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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Sessão de 18 de abril de 1868
Presidencia do ex.mo sr. duque de Loulé
Secretarios os dignos pares Marquez de Sabugosa
Visconde de Soares Franco.
(Presentes os ex.mos srs. presidente do conselho e ministro
do reino e dos estrangeiros conde d'Avila, ministro das obras
publicas Sebastião do Canto, ministro da guerra general
Magalhães).
Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 21 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.
Lida a acta da precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.
Deu-se conta da seguinte
Correspondencia,
Um officio do ministerio do reino, em resposta ao officio datado de 16 do corrente, participando, para os fins convenientes, que Sua Magestade El-Rei tem resolvido receber na proxima segunda feira, 20 de abril, pela uma hora da tarde, no real paço de Belem, a deputação da camara dos dignos pares, encarregada de levar ao conhecimento do mesmo augusto senhor que se acha instalada a mencionada camara.
Teve o competente destino.
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Um officio do ministerio do reino, accusando a recepção do officio que participava achar-se organisada a mesa da camara dos dignos pares do reino para a actual sessão legislativa.
Teve o competente destino.
O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente", pedi a palavra para declarar a V. ex.ª e á camara que o digno par o sr. visconde de Algés não tem comparecido ás sessões, nem comparece ainda hoje, por incommodo de saude.
O sr. Presidente: — A primeira parte da ordem do dia era a eleição de um digno par para a commissão administrativa; como porém se acham presentes os srs. ministros, julgo que a camara quererá que se passe desde já ás interpellações annunciadas (apoiados).
Como não ha quem se opponha a que assim se proceda, dou a palavra ao digno par o sr. Rebello da Silva.
O sr. Rebello da Silva: — Expoz ter annunciado na sessão passada uma interpellação, com o fim de provocar da parte do governo algumas explicações que podessem revelar o verdadeiro estado da questão relativa ás subsistencias, porque deseja que a camara seja informada da opinião do governo a respeito da questão geral, e bem assim das providencias que adoptou ou pretende adoptar para a resolver.
Reduziria a poucas palavras a sua interpellação, sendo inutil acrescentar que em um assumpto d'esta gravidade ella não tem outra importancia que não seja a da propria questão. Elle, orador; era incapaz de fazer questão politica de um assumpto d'esta natureza, ou de querer por qualquer modo lisongear paixões n'um tal assumpto.
A camara sabe, como consta dos diversos orgãos da imprensa do paiz, que se tem levantado no animo dos povos de algumas localidades apprehensões ácerca de uma supposta falta de subsistencias, que julgam devida á exportação dos milhos, attribuindo a ignorancia e a rudeza de alguns essa exportação á idéa de distillar os cereaes para fazer aguardente, tendo alguns supposto que são destinados ao fabrico do sabão. Elle, orador, não sabe que manipulação elles entendem que se possa fazer para este effeito com os cereaes! Mas o que é certo é que a apprehensão existe!
Ora, pelas informações que tom colhido, informações que não apresenta officialmente, mas para as quaes chama a attenção da camara, vê-se que a exportação é de 14:000 moios, exportação esta muito inferior ao consumo, porque felizmente o anno passado a colheita de cereaes foi abundantissima, regulando 54 por cento sobre a ordinaria.
Emquanto á importação tenho noticia que foi em 1867, pelos portos seccos e molhados, 45.565:664 kilogrammas ou 75:942 moios ou 4.556:566 alqueires, que a 524 réis o alqueire sommam 2.876:822$379 réis; a 20 alqueires, por anno para cada individuo, vê-se que o supprimento de cereaes importados é para 227:828 habitantes.
Representa portanto esta importação um supprimento muito sufficiente com relação ás nossas necessidades, e todos sabem que infelizmente desde 1855 a nossa producção não é proporcional ao consumo.
Portanto como não é sempre nos mercados e nas feiras que se encontra a relação do verdadeiro estado dos cereaes, entende dever interrogar o governo sobre este assumpto como meio de conhecer a verdade, e ao mesmo tempo desejava saber se os individuos que têem mais ou menos tentado essas reuniões de que resultou a perturbação da ordem publica, e em alguns pontos ainda mais do que isso, uma especie de coacção imposta pelo povo á livre circulação dos generos, desejava saber, repetia, se, com relação a esses individuos, do exame das auctoridades resultou já para o governo conhecimento sufficiente para que possa saber a origem d'esses acontecimentos, porque não lhe parece natural, antes mui perigoso, que se estejam incutindo idéas sob uma fórma que ellas não têem, nem exprimem a realidade d'essas mesmas idéas. Entende que este estado de cousas, que estas idéas erroneas, devem ser combatidas como nos paizes constitucionaes o podem e devem ser, isto é, por meio da persuasão e da publicidade.
Reservava-se ainda a palavra para depois de s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas ter fallado; e mais desejava saber se o governo na generalidade d'esta importante questão podia dar as explicações que lhe parecem necessarias; se entende que se deve suspender a exportação absolutamente, e desde já; ou se entende que em vista do estado actual ainda não pôde ter logar essa suspensão de exportação, mantendo-se assim o principio da liberdade do commercio e do consumo. N
O sr. Ministro das Obras Publicas (Canto e Castro): — Sr. presidente, o grave assumpto a que tenho de responder comprehende duas questões, uma politica e outra economica. Quanto á primeira responderá o meu collega o nobre presidente do conselho, quanto á segunda direi que, apenas constou ao governo que alguns concelhos da provincia do norte se insurgiam contra o principio da livre troca, tratou de se informar do estado da producção do anno anterior. Pelos dados estatisticos se vê que a producção nas provincias do sul foi de 50 por cento menos que no anno anterior, mas que na provincia do norte foi mais um terço do que no referido anno.
Quanto ao abastecimento das provincias do sul o governo considerou que, visto estarem os portos abertos, a importação por consequencia devia abastecer os respectivos mercados. Com a provincia do norte dava-se a mesma rasão, havendo ahi, como disse, producção a mais. Alem d'isso, como muito bem disse o digno par, apenas foram exportados 12:000 moios de milho, 6:000 para os portos do sul e 6:000 para o estrangeiro.
Agora com relação ao preço dos cereaes, sem fallarmos nos districtos de Castello Branco e de Traz os Montes, que se acham em circumstancias especiaes, esses preços não
eram tão excessivos que causassem graves receios, nem tão baixos que fossem favoraveis a exportação. Este estado que se podia considerar normal foi aggravado por quatro circumstancias extraordinarias: 1.°, a falta de chuvas; 2.°, como consequencia, a falta de trabalho; 3.°, os motins populares; 4.°, a guerra do Brazil com o Paraguay. N'estas circumstancias o governo, não querendo tomar sobre si a responsabilidade de adoptar uma medida tão grave qual a da prohibição da exportação, medida esta que não está de accordo com os bons principios da livre troca, entendeu dever, consultar o conselho do commercio, governadores civis e as pessoas mais entendidas que o podessem aconselhar. Tendo-se reunido o conselho do commercio a 11 e 30 de março, foi unanimemente de opinião que o governo não devia prohibir a exportação senão em circumstancias que me abstenho aqui de referir.
Da mesma opinião foram os governadores civis consultados sobre este assumpto; apenas um governador civil e uma camara municipal importante foram de opinião que se devia prohibir a exportação dos cereaes, não tanto como medida de que esperassem grande resultado, mas como de expediente até acabarem as circumstancias excepcionaes. Desejando porém o governo saber qual o effeito benefico que tinha resultado das ultimas chuvas em geral, interrogou sobre este ponto os governadores civis e os intendentes de pecuaria dos diversos districtos do paiz, e d'elles recebeu as seguintes participações (leu).
Em vista d'estes factos entendeu o governo dever voltar toda a sua attenção para o desenvolvimento dos trabalhos como meio de attenuar a crise, e para isto deu ordem a todos os directores de obras publicas dos districtos aonde havia estudos approvados, e nas condições de se porem em pratica, para que desde logo lhes dessem execução, e tambem ordenou que o seu desenvolvimento fosse na proporção das verbas votadas.
Os trabalhos a que o governo mandou proceder são os seguintes (leu).
Para não estar a cansar a camara, direi apenas qual a extensão em que se ordenaram (leu).
O governo deu tambem instrucções aos governadores civis, para que activassem os trabalhos das estradas municipaes; e alem d'isso tenciona o governo voltar toda a sua attenção para a viação ordinaria.
Quanto á questão dos cereaes, se for necessario, o governo apresentará ao exame do parlamento as medidas que lhe parecerem mais convenientes.
O sr. Rebello da Silva: — Disse ter ouvido com satisfação as explicações do sr. ministro, porque na realidade ellas o confirmaram na idéa de que não deve haver n'este momento o menor receio com respeito á falta de cereaes; e pediria ao governo que desse toda a publicidade possivel a esses esclarecimentos. Ouviu tambem com satisfação que o governo não cuida nem julga que seja necessario prohibir a livre saída dos cereaes, o que só se deve fazer em circumstancias muito extraordinarias. Elle, orador, não leva a sua idolatria pelos principios economicos a ponto de dizer que as colonias devem morrer para se salvarem esses principios, mas entende que não é conveniente adoptar certas medidas senão em casos muito e muito excepcionaes e extraordinarios, que não acha que se dêem agora. Mais diria que n'este momento lhe parece que a prohibição não serviria para mais do que sanccionar um erro que existe, e um preconceito que data da idade media, porque as localidades oppõem-se quasi sempre á livre circulação dos generos.
Agora, quanto á maneira por que as paixões estão sendo excitadas, parece-lhe que o governo deve procurar chegar á origem d'esse facto, e proceder, procurando obter por todos os meios esclarecimentos bem positivos, da maneira mais conveniente ao paiz (apoiados).
Estas crises, posto que sempre graves, não são raras, e o que se está dando agora em Portugal, está succedendo tambem em muitas outras partes da Europa; mas como affectam muitos interesses, é sempre conveniente combate-las com circumspecção e com a devida perspicacia, para que vençam sempre os principios da rasão e da verdade.
Emquanto á crise do trabalho (ainda que este não foi o objecto da sua interpellação), entende tambem que o governo deve procurar empregar o maior numero de braços possivel; mas do mesmo modo presume, e com sinceridade o diz, que é impossivel que o governo tome sobre si o compromisso e a obrigação de dar trabalho a todos os braços, porque elle não tem meio de satisfazer esse compromisso, e porque isso lhe traria as mais graves consequencias. Para estas questões não ha senão um remedio, que desgraçadamente não é vulgar em Portugal, é a iniciativa collectiva e individual. Infelizmente, entre nós, todos temos a propensão de querermos que tudo nos venha do governo; recorremos a elle para tudo, queremos que elle nos dê o sol, a chuva, melhore as estações, etc.. É necessario, que vamos começando a descentralisação, para desfazer estas falsas idéas. Portanto a iniciativa particular deve ser um cooperador efficaz pára sairmos das difficuldades em que nos vemos, não lhe parece que se possa extranhar que o governo, pelos meios ao seu alcance, convide a benevolencia é caridade publica, para preparar alguns trabalhos que tendam a melhorar este estado de cousas. Quando o governo entenda que a crise é real, e não tenha meios de lhe poder acudir, não haverá remedio senão recorrer á faculdade da creação de sopas economicas, de cozinhas cooperativas, e de todos os outros meios que os governos illustrados, que se têem visto a braços com crises mais graves do que esta, têem empregado; mas de nenhum modo se deve estabelecer a consagração do principio de que o governo se pôde substituir á Providencia, e dar trabalho a quem precisa d'elle.
Devem desenganar-se aquelles que precisam de trabalho, que a primeira condição para o obterem é a maior ordem
e a maxima tranquillidade. Sem o respeito ás leis, sem a obediencia ás instituições, e sem o maior acatamento por todos os interesses, é impossivel que o trabalho se facilite. O trabalho não é senão o resultado da confiança nas leis e nas instituições, pois só ellas affiançam a cada um a sua propriedade, e o desenvolvimento da sua riqueza. Portanto fixem-se bem estes dois pontos: 1.°, que o governo não pôde dar trabalho senão n'uma limitada esphera; e 2.°, a necessidade de os operarios serem os primeiros a manter a ordem, porque elles são as primeiras victimas, não só pela miseria que soffrem as suas familias, mas porque expiam nas praças publicas os crimes que lhes foram suscitados.
Por consequencia dizia que se regosijava de que o estado das subsistencias não auctorise a agitação que tem havido, e que deseja que o governo facilite todo o trabalho, que for compativel com as faculdades do thesouro e com a nossa organisação administrativa, aos operarios que careçam d'elle; e que alem d'isso promova a cooperação de todos aquelles que possam ajudar a conjurar a crise, para que concorram, como é dever, a fim de evitar que ella se torne mais grave; e se for necessario appellar para a caridade publica, virtude que nunca foi esquecida n'este paiz em todas as crises que temos atravessado, como foram as da febre amarella e cholera morbus, não temamos recorrer a essa sublime virtude.
Portanto o fim da sua interpellação estava preenchido. Desejou provocar estas explicações por entender que, desde que o governo tinha apressado o praso para a convocação do parlamento, não o tinha feito senão para se pôr em contacto com os representantes da nação; e era do seu dever acrescentar que está disposto, no que diz respeito á ordem publica, a prestar todo o apoio aos actos constitucionaes que tenderem ao seu pleno restabelecimento, a bem das nossas instituições e da tranquillidade geral, pois n'um paiz pequeno, como o nosso, a alteração d'ella pôde ter gravissimos perigos no presente e terriveis no futuro.
Por consequencia repetia, que ha de dar todo o seu apoio aos actos que tenderem á manutenção da ordem; mas ia! de tambem ser rigoroso em provocar e exigir dos poderes publicos que cumpram a sua missão, restabelecendo a ordem e a tranquillidade por amor das instituições, em nome do bem geral, em nome do nosso futuro, em nome da nossa independencia e da nossa gloriosa civilisação (apoiados).
(Durante o discurso do precedente orador entrou o ex.mo sr. ministro da marinha, Amaral.)
O sr. Presidente: — Vae proceder-se á eleição de um digno par, que, conjunctamente com a mesa, deve fazer parte da commissão administrativa.
Feita a chamada verificou-se terem entrado na uma 29 listas, maioria absoluta 15.
O sr. Presidente: — Convido os dignos pares vice-secretarios, conde de Fonte Nova e Costa Lobo, para servirem de escrutinadores.
Corrido o escrutinio para a commissão administrativa, saíu eleito o ex.mo sr.
Fernandes Thomás, com...................27 votos.
Obtiveram tambem os ex.mos srs.
Conde de Cabral.......................... 1 voto.
Reis e Vasconcellos........................ 1 »
O sr. Presidente: — Vae proceder-se á eleição da commissão de legislação, que deve ser composta de sete membros.
Procedeu-se á chamada.
Foram convidados para escrutinadores os dignos pares vice-secretarios, conde de Fonte Nova e Costa Lobo.
Entraram na uma 27 listas, e saíram eleitos os dignos pares:
Ferrer, com.................:............26 votos.
Moraes Carvalho.......................... 25 »
Menezes Pita.............................23 »
Conde de Fornos..........................22 »
Sequeira Pinto............................20 »
Silva Ferrão.............................18 »
O sri Presidente: — Vae proceder-se á eleição da commissão dos negocios externos, que é composta de cinco membros.
Entraram na uma 26 listas, maioria absoluta 14. Saíram eleitos os dignos pares:
Rebello da Silva, com.....................22 votos.
Conde da Azinhaga......................19 s
Conde da Ponte..........................14 »
Casal Ribeiro.............................14 »
Faltou maioria absoluta ao quinto membro.
O sr. Conde de Peniche (sobre a ordem): — E para mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. presidente do conselho.
«Requeiro que' seja convidado o sr. presidente do conselho a vir a esta camara para responder a uma nota de interpellação que pretendo dirigir-lhe sobre os ultimos acontecimentos politicos, que tiveram logar na capital. = Conde de Peniche.»
Foi lida na mesa.
O sr. Presidente do Conselho: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem a palavra.
O sr. Presidente do Conselho (Conde d'Avila): — Ainda que me parece que o mais regular seria effectuarem-se as interpellações depois de constituida a camara dos senhores deputados; todavia não tenho duvida em dar aos meus collegas todas as explicações que elles possam desejar sobre o assumpto a que se refere a interpellação do sr. conde de Peniche, e se s. ex.ª a quer já effectuar, eu não tenho duvida em responder, porque me acho habilitado para isso.
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O sr. Presidente: — Os dignos pares, que approvam que I a nota de interpellação mandada para a mesa pelo digno par o sr. conde de Peniche tenha o competente destino, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Conde de Peniche: — A hora está um pouco adiantada, e sendo o objecto da minha interpellação importante, e estando na camara um pequeno numero de pares, parecia-me mais conveniente que se marcasse o dia em que o sr. presidente do conselho podesse vir aqui responder á minha interpellação.
O sr. Presidente do Conselho: — Sr. presidente, o que desejo é que a camara fique convencida de que eu não recuo diante da interpellação. O digno par mandou para a mesa uma nota de interpellação que diz ser importante e urgente, mas declara que não a quer effectuar por ir adiantada a sessão. Não me parece que haja falta de tempo para verificar a interpellação. São apenas quatro horas, e a sessão não acaba senão ás cinco. Por consequencia temos uma hora, e estou certo de que nem esse tempo será preciso para eu dar as explicações que o digno par requer. Repito que estou prompto a responder já, e peço á camara que note que não sou eu que recuo diante da interpellação, mas sim o digno par interpellante, apesar, torno a dizer, de a declarar urgente, e effectivamente o é.
O sr. Presidente: — Como ninguem pede a palavra vae proceder-se ao segundo escrutinio para a eleição de um membro que falta para a commissão dos negocios externos.
O sr. Presidente do Conselho: — Eu tenho a prevenir a camara de que não posso comparecer aqui nem na segunda feira nem na terça, nem provavelmente na quarta feira da proxima semana; por consequencia se a interpellação não se effectuar tão cedo não é por culpa minha. Hoje posso responder a ella, mas não posso comprometter-me a vir aqui tão breve, porque negocios importantes, que tenho a meu cargo, talvez me impossibilitem de o fazer.
O sr. Presidente: — Vae proceder-se á chamada.
Entraram na uma 25 listas, e saíu eleito o digno par:
Duque de Loulé, com...................... 20 votos
O sr. Marquez de Fronteira: — Declaro que por equivoco lancei na urna uma lista para a commissão de guerra._
O sr. Marquez de Souza Holstein: — Sr. presidente, annunciou-se ha pouco uma interpellação sobre um negocio importante ao sr. presidente do conselho. S. ex.ª disse que estava habilitado a responder hoje, mas que não podia comparecer tão breve. N'estes termos parecia-me que, vista a urgencia e gravidade do assumpto, e ser elle tão melindroso para o digno par interpellante, se devia verificar hoje a interpellação. A hora não está adiantada; são apenas quatro, e poderia prorogar-se a sessão. Eu estava escrevendo uma proposta n'este sentido quando V. ex.ª me deu a palavra, mas não pude terminar de a escrever. Portanto proponho que se consulte a camara se quer que se verifique já a interpellação, ainda que tenha de se prorogar a sessão (apoiados).
O sr. Conde de Peniche: — Sr. presidente, quando dirigi a minha interpellação foi na persuasão de que effectivamente a camara estava em numero sufficiente para funccionar. Não sei se está, mas ainda mesmo que o esteja não me parece esta a occasião propria para a effectuar, por isso que estão muito poucos dignos pares na camara, e o objecto sobre que a minha interpellação recáe é de gravidade, não só em relação ao paiz, como em relação a esta camara, e gravissimo em relação á minha pessoa. Desejava portanto muitissimo que á sessão em que se effectuasse a minha interpellação estivesse presente o maior numero de pares, e mesmo fosse mais concorrida do publico, a fim de que tivesse a maxima discussão e a maxima publicidade.
O sr. Presidente do Conselho: — Parece-me que as mesmas rasões que dá o sr. conde de Peniche, quanto á gravidade da interpellação provam a favor da proposta do sr. marquez de Sousa (apoiados). O digno par quer que a sessão seja bem concorrida, e que as galerias estejam cheias de espectadores; eu já tinha pensado, que eram estas as intenções do digno par, ainda que não sei o que tem que fazer as galerias com a interpellação. O facto é, que ha numero sufficiente de dignos pares para a camara funccionar, e tanto assim é, que se estão elegendo as commissões; logo tambem se podem verificar interpellações (apoiados). Já disse que ainda que julgasse não muito regular effectuarem-se interpellações antes de constituida a camara dos senhores deputados, entretanto em attenção á importancia do assumpto eu não tenho difficuldade nenhuma em dar todas as explicações á camara sobre o objecto indicado na interpellação do digno par.
Sr. presidente, sobre objecto analogo teve a palavra o digno par e meu illustre amigo o sr. Rebello da Silva, e eu abstive-me de tomar parte na interpellação de s. ex.ª; por que ella era dirigida ao meu collega das obras publicas, cuja resposta satisfez o digno par. O sr. Rebello da Silva, alludiu á agitação do paiz, e pareceu-lhe que n'essa agitação se revelava um certo plano, a respeito do qual talvez desejasse informações do governo. Eu entendo que a camara dos pares toma verdadeiramente a sua posição quando estygmatisa ou pelos seus actos ou pela palavra auctorisada dos seus membros, estas tentativas continuadas e permanentes para perturbar a ordem (apoiados). Eu não posso admittir que haja homens, por mais elevada que seja a sua posição, que se julguem com o direito de estarem constantemente a alterar a ordem publica sem respeito ás leis do paiz, arrastando a gente incauta á desordem e á perturbação da tranquillidade publica.
O sr. Conde de Peniche: — Mas diga V. ex.ª quem são esses homens?
O sr. Presidente do Conselho: — Di-lo-hei na interpellação. Não tenho difficuldade nenhuma, quando V. ex.ª fizer a sua interpellação, em provar com documentos authenticos, que tenho aqui n'esta pasta, quem são os provocadores da desordem.
Eu disse que tinha muito que fazer, e não sei o dia em que poderei vir aqui responder á interpellação. O digno par disse que tem pressa em verificar a sua interpellação, por que assim o exige a gravidade do assumpto, e a posição do digno par em relação ao paiz e a esta camara. Eu estou prompto e habilitado a responder já; portanto não ha inconveniente nenhum em que se verifique a sua interpellação agora (apoiados). Exprimo-me de proposito n'estes termos para ver se o digno par se resolve a fazer a sua interpellação desde já; assim o exige a sua dignidade como homem, como membro d'esta camara, e como cidadão portuguez.
O sr. Conde de Peniche: — V. ex.ª não me pôde dirigir insinuações, nem eu lh'as aceito. O motivo por que insisto em demorar a minha interpellação é justamente o que já alleguei. Não é quasi no fim da sessão, na ausencia da maior parte dos membros d'esta camara, e, por assim dizer, sem assistencia do publico, que esta interpellação deve ter logar. O objecto de que pretendo occupar-me é importantissimo, e por isso é necessario que elle tenha a maxima publicidade.
Mas, sr. presidente, ainda assim, talvez eu estivesse já um pouco resolvido a occupar-me desde já d'este assumpto; porém, em vista das insinuações que me acabam de ser feitas pelo sr. presidente do conselho de ministros, devo desde já declarar que não me resolvo tratar agora a questão, reservando-me para quando o paiz inteiro, se fosse possivel, possa vir assistir a ella, porque o negocio de que, trato é muito grave. Eu tenho de responder a allusões feitas pelo sr. presidente do conselho do ministros, porque entendo que não pratiquei um só acto que mereça ser censurado; alem d'isso, tenho de me referir a um facto importante, que apontarei quando se tratar da interpellação.
O sr. Presidente do Conselho: — Sr. presidente eu não fiz, nem farei allusões, fallei e continuarei a fallar com toda a clareza. O que só fiz foi avançar certas proposições, declarando ao mesmo tempo que tinha em meu poder os documentos necessarios para provar o que avançava. Sinto bastante que o digno par não diga qual é o facto, a que se refere; porque a minha consciencia diz-me que não ha facto algum que s. ex.ª possa produzir contra mim, que eu não possa igualmente rebater.
Deploro, que se tenham dado taes acontecimentos...
O sr. Conde de Peniche: — Também eu.
O Orador: — Pois a provocação parece-me que veiu da parte do digno par.
O sr. Conde de Peniche: — Está enganado.
O Orador: — Então d'onde veiu? Quem foi o culpado d'estes acontecimentos que se passaram aos olhos da capital inteira, que os viu com profunda resignação.
O sr. Conãe de Peniche: — Está completamente enganado. Os tumultos foram provocados por V. ex.ª O sr. ministro sabe-o perfeitamente.
O Orador: — Por mim? Pois é crivei que o governo possa ser censurado pelo facto de ter procurado repellir a anarchia e restabelecer a ordem publica, conforme o seu dever, e os desejos de todos os homens sensatos, e da maioria dos habitantes de Lisboa, cuja tranquillidade se achava ameaçada? Parece-me que não. Então quaes seriam os actos praticados por mim e em que o digno par achou culpabilidade? O sr. conde de Peniche, naturalmente, chama provocação da minha parte ao facto de ter eu aceitado a missão de formar o actual ministerio; se tal é, eu devo dizer-lhe que eu desconhecia inteiramente, quando aceitei e desempenhei essa missão, as intensões do digno par, e não estava informado das suas pretensões. Havia algum tempo que eu me achava fóra do paiz, e assim que cheguei a esta capital fui encarregado pelo augusto chefe do estado da formação do gabinete de que tenho a honra de fazer parte. Era uma missão importante e eu resolvi-a como pude e como sabia; mas pergunto: que culpa tenho eu de que o digno par não ficasse satisfeito com a solução, que eu dei á crise, e me fizesse desde logo uma opposição violenta, convertendo para esse fim uma associação eleitoral, e por consequencia ao abrigo da lei, n'uma associação politica, sem auctorisação do governo, na qual só se tratava de lhe crear embaraços, e de agitar o paiz para tornar impossivel o regular andamento dos negocios publicos?
O sr. Costa Lobo: — Se V. ex.ª me desse licença, eu precisava fazer uma pequena declaração. São apenas duas palavras.
O Orador: — Pois não.
O sr. Costa Lobo: — É uma explicação previa que vou dar, e que talvez seja util na continuação da discussão a respeito d'este assumpto.
Tenho a declarar que pertenci a um centro de que era presidente o digno par o sr. conde de Peniche. Também faziam parte d'elle os srs. barão de Villa Nova de Foscôa e Antonio Cabral de Sá Nogueira, e outros cavalheiros, cujos nomes é escusado citar. Esse centro era simplesmente formado para fins eleitoraes, e eu o considerei dissolvido e terminado desde o dia em que tiveram logar as ultimas eleições.
Todos os factos pois que se têem dado, as manifestações, as proclamações, esses comicios populares, emfim todos esses actos a que allude o illustre presidente do conselho, de facto, nem podiam ser, não são da responsabilidade do centro eleitoral, que nada tem que ver com elles. Eu pela minha parte declaro que sou completamente estranho a -esses factos, e que não tomei a minima parte n'elles nem directa nem indirectamente.
Sou obrigado a fazer esta declaração, porque no publico
e na imprensa se tem confundido o centro a que eu pertenci com essa outra associação de que falla o sr. ministro, e que eu não conheço; bem como se tem attribuido aquelle responsabilidades, que por fórma alguma lhe incumbem.
Se algum dos membros d'aquelle centro tem tomado parte em outras manifestações, é por sua conta propria, e debaixo da sua responsabilidade. Eu pela minha parte sou estranho completamente a tudo isso. Não entro agora na apreciação dos factos em questão, mas faço esta declaração que julgo conveniente fazer para esclarecer a questão.
Agradeço ao sr. presidente do conselho de ministros a bondade de me ter permittido dar esta explicação pessoal.
O sr. Presidente do Conselho (continuando): — Eu agradeço tambem ao digno par a declaração que fez e que esclarece muito a questão, vindo colloca-la no seu verdadeiro terreno. O centro eleitoral acabou quando se fizeram as eleições, como se sabe, a 22 de março, mas não acabaram as suas reuniões, alterando-se essencialmente as suas funcções.
O sr. Conde de Peniche: — Ainda faltava uma eleição.
O Orador: — Faltava uma eleição, é verdade, mas era para tratar d'essa eleição que se pregava nas reuniões do centro que se queriam côrtes constituintes, a constituição de 1838, a guarda nacional, e não sei que mais? Póde-se negar isto? Pôde negar-se que se distribuiram n'essas reuniões papelinhos de cores com estas indicações, os quaes se mandaram distribuir depois nos theatros, e nos logares publicos da capital? Em vista da transformação do centro eleitoral occupando-se de assumptos completamente estranhos a negocios de eleições, e para se occupar dos quaes não estava auctorisado, mandou a auctoridade administrativa intimar-lhe que se dissolvesse. A associação obedeceu; mas immediatamente se transformou n'um chamado comicio popular, que se reunia todas as noites em casa do sr. conde de Peniche, com uma mesa permanente, comicio que desobedeceu constantemente a todas as ordens da auctoridade, como o proprio sr. conde de Peniche fez conhecer do publico em manifestos que publicava quasi todos os dias, e que eram verdadeiras provocações á revolta, como posso provar com os mesmos manifestos que tenho aqui. O sr. conde de Peniche não deixou ignorada circumstancia alguma a este respeito. Eram manifestos sobre manifestos, repito, que só podiam ter por fim agitar o paiz, e chamar o povo á revolta. Referem esses manifestos que s. ex.ª se limitou a participar á auctoridade administrativa que ía fazer reuniões em sua casa para tratar da crise da falta de trabalho, crise que lá tinha sido feita, e para a qual havia mandado vir operarios de fóra da capital (apoiados).
O sr. Conde de Peniche: — Isso é inexacto; eu não mandei vir ninguem.
O Orador: — Mandaram-se vir operarios de fóra, repito. Publicaram-se para isso annuncios na estrada de Bemfica, chamando os operarios a Lisboa, e toda a capital os viu. Fez-se mais: seduziram-se os operarios das estações publicas. Só dos que trabalhavam no arsenal da marinha faltaram no dia 11 cento e dez. Não houve pois crise de trabalho; houve crise de operarios que fugiram ao trabalho, por suggestões, e provavelmente por" dinheiro, porque elles não deixariam o seu trabalho se não fossem pagos para isso.
A auctoridade mandou então intimar o sr. conde de Peniche para que não continuasse as taes reuniões em sua casa. O sr. conde desobedeceu; a auctoridade mandou autoar esta desobediencia, e remetteu o auto ao poder judicial. Nova reunião em casa do sr. conde de Peniche, nova intimação da parte da auctoridade: nova desobediencia por parte de s. ex.ª, novo auto remettido ao poder judicial. O sr. conde, ou a mesa da associação que se reunia em sua casa, declarou então estar em comicio permanente. Aqui tenho o manifesto em que se faz esta declaração, e é declarado tambem o governo traidor ao povo. Pergunto eu. Estes actos são regulares? Podem estes actos ser sustentados e justificados diante do paiz, sobretudo quando praticados por um membro d'esta camara?
Eu segui passo a passo todos estes desgraçados acontecimentos. Taxaram o governo de brando, exigiram-se d'elle medidas energicas; mas qual foi a causa d'essa brandura, que não nego? Foi a convicção, que eu tinha, de que uma repressão violenta só recairia sobre os incautos, sobre as pessoas que se haviam deixado seduzir, e não sobre os instigadores, não sobre o sr. conde de Peniche, não sobre a mesa dos comicios, que não appareciam no meio dos tumultos que provocavam. Quando a opinião indignada da capital exigia de mim, que mandasse dissolver pela força os grupos, que enchiam no dia 13 o largo das Duas Igrejas, eu fui ver quem eram as pessoas que os compunham, o só vi mulheres do povo, algumas com creanças ao collo, pessoas bem vestidas, que ali tinham parado, provavelmente por curiosidade; entre estas descobri alguns membros d'esta camara, que talvez me estejam ouvindo. Dos agitadores não vi nem um só. Uma dispersão violenta d'esses grupos só daria em resultado fazer victimas innocentes, e eu não a quiz ordenar, e applaudo-me d'isso. Adoptei outras medidas: mandei retirar a tropa, mandei fechar a secretaria do reino, e poucos momentos depois estava o largo completamente evacuado.
Fui prevenido de que no dia 11 se fazia uma grande manifestação na capital. Note a camara que as manifestações eram annunciadas publicamente, que se faziam convites para ellas, alguns dos quaes posso mostrar á camara, que se faziam igualmente convites para as reuniões que tinham logar quasi todas as noites no palacio do sr. conde de Peniche. S. ex.ª não presidia, mas dizia-se que estava nas salas de cima, em conferencia com o sr. visconde ' de Villa Nova de Foscôa, que não estava lá. Eu era informado de tudo isto (riso).
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Fui avisado tambem de que no domingo de Paschoa tinham vindo a minha casa, não sei quantos centos de operarios, pedir trabalho, e que não me achando tinham ido procurar-me ao ministerio do reino. Sabendo eu isto fui á secretaria, mas lá não appareceu ninguem. Na segunda feira immediata fui ao pago receber as ordens de El-Rei, e á vinda para o ministerio dos negocios estrangeiros, onde tinha que despachar, vieram avisar-me de que duzentos homens com uma commissão á sua frente tinham ido procurar-me ao ministerio do reino, e declarado que voltariam. Em consequencia d'isto dirigi-me logo áquelle ministerio.
Por esta occasião devo declarar que n'um dos manifestos, que saíram de casa de s. ex.ª, o sr. conde de Peniche, se dizia que eu havia dado hora para receber a commissão. Isto é completamente inexacto. A commissão não me pediu hora, nem eu por consequencia lh'a podia dar. Escreveu-se isto para lançar mais este odioso sobre mim, asseverando-se que eu dera hora á commissão, e que quando ella apparecêra eu a mandára prender!
Chegado á secretaria do reino encontrei ali o curioso documento, que vou ler, e cuja authenticidade o sr. conde de Peniche não poderá negar.
Este documento mostra evidentemente o que era essa reunião, d'onde saíra, o quem a convidava (leu):
«Ill.mo e ex.mo sr. — A mesa dos comicios populares...» O que é a mesa dos comicios populares? Estimaria que o sr. conde de Peniche me explicasse o que é a mesa dos comicios populares. E não é associação uma reunião com uma mesa permanente! E se é associação, como não pôde negar-se, quem a auctorisou? Uma associação em casa do sr. conde de Peniche, declarando-se permanentemente em acção, e mandando massas de chamados operarios ao governo, e lançando sobre este a responsabilidade dos actos irregulares, para lhe não dar outro nome, que ella praticava! E á frente de tudo isto um par do reino, dando este triste exemplo de falta de respeito pelas leis do seu paiz!
(Continua a ler):
«A mesa dos comicios populares tem a honra de prevenir a V. ex.ª que acabam de chegar ao palacio do ex.mo sr. conde do Peniche, na rua de S. Lazaro n.° 52, centenas de operarios que têem fome e pedem trabalho. Ao governo incumbe o imperioso dever de dar resolução á crise da fome; para o governo pois determinou a mesa dos comícios enviar o povo. E como a mesa dos comicios tem sido de sobra calumniada nas suas intenções, faz esta communicação a V. ex.ª, declinando sobre as auctoridades constituidas a responsabilidade de todos os factos posteriores á remessa do presente officio.»
O sr. Pinto Basto: — Quem assigna esse documento?
O sr. Presidente do Conselho: — É assignado pelo secretario da mesa. O sr. conde de Peniche deve saber quem é o secretario da mesa dos comicios.
O sr. Conde de Peniche: — Eu agora não entro n'isso.
O sr. Presidente do Conselho: — E faz bem; porque sabe que lhe posso apresentar outros documentos como este, assignados por s. ex.ª
Ora, sr. presidente, que devia eu fazer em taes circumstancias? A primeira cousa que fiz foi dar ordem para que, quando chegassem os duzentos operarios tem trabalho, se mandassem estacionar no largo das Duas Igrejas, e que fosse conduzido ao meu gabinete o presidente da chamada commissão; mas de repente sou avisado de que Lisboa estava aterrada, porque estes chamados operarios se tinham dividido em grupos, e andavam pedindo esmola nas ruas da baixa, entrando nas lojas de chapéu na cabeça (apoiados), de maneira que as portas se fecharam com medo de algum ataque á propriedade (apoiados). Entretanto n'um dos protestos do sr. conde de Peniche se asseverou que as portas se fechavam em signal do luto! (Riso.) A verdade é, sr. presidente, que foi com grande alegria que a capital viu que o governo, pelas medidas energicas que tinha adoptado, havia livrado a cidade d'aquelles visitantes. O sr. conde de Peniche está muito mal informado do que se passou na capital, se julga o contrario. O facto é, que muitos d'esses individuos formavam grandes grupos, que entravam nas lojas de chapéu na cabeça a pedir esmola, e isto em contravenção das leis e regulamentos, que prohibem a mendicidade, em conformidade com os quaes mandei prender pela guarda municipal todos esses mendicantes, com o fim do averiguar quaes eram entro elles os verdadeiros operarios sem trabalho, a fim de se providenciar da fórma possivel. A commissão, sendo composta, na sua quasi totalidade, de operarios, teve tambem o mesmo destino, e de tudo se lavraram os competentes autos que foram remettidos ao poder judicial, o qual é de esperar que cumpra o seu dever, pondo-se termo d'esta maneira á pretensão insolita de algumas pessoas que entendem que por meio da desordem hão de dominar o paiz, substituindo a sua acção á acção do governo e dos poderes publicos.
Limito-me por agora a estas explicações, porque estou persuadido de que serei obrigado a tomar de novo a palavra, e n'esse caso hei de completa-las. Agora o que posso dizer á camara, é que a tranquillidade está restabelecida na capital e no paiz, apesar das diligencias e provocações que se têem feito para que seja alterada; e então o que me parece que temos a fazer é esperar pelo procedimento do poder judicial sobre o assumpto, e não faltará occasião em que o sr. conde de Peniche tenha de se explicar largamente n'esta casa, ainda que n'uma situação provavelmente menos agradavel do que aquella em que está agora.
O sr. Conde de Peniche: — Eu insisto em que a minha interpellação fique reservada para outra sessão.
O sr. Presidente do Conselho: — Então parece-me que o digno par não terá o gosto de me interpellar.
O sr. Marquez de Souza Holstein: — Sr. presidente, eu peço a V. ex.ª que ponha o meu requerimento á votação.
O sr. Presidente: — O sr. conde de Peniche já declarou que não fazia hoje a sua interpellação.
O sr. Marquez de Souza Holstein: — Se o Sr. conde de Peniche não verifica hoje a sua interpellação, então peço licença para a fazer minha, e rogo a V. ex.ª que me conceda a palavra para este fim.
O sr. Presidente: — N'esse caso tem V. ex.ª a palavra.
O sr. Marquez de Souza Holstein: — Sr. presidente, são graves as circumstancias do paiz, agitado ha mezes por distúrbios e constantes perturbações da ordem, que põem em continuo sobresalto a grandissima maioria 'da população, que pede socego e paz. Versa sobre este assumpto a interpellação do digno par. E para sentir que s. ex.ª não julgasse opportuno dar seguimento áquella interpellação, havendo o sr. ministro do reino declarado que se achava habilitado a responder-lhe e que faltaria por estes dias á camara. Pela minha parte, e apesar de não vir preparado para tomar a palavra, pois ignorava completamente que se daria hoje este incidente, julgo do tanta gravidade e urgencia o caso, e tão necessario que o paiz seja quanto antes perfeitamente informado do que se tem passado, que não hesito em fazer minha á interpellação o em pedir ao sr. presidente do conselho mais algumas informações e explicações. Não convem de modo algum adiar este assumpto. Diga-se já ao paiz a verdade, toda a verdade. O sr. presidente do conselho apresentou alguns documentos, citou alguns factos, é mister que os outros documentos e os outros factos que s. ex.ª disse á camara poder ainda apresentar-lhe sejam quanto antes expostos e conhecidos.
Sr. presidente, eu não viria por certo provocar esta discussão. Julgo que o dever de todos os homens que sinceramente desejam a ordem e o restabelecimento da segurança é por ora afastar-se do questões que podem gravemente comprometter o socego do paiz. Não venhamos irritar paixões, cujo desencadeamento ainda ha pouco receiamos; busquemos antes acalma-las. Evitemos por emquanto discussões irritantes que exacerbam os animos o difficultam o restabelecimento completo da paz. Mais tarde, quando os motins houverem totalmente cessado, quando -a lei for acatada e respeitada, quando os distúrbios, que ha cerca de quatro mezes não cessam de ameaçar-nos, deixarem de ser imminentes, mais tarde pediremos explicações ao governo. Não é agora a occasião de examinarmos os actos dos srs. ministros nem de tomarmos contas a ss. ex.ªs Não deixará sem duvida a camara de opportunamente o fazer. Por ora a nossa missão é outra. Pedimos ao governo que nos dê ordem, pedimos-lhe que faça cumprir a lei, que mantenha a segurança individual, de que estivemos em riscos do nos acharmos privados em Lisboa, nos primeiros dias da semana passada.
Sr. presidente, se o governo carecer do meu fraco auxilio para este fim, declaro sinceramente a V. ex.ª o á camara que me achará a seu lado. Darei todo o apoio possivel ao governo no que respeitar o restabelecimento da ordem, mas reservo toda a minha liberdade do acção ácerca do quaesquer medidas de outra natureza. Ouço que os srs. ministros nos vão pedir um voto de confiança, nos vão apresentar a lei de meios, a fim do poderem em seguida encerrar o parlamento até janeiro. Não vivo na intimidade do ss. ex.ªs, nem do individuos que pertençam a esta situação. Não posso portanto conhecer estes segredos, mas francamente me compromette desde já a combater com todas as forças similhantes propostas, que julgo prejudiciaes e inconvenientes. Esporo porém que taes propostas se não realisem; nem posso crer que o parlamento fosse hontem aberto, para sem mesmo se tentar realisar o acanhado programma contido no discurso da corôa, se encerrar ámanhã. Seria demasiada fraqueza.
Sr. presidente, apesar das medidas adoptadas pelo governo, não podemos ainda dizer que a ordem esteja restabelecida. Em Lisboa cessaram as manifestações tumultuosas da semana passada, mas a confiança não voltou por emquanto. Todos os dias somos ameaçados de novos desacatos, de novas infracções á lei. Este estado de agitação permanente não devo ser tolerado. É indispensavel que se adoptem providencias efficazes (apoiados), que a vida e as fortunas não corram continuos riscos, que a industria e o commercio possam livre e desafogadamente exercer-se. Que tem o governo feito, que tenciona fazer, pois que evidentemente é insufficiente o que até aqui tem feito?
Mas, sr. presidente, o estado das provincias é muito mais ameaçador. Não se desenvolveu lá a revolução, mas segundo informações que tenho, e que julgo seguras, os animos estão inquietos; ha um mal estar geral que pôde de um momento para o outro manifestar-se em graves desordens. A mina está carregada, pôde facilmente fazer explosão; bastaria um acaso, uma circumstancia accidental, para que este caso se desse. Varias causas, entre as quaes avulta sem duvida o mau aspecto que apresenta a lavoura, contribuem para este effeito. Não vejo que se tomem providencias, e comtudo urge que se tomem. Esta manhã ainda recebi uma carta que do norte do reino me escreve pessoa de toda a minha confiança, pintando-me com feias cores o estado d'aquella parte do reino. Os povos não consentem que se transportem e vendam cereaes. Os carreiros que levam generos para as feiras, suo espancados. Isto não póde durar. Se ha quem especule com a anarchia, quem a procure excitar para! fins particulares o injustificaveis, seja qual for a sua posição e o seu nome, o paiz applaudira se energicamente forem reprimidas estas tentativas que me abstenho de qualificar.
Aguardo pois mais algumas explicações do governo, e termino fazendo votos para que o bom senso da nação se mantenha sempre afastado do terrivel expediente das revoluções, fataes sempre, quando as não provoca um regimen cujos males ainda sejam maiores do que os das proprias revoluções.
O sr. Presidente do Conselho: — Agradeço ao digno par, o sr. marquez de Sousa, as explicações que me pede, porque comprehendo perfeitamente o espirito com que s. ex.ª faz este pedido.
Com relação aos acontecimentos da capital, já disse o que podia dizer, e entendo que não devo ser mais explicito, porque o negocio está entregue ao poder judicial.
Eu não sei se está presente o digno par o sr. Rebello da Silva... (Vozes: — Está.) Então se está, devo dizer a s. ex.ª que, contando com esta interpellação, não tomei ha pouco a palavra para agradecer a s. ex.ª o brilhante e patriotico discurso que pronunciou no principio da sessão, discurso que é digno da sua elevada intelligencia e dos seus sentimentos a favor d'este paiz.
O digno par, o sr. Rebello da Silva, occupando-se de uma questão economica, a questão das subsistencias, expendeu a sua opinião com aquella lucidez e lealdade que o caracterisa, e por isso não teve duvida em declarar que lhe parecia ver na agitação que tinha havido em alguns pontos do reino, com o fim apparente de embaraçar a livre circulação dos cereaes, um plano de agitação extranho completamente á crise alimenticia, e com um caracter evidentemente politico.
Em relação á questão alimenticia, o governo tem-se occupado mui seriamente d'ella, e não podia deixar de se occupar, porque o contrario seria faltar ao seu mandato.
A primeira idéa que occorreu naturalmente, foi sem duvida a de ordenar a prohibição da exportação dos cereaes; mas o governo não devia deixar-se arrastar por esta idéa, sem ponderar todos os seus inconvenientes, sem examinar se essa providencia em logar de resolver a questão, não agravaria ainda mais a crise, porque a verdade é que a prohibição da exportação equivale á prohibição da importação (apoiados, e designadamente o sr. presidente). Podia-se adoptar como remedio para evitar este inconveniente a permissão da reexportação, mas o commercio é que talvez não ficasse muito satisfeito com esta violação de principios, e receiasse que a uma medida violenta se seguisse outra mais violenta ainda, e suspendesse as suas transacções.
Disse o meu illustre collega o sr. ministro das obras publicas, que um governador civil, aliás muito esclarecido, e bem assim uma camara municipal do uma povoação importantissima, tinham opinado pela prohibição da exportação dos cereaes; mas o que tambem é igualmente verdade é que esse mesmo governador civil, cuja illustração é bem conhecida, poucos dias depois de haver emittido aquella opinião, aconselhou o governo a que não prohibisse a exportação, porque reputava essa medida desnecessaria, e cheia de perigos. Effectivamente, a prohibição da exportação não se havia limitar á exportação para o estrangeiro, havia ser seguida pelo pedido da prohibição da exportação de provincia para provincia, do concelho para concelho e de terra para terra (apoiados). Em todo o caso o preço dos cereaes não explicava taes medidas, e o facto é que hoje as feiras têem continuado a funccionar sem desordem por toda a parte, como me consta pelas noticias das provincias, comprehendendo as provincias do norte, em que mais se tem receiado a falta de colheita, pois que para o lado do sul caíram ainda a tempo copiosas chuvas, que fazem esperar-se não uma colheita muito abundante, pelo monos muito maior do que antes se esperava (apoiados), e ahi a tranquillidade está inteiramente restabelecida. E se o digno par o sr. marquez de Sousa tem, como disse, alguns receios de que seja perturbada a ordem em qualquer' provincia do reino, eu devo dizer a s. ex.ª que não ha motivo algum para taes receios, mas que quando o houvesse o governo havia de empregar os meios necessarios para manter a tranquillidade publica, como é o seu primeiro dever (muitos apoiados).
O sr. Marquez de Souza Holstein: — Agradeço ao sr presidente do conselho a bondade com que s. ex.ª respondeu ás minhas observações o as explicações que deu á camara. Nada tenho a acrescentar ao que já disse, porque entendo que esta camara deve por emquanto abster-se de longas discussões a este respeito, e concorrer para que a segurança e ordem sejam restabelecidas tanto em Lisboa como nas provincias (apoiados). Mas como acamara dos srs. deputados ainda não está constituida, não sei se este incidente se póde considerar mais como uma conversação do que interpellação. O sr. Presidente — V. ex.ª pôde mandar para a mesa a sua moção.
Orador: — N'este caso mando para a mesa uma moção de ordem, e peço a V. ex.ª que a submetta á votação da camara.
Leu-se na mesa.
O sr. Presidente: — Está em discussão. Como nenhum digno par pede a palavra, vou pôr á votação da camara esta moção de ordem.
Foi approvada.
O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada para proseguir nos nossos trabalhos, e portanto a primeira sessão terá logar na segunda feira proxima, sendo a ordem do dia a eleição de commissões.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 18 de abril de 1868
Os ex.mos srs.: Duques, de Loulé, e de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Sabugosa, e de Sousa; Condes, d'Avila, da Azinhaga, de Cabral, de Fonte Nova, da Louzã, de Rio Maior, e de Sobral; Viscondes, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Ovar, de Seabra, e de Soares Franco; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Ferrão, Margiochi, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Rebello da Silva, Canto e Castro, Fernandes Thomás, e Ferrer.
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N. B. Depois de aberta a sessão entraram os srs. conde de Fornos de Algodres, conde de Peniche, e marquez de Vianna.