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N.º 5

SESSÃO DE 16 DE MARÇO DE 1891

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Conde de Castello de Paiva

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia.- O sr. presidente diz que a proposta de lei relativa ao emprestimo é remettida á commissão de fazenda, e pede ao presidente d'esta commissão a fineza de a convocar com urgencia. Communica que a deputação enviada pela camara ao paço, para congratular-se com Suas Magestades pelo restabelecimento da ordem publica no Porto, desempenhou-se do seu .dever, sendo recebida por Suas Magestades com aquella distincção que lhes é propria e com a benevolencia costumada. Participa mais que, em virtude da auctorisação que recebeu da camara, a mesa preencheu as commissões. Lê a lista das commissões.- O sr. Camara Leme insta pela discussão do seu projecto de lei sobre incompatibilidades, e apresenta uma proposta para que seja convidada a commissão a dar o seu parecer. Requer a urgencia, que é votada.- Sobre este assumpto usam da palavra os srs. ministro das obras publicas, Hintze Ribeiro, Camara Leme, José Luciano e segunda vez o sr. Hintze Ribeiro. É rejeitada a proposta.- O sr. Jeronymo Pimentel apresenta uma representação.- O sr. Montufar Barreiros apresenta um parecer da commissão de verificação de poderes, declarando vagos os logares de pares dos srs. conde de Paço de Arcos e Antonio José Teixeira.- Os srs. ministros dos negocios estrangeiros e da fazenda apresentam propostas para poderem accumular com as funcções legislativas as dos seus cargos n'aquelles ministerios differentes dignos pares. São approvadas as propostas. - O sr. conde de Thomar dirige perguntas ao governo.- O sr. ministro das obras publicas responde.-Usam novamente da palavra os srs. conde de Thomar e o mesmo sr. ministro.- O sr. Luiz de Lencastre apresenta requerimentos, pedindo esclarecimentos pelo ministerio da marinha.- O sr. ministro da marinha declara que mandará os esclarecimentos pedidos.- O sr. visconde de Moreira de Rey usa da palavra sobre assumptos politicos.- O sr. Sousa e Silva justifica as suas faltas ás sessões.- O sr. Mexia Salema communica que o sr. Peito de Carvalho falta ás sessões por motivo de doença.- O sr. ministro dos negocios estrangeiros responde ao sr. visconde de Moreira de Rey.- O sr. Costa Lobo interroga o sr. ministro da marinha sobre assumptos coloniaes.- O sr. ministro da marinha responde.- O sr.- Costa Lobo agradece a resposta e faz algumas observações.- O sr. visconde de Moreira de Rey dá algumas explicações em resposta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Ás duas horas e vinte minutos da tarde, achando-se presentes 4õ dignos pares, abriu-se a sessão.

O sr. Presidente: - Convido o digno par sr. conde de Castello de Paiva a occupar o legar de segundo secretario.

(Pausa.)

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do ministerio dos negocios estrangeiros, participando á camara que Sua Magestade El-Rei se dignara nomear o sr. conde de Paço de Arcos ministro de Portugal no Brazil

Para a commissão de verificação de poderes.

Officio do sr. Carlos Augusto Palmeirim, agradecendo o voto de sentimento que a camara consignou na sua acta, pelo fallecimento de seu pae o digno par Augusto Xavier Palmeirim.

Para a secretaria.

Conde de Castello de Paiva

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, remettendo á camara dos dignos pares a proposta de lei, já approvada na camara dos senhores deputados, auctorisando o governo a ratificar o contrato relativo á concessão directa do exclusivo dos tabacos, para a realisação do emprestimo de 45.000:000$000 réis destinados á consolidação da divida fluctuante e a outras despezas do estado.

O sr. Presidente: - Este projecto vae ser remettido á commissão de fazenda, a cujo digno presidente eu peço tenha a bondade de a convocar com urgencia.

Devo communicar á camara que a deputação por ella enviada ao paço para congratular-se com Suas Magestades pelo restabelecimento da ordem publica no Porto, desempenhou-se da sua missão, sendo recebida por Suas Magestades com aquella distincção que lhes é propria, e com a costumada benevolencia.

Como a camara sabe, a mesa foi auctorisada na ultima sessão a nomear para as commissões incompletas os dignos pares que julgasse deverem preenchel-as. Eis a lista d'essas nomeações:

Commissão de fazenda, dignos pares srs.:

Antonio de Serpa Pimentel.
João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.
José Luciano de Castro.
Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.
Lopo Vaz de Sampaio e Mello.
José de Mello Gouveia.
Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Commissão de legislação, dignos pares srs.:

João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.
Lopo Vaz de Sampaio e Mello.
Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa.

Commissão de negocios externos, dignos pares srs.:

Antonio de Serpa Pimentel.
João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.
Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.
Visconde de Condeixa.

Commissão de marinha, dignos pares srs.:

Conde de S. Januario.
Julio Marques de Vilhena.
Jeronymo da Cunha Pimentel.

Commissão do ultramar, dignos pares srs.:

Conde de S. Januario.
Julio Marques de Vilhena.
Luiz Adriano Menezes de Lencastre.

Commissão de administração publica, dignos pares srs.:

João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.
Augusto Cesar Cau da Costa.
Lopo Vaz de Sampaio e Mello.
Antonio de Sousa Silva Costa Lobo.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Commissão de obras publicas, dignos pares srs.:

Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.
Joaquim Coelho de Carvalho.
Rodrigo Affonso Pequito.

Commissão de instrucção publica, dignos pares srs.:

Julio Marques de Vilhena.
Manuel Pereira Dias.
Joaquim de Vasconcellos Gusmão.

Commissão de agricultura, dignos pares srs:

Visconde de Ferreira do Alemtejo.
Antonio Caetano de Oliveira.

Commissão de commercio e industria, dignos pares srs.:

Jeronymo da Cunha Pimentel.
Luiz Antonio Rebello da Silva.
Barão de Almeida Santos.
Manuel de Sousa Avides.

Commissão de guerra, dignos pares srs.:

José Paulino de Sá Carneiro.
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita.

Commissão de redacção:

Antonio de Serpa Pimentel.

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, no dia 12 d'este mez completaram-se tres annos, decorridos desde que eu tive a honra de apresentar n'esta camara um projecto de lei a respeito de incompatibilidades politicas, assumpto á que eu ligava a maxima importancia.

Apresentando o projecto requeri que fosse considerado urgente, e foi com effeito considerado de toda a urgencia.

Ora eu, não querendo fazer agora a historia deste meu malfadado projecto, limito-me a lembrar a v. exa. e á camara que elle tem já tres annos de existencia e não tem ainda parecer!

Não digo bem. Já teve um parecer, que, apesar dos meus esforços, eu não pude conseguir que se discutisse.

Depois d'isto renovei a iniciativa do projecto e consegui que a camara nomeasse uma nova commissão na nova legislatura.

A commissão tem se reunido, mas ainda não concluiu os seus trabalhos.

Ao governo transacto, sr. presidente, pedi eu e instei, para que este projecto fosse discutido n'esta camara, e o sr. presidente do conselho que estava commigo assignado no parecer da minoria, disse-me que deixava a camara completamente livre para tratar d'esse assumpto.

Ora, nós sabemos muito bem qual é a sorte de um projecto de interesse geral, mas de iniciativa individual de qualquer membro do parlamento, quando o governo deixa de promover a sua discussão.

Este projecto ainda não teve parecer. Agora acha-se nos conselhos da corôa o meu illustre amigo e correligionario o sr. Thomás Ribeiro, meu collega n'esta campanha, e estou certo que não terei mais uma decepção neste importante assumpto, pedindo agora a s. exa. que, como membro do governo, declare á camara e ao paiz quaes são as suas idéas a respeito d'este projecto.

Difficilmente poderá ser mais opportuna a sua approvação do que no momento em que pela fatalidade das circumstancias somos levados a contrahir um emprestimo altamente oneroso para o paiz, e neste momento não farei considerações a este respeito.

Concordam todos em reconhecer a necessidade de entrarmos em vida nova. mas vida nova com costumes velhos não a póde haver, e se é sincera essa aspiração, para inaugurar essa vida nova, comecemos, e creio que não podemos começar melhor, por apresentar a lei de incompatibilidades politicas.

Como a camara sabe, estamos em vésperas de outras complicações, como a de pagar alguns mil contos, Deus sabe quantos, por a indemnisação que se nos pede por aquelle malfadado caminho de ferro de Lourenço Marques, o que não aconteceria se n'aquella epocha existisse uma lei de incompatibilidades politicas.

Não quero alongar-me em considerações, que podia fazer n'este momento, limitando-me, e tenho quasi a certeza da resposta, a perguntar ao meu illustre amigo, que tem hoje assento n'aquellas cadeiras, se s. exa. está disposto a acompanhar me nos meus esforços.

Eu desejaria, sr. presidente, que neste intervallo entre as sessões ordinaria e extraordinaria, porque eu creio que as côrtes vão fechar brevemente e só se abrirão para abril, para continuar a sessão ordinaria, se fizesse alguma cousa n'este sentido, e por isso vou mandar para a mesa uma proposta, pedindo á camara ou a v. exa. para que seja convidada a illustre commissão especial a aproveitar este intervallo para se occupar com interesse e solicitude d'este negocio.

A minha proposta é a seguinte:

«Proposta. - Proponho que a commissão especial, que foi nomeada na actual sessão legislativa para apreciar com urgencia o meu projecto de lei de 12 de março de 1888, ácerca de incompatibilidades politicas, seja convidada, attendendo á importancia do assumpto, a apresentar o seu parecer logo que esta camara encete as suas sessões ordinarias.

«Sala da camara, 16 de março de 1891. = D. Luiz da Camara Leme.»

Mando para a mesa a minha proposta e peço a exa. a urgencia.

Aguardo a resposta do sr. ministro das obras publicas. Leu-se na mesa a proposta do digno par o sr. Camara Leme.

O sr. Presidente: - O digno par pediu a urgencia da sua proposta.

Os dignos pares que approvam a urgencia teem a bondade de se levantar.

Queiram ter a bondade de se conservar levantados para a mesa poder verificar o votação.

Está approvada a urgencia.

Vae ler-se.

Leu-se de novo na mesa a proposta do sr. Camara Leme.

O sr. Presidente: - Entra, em discussão. O sr. ministro das obras publicas tinha já pedido a palavra, creio que é sobre esta proposta.

Tem v. exa. a palavra.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro):- Sr. presidente, eu tive a honra de ser convidado directamente pelo meu illustre amigo o sr. D. Luiz da Camara Leme para que dissesse qual o meu parecer hoje, como ministro, a respeito do seu projecto sobre incompatibilidades.

O digno par o sr. Camara Leme fez-me, desde logo, a justiça de acreditar que não sou homem capaz de mudar de conceito e opinião.

Eu, se não tive a honra de assignar com s. exa. o projecto, tive a honra de o acompanhar na sua idéa, e ainda hoje, sou o que era então, com a unica differença de cada vez julgar mais urgente a necessidade de uma lei sobre incompatibilidades.

Como esta proposta está entregue á camara dos dignos pares, eu estou certo que os desejos de s. exa. serão satisfeitos.

Eu sou tão insuspeito n'esta parte, pronunciando me assim, quanto é certo que um dos feridos pela proposta de s. exa. serei eu, mas vê mal e pouco aquelle que n'esta situação só a si se vê.

Eu tenho a fortuna ou talvez o infortunio de ir já n'aquella idade em que raro chegâmos ao espelho para nos mirarmos.

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SESSÃO N.° 5 DE 16 DE MARÇO DE 1891

Portanto, sr. presidente, concluo afirmando ao digno par e meu amigo que um dos meus mais ardentes desejo é que seja discutido o projecto a que s. exa. se referiu.

(O sr. ministro não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Hintze Ribeiro: - V. exa. sabe que eu em tempo fiz parte de uma commissão nomeada por esta camara para dar parecer sobre o projecto apresentado pelo sr. D. Luiz da Camara Leme sobre incompatibilidades. A minha opinião sobre esse projecto está expressa n'um parecer da minoria d'essa commissão, e por consequencia hoje só tenho de pronunciar-me sobre a moção que o digno par acaba de mandar para a mesa. Pela minha parte, sr. presidente, entendo não dever votar esta moção, não por que deseje que a commissão não apresente os seus trabalhos, mas por me parecer que nós não precisâmos de a convidar a cumprir os seus deveres a fim de se pronunciar sobre um assumpto que lhe está incumbido. É unicamente por estas rasões, e por não julgar a proposta necessaria, que me abstenho de votar a moção do sr. Camara Leme.

(S. exa. não reviu.)

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Para justificar a minha proposta bastava lembrar á camara que apresentei o meu projecto haja tres annos, e ainda não pude obter nenhuma resolução. Apesar da minha insistencia para que as commissões dêem o seu parecer, ainda me não foi possivel conseguil-o, mas fique a camara certa que eu não deixarei- de instar, todas as vezes que julgar necessario, até que a commissão de o seu parecer.

Apresentando a minha moção, não tive intenção de melindrar a commissão de que tenho a honra de fazer parte, mas sim unicamente pedir toda a solicitude para este importante assumpto.

O sr. Luciano de Castro: - Sr. presidente, eu tenho a honra de ser o presidente da commissão a que acaba de . se referir o digno par; entrava nesta sala quando o sr. Hintze Ribeiro se referia a este assumpto, e pela discussão a que tenho assistido julgo que se trata de convidar a commissão de que sou presidente a dar o seu parecer com urgencia sobre o projecto de incompatibilidades apresentado pelo sr. D. Luiz da Camara Leme.

Se é isto, tenho de informar a camara que a commissão não tem descurado este assumpto, como sabe o digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme.

Ainda durante o ministerio anterior a commissão resolveu convidar o presidente do conselho de então a declarar-lhe qual a sua opinião sobre o referido projecto.

Effectivamente, o sr. Serpa annuiu ao convite e a commissão, depois de discutir largamente, tomou uma resolução para ser presente á camara. Os seus trabalhos não chegaram a vir aqui, porque o ministerio caiu e era natural que a commissão, antes de os apresentar, quizesse ouvir sobre o assumpto o novo governo, assim como tinha procedido com o governo anterior.

V. exa. sabe que as sessões parlamentares têem estado interrompidas, e que, portanto, a commissão não póde ^ainda tornar a reunir-se para deliberar sobre o assumpto. É provavel que logo que se reuna, convide o sr. presidente do conselho a vir ao seu seio declarar se sustenta as opiniões que lá sustentou o sr. Serpa, seu antecessor. Eis-aqui o estado dos trabalhos da commissão. Não tenho outras informações que possa dar. Pelo que eu disse, já s. exa. vê que não existe motivo algum para estranhar o procedimento da commissão.

Se ha mais tempo não deu parecer sobre o projecto, creio que as rasões expostas são bastantes para mostrar que foi por circumstancias alheias á sua vontade.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Hintze Ribeiro: - As considerações que acaba de expor o digno par sr. José Luciano, ainda mais reforçam o meu modo de ver.

Desde o momento em que a camara elegeu a commissão e depositou nella a sua confiança para dar parecer sobre o projecto, convidal-a a que o apresente sem que por emquanto haja motivo algum que nos possa levar a crer que essa commissão tem descurado o andamento dos seus trabalhos, parece-me um voto de desconfiança, ao qual pela minha parte não posso associar-me.

Desde que o sr. José Luciano se promptificar a reunir a commissão, logo que continue a sessão ordinaria, para que ella possa occupar-se de assumpto tão importante, como é este que lhe foi commettido, pela minha parte não vejo rasão para votar a proposta do digno par o sr. Camara Leme.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, e se o digno par não retira a sua proposta, vou submettel-a á votação.

O sr. Camara Leme: - Não retiro, não, senhor.

O sr. Presidente - Chamo a attenção dos dignos pares.

Os dignos pares que approvam a proposta do digno par o sr. Camara Leme, tenham a bondade de se levantar.

Não está approvada.

O sr. Camara Leme: - Eu tomo nota da deliberação da camara e o paiz fará o mesmo.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Guimarães, ácerca de um projecto de lei pedindo que na lei de 13 de agosto passado, que concede áquella municipalidade a igreja e convento de Santa Rosa de Lima, para alargamento da praça onde se ergue a estatua de D. Affonso Henriques, se acrescente «a cerca» por que essa era naturalmente a intenção dos legisladores.

Que no § 2.° se substitua a palavra «cidade» por «freguezia». E que se elimine o § 3.°, em que se dispõe que fique pertencendo á irmandade de Santo Antonio o altar lateral do referido templo.

O sr. Presidente: - Vae ser remettida á commissão respectiva.

O sr. Eduardo Montufar Barreiros: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes, que julga vagos os Jogares de pares electivos que occupavam n'esta casa os srs. Antonio José Teixeira e conde de Paço de Arcos.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de auctorisação, para que possam accumular, querendo, as suas funcções de membros d'esta casa com as dos seus cargos no ministerio dos negocios estrangeiros os dignos pares Montufar Barreiros e Agostinho de Ornellas.

Leu-se na mesa e são do teor seguinte:

Propostas

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino permissão para que o membro da mesma camara Agostinho de Ornellas, director da direcção politica do ministerio dos negocios estrangeiros, accumule, querendo, o exercicio do seu emprego com as funcções legislativas.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de março de 1891. = José Vicente Barbosa du Bocage.

Senhores. - Em conformidade com o disposta no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino permissão para que o membro da mesma camara Eduardo Montufar Barreiros, secretario geral do ministerio1 dos negocios estrangeiros, accumule, querendo, o exercicio do seu emprego com as funcções legislativas.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de. março de 1891. = José Vicente Barbosa du Bocage.

Foram approvadas.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Ministro da Fazenda (Augusto José da Cunha): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta que tem por fim auctorisar varios dignos pares que exercem funcções dependentes do meu ministerio,, a accumular o exercicio das funcções legislativas com as dos seus empregos.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões os dignos pares:

Antonio de Serpa Pimentel, presidente do tribunal de contas.

Augusto César Barjona de Freitas, vogal do mesmo tribunal.

João José de Mendonça Cortez, vogal do mesmo tribunal.

Visconde de Villa Mendo, vogal do mesmo tribunal.

José Luciano de Castro, director geral dos proprios nacionaes.

Antonio Augusto Pereira de Miranda, governador do banco de Portugal.

Conde do Restello, presidente da junta do credito publico.

José Augusto da Gama, vogal da mesma junta.

Joaquim Peito de Carvalho, administrador geral das alfandegas e contribuições indirectas.

Jeronymo da Cunha Pimentel, presidente do conselho de administração das obras da manutenção do estado.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, secretario geral do conselho superior das alfandegas.

Joaquim de Vasconcellos Gusmão, membro do conselho fiscal da administração geral dos tabacos.

Visconde de Asseca, sub-inspector dos tabacos.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, era 11 de março de 1891. = Augusto José da Cunha.

Foi approvada.

O sr. Conde de Thomar: - Pedi a palavra para dirigir uma pergunta a algum dos membros do governo. Devia fazer a minha pergunta ao sr. ministro do reino, mas como s. exa. não está presente, algum dos seus illustrados collegas, de certo se não recusará a dar-me as explicações que desejo.

Em diversos jornaes da capital li ha dias uma noticia, que dizia que um marinheiro desembarcado de um navio mercante e recolhido no hospital de S. José fallecêra dois dias depois de ter entrado n'aquella casa de saude, victima de um ataque de febre amarella.

Desejava saber se a noticia a que me refiro é verdadeira, e sendo-o, quaes as medidas que o governo tomou com relação ao navio que está no nosso Tejo desembarcando as mercadorias que traz a seu bordo.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para perguntar ao sr. ministro das obras publicas quaes as medidas que tem tomado com relação á saude publica de Lisboa.

Refiro-me á obstrucção que existe na maior parte dos canos do despejo que vão desaguar ao Tejo.

Depois de se ter feito a concessão das obras do porto de Lisboa ao empreiteiro Hersent, não se tratou de impedir os inconvenientes que resultassem dos trabalhos a effetuar, e o facto é que a maior parte da canalisação da cidade está obstruida, e a camara municipal vê-se obrigada a mandar proceder á desobstrucção, empregando carroças a fim de tirar a baldes para carroças, e serem transportados não sei para onde tod os detritos. Parece-me que tudo isto é prejudicial á salubridade de Lisboa, que já não é muito lisonjeira, e por isso me parece necessario providenciar no sentido de obviar a estas más condições resultantes da obstrucção das bôcas de saida dos canos de esgoto.

Portanto, desejaria saber se algumas providencias se tem ordenado já n'esse sentido.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Sr. presidente, eu ouvi com muita attenção o digno par e meu amigo o sr. conde de Thomar, e desejaria responder completamente ás suas perguntas.

Quanto á primeira pergunte de s. exa., sinto não poder responder. A ausencia do sr. ministro do reino faz cem que o digno par não possa agora obter uma resposta cabal a essa pergunta; mas essa mesma ausencia nos indica que, se alguma cousa, ameaça a saude publica, s. exa. se estará a esta hora occupando de ordenar as providencias que por parte do governo se costumara tomar em circumstancias analogas. Por mim apenas ouvi alludir ao boato citado pelo digno par, quando para aqui entrava, nos corredores d'esta camara. O que eu posso assegura? ao digno par e meu amigo é que farei constar os seus receios ao meu collega o sr. ministro do reino.

A respeito do segundo assumpto a que o digno par se referiu, os esgotos de Lisboa, direi a s. exa. o que occorre. A accumulação dos detritos proveniente da difficuldade da sua saida pelos esgotos, attribuia-a s. exa. á obstrucção dos canos resultantes das obras do porto. Não é inteiramente exacto.

A difficuldade na saida dos detritos provem em grande parte de que os repetidos trabalhos de canalisações de gaz teem perturbado o perfeito funccionamento da canalisação dos. esgotos; e o que padece é que da parte da camara municipal de Lisboa, a quem compete a fiscalisação d'esses trabalhos, não tem havido a necessaria vigilancia.

Sabendo isto, e sabendo que era necessario acudir de prompto a este mal, eu tomei uma resolução, que não foi definitivamente levada a effeito, porque tenho as minhas duvidas sobre o processo a seguir para se chegar a um bom resultado.

A camara municipal de Lisboa, como o digno par sabe, terá obrigação de fazer os encanamentos da cidade, e tratar de tudo quanto diz respeito á limpeza, mas, como é sabido, a camara municipal não está nas melhores condições com respeito ás suas finanças.

Não quer isto dizer que ella lucte com enormes difficuldades, mas simplesmente que se resente do estado geral financeiro.

Não estando tambem em maré de grande prosperidade o thesouro publico, e tendo o governo obrigação de olhar para tudo que diz respeito á salubridade publica, porque a lei assim o manda, pareceu-me que o melhor era eu antecipar-me e mandar fazer os estudos em relação aos encamentos que pelo seu mau estado podessem ser considerados mais perigosos para a saude, em vista das obras do porto de Lisboa. No emtanto, como directamente pertence á camara municipal o tratar d'este negocio, muito embora tenham de ir os .fundos dos cofres do estado, eu como ministro das obras publicas entendi que devia dirigir-n\e ao ministerio do reino (e já por duas vezes officie a este respeito com o meu collega do reino), perguntando e desejando saber quaes as obras os encanamentos, que era urgente fazer, pelos receios que eu tinha de que nas estiagens perigasse de alguma fórma a saude publica em Lisboa, e por consequencia que se houvesse uma resposta da i camara para eu saber se este, effectivamente podia tratar: d'este negocio e d'aquillo que directamente lhe pertence, ou se dizia ao governo que não póde, pois que n'este caso eu entendo que é dever da poderes publicos o tratarem directamente d'este negocio, para evitar alguma calamidade.

Aqui tem v. exa., sr. presidente, e aqui tem o digno par o que ha a este respeito. Espero por estes dias, e de certo com a urgencia que o caso requer, uma resposta da ca-

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mara municipal, por intermedio do ministerio do reino; e logo que ella venha, eu pedirei aos meus collegas o seu conselho ácerca das providencias a tomar, com toda a urgencia, para evitarmos qualquer transtorno proveniente da retenção de esgotos nos encanamentos da cidade.

Creio que tenho dado ao digno par os esclarecimentos precisos. Se houver mais alguma cousa que ainda não tenha sido respondida, s, exa. dirá, e eu estou prompto a dar resposta immediata.

(O sr. ministro não reviu as notas do seu discurso,)

O sr. Conde de Thomar: - Agradeço ao sr. ministro das obras publicas as suas explicações, e a resposta que deu ás minhas perguntas; mas o que peço a s. exa. é que não se limite ás informações officiaes, nem aos relatorios e estudos.

Este assumpto tem sido tratado no parlamento mais de uma vez, e todas as vezes que isto succede, pois elle é importantissimo, todos os governos teem respondido pouco mais ou menos nos mesmos termos em que o sr. ministro das obras publicas acaba de responder; isto é, que se vae proceder a estudos e informações officiaes, etc.

Ora, o que eu desejava é que esses estudos se traduzissem era factos, e se acabasse por uma vez com este estado de insalubridade da cidade de Lisboa, especialmente na parte baixa.

O sr. ministro das obras publicas disse que as ultimas chuvas vieram melhorar um pouco esse estado; creia, porem s. exa. que, ao contrario, essas chuvas, em logar de beneficiar, vieram aggravar a situação, porque os canos estando já obstruidos, mais o ficaram ainda, a ponto de ser a camara municipal obrigada a mandar abrir bocas ao aterro, e tirar desses canos, para carroças, tudo quanto se encontra dentro dos collectores, a fim de evitar inundações nas casas da parte baixa da cidade.

Agradeço, como já disse, as explicações do sr. ministro das obras publicas, mas o que desejava era que o governo olhasse para este estado de cousas, procedendo ás obra? indispensaveis.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Eu não desejo contrariar o digno par, pelo contrario, estou na mesma idéa de s. exa., mas é preciso que eu, que aliás comecei, como já disse, a occupar-me deste assumpto, obtenha, primeiro que tudo, a certeza de que aquelles que são directamente responsaveis, ou não querem ou não podem tratar dos melhoramentos indispensaveis e urgentes.

Não posso fazer mais, e o que posso affirmar ao digno par é que não deixarei ao abandono assumpto de tanta gravidade, ainda que depois tenha de pedir ao parlamento um bill de indemnidade por qualquer providencia urgente que tome, para poder prevenir uma calamidade, como seria uma epidemia em Lisboa.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. D. Luiz de Lencastre: - Sr. presidente, o| sr. visconde de Villa Mendo encarregou-me de participar a v. exa. e á camara, que por incommodo de saude não1 tem podido comparecer ás sessões, e que pelo mesmo motivo faltará a mais algumas.

Mando para a mesa a sua participação.

Como estou com a palavra mando tambem para a mesa dois requerimentos que passo a ler.

(Leu.)

Sr. presidente, é provavel que o sr. ministro da marinha, que é um homem justo, que timbra em ser recto, que é um litterato muito distincto, á similhança de Mendes Leal, Rebello da Silva, Andrade Corvo e Pinheiro Chagas, no seu relatorio, que de certo fará, apresentará ao paiz todos os motivos das providencias tomadas. Mas, sr. presidente, na Índia deram-se acontecimentos muito graves, que motivaram providencias extraordinarias da parte do governo, e eu, e o paiz temos direito de saber quaes foram esses acontecimentos e o motivo das providencias.

Leram-se na mesa a participação e os requerimentos seguintes:

Participação

Participo a v. exa. e á camara que o digno par o sr. Visconde de Villa Mendo tem faltado, e continuará a faltar, ás sessões (Testa camara, por falta de saude, = Luiz de Lencastre.

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar seja com a possivel brevidade enviada a esta camara toda a correspondencia official que ali se encontre relativa aos acontecimentos que se deram na ultima eleição municipal de Salsete.

Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja com a possivel brevidade enviada, a esta camara toda a correspondencia official ali existente ácerca dos motivos que foram fundamento e causa da providencia ministerial que collocou no quadro sem exercicio dois juizes da relação de Nova Goa. = Luiz de Lencastre.

O sr. Presidente: - Os requerimentos do digno par o sr. D, Luiz de Lencastre vão ser expedidos, e logo que os documentos venham para esta camara, serão entregues a s. exa.

Tem a palavra o. sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Antonio Ennes): - Sr. presidente, cumprindo o meu dever, darei as ordens necessarias para que os documentos que o digno par deseja sejam enviados a esta camara.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Sr. presidente, primeiro que tudo,
permitta-me v, exa. e a camara, que eu declare, que votei a proposta do digno par, o sr. D. Luiz- da Camara Leme, e é a primeira vez que tal faço.

Se assim votei, declaro-o, foi para dar mais força á declaração de s. exa., de que a occasião presente carece de ser encarada com toda a seriedade.

É preciso que previamente mostrem que estão dispostos a entrar em novo caminho. Referindo-me a este assumpto, e esperando que a commissão de o seu parecer, terei occasião de mostrar ao digno par e ao paiz o que devem ser incompatibilidades para que sejam serias e para que d'ali resultem os beneficios que todos devemos desejar.

A obra não é difficil. Ternos a lei das incompatibilidades belga, e já ahi temos largo subsidio. O que é preciso é que o que se faça seja serio e seriamente se cumpra.

Dada esta explicação, passo a outro assumpto.

Pedi a palavra, porque a tinha pedido no primeiro dia em que o actual governo se apresentou a esta camara, e, nem eu pude fallar, porque apenas me deixaram alguns minutos avaramente contados, nem o sr. José Luciano de Castro póde apresentar declarações que n'aquelle momento eram indispensaveis, attenta a posição especial que aquelle digno par occupa n'esta camara.

Em janeiro, pedi a. palavra depois de lido o decreto da adiamento e, não a pedi antes, porque v. exa. mandou proceder á leitura a que me retiro logo em seguida á approvação da acta; quer dizer, tendo accentuado por duas vezes o meu proposito de fallar na camara a que tenho a honra de pertencer, não posso agora eximir-me ao que eu julgo o cumprimento de um dever impreterivel.

Tencionava, como v. exa. particularmente foi informado, fallar na sessão de sexta feira; mas desisti então do meu proposito, porque um acontecimento, para todos nós muito doloroso, qual o de fallecimento de um digno collega nosso, obrigou esta camara a encerrar a sessão em signal de lucto; e, se não pedi a palavra nos primeiros dias de sessão foi porque, dizendo-se, annunciando-se e apregoando-se, que o paiz estava em condições especiaes e em presença de dificuldades gravissimas, perante as quaes o governo ameaçava sossobrar com grave risco para a patria, espe-

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rava que, aberto o parlamento, os meus collegas mais competentes, as vozes mais auctorisadas, se expressassem a dar ao paiz um vislumbre de esperança que podesse até certo ponto attenuar a pessima impressão que haviam produzido os boatos que davam conta de cousas tão horrorosas.

Sr. presidente, dei o tempo preciso para que fallasse quem quizesse, ou antes, para que fallassem todos aquelles a quem em primeiro logar competia o uso da palavra; dei o tempo preciso para que fallassem os que deviam fallar, dei mesmo mais tempo do que a minha modéstia me permittia, visto que ninguem fallava, e visto que o silencio parece ser a unica esperança que nós podemos offerecer ao paiz para lenitivo das suas máguas.

Vi, sr. presidente, com immensa dôr, que as camaras tinham sido convocadas por exigencia de um banco ou de uns capitalistas estrangeiros, e que a convocação se tinha feito até muito apesar do governo, contra o voto do conselho d'estado, e contra a opinião dos dignos pares e meus collegas srs. José Luciano de Castro e Antonio de Serpa Pimentel, que me parece que consubstanciam em si, para com o governo e os poderes publicos, a representação nacional.

Ora, sr. presidente, eu não acredito, não posso acreditar! Eu sou já da geração velha, d'aquella que ainda estudou a carta constitucional e a legislação do nosso paiz, e que ainda não póde acreditar que ellas tinham sido abandonadas e postas de parte.

No emtanto, sr. presidente, eu vejo-me forçado a ceder á evidencia. Vejo, sei, porque já o tinham annunciado os representantes da imprensa periodica, que os grandes partidos d'este paiz, e que os grandes homens publicos tinham resolvido guardar absoluto silencio, e não fazer uma unica observação que podesse dar ao paiz algum consolo, ou alguma esperança.

Vejo, sr. presidente, que deliberaram, fazer uma demonstração clara ao paiz, da inutilidade dos seus representantes.

Talvez esperem com isto desculpar o procedimento seguido pelos diversos governos para com a representação nacional, porque a verdade é que ha mais de um anno que este paiz não tem parlamento; ha mais de um anno que neste paiz ao parlamento se não facultam as questões mais importantes; ha mais de um anno que se lhe não deixa liberdade para conhecer essas questões, quanto mais para as apreciar e resolver!

Ora, sr. presidente, eu preciso dizer a v. exa. e ao paiz que, no regimen representativo, o unico poder que predomina sobre os outros é o poder legislativo, é a representação nacional.

Desde que um, dois ou tres grupos de homens se julgam auctorisados à substituir a representação nacional teem de o fazer, não por insidias nem surprezas, mas claramente sem apparencias e sem sophismações á lei fundamentarão estado.

Sr. presidente, é possivel que eu esteja em erro, que não seja verdade o que estudei e aprendi, que sciencia nova substituisse a antiga. Em todo o caso, se essa reforma se fez, para mim é completamente desconhecida, e eu creio que tenho, não só o direito, mas o dever de fazer discutir n'esta assembléa essa reforma, para o paiz e todos nós sabemos a lei em que vivemos.

Sr. presidente, é dos livros, dos principios, de todos os tempos e idades que, se um governo cáe por não poder ou não saber vencer unias certas difficuldades, venha outro que as possa vencer.

Os partidos politicos não devem ter impaciencias nem provocar questões irritantes.

O que é certo, sr. presidente, é que n'esta camara, em janeiro do anno passado, sem que nenhum representante do paiz... eu fallo por mim, se ha ahi algum collega meu que soubesse mais do que sabia n'aquelle momento, que se levante e diga. O governo apresentou-se então, será que nenhum representante do paiz tivesse conhecimento do estado em que se achavam as negociações com um paiz estrangeiro, e disse:

«Eu recebi um ultimatum. Perante este ultimatum tive de ceder». E leu alguns documentos, aquelles que quiz e como quiz.

Não sei o que passou no animo dos dignos pares do reino, meus collegas. No meu, receber de surpreza, de golpe, a noticia de uma solução tão inesperada de um assumpto importante, do qual o parlamento não tinha conhecimento aigum, fez uma impressão tristissima; porque, mais que tudo, mais que a difficuldade, mais do que a crise, eu via a desconsideração pertinaz e habitual que os governos julgam dever ter pela representação do paiz.

Recebendo esta noticia e ouvindo do governo que a communicava, a declaração de que se tinha submettido á nota a que chamava ultimatum, eu, sr. presidente, julguei que o governo entrava numa nova phase de negociações e não abandonava as cadeiras ministeriaes.

Perante nenhum principio ha explicação possivel de que um governo que se resolveu a cair num dado momento, por causa de uma questão importante, compromettesse o governo que lhe havia de succeder, apressando-se a executar um ultimatum de tal ordem que determinava a sua saida do poder.

Não ha meio nenhum de perceber este verdadeiro attentado, que em paiz nenhum se podia dar senão em Portugal.

(Áparte que não se ouviu.}

Já por varias vezes tenho annunciado que esse ponto ha de ser esclarecido.

É indispensavel que o paiz saiba por que motivo o digno par sr. Barros Gomes e os collegas que o acompanhavam no ministerio, tendo recebido uma nota que dava uma nova phase ás negociações e havendo resolvido demittir-se, não deixaram a questão integra para ser resolvida pelo governo que tivesse de lhe succeder.

Eu tenho ainda algumas recordações de Virgilio e d'aquelles Parthas, que, mesmo quando fugiam, despediam a lança ou a setta contra o inimigo.

Ora os membros d'esse governo não eram de certo Parthas, e não sei como possa classificar os representantes de um governo que no momento em que se preparam para fugir com armas e bagagens, deixam que uma das portas fique aberta ao inimigo.

Sr. presidente, eu não quero nem aggredir nem defender ninguem; o meu fim é varrer a minha testada, e fazer ver que, se um dia me vir forçado depois de vinte e cinco annos de vida parlamentar a abandonar o meu logar, não tendo nunca sido ministro, nem aspirante a ministro, não tendo pertencido a partido nenhum, não devendo o meu logar n'esta casa nem á eleição popular, nem ao favor de qualquer ministro, mas sim a nomeação regia, que o não abandonarei em silencio, e que n'essa accasião tanto ás glorias como as responsabilidades hão de ficar claramente consignadas a quem ellas pertencem.

Sr. presidente, ao governo que era representante do grande partido progressista, succedeu o governo do grande partido regenerador, e eu não sei se se combinaram os dois para que o anterior deixasse a porta aberta de fórma que o segundo podesse continuar no mesmo caminho que o primeiro havia seguido.

Ora eu não approvo esta maneira de proceder.

Um partido adverso, um partido differente, um partido contrario ao partido que estava no governo, não vae para o poder, precisamente para fazer a mesma cousa que faziam os seus adversarios.

E o que fez esse grande partido?

O sr. Barros Cromes tinha cumprido aquillo a que chamou o ultimatum, até um certo ponto, e o partido contra-

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rio que lhe succedeu gastou os primeiros quinze dia as completar o que faltava na sua execução.

Sr. presidente, eu peço a v. exa. que se por acaso vir em alguma das minhas palavras qualquer expressão que possa prejudicar alguma das medidas do governo, ou qual quer interesse do paiz, peço a v. exa. a fineza de me avisar, porque v. exa. sabe quanto eu respeito as suas observações; mas creio que não será preciso, porque tenho a pratica bastante do parlamento para poder fallar sem com prometter nem a existencia do governo, nem a sorte de quaesquer questões importantes.

Eu não pergunto ao governo nem quero saber quaes os termos em que tem as negociações, nem o que tem feito ou tenciona fazer.

Estou convencido de que é mau o que se tem feito até hoje; e póde ser que eu lhe diga ainda o que eu entendo que se deveria fazer, que é muito differente; mas tendo a previa certeza de que se fará sempre exactamente o contrario do que eu entenda que se deve fazer.

Eu, sr. presidente, tenho tido o permanente sestro de «idéa que seja minha, nunca a ver cumprida».

O que se tem feito nesta grave questão externa - fel-o o actual governo exactamente como o seu antecessor fizera - tem sido a mudança de pessoal. Ora, eu faço justiça a todos, mesmo aos meus adversarios; ainda que não tenho adversarios, n'esta questão, nem venho aqui combater ninguem, e o que venho dizer é simplesmente por minha conta. Mudaram de pessoal, e quero crer que a direcção da questão não podia, nem póde ter estado em melhores mãos: ella foi tratada pelo sr. Barros Gomes e pelo sr. Hintze Ribeiro. O que é triste é que s. exas. não tenham visto a tempo a má paragem a que os levava o mau caminho escolhido por um e adoptado depois pelo outro.

Quando o sr. Barros Gomes aqui nos leu alguns documentos, relatando-nos a situação a que se tinha chegado, logo eu disse que o juizo e a propria dignidade nos inhibiam de tratar directamente com a Inglaterra. Mas fez-se o contrario: o governo progressista caiu e o sr. Hintze Ribeiro foi tratar com a Inglaterra. Succedeu á situação regeneradora o actual governo, que não deu tempo a que nas côrtes se podesse fallar na questão, e seguiu o mesmo caminho de tratar directamente com a Inglaterra, limitando-se tambem á mudança de pessoal, substituindo o sr. Barjona de Freitas, intelligencia robusta, mas não experimentada ainda na diplomacia, por pessoa de mais pratica nos assumptos diplomaticos, mas não sei se mais competente. Fez isto, e eis tudo.

O que eu digo ao governo é que esse systema que tem seguido ha de dar um resultado mais desastroso, não do que o que obteve o sr. Barros Gomes, porque não é possivel, mas do que o que obteve o sr. Hintze Ribeiro, e que só poderá ser excedido se o actual governo for substituido por outro que queira tambem resolver a questão, tratando ainda com a Inglaterra.

Creio que fica bem clara a minha idéa.

Como este governo, e os seus antecessores, têem feito precisamente o contrario do que se tenha entendido, creio que estou no meu direito de lhes perguntar que resultado teem s. exas. tirado em terem marchado por esse caminho, em vez de terem adoptado o verdadeiro?

Mas, sr. presidente, a unica noticia que o parlamento teve relativamente á questão ingleza foi aquella que aqui nos deu em janeiro do anno passado o ministerio progressista.

É claro, pois, que este governo e o que o antecessor no poder adoptaram como principio unico e invariavel, occultar ao parlamento todas as questões que mais interessam ao paiz.

Deixemos, porem, a questão externa e vamos a outra, que é a questão financeira, a qual foi tratada como eu vou mostrar a v. exa., esperando que alguem me desminta, exactamente pelo mesmo systema e do mesmo modo que a questão ingleza.

Sr. presidente, ministros da fazenda os mais habeis e os melhores classificados, porque não basta só que se seja habil como ministro da fazenda, precisa-se tambem de classificação previa, ha alguns annos que se limitavam a annunciar ao parlamento e ao paiz que o estado da fazenda publica, embora tivesse algumas difficuldades, não era assustador, e facilmente se resolvia com duas ou tres reformas que se fizessem nos serviços publicos.

Era isto o que se dizia, pouco mais ou menos, nos varios discursos da corôa.

Depois d'esta sequencia de affirmações feitas ao paiz, as quaes eu não quero nem suppor, nem affirmar, que não fossem feitas com inteira boa fé, depois d'esta serie de affirmações, o que se fez?

Interrompe-se o parlamento, suspendem-se as sessões, com adiamentos, com todos estes recursos que a lei fundamental do paiz offerece, e os diversos governantes teem estudado essa parte com especial cuidado, invocando o principio todas as vezes que é preciso deixar de abrir o parlamento.

Depois da derrocada dos dois grandes partidos, entrou o actual governo, e de repente, imitando o procedimento do sr. Barros Gomes, apresentam ao paiz este ultimatum: «ou votar já o contrato, ou a bancarota», como se para tomar conhecimento de toda a questão de fazenda, do estado da divida publica o dos vencimentos da divida fluctuante, bastassem apenas quinze ou vinte dias!

Fóra d'isto, sr. presidente, não ha satisfação possivel.

Eu não sou molho de palha, sou membro do parlamento de um paiz que se rege pelo systema representativo, e os principios deste systema exigem que as questões sejam estudadas, discutidas e resolvidas pelos representantes da nação.

Como é possivel apreciar repentinamente uma situação que primeiramente nos apparece cheia de esperanças fagueiras e de promessas fallazes, apenas levemente ensombradas por alguma ligeira nuvem ou pequena difficuldade; como é possivel apreciar uma situação que primeiramente nos é pintada com as cores as mais lisonjeiras; uma situação que dá como prospero o estado do paiz, ou que pelo menos apparenta não ser desgraçado o estado da fazenda publica, e que a breve trecho nos é apresentada inversamente, e tão inversamente que nos dizem que não ha tempo para ler, que não ha tempo para estudar, que não tempo para discutir, porque ou o contrato se vota em quinze dias ou temos inevitavelmente a bancarota?!

Imaginaram a possibilidade de um parlamento silencioso e triste, como se os representantes da nação estivessem já assistindo ao enterro do paiz que representam?

Se imaginaram isto, enganaram-se, ou contaram mal contando-me a mira, porque eu não cheguei ainda á perfeição de taes phantasias.

Por mais chefes que os partidos tenham e por maiores que os partidos sejam, a essa perfeição não chego eu.

Esperem que eu morra primeiro, e depois é possivel que possam offerecer esse espectaculo ao paiz.

Eu não me presto a andar pela secretaria da fazenda a ver a lista das letras, o praso dos seus vencimentos, as diversas negociações em que anda envolvido qualquer governo, porque isto não é missão da representação nacional; a sua missão é ter conhecimento pleno a tempo e a horas das difficuldades que se levantam, e que podem prejudicar o paiz.

Sr. presidente, eu não posso deixar de me referir a um episodio, que precedeu a organisação do actual governo, e seguiu á eliminação do ministerio regenerador.

Este ponto parece-me um pouco difficil de narrar, porque, como v. exa. vê, sr. presidente, eu não costumo tomar notas, nem preparar discursos, mas sim dizer o que entendo, conforme me occorre, e por isso tenho receio de,

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a meu pezar, dizer alguma cousa menos conveniente ou fazer qualquer referencia que desagrade.

Eu appello sinceramente para a amisade de v. exa., pedindo-lhe que ao menos, com um olhar seu, me previna se vir que me desvio dos preceitos, que devo e desejo seguir, preceitos que v. exa. melhor do que eu sabe quaes são.

Sr. presidente, tanto o governo regenerador como o governo progressista não sairam era paz e socego, mas perante umas manifestações do paiz, e uma alteração maior ou menor da ordem publica.

Ora a constituição é apenas na sua pratica uma ficção, porque cada governo sáe quando quer.

Assim que um ministro principia a estar incommodado e está suficientemente divertido, diz: «vou para casa» e julga que está no direito de abandonar o seu posto.

O que é certo é que o ministerio offereceu a sua demissão sem motivo nenhum constitucional para a offerecer, abandonando as funcções que lhe tinham sido confiadas, no momento em que o abandono não era permittido e em que esse abandono era, não quero dizer criminoso, e limitar-me-hei a dizer desnecessario.

O que é certo é que essa demissão foi acceita e tratava-se de organisar um ministerio que substituisse, não só o grande partido regenerador, mas o grande partido progressista, que, caindo nas mesmas condições e pelo mesmo motivo, se julgava impossibilitado de assumir o poder.

Affirmando isto não digo que o achasse eu, era elle que se achava impossibilitado, porque assim o declarou publicamente.

Sr. presidente, é claro que eu não só conheço perfeitamente a lei fundamental do estado, como sempre a respeitei e respeito, para não poder allegar ignorancia de que a escolha e nomeação dos ministros pertence a um poder, que eu não posso nem devo discutir.

Permitta-me? porém, v. exa., e aqui começa o caminho que tenho diante de mim a ser um pouco escabroso, mas permitta-me a camara que eu diga, que para quem respeita a lei fundamental do estado, para quem sabe que a nomeação e a escolha de ministro é feita unica e exclusivamente pelo poder moderador, sem ser ouvido nem consultado o conselho d'estado, para quem respeita e segue estes principios, na historia da organisação do actual ministerio, de sobra encontra motivos de reparo.

Sr. presidente, quando um ministerio cáe ou se aposenta, não pela livre escolha e directa nomeação do poder moderador, mas depois de consultados o conselho d'estado e varios conventiculos, a quem presa a carta constitucional é licito dizer que existe uma- certa differença entre ministerio nomeado directamente pelo poder moderador e ministerio que se combina em varios conventiculos com discussão da imprensa e intervenção de quem nunca podia nem devia intervir em similhante assumpto.

Parece-me, sr. presidente, que começo a dizer o que, v. exa. não desejaria que eu dissesse; entretanto creio que, venci o mais difficil.

Em face dos principios de direito publico constitucional, quando um partido se inutilisa succede-lhe outro, mas, sr. presidente, nem de facto nem de direito os dois grandes partidos por mais que imaginem o contrario, são os unicos n'este paiz. Ha mais. Nós temos até partidos que se compõe de um só homem, como por exemplo o meu. Ha outro na camara electiva, composto só de um digno deputado, com o qual já tentei fazer politica, refiro-me ao sr. Dias Ferreira, que sabe muito bem o que faz, d'isso tem dado provas publicas, e como incessantes as tem dado tambem de que é uma das nossas mais poderosas intelligencias, e um notabilissimo caracter, e que tem com relação a mim a grande vantagem ou desvantagem de já ter sido duas vezes ministro.

Havia um partido sem ser dos que se compunham de um só homem, parece-me até que o que deu maior contingente para a organisação do actual gabinete, ou, pelo menos o que constituo a parte mais numerosa do actual ministerio, e esse partido, sr. presidente, confirmado ha muito tempo como absolutamente independente, era representado pelo digno par e meu amigo o sr. Manuel Vaz Preto.

Parecia natural, em face dos principios de direito publico constitucional, que estão escriptos ha muitos annos, até são mais velhos do que eu que se fosse procurando até se encontrar quem não estivesse inutilisado como inutilisados se diziam os dois grandes partidos.

Não tardou, porém, que a imprensa nos annunciasse que se recorrera para Roma encarregando um dos nossos primeiros estadistas, que já era dos primeiros estadistas no tempo que em Portugal não só havia estadistas, mas até sobravam. Eu hoje realmente não sei como designar este vulto, mas de certo a camara supprirá a minha falta, pois reconheço que digo pouco affirmando apenas que é um dos nossos estadistas. Eu desejaria fazer qualquer referencia que frizasse melhor a distincção do estadista a que me refiro, d'aquellas a que outros se referem ou queiram, referir-se. Chamou-se este estadista e eu francamente declaro a v. exa. que me renasceu alguma, esperança, fiquei perfeitamente satisfeito com a escolha que reputava então acertada; porém, a minha illusão não chegou a durar vinte e quatro horas, pois logo no dia seguinte, a mesma imprensa politica que tinha propalado esta noticia, não só acrescentava mas até discutia que o sr. Mártens Ferrão cão vinha unica e exclusivamente organisar ministerio, mas sim combinar com o sr. condo do Casal Ribeiro a formação de um ministerio!..

Ora. de certo, sr. presidente, v. exa. fará justiça a quem estudou alguma cousa de direito constitucional, isto não se comprehende. Chamarem-se duas ou tres pessoas para conversar admitte-se, mas para presidir ou organisar ministerio é o que eu, francamente, não comprehendo.

O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par para lhe lembrar que está fazendo allusões que me parece não terem o maior cabimento. V. exa. está referindo-se á imprensa que póde lá fóra dizer o que entende.

O Orador: - E eu tambem.

O sr. Presidente: - Eu pediria ao digno par que se abstivesse d'essas referencias á imprensa.

O Orador: - Á culpa não e minha. V. exa. pela collecção dos jornaes d'essa epocha poderá ver que isto é um facto, não é cousa que eu inventasse. Os jornaes dizem-no e eu folgo que v. exa., como eu. igualmente se revoltasse, porque isto foi inventado por quem nos governa e tem governado. Os jornaes tambem não nascem escriptos, são inspirados antes.

Suo factos da historia contemporanea que na realidade eu não posso deixar de condemnar, eu e v. exa., e todos os que respeitam os principios.

Isto realmente é para desgostar, mas não fui eu que o fiz, é o que se tem feito.

Vieram dois; ora virem dois e não vir nenhum era exactamente a mesma cousa.

Mas eu não me quero referir a essa epocha, porque v. exa. e a camara ainda se recordam de certo da exposição que aqui fez o sr. Mártens Ferrão, e á qual não teve tempo para responder o sr. José Luciano de Castro, e serve apenas para lembrar a grande victoria alcançada peles dois grandes partidos, victoria que obrigou o sr. Mártens Ferrão a desistir de formar ministerio.

Depois d'isso surgiu a idéa phenomenal de organisar um ministerio extra-partidario, e organisou-se.

Ora eu hão quero ser desagradavel a nenhum dos srs. ministros; com todos elles eu tenho relações antigas e sempre agradaveis para mim.

Eu não sei se algum de s, exas. reclamará contra o que deixo dito, porque effectivamente um ha que apenas ha tres dias conheço; mas se não houver reclamação da parte

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d'elle, permitta s. exa. e permitia-me a camara que o inclua na generalidade. Se pessoalmente não o conhecia, ha muito tempo o admirava pelo seu talento e pelas suas qualidades.

Portanto, sr. presidente, o que eu digo não é nem para ser desagradavel aos srs. ministros, nem para lhes crear difficuldades, ou tornar mais penosa a sua missão.

Passo sobre tudo isto e considero a questão por alto, porque sou obrigado a reconhecer que perante a combinação feita pelos partidos, tudo quanto eu quizesse tentar era tempo absolutamente perdido, e eu não costumo perder tempo.

Annunciaram ás gentes, e ao mundo que já principiava a descrer, a organisação de um ministerio extra-partidario.

Sr. presidente, quando eu vi organisado esse ministerio, sem que nenhum dos ministros fosse extra partidario, principiei a desconfiar que lhe tinham errado o nome de baptismo.

O ministerio era extra-partidario e dos poucos extra-partidarios politicos que tinha este paiz, nenhum se encontrava representado no governo. Pelo contrario. Nós tinha-mos na occasião do ultimatum, como presidente do gabinete, o chefe do grande partido progressista, e temos actualmente n'um ministerio extra-partidario um ministro que tambem o era então, cavalheiro muito digno, a quem muito respeito e não faço referencia para lhe dirigir censura, mas unicamente porque para a minha apreciação politica é indispensavel recordar os factos.

Eu vi que, longe de ser extra-partidario, o governo era o resultado da fusão, da combinação ou do accordo de quantos partidos tinha este paiz. É claro que não me refiro ao partido republicano, porque esse, quanto a mini, não é partido legal, que eu tenha de contar no numero dos outros.

Sendo o governo o resultado da fusão, da reunião, da combinação de todos os partidos, só realmente um proposito de tratar o diccionario da nossa lingua com a mesma sem ceremonia com que se trata a lei fundamental do estado, é que podia levar alguem a dar-lhe o nome de extra-partidario.

Em volta d'este governo tendo ficado tres partidos, é claro que tinha ficado não só a maioria, mas a quasi totalidade da representação nacional. Entretanto, sr. presidente, o governo reputava, perigosa a reunião do parlamento. Abriu-o quando constitucionalmente devia ser aberto, porém, logo no dia seguinte adiou-o por tres mezes.

De forma que o parlamento não póde funccionar devidamente, não póde tornar conhecimento de questão alguma, nem intervir com conhecimento de causa nas mais importantes questões.

É contra isto que eu quero aqui deixar o meu protesto solemne.

Mas, sr. presidente, a estas duas gravissimas questões, a externa e a financeira, veiu reunir-se a tambem gravissima questão da ordem publica.

Ora tanto o governo como os grandes partidos tinham, sido prevenidos do que se projectava. Se as minhas informações são exactas até do estrangeiro tinha sido mandada apresentar ao governo portuguez uma carta autographa do chefe civil da revolta ou revolução, dirigida para Paris e ali apprehendida e em que se annunciava o dia preciso em que a revolução devia rebentar.

Comtudo quando esse dia rompeu não havia prevenção alguma na guarnição militar da cidade do Porto nem no resto do paiz; tiveram de se organisar á pressa, incompleta e imperfeitamente, os meios de combater a insurreição!

Sr. presidente, eu abstenho-me de classificar o acto em si, porque estão ainda pendentes os, processos, não ha ainda decisão, e eu não quero que as minhas palavras possam n'ella influir, ou antes attribuir-se-lhes qualquer influencia.

No entanto não deixarei de recordar que a revolução começou por uma insubordinação militar e que os revolucionarios é que, dispararam os primeiros tiros que mataram diversas pessoas. Estabelecidos ficam estes factos.

O governo suspendeu as garantias e mandou instaurar os processos por cuja decisão se espera.

Eu desejo passar ligeiramente sobre este assumpto, mas quero deixar aqui bem claramente consignado que uma insubordinação militar, transformando-se em rebellião; disparou os primeiros tiros matando algumas pessoas, e que n'este paiz, tendo-se suspendido as garantias, passou se já mez e meio sem que tenha havido um julgamento sobre um facto d'esta ordem.

Eu quero deixar a gloria e a responsabilidade do facto que acabo de indicar a quem pertençam, mas quero tambem deixar bem claro quaes têem sido os factos e qual a responsabilidade de cada um, seja homem, seja partido; quero declarar ao paiz solemnemente que de algumas das suas questões mais importantes (e eu fallo como representante do paiz) o parlamento não tem o menor conhecimento, porque os diversos governos nenhuma informação lhe deram, nenhum esclarecimento forneceram aos representantes da nação.

Quero deixar bem claramente affirmado que os poderes publicos n'este paiz resolveram que os representantes da nação são unicamente o governo que estiver, o sr. José Luciano e o sr. Antonio de Serpa.

O governo actual tem tornado bem saliente, e não merece por isso censura nenhuma da minha parte, que a missão que elle foi levado a desempenhar, não a desempenha por si proprio, mas desempenha-a como uma necessidade fatal para o paiz que lhe é imposta pelos dois grandes partidos que apoiam esse governo.

Por varias vezes, como é sabido, o governo tem feito annunciar ou publicar que recorreu ao conselho ou cooperação, tanto do sr. José Luciano, representando o partido progressista, como do sr. Antonio de Serpa, representando o partido regenerador, e que aquillo que delibera e faz é com o assentimento previo e com o conselho dos dois grandes partidos.

E isto, sr. presidente, é preciso que fique bem accentuado e bem claro.

O governo actual se quizesse governar independente dos dois partidos não o podia fazer, porque não tinha a seu favor a maioria das duas casas do parlamento.

Por consequencia, o que elle faz é com o assentimento tanto do grande partido regenerador como do grande partido progressista.

Estabelecidos estes principios, que são incontestaveis, estabelecido fica tambem que, se no modo de proceder dos dois grandes partidos houver grande gloria, ninguem lha póde disputar; e se houver grande responsabilidade, tambem de modo algum ninguem lh'a póde recusar.

Note entretanto v. exa., sr. presidente, que eu seria injusto se, quando me refiro aos grandes partidos, não fizesse uma distincção, que está tanto no meu espirito, como na verdade dos factos.

Quando me refiro ao partido regenerador, ou ao partido progressista, não comprehendo, nem posso comprehender nessa designação a grande maioria, quasi a totalidade dos soldados que militam n'aquelles dois partidos, e que teem sido de uma lealdade, de uma disciplina, de uma obediencia aos seus chefes tanto exagerada quanto póde sel-a esta qualidade.

Acontece a esses soldados o mesmo que me acontece a mini. As surprezas que eu recebo nesta camara, estando ha quatro annos a annunciarem-me maravilhas em Africa, para me apresentarem de repente um ultimatum; estando a darem-me fallazes esperanças de grandes progressos financeiros, para a finai de contas me apresentarem tambem um ultimatum igual ao outro; isso mesmo que me fazem e fazem ao paiz, é o que têem feito os chefes e dire-

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ctores dos dois grandes partidos, cada um ao seu respectivo partido; e teem partidarios de tal ordem, que os acompanham, que não têem duvida em assumir a responsabilidade de actos que não praticaram, nem aconselharam, nem conheceram, e que a assumem unicamente por lealdade partidaria e para salvar os chefes e dirigentes.

Ora, estadistas que nos levam a este estado de cousas, tendo atraz de si partidos de uma lealdade, de uma abnegação e de uma disciplina que póde ser igualada, mas não excedida; estadistas que chegam depois a estes termos e vem apresentar-nos eminente a ruina da patria, sem haver esperanças de salvação, e pelo contrario, collocando-nos na necessidade de acceitar condições humilhantes ou deshonrosas, impondo-nos todos os sacrificios, exigindo ainda ao paiz e aos seus representantes um silencio absoluto; estadistas d'estes não o são.

Sr. presidente, eu não sou d'aquelles que julgam as grandes difficuldades actuaes insuperaveis, nem mesmo extraordinarias. O que nos falta é quem as resolva.

Eu comprehendo a posição difficil e quasi desesperada de qualquer governo, quando vê o territorio da patria invadido e occupado por estrangeiros victoriosos; eu comprehendo perfeitamente que um governo declare muito difficil uma situação, quando o paiz arde em guerra civil ou quando uma serie de calamidades o arrastam á beira da ruina; nestas condições comprehende-se perfeitamente o grande sacrificio de um governo e as difficuldades com que lucta; mas agora, sr. presidente, porque é preciso um emprestimo, porque é preciso resolver uma questão com uma nação estrangeira, embora poderosa, porque na ordem publica se manifestam graves symptomas de desorganisação e desordem, confesso que estes factos não são agradaveis; mas d'ahi a inventar tantas difficuldades e a fazer perder a esperança de remedio, vae- uma grande differença.

Sr. presidente, eu não sei qual a impressão que fará na camara e no paiz o que eu vou dizer, mas a verdade é que em principio não sou contra as tentativas de revolução, e que as reputo exactamente no mesmo caso do direito de legitima defeza para qualquer individuo.

Estes foram sempre os meus principios; ora, isto não quer dizer que a todos os momentos se façam revoltas, mas quer dizer que n'um dado momento, quando as condições o exigem, as considero legitimas.

Sr. presidente, parece-me que ninguem partilha d'estas minhas opiniões, principalmente o governo actual.

Sr. presidente, devo ser justo. A revolta do outro dia para mim não é só condemnavel, é repugnante, mas, sr. presidente, não repugna menos a revolta legal, que neste paiz se faz por parte do governo apoiado pelos dois grandes partidos. É preciso que se não esqueçam d'aquelles que não estão dispostos a servir de ponte, ou facilitar a mudança das instituições.

É preciso que se saiba que a melhor arma da monarchia é a execução fiel da carta constitucional.

O regimen em que nós vivemos não é só monarchico, é monarchico representativo, e se os dois grandes partidos se combinaram para supprimir a representação nacional, em vez de estranhar, deviam esperar que apparecesse uma revolução de qualquer ordem.

O paiz não se satisfaz,, nem eu mesmo me posso satisfazer, com a noticia de que para alienar uma parte do territorio portuguez, ou para acceitar certas condições de um emprestimo, ou qualquer outra medida grave, estão de accordo os srs. João Chrysostomo, José Luciano de Castro e Antonio de Serpa.

Ninguem mais do que eu respeita estes cavalheiros, mas não posso consideral-os como os unicos representantes da nação. Governem, pois, se podem governar, mas governem com todas as condições da lei fundamental do paiz e tratem de entender e principalmente de cumprir a carta constitucional. Quando todos os principios aconselham a que os ministerios saiam das maiorias, não solicitem do poder moderador a nomeação de um ministerio que não tem um voto no parlamento.

As maiorias é que dão os governos; não são os governos que fazem as maiorias, de contrario todos estamos em revolução, o que nenhuma desculpa tem, pois a lógica não perde os seus direitos, e só á força de sophismar e falsificar aã instituições é que se chega ao ponto de se apresentar em systema representativo um governo que, em vez de representar maioria nacional, representa apenas o favor de dez ou doze politicos importantes que não têem duvida em usarem e de se prestarem a abusar da benevolencia e da disciplina dos seus amigos.

Sr. presidente, tinha muito mais a dizer e muito a ponderar ácerca de duas questões principaes debaixo de um outro ponto de vista, mas não me chega o tempo da sessão de hoje, e v. exa. e a camara devem achar-se já fatigados; portanto reservo para outra occasião o mais que tenho a dizer.

Tenho dito.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Sousa e Silva: - Sr. presidente, participo a v. exa. e á camara que não tenho podido comparecer ás sessões por estar em serviço publico fóra do continente; e pelo mesmo motivo não pude tambem aggregar-me á grande deputação que foi encarregada de ir felicitar Suas Magestades pela manutenção da ordem publica e das instituições.

O sr. Mexia Salema: - O sr. Peito de Carvalho encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que, por motivo de doença, não tem podido comparecer ás sessões, e pela mesma rasão terá de faltar a mais algumas.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Sr. presidente, eu não tenho de acompanhar o discurso do digno, par sr. visconde de Moreira de Rey, que ouvi com toda a attenção, porque s. exa., realmente, nas criticas considerações que fez, só muito de passagem e em assumptos muito limitados se referiu ao governo de que tenho a honra de fazer parte. Algumas observações houve, porem, no discurso de s. exa., ás quaes não posso deixar de contrapor breves considerações.

No que diz respeito ás cartas autographas enviadas de Paris, e communicadas pelo governo de uma nação vizinha, como aviso do movimento que estava para dar-se no Porto, isto referido pelo digno par de um modo claro e positivo, como sendo do conhecimento do governo, é menos exacto. Todos esses factos são completamente desconhecidos, tanto para mim como para qualquer dos meus collegas.

Sr. presidente, eu não tive communicação alguma, nem vi autographo algum, nem tive conhecimento de quaesquer indicação ácerca dos acontecimentos que iam
dar-se no Porto. E realmente, se as tivesse tido, o governo teria assumido para com o paiz uma grave responsabilidade, que lhe não compete.

Farei ainda rapidas e breves considerações ácerca de alguns pontos de que o digno par tratou.

Na historia da organisação do governo actual não. me parece que s. exa. fosse completamente exacto. Tal certamente não estava nas suas intenções, mas poderia alguem entrever nas suas palavras, a intenção, talvez, de que s. exa. queria atribuir a nossa presença nas cadeiras do poder, que, se são postos de honra, eu posso afirmar a s. exa. e á camara que teem sido e continuam a ser postos de martyrio, o resultado de uma intriga politica.

Ora, em meu nome, e no dos meus collegas no ministerio, tenho a protestar contra esta insinuação possivel.

Os membros do actual governo assumiram a posição que hoje occupam, dil-o-hei bem alto, em nome das suas consciencias de homens de bem e honrados; elles assumiram esta posição entendendo que prestavam um grande serviço ao paiz; assumiram a fóra de todas as considerações partidarias, tendo unicamente em vista e por empenho unico vencer, se lhes fosse possivel, as graves difficuldades de uma

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SESSÃO N.° 5 DE 16 DE MARÇO DE 1891 11

situação cujos perigos comprehendiam perfeitamente, pôr o peito a esses, perigos que se annunciavam, e que como pontos negros já bem distinctos e patentes aos olho de todos, se apresetavam no horisonte.

Foi isto o que fizeram os actuaes ministros, e não subiram a estas cadeiras, nem trazidos por intrigas, nem para satisfazer vaidades, nem movidos por quaesquer considerações de interesse. (Apoiados.)

Tenho tambem a declarar a v. exa., sr. presidente, e á camara, e faço-o igualmente em meu nome e no dos meus collegas, que nós não nos considerâmos n'este posto por favor dos partidos que nos sustentam.

Não acceitâmos, o seu apoio como favor;. acceitamol-o como a significação, do convencimento intimo que possam ter do grande serviço que estamos prestando ao paiz. (Apoiados.)

Desde o momento em que não tivessem esse convencimento, era dever seu, em .virtude das obrigações e responsabilidades contrahidas para com o paiz, indicarem lealmente os seus pontos de divergencia, e, se assim procedessem, podem ficar certos de que nenhum dos membros do actual governo deixaria de cumprir muito rigorosamente o seu dever.

É preciso que isto se diga bem alto, e que fique perfeitamente entendido. (Vozes: - Muito bem.)

Sr. presidente, se nesta occasião me fosse permittido expor, não só ao digno par como a toda a camara e ao paiz, a historia das diligencias por nós empregadas; se as circumstancias especiaes em que nos achâmos collocados não exigissem a mais absoluta reserva com respeito ás negociações em que andámos empenhados com a Inglaterra...

O sr., Visconde de Moreira de Rey: - Eu não perguntei nada a v. exa.

O Orador: - Bem sei que s. exa. não formulou directamente as suas perguntas; mas eu devo dizer que seria meu desejo poder apresentar n'esta occasião á camara a historia completa das diligencias por nós empregadas, e peço mesmo ao digno par que tome nota de que eu digo que desejaria muito que fosse já hoje a occasião de poder apresentar na integra essa historia.

Não posso infelizmente satisfazer o meu desejo, e entendo que a camara deverá concordar commigo, declarando que não chegou ainda, o momento azado para apresentar explicações sobre factos que possam mesmo parecer que nada têem com as negociações a que me tenho referido. (Apoiados.)

Permitia agora a camara que eu, aproveitando a occasião de estar no uso da palavra, em meu nome, e no do governo a que tenho a honra de pertencer, agradeça á imprensa periodica d'este paiz a attitude sensata, correcta e patriotica que, pelo menos nestes ultimos tempos, tem assumido era relação ás questões externas. (Apoiados.)

Não me julgo obrigado a objectar outras considerações ás que foram apresentadas pelo digno par o sr. visconde de Moreira de Rey.

A maior parte das questões que s. exa. tratou referem-se não á minha pasta, mas ás dos meus collegas no ministerio.

Pela minha parte, repito, desejo dar ao parlamento todas as explicações que de mim dependam, mas só quando ellas não possam implicar perigos ou inconvenientes para o paiz, e repito tambem que o governo julga-se ao presente apoiado pela grande maioria das camaras que representam o paiz e pela opinião publica; e, se houver rasões que obriguem o governo a afastar esta convicção que o anima, no mesmo momento, assevero á camara, deixamos estes logares a quem, muito mais competentemente do que nós, os possa occupar.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O sr. ministro não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Gosta Lobo: - Felicito o illustre ministro que acaba de fallar, pela sua linguagem alevantada e honrada.

Posso dizer com toda a franqueza, sem querer dirigir a minima offensa a ninguem., que ainda não ouvi n'esta camara palavras que tanto me impressionassem e que tanto merecessem o meu applauso, como as que acaba de pronunciar o nobre ministro dos negocios estrangeiros, e que realmente exalçam no meu espirito, coma estou certo que o exalçam no espirito publico, p conceito que se faz de s. exa. e dos sentimentos que animam o governo. (Apoiados.).

O nobre ministro que acaba de fallar, mostrou p maior desprendimento do poder, e isto não é já tão frequente, que não nos mereça é nosso respeito e o nosso applauso, S. exa. e os seus collegas não estão ali senão no desempenho do seu dever, e n'este posto, verdadeiro posto de honra, se conservam unicamente pelo grande amor que dedicam á sua patria.

É por isso, sr. presidente, que eu ouvindo a resposta tão nobre, e digna do illustre, ministro, e seguindo-me a s. exa., no uso da palavra folgo, de prestar-lhe, esta justa homenagem ao seu evantado «caracter., (Apoiados.).

Não tendo, a honra de pertenceria, nenhum dos partidos e havendo pedido a palavra para dirigir uma pergunta ao governo, não podia deixar de antecedel-a d'estas breves palavras, que serão como um preliminar da minha pergunta.

A minha pergunta, não é por nenhuma fórma destinada a incommodar o governo, e d'isso devem os, srs. ministros estar convencidos; antes, me, parece que no interesse da causa publica ha toda a conveniencia em que se lhe de resposta.

Se o sr. ministro da marinha entende que deve responder-me, estimarei muito, aliás, hei de tomar o seu silencio unica e simplesmente como uma demonstração de que nas circumstancias actuaes ha inconveniencia em que o meu desejo seja satisfeito. Eis a pergunta:

Appareceu nos jornaes um telegramma da agencia Reuter, que n'estas questões me parece um pouco suspeita, em o qual se diz que um vapor, inglez pertencente á British South Africa Company, subiu o Limpopo, com 1:000 espingardas e 20:000 cartuchos, sendo este vapor aprisionado por uma canhoneira portugueza e levado para Lourenço Marques.

A camara comprehende que esta noticia tem bastante importancia, e eu desejaria que o sr. ministro da marinha podesse dar-me algumas explicações a tal respeito. Se s. exa. entender que póde sem nenhum inconveniente responder-me, eu peço a v. exa., sr. presidente, que me reserve a palavra para depois da reposta do sr. ministro, sendo possivel que, eu tenha de, fazer ainda observações.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Ministro da Marinha (Antonio Ennes): - Agradecendo ao digno par a liberdade, que me deixou, de responder ou não á sua pergunta, responder-lhe-hei immediatamente.

Folgarei de poder dar explicações á camara sobre quaesquer factos que lhe interessem ou ao publico em geral; e gostosamente as darei sempre que eu veja que não vem d'ahi inconveniente para os interesses do paiz.

Os factos narrados no telegramma da agencia Reuter são na sua essencia verdadeiros.

Ha dias um navio mercante inglez, Countess of Carnarvon, entrou a todo o vapor no, rio Limpopo, desprezando os signaes do posto fiscal estabelecido na entrada d'aquelle rio subiu por elle e foi descarregar armas e cartuchame num certo ponto da margem, sendo evidente que essas armas e esse cartuchame eram destinados a regulos da provincia de Moçambique.

Apenas em Lourenço Marques houve conhecimento d'este acto, mandou-se immediatamente partir para ali, não uma canhoneira de guerra, mas o vapor da fiscalisação Mac

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12 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Mahon, que capturou aquelle navio e o conduziu sob prisão para Lourenco Marques, visto que tinha transgredido o regulamento relativo á importação de armas e fizera uma tentativa de descaminho de direitos.

São estas as informações officiaes que tenho.

Por esta occasião devo lembrar á camara que, como ella muito bem sabe, ha na provincia de Moçambique um regulamento restrictivo da importação das armas, regulamento que está perfeitamente conforme com o espirito das disposições recentemente estabelecidas pela conferencia de Bruxellas, regulamento que é muito menos severo do que os regulamentos que a Inglaterra e a Allemanha teem para as suas possessões de Africa. Por exemplo, eu leio n’este regulamento:

«1.° As armas aperfeiçoadas e competentes só serão despachadas mediante a apresentação do respectivo alvará de licença, passado pelos governadores dos districtos, sendo valido por um anno, e podendo cada alvará dizer respeito a dez armas e cem cartuchos por arma.

« 2.° São consideradas armas aperfeiçoadas, para os effeitos do artigo antecedente, as de cano estriado, as de alma lisa de carregar pela culatra, ou as de duplo cano.»

Não tenho a certeza de que as armas que carregou a Countesse of Carnarvon estejam comprehendidas nesta disposição; mas quando o não estejam, diz ainda o regulamento:

«6.° As armas, vulgarmente conhecidas como armas de negocio, e como tal classificadas, podem ter entrada no commercio, quando o governo local não encontre inconveniente, em vista do ponto a que se destinam, mediante um despacho seu lançado em requerimento, em que o impetrante mostre a necessidade immediata de as permutar, para não perder qualquer partida de negocio, não podendo cada requerimento referir-se ao despacho de mais de vinte e cinco armas, e declarando-se n’elle, sob responsabilidade do requerente, o local da procedencia dos generos indigenas contra os quaes pretende permutar.»

A julgar, pois, pelas informações das auctoridades de Lourenco Marques e de Moçambique, a captura realisou-se em conformidade com o direito e os regulamentos.

O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente, eu agradeço ao sr. ministro da marinha a clareza da sua resposta.

Não me causa o menor espanto o facto sobre que o sr. ministro acaba de informar a camara. Não me causa o menor espanto a mim, que tenho seguido com attenção estas questões, e que desde a sua constituição tenho visto que a companhia South Africa n’uma incessante seria de actos d’esta ordem, actos de verdadeiro bandoleirismo, que dia a dia ahi estamos vendo denunciados na imprensa do paiz e na propria imprensa ingleza, na escolha dos seus processos e dos seus meios, tem por mobil unico o seu maximo interesse material, e nada mais.

Esta é a verdade, e agora que a verdade vae sendo cada vez mais reconhecida até na propria Inglaterra, agora que perante a opinião publica mesmo n’aquelle paiz se vae patenteando em crescente evidencia qual o intuito d’aquella companhia, e a sua absoluta despreoccupação na escolha dos seus meios de acção, é indispensavel que não confundâmos imprudentemente, nem no nosso justo resentimento, nem nas nossas justissimas condemnações, a companhia unica culpada com a Inglaterra e o governo inglez, que para mim é fóra de duvida, serão os primeiros a condemnar, não sómente a repudiar os actos d’aquella companhia, que como esta de que se trata ainda antes de serem um abuso brutal da força, são um abuso, uma contravenção dos mais rudimentares principios de direito internacional.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey—Sr. presidente, eu pedi a palavra quando ouvi dizer ao nobre ministro dos negocios estrangeiros, que se podia deduzir do meu discurso que eu havia pretendido insinuar que os actua es ministros tinham intrigado ou feito quaesquer diligencias para occuparem aquelles logares.

Se se podesse inferir similhanie cousa, eu seria o primeiro a protestar contra ella.

Mas para tranquillisar o nobre ministro dos negocios estrangeiros, eu não duvido dizer que, creio e estou plenamente convencido, de que todos os membros do actual ministerio acceitaram a missão de que estão encarregados com grande sacrificio,, e por isso bem longe estão de terem sido movidos por qualquer sentimento digno de censura ou estranheza.

Eu creio, pois, que s. exas. acceitaram esses logares com grande sacrificio, mas eu vou tornar bem claro o que disse, para que não possa haver quaesquer duvidas a este respeito.

Eu disse que a organisação do actual governo foi resultado das machinações politicas dos dois grandes partidos, machinações de que são victimas os ministros actuaes, mas de que não são os auctores.

Eu não me quero metter a propheta, mas s. exas. verão em poucos dias que dessas machinações serão elles as victimas, oa martyres, não podendo por consequencia terem sido os seus auctores.

Tenho dito.

(O digno par não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Presidente: — Não ha mais nenhum digno par inscripto.

A primeira sessão será ámanhã e a ordem do dia, apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 16 de março de 1891

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Duque de Palmella; Marquezes, de Fronteira, das Minas, de Pomares, de Pombal, da Praia e de Monforte, de Sabugosa, de Vallada; Condes, d’Avila, da Azarujinha, de Bertiandos, de Cabral, de Castello de Paiva, de Castro, de Ficalho, da Folgosa, de S. Januario, de Linhares, do Restello, da Ribeira Grande, de Thomar, de Valbom; Viscondes, de Alemquer, de Castro e Solla, de Chancelleiros, de Condeixa, de Ferreira do Alemtejo, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho; Barão de Almeida Santos; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Sousa e Silva, Caetano de Oliveira, Sá Brandão, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Ferreira do Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto José da Cunha, Neves Carneiro, Bernardo de Serpa, Montufar Barreiros, Hintze Ribeiro, Costa e Silva, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Martens Ferrão, Mendonça Côrtez, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz Bivar, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Seixas, Vaz- Preto, Franzini, Cunha Monteiro, Rebello da Silva, Pedro Correia. Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Marçal Pacheco, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho.

O redactor = Fernando Caldeira.

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