal. Os primeiros, energicos e guerreiros, viviam distribuidos em tribus patriarchalmente governadas. Os segundos constituiam mais vastas agrupações, estados, imperios, como lhes chamavam os nossos antigos escriptores, e davam-se á cultura da terra, á vida pastoril, á caca dos elephantes.

Em principio (d'este seculo, numa tribu dos zulus da costa appareceu o nosso heroe. Reccioso das suas ousadias, temendo-lhe a ambição, o pae, chefe de tribu, desterrou-o. Chaca, ou Jaca, e permittido não saber bem o nome de um heroe negro, partiu para o desterro, e ahi teve a ventura de estar em contacto com europeus, e d'elles aprender a gloriosa arte de organisar regimentos, de preparar exercitos e de fazer conquistas. Voltando para a patria, depois da morte do pae, poz em pratica o que aprendêra com os europeus.

Fez de todos os negros soldados, o lançou-se a conquistar o que era dos seus vizinhos; creou tambem os seus marechaes, e mandou-os a expedições longiquas, estendendo o seu poder desde o Cabo á Zambezia.

Aquelles negros ferozes... e heróicas, empunhando a zagaia, praticaram todo o genero de atrocidades, roubando, incendiando, destruindo, arrasando tudo, até chegarem ás margens do Zambeze, por um lado estendendo as suas conquistas até Sofala, pelo outro chegando até ao Zumbo, e ainda a oeste. Os lavradores foram feitos escravos, e vendidos, os terrenos cultivados foram arrasados. Eis aqui como se fizeram as conquistas lá na Africa: e em pouco differem das de cá da Europa.

No tempo de João de Barros tinhamos por vizinhos tribus pacificas; agora temos esses conquistadores ferozes, que andam sempre em guerra entre si e com os europeus. Isto augmenta as difficuldades de colonisar a região do Zambeze, e de ali estabelecer uma industria activa e regular. Com uma poderosa companhia isso poder-se-ha conseguir: de outra fórma não.

Um dos chefes, um dos marechaes do conquistador Jaca, foi encarregado de atacar os estabelecimentos portuguezcs. Em 1833 entraram os zulus em Lourenço Marques, de onde foram posteriormente repellidos. D'ahi passaram ao norte; atravessaram o Limpopo, subjugaram todas as tribus entre este rio e o Zambeze, atacaram Sofala em 1836, e formaram o vasto reino de Zulus, onde domina hoje o celebre Muzila.

Outro dos chefes do Jaca assaltou o territorio do antigo Monomotapa, onde viviam uma ou mais tribus, restos talvez dos antigos povos lavradores, conhecidos pelo nome de machonas.

Estão hoje os machonas esmagados pelos zulus que occuparam o territorio denominado Matabele, que lhes fica ao sul, e onde só encontram vastos terrenos auriferos, a julgar pelas observações de Mauch.

Aqui têem os dignos pares a historia de um heroe, de um conquistador, em que talvez nunca ouviram fallar. Parece-me curiosa a historia d'aquelle guerreiro negro. É uma boa lição de philosophia historica. O selvagem heroe, só na cor se differença dos heroes da antiga e da moderna Europa: quanto ao mais não. As paixões são as mesmas, a crueldade a mesma. Domina o mesmo desejo de destruir
tudo, de aniquilar todos os que vivem do productos da terras e do trabalho pacifico. Para lhe substituir o que? A violencia, a desordem, o saque, a ruina, a esterilidade, a escravidão e a morte: emfim, tudo quanto offende as leis moraes da humanidade.

Mas, a que vem todas estas considerações, o que provam todos esses factos?

Provam que a concessivo foi feita em territorio devastado em parte pelos zulus. Provam que não temos já ali por vizinhos os laboriosos povos do Monomotapa, de que tanto fallaram os nossos antigos escriptores.

Nós temos, sr. presidente, já o disse ha pouco, e ninguem o contesta, temos soberania nos territorios do alto Zambeze até ao Zumbo, e ainda alem; mas precisamos affirmar essa nossa soberania. Portugal necessita, alem da soberania, ter n'aquelle territorios effectivo dominio e posse. Não pela força se póde isto conseguir, mas pelo trabalho, pelo capital, pela acção civilisadora. É preciso ajudar-nos da actividade, da iniciativa particular. Foi isto que o governo quiz fazer. Oxalá que é consiga.

Se não se fizer assim, repetir-se-ha o que ha pouco succedeu com um distincto viajante inglez, com mr. Baines; um dos que melhor tem estudado esta região de Africa.

Mr. Baines conseguiu do rei de Matabele uma concessão de minas, em terrenos comprehendidos entre o Zumbo e a volta que o Zambeze faz para o sul.

Diz assim essa concessão:

"Eu, Lo Bengala, rei da nação Matabele, certifico que, a 9 de abril de 1870, na presença de mr. John Lee, na qualidade de agente entre mim o mr. Thomas Baines, então e agora commandante da expedição da South African Gold Fields Exploration Company (Limited); eu, livremente garanto a mr. Thomas Baines, em favor da companhia acima nomeada, plena licença de explorar, fazer produzir e lavrar qualquer mina de oiro em toda a extensão comprehendida entre o rio Gwailo, ao sudoeste, e o Ganyana ao nordeste: e que esta minha licença incluo a liberdade de edificar habitações ou armazens, de estabelecer machinas para quebrar rochas ou para outro fim, de usar dos caminhos do meu paiz livremente para levar e trazer ás ditas minas taes machinas, instrumentos, provisões, materiaes; e outras cousas uteis, e para a extracção do oiro ali. obtido: incluindo-se todos os pequenos detalhes connexos com as minas de oiro.

"Fazendo esta concessão, eu não alieno do meu reino esta ou outra porção d'elle; mas reservo intacta a soberania dos meus dominios, etc."

Esta concessão do vasto territorio comprehendido entre um rio que fica quasi defronte do Zumbo, na margem direita do Zambeze, e outro afluente do mesmo Zambeze, a grandissima distancia do primeiro, foi feita por um potentado negro, em nome do direito de conquista e de soberania. Se deixarmos as cousas como estão hoje, não faremos é verdade, concessões a companhias, mas os negros as farão por nós; e outros se aproveitarão d'ellas.

Contra esta concessão feita a mr. Baines, reclamou o sr. Barahona, que então governava Quilimane.

A essa reclamação foi respondido: que o direito de conquista era reconhecido por todas as nações, e que sendo aquelle territorio conquistado pelos réis de Matabele, a ninguem, senão a elles, pertencia a sua soberania e a sua posse.

Depois, não mais se reclamou.

E porque?

Porque não tinhamos procurado affirmar o nosso dominio n'aquelle territorio, e ter n'elle posse effectiva; porque não tinhamos chegado lá com a industria, com o trabalho e com o capital.

A concessão feita, ao sr. Paiva de Andrada, diz-se, abrange a Africa oriental portugueza, todo o Moçambique. Vejamos se é Moçambique todo.

Tenho aqui o mappa do sul de Africa até aos lagos;