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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 5

EM 15 DE MAIO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - Tem segunda leitura a proposta do Digno Par Sr. Baracho, acêrca do inventario judicial dos bens da Coroa, e resolve-se que seja enviada á respectiva commissão logo que esta esteja eleita. - São approvadas duas propostas de accumulação de funcções relativas a alguns Dignos Pares e apresentadas pelos Srs. Ministros do Reino e dos Negocios Estrangeiros. - Usa da palavra o Digno Par Jacinto Candido, sobre a urgencia de serem restabelecidas as communicações telegraphicas com a ilha Terceira. O Sr. Presidente do Conselho dá explicações sobre este assunto. - O Digno Par Sr. Beirão apresenta o projecto de resposta ao Discurso da Coroa. - O Digno Par Sr. Baracho refere-se á resolução tomada sobre a sua proposta que nesta sessão teve segunda leitura e manda para a mesa alguns requerimentos e uma proposta para que se proceda a uma rigorosa syndicancia ás Secretarias de Estado e suas dependencias, relativamente á administração publica durante o reinado transacto. O Digno Par Sr. Jacinto Candido declara apoiar esta proposta. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa faz diversas considerações sobre as guerras no ultramar e sobre o estado financeiro do país, tanto na metropole como nas colonias. - O Digno Par Sr. Conde de Arnoso e o Sr. Presidente do Conselho trocam explicações acêrca do inquerito relativo ao criminoso attentado de 1 de fevereiro.

Ordem do dia. - Eleição das commissões de fazenda, marinha e ultramar. - É levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 15 minutos da tarde o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Feita a chamada, verifica-se a presença de 21 Dignos Pares.

Estavam presentes: o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, Ministros da Justiça, Fazenda, Negocios Estrangeiros e Obras Publicas.

É lida e approvada, sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Menciona-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Fazenda e outros do Ministerio dos Negocios da Justiça referentes a documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Foram entregues a este Digno Par.

Requerimento, documentado, do Sr. Casimiro Barreto Ferraz Sacchetti Taveira, para tomar assento na Camara por direito hereditario.

Á commissão de verificação de poderes.

Officio do Ministerio da Marinha remettendo a synopse das providencias de natureza legislativa promulgadas por este Ministerio desde abril a dezembro de 1907 e de janeiro a abril do corrente anno, não estando reunidas as Côrtes.

Para o archivo.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Mando para a mesa uma proposta para que alguns Dignos Pares possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos cargos que exercem.

Foi lida na mesa e é do teor seguinte:

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos dependentes do Ministerio do Reino, que exercem em Lisboa, os Dignos Pares: Conselheiro Antonio Candido Ribeiro da Costa, vogal do Conselho Superior de Instrucção Publica; Conselheiro José Estevam de Moraes Sarmento, vogal do Conselho Superior de Instrucção Publica.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 15 de maio de 1908. = Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

Foi approvada.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima): - Mando para a mesa uma proposta para que alguns Dignos Pares possam accumular, querendo, o exercicio dos seus empregos com as funcções legislativas.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, pede o Governo á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que os membros da mesma Camara, os Dignos Pares Eduardo Montufar Barreiros, secretario geral do Ministerio dos Negocios Estrangeiros; Conde de Sabugosa, chefe de missão de 2.ª classe, e Marquez de Penafiel, 1.° secretario de legação, graduado em chefe de missão de 2.ª classe, accumulem, querendo, o exercicio dos seus empregos com as funcções legislativas.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, em 10 de maio de 1908. = Wenceslau de Lima.

Foi approvada.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Jacinto Candido pediu a palavra.

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

para um negocio urgente, que me communicou ser relativo ao restabelecimento das communicações telegraphicas com os Açores.

Os Dignos Pares que são de opinião que este assunto é de caracter urgente e deve merecer a sua apreciação immediata, queiram levantar-se.

Foi approvado.

Tem S. Exa. a palavra.

O Sr. Jacinto Candido: - Agradeço á camara o ter permittido que me fosse concedida a palavra.

Vou corresponder a essa amabilidade não abusando da sua attenção.

Peço a qualquer dos membros do Governo que estão presentes se digne dar conhecimento ao Sr. Ministro das Obras Publicas do telegramma que passo a ler e que recebi, ha tres dias, do governador civil do districto de Angra.

«Digno Par do Reino Conselheiro Jacinto Candido da Silva. - Peço instantemente intervenção V. Exa. junto Governo restabelecimento brevidade communicações telegraphicas esta ilha Terceira, interrompidas perto tres meses, grande transtorno commercio, difficuldades serviço publico; telegraphei hoje Ministro. = Governador Civil».

Mando este telegramma para a mesa e peço a V. Exa. se digne consultar a camara sobre se autoriza a sua publicação no diario das nossas sessões, a fim de que fique expresso nitidamente o pedido do Sr. governador civil do districto, que me encarrega de intervir junto do Governo solicitando d'elle a sua attenção para este momentoso assunto de serviço publico.

Taes eram, Sr. Presidente, as breves considerações que tinha a fazer á camara a respeito do negocio urgente para que pedi a palavra.

Agora peço a V. Exa. tão somente se digne informar-me sobre se a inscrição feita numa sessão é mantida conforme os costumes d'esta Camara, na sessão immediata e pela ordem que se acharem inscritos os Dignos Pares, pois desejo saber se posso inscrever-me desde já para falar na proximo sessão.

O Sr. Presidente: - Mantenho a inscrição, e já o fiz na ultima sessão dando a palavra ao Digno Par Sr. José de Alpoim, que tinha ficado inscrito.

O Orador: - Quaes são os Dignos Pares inscritos?

O Sr. Presidente: - Em primeiro logar o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, seguindo-se outros Dignos Pares; e pediu a palavra o Sr. Dantas Baracho sobre a proposta que se leu ha pouco, proposta que eu declarei seria enviada á respectiva commissão.

O Orador: - Sobre que é a proposta?

O Sr. Sebastião Baracho: - Sobre o inventario dos bens da Coroa.

O Orador: - Então eu peço a palavra sobre esse mesmo assunto, para que V. Exa. se digne conceder-m'a na altura em que me couber.

O Sr. Sebastião Baracho: - E eu responderei ao Digno Par.

O Sr. Jacinto Candido: - Decerto não será preciso.

O Sr. Sebastião Baracho: - Veremos.

Foi autorizada a publicação do telegramma mandado para a mesa pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido.

O Sr. Francisco Beirão: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o projecto de resposta ao Discurso da Coroa.

Foi a imprimir.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Eu pedi a palavra para dizer ao Digno Par Sr. Jacinto Candido que o Sr. Ministro das Obras Publicas se interessa attentamente pelo assunto que S. Exa. tratou.

Se não se tem procedido com maior rapidez ao concerto de que precisa o cabo submarino, é porque o navio que deve realizá-lo tem estado em reparação.

Mas tão depressa esta causa cesse tratar-se-ha de restabelecer as communicações telegraphicas com os Açores, assunto realmente urgente, como o Digno Par, a Camara e o Governo reconhecem.

O Sr. Sebastião Baracho: - A resolução tomada acêrca da minha proposta, concernente ao inventario dos bens da Coroa, é das que imprimem caracter.

Em 1879, a Camara electiva votou uma proposta da iniciativa de Rodrigues de Freitas, cujo objectivo era identico ao que eu formulei.

A proposta de 1879, bem como a minha da actualidade, visava a que se concluisse o inventario dos bens da Coroa, cuja protelação, desde 16 de julho de 1855, assume feição essencialmente escandalosa.

Em 1879, Serpa Pimentel, Ministro da Fazenda da epoca, associou-se á proposta de Rodrigues de Freitas e toda a Camara, sem uma unica discrepancia, a approvou.

Agora, decorridos 28 annos, o assunto não é submettido immediatamente á votação da Camara, e carece do estudo de uma commissão, em que em 1879 nem sequer se pensou.

Ha nada mais para lastimar, como fruta do tempo, do que o enterro que acaba de fazer-se á minha proposta, canalizando-a para o limbo de uma commissão?

Parallelamente com o que succede nesta casa, extra-parlamentarmente praticam-se actos que não são mais edificantes. Assim, um jornal noticiou que o celeberrimo inventario foi, num dos ultimos dias, enviado pela Procuradoria Regia ao Ministerio da Fazenda, a fim de e respectivo Ministro o examinar.

Só lhe faltava este viciado cerimonial.

Após o seu liturgico cumprimento, o inventario será devolvido á Procuradoria Regia, para que a dilação e a delonga continuem affirmando que o relaxismo e o impudor se ostentam em toda a sua exuberancia, quando se trata de patrocinar poderosos e degenerados interesses.

Evidentemente, não ha maneira de mudar de processos.

Pelo contrario, reincide-se nos antigos erros, aggravados com o decorrer do tempo, e nem ao menos servem de lição os factos hodiernos, fundamentalmente expressivos e essencialmente dolorosos.

Não ha contricção, sem a menor duvida. Pelo que se está passando, facil, muito facil é prever o que succederá, em curto periodo.

Não obstante todos estes desenganos, eu proseguirei, por emquanto, no desempenho da missão que a mim proprio traçei, fazendo advertencias, e pondo em relevo as pechas e taras que grangrenam o existente.

Nesse norteamento, vou mandar para a mesa um requerimento, e uma nova proposta, da indole das outras que este anno tenho submettido á apreciação d'esta Camara.

O requerimento é assim concebido:

REQUERIMENTO

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° Copia do relatorio da commissão encarregada de escolher a melhor pistola automatica para o exercito.

2.° Copia do contrato feito com a casa constructora, relativo a essa arma.

3.° Declaração sobre se o mesmo contrato foi celebrado mediante concurso, ou se nelle foi dispensada esta formalidade essencial.

4.° Copia de todo o expediente, incluindo o concomitante despacho ministerial, acêrca da declaração feita pelo Sr. General Pedro Coutinho da Silveira Ramos, de ter nascido em 21 de setembro de 1838, e não em 21 de setembro de 1839, consoante tradicionalmente teem mencionado os Almanachs do Exercito. = Sebastião Baracho.

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SESSÃO N.° 5 DE 15 DE MAIO DE 1908

Não acompanharei de considerações de natureza alguma o requerimento que fiz pelo Ministerio da Guerra, porque não quero com ellas tomar tempo á Camara. É, por isso, que por aqui me quero, com respeito a este assunto; e, posto isto, mando para a mesa a proposta a que me referi, e que é d'este teor:

PROPOSTA

Discutindo-se a lei de receita e despesa, o abaixo assinado propunha, em sessão de 11 de abril de 1902, nesta Camara, uma syndicancia ás Secretarias do Estado, Acompanhou este alvitre de adequadas considerações, recordando o exemplo fornecido por Augias, com a limpeza dos seus estabulos, - exemplo por vezes invocado, como factor indispensavel de salubrização, por Napoleão I; e, referindo-se á situação avariada dos serviços publicos, nas mesmas secretarias, expressava-se pela seguinte maneira:

Um rigoroso inquerito ás secretarias seria como que o ponto de partida para se entrar em novo regimen, de grande proveito para o País, porque poria termo ao estado absolutamente anormal em que se encontram os serviços publicos.

Alvejando ainda o mesmo assunto apresentamos em sessão de 10 de novembro de 1906, estando em debate, nesta Casa a resposta ao discurso da Corôa, uma moção de ordem, de que destacamos estes dois periodos:

Para apuramento de responsabilidades, pelo viver desregrado dos annos derradeiros, está naturalmente aconselhado um escrupuloso inquerito ás secretarias do Estado como em 1879 e em 1880, e não visando apenas um ou outro funccionario, a quem provisoria e incidentalmente tenha amortecido a lampada que possue na casa de Mecca.

Já na sessão de 11 de abril de 1902 eu advogava, nesta Camara, a necessidade de se appellar para essa therapeutica, cujo aproposito aumentou depois, a diario, com a folia desperdiçadora dos tempos rotativos.

Proseguindo na mesma orientação, seja-nos licito recordar o artigo 15.° da Carta Constitucional, e o seu § 5.°, assim concebidos:

Artigo 15.° É da atribuição das Côrtes:

§ 5.° Na morte do Rei ou vacancia do Throno, instituir exame da administração que acabou, e reformar es abusos nella introduzidos:

Para considerar é igualmente que, no preambulo dos tres decretos politicos de 27 de fevereiro de 1908, se cita o § 5.° supra-transcrito, com cuja salutar doutrina o actual Governo se mostra theoricamente integrado; e connexamente convem ponderar tambem que o artigo 14.° do Primeiro Acto Addicional, de 5 de julho de 1852, preceitua:

Artigo 14.° Cada uma das Camaras das Côrtes teem o direito de proceder, por meio de commissões de inquerito, ao exame de qualquer objecto da sua competencia.

Condensadas, pela forma synthetica que fica exposta, as reflexões comprovativas da necessidade de dar cumprimento ao estatuido no § 5.° do artigo l5.° da Carta, cuja opportunidade se evidencia a todos os respeitos, entende esta Camara, sob a égide do artigo 14.° do Primeiro Acto Addicional:

1.° Que por ella seja nomeada uma commissão de 21 membros, que, dividida em secções, procederá a rigorosa syndicancia ás Secretarias do Estado, e suas dependencias, a qual abrangerá todo o periodo do reinado transacto.

2.° Que a commissão inaugurará os seus trabalhos, procedendo ao apuramento das responsabilidades de toda a ordem, motivadas pelos adeantamentos illegaes á Fazenda da Casa Real e a quaesquer funccionarios do Estado - apuramento que deve abranger todos os beneficios de natureza varia, auferidos pela Coroa, por os diversos Ministerios, com violação das leis do reino.

3.° Que a commissão seja investida de plenos poderes, indubitavelmente consentaneos com a melindrosa e alta missão que lhe é confiada, e indispensaveis para que ella não possa, por circunstancia alguma, ser contrariada e diminuida no exercicio das suas importantes funcções. = Sebastião Baracho.

Não pode offerecer duvida aos caracteres bem equilibrados a necessidade, mais do que isso, a urgencia, de proceder a um minucioso balanço na administração publica. Para esse fim está naturalmente indicada uma escrupulosa syndicancia ás secretarias de Estado, escrupulosamente effectivada em todos os seus ramos e especialidades. Nestas sadias circunstancias se deveria inaugurar o novo reinado, com a associada liquidação dos erros transactos. Não succederá porem, assim. Os acanhados interesses de facção e de seita terão a preferencia sobre os de condição genuinamente honesta e moral.

Porque conheço, e bem, o meio em que vegetamos, não alimento a minima illusão referentemente ao destino que está reservado a mais esta minha proposta, consoante se evidenciará quando ella tiver segunda leitura.

Irá por certo acompanhar as outras, no limbo das commissões, sem que d'ella se tire o devido ensino, cujo objectivo seria evitar attentados e desfazer atropelos, que se accumulam uns sobre os outros, na quadra de nitida e exautorante decadencia que vimos desgraçadamente atravessando.

Nisto, como em tudo o mais, se evidencia a situação extremamente grave em que se encontra o regimen, que appella, de resto, frequentemente para a força brutal, quando deveria prestar exclusivamente culto á liberdade e ao legalismo.

Na sessão transacta, o Sr. Presidente do Conselho, respondendo ás allegações por mim explanadas anteriormente, affirmou como attenuante a registar, no seu conceito, que a truculenta ordem geral n.° 3 da guarda municipal não tinha sido recordada para a sua execução, na vigencia do actual commandante, a cujas prudentes opiniões S. Exa. fez allusão.

A ordem a que alludo é aquella - convem recordá-lo - que manda fazer as pontarias ao centro do alvo, para que as munições não sejam perdidas.

As reflexões do Sr. Presidente do Conselho, longe de alliviarem as responsabilidades dos seus subordinados, mais os sobrecarregam.

Pelo facto de a execução d'essa ordem não ter sido lembrada, nem por isso ella deixa de existir, conspurcando os livros respectivos das companhias e esquadrões em que está lançada. De mais, tão viva ella está na mente dos seus pretorianos executores que não ha a menor necessidade de recordá-la. Haja em vista a matança no Rocio, em 5 de abril.

Não houve necessidade alguma de reavivar essa ordem cruel, para que tivesse plena e barbara: applicação. A ordem geral n.° 3 existe, portanto, não só nos livros de escrituração da guarda, como no uso selvatico que d'ella se tem feito e faz. Insisto, pois, em que se torna mester cancelá-la, destrui-la e inutilizá-la por outra ordem, que seja, no seu tem e nas suas modalidades, o invés da que se tem em mim e deve annullar.

Realize se essa imprescindivel depuração, em nome dos generosos principios humanitarios e dos preceitos inilludiveis da decencia, compostura e moderação, tão harmonicos, na sua essencia, com o viver das corporações militares que se prezem, qualquer que seja a sua indole e aspecto especial.

A este respeito não é licito haver duas opiniões.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra sobre a proposta do Digno Par Sr. Baracho, que hoje teve segunda leitura.

O Sr. Presidente: - Mas sobre essa proposta não houve discussão.

O Sr. Jacinto Candido: - Peço perdão. Na mesa leu-se uma proposta, essa proposta teve o devido destino que V. Exa. lhe deu, foi á commissão respectiva.

Sobre essa proposta pediu a palavra o Digno Par Sr. Baracho, e quando S. Exa. estava falando sobre o assunto eu inscrevia-me para dizer a V. Exa. e á Camara que reclamo da commissão a urgencia do parecer d'essa proposta, porque entendo que é necessario cumprir a lei integralmente. Era isto o que

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eu desejava dizer á Camara, e neste ponto insisto: que é necessario cumprir a lei, e sempre a lei.

O Sr. Sebastião Baracho: - Neste ponto os extremos tocara-se. (Riso).

O Sr. Jacinto Candido: - Não ha extremos quando os meios são evidentemente justos e legaes.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: em uma das ultimas sessões eu pedi a palavra quando se propunha que se consignasse na acta um voto de congratulação pelas recentes victorias das nossas tropas em Africa e um voto de profundo sentimento pela morte dos que ali succumbiram em serviço da patria.

Se a palavra me houvesse chegado nessa occasião, eu ter me-hia limitado a associar-me a essa proposta; mas V. Exa. reservou-me a palavra para hoje, o que muito reconhecido me deixa, e esse facto impõe-me a obrigação de fazer algumas considerações sobre o assunto, sobretudo para demonstrar que as guerras em Africa são a ruina das nossas colonias e do Thesouro publico.

Não me propondo fazer um discurso propriamente financeiro, espero, comtudo, levar ao espirito de todos os que me ourem a convicção de que é indispensavel tomar uma resolução sobre aquelle assunto.

Tambem não farei um discurso de caracter politico.

Mas não deixarei de dirigir as minhas saudações ao Governo, louvando o Sr. Presidente do Conselho pela isenção e patriotismo de que deu provas ao acceitar o poder em tão melindrosa conjuntura, e tornando extensivos esses louvores aos outros Ministros, dois dos quaes são meus correligionarios illustres, e alguns meus amigos particulares.

As palavras que vou proferir não podem ser interpretadas a favor ou contra o Governo. São o resultado do meu estudo e da convicção em que estou de que é preciso fazer mais alguma cousa do que politica e só politica.

Não sou pessimista. Em mais de um acto da minha vida publica tenho demonstrado que não desanimo.

Mas devo dizer toda a verdade ao meu país. (Apoiados).

Ora a verdade é que a nação portuguesa atravessa uma das crises mais dificeis da sua historia.

A situação internacional, depois da calumniosa campanha contra os nossos homens publicos, não é aquella a que tinhamos direito.

Quanto á situação interna tambem essa está longe de ser tranquilizadora.

Não quero referir-me a questões politicas nem a questões de ordem publica. Limitar-me-hei a notar os factores dominantes que teem influido e continuam a influir no nosso modo de ser economico e financeiro.

O Banco de Portugal, alem da situação conhecida em que se encontra sob o ponto de vista da circulação fiduciaria, já se viu obrigado a lançar na circulação grande parte das suas reservas de prata e retrae os descontos; o commercio está pouco menos que paralysado; as industrias não achara collocação para os seus productos; as receitas dos caminhos de ferro do Estado diminuem; os agricultores não collocam os seus vinhos; as populações fronteiriças pedem que lhes deixe a importar, sem direitos, o milho e o centeio, porque não teem pão.

Veja o Governo que vasto campo se offerece á sua acção!

Sob o ponto de vista financeiro, temos um deficit enorme, uma divida fluctuante enorme, da qual cêrca de 14:000 contos no estrangeiro, sujeita aos perigos inherentes a essa collocação.

Os rendimentos das alfandegas e dos tabacos estão consignados á divida; uma grande parte dos rendimentos dos caminhos de ferro do Estado está consignada a emprestimos contrahidos para a construcção de novas linhas ferreas.

Isto não significa da minha parte um dobre de finados: mas é um grito de alerta para, fugirmos de gravissimos perigos que nos ameaçam - se é que desejamos fugir-lhes.

Sr. Presidente: eu tenho uma situação entre os homens publicos do meu país. Por isso, corre-me o dever de dizer a este país toda a verdade.

Não sei o que virá a succeder.

Mas, se succeder alguma cousa de grave, não quero a responsabilidade do meu silencio.

Repito, está fora do meu intuito qualquer nota politica.

Tambem não desejo criar a menor difficuldade ao Governo, que se encontra no poder ha pouco mais de tres meses e que se está defrontando com problemas a que não deu origem, a que é absolutamente estranho, não merecendo, por isso, qualquer accusação. (Apoiados).

Tratarei de factos; não de pessoas. Os primeiros me bastam para e meu raciocinio.

Tendo collocado a questão da situação precaria do país no pé em que a colloquei, cumpre-me demonstrar que as guerras de Africa só teem contribuido para aggravar a situação. É o que passo a fazer.

Os soldados portugueses mais uma vez se cobriram de gloria na campanha da Guiné, provando de novo serem inexcediveis no cumprimento do seu dever. Mas que vantagem tira o país d'esse esforço heroico, do sangue derramado, das vidas perdidas, dos contos de réis despendidos? Nenhum. Absolutamente nenhum. Em meu juizo as guerras só se justificam para defesa da integridade do territorio nacional, ameaçado por estranhos, ou quando é preciso proteger do gentio quaesquer elementos importantes da riqueza economica das colonias, que é a riqueza economica do país. (Apoiados).

Deu-se, por acaso, alguma d'estas duas hypotheses na Guiné, onde não temos collisão alguma com os estrangeiros e onde ha um limitadissimo commercio do interior para o litoral?

Ha annos, em 1903, quando um grupo de proprietarios e de capitalistas se propôs constituir uma companhia para a exploração agricola da Guiné, talvez ainda a guerra pudesse explicar-se.

Mas agora!

Lembrarei á Camara que o Sr. Judice Biker, antigo governador da Guiné, tendo encontrado ali um deficit de 12 contos de réis, deixou em cofre um saldo importante, ao fim de dois autos, tendo, aliás, feito uma campanha proveitosa em 1902.

Comprehendia-se uma guerra em S. Thomé se houvesse necessidade de defender as riquissimas plantações d'aquella colonia modelar; comprehendia-se uma guerra em Manica, se o gentio pusesse qualquer impedimento á lavra regular das minas de ouro; comprehende-se a guerra de Lourenço Marques em 1895, quando os indigenas quiseram atacar aquelle admiravel emporio colonial.

Mas na Guiné, neste momento! Qual é o proveito que d'essa guerra se tira, alem da gloria para os soldados que nella tomam parte?

Que plantações ha ali a defender?

Que minas?

Que interesses politicos?

Fizemos, ultimamente, duas campanhas em Angola, uma no anno de 1904 e outra no anno de 1907.

Houve tambem, entre estas duas, uma campanha... que não chegou a realizar-se.

Pois só com a expedição respectiva, que não saiu de Lisboa, se gastaram cêrca de 1:200 contos de réis!

Imagine-se o que custaram as outras, as que seguiram ao seu destino, as que fizeram aquellas duas guerras!

E quaes os resultados uteis?

Nenhuns.

A não ser o do acrescimo de glorias para os bravos militares expedicionarios.

A guerra contra os cuamatas nem sequer serviu para a delimitação material dos territorios que nos foram attribuidos pela sentença arbitral do Rei de

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Italia, ao sul de Angola, por occasião do julgamento da questão do Barotze, depois dos agentes da South Africa nos terem concedido... pouco mais do que o litoral!

E ainda, recentemente, se publicou em Edimburgo um mappa da provincia de Angola em que são attribuidos á Inglaterra os territorios que, pela sentença arbitral nos pertencem, mas que ainda não conseguimos delimitar materialmente, muito embora tenhamos gasto rios de dinheiro em guerras inuteis!

Sr. Presidente: eu tambem tenho a responsabilidade de guerras coloniaes.

Em 1902, sendo Ministro da Marinha, mandei proceder á campanha do Bailundo, por estarem ali, em perigo de vida, centenares de commerciantes e agricultores; - mas essa campanha fez-se com os elementos proprios da provincia.

No Barué havia uma resistencia forte contra o dominio portugues. Procedeu-se, ali, a uma guerra, sob a direcção do glorioso official que é João de Azevedo Coutinho; mas todas as despesas correram por conta da Companhia de Moçambique.

Se a Companhia de Moçambique as pagou ou não, isso já não pertence á minha responsabilidade.

Na India houve tambem insurreição.

De acordo com o fallecido general Galhardo, então governador illustre d´essa colonia, preferia uma guerra em forma, para suffocar uma simples acção de policia.

Os chefes foram presos.

E nem um real se gastou alem das despesas ordinarias do Estado.

Já um grande general disse que as guerras se fazem com dinheiro, dinheiro e dinheiro.

A ruina economica das nossas colonias é devida em grande parte as guerras. (Apoiados).

Em 1900, quando assumi a gerencia da pasta da Marinha e Ultramar, a administração das colonias era má.

Quando deixei essa pasta, a administração das colonias era desafogada.

A metropole não dava, por anno, mais de 400 contos de réis para as provincias ultramarinas.

Hoje dá 800 contos de réis!

Só a Provincia de Angola deve 3:000 contos de réis e absorve todo o remanescente das outras colonias.

Tudo consumido na voragem de Angola, onde as guerras se succedem: - guerras, mais guerras, sempre guerras!

Do fundo especial para a construção do caminho de ferro do Lobito á fronteira, constituido pelo imposto do alcool e pelas sobretaxas da borracha e do algodão, 1:200 contos de réis desappareceram tambem engulidos pelas despesas geraes da provincia!

Depois disso imaginar-se-ha que Angola dispensou mais sacrificios ? Qual! Todas as outras provincias continuam a contribuir para ella. . . para ella absorver tudo em guerras continuadas!

E o quadro desolador não fica por aqui.

Ninguem ignora que Angola devia muito dinheiro: a fornecedores 1:001 contos de réis; ao fundo do caminho de ferro de Benguella 1:184 contos de réis; de depositos judiciaes 27 contos de réis; de depositos orfanologicos 26 contos de réis; cofre de defuntos e ausentes 10 contos de réis; depositos diversos 76 contos de réis; deposito de vales ultramarinos 638 contos de réis.

Ao todo 3:012 contos de réis!

Os fornecedores já fazem das suas facturas uma especie de papel moeda para as transacções commerciaes da vida diaria; os soldados do planalto não recebem os seus soldos ha 22 meses; outros esmolam pelas ruas de Loanda, como a imprensa tem noticiado em telegrammas d´ali!

Mais ainda: desde maio de 1902 a dezembro de 1907 a provincia de S. Tomé enviou para o sorvedouro de Angola 1:676 contos; a de Cabo Verde 147 contos; a de Moçambique 36 contos; a de Macau 81 contos.

Ao todo: 1:940 contos.

Foram remessas directas.

Outras houve, todavia, pelo deposito do ultramar.

Desde dezembro de 1903 a Dezembro de 1907: 836 contos.

Somma 2:776 contos.

Ainda mais: o fundo para o caminho de ferro de Malange, criado pelo decreto de 1902, foi de 2.963:879$083 réis; as despesas feitas, incluindo o material, foram de 1.715:312$268 réis.

Pois não ha um vintem.

A diferença absorveu-a a provincia de Angola!

Será, porventura, desafogada a situação das outras possessões ultramarinas?

Não é. O decreto da descentralização da provincia de Moçambique não deu ainda, áquella provincia nem mais um caminho de ferro, nem mais um melhoramento de portos, nem estradas, nem linhas telegraphicas.

As administrações apodadas de perdularias tinham feito o milagre de construir o Porto de Lourenço Marques, que levava 600 a 700 contos de réis em cada anno, sem pedir 1 real á metropole, e tinham custeado as despesas da provincia e concorrido para as despesas das outras provincias, mas estas é que eram as administrações condenadas!

Assim as classificavam os homens que não tinham ou não teem entrado no Ministerio da Marinha e não o conhecem.

Não havia cacau em abundancia? A culpa era do Terreiro do Paço.

Os caminhos de ferro não tinham a velocidade correspondente ao desenvolvimento economico dos paises que atravessavam? A culpa era do Terreiro do Paço.

Não havia dinheiro para pagar aos funccionarios ? A culpa era do Terreiro do Paço.

Só diz isto quem não conhece a Secretaria do Ministerio da Marinha, quem não conhece a devoção, a dedicação, o patriotismo com que ali se trabalha.

Mas o que eu vejo é que esta accusação, tantas vezes repetida, triunfou.

Publicou-se um decreto descentralizando a administração da provincia de Moçambique. S. exa. sabe o que tem sido a administração d´essa provincia?

O seu saldo, que para 1906-1907 figurou na importancia de 561 contos de réis, onde pára?

O que se sabe, Sr. Presidente, é que de quando em quando se contrae um emprestimo no Banco Ultramarino. Ainda não ha muito tempo foi feito um á camara Municipal de Lourenço Marques.

O que se sabe é que em outras occasiões qualquer proprietario, julgando-se gravemente offendido nos seus direitos, porque não lhe pagam como elle entende ser de justiça, vae ter com o governador, que autoriza o Banco Ultramarino sob a responsabilidade do Governo, a descontar uma letra.

O que eu sei é que está no Ministerio da Marinha um pedido de autorização para um importante emprestimo.

Já se vê que no tempo em que a acção nefasta da Secretaria do Ultramar se estendia sobre a Provincia de Moçambique havia ainda dinheiro para caminhos de ferro, para transformar o porto de Lourenço Marques, para occupar o litoral da provincia e para soccorrer as outras colonias de Africa.

Agora, desde que se cortou esse nefasto e venenoso tentaculo, é o que V. exa. vê.

Em 1901 fiz um acordo com o Transvaal; regulou-se a situação do Transvaal com Lourenço Marques. Não quero dizer o que foi esse acto, em que muito se distinguiu um nosso collega d´esta casa, o Sr. Raphael Gorjão, mas em torno d´esse acordo tem girado toda a politica sul-africana, desde Londres até ao Cabo.

Factos graves se teem passado; alguns que eu posso dizer e outros que eu entendo não deverem passar da minha pessoa.

É conhecida a clausula mais impor-

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tante do modus vivendi que nós estabelecemos em 1901.

Era a que tinha sido estabelecida nos seguintes termos: quando nas colonias inglesas fosse diminuida a tarifa dos caminhos de ferro, a tarifa do caminho de ferro de Lourenço Marques seria proporcionalmente diminuida.

Pois, Sr. Presidente, construiram-se no Cabo e no Natal pequenos troços de caminho de ferro que serviram de pretexto para a nova tarifa de todos os produtos em transito para o Transvaal; essa tarifa reduziu consideravelmente a do modus vivendi de 1901.

Era logico, legitimo e legal fazer-se pela tarifa do Transvaal a diminuição proporcional, para manter a preponderancia da nossa parte.

Isto, porem, não se fez.

Reduzida a tarifa nas linhas do Cabo e do Natal não se reduziu a tarifa do caminho de ferro de Lourenço Marques.

A nossa situação em Lourenço Marques até aqui era privilegiada, porque o porto é de primeira ordem; mas comprehende-se o prejuizo que para nós resultou de á diminuição das tarifas nos caminhos de ferro das colonias inglesas não corresponder a diminuição de tarifas no caminho de ferro de Lourenço Marques, o que acabará por afastar o movimento de mercadorias d'este nosso caminho de ferro, apesar das grandes vantagens de um porto admiravel.

As colonias de S. Thomé, Cabo Verde e Macau não teem saldos.

A descentralização da colonia de Timor representa um encargo pesado para as finanças de Macau, e, consequentemente, para a metropole.

A responsabilidade d'esses factos é de todos.

Longe do meu espirito a ideia de a imputar ao actual Governo.

O meu unico proposito é accentuar a gravidade da crise colonial para pôr em relevo o perigo de novas guerras, a que só se recorrerá se o Estado entender que o remedio para essa crise consiste na applicação da formula homoepathica: Similia similibus curantur.

Ouvi dizer que o Sr. Paiva Couceiro, cujos merecimentos são aliás incontestaveis, impôs ao Governo, como condição para voltar ao exercicio do seu cargo, a realização de novas guerras.

Se eu tivesse algum valimento junto do Governo, empregá-lo-hia em pedir-lhe que mudasse de resolução.

O que se devia fazer era tomar para base do calculo a media das despesas feitas com as guerras em cada anno e applicar esse dinheiro aos grandes instrumentos de occupação, que são os caminhos de ferro.

Nós precisamos olhar com a maior attenção para as nossas colonias, tanto mais que, alem dos vicios de administração, temos a lutar com outros factores de ruina.

E aqui me lembra falar amas, de Angola, a proposito da questão do alcool.

Eu não tenho responsabilidades no Governo, não me pedem o meu voto, mas devo dizer que sou absolutamente contrario ao estabelecimento do gremio do alcool.

Sr. Presidente: não admitte contestação a affirmativa de que as colonias africanas para nada nos serviriam sem a raça negra, e é fora de toda a duvida ser o alcool um dos mais poderosos inimigos da raça negra, porque difficulta a sua propagação, porque a inutiliza para o trabalho, e porque lhe abrevia o termo da existencia.
O Sr. Presidente do Conselho, que tem exercido com proveito para o seu país os mais elevados cargos, que notavelmente governou a provincia de Angola, e que, alem d'isso, tem feito especiaes estudos sobre os problemas coloniaes, deve ter conhecimento de que ha regiões de Africa onde o abuso do alcool é de tal maneira grave, que por isso se explica o não haver ali negros de idade superior a. quarenta annos.

Foi em razão d'estes factos, Sr. Presidente, que as potencias, por commum acordo, fixaram em 1889 o imposto sobre o alcool; foi ainda em razào d'esses factos que as potencias se concertaram nas recentes conferencias, effectuadas em Bruxellas, para elevar o mesmo imposto de 70 a 100 francos, pelo convencimento de que não só era uma obrigação defender a vida dos negros sob o ponto de vista humanitario, mas tambem uma necessidade defendê-la como instrumento indispensavel para a manutenção da riqueza e da exploração d'aquellas regiões.

Sr. Presidente: que admiravel livro é um sobre que já passaram annos, mas que não tem envelhecido no tocante a assuntos africanos, que tão minuciosa e brilhantemente estuda e trata!

Quero referir me ao livro de Antonio Ennes, que em lucidissimas paginas mostra a obrigação impreterivel que Portugal tem - e pcrtanto este Governo ou qualquer outro - de evitar em Africa o abuso das bebidas alcoolicas.

É ver o que acontece nas colonias estrangeiras vizinhas das nossas, por que nós devemos tambem observar e seguir os exemplos das outras nações quando se trate de circunstancias e interesses identicos.

Veja se a legislação que é applicada nas colonias britanicas, como as do Cabo, Natal e Transvaal, e que prohibe a venda de bebidas alcoolicas, até o ponto de ser infligida a pena de trabalhos forçados aquem transgredir aquella prohibiçao, e isto porque a experiencia dos factos mostrou ao legislador que o uso das bebidas alcoolicas é nocivo em Africa, mais do que em qualquer outra região, pelos motivos que já indiquei.

A nossa provincia de Angola, Sr. Presidente, está devastada na sua população pela variola e pela doença do somno, que tem sido ali grandemente mortifera.

Comtudo, deixemo nos de guerras, não consintamos o uso de bebidas alcoolicas, e não passarão muitos annos sem que a provincia de Angola readquira um alto valor. Pelo contrario, se permanecermos no mesmo regime de administração e de guerras, Angola será, tambem dentro de poucos annos, um valor absolutamente nullo.

Sr. Presidente: debate-se neste momento um outro problema que diz respeito á exploração economica de algumas das nossas colonias - o problema da mão de obra.
V.Ex.ª sabe, e melhor do que eu, quantas calumnias teem sido assacadas contra Portugal accusando o nosso país de, em Angola, fazer escravatura para obter trabalhadores para as plantações de S. Thomé e Principe.

V.ex.ª sabe que os contratos em Angola se fazem livremente e que as roças de S. Thomé serão, em toda a parte, um modelo no que diz respeito á assistencia aos trabalhadores.

Mas a despeito d`isto, S. Thomé e Principe não teem os trabalhadores em quantidade necessaria para arrancar ao solo d'aquella colonia toda a riqueza que elle contem.

Pois a campanha feita contra nós, apesar de ser calumniosa e infundada, constitue uma grande difficuldade ao regime da mão de obra de S. Thomé.

Sr. Presidente: ainda ha poucos dias um homem a quem nós demos hospitalidade, um aventureiro de má morte (Apoiados}, não tendo já outros processos a que recorrer para conseguir o que deseja, lançou-se por esse mundo fora numa propaganda viva contra o regime da mão de obra nas nossas colonias, accusando-nos de fazermos es
cravatura, pretendendo até insinuar esse convencimento por meio de photographias, e dando logar a greves preparadas por elle quando estava no sul de Angola.

Sr. Presidente: a hora está adeantada e eu vou terminar as minhas considerações.

V.Ex.ª facilmente pode tirar d'ellas a conclusão que eu tiro, e é que ao lado d'este quadro da difficil situação financeira das nossas colonias, ao lado do descalabro evidente, que bem manifestamente se nota na administração ultramarina, está a situação não menos difficil em que se encontra a Fazenda Publica na metropole.

É grave a situação financeira do Thesouro.

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SESSÃO N.°5 DE 15 DE MAIO DE 1908 7

Comprehendo os melindres que tem um Governo de dizer qual é a situação da Fazenda Publica, mas não ha duvida de que ella é grave e muito grave.

Eu não sei se o orçamento tem o deficit de 4:000 ou de 5:000 contos.

O que sei é que tem um deficit consideravel.

O que sei, e ponho de lado o orçamento, é que a Fazenda Publica corre um consideravel risco, e que a administração colonial neste caminhar irá aggravá-la enormemente.

Qual o meio de o evitar?

E o recurso ao credito ou o aumento da circulação fiduciaria, como expediente de occasião para nos livrarmos de um grande desastre?

Pelo que se refere ao recurso ao credito, é facil comprehender que a situação internacional não nos pode deixar duvidas a este respeito.

Tenho visto sustentar a todos os economistas que o alargamento da circulação fiduciaria é um factor péssimo para o aggravamento cambial, e se o estado cambial ainda experimentar um novo aggravamento, nós podemos perder toda a esperança de ver restabelecida a circulação metallica.

Assim, se é difficil obter o recurso ao credito, é perigoso aggravar a circulação fiduciaria.

Veja V. Ex.ª se é legitimo ou não o meu pedido para que façamos todos os esforços possiveis para que não continue o systema das guerras, que teem sido e são uma origem do desequilibrio do nosso orçamento.

Sr. Presidente: espero que o Sr. Presidente do Conselho não considerará o que acabo de dizer como um acto de hostilidade nem para S. Exa.nem para nenhum dos Srs. Ministros.

Ao actual Governo não cabe, nos factos que mencionei, a mais pequena e insignificante responsabilidade.

O Governo que está ali tem o apoio dos partidos, porque é, sobretudo, um Governo patriotico.

O Sr. Presidente: - A hora está muito adeantada.

O Orador:-E eu termino aqui as minhas considerações em obediencia á observação de V. Exa. (Vozes: - Muito bem, muito bem).
(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho (Ferreira do Amaral): - Eu posso responder ao Digno Par noutra sessão, visto que hoje a hora está adeantada. Mas não quero deixar de ter com S, Exa. a attenção de lhe dizer isto mesmo.

O Sr. Teixeira de Sousa:-Eu apenas expus considerações, não fiz pergunta nenhuma, não fiz nenhuma accusação. Mas em todo o caso agradeço ao Sr. Presidente do Conselho a sua explicação attenciosa.

O Sr. Presidente: - Vale passar-se á ordem do dia.

O Sr. Conde de Arnoso: - Peço a palavra para um requerimento. Desejo que V. Exa., Sr. Presidente, consulte a Camara sobre se consente que eu faça uma pergunta ao Sr. Presidente do Conselho.

Não pretendo de forma alguma escalar a palavra a ninguem. Só falarei uns dois minutos.

Vozes:-Fale, fale.

O Sr. Presidente:-Tenho que consultar a Camara.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Conde de Arnoso: - Na penultima sessão o Sr. Presidente do Conselho, em resposta a umas observações minhas acêrca do inquerito sobre o monstruoso e criminoso attentado de 1 de fevereiro, inquerito que eu persisti em considerar vergonhoso, respondeu que esse inquerito proseguia lentamente, é certo, mas com vantagem para o apuramento da verdade, pois havia quinze dias que o Governo pudera apurar o que havia acêrca da carabina que um dos regicidas disparara naquella tragica tarde.

Quarenta e oito horas depois, na ultima sessão, o chefe do Governo falou de novo sobre o mesmo assunto.

Eu peço toda a attenção do Sr. Presidente do Conselho, a fim de me interromper, se porventura as minhas palavras não traduzirem fielmente o que S. Exa. disse, pois não pude assistir a essa sessão e apenas sei das palavras do Sr. Presidente do Conselho pelo que os jornaes regeneradores, progressistas e outros relataram.

Disse o chefe do Governo - ao falar de novo na ultima sessão sobre o assunto- que apesar do inquerito ser segredo de justiça - note bem a Camara estas estranhas palavras - podia assegurar á Camara e, portanto, ao país, que do inquerito se não apurava responsabilidade alguma, cumplicidade alguma, para pessoas conhecidas ou desconhecidas.

Essa classificação não é minha, mas do proprio Sr. Presidente do Conselho.

Devolvo a a S. Ex.ª, que a pode guardar!

Mais acrescentou o chefe do Governo que não importava que o inquerito continuasse, porque nenhum incomodo ou violencia podia resultar fosse para quem fosse.

Ora eu não posso admittir que o Sr. Presidente do Conselho me respondesse d'essa maneira, e quarenta e oito horas depois falasse sobre o mesmo assunto debaixo de um aspecto inteiramente differente, se não opposto. (Apoiados).

É necessario que semelhante contradição seja claramente explicada. E eu só vejo um meio de tal se explicar: - o de declarar o Sr. Presidente do Conselho á Camara e, portanto, ao país, que a carabina fora pelo seu pé parar ás mãos do regicida, que tão criminosamente d'ella se utilizara.

Mais ainda. Que o Sr. Presidente do Conselho declare que a carabina foi comprada pelo proprio assassino, com dinheiro que lhe cairá do céu, tendo o regicida no dia do attentado saido de casa com a arma descuidadamente posta ao hombro ou debaixo do braço.

Eu já sei que o Sr. Presidente do Conselho me vae responder triumphantemente, brilhantemente, pois é assim que os jornaes progressistas, regeneradores e os outros celebram sempre as immortaes respostas do chefe do Governo.

Previno, porem, o Sr. Presidente do Conselho de que lhe não consinto que altere uma só das minhas palavras, pois já na sessão de sabbado tive de o interromper quando S. Exa. principiou a clamar que eu pedia vingança!

Nunca pedi vingança, nem esse sentimento se dá com o meu caracter, como português e como Par do Reino.

O que pedi e o que peço é justiça, e sobretudo seriedade na justiça.

Sr. Presidente: julgo inutil dizer que, se para o infame attentado de 1 de fevereiro já houvesse o perdão e o indulto, como o houve para outros crimes, da minha boca não sairia mais uma palavra sobre o assunto. Mas emquanto tal amnistia não seja dada, hei de continuar insistindo e reclamando justiça e seriedade na justiça.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro . do Reino (Ferreira do Amaral) : - Declararei em primeiro logar que, quando disse que não havia cumplices conhecidos ou desconhecidos, não quis dizer que não houvesse ou não pudesse haver cumplices.

O Sr. Conde de Arnoso: - Onde diz que disse, diz que não disse.

O Orador: - Não digo que não disse o que disse; affirmo o que effectivamente disse, como assevero novamente que, até á altura em que está o inquerito policial, nenhuma cumplicidade existe para pessoa alguma, conhecida ou desconhecida.

Com respeito á carabina, soube-se que tinha sido vendida dentro de uma caixa com muitas outras; que o com-

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8 ANNAES DA CAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REDÍO

prador fora um individuo de Africa, que levou a caixa ou caixote. Mas não se sabe quem comprou o caixote.

O Sr. Conde de Arnoso:-S. Ex.ª, portanto, diz que ha cumplices, embora desconhecidos.

O Orador:-Não digo tal. Pode haver cumplices, e pode não haver.

O Sr. Conde de Arnoso: - Ora.. .

O Orador:- Sou bem claro no que digo. O inquerito segue e seguirá por deante até á absoluta certeza de que não ha cumplices alem d'aquelles que pereceram na occasião do attentado.

Disse tambem, e repito, que não ha duvida alguma em que o inquerito vá proseguindo, visto que ninguem, por suspeito, se encontra preso por tão nefando crime. Foi isto o que disse, e é isto o que repito.

O Sr. Conde de Arnoso: -S. Exa. admitte, portanto, a possibilidade de descobrir cumplices.

O Orador: -Não admitto nem deixo de admittir.

O Sr. Conde de Arnoso: - Eu só desejo ser esclarecido, e agradeço as explicações dadas pelo Sr. Presidente do Conselho.

ORDEM DO DIA
Eleição de commissões

O Sr. Presidente : - Vae passar-se á ordem do dia. Convido os Dignos Pares a formularem as suas listas para se proceder á eleição, simultaneamente, das commissões de fazenda e marinha.

Fez-se a chamada, e effectuou-se a votação.

O Sr. Presidente : - Convido os Dignos Pares Conde de Villar Secco e Fernando Larcher a servirem de escrutinadores.
Decorreu o escrutinio.

O Sr. Presidente: - Entraram nas urnas 28 listas, ficando eleito por outros tantos votos cada um dos Dignos Pares que hão de constituir as commissões de fazenda e de marinha, a saber: Commissão de fazenda, Antonio Augusto Pereira de Miranda, Frederico Ressano Garcia, Luciano Augusto da Silva Monteiro, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Teixeira de Sousa, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Antonio da Veiga Beirão. Alexandre Cabral, Alberto Antonio de Moraes Carvalho, D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio, Conde de Bertiandos, Conde de Villar Secco. Commissão de marinha, Julio Marques de Vilhena, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Francisco Felisberto Dias Costa, José Maria de Alpoim, Henrique da Gama Barros, Francisco José Machado, Jacinto Candido da Silva, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Marquèz do Lavradio, D. João de Alarcão Velasques 'Sarmento Osorio, Conde do Cartaxo.

O Sr. Presidente : -Vae proceder-se á eleição da Commissão do ultramar.

Fez-se a chamada., e effectuou-se a votação.

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos Pares Francisco José Machado e Teixeira de Aguilar a servirem de escrutinadores.
Decorreu o escrutinio.

O Sr. Presidente: - Entraram na urna 21 listas, e obteve outros tantos votos cada um dos seguintes Dignos Pares, que hão de constituir a Commissão do ultramar: Julio Marques de Vilhena, Antonio Teixeira de Sousa, Jacinto Candido da Silva, Francisco Felisberto Dias Costa, Antonio Eduardo Villaça, Francisco Maria da Cunha, Marquèz do Lavradio, João Pereira Teixeira deVasconcellos, José de Azevedo Castello Branco, Conde do Cartaxo, D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio, Manuel Raphael Gorjão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão realizar-se-ha na terça feira, 19 do corrente. A ordem do dia é a mesma que vinha para hoje e mais o projecto de resposta ao Discurso da Coroa.
Está levantada a sessão.

Eram 4 horas e 20 minutos da tarde.

DIGNOS PARES PRESENTES NA SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1908

Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel; Marquezes: de Ávila e de Bolama, de Gouveia, de Sousa Holstein; Arcebispo de Calcedonia: Condes: de Arnoso, de Bertiandos, de Figueiró, de Martens Ferrão, de Monsaraz, de Paraty, de Villar Secco; Visconde de Tinalhas; Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Hintze Ribeiro, Bernardo de Aguilar, Carlos Palmeirim, Vellez Caldeira, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, I). João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, José de Azevedo, Vasconcellos Gusmão, Moraes Sarmento, José Luiz Freire, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor, ALBERTO PIMENTEL.

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