O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 73

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 8

EM 16 DE JANEIRO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Sebastião Custodio de Sousa Telles

Secretarios -os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta.- Não houve expediente.- O Digno Par Ernesto Hintze Ribeiro refere-se aposse da Camara Municipal da Covilhã, ao não recebimento das congruas de 1906 em Porto de Mós, e ao facto de se encontrar em Pombal, fazendo politica, o delegado do procurador regio de Paços de Ferreira. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho.- O Digno Par Hintze Ribeiro regista a resposta do Governo, e em seguida, alludindo aos dizeres de um manifesto de segundos officiaes e amanuenses das secretarias de Estado, que o arguem de inexactidão na maneira por que calculou a quantia a que se eleva a suppressão do imposto de rendimento, explica que se limitou a citar as respectivas cifras contidas no relatorio do Sr. Ministro da Fazenda - O Digno Par Jacinto Candido refere-se tambem ao atraso do pagamento de congruas em Porto de Mós, e declara que por motivo de doença não tomou parte na discussão do projecto que cria o Supremo Conselho de Defesa Nacional, e aponta quaes são as ideias do partido nacionalista a tal respeito.- O Digno Par João Arroyo pede ao Sr. Presidente que se mantenha a praxe de se abrirem as sessões ás duas horas e meia .- O Sr. Presidente diz que faria a diligencia para satisfazer os desejos do Digno Par. Em seguida nomeia a commissão que tem de apresentar a Sua Majestade El-Rei os autographos dos projectos ultimamente votados. - O Digno Par João Arroyo solicita o comparecimento do Sr. Ministro das Obras Publicas em uma das proximas sessões.

Ordem do dia.- Continuação da discussão do parecer n.° 18, que incidiu no projecto que reforma a e contabilidade publica.- Conclue o seu discurso, começado na sessão anterior, o Digno Par Mello e Sousa.- O Digno Par Ernesto Hintze Ribeiro requer que se consigne na acta a parte do discurso do Digno Par Mello e Sousa que se refere ao serviço da divida externa. Este requerimento é approvado.- Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 45 minutos da tarde, verificando-se a presença de 14 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, que ficara inscripto para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Vou dirigir-me ao Sr. Presidente do Conselho, referindo-me a diversos assumptos de administração local.

Ha mais de tres semanas o Sr. Presidente do Conselho entendeu dever ouvir o Supremo Tribunal Administrativo acêrca de uma questão já tratada n'esta Camara, e que foi suscitada na Covilhã, sobre a posse a dar á Camara Municipal que primeiramente fora eleita.

Decorreu todo este tempo e eu estimaria que S. Exa. me dissesse se já resolveu ou o assumpto, que resolução tomou e se foi executada.

Limito-me a estas perguntas e passo a outro ponto, que é o seguinte:

Como V. Exa. sabe, a junta de lançamento e derramamento de congruas tem de executar os seus trabalhos até julho de cada anno, no que toca ás congruas do anno seguinte.

Em Porto de Mós, onde a politica local tem sido apaixonada - digamo-lo assim, para não empregar outro termo- o administrador do concelho, a quem compete reunir a junta das congruas, deixou passar o prazo, de forma que as congruas relativas a 1906 não foram recebidas pelo respectivo parocho.

Ora V. Exa. sabe que os nossos parochos teem minguados vencimentos, que são mais ou menos accrescentados pelas congruas que recebem, e por consequencia toda a demora na percepção d'esses rendimentos importa privações e dificuldades para esses aposto-los da nossa religião. Mas quando tal demora provém de factos illegaes praticados pelas auctoridades administrativas, é evidente que toda a responsabilidade cabe ,ao Governo, a não ser
que elle tome as providencias necessarias para que quaesquer abusos, irregularidades ou faltas dos seus subordinados cessem por completo.

Sendo este o estado das cousas, recebi hontem um telegramma de Porto de Mós, dizendo o seguinte:

"Junta de congruas está reunida apenas com dois vogaes, aproveitando-se a ausencia do ecclesiastico nomeado pelo Prelado e com vereador não nomeado pelo municipio. O presidente da camara recusa-se a tomar parte na junta, por não se encontrar legalmente constituida. Protestámos contra a arbitrariedade. Pedimos providencias".

Quer dizer, o administrador do concelho de Porto de Mós, que não reuniu a junta de lançamento de congruas quando a devia reunir, esteve á espera de uma occasião em que julgasse poder ter maioria n'essa junta, para proceder conforme entendesse.

Procedeu arbitrariamente, fez uma convocação tardia e uma reunião da junta com individuos cuja qualidade não estava ali devidamente averiguada, e o resultado é que o lançamento

Página 74

74 ANNAES CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

e derramamento das congruas ha de resentir-se d'estes factos, com grave prejuizo dos parochos respectivos.

Para esta situação, absolutamente anarchica, pedia tambem a attenção do Sr. Presidente do Conselho, a fim de que se entrasse na normalidade das cousas e as congruas fossem recebidas.

Ha ainda um terceiro ponto de que desejo occupar-me.

Poucos dias depois da constituição do actual Gabinete, foi nomeado delegado do procurador regio em Figueiró dos Vinhos o Dr. Silverio Maximo de Figueiredo e Silva. Foi á sua comarca, tomou posse e não se demorou em voltar a Pombal, onde tem estado durante todo este tempo, sem curar dos negocios da sua comarca e fazendo politica.

Ultimamente foi transferido para Paços de Ferreira. Então foi a Paços de Ferreira, tomou posse do seu logar, voltou para Pombal e em Pombal se conserva a fazer politica.

V. Exa. comprehende que é uma irregularidade esta situação.

Não vejo presente o Sr. Ministro da Justiça, mas vejo o Sr. Presidente do Conselho, e, portanto, peço a S. Exa. que se digne transmittir-lhe as considerações que acabo de fazer, e que versam sobre assumpto da sua pasta.

E a V. Exa., Sr. Presidente, que me reserve a palavra para depois do Sr. Presidente do Conselho, no caso de ter necessidade de voltar a estes assumptos.

(S. Exa não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Em relação ao primeiro ponto a que o Digno Par se referiu, posso affirmar a S. Exa. que, logo que no Ministerio do Reino foi recebida a consulta do Supremo Tribunal Administrativo acêrca da forma de resolver o incidente que se levantou com a posse da Camara Municipal da Covilhã, foi essa consulta enviada ao governador civil de Castello Branco, a fim de este funccionario lhe dar execução.

O governador civil, porem, estava ausente de Castello Branco por motivo do fallecimento do seu filho mais velho, o que o obrigou a demorar-se algum tempo em Idanha-a-Nova, não podendo por isso tomar immediato conhecimento do assumpto.

Quando voltou, entendeu dever consultar o Governo acêrca da maneira como havia de dar cumprimento ás disposições da consulta, visto que se affirmava que só por uma intervenção dos tribunaes competentes se poderia proceder á execução.

Ha dois ou tres dias foi-lhe communicado que a questão ficara dirimida e, portanto, devia desde logo dar posse á Camara que primeiramente foi eleita.

Não sei eu se a esta hora isso já estará feito, mas, se o não está, não pode ter demora a execução do que foi determinado áquelle funccionario.

Em relação ao segundo ponto, á questão das côngruas, tenho a dizer que recentemente fui procurado por alguns prelados, commissionados, por assim dizer, por todo o clero portuguez, que chamaram a attenção do Governo para a forma como estão sendo executadas as disposições legaes relativas ao lançamento e recebimento das congruas.

Declararam-me esses prelados que muitos parochos não recebiam as congruas que lhes pertenciam, e que outros só muito irregular e tardiamente as arrecadavam.

Em vista d'este modo irregular de cobrança das côngruas, pediam ao Governo que publicasse uma medida de caracter regulamentar, aclarando o disposto no Codigo Administrativo, de modo a ficar bem expresso quem é que deve intervir n'este assumpto e a impedir que as congruas não sejam devidamente pagas.

Perante esta exposição ordenei por meio de uma circular que os governadores civis recommendassem aos administradores de concelho a observancia estricta das disposições legaes acêrca das congruas, e mandei que se formulassem as disposições regulamentares necessarias para regularizar o assumpto, de modo a assegurar aos parochos o que legitimamente lhes pertence, obrigando ao pagamento das congruas os contribuintes mais remissos.

Isto se fez por uma forma geral que, creio, corresponderá aos desejos expressos pelos prelados, que assim foram attendidos como era de justiça e em conformidade com a lei.

Referindo-me precisamente ao facto apontado pelo Digno Par, a respeito do parocho de Porto de Mós, devo dizer que nenhuma informação d'elle tenho, mas pedi-la-hei ao governador civil de Leiria e hei de recommendar que desde já se proceda em harmonia com as ideias geraes que acabo de expor.

Em relação ao terceiro ponto a que alludiu o Digno Par, o que posso dizer a S. Exa. é que não tinha conhecimento do caso, e que transmitirei ao meu collega da Justiça as informações do Digno Par, a fim de que o delegado a que S. Exa. se referiu entre no exercicio das suas funcções, se d'ellas não estiver afastado por motivo de doença ou de licença, ou para que se lhe tomem contas do seu procedimento, como é preciso para cumprimento da lei e bom exemplo de todos os funccionarios do Estado, se acaso abandonou o seu logar.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: folgo com a declaração do Sr. Presidente do Conselho, porque S. Exa., sem embargo de observações feitas pelo Sr. governador civil de Castello Branco, deu ordens para que o seu delegado de confiança fizesse cumprir o accordão do Supremo Tribunal Admitrativo no sentido de dar posse á vereação eleita na primeira eleição na Covilhã.

Registo a declaração do Sr. Presidente do Conselho e não tenho senão que applaudi-lo.

Com relação ao segundo ponto, acho boas as providencias genericas que S. Exa. tomou, mas fico aguardando as providencias especiaes acêrca do caso de Porto de Mós.

Quanto á ultima parte, o Governo desde que tome conhecimento do procedimento do delegado do procurador regio de Paços de Ferreira, certamente não consentirá tal abuso.

Não quero terminar sem me referir a um facto que ultimamente se deu.

Recebi, e foi largamente distribuido, um manifesto dos segundos officiaes e amanuenses das secretarias, reclamando contra o facto de eu attribuir á proposta de lei referente á diminuição ou suppressão do imposto de rendimento, na parte que toca aos funccionarios civis, um encargo para o Thesouro de de 454 contos de réis, quando tal encargo não se dará.

Por bem fazer, mal haver. (Apoiados do Sr. Teixeira de Sousa).

No manifesto eu sou arguido de uma inexactidão, quando ella não é minha; absolutamente o não é, é do Sr. Ministro da Fazenda, porque nas suas palavras eu me louvei.

Quando se discutiu o projecto relativo ao augmento de vencimentos do exercito e da armada, eu pedi a palavra e levantei me exactamente para defender a justiça da causa dos funccionarios civis, mostrando que não era equitativo e justo que, ao mesmo tempo que se elevavam os vencimento dos officiaes do exercito e da armada se não attendesse ás condições muitas vezes precarias dos funccionarios civis, que tinham soffrido largas deducções nos seus vencimentos pela lei de 1892.

Então pedi ao Governo que completasse a sua obra, mediante providencias que pudessem attenuar as circumstancias precarias em que a classe dos funccionarios publicos se encontrava.

Para isso soccorri-me da proposta de lei do Sr. Ministro da Fazenda.

E foi referindo-me á proposta do Sr. Ministro da Fazenda que eu não apresentei calculos meus, mas li o que S. Exa. nos seus relatorios expoz, e é que expoz era que o augmento de encargos para o Thesouro, resultante d'es-

Página 75

SESSÃO N.º 8 DE 16 DE JANEIRO DE 1907 75

sa proposta de lei, importava em 454 contos de réis.

Eu não disse que estes 454 contos de réis representavam um augmento de encargos resultante das providencias tomadas estrictamente em relação a segundos officiaes, nem a amanuenses; o que disse foi que havia uma proposta apresentada pelo Sr. Ministro da Fazenda que importava encargos para o Thesouro na importancia de 404 contos de réis.

Nada mais disse.

Apenas manifestei o desejo de que a classe dos funccionarios civis fosse attendida.

Repito: por bem fazer mal haver.

Mas, Sr. Presidente, o respectivo projecto ha de vir á discussão do Parlamento, e então tudo se esclarecerá.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Tinha pedido hontem a palavra a fim de chamar a attenção do Governo, e especialmente do Sr. Presidente do Conselho, para um telegramma que recebi dos meus amigos de Porto de Mós e relativo ao mesmo assumpto a que se referiu o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro. Como o Sr. Presidente do Conselho declarou ir tomar providencias sobre o assumpto, aguardá-las-ha, confiado em que serão dadas.

Aproveita o ensejo para declarar que a sua ausencia por occasião da discussão do projecto relativo ao Supremo Conselho de Defesa Nacional, para se occupar do qual já tinha pedido a palavra, foi motivada por doença de pessoa de familia.

N'estas circumstancias, deseja agora apresentar á Camara o seu modo de sentir e de pensar sobre o assumpto, sem contudo analysar o projecto que é já hoje lei do Estado e que por isso não discutirá.

Deseja que haja uma continuidade de acção em quasi todos os assumptos mais importantes da administração publica, mas o projecto a que se refere não continha a forma como elle, orador, e o seu partido entendem que se deve estabelecer essa continuidade no que respeita ao plano geral da defesa maritima e terrestre.

As ideias do partido nacionalista a esse respeito estão bem claramente expressas nas conclusões 28.ª, 29.ª e 30.ª, votadas na sessão dê encerramento do congresso nacionalista do Porto, realizado em 3 de junho de 1903.

Ora essas conclusões são as seguintes :

28.ª

"O nacionalismo affirma necessidade de se organizar, depois de reflectido estudo, um plano geral de defesa maritima e terrestre do paiz, considerando a marinha de guerra e o exercito como
elementos constitutivos da mesma unidade,- que é a realização d'esse objectivo; e de dar depois a esse plano uma execução continua, seguida, constante e sem tergiversações. Um Conselho Superior de Defesa Nacional, composto pelos quatro generaes e pelos quatro almirantes mais antigos, das respectivas reservas, sob a presidencia de um Conselheiro de Estado, constituirá segurança de continuidade na execução do plano estabelecido. Os Ministros da Guerra e da Marinha exercerão os seus governos respectivos, subordinados sempre ao principio da continuidade na execução d'esse plano. Constituir-se-ha um fundo proprio de defesa nacional.

29.ª

Na organização do plano a que se refere a conclusão anterior, e tendo em vista que na sua totalidade, ao presente, a despesa com os nossos serviços do Ministerio da Guerra é de cerca de 7:000 contos de réis, ao passo que na Suissa se gastam menos de 6:000, podendo mobilizar 500:000 homens, e mantendo ainda escolas de tiro cantonaes, possuindo um armamento superior, praças e caminhos de ferro estratégicos, demonstra-se assim, por esta larga margem differencial de despesa, a possibilidade de uma importante melhoria na nossa situação militar, em cuja organização convem ponderar se os principios seguintes:

1.° Determinação dos pontos que, immediata ou seguidamente, devem pôr-se em condições de servir de base ás operações estratégicas no mar e em terra;

2.° Fixação do numero e distribuição das grandes unidades tacticas durante a paz, de modo que no acto da mobilização correspondam eficazmente a uma acção defensiva de confiança;

3.° Tornar obrigatorio o serviço militar, reduzindo-lhe o tempo respectivo por forma que, sem maior despesa e até com economia, todos os escalões de reserva passem pelo serviço o tempo necessario, para adquirirem a perfeita instrucção da escola de soldado;

4.° Estabelecer os serviços do recrutamento e reserva de modo que não soffram uma solução de continuidade pela inevitavel reunião dos officiaes ás suas unidades de combate, circumstancia tanto mais perigosa, quanto é certo que o nosso voluntariado de um anno raros officiaes de reserva tem produzido ;

5.° Cuidar esmeradamente da instrucção dos quadros por exercicios d'essa especie, e pelo habito de mobilizar promptamente qualquer unidade de combate, pondo-a, sem perda de tempo, nas condições de cohesão e de mobilidade que a guerra requer.

30.ª

O nacionalismo, tendo em vista o exposto na conclusão 28.ª, affirma igualmente a necessidade de estabelecer-se e assentar-se n'um plano de construcção e armamento naval, que corresponda ás exigencias da defesa do paiz e das suas colonias, em conjugação com as forças militares de terra."

Sendo estas as ideias do seu pai tido sobre a organização militar, claro está que elle, orador, não poderia ter dado o seu voto ao projecto que criou o Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Com respeito a um outro projecto aqui votado, tambem deseja dizer qual é o seu modo de pensar. Refere-se ao projecto relativo ao augmento dos soldos dos officiaes do exercito e da armada .

A esse projecto teria dado o seu voto, por uma razão de superior conveniencia publica, que entende não dever occultar.

No momento actual vae travada uma lucta renhida entre os elementos jacobinos e revolucionarios e os elementos conservadores e ordeiros. Os objectivos contra os quaes os elementos jacobinos e revolucionarios assestam de preferencia, as suas baterias e dirigem os seus ataques são as duas grandes forças conservadoras: uma moral, representada pelo principio religioso, e outra physica e material, concretizada nos exercitos permanentes.

Em presença d'isto entende que os elementos conservadores devem prestar a maxima attenção á defesa da religião e da força armada, que são os dois mais fortes elementos de defesa contra os ataques dos revolucionarios.

Não convem por isso esquecer a força moral, representada pela classe clerical, dispensando-lhe toda a attenção. Quando esse elemento moral desapparecer, só poderá prevalecer transitoriamente o elemento da força physica.

Por isso os revolucionarios preferem objectivar nos seus ataques o elemento religioso, facto , que constituo observação unanime de todos os philosophos e pensadores que olham aterrados para este movimento destruidor da fé.

Devem, pois, as forcas conservadoras acudir aonde o ataque é mais vivo e acudir com a justiça que superabunda, para o nosso paiz, nas reclamações do clero nacional, cujos membros são dedicados, leaes e prestimosos servidores do Estado.

Approvaria o projecto a que acaba de referir-se, se estivesse presente, e pediria ao Governo que, em defesa dos principios religiosos, dispensasse todo o seu cuidado e solicitude ao clero parochial.

Lamenta que no actual Discurso da Corôa não viesse uma unica palavra a este respeito.

Página 76

76 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Presidente:- Tenho a previnir o Digno Par de que faltam apenas dois minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Vae terminar o que desejava dizer neste momento.

As suas ideias conservadoras não são pela manutenção de tudo quanto hoje existe; entende que se deve fazer uma selecção, conservando-se o que houver de bom.

Voltará ao assumpto, e então desenvolverá mais largamente as suas considerações.

(S. Exa. não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas).

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: pedia a V. Exa. que mantivesse o habito de se abrirem as sessões ás duas horas e meia. Hoje abriu-se a sessão ás tres menos um quarto.

Não sendo muitos os que nos occupamos diariamente de assumptos de administração publica, antes da ordem do dia, convem arredar o pretexto para affirmar que, se os trabalhos parlamentares não teem maior andamento, é por nossa culpa.

O Sr. Presidente.- Farei o possivel para satisfazer os desejos do Digno Par.

O Sr. João Arroyo: - Eu sei perfeitamente que a culpa não é de V. Exa., mas quando ás duas horas e meia não houver numero, parece-me que é melhor, em vez de se demorar a abertura da sessão, irmo-nos embora.

O Sr. Presidente: - A deputação d'esta Camara que ha de apresentar a Sua Majestade El-Rei os autographos dos decretos das Côrtes Geraes, ultimamente votados, será composta, alem da mesa, dos Dignos Pares:

Hintze Ribeiro.
Francisco Beirão.
Pimentel Pinto.
Julio de Vilhena.
Antonio de Azevedo.
Moraes Carvalho.
Antonio Emilio de Sá Brandão.

Sua Majestade recebe esta deputação ámanhã, á uma hora e meia da tarde.

O Sr. João Arroyo: - Pedia ao Sr. Ministro da Fazenda e ao Sr. Ministro da Marinha, que estão presentes, a fineza de communicarem ao Sr. Ministro das Obras Publicas que n'uma das proximas sessões desejava conversar com S. Exa. antes da ordem do dia.

(O Digno Par não reviu as suas palavras).

O Sr. Presidente; - Vae passar á ordem do dia:

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 18, relativo ao projecto de lei que estabelece as bases para a reforma de contabilidade publica.

O Sr. Mello e Sousa : - Estava hontem mostrando á Camara os inconvenientes das administrações industriaes autonomas, e, para reforço da sua these, referiu se especialmente á administração dos caminhos de ferro do Estado.

Precisa continuar n'essa apreciação, para que a Camara avalie bem o que tem sido a administração d'este ramo importante dos serviços publicos e para estabelecer clara e precisamente a inconveniencia da separação de quaesquer despesas ou receitas do orçamento geral do Estado.

Elle, orador, é contrario á administração industrial por parte do Estado, não resiste a dizê-lo, embora não estranhe que esta forma de ver não tenha o agrado geral, porque é corrente o querer-se chamar tudo para o Estado, que é de uso considerar como uma especie de pae, obrigado a proteger todas as classes, a proposito e até a desproposito de tudo.

Referira-se hontem ao facto dos membros do Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro serem os primeiros a não obedecer á lei de 1899.

Estudou em tempo essa lei, pois lhe pertencia então o iniciar o debate parlamentar a ella referente, na outra casa do Parlamento. Depois d'isso não pensou mais em tal, e se não fosse chamado a este terreno pelas observações dos Dignos Pares Srs. Moraes Carvalho e Teixeira de Sousa, e ainda pelas asserções de um folheto publicado sobre a mesma materia, ter-se-hia limitado a declarar que não concorda com as administrações industriaes autonomas, dispensando-se de fazer a analyse detalhada e minuciosa do assumpto.

O regulamento de 2 de novembro de 1899 mandava englobar rio orçamento geral do Estado, em capitules separados, as receitas e despesas d'essa administração.

O decreto de 31 de dezembro de 1900 alterou a lei de receita e despesa nas suas quantias, nos seus numeros, tornando-a inconstitucional, e o decreto de 24 de dezembro de 1901 preceituava cousas diversas das da lei de 1899.

Disse-se aqui que a Suissa adoptou a administração autonoma dos caminhos de ferro do Estado, e que Portugal não pode ter pretensões a ser melhor administrado do que a Suissa.

Não ha duvida alguma de que a administração federal da Suissa é modelar; mas tambem não ha duvida de que o mesmo não acontece em relação á administração dos seus caminhos de ferro.

Para o quê, vamos ver o que é na Suissa a administração autónoma dos caminhos de ferro.

No anno de 1904 essa administração admitiu 1:155 empregados, e em 1905 admittiu mais 621.

E para apresentar uma receita liquida de 600:000 francos, foram os encargos da linha de Simplon levados á conta de capital.

Foi preciso, portanto, que a Suissa adoptasse a administração autonoma dos caminhos de ferro para que nas suas finanças se apresentasse um ponto negro.

Citou o Digno Par Sr. Moraes Carvalho o caso de, quando os caminhos de ferro eram administrados pelo Estado, ser preciso que um dos directores ficasse por fiador de um fornecimento de carvão, porque, de contrario, os comboios não seguiriam ao seu destino.

Mas este argumento não colhe, porque, desde que a administração dos caminhos de ferro é autónoma e portanto arrecada as suas receitas, decerto lhe não faltará dinheiro para quaesquer despesas.

O mesmo se poderia dar com quaesquer portos do nosso paiz, se tivessem administração autonoma, e com as alfandegas.

Mas o Estado não deve ceder o seu logar a administrações autónomas, porque não é esse o seu dever.

Disse tambem S. Exa. que é o poder legislativo quem tem auctoridade para resolver sobre criação e suppressão de empregos publicos; mas é facto incontestavel que foram criados quadros por leis especiaes.

Elle, orador, acha extremamente perigoso desviar da apreciação parlamentar quaesquer despesas publicas, sejam ellas quaes forem.

Relativamente, e a proposito do visto previo que pelo projecto fica pertencendo ao director geral da contabilidade publica, ouviu dizer ao Digno Par Sr. Teixeira de Sousa que o projecto em discussão fora copiado da legislação ingleza.

É effectivamente verdade que assim succedeu, e a este respeito occorre-lhe a phrase de Renan: On est toujours le fils de quelqu'un: nous faisons la chaîne.

O projecto - não ha interesse algum em dizer o contrario - foi moldado sobre a legislação similar ingleza.

Disse o Digno Par Sr. Moraes Carvalho que ficavam existindo duas entidades para visto, não comprehendendo qual a vantagem de ser preferido o visto

Página 77

SESSÃO N.° 8 DE 16 DE JANEIRO DE 1907 77

do director geral da contabilidade ao do Tribunal de Contas; e o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa disse que ficava existindo uma dupla fiscalização.

Ora a vantagem de passar para um só individuo o visto resulta de que o Tribunal de Contas, por mais activo e zeloso que seja, não pode desempenhar cabalmente uma tal funcção.

O Tribunal de Contas é uma corporação sedentaria, sem a actividade que pode assumir um funccionario auxiliado por empregados facilmente deslocaveis.

Na Inglaterra, ao passo que a despesa vae correndo, a fiscalização opera-se concomitantemente: e uma tal fiscalização só pode ser exercida pelo director geral da contabilidade publica.

Na Gran-Bretanha ha, portanto, uma fiscalização concomitante, e é isso o que se pretende para cá. E só por este processo é que se pode obter uma fiscalização rapida e efficaz.

Podia o Tribunal de Contas proceder com a rapidez de um só individuo?

Crê bem que não.

A Italia tambem o entendeu assim, tendo aqui sido dito erradamente que n'aquelle paiz a fiscalização previa era exercida pelo Tribunal de Contas.

Alem d'isso, como é facil de calcular, a um tribunal não se pode exigir a responsabilidade que pode ser pedida a um só individuo:

O tratadista a proposito citado pelo Sr. Moraes Carvalho em favor da sua opinião, apesar de não ser uma autoridade incontestada sobre assumptos de contabilidade, diz, na segunda edição do livro que publicou, sobre o assumpto, que o Tribunal de Contas da Italia não procede a uma revisão em segundo grau, que não tem de occupar se das disponibilidades de credito, que a acção dos Ministros é cousa livre, e que raras vezes deixam de ser expedidas as ordens de pagamento.

Mas, sejam quaes forem as opiniões em contrario, o certo é que ninguem como o director da contabilidade publica pode estar ao facto de que esta ou aquella despesa está ou não comprehendida n'esta ou n'aquella verba autorizada.

O projecto em discussão não é, como disse o Sr. Teixeira de Sousa, uma investida contra o Tribunal de Contas, porque este tribunal fica, por assim dizer, com a fiscalização postkuma, não lhe sendo cerceada nenhuma das suas attribuições.

A Italia procedeu tambem de forma a dar grandes poderes ao director da contabilidade publica; e a contabilidade n'aquelle paiz é, segundo a phrase de um distincto economista, uma machina tão bem acabada que lembra mais um trabalho artistico para ser exposto em cima de um tablado e ahi ser visto do que para ser usado.

Ouviu dizer que os trabalhos da commissão de contas publicas da Inglaterra não tinham seguimento.

Ora a verdade é que essa commissão dá as suas indicações á thesouraria, que tem de as cumprir.

Disse o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa que o director geral da contabilidade, negando o visto ao Ministro, deixava de ter confiança n'este membro do poder executivo.

Elle, orador, entende que é impossivel sustentar uma tal argumentação, pela qual se prevê a quebra de toda a unidade ou o levantamento de toda a suspeita.

O auditor geral na Inglaterra é um funccionario nomeado pelo Rei e não pode ser demittido senão pelas Camaras; mas, como o Governo tem as maiorias parlamentares, segue-se que pode demitti-lo quando quizer.

O Sr. Teixeira de Sousa: - As maiorias lá não são como cá.

O Orador: - Afigura-se-lhe que S. Exa. está perfeitamente enganado. As maiorias na Inglaterra obedecem aos Governos da mesma forma que obedecem as maiorias portuguesas. E a organização do Parlamento britannico é, tão especial que só os leaders ou quem elles patrocinam é que são ouvidos com attenção. Aos outros oradores, excepto os membros do Governo, ninguem lhes liga importancia.

Alguns oradores mesmo limitam-se a mandar os seus discursos escriptos para a mesa, porque, se os proferissem, ninguem lhes prestava attenção.

Os membros do Tribunal de Contas, na Belgica, são eleitos por seis annos pelas Camaras, fazendo portanto o Governo eleger os membros que quizer.

Ora a independencia absoluta é como a verdade absoluta na sciencia - não se alcança.

E o absolutamente perfeito é irrealizavel.

Dirá ainda ao Digno Par Sr. Moraes Carvalho que, pelo projecto, não fica tolhida a iniciativa dos membros do Parlamento, os quaes podem continuar a apresentar as medidas que julgarem convenientes.

O intuito do artigo 12.° do projecto é que os simples despachos ministeriaes não devem figurar no orçamento. Se se pretender alterar os quadros terá de recorrer-se a uma lei especial, evitando-se por esta forma o alargamento da discussão orçamental. Nem por este facto se offende a Carta, pois não se preceitua para sempre: ninguem inhibe quaesquer Deputados de apresentarem projectos de lei n'esse sentido.

Na criação da commissão de contas viu-se nova offensa á Carta.

Esse principio de legislação contabilista adoptou o a Franca, que á Inglaterra o foi copiar e a Belgica reclama a sua adopção desde que tem o suffragio universal.

Essa commissão é completada pela lei de responsabilidade ministerial: formam um conjunto tendente ao mesmo fim.

O que a elle, orador, não agrada completamente é a forma de constituição d'essa commissão.

Pelo que respeita aos trabalhes que á commissão de contas hão de ser commettidos, tem de subordinar-se a algumas das disposições da lei de responsabilidade ministerial. Essa lei dá á commissão parlamentar de contas a faculdade de fazer processar o Ministro, quando se reconheça que elle incorreu em qualquer falta. A vantagem d'essa commissão demonstra-se com o simples facto de ser o seu funccionamento completado pelas attribuições que lhe dá a lei de responsabilidade ministerial.

A seu juizo, essa commissão devia ser apenas composta de elementos saídos da outra Camara. (Apoiados).

Era isto o que elle, orador, havia proposto em tempo e que se lhe afigurava ainda mais completo e mais perfeito.

A proposito repetirá que o Governo está disposto a acceitar a collaboração do Parlamento, e a estudar devidamente as propostas que foram enviadas para a mesa e ainda as que forem apresentadas no decorrer do debate, isto no intuito de que o projecto fique quanto possivel perfeito.

Tambem mereceu grandes reparos o artigo 17.°, que trata dos creditos extraordinarios. O Digno Par Sr. Moraes Carvalho estranhou ou censurou que aos dizeres da lei actualmente em vigor se acrescentassem os seguintes : e casos imprevistos. A distincção, entre o que está e o que se propõe, é puramente metaphysica.

Claro está que por casos imprevistos se entendem todos os que se não podem prever durante a approvação da lei annual de receitas e despesas.

O Digno Par Sr. Moraes Carvalho apresentou a este respeito uma proposta de emenda.

Pede licença para dizer a S. Exa. que o que consta da sua proposta é tudo quanto ha de mais imprevisto. N'um regimen representativo, a discussão do orçamento é tudo quanto ha de mais previsto.

O facto de um orçamento não receber a sancção parlamentar é tudo quanto ha de mais imprevisto, quer a lei o consigne, quer não.

O Digno Par, procurando defender

Página 78

78 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a sua proposta, disse que era seu intento evitar que os Governos estivessem dois, tres ou mais annos sem fazer votar pelo Parlamento a lei animal de receita e despesa. É certo que a lei nada pode contra a natureza das cousas, mas se tal circumstancia se der, pode dizer-se que se pratica um verdadeiro golpe de Estado.

O caso, pois, da não approvação do orçamento, pode considerar-se como superlativamente imprevisto.

A faculdade de abrir creditos extraordinarios, ou creditos especiaes - o nome é indifferente - não pode deixar de ser concedida aos Governos.

O que não é indifferente é o conhecimento dos factos como elles se vão passando. Em contabilidade publica pode dizer se essa a parte mais importante.

Creditos previstos ou não previstos, todos estão sujeitos a disposições especiaes, como, entre outras, á audiencia previa do Conselho de Estado.

Pode dizer-se o mesmo quer em relação ao augmento da divida fluctuante, quer no que diz respeito á alienação de titulos da divida publica.

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa disse que effectivamente até agora, contra lei, se augmentara a divida fluctuante e se fizera a venda de titulos. É certo que até aqui se praticavam esses factos, que constituem verdadeiras irregularidades; mas d'aqui por deante, diz S. Exa., tudo fica previsto na lei e tudo se pode executar por todas as formas e feitios.

O Sr. Teixeira de Sousa: - O que disse quanto á divida fluctuante é que o que se propõe é peor do que o regimen actual.

O Orador: - O que é prejudicial, o que se não admitte, é que o paiz não tenha conhecimento do que se vae passando e que tudo fique envolvido n'um certo mysterio. On ne va jamais plus loin que lorsque on ne sait où l'on va.

Dizia ainda S. Exa.: tudo o que se propõe era desnecessario, desde que o deficit deverá desapparecer.

Certamente, no programma do Governo actual, como no de todos os Governos, não pode deixar de estar inscripto o proposito de extinguir o deficit; mas S. Exa., que nos descreveu a situação financeira com côres bastantemente carregadas, sabe perfeitamente que se não pode exigir de um só Governo a transformação rapida d'essa situação, de forma a fazer desapparecer, como que por magia, esse flagello de todos os que sobraçam a pasta da Fazenda.

As finanças de um paiz podem melhorar; mas gradualmente, vagarosamente, por bons processos de administração publica, como podem ser a revisão ou a criação de novos impostos.

Uma situação financeira como aquella que o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa nos descreveu não pode desapparecer por qualquer processo magico.

Crê que nunca ninguem imaginou e que nunca ninguem se suppoz som forças para de um golpe cortar essa difficuldade grandiosa.

Melhor será que se regularizem as condições em que nos encontramos, que este Governo e aquelles que se lhe succederem procedam dentro das leis e com conhecimento de todo o paiz, sem mysterios que permitiam a circulação de boatos prejudiciaes ao nosso credito.

Passa agora a referir-se a um ponto essencialmente technico: o que respeita á gerencia e ao exercicio. No projecto primitivo do Governo não havia o exercicio, è este principio foi introduzido pela outra Camara, porque ella entendeu que mais rapidamente se apuravam assim as operações.

Se acêrca do principio da unidade orçamental a concordancia é, por assim dizer, absoluta e completa, pois que no dizer de Gaston Jèze "S'il est une règle sur laquelle l'accord est complet, c'est celle de l'unité du budget", no que respeita á gerencia e ao exercicio as difficuldades e as duvidas são muitas, quer dizer, ha partidarios convictos da gerencia e defensores acerrimos de exercicio.

O projecto do Governo pronunciava-se pela gerencia, que é, no modo de ver d'elle, orador, o mais simples.

Na Inglaterra, por meio de um processo especialissimo, é raro que as contas da gerencia não estejam publicadas em fins de abril, ou, o mais tardar, a 2 de maio.

Não poderemos nós imitar o exemplo da Inglaterra, que tem um movimento de contabilidade incomparavelmente muito superior ao nosso?

O orador, depois de citar o que se passa na Italia, e de fazer ver que n'este paiz, e na pasta da Fazenda, na um esprit de suite, que torna perfeitos os serviços da administração financeira, diz que a commissão examinará cuidadosamente as propostas que foram mandadas para a mesa, e que resolverá acêrca d'ellas o que julgar mais conveniente; accentuando que o que diz respeito ao exercicio e á gerencia constitue um dos pontos de contabilidade sobre que as opiniões mais divergem.

Elle, orador, é abertamente pela administração por gerencia.

Ainda acêrca dos creditos extraordinarios, o Digno Par Sr. Moraes Carvalho citou o que se passa na Italia, onde ainda ha o orçamento rectificado.

S. Exa., com uma sinceridade muito para louvar, confessou que foi um dos que contribuiram para que desapparecesse das leis de contabilidade a obrigação de apresentar ao Parlamento um orçamento rectificado. S. Exa., ainda com a mesma sinceridade, declarou que a suppressão d'esse diploma tinha acarretado inconvenientes, porque, a partir de então, todos os Governos haviam recorrido aos creditos extraordinarios.

Mas, S. Exa., ainda no mesmo tem de sinceridade, fez ver os inconvenientes que trazia a discussão do orçamento rectificado; e, por consequencia, o restabelecimento d'esse diploma não importaria o mais pequeno proveito, a mais insignificante vantagem.

Disse ainda o Digno Par que não encontra, nem no relatorio do Governo, nem nos pareceres das commissões incumbidas de examinar o projecto em ordem do dia, a mais pequena justificação no que respeita á criação do patrimonio nacional.

Não se trata de uma novidade. Trata-se de inventarios, que todos os paizes teem, e que nós mesmos possui-mos em condições extraordinarias.

A lei encarrega á Repartição dos Proprios Nacionaes a confecção dos inventarios, mas isto sem prejuizo de outros serviços.

A formação dos inventarios fica entregue á Direcção dos Proprios Nacionaes ; mas quando ella tenha vagar para se entregar a este trabalho.

Quando mais não seja, vale a pena o que se propõe no projecto, para fazer desapparecer uma disposição tão extraordinaria.

Proseguindo na sua missão de replicar aos argumentos produzidos pelos oradores que o antecederam no uso da palavra, alludirá aos reparos do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, quanto á difficuldade que haverá de applicar as disposições do projecto ás provincias ultramarinas.

Crê que as duvidas de S. Exa. facilmente se dissiparão, logo que veja que na proposta do Governo se diz que, quanto ás operações de contabilidade das provincias ultramarinas e districto autónomo de Timor, se observarão as disposições da presente lei, na parte applicavel.

D'aqui se vê que os ordenadores das despesas continuam, como até aqui, a ser os governadores.

Referiu-se em seguida S. Exa. á responsabilidade do director geral da contabilidade publica, isto é, ao facto de ficar elle responsavel por tudo quanto fizerem os funccionarios que lhe fiquem subordinados. É isto que succede em Inglaterra, e é tambem o que acontece nas administrações particulares.

Não deseja cansar a attenção da Camara, mas todos comprehendem que não era em poucas palavras que pode-

Página 79

SESSÃO N.° 8 DE 16 DE JANEIRO DE 1907 79

na responder aos discursos substancio sós dos Dignos Pares que atacaram o projecto.

Ao Digno Par Sr. Moraes Carvalho respondeu cabalmente o Sr. Ministro da Fazenda; mas elle, orador, tratando-se de um assumpto em que tem, desde que entrou na politica, sustentado e defendido certas opinões, precisa de mostrar-se coherente com ellas.

Disseram os Dignos Pares Srs. Moraes Carvalho e Teixeira de Sousa que as disposições do projecto ministerial podiam contender com a organização da Junta do Credito Publico.

O ultimo dos dois Dignos Pares a quem se refere imaginou ou suppõe que por este projecto se pode alterar a lei do convenio com os credores, ou o que com elles se pactuou.

Salvo melhor opinião, elle, orador, entende absolutamente o contrario.

O accordo com os credores pode trazer algumas difficuldades, e a algumas se referiu elle, orador, quando na outra Camara se ventilou o assumpto; mas o que essa lei não pode de modo nenhum é embaraçar ou prender a nossa administração financeira.

Da propria base 2.ª da lei do convenio apresentado por um Gabinete a que e presidiu o Sr. Hintze Ribeiro se deduz que a nossa autonomia financeira não pode ser attingida; e a lei de contabilidade não altera essa base 2.ª

A lei do convenio determina que a Alfandega entregue á Junta a quantia precisa para completar o encargo da divida externa dentro de cada mez.

Importa isto porventura um pagamento? De modo nenhum.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro (interrompendo) : - Disse o Digno Par Sr. Mello e Sousa, relator do projecto em discussão, que no que respeita aos serviços da divida externa, em nada ficam prejudicados com as disposições da nova lei de contabilidade.

É isto o que S. Exa. disse?

O Orador:- Não ouviu o Governo a este respeito ; mas o seu modo de ver e de pensar é que o facto da entrega do dinheiro á Junta não importa um pagamento.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Não lhe leve a mal o Digno Par que, attenta a declaração que S. Exa. apresentou, pergunte ao Sr. Ministro da Fazenda se a confirma.

Pergunta pois ao Sr. Ministro se as disposições da proposta em ordem do dia em nada affectam ou alteram os serviços actualmente commettidos á Junta do Credito Publico, no que toca aos credores da divida externa.

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): -Responde que as disposições do projecto em ordem do dia em nada affectam o que está preceituado na lei do convenio.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Nem alteram?

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Nem alteram.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro : - No
que respeita aos serviços da divida externa ?

O Sr. Ministro da Fazenda (Ernesto Driesel Schrõter): - Sim, senhor. No que respeita á lei do convenio.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Pede a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O, Orador:- A lei de contabilidade que se propõe diz que nenhum pagamento se poderá realizar sem o visto; mas a missão da Junta do Credito Publico é tão só arrecadar o dinheiro que lhe entrega a Alfandega.

Trata-se de uma, arrecadação de receitas e não de um pagamento.

A Junta do Credito Publico recebe da Alfandega umas certas quantias, remette-as aos banqueiros estrangeiros, e são estes que pagam os coupons.

O assumpto que está na tela do debate é, evidentemente, um dos mais difficeis que podem ser submettidos ao exame do Parlamento.

Reproduzindo as palavras de um Ministro francez, dirá que o Governo teve uma grande coragem e uma enorme força de vontade, trazendo á apreciação das Côrtes o projecto em ordem do dia. O Governo considera esta uma questão complexa e absolutamente aberta, e deseja e agradece a collaboração de todos que se interessem pela perfectibilidade de um tão importante ramo da nossa administração financeira.

Essa collaboração é um serviço que se faz não só ao Governo, mas principalmente ao paiz.

Dá por concluidas as suas considerações.

Vozes:- Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

( O discurso do Digno Par publicar-se-ha na integra, quando S. Exa. 0- se dignar rever as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente:- Vou dar a palavra ao Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, mas lembro a S. Exa. a deliberação da amara no que respeita á concessão da palavra antes do encerramento da sessão. 1

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Conheço muito bem a deliberação a que o Sr. Presidente se referiu, e não é meu costume abusar da paciencia da Camara. O Digno Par Sr. Mello e Sousa declarou que o projecto em ordem do dia em nada affecta ou altera os serviços actualmente commettidos á Junta do Credito Publico, no que respeita ao serviço da divida externa. Requeiro que a declaração do Digno Par, confirmada pelo Sr. Ministro da Fazenda, seja inserida na acta da sessão de hoje.

O Sr. Presidente:- A Camara ouviu o pedido do Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, eu tenho que o submetter á approvação de S. Exa.

Os Dignos Pares que concordam em que se consigne na acta de hoje a declaração feita pelo Sr. Mello e Sousa e pelo Sr. Ministro da Fazenda, e á qual se referiu o Sr. Hintze Ribeiro, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente : - A proxima sessão é na sexta feira, 18, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5, horas e 20 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 16 de janeiro de 1907

Exmos. Srs.: Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes : de Gouveia, de Pombal, da Praia e de Monforte; Arcebispo de Evora; Condes: do Arnoso, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Sabugosa, de Tarouca; Bispo do Porto; Viscondes: de Monte-São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Antonio de Azevedo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Gania Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luis Freire, José d' Alpoim, José Vaz de Lacerda. Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Veiga Beirão, Affonso de Espregueira, Venancio Deslandes e Wenceslau de Lima.

O Redactor,
F. ALVES PEREIRA.

Página 80

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×