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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Extracto da sessão de 13 de janeiro de 1844.

(Presidiu o sr. Silva Carvalho.)

Foi aberta a sessão pela uma hora e um quarto da tarde; estando presentes 38 dignos pares, e os sr.s ministros (todos menos o da fazenda.)

O sr secretario Machado leu a acta da antecedente, e foi approvada.

O sr. secretario C. de Lumiares deu conta dos officios seguintes:

1.° Do digno par presidente da commissão mixta relativa aos officiaes amnistiados, remettendo um authographo da acta da sua sessão. — Para o archivo.

2.º De J. A. d'Azevedo, enviando mappas da receita e despeza dos hospitaes regimentaes do 1.º semestre de 1843. — Foram distribuidos.

O sr. V de Sá, lembrando um pedido que tinha feito em outra sessão, e a resposta a elle dada pelo sr. ministro dos estrangeiros, perguntou se s. ex.ª tencionava remetter a esta camara a correspondencia sobre as negociações que tinham tido logar para o ultimo tractado concluido com a Inglaterra!

O sr. ministro dos negocios estrangeiros respondeu que um igual pedido havia sido feito na outra casa; que estava agora escolhendo documentos que (por assim dizer) acabavam de chegar de Londres, mas que em breve poderia responder ao digno par.

ORDEM DO DIA.

Prosegue a discussão do projecto de resposta ao discurso do throno.

O sr. V. de Fonte Arcada (depois de declarar que pouco se demoraria por estar incommodado), disse que não podia deixar de responder a varias observações, feitas na sessão passada; e principalmente a algumas que se referiam á associação eleitoral, a que tinha a honra de pertencer, e que era composta de pessoas tão conspicuas, quaes as que faziam parte desta e da outra camara (tendo dado a Sua Magestade provas da sua dedicação), e que por isso aonde essas pessoas estavam tambem podia estar este orador). — Que esta associação era similhante a outras que existiam em diversos paizes, e das quaes elles tinham tirado, estavam tirando, e haviam de tirar muitas, vantagens.

Que esta associação era cousa diversa das sociedades secretas; que o nobre duque havia hontem stigmatisado; devendo comtudo notar-se que s. ex.ª désse o seu apoio a um ministerio que, ou nellas se fundava, ou dellas tirava um grande auxilio. — Que convinha com s. ex.ª que a mudança de costumes era o que podia fazer com que as reformas fossem efficazes; entretanto, para que houvesse, uma tal mudança, muito convinha que o exemplo fosse dado por quem podia fazer authoridade: mas quando se prescindia do que era nobre, generoso, e justo, não devia esperar-se que as nações, (onde ha tantas causas que as contaminem) fossem as proprias que apimentassem esse exemplo. Que as nações muitas vezes faziam com que se seguissem as boas doutrinas, mas isto era só depois de terem muita illustração.

Que admittindo o nobre duque que as municipalidades podiam representar sobre os seus interesses locaes, era o mesmo que admittir que ellas igualmente podessem, quando os vexames fossem tão geraes que a todos se fizessem sentir, representar contra esses mesmos vexames, o que se dava no caso actual, em que se queixavam do estado geral que tem affectado a todos, já por meio d'uma intensidade de tributos, que a esmo se tem lançado sobre o povo, já porque não tem havido a melhor arrecadação nos fundos publicos, e finalmente pela má politica que o governo tem seguido.

Que a respeito do receio que tinha mostrado o nobre duque dos effeitos da coallisão, por nella haver pessoas pertencentes ao partido vencido, dizia a s. ex.ª que, a elle (orador,) recear esse partido, mais recearia daquelles que d'entre elle trocaram suas convicções por diversos empregos publicos, ou posições politicas, ganhando por este modo força e poder; que não tendo influencia politica os primeiros unicamente se associaram com outros cidadãos para exercerem um direito inherente á qualidade de cidadão portuguez. Que se poderia porém dizer que pelo facto daquelles individuos terem acceitado empregos em um systema de governo opposto ao seu, se tinham por tal modo vinculado com elle, que nenhum perigo havia delles, porque o seu partido, depois deste facto, nada mais quereria com elles - mas que esta doutrina não era aquella que a historia, e a experiencia mostrava seguirem os partidos, pois que a estes pouco lhes importa que os homens tivessem mostrado differentes opiniões, ou sido constantes nellas, com tanto que se lhes ligassem na occasião necessaria; e isto exemplificaria elle orador com a conducta de s. ex.ª o sr. ministro do reino, que tendo em 1837 seguido as doutrinas, que todos sabiam, hoje era tido, pela maioria desta camara, pelo unico homem capaz de manter a ordem, e sustentar a Carta!

O orador terminou aqui, tornando a declarar o seu incommodo, que o não deixava proseguir no mais que ainda teria a dizer.

O sr. ministro da justiça disse que, na qualidade de ministro da corôa, e fazendo parte d'uma administração solidaria, não podia deixar de tomar a palavra para responder ás muitas increpações, que talvez menos justamente se tinham dirigido ao ministerio, e que faria a diligencia para mostrar quanto ellas eram infundadas e immerecidas

Que era costume muito usado nos governos representativos, e principalmente no de Portugal, aproveitar-se a occasião de discutir-se nas camaras a resposta ao discurso da corôa para se fazerem acres censuras ao ministerio, e por isso nada era para estranhar que os dignos pares da opposição lançassem mão desta opportunidade para combater a actual administração; porém que lhe pareciam fracos os argumentos que para esse fim empregaram. — Que a substancia de tudo quanto se adduzira, contra os ministros da corôa, podia commodamente reduzir-se a duas especies de argumentos, a saber: 1.ª expressões e termos improprios no discurso da corôa, que além disso era deficiente e laconico; e 2.ª incapacidade dos ministros, e sua errada politica, tanto por omissões, como por commissões.

Que o primeiro argumento do digno par, o sr. C. de Lavradio, fôra fundado na impropriedade dos termos do discurso da corôa legitimos interpretes dos votos e opinião nacional pois (o digno par entendera que) não só os membros das duas camaras, mas todo e qualquer cidadão podia ser legitimo interprete da opinião nacional. Que s. ex.ª por certo não usaria, empregando este argumento, dos meios e capacidade que tem, e prestara mais attenção ao desejo de guerrear o ministerio do que aos principios do direito constitucional, segundo os quaes não poderia deixar de convir em que um, ou mais cidadãos, reunidos sem missão, não podem ser orgão dos votos geraes da nação, e que apenas podem enunciar a sua, porém nunca a opinião commum, cujos interesses e direitos geraes não representam; mas que s. ex.ª accrescentára — que o governo tinha muito de proposito empregado aquelles termos no discurso da corôa para estigmatisar o procedimento das camaras municipaes, que haviam representado ao chefe do poder executivo, pedindo-lhe a demissão do ministerio, o que involvia uma blasfemia politica contra o direito de petição. Disse que elle (orador) pedia licença a s. ex.ª para discrepar completamente de sua opinião quanto á blasfemia politica de impugnar o direito da representação das camaras municipaes com a latitude que se lhes queria attribuir, e que, visto ter sido chamado pelo digno par, e por alguns outros a este campo, (hoje do dia, ou da moda) era forçado a entrar na materia com mais alguma extensão do que desejava, mas que esperava que a camara lhe concedesse para isso a costumada benevolencia.

Que entendia ser um axioma da vida politica dos homens de Estado — a necessidade de considerar os factos pela applicação dos verdadeiros principios, para com reflexão poder tirar a consequencia conforme aos mesmos principios, e segundo elles classificar os factos, e proceder competentemente a respeito destes: — Que, quando tivera conhecimento das representações das camaras municipaes, observára esta regra, tirára em resultado que a sua pertendida ingerencia nos negocios politicos e geraes do Estado era uma exorbitancia de suas attribuições legaes, em que o governo não podia consentir sem incorrer na maior responsabilidade, pela obrigação que tem de fazer executar as leis pelas corporações que lhe são subordinadas.

Que em toda a fórma de governo, e especialmente no representativo, era necessario guardar-se o equilibrio dos poderes superiores e subalternos do Estado, sem o que a machina politica não podia ter o seu regular andamento: que a nação tem negocios politicos geraes, e tem nas suas differentes partes interesses locaes; para tractar os primeiros nomêa seus representantes geraes deputados ás côrtes, e para administrar os segundos elege procuradores especiaes; que a missão de uns é, quanto á politica geral, differente da dos outros, e sómente commum em promover os interesses locaes, mas por meios diversos, pois que aos primeiros cumpre, mesmo para este fim particular fazer leis, em quanto aos segundos só compete executa-las no exercicio dessas funcções municipaes, representando ao poder executivo tudo quanto entenderem que carece de providencias fóra do alcance de suas funcções, mas em objectos subordinados á sua administração. Que da exposição destes principios evidentemente se concluia quanto exorbitaram as camaras municipaes, que esquecidas de seus deveres, quizeram attribuir-se o que pertence exclusivamente a outros procuradores da nação, e que o governo dissolvendo aquellas camaras, que assim se excederam, obrára legalmente, e só merecia ser censurado se o contrario praticasse. Que era um erro em politica pertender sustentar que as corporações municipaes são representantes dos povos, no sentido generico desta expressão; e tambem não era exacto o que se allegara para convencer que, assim como as diversas camaras da antiga monarchia representavam livremente aos réis, assim o podiam fazer as actuaes camaras municipaes; argumento que ficára completamente destruido pelo digno par o sr. duque de Palmella, demonstrando que, a differença do systema politico da antiga monarchia ao actual representativo, tornava inapplicavel este argumento de similhança. Que quem pugnava por este prejudicial direito das camaras municipaes, abandonava os principios, e o conhecimento da historia ácerca deste objecto, sendo digno de referir-se que um escriptor contemporaneo, que tractou esta materia com summa habilidade, demonstrara na evidencia quão fatal tinha sido ás municipalidades a falta de regular centralisação de poder, condição essencial dos governos livres. — Que bem sabida era a historia, e que as municipalidades romanas foram umas pequenas republicas, que tive-

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ram franquezas, liberdade e legitimo poder emquanto houve em Roma um governo central com liberdade, mas assim que esta foi desapparecendo pelo poder dos imperadores, absorveram-se as forças das extremidades, erigiu-se o absolutismo, e as municipalidades ficaram reduzidas á escravidão. Que, pelo contrario, na idade media não houvera nenhuma centralisação do poder; as municipalidades eram independentes, não conheciam poder superior, mas não poderam constituir um governo forte, verdadeiramente nacional, com força central, e assim cahiram entregues á sua propria debilidade, e foram preza do despotismo. Que desta sorte, por excesso de vida politica central, ou absoluta carencia desta, se observára igual resultado, e que sempre assim aconteceria quando as camaras municipaes quizessem, segundo o systema representativo, desviar a centralisação do poder dos corpos politicos do estado estabelecidos na Carta constitucional da monarchia.

Mas que os dignos pares da opposição ainda clamavam contra o governo, porque não só dissolvêra duas camaras, porém até mandara processar os vereadores da de Villa Franca de Xira. Que elle (orador) já tinha nesta mesma camara (dos dignos pares) dado explicações assás amplas ao digno par o sr. visconde de Fonte Arcada, sobre este acontecimento; mas que, como de novo se produziam as mesmas imputações ao ministerio, tambem de novo fallaria neste negocio. — Que o procedimento judicial intentado contra aquelles vereadores, não tiveram origem na petição para ser o ministerio destituido, mas nas graves injurias, que na representação se dirigiam ás camaras legislativas, e ao poder executivo, como era bem sabido. Que o ministerio ouvira o procurador geral da corôa, o qual muito judiciosamente, e com allegação do direito expresso, fôra de parecer que deviam ser processados os mesmos vereadores; que fôra isto o que se praticára, sendo para admirar que o digno par (o sr. visconde de Fonte Arcada) que tanto dissera confiar nos membros dos tribunaes judiciaes, mostrasse qualquer receio de que justiça se não fizesse aos seus protegidos, cujo processo estava pendente na Relação de Lisboa. Que o digno par, o sr. visconde de Sá da Bandeira, lêra uma correspondencia do governador civil de Faro, e de algum ou alguns administradores de concelho, para provar que tambem por parte das authoridades administrativas se promoveram representações em sentido opposto áquellas das camaras dissolvidas; porém que advertisse s. ex.ª que o governo estava muito longe de consentir em similhante procedimento (apoiados); e que tão severo seria para com as camaras que pedissem á Soberana a demissão do ministerio, como a respeito daquellas que pedissem a sua conservação, porque o mau procedimento era igual; mas que era necessario que s. ex.ª advertisse tambem que essas mesmas correspondencias, que leu á camara, não concluíam por insinuar, que se pedisse a conservação do ministerio, porém e tão sómente que Sua Magestade conservasse illesas as prerogativas da corôa; e que este mesmo pedido, que fôra escusado, devia a sua origem ao irregular procedimento e funesto exemplo das camaras que primeiramente representaram, o que o governo quiz vêr se atalhava em suas consequencias, procedendo contra as primeiras que se excederam. Que considerassem os dignos pares da opposição se aconteceria ou não, no caso de o governo o não ter impedido, que muitas e grande parte das camaras municipaes representassem no sentido opposto á de Evora, Faro, e Villa Franca; e qual seria então o documento que assim se dava á nação e ao mundo civilisado, de vêr as corporações municipaes do reino intervindo, ainda que por chamadas petições, no uso das prerogativas da corôa?!.. (apoiados). Que considerassem attentamente se não havia um condemnavel conflicto e contradicção entre os verdadeiros representantes da nação nas camaras legislativas, que por grande maioria sustentam a actual administração, e meia duzia de vereadores, que, sem meios de poderem avaliar bem a politica e circumstancias do Estado, pediam a sua demissão?!..

Que, por tudo quanto tinha ponderado, entendia haver convencido que o governo praticara o que devia, dissolvendo as camaras que excederam o exercicio de suas attribuições, e annuindo, á proposta do procurador geral da corôa para serem processados, na conformidade das leis, os vereadores que injuriaram as camaras legislativas e o ministerio.

Que outro ponto de increpação do digno par (o sr. conde de Lavradio) fôra ácerca da visita de Sua Magestade á provincia do Alemtéjo, desejando s. ex.ª que na resposta se consignasse a idéa de que maiores vantagens se tirariam desta visita se Sua Magestade fosse livre, de maneira que tivessem accesso á sua presença as pessoas independentes da provincia, e que lhe podessem fallar verdade sobre as necessidades dos povos. Que os factos, e o que nesta camara se tinha dito ácerca deste assumpto, demonstravam evidentemente que s. ex.ª não tinha razão, porque effectivamente Sua Magestade não viajara incognita, nem na capital ou nas provincias jámais se recusava a ouvir qualquer de seus subditos que desejasse dirigir-lhe alguma representação pelo bem publico, ou mesmo particular. Que assim como a camara municipal de Evora entregara a Sua Magestade a representação, em que se pedia a demissão do ministerio, outra qualquer, ou qualquer individuo, poderia ter feito o mesmo; mas que era para admirar que s. ex.ª, que no comêço da discussão declarára entrar com pejo na mesma discussão, pelo respeito que consagrava á Augusta Personagem que lêra o discurso da corôa, viesse agora, talvez com alguma incoherencia, referir-se a uma hypothese infundada, quando aliàs a sua qualidade e honra de official-mór, e entrada que tem no paço, lhe haviam de ter feito conhecer que Sua Magestade governa constitucional, mas livremente, e que nem gentís-homens de sua camara, nem presidente de conselho, nem ministro algum, faz mais ou menos do que cumprir religiosamente as ordens de Sua Magestade, ou seja na capital, ou nas jornadas (apoiados geraes).

Que, em quanto á deficiencia e demasiado laconismo do discurso da corôa, dissera o mesmo digno par ser para estranhar que nada se declarasse as camaras sobre o tractado com Inglaterra, e bem assim que não se explicassem os negocios com a côrte de Roma, pois que talvez a lentura (dissera o sr. C. de Lavradio) que nestes negocios se observava não fosse imputavel ao governo pontificio, mas devida a faltas ou omissões do governo portuguez, que conservava os bispos sem meios de subsistencia, os parochos pobres, e os egressos a pedir esmola pelas ruas. Que, a respeito do tractado, já o digno par o sr. duque de Palmella muito competentemente havia dito tudo quanto podia esclarecer a materia, e elle (ministro) só lembrava ao digno par que não via principio, ou preceito na Carta, ou em lei, porque o governo devesse dar conta ás camaras, e especialmente no discurso da corôa, de convenções, ou tractados que não fizesse, mas que se mesmo na gerencia desses negocios o digno par entendesse que o governo obrára mal, tinha na sua mão pedir quaesquer esclarecimentos, e o governo satisfaria, como julgasse que lhe cumpria, e o negocio o comportasse.

Que, pelo que tocava aos negocios da igreja lusitana, e negociações com a côrte de Roma, muito era para admirar o modo por que s. ex.ª se explicava, e por isso o sr. ministro do reino dissera que s. ex.ª parecia mais par de Roma que de Portugal, pois que ninguem podia duvidar do muito que tinham melhorado os negocios da igreja portugueza, estando o scisma extincto, alguns prelados maiores confirmados, entre elles o virtuoso e sabio cardeal patriarcha de Lisboa, e sabido era que a todo o momento se esperavam as confirmações d'outros bispos. Que era singular a contradicção em que estavam dous dos mais distinctos membros da opposição naquella camara, pois que um digno par (o sr. conde á. Lavradio) adiava os bispos e os parochos pobres, em quanto outro digno par (o sr. visconde de Sá) sustentava que se achavam dotados com excesso, allegando pura isso os ordenados dos bispos de França, e por tanto que lá se entendessem s. ex.ªs como quizessem, e que elle ministro era coherente com o que muitas vezes havia dito em ambas as camaras, e consignado no seu relatorio, a saber, que os bispos em Portugal não tinham um ordenado sufficiente para corresponderem ao fim de seu alto ministerio, e que muito conviria approveitar a primeira opportunidade que se offerecesse para dotar esses prelados nesta conformidade, porém que não era este o momento de o fazer, porque, quando existe um grande deficit quando se estabelecem novos tributos, não era por nenhuma maneira admissivel augmentar os ordenados de qualquer empregado publico, e que o mesmo digno par, que lamentara a falta de meios dos bispos, seria o primeiro a impugnar o augmento de seus ordenados se o governo o propozesse.

Que quanto aos parochos, advertia a s. ex.ª que não estava bem informado, pois que tinham, ou sufficiente congrua para sua sustentação, ou os proventos da igreja, se estes preferiam á congrua; e que, havendo um sem numero de pertendentes a cada igreja que vagava, bem provava isto que os parochos achavam meios de se sustentarem, aliás não instariam tanto para obter o beneficio.

Que em quanto aos egressos, nunca elles se acharam em melhores circumstancias, por isso que actualmente recebem a metade de suas prestações, sem falencia alguma, desde que em agosto o governo adoptara á medida de acudir ás classes inactivas com essa parte de seus vencimentos, medida que os interessados tem estimado, porque os livrou das garras dos agiotas, e lhes proporciona, senão sufficientes meios de subsistencia, ao menos remedio para não morrerem á mingoa.

Que por esta occasião tambem respondia ao sr. visconde de Sá, o qual estranhara que o bispo de Bragança estivesse empregando nas igrejas de sua diocese alguns ecclesiasticos miguelistas, e que no bispado de Castello Branco não houvesse dispensas matrimoniaes; e advertia a s. ex.ª que essa nomeação do bispo de Bragança (a ser como o digno par dizia, mas não constava ao governo) só podia ser provisoria e por encommendação nas parochias, visto que o provimento dos beneficios pertence a Sua Magestade como padroeira universal; mas que, ainda assim mesmo, convinha averiguar se esses ecclesiasticos não tinham crime, e se eram virtuosos, e aptos para o bom desempenho do serviço da igreja, porquanto, havendo-se adoptado a saudavel e politica medida da restituição dos parochos collados que não tinham crime especial, ou comportamento que os devesse privar de seus beneficios, parecia coherente com este procedimento a não exclusão absoluta de alguns ecclesiasticos que, havia dez ou doze annos, tinham opiniões favoraveis ao governo absoluto; mas ainda assim que elle ministro era o mais escrupuloso possivel no provimento definitivo das igrejas, e colligia quantas informações e esclarecimentos lhe era possivel obter para preferir os melhores ecclesiasticos, como podiam attestar muitas pessoas, e até dignos membros daquella camara (apoiados). Relativamente á falla de dispensas matrimoniaes no bispado de Castello Branco, disse que era verdade que assim acontecia, mas que notasse o digno par que este inconveniente quasi geral no reino até ha poucos mezes, estava alli hoje só por excepção, e que quasi todos os bispados tinham estas dispensas matrimoniaes, assignando elle (ministro) centenares de beneplacitos regios para esse fim em cada semana, sendo necessario concluir de tudo quanto havia dito — que muito tinham melhorado os negocios da igreja portugueza.

Quanto ás omissões, affirmára o digno par, o sr. conde de Lavradio, que o ministerio nada tinha feito a bem do paiz, e que este modo de argumentar era commodo por facil; mas nada concluia porque nada significava: que o que competia á opposição era demonstrar o que o ministerio podia ter feito, e não fez; patentear os meios de que podia usar, os melhoramentos que devia e podia ter effectuado nos differentes ramos do serviço publico, porque desta maneira até preenchiam, os membros da opposição, o dever em que os colloca sua posição, isto é, mostrar que o actual ministerio governa mal, e que seus successores constitucionaes governariam melhor; porém que nada disto se fez: e como provava então o digno par que o ministerio nada fizera a bem do paiz?! Que esperasse s. ex.ª os relatorios dos ministerios, visto que não tinha querido ler a parte official do Diario do Governo, e então, combinando-os com os relatorios passados, poderia concluir se alguma cousa se tinha feito a bem do serviço publico. Que se o ministerio tivesse feito mais do que ordinariamente lhe compete, e pedisse ás camaras bill de indemnidade, exclamaria s. ex.ª (como fizera na sessão do anno passado) que os ministros queriam matar a liberdade e plantar o despotismo; mas como só governára promovendo a melhor execução das leis, e dando-lhes regulamentos, clamava o digno par que nada fizera! (apoiados) Mas que fosse s. ex.ª justo, e observasse que na repartição da guerra tudo tem marchado com acerto, o exercito pago promptamente, com disciplina, aceio, e exemplar serviço: que na do interior se déra todo o impulso e andamento ás leis que tendem a melhorar o paiz e animar as emprezas, e industrias; e sobre tudo se alcançára a permanencia da segurança e tranquillidade publica em todo o reino: que na da marinha se tinha obtido a sahida do maior numero possivel de embarcações para proteger os subditos portuguezes do ultramar, e fomentar o

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commercio e relações com as nossas possessões tendo sido tambem muito regular os respectivos pagamentos, e serviço em geral; que na dos negocios estrangeiros se tinham cultivado com esmero e decoro nacional as relações com os alliados, promovendo ao mesmo tempo as relações commerciaes. E que, como o ministerio era solidario, tambem fallaria, ainda que pouco, da repartição da justiça, na qual, quanto aos negocios ecclesiasticos, já dissera o que bastava, e pelo que respeitava aos da justiça, chamava a attenção da camara para o que se havia publicado no Diario do Governo, e se conheceria por factos quanto tem melhorado os differentes ramos de serviço desta repartição. Finalmente, que na dos negocios da fazenda tambem muito se havia adiantado, e especialmente era digna de attenção a regularidade e promptidão dos pagamentos feitos a todas as classes do Estado; e que se alguem tinha que notar as operações que se haviam feito para alcançar os meios necessarios, era de justiça attender a que, em consequencia dos acontecimentos extraordinarios no reino visinho, que motivaram o encerramento da sessão em julho de 1843, succedeu que se votassem as despezas geraes do Estado, e não os meios suficientes para lhe fazer face, circumstancia esta que justificava a necessidade das operações, ficando aos dignos pares a liberdade de as examinarem, e dirigir sobre ellas qualquer censura ou observação (apoiados).

Que por esta occasião tambem lhe cumpria responder a um digno par (sr. visconde de Fonte Arcada) que dissera não ter o governo consentido que o orçamento se discutisse nesta camara; e appellava para a mesma camara, e para o publico, a fim de declarar se era ou não verdade que o ministerio, pelo seu orgão, e de outros collegas, instara constantemente em ambas as camaras pela discussão de tudo quanto dizia respeito á fazenda, até que acontecimento de força maior produzira o encerramento da sessão?... (Apoiados. — Vozes: é verdade).

Que quanto aos peccados de commissão, apontara o mesmo digno par os dous projectos de lei sobre misericordias, e liberdade de imprensa, que existem na camara dos srs. deputados, e a que o mesmo digno par chamou leis impias. Que não era agora a occasião propria de entrar no merecimento de projectos de lei que ainda não existiam constitucionalmente nesta camara, sendo para admirar que o digno par, que em outras vezes se tinha mostrado tão zeloso das prerogativas constitucionaes, alterasse agora a sua doutrina, e metesse hoje em discussão projectos de lei, que estavam na outra camara; que reconhecia muitas capacidades nesta, (e particularmente a de s. ex.ª) mas que na outra tambem as havia, e não era proprio, mesmo dos sabios, isentar-se de mudar de opinião, sendo por tudo bem prudente que s. ex.ª aguardasse a discussão da camara para depois firmar, ou pelo menos enunciar, sua opinião, e para esse tempo esperava ouvir as judiciosas considerações de s ex.ª; mas que se as leis eram impias, por certo não passariam nas camaras, e se o governo as sustentasse, parabens a s. ex.ª e á opposição que cantaria o seu triumpho.

Que ainda lhe cumpria responder a uma observação do digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, o qual estranhou que outro digno par censurasse a associação eleitoral da opposição, e désse apoio a este ministerio, que se apoiava em associações de toda a natureza; que pedia licença para impugnar ao digno par a sua asserção pois que o actual ministerio existia pelos verdadeiros principios do governo representativo, queria dizer — a approvação do chefe do Estado, e maiorias parlamentares em ambas as camaras — sem necessidade nem existencia de quaesquer associações, que só lhe poderiam prestar apoio ephemero, e insubsistente (muitos apoiados).

Que tambem o mesmo digno par dissera (em outra sessão) que um vulcão estava proximo a rebentar, que engoliria a liberdade, e o actual sistema politico; e que, comquanto s. ex.ª talvez tivesse motivos para fundamentar este seu receio, o ministerio tambem em razão do seu dever tinha procurado seguir o caminho de saber da possibilidade desse vulcão, e em verdade affirmava á camara, e á nação, que não o receiava, e se conhecia com forças de o evitar, ou vencer quaesquer meios que a elle conduzissem (muitos apoiados), mas que, se julgasse carecer de mais alguns meios, viria opportunamente pedi-los ás camaras co-legislativas (apoiados).

O sr. ministro concluiu dizendo que, segundo a opinião geral, os ministerios que duravam maior espaço de tempo, estavam gastos, e que isto seria assim, mas que era forçoso confessar que tambem as opposições se gastavam (apoiados), e que por tanto, existindo a actual ha tanto tempo, uma de duas aconteceria, ou que estava tão gasta que nada poderia, ou tão forte e robusta que cantaria breve o seu triumpho pelos meios constitucionaes e ordinarios sendo qualquer destas alternativas de parabens para a nação, pois que garantiam a liberdade constitucional, e a Carta politica de 1826; e que, em fim, pedia perdão á camara por tudo, e pela extensão do seu mal alinhado discurso. (Apoiados. — Vozes: muito bem.

O sr. Barreto Ferraz (membro da commissão) disse que talvez podesse ceder da palavra em vista do muito que já se havia dito, e por que o projecto de resposta, longe de ser combatido, tinha sido mesmo elogiado pelos dignos pares da opposição, achando-o conveniente e proprio, pelo que lhe dava o agradecimento; entretanto entendêra que sobre tal assumpto não devia limitar-se a dar um voto silencioso, e por isso diria poucas palavras, attendendo a que a camara se achava já fatigada deste debate.

Alludindo ás objecções apresentadas por um digno par, sobre a phrase - interpretes dos votos e da opinião nacional — que no discurso do throno se applicava aos representantes da nação, phrase cuja significação o mesmo digno par declarou não saber, reflectiu que affirmando logo depois que ella podia ser applicada a outras corporações do paiz, era claro que s. ex.ª conhecia bem qual era a sua significação, sendo o pensamento, quando fallara nesta especie, aproveitar a occasião para censurar o governo. - Que elle (o orador) não podia conformar-se todavia com a asserção de que tal qualificação (a de interpretes da opinião nacional) pertencesse a outras corporações além das camaras legislativas, abundando nas razões expostas sobre este ponto pelo nobre duque de Palmella, deduzidas de doutrinas mui verdadeiras, assim em geral como em particular, applicaveis ao nosso systema de governo; mas, concedendo mesmo, por um momento, que tal qualificação podesse pertencer ás corporações de que se fallara, ou a cada individuo (como tambem se dissera), que nem assim podia haver razão para censurar a expressão que se lia no discurso do throno, pois, pela fórma que nesta parte se achava concebido, ahi se não dizia que as camaras legislativas fossem os unicos interpretes dos votos nacionaes, mas sim que eram os legitimos; e portanto os dignos pares, conservando as suas convicções a tal respeito, podiam approvar o §. 1.° do projecto. — Entretanto que elle (orador) fazia mais justiça a s. ex.ª, e conhecia que elles sabiam a verdadeira theoria do systema representativo, e que, se hoje apresentavam uma doutrina opposta a esse systema, não era por convicção, mas porque assim lhes convinha para trazerem outro assumpto a esta discussão. Que esta proposição se fundava no que hontem havia dito um dos membros da opposição (o sr. visconde de Sá), que começára o seu discurso dizendo = a questão principal de que se tracta é se as camaras municipaes são representantes dos povos = em vista do que o debate do projecto de resposta se tornara uma questão secundaria; que por tanto, e uma vez que a ordem do dia fôra substituida, tractando-se em seu logar dessa pretendida attribuição das municipalidades, elle (orador) diria tambem algumas palavras sobre isto.

Observou que já o nobre duque de Palmella havia hontem tocado este objecto com a sagacidade com que costuma tractar todas, e de uma maneira a que parecia não poder responder-se, mostrando que, segundo o systema da Carta, os corpos municipaes não podiam ser reputados representantes dos povos: que elle (sr. Ferraz) ia mais longe, entendendo que, mesmo segundo o antigo systema de governo, as camaras (como simplesmente então se chamavam) não podiam julgar-se investidas dos direitos que competem aos verdadeiros representantes do povo.

Em prova da sua asserção o digno par referiu-se á ordenação do reino, segundo a qual (disse que) as camaras eram compostas de tres vereadores e um procurador do concelho, e presididas por um juiz de fóra: que já a introducção deste magistrado mostrava que as camaras não tinham uma inteira independencia, e que por isso não poderiam ser reputadas inteiramente representantes dos povos. Corroborou depois esta opinião historiando o processo da eleição desses corpos, segundo o modo por que era feita em virtude do alvará de 1611 (que derogára a antiga ordenação, que lhe deixara certas fórmas, que poderiam fazer persuadir que os vereadores eram a expressão da vontade dos povos dos respectivos districtos), do que resultava que os mesmos povos nenhuma ingerencia tinham em similhantes eleições, que ficavam unicamente dependentes de uma especie de oligarchia pequenina, que havia em cada terra.

Disse que nos antigos tempos as funcções das camaras eram bastante extensas, pelo que pertencia á administração do municipio, mas que quando se tractava de outras de maior consideração (como o lançar fintas), nada disso era feito pelo arbitrio dellas, mas pelo dos corregedores das comarcas, e pelo do desembargo do paço.

Por tanto que nem pelo modo da eleição, nem pelas suas attribuições, e menos ainda pela maneira porque as exercitavam, as camaras antigas podiam considerar-se representantes dos povos, pois que mesmo os procuradores que ellas mandavam ás côrtes, deviam ser reputados representantes mais dos vereadores que os elegiam, do que dos municipios em cujo nome eram enviados (apoiados).

E como a idéa que (o orador) combatia poderia querer-se defender-se em vista da entidade juiz do povo, observou que este nem fazia parte da camara (nem existia em muitas terras do reino), nem representavam cousa que não fosse relativa aos interesses dos officios, então chamados mecanicos.

Proseguiu dizendo que o digno par que, por um lado, havia trazido esta questão a um campo a que ninguem a chamava, por outro lado (parecia ao orador que) não fizera muito bom serviço ás corporações de que se tractava. Que fazia justiça a s. ex.ª para se persuadir de que elle (o adversario) tambem a fazia a quem a tivesse; e que os louros com que se quizera cingir as frontes de certos individuos, não diria (o orador) que se convertessem em cyprestes - porque nem tanto mereciam — mas de alguma outra planta que nem se podesse qualificar, lembrando ao digno par se recordasse do dito de um celebre auctor (que não sabia agora bem se era de Boileau) — que o ridiculo estava muito proximo ao sublime.

Quanto aos elogios, feitos pelo sr. V. de Fonte Arcada (na sessão de hoje) á associação eleitoral, que elle entendera muito maltractada (na precedente) por um dos collegas do orador, declarando mesmo (o sr. visconde) que tinha a honra de pertencer a ella — disse que unia o seu testemunho á capacidade, talentos, e merecimentos dos dignos varões que faziam parte da mesma associação; entretanto, quando o digno par se mostrava tão zeloso na defeza do caracter desses individuos, o orador não devia ser estranhado se na qualidade de membro de outra corporação (a camara dos pares), se désse por offendido de que alguns membros da associação tivessem lançado sobre esta camara os maiores improperios (apoiados) por conseguinte pedia aos dignos pares (que tambem eram membros dessa associação), que ao menos respeitassem a camara a que pertenciam.

Em referencia ao mesmo sr. visconde, observou que ninguem queria tolher ás corporações, ou aos individuos o direito de se queixarem, direito que estava sanccionado na Carta (e que não podia embaraçar-se sem a mais flagrante violação della); mas que entre o direito de queixar, e o direito de insultar havia uma grande differença; e que todas as arguições que se tinha notado contra alguns corpos municipaes não era porque usavam do direito de petição, mas sim porque abusavam desse direito (apoiados).

O digno par concluiu pedindo que, quando houvesse de ter logar, a votação fosse nominal.

O sr. V. de Laborim começou dizendo que, não teria pedido a palavra, se antes disso ouvisse os dignos pares membros da commissão. — Conveiu em que uma opposição (que se conduzisse de maneira discreta) era necessaria para as discussões, pois sem o encontro das idéas não era possivel achar a verdade que se pretende; entretanto que a desta camara (que muito respeitava) era forçoso dizer que na presente discussão se tinha conduzido de uma maneira insolita: que em logar de discutir a resposta ao discurso do throno, não havia feito senão divagar, senão uma solemne diatribe, ou descomposição aos ministros da corôa, como acontecia quando um discurso comprehendia allegações em prejuizo de terceiro, e dellas senão apresentava prova: que este procedimento, e por tanto insulto, de ordinario reberverava, não contra o

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aggredido, mas sim contra o aggressor, do que era prova o que alli (na camara) se tinha ouvido quando os ministros declararam verdades á nação, que ella muito folgaria de saber.

Que de toda a sementeira, que do outro lado (da opposição) se tinha apresentado, o unico trigo que (o orador) podera separar era o seguinte, a saber — louvor eterno ao procedimento das camaras municipaes, quando representaram a Sua Magestades necessidade da quéda da actual administração: — convinha por tanto dizer alguma cousa sobre essas camaras e suas representações.

Que os dignos pares (da opposição) se queriam erigir legisladores em materia fundamental; que visto o elogio e apoio que davam ao procedimento das mesmas camaras, parecia que se queria estabelecer entre nós um quinto poder, alem dos que se consignavam na Carta - o poder municipal. — Que elle (o orador) respeitando as camaras municipaes, quando se continham nos limites das suas attribuições, não podia deixar de olhar com ignominia para as representações de algumas em que alli se tinha fallado; que se assombrava, e envergonhava de que naquelle recinto, puramente aristocratico, e eminentemente conservador, se patrocinassem, principios sediciosos, que tanto importava o favonear o comportamento de taes camaras! Que ninguem podia deixar de reconhecer que nas suas representações, se offendia a lei fundamental do Estado, no §. 5.° do artigo 74, no qual se dizia, que ao rei pertence o livre arbitrio de demittir os seus ministros: nem se dissesse que o acto de pedir não obrigava, porque esse acto, era materia tal, quando não fosse uma coacção directa, o era indirectamente. Que se admirava de que se abrigassem representações que chegaram ao crime de ameaçar a Rainha, e de chamar aos corpos legislativos illegaes!

Que as mesmas camaras tiveram o arrojado desproposito de fallar em nome de toda a nação, e por tanto tudo o que se dissesse sobre este objecto não seria ocioso.

Lembrou que as municipalidades eram corpos meramente administrativos, e quanto praticassem além desta meta era um excesso que, em materia politica, degenerava em crime. — Tractando depois do direito de petição (com que se queria cubrir o procedimento das mesmas municipalidades),o orador sustentou que, a respeito de assumptos relativos ao exercicio do poder moderador, nem mesmo aos cidadãos era livre o representar, por isso que o exercicio de taes prerogativas devia de ser filho da espontaneidade, e por algumas outras considerações, que brevemente expoz.

Analysando depois o effeito das representações das camaras, disse, que havendo tres contra o ministerio, e muitas a favor delle, ao menos o argumento do numero estava a favor delle

Sobre o projecto das misericordias (em que se tinha fallado do outro lado) observou que, não obstante haver algumas, como a do Porto, que eram um modelo de administração, convinha reflectir que a lei não era só para essa corporação mas para todas, algumas das quaes eram ninhos de crimes, e que as providencias propostas sobre ellas pelo governo, tendiam a dar-lhe boa administração e fiscalisação, e (demais) o privilegio da fazenda nacional para haverem suas dividas. Que identicas observações poderia fazer sobre outras medidas atacadas, mas deixaria essa gloria á opposição, e não desvairaria como ella.

Terminou dizendo, que approvava a resposta a fim de que se lhe não tirasse uma só palavra

O sr. C. Villa Real disse que se levantava com mais difficuldade do que costumava, por que se via obrigado a fallar de si, talvez que pela segunda vez, em uma camara legislativa.

Que o digno par que tinha hontem respondido ao seu discurso (o sr. visconde de Sá) dissera que havia sido provocado, sobre cuja asserção appellava para toda a camara, se a isso tinha dado logar.

Que o digno par accrescentara que elle (o orador) por não ter vindo ao Porto tinha direito a fallar menos que ninguem (que esta fôra a sua idéa ainda que não fossem as suas palavras) Que se (o sr. conde) julgasse que qualquer membro daquella camara, de qualquer lado que se sentasse, (e só faria excepção do digno par, pelo que elle tinha dito na sessão passada) o reputava indigno de ter um logar naquella casa, lamentaria muito a sua sorte, e talvez embrulhasse a cabeça n'um véo, e não tornasse alli a apparecer; todavia que estava na convicção de que tinha tanto direito de fallar na camara como o digno par que o atacava, ou como qualquer outro, (muitos apoiados) e por isso diria alguma cousa de si, posto que com muita repugnancia, em virtude do que s. ex.ª dissera.

Que a sua reputação militar não datava da gloriosa campanha do Porto; que era o official mais antigo que tinha assento naquella camara, contando perto de 42 annos de serviço, e 20 de brigadeiro. Que quando o Senhor D. Pedro viera a Europa, elle fôra um dos primeiros que se apresentara, e lhe pedira para o acompanhar, disposto a acceitar qualquer emprêgo militar que se lhe désse, ainda que não fosse da graduação que lhe competia. Confessava todavia que se não achara com bastante humildade para pegar n'uma arma, e fazer-se soldado, isto por saber que muitas pessoas queriam que assim o fizesse como expiação de crimes que não tinha. — Lembrou que elle (o orador) fôra o primeiro que resistira, ao usurpador, quando elle chegara a Portugal. Vozes: — É verdade, (apoiado); que antes disso tinha jurado a Carta como todos os outros, e invocava o testemunho de um digno par (que se achava então no ministerio) para que dissesse se (o sr. conde) não tinha feito importantes serviços em Hespanha quando alli fôra em missão.(apoiados).

Quanto a sacrificios pela causa da Rainha, e da Carta, disse que tinha feito tantos, e muito maiores que os do digno par (Sá), e isto por um motivo mui simples; que s. ex.ª talvez não podesse ter ficado em Portugal, em quanto que elle (orador) o poderia fazer muito facilmente.

Que por tanto, tendo sido ministro em Hespanha por muitos annos; tendo-o sido tambem varias vezes em Inglaterra, e por fim embaixador; e tendo servido na guerra peninsular do modo sobre que chamaria mesmo o testemunho do digno par; não podia deixar de dizer que por elle fôra injustamente tractado.

Que não averiguara quaes fossem os motivos porque (ao orador) o não tinham trazido a Portugal durante a guerra, contra a usurpação; mas que ouvira dizer que o digno par fôra um dos individuos que mais se oppozera a que elle viesse: que nunca lhe queria dizer isto, mas agora lh'o dizia naquelle logar, sem querer seguir o seu exemplo, em quanto hontem usara de reticencias (a respeito do orador), pedindo-lhe que se tivesse mais alguma cousa a dizer que o dissesse, pois que protestava não voltar a similhante materia.

Que o digno par tambem dissera que nunca tinha entrado em conspirações, parecendo este dito uma insinuação de que elle (orador) tinha entrado em algumas, que por isso alludiria a um facto da sua vida, não para responder a injurias que por ahi se lhe dirigiam — porque (como hontem dissera o sr. duque de Palmella) as desprezava e a quem as escrevia, pelo sentimento que tinha da deshonra que accrescentava á nação o escrever-se de um modo tão abjecto (apoiados), mas para mostrar que nunca havia sido conspirador.

Que invocava o testemunho de um homem, de quem sempre fallaria com o maior reconhecimento pela delicadeza com que se portara naquella occasião, o sr. conselheiro Pereira de Menezes, quando prendera sua mulher então gravida de quatro mezes, achando-se igualmente agradecido ao digno par que actualmente presidia, o qual então se achava no ministerio, e dera ordem para que a sua familia (a do orador) viesse directamente para Lisboa. — Que não conjurara; mas nessa occasião toda a provincia onde então se achava se levantara contra aquella ordem de cousas (1823), e não quizera que nessa provincia, na qual tinha origem a sua familia, se dissesse que elle (orador) se separava das consequencias do seu grito. Que se unira com ella, mas conservando os seus principios politicos, que eram — uma monarchia constitucional, como hoje existe organisada. — Em prova desta asserção, o digno par accrescentou que assim o tinha dito em Hespanha a pessoas com quem francamente conversara a este respeito, e que no diario da camara dos srs. deputados se achava consignado quaes eram as suas opiniões já na épocha a que se referia.

Que não seguiria o exemplo do digno par, fazendo comparações, pois supposto que cada um tivesse actos que lhe eram proprios, todavia esses actos, muitas vezes, dependiam das circumstancias em que os individuos se achavam collocados.

Que lhe parecia não concordar muito com o digno par em principios, ainda que com elle concordava nos desejos que tinha varias vezes exprimido, o que dizia sem se referir a nenhum facto da sua vida politica, pois que na particular; o respeitara sempre como cavalheiro, passando a fallar no que dera logar ao ataque de ex.ª contra elle (orador).

Que o digno par, sem fazer as distincções essenciaes que se achavam no seu discurso, e misturando tudo que elle (o sr. conde) dissera, entendera que tinha atacado a associação eleitoral, na qual se achavam homens que mereciam mais consideração: que assim o reconhecia (o orador), começando pelo seu parente e amigo o sr. V. de Fonte Arcada, que certamente merecia a maior consideração pelas suas excellentes qualidades, e pelas suas optimas intenções; entretanto que era sabido não serem essas associações dirigidas por um ou outro individuo, havendo muitas vezes outros individuos, que nellas não figuram, que concorrem para que ahi se vá muito além do que desejariam os membros dellas que não se achassem no segredo. — Que no seu primeiro discurso referira que os ataques á camara dos pares haviam sido o preludio da revolução de setembro, mas a este respeito chamava a attenção dos dignos pares sobre o que nesse mesmo sentido (o orador) dissera em uma sessão de abril do 1336; e, tendo-o assim feito, perguntava se poderia ficar silencioso, quando na representação da camara de Villa Franca se dizia o que ia lêr. (Leu as paisagem relativas á camara dos pares.) Maravilhou-se depois de que o digno par (Sá) se offendesse porque elle (sr. Villa Real), sem nomear ninguem, e só pelo desempenho da obrigação em que se achava constituido, de cumprir a Carta, condemnasse o que na mesma representação se dizia!!

Que, muito sentia que os dignos pares (Lavradio e Sá) usassem do direito de atacar todos os actos da maioria, exigindo que os membros della ouvissem tudo isso, e ficassem callados; pedia perdão, mas não podia deixar de dizer que a tendencia dos dignos pares era toda despotica.... (riso).

Proseguiu que, franca e abertamente, estava prompto a responder por todas as insinuações feitas pelo digno par, persuadindo-se (o orador) que tinha razão quando chamara a attenção da camara sobre os ataques que se lhe dirigiram, em 1836, cujo resultado foi — ir o chefe do Estado apresentar homenagens a uma camara municipal!— Observou que nessa época (correndo elle orador as ruas de Lisboa) uma pessoa dissera = não vai sem regencia, = o que lhe fizera muita impressão (por não pertencer a associação alguma politica), dizendo-se-lhe tambem logo depois — que essas vozes vagas eram o projecto. Que, com taes antecedentes, não podia ficar callado, em vista do que hoje se dizia.

Quanto á observação do digno par; admirando-se de que (o orador), tendo censurado o sr. ministro do reino, hoje lhe désse todo o seu apoio, respondeu que o que lhe faria dar ainda um pouco maior era mesmo o que dizia o digno par, porque s. ex.ª não dissera uma unica palavra que indicasse que a associação não tinha intenção de destruir a camara dos pares; mas que ficasse esta na intelligencia de que atraz della iria o poder de outra Pessoa, que todos deviam respeitar: n'uma palavra, que sustentava o actual ministerio, porque não queria por fórma nenhuma dar passos pelos quaes o sr. visconde de Sá podesse vir a ser ministro, não obstante respeita-lo muito no seu caracter particular.

Terminou, depois de alludir á opposição que o sr. ministro da justiça lhe tinha feito como deputado cartista, declarando que s. ex.ª havia devidamente preenchido o logar que actualmente occupava, desempenhando-o como seria para desejar (apoiados). Protestou que mais nada responderia ao digno par, e podia dizer quanto quizesse a seu respeito.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros observou que, o que tinha a dizer, se achava já dito pelo sr. duque de Palmella, e pelos seus collegas, e por não desejar tomar tempo á camara nesta questão, que se protelara demasiadamente, cedia da palavra. (Votos. Votos.)

O sr. C. de Lavradio (sobre a ordem) lembrou que um dos sr.s ministros apresentara hoje alguns argumentos a que da opposição se não havia respondido, por lhe não caber a palavra; que além disso se haviam expendido accusações, entre ellas uma da qual (o orador) devia defender-se: esperava portanto que a camara não fechasse hoje esta discussão, o que considerava á dignidade da mesma camara.

O sr. C. da Cunha pediu que a sessão fosse prorogada por mais uma hora;

— A camara não accedeu.

O sr. M. de Fronteira propoz que a camara resolvesse se julgava a materia discutida.

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— Consultada decidiu affirmativamente, e que a votação fosse nominal.

Procedendo-se a votar sobre o projecto de resposta ao discurso do throno, disseram - approvo —

Os sr.s D. de Pamella,

D. da Terceira,

M. de Fronteira,

M. das Minas,

M. de Ponte de Lima,

M. de Santa Iria,

C. das Alcaçovas,

C. da Cunha,

C. de Farrobo,

C. de Linhares,

C. de Paraty,

C. da Ponte de Santa Maria,

C. de Porto Côvo,

C. da Ribeira Grande,

C. de Rio Maior,

C. de Sampayo,

C. de Semodães,

C. de Terena (José),

C. de Villa Real,

V. de Laborim,

V. de Oliveira,

V. da Serra do Pilar,

V. do Sobral,

B. Ferraz,

Saldanha Castro,

Gambôa e Liz,

Margiochi,

S. Machado,

Trigueiros,

Silva Carvalho,

C. de Lumiares,

P. J. Machado.

Disseram — rejeito —

Os sr.s M. de Loulé,

C. de Lavradio,

C. da Taipa,

V. de Fonte Arcada,

V. de Sá,

Geraldes.

Approvaram................... 32

Rejeitaram................... 6

Maioria...................... 26

Explicações.

O sr. ministro da justiça (sobre o que tinha dito o sr. conde de Lavradio) declarou muito explicitamente que não tivera intenção de dirigir o minimo ataque ao digno par, cuja pessoa muito respeitava, retirando por isso qualquer palavra, que por ventura, podesse ter induzido em s. ex.ª a opinião em que se achava a este respeito.

O sr. D. de Palmella (rectificando, uma phrase do seu discurso, que se lia no Diario do Governo), disse que, quando hontem assegurara á camara que não causara despezas enormes ao Estado na ultima negociação de que fôra encarregado, provavelmente teria usado destas mesmas palavras, mas quizera dizer — que nessa negociação não tinha causado despeza nenhuma ao Estado — porque era a verdade (apoiados).

O sr. ministro dos negocios do reino disse que não usava da palavra, porque as suas explicações eram um pouco longas, devendo referir-se aos ataques que lhe haviam sido dirigidos: que era de esperar que esses ataques, assim como já tinham vindo antes, tornassem a vir depois, e para essa occasião lhe daria as respostas convenientes, protestando que o havia de fazer victoriosamente.

O sr. presidente do conselho disse que tinha hontem pedido a palavra para uma explicação, na occasião em que o sr. V. de Sá, dirigindo-se ao sr. ministro do reino, dissera que, na época, em que levantara o pendão da revolta, impozera a lei á Soberana e, não contente com isso, tomara o ministerio por escallada, fazendo sahir os sr.s Mousinho e Loureiro; e que, como ninguem melhor do que elle (o orador) podia dar explicações sobre o que então se passou, por isso pedíra a palavra para esse fim: entretanto que ellas talvez fossem um pouco longas, e não sabia se a camara, cançada como se achava, as quereria ouvir já.... (Vozes: — Falle, falle.)

Proseguiu, dizendo quo o sr. ministro do reino não tomara o ministerio por escallada: que achando-se elle (orador) então á testa da administração, em que conjunctamente serviam os seus antigos amigos (os sr.s Mousinho e Loureiro), e estando o sr. ministro (actual) do reino ainda ausente, s. ex.ª, conversando com elle (sr. duque) haviam exposto a necessidade de completar o ministerio; que nessa occasião - e por idéas suas e pelas suas convicções — lhes observara a necessidade que havia do sr. Costa Cabral entrar para á administração, ao que s. ex.ªs, com a franqueza e lealdade que lhes é propria, tinham respondido que não julgavam conveniente a entrada deste sr. posto que então mesmo lhe fizessem elogios, e declarassem que assim pensavam, não porque tivessem antipathias a seu respeito, mas que não queriam unir-se com elle no ministerio: que em varias conversações e em diversos conselhos posteriormente (mas ainda antes da chegada do sr. Costa Cabral a Lisboa) os seus collegas instaram pela necessidade do complemento da administração; e, achando que elle (orador) estava firme em sua opinião — de que o sr. Costa Cabral devia fazer parte della — s. ex.ªs, sempre com muita franqueza declararam que estavam resolvidos antes a retirar-se do que em consentir que o mesmo sr. Costa Cabral fosse contemplado para alguma das repartições. Que n'um conselho, reunido na secretaria dos negocios do reino, e a que assistira o digno par C. de Lavradio, o qual era convidado para fazer parte da administração, s. ex.ª, tambem com toda a franqueza declarara que não faria parte do ministerio se para elle entrasse o sr. Costa Cabral. Que o digno par sabia o que alli se tinha passado, e o que elle (sr. duque) dissera em relação aos seus antigos amigos, assim como a lealdade com que então fallara, que chegou ao ponto do dizer (tal era a amisade que consagrava aquelles cavalheiros) que punha de parte a sua opinião, sobre a entrada do sr. Costa Cabral, com tanto que ella fosse declarada na acta; mas julgando s. ex.ªs que a permanencia delle (orador) no ministerio era conveniente naquella occasião, e vendo que não desistia de que o sr. Costa Cabral tivesse nelle parte, desde logo foram aos pés do throno resignar as suas pastas.

Que isto era o que se tinha passado, na maior harmonia e franqueza: que por tanto (o orador) fôra quem tivera parte na entrada do sr. Costa Cabral para a administração, devendo declarar que, antes de o convidar para isso, tres vezes se encontrara, com s. ex.ª sem que lhe fallasse em tal assumpto, o que mesmo não podia ter feito pela discrepancia dos seus collegas a este respeito. Que ninguem lhe indicara tambem que o sr. Costa Cabral tomasse parte na administração, mas era essa a sua convicção, na qual, era possivel que errasse, mas ainda estava persuadido que havia procedido bem.

Que por consequencia não tinha podido ficar em silencio quando ouvíra as palavras, que já referíra, ao nobre V. de Sá.

Accrescentou que não podia concluir sem dizer igualmente que o sr. Costa Cabral, depois de entrar para o ministerio, por mais de uma vez, significára a sua pena de que aquelles cavalheiros não tivessem tambem ficado com elle no ministerio.

Sobre uma explicação dada pelo sr. C. de Lavradio, a respeito de certa asserção por s. ex.ª affirmada (acêrca da difficuldade que algumas pessoas, tinham de fallar a Sua Magestade durante a sua viagem) que disse não se intender com elle (sr. duque) nem com o sr. M. de Santa Iria, e sim com o sr. ministro do reino; depois de agradecer a urbanidade do digno par, observou que o ministerio era solidario, e portanto não podia qualquer dos seus membros recusar-se a partilhar a criminalidade que resultasse dos seus actos: portanto que se o sr. ministro do reino era digno de censura pela reprehensão que fôra dada á camara d'Evora, elle (sr. duque) partilhava a sua responsabilidade. Que este era o seu modo de pensar, e o seria em quanto estivesse no ministerio, persuadindo-se que o digno par, não só lhe não levaria isto a mal, mas que, se estivesse no logar delle (orador) havia de proceder do mesmo modo em relação aos seus collegas (apoiados).

O sr. V. de Sá. disse que, estando a hora muito adiantada, e tendo a responder ao sr. C. de Villa Real, e a outros dignos pares, reservaria a sua explicação para outra sessão.

O sr. vice-presidente declarou que na segunda feira se reuniriam as commissões, e que a ordem do dia para terça (16) seria a discussão especial do projecto de lei sobre o imposto nas transmissões da propriedade: fechou esta sessão pelas quatro horas e meia.

N. B: O presidente da commissão de fazenda, não é o sr. C. de Porto Côvo (como equivocadamente se disse em um dos numeros antecedentes deste Diario) mas sim o sr. V. de Sobral

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