O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

N.º 6

SESSÃO DE 19 DE JANEIRO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Ávila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. presidente do conselho (Dias Ferreira) manda para a mesa uma proposta de accumulação. É lida e approvada. - O digno par o sr. Camara Leme manda um requerimento. É lido e expedido. - Justifica o sr. Hintze Ribeiro as faltas do sr. conde da Azarujinha ás sessões. - Os dignos pares os srs. Antonio de Serpa, Luciano de Castro, Barjena de Freitas, conde de Valbom, Antonio Candido, Thomás Ribeiro e João Chrysostomo de Abreu fazem votos pela nova administração, e promettem o seu apoio ao actual gabinete. - O digno par o sr. Barros e Sá pede ao sr. ministro da guerra e ao seu collega da justiça lhe seja por s. exas. indicado dia para que possa fazer algumas considerações ácerca da disciplina do exercito, do caso das Trinas e do processo Urbino de Freitas. - Responde o sr. presidente do conselho a todos os oradores precedentes. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás tres horas da tarde, achando-se presentes 51 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão. Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio mandado para a mesa pela secretaria dos negocios da guerra, remettendo as notas pedidas pelo digno par Mendonça Cortez.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho de ministros.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Em observancia do acto addicional á carta constitucional, mando para a mesa uma proposta para alguns dignos pares poderem accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus empregos.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vão ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. presidente do conselho.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos dignos pares do reino a necessaria permissão para que possam acumulai, querendo, as funcções legislativas com às dos empregos dependentes do ministerio do reino, que exercem em Lisboa, os dignos pares:

Conselheiro Lopo Vaz de Sampaio e Mello, vogai effectivo do supremo tribunal administrativo.

Conselheiro Julio Marques de Vilhena, vogal effectivo do supremo tribunal administrativo.

Conselheiro Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, vogal effectivo do supremo tribunal administrativo.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 19 de janeiro de 1892.= José Dias Ferreira.

O sr. Presidente: - Como estas proposta se consideram sempre urgentes, vou pôr esta á votação.

Os dignos pares que approvam a proposta mandada para a mesa tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. D. Luiz da Camara Leme.

O sr. Camara Leme: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo digno par o sr. D. Luiz da camara Leme.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida com toda a urgencia a esta camara uma nota detalhada dos papeis de credito que servem de caução ao banco lusitano, em virtude do emprestimo que ultimamente lhe foi concedido pelo governo.

Sala da camara, 19 de janeiro de 1892. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

Mandou-se expedir.

O sr. Presidente:- Tem a palavra o sr. Hintze Ribeiro.

O sr. Hintze Ribeiro: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. que o sr. conde da Azarujinha me encarregou de participar á camara que não podia comparecer ás sessões por motivo de doença.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Serpa Pimentel.

O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, poucas palavras tenho a proferir e muito poucas declarações a fazer, por isso senti que não me tivesse cabido houtem a palavra.

Sr. presidente, no meio das graves circumstancias por que estamos passando, sendo necessario resolver problemas importantissimos economicos e financeiros, entendo que todas as questões partidarias devem ser postas de parte e posso affirmar ao governo que de minha parte e dos meus amigos politicos, encontrará o actual ministerio a mais benévola espectativa, esperando que ella se possa converterem decidido apoio para se resolver essas graves questões que interessam o paiz.

O que eu posso asseverar aos srs. ministros é que esse apoio ha de ser tão sincero, tão leal e tão desinteressado como o prestado aos ministerios que o precederam, sem procurarmos saber se n'esses ministerios havia antigos correligionarios politicos ou antigos adversarios.

A capacidade dos srs. ministros, que é muita; a capacidade especial até para as pastas de que estão encarregados, que é por todos reconhecida, e os seus caracteres, dão esperança que nos ha de merecer este apoio.

Se as considerações de amisade pessoal podessem ser tomadas em linha de conta, o que não póde ser, porque é dado existirem intimas relações pessoaes e não haver confiança politica, eu poderia desde já dar ao actual ministerio o meu decidido apoio, porque nunca se constituiu um gabinete em que tivesse tantos amigos pessoaes como o

8

Página 2

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

actual, começando pelo sr. presidente do conselho, o sr. visconde ne Chancelleiros com quem ha trinta e cinco annos entrei junto na vida parlamentar, o sr. Oliveira Martins por quem, alem da amisade pessoal, tenho a admiração e sympathia que merece um dos mais distinctos e brilhantes escriptores portuguezes. (Apoiados.)

O sr. Ferreira do Amaral, que é um distinctissimo official de marinha e que foi um dos mais habeis, resolutos e illustrados governadores do ultramar. (Apoiados.)

Não fallarei dos outros ministros, com quem tenho relações que não são tão intimas mas que não são menos cordeaes.

Se podesse, pois, tomar em conta essas relações, poderia declarar, como já disse, o meu apoio, incondicional ao governo, mas estas considerações devem ser postas de parte. A capacidade dos srs. ministros e o seu caracter é que nos dão a bem fundada esperança de que hão de merecer os nossos applausos.

Não discutirei agora o programma do governo, porque a minha velha experiencia me diz que os governos devem ser melhor avaliados pelos seus actos do que pelos seus programmas. ?

E na situação em que o paiz se acha, é necessario pôr de parte qualquer divergencia sobre pontos menos importantes de que se não trata agora, e todos devem auxiliar o governo na resolução dos graves problemas de que depende o futuro do paiz. Espero que os actos do governo hão de merecer o apoio dos meus amigos politicos e o apoio de toda a camara. (Apoiados.)

O sr. Presidente.: - Tem a palavra o sr. José Luciano.

O sr. José Luciano de Castro: - Como o digno par que me precedeu, direi poucas palavras.

Quero apenas declarar por mira e pelos meus amigos que aguardâmos em benevola espectativa os actos do governo, esperando que elles correspondam as reclamações da opinião publica, e ás necessidades do paiz, e fazendo votos para que a nossa espectativa se transforme em breve em fervoroso e decidido apoio.

O partido progressista não está representado no governo, porque este não é partidario; mas isso não obsta a que desde já manifestemos o nosso proposito de sincera benevolencia em presença das categoricas affirmações de neutralidade politica, de franca adhesão aos principies liberaes, e de serias e efficazes reducções nas despezas publicas, que são os pontos essenciaes do programma ministerial.

Especialmente nas questões de fazenda, bem como nas de ordem publica e internacionaes que porventura se levantarem, póde o gabinete contar com a nossa leal e desinteressada cooperação. A situação do paiz, é por tal maneira melindrosa, que a todos se impõe o impreterivel dever não de não crear embaraços á marcha governativa, mas de pôr de lado todas as questões de exclusiva politica partidaria, e de concorrer desveladamente para a melhor solução dos graves problemas, que teem perturbado a administração financeira do estado, e que hoje principalmente preoccupam a attenção publica.

É por isso, sr. presidente, que eu acceito sem hesitação as promessas ministeriaes quanto a reducção de despesas; e apenas acrescento que não basta reduzir; despezas, mas que é necessario tambem que se aproveitem, convenientemente as receitas do estado, porque entre estas algumas ha que andam descuradas ou quasi perdida.

Na parte politica, sr. presidente, tambem não podia deixar de me agradar o programma do governo. Como membro de um partido liberal, e essencialmente democratico, que tem por credo o respeito por todas as liberdades, dentro dos limites da ordem e da segurança publica, applaudo fervorosamente as declarações ministeriaes, aguardando sem impaciencia a sua opportuna realisação. Em vista das explicações que acabo de dar á camara, e tendo confiança, como tenho, em que os srs. ministros, e principalmente no sr. Dias Ferreira, como chefe do gabinete, pela sua capacidade, pela sua experiencia, pelo seu elevado criterio e pelo seu amor á causa publica, saberão desempenhar-se das graves difficuldades que assumiram, entendo que estas considerações bastam para determinar a attitude prudente, conciliadora, benevola e sympathica, que eu e os meus amigos resolvemos adoptar perante o actual gabinete.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barjona de Freitas.

O sr. Barjona de Freitas: - Sr. presidente, eu tambem pedi a palavra para definir a minha attitude em frente do novo ministerio, o qual, por não pertencer a nenhuma aggremiação politica, só póde ser apreciado pelas pessoas que o constituem, pelo programma que apresentou e mais tarde pelos actos que praticar.

Pelo que diz respeito ás pessoas que o constituem, não póde haver divergencia, porque são todas dignas da maior consideração e respeito pelos seus meritos e pelo seu talento, consideração e respeito que eu tambem lhes tributo tanto mais, quanto é certo encontrarem-se no ministerio dois meus antigos collegas e amigos da universidade, o sr. bispo de Bethsaida e o sr. José Dias Ferreira.

Quanto ao programma apresentado, não posso deixar de declarar que no seu fundo me agradou na parte politica, pois o nobre presidente do conselho declarou que ha de ser francamente liberal.

Todos sabem que eu tenho pugnado sempre, não só com palavras, mas com actos, pelos principios liberaes; portanto, agrada me esta declaração do nobre presidente do conselho, tanto mais que, para não crear embaraços, apesar de serem estas as minhas idéas me tenho conservado silencioso perante os outros governos.

Com relação ao seu programma economico, eu estou de accordo com elle; o governo ha de apresentar aqui as suas propostas, propostas que hão de ser analysadas, e o parlamento ha de prestar-lhe a sua coadjuvação, pois vejo todos os homens publicos dispostos a ajudal-o, o que é ura. bom symptoma, pois todos esperam muito de s. exas., e isto não faz senão augmentar as responsabilidades do governo.

Como ha pouco disse, tenho mantido ultimamente n'esta casa a politica de não crear embaraços a nenhuma situação, desde que circumstancias afflictivas nos têem torturado.

Assim abstive-me de discutir e votar o emprestimo dos 45:000 contos de réis, ao qual foram hypothecados os rendimentos do tabaco, e isto por não saber quaes eram as circumstancias que levaram o gabinete a acceital-o n'aquellas condições.

Tambem não votei a lei de meios que foi apresentada pela administração anterior, e isto por me parecer que não era aquella a melhor orientação a seguir nas circumstancias em que nos encontravamos; mas v. exa. e a camara são testemunhas de que eu não proferi uma unica palavra de maneira a crear embaraços ao governo de então, porque o desejo de todos os homens verdadeiramente amigos do seu paiz é de que qualquer situação que esteja no poder consiga bem governar e livrar-se das difficuldades que assoberbam a nação.

Agora permitta-me o sr. presidente do conselho, que é mais novo do que eu, lhe de um conselho e é o seguinte: Eu estou convencido de que as circumstancias são de tal modo excepcionaes e graves, que não seria agora possivel a nenhum governo sustentar-se sem um movimento geral da opinião publica a seu favor, movimento que só se póde aceentuar firmemente em resultado dos seus primeiros actos. Não se descuide, pois, o governo, porque estou convencido de que o paiz ha de applaudil-o sinceramente pelo ter libertado das gravissimas difficuldades com que lucta,

Página 3

SESSÃO N.° 6 DE 19 BE JANEIRO DE 1892 3

Seria triste que no estado actual das cousas fosse ainda este governo uma decepção: isso importaria o mesmo que juntar a um desastre financeiro e economico a bancarota geral da nação.

Todavia estou certo de que assim não succederá e de que o governo saberá merecer o apoio da opinião publica, e de que, por isso, tambem eu o poderei acompanhar sempre com o meu voto leal. (Apoiados.)

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Valbom.

O sr. Conde de Valbom: - Sr. presidente, a gravidade das circumstancias, que todos os distinctos oradores que me precederam com justa rasão invocaram, impera naturalmente sobre o meu animo para eu entender que é dever de todos os homens publicos pôr completamente de parte n'este momento toda a paixão politica e envidar todos os seus esforços para conjurar a crise que afflige o paiz. Firme n'esta convicção, não serei eu que pela minha parte trate de crear embaraços ao governo; antes, pelo contrario, procurarei, quanto em mira caiba, facilitar-lhe o desempenho da sua ardua missão.

Na resolução de todas as graves questões financeiras, economicas, internacionaes e de ordem publica lhe darei apoio.

Nos seus actos politicos espero ter de o applaudir. Escusado é dizer que tambem eu reputo dignos do maior respeito os membros do novo gabinete: todos pelo seu caracter e intelligencia, e muitos pelos seus serviços.

Portanto considero todo o gabinete digno da confiança publica. Faço votos para que a esperança lisonjeira que em relação ao governo existe em todos os animos se converta em uma completa realidade.

E, fazendo assim justiça a todos os srs. ministros, eu singulariso o meu prezadissimo amigo, o sr. Oliveira Martins, homem de um talento privilegiado, um coração de oiro, um bello e distincto caracter e eminentemente versado, tanto nas questões economicas, como nas financeiras, e do qual ha muito a esperar. ,-

Estou certo que elle ha de envidar os seus esforços e todas as suas faculdades, que são poderosas, para conjurar as crises que nos ameaçam, crise economica e crise financeira, porque são ellas que constituem as questões principaes, as questões de momento, que devem sobrepujar, que devem sobrelevar todas as outras.

Tambem peço que me seja permittido especialisar o meu antigo amigo, o sr. José Dias Ferreira, advogado distinctissimo, homem experiente da vida publica, dotado de faculdades robustas e muito apto para tomar a responsabilidade que pesa sobre os seus hombros, e para arcar com as difficuldades da situação critica que atravessâmos.

Estou certo de que s. exa. ha de inspirar-se nos seus deveres civicos, para guiar com o maior acerto a politica ministerial, e quelha de saber comprehender a melhor direcção do governo para a boa solução dos negocios, como exigem as altas conveniencias publicas que estão entregues ao seu superior criterio.

Estou certo, repito, que s. exa. ha de desempenhar-se brilhantemente da missão que lhe foi confiada, porque tem a auxiliai-o a confiança da corôa e a opinião publica, e digo a opinião publica, porque não vejo nas declarações apresentadas, tanto n'esta, como na outra casa do parlamento, a menor divergencia, nem mesmo vejo dissentimento importante no modo por que a imprensa recebeu o nova gabinete.

Se é critico, o momento actual, eu estou convencido de que s. exa. ha de envidar todos os esforços tendentes a salvar o paiz da crise temerosa que sobre elle impende.

Sr. presidente, permitta-me v. exa. que eu faça um voto.

Unamo-nos no pensamento commum da salvação da patria.

Tenho a convicção profundissima de que, unidos todos os esforços dos verdadeiros portuguezes, que sentem palpitar-lhes o coração na ancia de um acrysolado patriotismo, Portugal ha de sair da crise que está atravessando, como tem saido de outras igualmente temerosas.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Antonio Candido.

O sr. Antonio Candido: - Sr. presidente, na apresentação de um novo ministerio é costume sómente fallarem os chefes dos partidos ou aquelles que por qualquer rasão se julguem interpretes de um grupo, de uma classe ou de uma opinião importante.

Evidentemente eu não estou n'este caso.

Mas a summa gravidade d'este momento leva-me a pedir a v. exa. e á camara que me permitiam deixar na memoria d'esta sessão o testemunho do sentimento que o ministerio me inspira, e expor seguida e despretenciosamente algumas considerações que presentemente me surgem.

Eu digo a v. exa. que se podesse adivinhar que a palavra me ficava para hoje, não a teria pedido.

Pensei que a inscripção se esgotasse. Custa-me realmente a perda de algum tempo, quando todo é pouco.

Digo desde já a v. exa. e á camara que tenho no actual ministerio inteira e completissima confiança.

Póde o ministerio contar n'esta casa do parlamento, unica esphera da minha acção politica, com o meu mais decidido apoio e com a mais leal e util cooperação que as minhas forças possam prestar-lhe. E, procedendo assim, cumpro o meu dever e cumpro-o, sr. presidente, com a consciencia que manda collocar-me ao lado de quem se sacrifica pelo bem publico, e com o coração que me faz querer e desejar a legitima gloria d'aquelles que pelo seu talento ou virtudes merecem respeito e acatamento. N'esta cordialissima declaração incluo todos os ministros actuaes, sem excepção.

Um, que tenho a fortuna de contar como meu amigo pessoal, tem o meu respeito a minha admiração pelo seu talento e pelos seus serviços.

Sr. presidente, eu creio que ainda se não formou em Portugal um ministerio a quem a opinião publica exigisse tanto como foi este.

As nossas questões sociaes, existentes desde muito, aggravadas de dia para dia, assumiram agora o seu periodo agudo.

Se não as resolvermos em alguns mezes, não as resolveremos nós. Isto tem-se dito muitas vezes, mas agora é mais que nunca uma absoluta verdade.

O tempo que nos resta já não é muito.

Este ministerio, trazido ao poder por uma força superior, independente e composto de homens de tão notavel merecimento e de idéas tão radicalmente profundas em relação ás praticas de administração e de politica, obriga-nos a todos, e ainda aos menos crentes, a esperar d'elle alguma cousa nova e boa.

Eu espero tudo que melhor se póde esperar n'este momento; e será grande o luto da nação se agora não se fizer finalmente o que se deve fazer.

Se muito se exige ao novo governo, é porque elle realmente muito póde, e um governo, nas condições do actual, tem, quanta força precisa para se desempenhar da sua missão, sem haja negregada coragem que lhe ponha embaraços, porque é um ministerio de salvação publica. (Muitos apoiados.)

O programma do novo ministerio que hontem aqui nos apresentou o sr. presidente do conselho de ministros, n'aquella vibrante claridade em que se gera sempre o seu pensamento e a sua eloquencia, é o mais momentoso que tem vindo ao parlamento. Mas podia deixar de vir? Não.

Esse programma não é a summula de uma escola, nem o lemma de um partido, mas o anhelito de uma nação ante os perigos que a assombram.

Sr. Presidente, ter que chamar os credores do estado

Página 4

4 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

para que elles contribuam para a regeneração financeira é duro, e duro é tambem que os vencimentos dos empregados publicos, tão desproporcionados ás necessidades da vida, sejam aggravados.

Ter-se-ha que pedir á pobreza publica do paiz novos sacrificios, quando a agricultura definha, o commercio se retrahe e a industria dificilmente caminha.

Mas é preciso e deve-se tudo á patria, quando a patria está em perigo.

Creio, sr. presidente, que a mesma gravidade do perigo ha de proporcionar o meio de o combater, e por isso digo ao meu nobre e querido amigo, o sr. Oliveira Martins, que agradeça á sua boa estrella havel-o trazido ao governo n'este momento angustioso.

Veiu era boa hora a parte do programma que diz respeito á sua futura gerencia. Se fosse apresentada mais cedo levantaria taes imprecações e doestos, que certamente não iria por diante.

Hoje não ha ninguem que não conheça que são impreteriveis para a solução da questão economica e financeira as providencias que o governo annunciou ao parlamento.

Sr. presidente, eu desejo dizer ao nobre ministro da fazenda que fique s. exa. certo de que o meu affecto e a minha fervorosa admiração por s. exa. o hão de acompanhar sempre n'esta principal prova das suas brilhantissimas faculdades.

Diz-se que os homens de letras, como politicos, como homens de administração, não offerecem muitas garantias.

Ora isto será verdade até certo ponto; sela verdade num determinado genero de homens de letras.

Certamente que para a politica ardilosa, astuciosa, ambiciosissima, a largueza de espirito de certos homens de letras não tem dado bons resultados, mas ata não é a politica de ha muito tempo, que menos póde ser a de agora.

Por isso, eu folgo de ver no actual governo as mesmas grandes faculdades com que Thomás Macaulay elevou a politica ingleza, com que Thiers e Guizot levantaram a politica da França, com que Canovas del Castillo tanto engrandeceu a politica hespanhola.

Sr. presidente, o gabinete acha-se presidido por um notavel parlamentar, por um insigne jurisconsulto, que ha muito tempo na sociedade portuguesa é um dos homens mais elevados na politica.

Está tambem nos conselhos da corôa o nobre visconde de Chancelleiros, honra e brazão d'esta camara, que é um espirito fulgentissimo, capaz da mais elevada comprehenção das cousas, e que pelos principios que sempre tem proclamado é uma segura garantia de que a resolução da questão financeira ha de encontrar em s. exa. um prestimoso auxiliar.

A pasta da marinha está confiada a um homem de provada experiencia nos negocios do ultramar, o sr. Ferreira do Amaral.

Estou certo de que s. exa. ha de acrescentar um novo capitulo á longa historia dos seus serviços publicos, de tanta utilidade para o paiz.

N'estas condições e com estes elementos creio eu que o ministerio ha de poder cumprir a sua alia missão. Tem força em si, e externamente não existem obstaculos que lhe seja impassivel vencer.

Ha de ter por certo alguns embaraços. Apparecem sempre.

A inveja ha de latir, tarde ou cedo. A intriga ha de tentar desunir, enfraquecer os srs. ministros, e é bem possivel que os interesses feridos se conjurem para os aggredir. Mas, apesar d'estas dificuldades, o ministerio tem uma grande fortaleza de animo e triumphará seguramente.

Por ultimo deixe-me v. exa. lembrar aos nobres ministros que a gratidão dos povos para com os homens que os servem politicamente, leva muito tempo á produzir-se, a manifestar-se; mas a consciencia do dever Cumprido antecipa o goso da gloria, e eu não conheço maior gloria do que a de salvar uma nação arriscada, ameaçada, de ruina imminente no seu credito, na sua dignidade moral e talvez em alguma cousa mais.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barros e Sá.

O sr. Barros e Sá: - Cedo da palavra.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Depois de ouvir o discurso do meu illustre amigo que acaba de occupar a tribuna parlamentar n'esta camara, eu quasi podia dispensar-me de fazer quaesquer declarações em relação ao novo ministerio; mas o dia de hoje ainda é para dar parabens, segundo vejo. Por consequencia, consinta v. exa. que eu venha juntar-me ao cortejo de felicitações que tem acompanhado este governo desde que entrou no parlamento.

Devo dizer a v. exa. que esta estranha, extraordinaria unanimidade de sentimentos me está assustando um pouco e que, se eu me encontrasse nas cadeiras ministeriaes, teria não sei que tristeza intima de tantas alegrias externas.

Sr. presidente, conta-se (ignoro se com verdade) uma anecdota dos tempos heroicos da velha Roma e que por vezes me tem lembrado n'esta apotheose constante feita por todos os dignos pares, como hontem por todos os srs. deputados da nação portugueza. Conta-se, repito, que nos tempos heróicos do antigo imperio romano houve um homem refinado em festas, em pompas, em galanterias. Esse homem era imperador e chamava-se Nero.

Peço á camara que não queira ver em nenhum dos seus membros retratada esta personalidade historica á qual me vejo forçado n'este momento a fazer referencia. No facto não ha Ilusão a pessoas, não vae n'elle escondido nome proprio nem appellativo, é elle unica e simplesmente, é facto que vou relatar.

Um dia o excentrico imperador convidou para a sua mesa muitos dos seus antigos commensaes e tambem muitos novos.

Passou-se entre musicas e alegrias essa festa imperial da velha Roma, e ao terminar caiu na sala, onde se dansava e se cantava, uma chuva de flores em tal abundancia que os convidados morreram asphyxiados debaixo de tanta galantaria. (Riso.)

Sr, presidente, longe vá o agouro da minha prophecia, mas é certo que estremeço tanto a existencia do actual governo que me arreceio de tamanha benevolencia e de tantas flores que lhe juncam o caminho.

Se tambem passarmos da historia profana para a historia sagrada, não devem os srs. ministros esquecer que poucos dias depois do domingo de Ramos vem a sexta feira da Paixão.

Sr. presidente, eu sinto em minha consciencia ter que lançar esta nota, não de todo escura mas de cor violeta, nos aureos e roseos campos que se juncaram para a passagem do governo.

Por isso que o estimo, por isso que sou sinceramente seu amigo lhe venho trazer estes longinquos receios, não que o afflijam a elle, mas que me iam consumindo a mim.

Ha poucas dias (é preciso não deixar passar as cousas sem reparo), ha poucos dias ainda o digno par sr. José Luciano de Castro perguntava ao governo que caiu, qual era o estado da situação d'este paiz. E dizia-nos o governo transacto que todas as cousas iam, senão pelo melhor dos mundos, não de cesto pelo peior. Então não havia as grandes difficuldades, tinhamos muitas, é verdade, mas tudo se havia de vencer com facilidade. Caiu o governo que nos tinha dito que era preciso não arguir exageradas situações para não nos desacreditarmos mais no conceito dos outros paizes.

Queriamos saber o que por direito tinhamos obrigação de saber.

Caiu depois o governo e pelas suas proprias declarações

Página 5

SESSÃO N.° 6 BE 19 DE JANEIRO DE 1892 5

soubemos que por tres vezes o ex-ministro da fazenda, se não tinha dado a volta ao mundo, havia obstado a que o paiz sossobrasse na bancarota.

E vem hoje, sr. presidente, dizer a esta camara o ex-ministro dos negocios estrangeiros que não nos illudâmos que ajudemos o governo, que envidemos todos os esforços, porque o momento é de perdição. (Apoiados.)

Então por que é que quando s. exas. governavam o paiz nada d'isto diziam, e vem hoje apresentar estas difficuldades quando se organisa um novo governo? Era então melhor ter menos finura e mais franqueza, ou, agora, teimais logica na prudencia de hontem alliada com a prudencia de hoje. (Apoiados.)

Tem muito que fazer o actual governo, mas tem principalmente que olhar por si e não pensar em lisonjas que lhe podem ser fataes.

O que hoje se diz devia ter-se dito hontem ou callado hoje.

Já tenho ouvido dizer que o governo não têem partido. É essa uma das suas fortunas. E eu, que não lisojeio ninguem, declaro que é ainda minha opinião que os partidos que actualmente existem n'esta paiz já não tem força nem auctoridade, nem podem fazer o que póde fazer um governo que está no poder desacompanhado de todos esses partidos.

Se o paiz póde alguma cousa, entendam-se com o paiz. Se elle está adormecido, acordem-no e digam-lhe que cumpra elle com o seu dever, que de um ponto de apoio a quem quer governar, porque sem isso não é possivel fazer-se nada. Se o paiz está acordado, convencionem com elle, porque elle tem absolutamente necessidade de um governo que diga a verdade, e que governe com a verdade. Elle tem necessidade de um governo que faça justiça e que governe com a justiça.

Eu quero todas as liberdades porque nasci liberal, de pães liberaes; e prezo-me de o ser; mas eu invoca Uma trindade á parte. A minha trindade é: - libertação, verdade e justiça. - Ha muito tempo que vivemos alheiados de tudo isto, porque tendo-se fallado muito da liberdade em prosa e verso, nunca a pobre se tornou em realidade.

oje estou contente porque se realisou uma das minhas previsões. Dou por testemunha o sr. ministro das obras publicas qne póde dizer se não o procurei uma vez e lhe fallei de uma solucção exactamente como a que hoje se apresenta.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Chanchelleiros): - Apoiado.

O Orador: - S. exa. póde testemunhar se sim ou não eu lhe disse que estavamos chegados ao ponto de resolver-se a questão pelo modo por que agora se resolvei Mas não basta que o governo se creasse; no meu entender é preciso tambem que elle se mantenha, porque não é n'um dia nem n'um mez que se hão de curar os muitos males que devem curar-se.

Eu bem sei que o governo que está formado não ha de procurar a sua gloria na sua longevidade, porque se os homens não se medem aos palmos, tambem a idade do governo não se mede pelos mezes e pelos annos. Ha mezes que valem por muitos annos; ha horas que valem mezes; e eu estou certo de que este governo folga de viver o tempo que é preciso viver para consumar a sua obra, mas de modo nenhum quer ir alem d'isso.

Faça um partido seu, refundindo tudo o que existe, por que não ha elementos hoje bastantes para que cada um dos partidos que existem possa dar um governo.

Eu sei que isto vae levantar contra mim as animosidades de todos, mas não mendigo sympathias de nenhuma especie embora muito as deseje e a minha obrigação n'este logar é dizer o que sinto diante dos proprios partidos e tenho-o dito.

Sr. presidente, se eu pertencesse a algum grande partido, n'este momento provavelmente apresentava-me diante do actual gabinete a dizer-lhe que podia contar commigo e com todos aquelles que a minha, voz podesse chamar ou aggremiar, trazendo-lhe as suas felicitações. Infelizmente não tenho atrás de mim, nem diante, nem a meu lado nenhum grupo que queira, com essa isenção e sem attender a conveniencias, dizer o que estou dizendo; por isso é pouco o que venho offerecer.

Não quero mencionar nenhum dos nomes dos cavalheiros que estão no actual governo, não quero fazer a apologia especial deste ou d'aquelle, nem referir sympathias particulares, quero só declarar que o governo tem o meu apoio incondicional: no dia em que prevaricar virei dizer que lhe retirei todo esse apoio. Não é uma espectativa benevola, é um offerecimento de todo o serviço que possa prestar, não de favor, mas de dever, na posição em que me encontro.

Faço votos pela vida e existencia do ministerio sem acrescentar mais nada, porque sei o que elle é e o que ha de ser até ao ultimo dia da sua existencia.

sr. Presidente: - Vae ler-se um officio que acaba de chegar á mesa.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Officio do sr. ministro da justiça, pedindo a necessaria licença para que o digno par sr. Mendonça Cortez possa prestar declarações n'um processo crime no juizo de direito auxiliar do segundo districto criminal d'esta cidade.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que permittem que o digno par o sr. João José de Mendonça Cortez vá prestar declarações ao tribunal, conforme se pede n'este officio, tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

Tem a palavra o sr. Antonio de Serpa.

O sr. Antonio de Serpa Pimentel: - É para mandar para a mesa o projecto de resposta ao discurso da corôa.

Leu se na mesa,

O sr. Presidente: - Vae a imprimir.

Tem a palavra o sr. João Chrysostomo.

O sr. João Chrysostomo: - Sr. presidente, n'esta occasião tão solemne, como membro d'esta camara, e em vista da posição politica que ultimamente tenho occupado, eu não podia dispensar-me de emittir a minha opinião sobre o plano governativo que se propõe seguir o actual ministerio. Gabe-me portanto o dever de fazer tambem a minha declaração, a qual é muito simples e em poucas palavras se reduz ao seguinte:

Como imposto pelas circumstancias, estou completamente de accordo com o programma apresentado pelo illustre presidente do conselho, o prestando-lhe a minha plena adhesão, aproveito este momento para prestar a devida homenagem a todos os membros que compõem o actual gabinete pelos seus altos dotes e merecimentos, como individualmente lhes tenho prestado de longa data em differentes occasiões. Faço votos para que sejam coroadas do melhor exito as suas aspirações, que me parece serem as aspirações de todo o paiz.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Valbom.

O sr. Conde de Valbom: - Sr. presidente, é simplesmente para responder a uma allusão que me foi feita pelo digno par sr. Thomás Ribeiro.

Disse s. exa. que nas palavras que eu tinha proferido se patenteava agora que existiam circumstancias graves, quando ainda ha pouco o governo, de que eu fazia parte, guardava silencio sobre ellas, a fim de não alarmar a opinião publica e as praças da Europa, parecendo-lhe por isso que as minhas palavras podiam concorrer para aggravar as difficuldades em que se encontra a actual situação.

Ora, eu devo dizer a s. exa. que as minhas expressões são sinceras, e que sempre opinei porque se deva fallar claro ao paiz, sendo este um dos motivos das divergencias

Página 6

6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que houve no seio do gabinete de que fiz parte, as quaes como consequencia o pedido de demissão.

Já, vê s. exa. que não ha falta de logica.

Considerava então, como considero agora, que a crise é grave, mas que ha meios de a resolver; e exigi muitas vezes que se fizesse um relatorio exacto do estado da fazenda publica, mas não o consegui.

Pouco antes de pedirmos a demissão é que se viu que era necessario tomar a esse respeito uma resolução definitiva.

Portanto, parece-me que a declaração que ha pouco fiz não está em desaccordo com o que eu queria que se fizesse então.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Thomás Ribeiro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, apenas a simples explicação: Eu não sabia que entre todas as outras divergencias dadas na administração transacta, existia tambem esta, accusada agora pelo sr. conde de Valbom, e cujo desconhecimento me fez averbar de contradictorio o que s. exa. disse.

S. exa. entendia, que se devia dizer toda a verdade ao paiz, e o seu collega que geria a pasta da fazenda, entendia o contrario. Já vejo, pois, que não ha contradição entre o que disse ainda agora o sr. conde de Valbom e o seu conceito, enquanto esteve no governo. Quanto ao procedimento do governo é outra coisa.

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente. - Desisti ha pouco da palavra, que v. exa. me concedia, para indicar claramente que não queria envolver-me na questão politica que tem sido ventilada n'esta e na sessão anterior. - Alem d'isso, eu conheço que nas camaras, ou nos parlamentos, ha sempre uma certa dóse de paciencia concedida, ou to lerada, para cada assumpto, alem da qual a discussão se, torna importuna; e parece-me que essa dóse de paciencia na actualidade já está esgotada. - Seria pois insensatez da minha parte pretender continuar n'essa discussão. - Pedi depois de novo a palavra para corresponder ao convite que o sr. D. Luiz da Camara Leme me dirigiu para que não desistisse, antes instasse pela realisação da minha interpellação, relativa á disciplina militar, que está pendente.

Em obediencia a este convite, devo declarar que não desisto, antes insisto n'essa interpellação, e na outra que havia annunciado ao sr. ministro da justiça relativamente á administração da justiça criminal em Lisboa, e tanto ao sr. ministro da guerra como ao da justiça rogo e peço que se queiram habilitar para podermos discutir aqui esses assumptos importantissimos.-

Pelo que respeita á questão militar, cada dia me convenço mais da utilidade, ou antes da necessidade, de que se discuta em publico o estado de disciplina do exercito, principalmente no que respeita ao direito que teem os militares, em effectivo serviço, a exercerem a plenitude dos direitos politicos que pertence aos outros cidadãos. - Cada dia apparece de novo um facto que por alguns é considerado attentatorio da disciplina, e que outros consideram como o justo exercicio de um direito sagrado, em que ninguem póde tocar. - Este estado de duvida ácerca do que é legitimo ou illegitimo, do que é attentatorio dos principios fundamentaes da disciplina, não póde continuar, ou, ao menos, não é util que continue. A prova d'isto está em que a cada passo apparecem nas ordens do exercito ou uma providencia nova, ou uma recommendação para que que se cumpram, ou se executem, as disposições antigas relativamente á intervenção dos militares na politica activa e militante. Ora isto demonstra que as disposições vigentes, e as sancções actuaes a tal respeito, são insufficientes o incompletas. -

Na verdade, se se admittir que um militar por que é official póde e deve gosar, como cidadão, da plenitude dos direitos politicos que pertencem á generalidade dos cidadãos, igual concessão se deve fazer a todos os militares, sem excepção alguma, aos soldados e sargentos, e a todos, pois que estes tambem são cidadãos.- A necessidade de resolver por um modo positivo e efficaz até onde chegam os deveres da obediencia passiva, inseparaveis da força armada, e onde começa a possivilidade do exercicio dos direitos politicos sem prejuizo do principio da obediencia, torna-se evidente, principalmente hoje, em vista da ultima portaria do ministerio da guerra, que ordenou ao commandante da primeira divisão militar que procedesse a uma syndicancia sobre factos, que se diz terem sido praticados por alguns officiaes militares, nas reuniões de uma sociedade de natureza politica, factos que podem ser contrarios á disciplina.- Não se diz, porém, nem qual é a sociedade, nem quaes são os officiaes, nem quaes são os factos, e, nem ao menos o ministro se animou a affirmar positivamente se sim, ou não, elles são contrarios á disciplina, mas só o que podem ser. Ora, quando o ministerio da guerra duvida se esses factos são attentatorios da disciplina, como póde ser estranhado que esses officiaes tenham a mesma duvida, e que tambem a tenham os commandantes das divisões militares ou os commandantes dos corpos, ou quaesquer outros na escala da hierarchia militar?!! Ordenar que o commandante da divisão syndique sem se lhe especificarem os factos, nem as pessoas sobre quem ha de syndicar, equivale a incumbir-lhe uma devassa Janeirinha sobre tudo e sobre todos.- Isto assim feito está fora das praticas e usos militares.- Acresce ainda que, desde que ao commandante da divisão se incumbe uma similhante syndicancia, collocam-o na impossibilidade moral, e talvez legal, de depois poder desempenhar as funcções que o codigo de justiça militar lhe attribue como director unico da administração da justiça dentro da divisão qualificando os crimes e apreciando as provas. As funcções de syndicante e as de reguladores dos processos que podem resultar da syndicancia, são incompativeis, e por isso está-me parecendo, que a providencia tomada na portaria a que me refiro, é não só inefficaz, mas repugnante com os principios em que se funda a organisação da justiça militar estabelecida no nosso codigo.

Ha ainda outro facto sobre que é preciso fazer luz pela discussão politica para evitar que o precedente se converta em regra, podendo até ser considerado como attentatorio da independencia com que os juizes militares devem pronunciar as suas decisões.- Modernamente, pelo tribunal superior de guerra e marinha foram annullados tres processos vindos da 4.ª divisão militar nos quaes se commutava a pena de morte a um soldado e a de exauctoração com degredo a dois sargentos. - O fundamento da decisão do tribunal foi porque o conselho de guerra havia sido illegalmente constituido, excluindo-se d'elle um major, a quem pertencia por escala, e designando outro para o conselho. - Procedeu assim o tribunal depois de haver pedido informações directas ao commandante da divisão ácerca da verdade das allegações dos condemnados e das rasões justificativas do facto, no caso de ser verdadeiro. - Pois passados alguns dias foi expedida ao tribunal superior de guerra uma portaria na qual se contestava e contrariava a verdade dos factos e o direito que o tribunal havia adoptado para fundamentar as suas resoluções. - Se o ministro da guerra tem auctoridade e jurisdicção para num documento official contestar os fundamentos dos accordãos do tribunal superior, a consequencia é que os conselheiros do tribunal têem que ir, antes de sentenciarem, ao ministro da guerra saber a opinião do ministro ou dos seus empregados no ministerio, e póde haver algum juiz que, não querendo arriscar-se ao perigo de receber uma censura, ponha duvida em julgar segundo a sua consciencia. - A secretaria da guerra não é superior hirarchico do tribunal para poder censurar, criticar, ou contestar os fundamentos das sentenças ali proferidas. - Ora dizer-se n'uma portaria que sim, quando o tribunal, no exercicio das suas funcções,

Página 7

SESSÃO N.° 6 DE 19 DE JANEIRO DE 1892 7

disse que não, ou vice-versa, é, pelo menos, desprestigiar as decisões do tribunal, o que não póde ser edificante para a manutenção da disciplina militar.

Com relação á segunda interpretação que eu tinha pendente para ser discutida com o sr. ministro da justiça demissionario, relativo á administração da justiça criminai em Lisboa, não occultei então a s. exa., nem occulto agora, que n'ella me hei de referir ao processo que se organisou em consequencia do facto acontecido no convento das Trinas. Mas devo dizer que não entra na minha intenção discutir a delinquencia ou a inculpabilidade de pessoa alguma- Essa questão considero-a privativa dos tribunaes de justiça e dependente da consciencia dos julgadores, pelo que não póde ser aqui discutida, - Sobre materias de consciencia não póde haver discussão parlamentar. Mas na administração da justiça ha uma parte externa entrinseca, exterior, que é susceptivel de discussão, visto que nas decisões judiciaes não ha, não póde haver infallibilidade.- A experiencia mostra, a cada passo, que os tribunaes se enganam algumas vezes, e que n'outras se contradizem nas suas decisões; é por isso que nos codigos se admitte e regula o principio da revisão das sentenças, e que a jurisprudencia é progressiva. - Referindo-me, por isso, á parte externa do processo, áquella que não implica Com a delinquencia mas só com a observancia das formulas que são garantia de segurança e respeito pelos direitos individuaes, eu intento demonstrar que a justiça, subjugada pelo tyrannico imperio da imprensa ligeira, pela imprensa de boulevard, instaurou e formulou um processo tumultuario commettendo abusos de poder e excessos de auctoridade insupportaveis.

No meu direito de inspecção parlamentar, como representante da nação, cabe a faculdade de apreciar e discutir se as leis que garantem a inviolabilidade pessoal, e a liberdade do cidadão foram observadas e cumpridas, quer pelos agentes da policia, quer pelos juizes, sem differença alguma entre uns e outros; pois, quer uns quer outros, exercem funcções delegada sujeitas á responsabilidade, e portanto sujeitas á discussão.- Se a justiça é independente no exercicio das suas funcções e na applicação das leis civis e criminaes, tambem é igualmente independente o poder administrativo no exercicio das suas funcções e na applicação das leis administrativas.- Se o poder administrativo é responsavel pelos actos que pratica, e portanto discutivel, igualmente são responsaveis os magistrados judiciaes pelos seus actos e portanto discutiveis, na imprensa e na tribuna, em toda a parte. - A differença que póde haver é só quanto aos effeitos resultantes da discussão parlamentar; pois que se, com respeito á direcção dos actos da administração póde resultar a dissolução do gabinete, da discussão dos actos judiciaes nunca póde resultar a dissolução dos tribunaes nem a demissão do juiz. - No estado não ha auctoridade alguma que seja inviolavel e indiscutivel senão o Rei, mas por é que isso são responsaveis e discutiveis os seus ministros pelo conselho que dão, e segundo o qual o Rei procede.- Não ha, não póde haver auctoridade alguma; de qualquer ordem ou condição, que não seja responsavel, e portanto que esteja collocada fóra da suprema inspecção do parlamento como representante da nação. - Esta doutrina e estes principios são triviaes, e cuido que irrecusaveis; e é fundado n'elles que eu espero que o sr. ministro da justiça se preste, em podendo, a verificar a minha interpellação que está pendente.

Sr. presidente, as palavras que o meu amigo o sr. Mexia acaba de proferir fazem-me crer que, ou eu não me exprimi claramente quando ha pouco fallei, ou que s, exa. tomou as minhas allegações em sentido differente d'aquelle que estava na minha intenção.

Quando eu fallei da tyrannia da imprensa, que subjuga os tribunaes, referi-me especialmente, directamente, ao processo chamado das Trinas, e não estabeleci uma regra geral, nem fallei em geral.

Foi esta, pelo menos, a minha intenção.

Eu queria dizer, ou disse, que o tribunal que instaurou aquelle processo estava subjugado pela tyrannia da imprensa, e n'este sentido sustento a minha affirmação. Todos nós sabemos que nessa occasião alguns jornaes disseram, e por mil vezes repetiram, que a justiça e a policia andavam a reboque do Seculo, que d'este jornal recebiam inspirações, e que a elle denunciavam todos os segredos da justiça.

Ora eu, com o fim unicamente de coordenar as idéas, referi-me a essas imputações. Não podia Centrar no meu animo a intenção de affirmar que o poder judicial estava submettido á imprensa, como s. exa. me attribuiu, talvez porque não me exprimi bem claramente.

Se as minhas palavras foram menos exactas, se ellas não corresponderam á minha intenção, modifico-as por este modo e só assim quero que sejam entendidas.

Que a justiça na organisação do processo das Trinas andou subjugada pela tyrannia da imprensa, hei de demonstral-o quando verificar a interpellação;-agora não é possivel.

Mas peço licença ao sr. Mexia, cujo caracter é respeitabilissimo, que é unanimente considerado como juiz integerrimo, e que me merece o mais profundo respeito, que lhe observe a admiração que me causou o vel-o tão maguado pelas expressões que eu proferi, e não se ter maguado, do mesmo modo, com o que foi escripto no relatorio de um projecto de lei aqui apresentado pelo actual presidente do supremo tribunal de justiça, poucos dias depois de sair do ministerio, relativamente á imprensa.

Ahi sim; ahi é que se disse e escreveu que os tribunaes se deixavam submetter e subjugar pela imprensa.

Ora o que foi permittido dizer-se num relatorio deveria ser-me tolerado, a mim, dizei o precipitadamente.

N'esse relatorio está escripto o seguinte: "Não é facil legislar sobre esta materia. Entre nós sobre tudo a difficuldade cresce de ponto, se considerarmos que uma errada comprehensão desta instituição a revestiu de taes regalias e privilegios que até aquelles que mais defendem os principios conservadores se curvem respeitosamente diante da incontestada omnipotencia d'este verdadeiro poder publico. Arreceiam-se as tribunaes de a aggravar pronunciando contra ella o veredictum das suas sentenças conforme a lei; vacilam as auctoridades na repressão legal dos seus abusos, e até os governos se vêem forçados e estabelecer penalidades rigorosas contra a pecaminoza inercia dos funccionarios tibios a quem incumbe o dever de vigiar pela manutenção da lei. Um inexplicavel pavor, ou um exagerado respeito para com esta instituição, tem-lhe dado uma força apparente, enorme, mas que na realidade só provem da fraqueza com que os poderes publicos se lhe submettem. Factos muito recentos corroboram esta affirmativa", etc., etc. Em vista d'isto, e entendidas mesmo as minhas palavras no sentido em que s. exa. as entendeu, pergunto quem foi mais severo para com os tribunaes de justiça, e para com os magistrados do ministerio publico, fui eu, ou foi o presidente do supremo tribunal de justiça??

Pois dizer que os tribunaes se arreceiavam, tinham medo, de proferir as suas sentenças conformes á lei que vacillam na represam dos abusos, e que os agentes do ministerio publico são tibios e estão dominados por uma inercia pecaminoza não é dizer muito mais que aquillo que eu disse, ainda entendido no sentido em que s. exa., em boa fé de certo, me attribuiu, e que eu agora rectifico, se precisa é a rectificação?! Por que s. exa. agora tanto se magoou, e não se magoou quando aquelle projecto foi apresentado? Alem d'isto, quem ler a relatorio que precedeu o ultimo decreto dictatorial, ácerca da imprensa, verá que a justiça, ou pelo menos os agentes do ministerio publico, não são mais bem tratados; sem que se possa dizer que expendendo-se esssas opiniões haja intenção de injuriar a justiça, ou os tribunaes da justiça. O presidente do supre-

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mo tribunal no seu relatorio diz, e diz muito bem, que os factos antigos e modernos corroboram esta affirmativa.

Cumpre-me ainda levantar a censura que s. exa. o sr. Mexia, a quem tributo o maior respeito e veneração, mas irrogou por ter eu trazido, ou pretender trazer, para a discussão parlamentar os processos judiciaes, principalmente os pendentes.

Eu fil-o assim, ou antes hei de fazel-o assim, no uso perfeito do meu direito. Podia s. exa. contestar a opportunidade com que o fiz mas não consinto que se me conteste o direito de o fazer.

Os juizes, os magistrados e os tribunaes são responsaveis, como quaesquer outros funccionarios publicos, pelos actos que praticam no exercicio das funcções do seu cargo, e se são responsaveis são discutiveis, sempre e em toda a parte, salva a circumstancia da opportunidade na occasião, e da conveniencia na fórma. Os tribunaes de justiça não são infalliveis, não são irresponsaveis, estão sujeitos a erro e têem errado nas suas sentenças, as quaes podem em alguns casos ver revistas e reformadas. Como podem, pois, ser indiscutiveis?- São discutiveis. - Quando e como? Isso é questão de opportunidade, é questão de prudencia, e não questão de direito, nem de competencia. - Faltei eu em alguma cousa á prudencia e ao respeito que é devido aos tribunaes? - No me parece.-

Na administração da justiça criminal ha duas partes.- Uma interna e intima, outra externa e exterior.-- Quanto á primeira não me parece que seja licito discutir no parlamento, nem na imprensa, por que sobre materia em que intervem a consciencia do juiz não é possivel haver discussão; mas na parte externa, na que diz respeito á observancia das fórmas do processo que garantem a inviolabilidade dos direitos pessoaes, a liberdade, é licito provocar a discussão logo que essa liberdade é atacada.- Está pendente o processo, disse s. exa., e portanto não póde discutir-se aqui. Mas que importa que o processo esteja pendente?!!- Pois se um cidadão é illegal mente preso, está, ou esteve, retido na cadeia, se está ou esteve incommunicavel fóra dos casos, ou alem dos prasos, permittidos nas leis, ha de esperar-se que o processo termine, ha de esperar-se, durante mezes e annos, que a questão principal termine para poder discutir-se no parlamento ou na imprensa esse incidente que importa um attentado a liberdade?! Uma é a questão principal a da delinquencia, outra é a incindental a da liberdade, a da prisão, ou a da incommunicabilidade. Esta póde discutir-se separadamente d'aquella, e em nada affecta a questão da delinquencia, a respeito da qual confesso que não é conveniente discutir.

Eu nunca suppuz que esta doutrina podesse ser posta em duvida por um magistrado tão respeitavel como é o sr. Mexia. Onde está o artigo de lei ou de regimento, que a contrarie?!!.- Onde está escripta alguma opinião de publicista que à negue?!!- Apresente-se-me artigo algum de lei, de regimento, ou opinião de publicista que contrarie, ou negue, a minha doutrina, e depois dar-me-hei por vencido.

O acto da prisão de Rosa de Oliveira teve logar hs tres ou quatro mezes. Por alguns dias esteve ella incommunicavel n'um calabouço da policia. Foi presa fóra de flagrante delicto, e não por um mandado judicial, más por um acto arbitrario da policia -; pois poderá algum dizer que o meu direito de inspecção e interpellação parlamentar, sobre isso, que considero um attentado contra a liberdade, está suspenso emquanto durar, emquanto estiver pendente o processo principal ácerca da culpalibidade, criminalidade ou delinquencia?!! - Essa suspensão duraria dois, tres ou quatro annos, e o meu direito tornar-se-ia illusorio e inefficaz. - Seria inutil e tornar-se-ia ridiculo. - È preciso, repito, não misturar nem confundir o direito com a pendencia no uso d'elle,- com a opportunidade.- cousas differentes.-

Eu tenho incontestavelmente o direito de inspecção ou de fiscalisação sobre o modo como as leis são observadas e executadas por quaesquer funccionarios publicos, administrativos ou judiciaes;- eu tenho direito de fiscalisar parlamentarmente se as leis que garantem a liberdade dos cidadãos são observadas; e tenho o direito de accusar qualquer infracção que a essas leis se pratique, e logo, que se pratique, immediatamente que se pratique, qualquer que seja o estado de um processo pendente, aliás seria illusoria a fiscalisação, em vista do damno irreparavel que resultaria do attentado.- Esse direito pertence ás assembléas politicas e parlamentares, e portanto a cada um dos seus membros. - Como póde, pois, ser justa a censura tão áspera, que s. exa. me irrogou por trazer para aqui a discussão de um processo na parte que é relativa ao attentado contra a liberdade de um cidadão?- Se s. exa. me censurasse pela inconveniencia com que procedi, eu acceitaria a censura por vir de s. exa., cuja respeitabilidade acato e venero; mas contestar-me o direito de criticar o procedimento da policia e da justiça, n'esta parte, isso não póde ser.-E note-se que negar o meu direito é negar o direito da camara inteira, o do parlamento, o que equivale a decapitar o parlamento da attribuição mais essencial, mais efficaz e mais fecunda de que gosam todas as assembléas parlamentares modernas em diferença das antigas côrtes do reino, ás quaes cabia só a faculdade legislativa, mas não a imperativa.

Repito mais uma vez que é preciso não confundir o uso com o abuso, o direito com a prudencia, e com a opportunidade de o exercer. Digo ainda mais, que nos processos crimes é preciso não confundir a questão de delinquencia com a observancia das fórmas externas do processo que garantem a liberdade, a segurança pessoal, ou a propria defeza.-Pois se houver um juiz tão despotico, tão arbitrario e tão injusto que impeça, por qualquer modo, a defeza, ha de esperar-se que o processo termine para verificar a responsabilidade d'esse juiz; para reclamar contra elle; para pedir-se-lhe a responsabilidade por meio da discussão dos seus actos na imprensa ou no parlamento?!!- Eu confesso que muito propositadamente soltei as palavras que proferi para provocar a contestação e offerecer-se-me assim ensejo para assentar a doutrina que reputo verdadeira, e sobre a qual hei de aproveitar qualquer outra occasião de poder sustental-a mais largamente.

Não posso, sr. presidente, abandonar o uso da palavra sem me referir ao que foi dito pelo insigne e respeitavel general, o ministro da guerra, em defeza de seus actos como ministro, e relativamente á portaria de 10 do novembro expedida ao tribunal superior de guerra e marinha. Na exposição do illustre general ha evidentemente um equivoco ou um falso supposto. Aquelle tribunal não se queixa dos actos do ministerio da guerra anteriores ao julgamento dos tres processos que foram annullados.- O tribunal nada tem, nem póde ter, com as ordens e instrucções, publicas ou confidenciaes, que foram dadas ao commandante da divisão para qualquer fim. O tribunal não póde conhecer dos actos administrativos do ministro da guerra, nem do commandante da divisão; mas póde conhecer, e conheceu, dos actos jurisdicionaes d'esse commandante. Que o general mandasse, ou não mandasse, um certo major commandar um batalhão; que o mandasse por iniciativa propria ou por indicação da secretaria, com isso nada tem o tribunal militar.

O tribunal apreciou, só e unicamente, a legalidade com que um certo major foi excluido da nomeação, ou antes, da designação para o conselho de guerra, sendo, como era, o primeiro na escala. - A nomeação dos vogaes dos conselhos de guerra não é acto do commando, nem de administração, mas sim de jurisdicção, e como tal está sob a fiscalisação e inspecção do tribunal superior, que deve conhecer da legalidade da composição do conselho de guerra.- Ora, posto isto como principio, eu devo dizer que tres processos num dos quaes se impunha a pena de morte a

Página 9

SESSÃO N.° 6 DE 19 DE JAHEIRO DE 1892 9

um soldado, e a da exautoração com degredo a dois sargentos, foram annullados por illegalidade da composição do conselho de guerra, tendo sido nomeado um certo major em logar de outro. - O tribunal fundamentou a sua decisão dizendo que pelo processo não se verificava que esse major excluido estivesse no dia 1 de abril commandando um batalhão isolado, antes sim se verificara que pó foi commandal-o no dia! 7, e que portanto não tinha havido motivo, nem pretexto, para que elle, no dia l, tivesse sido excluido da nomeação.

Allegava-se ao principio, para sustentar a nomeação feita pelo general da divisão, que esse major no dia,1 de abril commandava um batalhão isolado, e depois disse-se que, com effeito, elle não commandava, mas que estafai prevenido para ir commandar, e o tribunal julgou que estando o major Cerqueira, no dia 1 de abril, apto para entrar; na composição do conselho de guerra; que não lhe assistindo n'esse dia nenhuma causa de escusa, de incompatibilidaae ou exclusão; que estando, como tal inscripto na lista ou escola;- que não sendo reconhecida pelas leis militares a situação de prevenido, a qual é arbitraria e illegal, o conselho fôra illegalmente constituido e a sentença era nulla.

E que resultou de tudo isto? Resultou que no dia 10 de novembro foi excedida ao tribunal superior uma portaria, na qual incidentalmente se dizia que a rasão justificativa da exclusão d'aquelle major fôra porque estava commandando um batalhão isolado, tendo o tribunal dito, no seu accordão, o contrario, tendo dito que elle no dia 1 de abril não commandava esse batalhão, mas que só entrára no commando sete dias depois.- E não será isto contradizer na portaria os fundamentos do acordão? Podia o ministro n'uma portaria dizer e affirmar que estava provado aquillo que o tribunal havia dito que não estava provado? Tinha competencia, jurisdicção ou auctoridade para isso? Para dizer o contrario do que o tribunal affirmou ? Para contrariar os fundamentos da sentença, quer quanto aos factos quer quanto ao direito?!- Que força moral fica tendo a decisão do tribunal desde que o ministro, por uma portaria, affirma o contrario do que foi julgado pelo tribunal? - Não é na resolução confidencial, anterior ao accordão, que está o conflito. O conflicto está em dizer a portaria que o major Cerqueira no dia 1 de abril commandava um batalhão isolado e um tribunal ter dito o centrarão. Está em que o ministro afirmou que isso era causa justificativa da exclusão, e em o tribunal ter dita o contraria, e, que a exclusão importava nullidade do processo. Está em a portaria dizer que sim e em o tribunal ter dito que não. Quem é que tinha direito a affirmar ou a negar? O tribunal ou o ministro?! Não quero persuadir-me que houvesse intenção no ministro estabelecer um conflicto, ou desacatar o tribunal, mas o facto é incontestavel.

Tudo isto se poderia ter remediado logo emendando o erro ou o equivoco, e eu procurei emendal-o, mas a vaidade de secretaria para secretaria não o consentiu.

O meu fim contento, instando n'este caso para que outros iguaes se não repitam. O tribunal não póde acceitar indicações, sobre o que ha de julgar, nem censuras sobre o que julgou, Nada mais tenho a dizer, Insto pela interpellação.

O sr. Thomás Ribeiro: - Pedi a palavra porque me parece que o digno par sr. Barros e Sá, queria fazer a avocação de processos ainda pendentes.

Eu ia protestar contra isto, porque receiava que algum dos srs. ministros lhe dissesse que sim; mas como o governo não deu resposta alguma, nada tenho que ponderar.

O sr. Mexia Salema: - A v. exa., sr. presidente, e á camara, de certo fará uma grande surpreza pedir eu a palavra e levantar a minha humilda voz n'uma sessão tão solemne como esta, da ainda recepção e apreciação do novo e esperançoso ministerio; um sentimento, porém, de dignidade me força a isso, e hão podia ficar, silencioso sem desar.

Sr. presidente, honro-me de pertencer á classe da magistratura judicial, occupando n'ella alto logar como membro do supremo tribunal de justiça, e estando n'esta casa, não pude ouvir a sangue frio as asserções apresentadas pelo meu illustre amigo o sr. Barros e Sá, com offensa do poder judicial.

Disse s. exa. que o poder judicial se tornava submisso aos dictames da imprensa. Por estas ou por outras palavras, foi isto o que s. exa. affirmou.

Ora, sr. presidente, a um qualquer que não conheça cousa alguma do que é a ordem do poder judicial portuguez, não me admiraria de ouvir dizer, permitta-se-me a palavra, uma blasphemia tal; porém, o que me causa estranheza e que um dignissimo magistrado, como é o digno par o sr, Barros e Sá, que já foi ministro da justiça e que sabe perfeitamente a elevação de caracter dos que exercem aquelle poder, mal remunerados, sim, mas sempre honrados, (Muitos apoiados.) venha proferir as affirmativas que ha pouco lhe ouvimos e que tanto magoam!

E não e para admirar isto somente, mas ha mais. S. exa., tão intelligente e sabedor, como é, veiu trazer para aqui, ainda em desprimor dos tribunaes judiciaes, ao que já se referiu, em uma censura, o digno par e meu especial e antigo amigo õ sr. Thomás Ribeiro, a questão de dois processos celebres que estão na tela judiciaria, um em Lisboa e outro no Porto, dizendo que esses processos são tumultuarios!

Não sei se o são e nem se o não são; e lá estão os competentes tribunaes para verem e julgarem, como lhes cumpre, o que é justo e o que não é justo. (Apoiados.)

Espere-se e acate-se esse exame e esse julgamento, e não se queira com essas e outras asserções tirar a força indispensavel para o bem publico ao poder judicial.

A camara desculpará o ardor com que levantei as expressões do meu illustre amigo e collega, e estou persuadido de que s. exa. reflectindo um pouco, ha de sentir remorsos de as ter pronunciado, e desculpe-me tambem s. exa. este modo de exprimir o meu sentimento.

Sr. presidente, terminando este protesto, que achei dever aqui consignar pelo respeito devido aos nossos tribunaes de justiça, desejo por ultimo declarar a v. exa. e á camara, que, se estivera presente o nosso collega o digno par sr. Brandão, meu muito dedicado amigo e meu venerado presidente no supremo tribunal de justiça, eu não teria tomado a palavra, porque estou certo de que s. exa. a tomaria, para dar a condigna e melhor resposta ao que foi dito pelo sr. Barros e Sá sem rasão alguma. (Muitos apoiados.)

Trotam-se .algumas breves explicações sobre este ponto e sobre o conflicto entre o ministerio da guerra e o tribunal superior de marinha e guerra,, entre os srs. João Chrysostomo e Barros e Sá.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Dias Ferreira): - Sr. presidente, não pedi a palavra ha mais tempo, porque não desejava fallar por mais de uma vez numa sessão em que estavam inscriptos tantos dignos pares e todos oradores distinctos.

Cumpre-me antes de tudo agradecer as palavras de benevolencia e de sympathia dirigidas a todos os ministros, e agradecer duplamente aquellas em que eu era abrangido, sendo todas palavras de louvor.

Sr. presidente, termina hoje a inquietação vivissima que tem preoccupado o meu espirito desde que eu tive a honra de acceitar o encargo de organisar o novo gabinete.

Eu receiava muito que o governo, apesar das luzes e esclarecido talento dos meus collegas, não tivesse a fortuna de ver lucidamente a situação debaixo do ponto de vista financeiro e politico e que elle fosse infeliz na escolha do terreno em que todos nos devemos encontrar para salvar a causa publica.

Felizmente, sr. presidente, as declarações que homem ouvi na camara dos senhores deputados e hoje na camara

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dos dignos pares do reino levam-me ao convencimento de que nós podemos vencer sem esforços sobrehumanos as dificuldades da situação.

Sr. presidente, estamos todos de accordo em conhecer que a situação, é grave.

Eu declaro por parte do governo, que a situação seria mais grave, se porventura entre os elementos preponderantes na vida politica, n'uma e n'outra casa do parlamento ou fóra d'elle, houvesse uma divergencia sobre o modo de comprehender a gravidade da situação.

Nós podemos divergir num ou noutro ponto capital, n'uma medida que o governo apresente ás côrtes, da que se adoptem providencias rapidas e largas para se poder caminhar para o equilibrio do orçamento do estado; n'este ponto estamos todos de accordo. Tudo mais é secundario.

Que vinguem ou não vinguem as providencias adoptadas pelo governo, que sejam substituidas ou alteradas por uma ou outra casa do parlamento, desde que essas providencias não digam respeito ao melhoramento da nossa situação financeira, para mira é absolutamente indifferente. O que me preoccupa é a causa publica e não outro assumpto. Á questão da causa publica anda ligada a situação financeira e economica do paiz.

Com a mesma clareza, com a mesma energia, com o mesmo sentido com que eu o disse na outra casa do parlamento, digo igualmente n'esta camara que as difficuldades da situação se podem resolver sem esforços sobrehumanos, e que o paiz póde estar assegurado de que a situação financeira ha de tomar um aspecto perfeitamente differente.

A questão social depende de muitas circumstancias e especialmente da situação financeira, que é o que mais nos deve preoccupar.

Feita esta declaração nas palavras mais rapidas e mais laconicas que eu pude empregar para deixar bem accentuado o meu pensamento, digo que não estamos n'uma situação desesperada, mas n'uma situação difficil, se bem vencivel sem a maxima difficuldade, desde que o parlamento e os elementos preponderantes poderam accordar-se no modo de reconhecera gravidade da situação e nos meios necessarios para a salvar.

Dada esta explicação, não posso deixar de responder tambem ás perguntas do digno par o sr. Barros e Sá, com respeito ás interpellações annunciadas por, s. exa. uma ácerca da justiça criminal e a outra a respeito da disciplina do exercito, dizendo a s. exa. que essas interpellações hão de seguir os tramites parlamentares, e que o governo está prompto para responder logo que o digno presidente d'esta camara entenda dever dai-as para ordem do dia.

Tambem o digno par o sr. D. Luiz da camara Leme fez duas perguntas ao governo, perguntas que eu cortei de um jornal onde estão mais fielmente transcriptas as questões parlamentares, e paço a s. exa. a bondade de corrigir qualquer erro que porventura haja no que vou ler á camara.

Disse s. exa.

"Ouvi com toda a attenção o programma do sr. presidente do conselho, mas ha um ponto que sinto não ver nelle incluido: é a minha malfadada questão das incompatibilidades politicas.

"E a esse respeito desejo saber do presidente do conselho quaes as suas opiniões ácerca d'essa lei, que está pendente d'esta camara.

"Agora, porém, quero mais do que as incompatibilidades: quero uma lei de responsabilidade ministerial."

Ora eu respondo muito rapidamente ás duas perguntas de s. exa.

Com relação á primeira, á lei de responsabilidade ministerial, eu devo dizer a s. exa. que sempre foi para mim desnecessaria, porque com a carta constitucional e como a lei de 15 de fevereiro de 1849, os desejos do digno par ficam completamente satisfeitos.

Como s. exa. sabe, a carta determina positivamente quaes os crimes pelos quaes são responsaveis os ministros distado, assim como qual o tribunal que os ha de julgar, que é a camara dos dignos pares, e, para que nada falte, até declara que o decretamento de accusação é uma attribuição privativa da camara dos senhores deputados, e que o procurador geral da corôa é quem accusa.

Portanto, aqui temos o direito, temos a competencia do tribunal, a competencia da pessoa e os tramites do processo.

Por isso julgo desnecessaria a lei a que o digno par se referiu.

Mas, sr. presidente, isto não é mais do que a minha opinião individual.

Em todo o caso, não me recuso a associar-me a uma providencia reguladora que ponha termo a todas as duvidas que porventura ainda haja sobre o assumpto.

Mas não apresentará agora o governo nenhuma proposta de lei sobre tal assumpto, porque não quer misturar n'este momento nenhuma outra questão áquella que, sobre todas o preoccupa, a do equilibrio das finanças do estado. (Apoiados.)

Fallou tambem o digno par o sr. Camara Leme na questão das incompatibilidades. Ora eu não conheço bem o projecto de lei de s. exa.; mas devo dizer á camara que com relação aos ministros está esse assumpto já providenciado por lei. Póde-se providenciar com relação aos membros do parlamento, e já mesmo algumas incompatibilidades estiveram estabelecidas, não para os dignos pares, mas para os srs. deputados, que não podiam, por exemplo, ser directores de companhias.

No emtanto, por uma lei de accordo politico acabou-se com essas incompatibilidades.

O governo declara pois, positivamente, que não formulará proposta alguma a este respeito, porque não sairá da sua esphera de acção, nem tomará a iniciativa n'um assumpto que directa e exclusivamente diz respeito aos membros de uma e de outra casa do parlamento, mas desde que uma commissão de incompatibilidades parlamentares proceder a quaesquer trabalhos e peça o comparecimento do governo, este estará prompto a comparecer no seio d'essa commissão e ahi dirá desassombradamente a sua opinião.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto. A seguinte sessão terá logar sabbado, 23; a ordem do dia será a discussão dos pareceres que já estavam dados para ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas menos dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 19 de janeiro de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Duque de Palmella; Marquezes: de Pomares, de Pombal, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes: da Arriaga, d'Ávila, de Bertiandos, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Castro, de Ficalho, da Folgosa, de Gouveia, de S. Januario, de Lagoaça, de Linhares, de Paraty, de Thomar, de Valbom; Bispo de Bethsaida; Viscondes; de Alemquer, de Chancelleiros, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Sousa Fonseca; Agostinho Ornellas, Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Sousa, e Silva, Antonio Candido, Antonio José Teixeira. Serpa Pimentel Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bazilio Cabral, Pal-

Página 11

SESSÃO N.° 6 DE 19 DE JANEIRO DE 1892 11

meirim, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Costa e Silva, Margiochi, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, João Chrysostomo, Alves de Sá, Holbeche, Mendonça Cortez, Trigueiros Martel, Gusmão, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mexia

Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Camara Leme, Pessoa de Amorim Marçal Pacheco, Franzini, Mathias de Carvalho, Polycarpo, Anjos, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho.

O redactor- Ulpio Veiga.

Página 12

Página 13

APPENDICE Á SESSÃO N.°6 DE 19 DE JANEIRO DE 1892 13

O sr. Antonio Candido: - Sr. presidente, na apresentação de um novo ministerio é costume sómente fallarem os chefes dos partidos ou aquelles que por qualquer rasão se julgam interpretes de um grupo, de uma classe ou de uma opinião importante. Evidentemente eu não estou n'este caso. Mas a summa gravidade d'este momento leva-me a pedir a v. exa. e á camara que me permitiam deixar, na memoria d'esta sessão, o testemunho dos sentimentos que o ministerio inspira, e algumas das muitas considerações que a presente hora me suggere.

Se podesse adivinhar que a palavra me ficava para hoje, não a teria pedido. Pensei que a inscripção se esgotasse hontem. Custa-me realmente contribuir para a perda de algum tempo, quando todo é pouco para as graves locubrações dos srs. ministros e para as urgentes deliberações do parlamento.

Digo desde já a v. exa. e á camara que tenho no actual ministerio inteira, plena confiança. Póde o ministerio contar n'esta casa do parlamento, unica esphera da minha acção politica, com o meu mais decidido apoio e com a mais leal e util cooperação que as minhas forcas possam prestar-lhe. E procedendo assim cumpro o meu dever; e cumpro-o, sr. presidente, com a consciencia que me manda collocar-me ao lado de quem se sacrifica pelo bem publico, e com o coração que me faz querer e desejar a legitima gloria d'aquelles que pelo seu talento ou virtudes me merecem sympathia ou respeito.

N'esta benevola disposição incluo todos os: ministros actuaes - sem excepção: os que tenho a boa fortuna de contar entre os meus amigos pessoaes, e os que, não estando n'este caso, devo acatar pelas suas faculdades e pelos seus serviços ao paiz.

Sr. presidente, eu creio que ainda, se não formou em Portugal ministerio a que a opinião publica exigisse tanto como a este. As nossas questões sociaes, existentes desde muito, aggravadas de dia para dia, assumiram agora o seu estado agudo. Se não as resolvermos em alguns mezes... não as resolvemos nós! Isto, dito muitas vezes, é agora de absoluta verdade.

O tempo que nos resta, e não é muito, não o marcará a nossa indolencia; mede-o, conta-o quem se não deixará illudir...

Por outro lado, este ministerio, trazido ao poder por uma força superior, independente de combinações partidarias, é composto de homens de tão assignalado merecimento e de tão profunda, tão radical divergencia em relação ás praticas da administração e aos costumes da politica, que até os menos crentes, os que ordinariamente trazem a imaginação escura e o coração pesado, são agora obrigados a esperar alguma cousa nova e boa.

Eu, pela minha parte, espero tudo que melhor se póde esperar n'este momento; e será grande o meu luto, grande o luto da nação se agora não se fizer, finalmente, o que se deve fazer.

Sei que não assombro o animo aos srs. ministros fallando-lhes nas suas responsabilidades. Se muito se exige ao governo, é porque elle realmente muito póde; um governo, nas condições do actual, tem quanta força; precisa para se desempenhar da sua missão. Quem se lhe póde oppor efficazmente?! Onde ha ahi a negregada coragem de obstruir o caminho a este ministerio que é, e ai de nós se não é! um ministerio de salvação publica?! (Muitos apoiados.)

O programma do novo ministerio, que hontem aqui nos apresentou o sr. presidente do conselho n'aquella vibrante claridade em que se gera sempre o seu pensamento e a sua eloquencia, é o mais momentoso que tem vindo ao parlamento. Mas podia deixar de vir?!...

Esse programma não é a summula de uma escola, nem o lemma de um partido; é a imposição fatal do estado do paiz, e grande, serviço fez já o governo, encarando de frente as enormes dificuldades que nos assoberbam e oppondo-lhes o meio que julga efficaz para as vencer ou reduzir...

Custa ter de annunciar aos credores do estado que o estado não poderá solver os seus compromissos sem os modificar desde já?! É duro ter de cercear os vencimentos dos empregados publicos, tão desproporcionaes ás difficuldades da vida, sujeitando-os a uma nova contribuição progressiva?! Ter-se-ha de pedir á pobreza publica do paiz novos sacrificios, quando a agricultura definha, o commercio se retrahe e a industria relucta penosamente para dar alguns passos?!

Mas é preciso, mas é indispensavel; e deve-se tudo á patria, quando a patria está em perigo.

Creio, sr. presidente, que a propria agudeza do mal ha de facilitar o meio de o combater; e por isso digo ao meu nobre e querido amigo, o sr. Oliveira Martins, que agradeça á sua boa estrella havel-o trazido ao governo n'este momento angustioso. Veiu em boa hora a parte do programma que diz respeito á sua futura gerencia. Se fosse apresentada mais cedo levantaria uma onda tão grande de imprecações e de protestos, que a sua lucida previsão ficaria annullada, e a sua coragem moral sossobraria talvez! (Apoiados.} Hoje não ha quem não veja que é isso, e nada menos do que isso, o que se impõe como scopo immediato e obrigação impreterivel ao ministro da fazenda de Portugal.

Oxalá que elle possa cumprir este destino. Acompanham-no, n'esta prova suprema das suas brilhantes aptidões, a minha admiração e a minha amisade; e, para premio dos serviços que, porventura minha, possa prestar-lhe, só quero, alem da consciencia do dever cumprido, a consolação de ver bem collocado, n'uma culminante posição politica, quem já preside com gloria á sciencia social e ás letras do meu paiz.

Diz-se que não provam bem na politica os homens de letras. Isto só é verdade de uma certa politica, e de um certo genero de homens de letras. Para a politica habilidosa, astuciosa, ambiciosissima do poder atravez de tudo, escravisadora de povos e de partidos, a largueza do espirito, a faculdade critica, o esplendor da imaginação, não serão os melhores predicados; mas não é esta a politica do nosso tempo, e menos póde ser a do nosso paiz. (Apoiados.)

Por isso, folgo de ver no governo, ao serviço dos maiores interesses da administração publica, as mesmas grandes faculdades com que Macaulay elevou a politica ingleza, com que Thiers e Guizot ennobreceram a politica da França, com que Canovas dei Castillo, desde muito, e na hora presente, serve com honra a politica hespanhola.

O sr. Oliveira Martins tem a dirigil-o, na presidencia do conselho, o insigne jurisconsulto e eminente parlamentar que é, na sociedade politica portugueza, um dos homens de mais elevada estatura intellectual; no ministerio mais relacionado com o seu está o nobre visconde de Chancelleiros, honra e brazão d'esta camara, espirito fulgurantissimo, capaz da mais elevada comprehensão das cousas e da mais formosa e surprehendente eloquencia que póde relampaguear n'uma tribuna; e, dependendo tanto a questão da fazenda da gerencia colonial, felizmente a pasta do ultramar foi confiada ao vigoroso entendimento e á larga experiencia do sr. Ferreira do Amaral, que acrescentará agora um novo capitulo á longa historiados seus serviços publicos, de tanto lustre para o seu nome e de tanta utilidade para o paiz. (Apoiados.)

N'estas condições e com estes elementos creio que o ministerio ha de cumprir a sua missão financeira. Tem força em si; e externamente não existem obstaculos que lhe seja impossivel vencer.

Encontrará alguns embaraços. Apparecem sempre. A inveja ha de latir perto d'elle, tarde ou cedo; a intriga ha de pretender enleiar e enfraquecer a sua acção; os interesses feridos conjurar-se-hão, de certo, para o aggredir ou des-

8

Página 14

14 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gostar. Mas, para arcar com estas contrariedades, sei eu que os srs. ministros teem fortaleza de animo, de sobra. Por ultimo deixe-me v. exa. lembrar aos nobres ministros que a gratidão dos povos para com os homens que os servem politicamente, leva muito tempo a produzir-se, a manifestar-se; (Apoiados.) mas a consciencia do dever cumprido antecipa o goso da gloria, e eu não conheço maior gloria do que a de salvar uma nação ameaçada de ruina imminente no seu credito, na sua dignidade moral e talvez em alguma cousa mais...

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×