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N.º 9

Presidencia do exmo. sr. Marino João Franzini

Secretarios - os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Conde de Bertiandos

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O digno par Jeronymo Pimentel queixa-se de demora na publicação das sessões, e pede que se adoptem as necessarias providencias a fim de que cesse tal atrazo. Por ultimo manda para a mesa quatro requerimentos, pedindo documentos aos ministerios da marinha, guerra, fazenda e reino. Lidos na mesa, são mandados expedir - O sr. presidente informa que a culpa do atrazo na publicação das sessões deve-se unica e exclusivamente á imprensa nacional, e que vae expedir as instrucções precisas a tal respeito. - Sobre a falta de assumpto a discutir, sobre a marcha dos trabalhos parlamentares e sobre a necessidade de resolver a questão de fazenda discursam o digno par visconde de Chancelleiros, ministro da justiça, o digno par Hintze Ribeiro, ministro da fazenda, e novamente o digno par visconde de Chancelleiros, ministro da justiça, o digno par Ernesto Hintze Ribeiro e ministro da fazenda. - Encerra-se a sessão, designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

(Estavam presentes os srs. ministros da justiça, da fazenda e dos negocios estrangeiros.)

Pelas tres horas e um quarto da tarde, verificando-se a presença de 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do sr. Luiz de Mello Bandeira Coelho, datado de 2 do corrente, agradecendo a esta camara o voto de sentimento pela morte de seu irmão, o antigo digno par electivo José Bandeira Coelho de Mello.

Para o archivo.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, tenho notado uma certa, demora na publicação das nossas sessões e tenho-a notado com estranheza, não só porque conheço por experiencia propria, desde que tive a honra de fazer parte da mesa d'esta camara, quanto é solicita a illustrada repartição de redacção em que as nossas sessões sejam publicadas com brevidade, mas tambem porque, tendo havido poucas sessões e d'estas algumas bastante curtas, não ha motivo nenhum, que justifique a demora na sua publicação. Portanto eu pedia a v. exa. que se dignasse providenciar para com a imprensa nacional, que é a culpada na demora, a fim de que a publicação das nossas sessões se faça regularmente.

Aproveito de estar com a palavra para mandar para a mesa diversos documentos pedindo alguns esclarecimentos ao governo.

(Leu.)

Eu preciso d'estes ultimos documentos para me servirem de base a algumas perguntas que desejo dirigir ao sr ministro do reino.

Desejo saber se s. exa. entende dever ser habilitação Indispensavel para .astrónomo de primeira ou segunda classe do real observatorio astronomico de Lisboa a cadeira de mechanica celeste ou astronomia theorica; se s. exa. entende á face do artigo 9.°, § 1.° da lei de 6 de maio de 879 que é a lei fundamental, a lei organica d'aquelle estabelecimento, que para o logar de primeiro astrónomo de mineira classe, director d'aquelle observatorio, não se exige expressamente incontestavel superioridade em conhecimentos de astronomia theorica e perfeito conhecimento dos instrumentos astronomicos e geodesicos.

Visto não estar presente o sr. ministro do reino, reservo-me para tratrar do assumpto com os documentos que tive a honra de requerer e espero que v. exa. se dignará solicitar com a urgencia que o caso pede.

O sr. Presidente: - Como explicação ao digno par o sr. Jeronymo Pimentel sobre a demora da publicação das sessões d'esta camara, cumpre-me participar-lhe que tenho aqui um officio da repartição de redacção, dirigido á secretaria geral d'esta camara, dando-lhe conhecimento de que ha tres sessões demoradas na imprensa nacional.

Por consequencia essa demora não provem das repartições d'esta camara mas simplesmente de atrazo por parte d'aquelle estabelecimento. Vou mandar expedir as ordens convenientes para que essa demora cesse.

Não ha mais nenhum digno par inscripto. A ordem do dia é a apresentação de pareceres. Convido os dignos pares a mandarem para a mesa os pareceres que tiverem

apresentar.

Leram-se na mesa os seguintes requerimentos:

Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, sejam enviados a esta camara exemplares dos orçamentos das diversas provincias ultramarinas, em numero sufficiente para poderem ser distribuidos pelos dignos pares, ou ao menos pelos que mais assiduamente frequentam esta amara.

Sala da camara dos pares do reino, 5 de fevereiro de 1898 = Jeronymo Pimentel.

Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja enviada a esta camara uma nota da receita proveniente da remissão de recrutas desde 1 de julho de 1897 a 31 de janeiro de 1898, discriminada por mezes e districtos, e outra nota da applicação dada a essa receita.

Sala das sessões da camara dos pares do reino, 5 de fevereiro de 1898. = Jeronymo Pimentel.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara uma nota da receita total com applicação a hospitaes, asylos e enfermarias para alienados, creada pela lei de 4 de julho de 1889, e cobrada até 31 de dezembro de 1897.

Sala das sessões da camara dos pares do reino, 5 de fevereiro de 1898. = Jeronymo Pimentel.

Requeiro que, pelo ministerio dos negocios do reino, e com urgencia, sejam remettidos a esta camara, os docu-

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mentos seguintes, ou os respectivos originaes ou copias dos mesmos:

1.° Processo do concurso documental aberto para o logar de 3.° astrónomo de l.ª classe do real observatorio astronomico de Lisboa, vago pela exoneração concedida ao dr. Francisco Gomes Teixeira, concurso em que se apresentaram como candidatos o dr. João Francisco Ramos, e um official da real armada portugueza, com todos os requerimentos, documentos e actas que os constituam.

2.° Processos das nomeações dos actuaes astrónomos de l.ª e 2.ª classe do mesmo observatorio, com todos os requerimentos, documentos e propostas que os constituam.

3.° Nota das habilitações scientificas dos actuaes astrónomos de l.ª e 2.ª classe do mesmo observatorio, e particularmente dos documentos que provem que o actuai 1.° astronomo de l.ª classe reune a incontestavel superioridade em astronomia theorica e o perfeito conhecimento dos instrumentos astronomicos e geodesicos.

4.° Officio do director do mesmo observatorio para o conselheiro director geral da instrucção publica recusando um exemplar das Ephemerides astronomicas do observatorio astronomico da universidade de Coimbra, solicitado pelo reitor da mesma universidade para este observatorio, por alguns dias apenas.

5.° Officio do director do mesmo real observatorio astronomico de Lisboa, dirigido ao mesmo director geral da instrucção publica ácerca dos predios annexos ao mesmo observatorio, e por extenso, sem omissão alguma.

Sala das sessões da camara dos pares do reino, 5 de fevereiro de 1898. = Jeronymo Pimentel.

O sr. Presidente: - Serão convenientemente expedidos os requerimentos. Como não ha mais nenhum assumpto em que a camara se possa occupar vou levantar a sessão.

O sr. Visconde de Cnancelleiros: - Peco a palavra..

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Julga que o sr. presidente declarara que conservava aberta a sessão esperando que fossem mandados para a mesa alguns pareceres de commissões. Não é isto? (Assentimento do sr, presidente).

Pois vê que s. exa. esperou debalde. Como não ha parecer nenhum das commissões d'esta casa, e como não ha propostas do governo, pediu a palavra, e, se lhe permittem, vae apresentar um parecer, porque quem diz parecer, diz opinião e diz conselho.

Como as commissões não emittem pareceres porque, naturalmente, não ha propostas que os provoquem, pede licença para dizer algumas palavras, já que o seu triste fadario o condemna a fallar n'uma camara deserta, e diante de um governo que, ao que parece, está nadando no vacuo.

Todos confessam que são difficeis e criticas as circumstancias em que nos encontrámos; mas não surgem providencias que, ao menos, mostrem ao paiz que levamos na devida conta esse estado afflictivo e que procuramos applicar-lhe remedio!

Sente que não esteja presente o sr. presidente do conselho, mas como estão tres ministros, responsaveis pelas affirmações contidas no discurso da coroa, perguntar-lhes-ha qual a rasão por que não apresentam s. exas. á consideração do parlamento as propostas que n'esse documento estão ponderadas.

As affirmações do discurso da corôa têem de ser sujeitas á apreciação do parlamento; mas, até hoje, nada temos tido que fazer. Visto que assim correm as sessões da camara de pares, conveniente seria que empregássemos os nossos ocios no estudo d'essas providencias, aliás importantes, com que o governo prometteu illustrar a sua niciativa.

Vê presente o sr. ministro da justiça. E o que mais proximo do logar vago do sr. presidente do conselho. S. exa. prometteu apresentar uma proposta de lei, classificada de importante, com referencia á propriedade mmobiliaria, no sentido de lhe dar mais valor, e no intuito de facilitar o credito predial. Esta proposta é importante.

Sc s. exa. tem esse projecto já elaborado, e nem podia deixar de ser assim, bom seria que o trouxesse á apreciação do parlamento, que chamasse sobre elle a attenção da commissão respectiva, que determinasse por qualquer fórma um estudo previo ácerca de tão importante questão.

Seria tambem da mais alta conveniencia que o sr. ministro da fazenda apresentasse ao parlamento as propostas que mencionou no seu relatorio de fazenda, graves e importantes todas ellas e todas attinentes á resolução do assumpto que mais se impõe actualmente á consideração dos homens publicos, a resolução do problema fazendario.

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - O sr. ministro da fazenda conserva-se no poder, e, a seu juizo, s. exa. não póde saír, porque está compromettido a resolver a questão de fazenda nos termos em que a definiu.

S. exa., nas condições em que assumiu a gerencia da sua pasta, não póde, sob quaesquer solicitações ou quaesquer pretextos, abandonar o poder.

Quando vierem á téla do debate essas propostas, mostrará, o crê que isso não será difficil, que as circumstancias graves do thesouro devem-se muito especialmente á existencia, de um regimen tributario absurdo, absurdissimo.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros tambem tem propostas.

Porque as não apresenta?

Tambem o sr. presidente do conselho de ministros declarou que as propostas referentes ás reformas politicas estavam promptas.

Abra s. exa. a sua pasta, apresente essas reformas, deixe que se forme opinião sobre ellas, deixe, emfim, que se manifeste o criterio individual de cada um de nós e que se apresente o sentir da opinião publica, tão necessaria e até indispensavel no regimen representativo.

Vae referir-se a uma noticia, que muito o surprehendeu e que naturalmente não deixou tambem de causar estranheza áquelles que o escutam.

Dizem que vamos ter uma fornada de pares.

Não se estranhe o termo, que está consagrado desde que per abuso do poder muitas vezes se tem entendido que é necessario augmentar o numero de membros d'esta camara.

A fornada é a negação das reformas politicas, a consagrado de algumas das medidas decretadas pelo governo transacto.

Se protestaram contra as reformas do governo transacto, como é que se vão utilisar agora do que tão energicamente condemnaram?

(Aparte do sr. Hintze Ribeiro.}

Pares! Pares nomeados por um governo, cujas condições de existencia, segundo os proprios dizeres dos seus amigos politicos, são incertas?

Pares, nomeados, como e porque?

Qual é o conflicto havido n'esta camara que determine ou justifique a entrada n'ella de elementos novos?

Não tem creado dificuldades ao governo, mas, se o vir robustecido com o apoio de uma maioria enorme, ver-se-ha obrigado a modificar os propositos em que se tem mantido.

Sabe que a nomeação d'esses pares ha de ser feita, não pelo governo, mas determinada ou imposta pelos seus partidarios, e sabe tambem que, se perguntasse ao sr. presidente do conselho se julgava justa essa nomeação, s. exa.,

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desaffrontado de conveniencias politicas, responderia negativamente.

O nosso systema representativo em outras epochas foi praticado com mais verdade e cita factos que justificam a sua asserção.

Diz que no dia em que o governo faça a nomeação de novos membros d'esta camara, não haverá rasão nem para qualquer modificação parcial do gabinete, nem para que, perante esse governo, a opposição deixe de manter-se com insistencia na lucta, apontando-lhe o caminho que deve trilhar, que é o da apreciação exacta das condições em que nos achamos e dos meios necessarios para as resolver.

Se a camara se encontrasse em condições diversas d'aquellas em que actualmente se acha, se estivesse aqui a maioria dos seus membros, é opinião sua que poderiamos obrigar o governo a ter a iniciativa que não tem e que não terá, mesmo quando se veja robustecido com a nomeação de novos pares, nomeação que significará agora, como tem significado de outras vezes, o apoio e a confiança da corôa.

Entende que a instabilidade dos governos e a fraqueza do systema parlamentar está em o termos comprehendido tão absurdamente.

Esta é a verdade e os srs. ministros são os primeiras a sentil-a quando faliam nos meetings.

Depois de mais algumas considerações, as quaes interrompe sem ouvir a resposta do governo, conclue dizendo que julga ter prestado um bom serviço, impedindo que a sessão se encerrasse minutos depois de aberta, o que certamente não produziria bom effeito.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Em primeiro logar explica que a ausencia do sr. presidente do conselho é devida a motivo de serviço publico, e, a não ser a rasão que aponta, s. exa. não teria deixado de comparecer.

Explica tambem que, tendo havido assignatura real ante-hontem, fôra encarregado pelos seus collegas de os representar n'esta camara; mas, infelizmente, quando aqui chegou, já a sessão estava encerrada.

Respondendo ao digno par visconde de Chancelleiros. dirá que o governo está na intenção de trazer ao parlamento todos os projectos a que se referiu o discurso da coroa.

Hão de ser successivamente apresentados, e a tempo de poderem a opinião publica e o parlamento pronunciar-se sobre elles com inteiro conhecimento de causa.

O orador indica as linhas geraes do seu projecto sobre a propriedade immobiliaria, projecto que obedece ao pensamento de estabelecer um registo que de a prova do dominio, visto que a lei actual só garante a presumpção do direito a favor de quem a propriedade está inscripta.

Quando o assumpto vier á tela do debate, apresentará o desenvolvimento da sua idéa e as rasões que o determinaram a apresentar essa providencia.

Tambem apresentará, entre outras, a reforma da organisação judiciaria e, pelo que respeita ás reformas politicas, já o chefe do gabinete teve occasião de dizer n'esta camara o que julgava ácerca da opportunidade da respectiva discussão.

O ministerio ha de governar com todos os elementos que a constituição lhe garante, mas o que não podo e ser compellido a entrar n'uma questão previa sobre as suas intenções a respeito de determinados assumptos.

(O discurso será publicado na integra quando o orador o restituir.)

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. Hintze pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão?

O sr. Hintze Ribeiro: - Visto o digno par o sr. visconde de Chancelleiros se achar inscripto para explicar

ao sr. ministro da justiça, peço a v. exa. que me reserve a palavra para depois de s. exa. fallar, tanto mais que eu não sei se estamos antes ou depois da ordem do dia, nem mesmo sei se ha ordem do dia.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - É melhor o digno par continuar.

O sr. Presidente: - A ordem do dia é apresentação de pareceres.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, ao terminar a ultima sessão d'esta camara disse que era insustentavel a situação parlamentar que o governo estava creando e disse uma rigorosa verdade, que correspondia não só ao nosso sentir, mas tambem da opinião publica.

Reuniu-se na ultima sessão a camara dos pares para nomear um vogal para uma commissão; reuniu-se hoje para mandar um parecer para a mesa. E passam-se dias em que não se reune!

Parece que a camara dos pares, n'uma situação tão grave como a que estamos atravessando, não tem a comprehensão dos seus deveres. Não ha um unico projecto, não ha nada, absolutamente nada, que submetter á sua critica desassombrada e productiva!

Não tem, sequer, prompta uma medida a apreciar, uma resolução que possa ser tomada, no proposito, sequer de minorar os males que pesam sobre o paiz.

Pois é toleravel esta situação, sr. presidente?

Diga-o v. exa. diga-o a consciencia da camara porque eu não quero levantar um debate politico.

Lamento que o sr. presidente do conselho não esteja aqui para me ouvir, pois s. exa. é o chefe do governo.

E n'estas minhas palavras não se envolve qualquer desconsideração para com algum dos srs. ministros que vejo presentes. A todos respeito, mas evidentemente e sobretudo, quem tem a responder para com o parlamento pela marcha politica do governo, e quando fallo n'esta marcha politica, fallo no caminho que elle segue para a resolução de todas as questões vitaes do paiz, é sem duvida alguma o sr. presidente do conselho.

Na ultima sessão eu tinha manifestado a v. exa. o desejo de ver presente o sr. presidente do conselho, a fim de mais directamente lhe fazer referencias.

Não sei se v. exa. lhe communicou o meu desejo; o que sei e que a cadeira do illustre ministro está vaga n'este momento. Póde ser que motivos do serviço publico o afastem d'aqui; mas parece-me que não nos reunimos tantas vezes, que, quando um membro d'esta camara solicita a sua presença, s. exa. não possa vir dai as explicações que lhe peçam.

E grave a situação da fazenda publica. Não sou eu que o digo; dil-o o governo e todos os dias o repete, quando de o repetir póde tirar vantagem, ou para affastar um debate que incommoda. ou para se livrar de quaesquer outros embaraços.

Discutiu-se n'esta camara a resposta ao discurso da corôa e o digno par e meu amigo o sr. conde de Thomar referiu-se a uma reforma de serviços feita pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros. Eram procedentes e justas as observações do digno par; e como lhe respondeu, quando se viu em difficuldades, o sr. ministro dos negocios estrangeiros? Que bem rasão tinha o sr. conde de Thomar mas que as circumstancias financeiras eram de tal ordem, que se impunham á consideração do governo para exigir dos servidores do estado sacrificios reclamados pela causa publica.

Não posso, porque o nosso regimento o veda, alludir aqui a debates occorridos na outra casa do parlamento, mas o que eu posso é referir-me ás declarações do governo onde quer que ellas se profiram, porque pertencem á nossa apreciação em qualquer occasião, em qualquer tempo, Ainda hontem, perguntando-se ao sr. ministro da marinha se elle insistia n'um projecto que fôra votado na camara dos senhores deputados, o sr. ministro respondia-me:

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"As questões economicas e financeiras são actualmente muito graves, e o governo não deseja que ellas sejam complicadas com a questão da ordem, publica".

Veja v. exa.: a todo o momento a declaração, como um refram, de que a situação é verdadeiramente difficil apertada, gravissima, e que todos os esforços, todas as preoccupações do governo, tendem a resolver esse problema.

São tão graves as condições financeiras do paiz, que os ministros, para afastarem debates que julgam inopportunos, para se furtarem a responsabilidades, para não explicarem os seus actos, as invocam a cada momento, e com ellas se defendem, dizendo que a questão de fazenda está primeiro que tudo e é ella que n'este momento prende todas as suas ai tenções.

Ainda ha pouco, n'esta mesma camara, disse isto o sr. presidente do conselho.

O estado do paiz, embora não fosse desesperado, era grave.

É este o estado do paiz, confessado pelo chefe do gabinete com a sua indiscutivel auctoridade e a camara dos pares não tem que discutir, não ha um unico projecto, uma unica medida de iniciativa do governo. E toleravel esta situação?

Sr. presidente, eu sei bem que não tenho deveres só a cumprir para com o meu partido; tenho-os, e mais graves, para com o meu paiz. (Apoiados.)

Sei bem as responsabilidades que na minha situação politica me cabem pelas declarações que faça, pelo modo como proceda, mas ha uma cousa que julgo do meu direito: - pedir ao governo que diga o que ha de verdade ácerca da situação financeira, porque de todo o ignora a camara.

Sabe v. exa., sabemos nós quanto 6 que o paiz deve n'este momento? Não sabe, porque o sr. ministro da fazenda não o diz.

Sabe v. exa., sabe a camara quaes são os compromissos tomados, as responsabilidades contrahidas pelo thesouro, quaes as verdadeiras dificuldades que o cercam, para poder avaliar as medidas que se possam tomar para resolver a questão de fazenda? Não sabe. E se alguma cousa sabemos é por uma ou outra declaração desgarrada do sr. ministro da fazenda. Sabe v. exa. onde está um dos recursos mais valiosos do thesouro, ainda ha pouco na posse do estado, as 72:000 obrigações de norte e leste, que nós considerámos sempre um deposito em que não se devia tocar, e que deixámos inteiramente livre e desembaraçado ao actual governo?

Não sabe. Sabe apenas que tal recurso já não existe.

Sabe v. exa. qual foi o contrato, em virtude do qual se caucionaram ou desappareceram essas obrigações?

Sabe v. exa. quaes foram as rasões que impelliram o governo a empenhar aquelle deposito que constituia um recurso indispensavel, para não dizer um recurso unico?

Não sabe.

Sabe v. exa. com quem o governo contratou, quaes as responsabilidades que assumiu?

Não sabe, de certo, nem ninguem o sabe.

Então como havemos de resolver a questão de fazenda, se para a resolver a primeira cousa de que precisamos é de conhecer a verdadeira situação financeira do paiz.

Faço estas perguntas muito serenamente, sem nenhuma animosidade, unicamente no cumprimento do dever que me cabe de me esclarecer e de esclarecer a camara sobre uma questão gravissima.

Venho aqui, e peço ao sr. ministro da fazenda que nos mande os documentos que provem quaes são as responsabilidades contrahidas pelo nosso thesouro; o sr. ministro da fazenda, porem, não manda nenhuns documentos, e nada diz a este respeito.

Ás perguntas que faço a unica resposta que obtenho é v. exa. dar para ordem do dia n'uma sessão, a ultima, a eleição de um vogal para uma commissão, n'outra; a de hoje, a apresentação de pareceres das commissões.

Quanto ao governo, a sua resposta é o silencio!

E este silencio sepulehral que indigna os que se interessam pelo estado da fazenda publica.

O governo não manda os documentos que se pedem, e nada diz, absolutamente nada!

Ora eu pergunto: é toleravel esta situação?

Sr. presidente, estive ouvindo o digno par sr. visconde de Chancelleiros, e estava consolando-me de o ouvir, quando s. exa. fazia o confronto das promessas do governo com os actos pelo mesmo governo praticados.

E todavia eu quero ser tão escrupuloso, que nem mesmo acompanho n'esta parte o digno par e meu prezado amigo.

Mas se o governo não quer dar contas dos seus actos, que não conhecemos, ao menos ha de dar conta dos actos que tem praticado e que se conhecem.

Quando eu pergunto ao sr. ministro da fazenda porque é que alienou um recurso do thesouro tão importante, como as obrigações da companhia dos caminhos de ferro de norte e leste. S. exa. não tem o direito de responder-me com o silencio.

Quando lhe pergunto se tem sacrificado valores pertencentes ao estado, titulos de divida publica, o silencio não póde constituir resposta.

Quando lhe pergunto quaes são os contratos que tem realisado e os supprimentos que tem feito, porque nós precisámos saber tudo isto para apreciar devidamente a questão de fazenda, s. exa. não tem o direito de se conservar silencioso.

Precisámos de saber se os actos de administração do governo permittem que possamos continuar a viver como nação livre e independente.

Emquanto as minhas perguntas não tiverem resposta, entendo que não me devo calar.

Reservo para mais tarde pedir contas ao governo dos seus actos politicos e das suas providencias administrativas.

Mas o que tem feito o governo de proficuo para a nação?

Nada, absolutamente nada.

Sr. presidente, eu não posso deixar de chamar toda a attencão da camara, e do paiz para tão desgraçado estado de cousas. O governo em sua defeza nem póde dizer que a opposição regeneradora lhe tenha creado embaraços, ou levantado difficuldades.

Nem eu nem os dignos pares meus amigos politicos temos feito uma ou outra cousa.

Nem discutimos a resposta ao discurso da coroa, nem provocámos qualquer debate politico.

E procedemos assim, justamente para que a questão financeira não fosse prejudicada com discussões de caracter partidario.

Por isso que nos declarámos promptos a cooperar na sua regularisação, uma só cousa temos pedido ao governo - que use da sua iniciativa.

E o que tem feito o governo? Nada.

Nós temo-nos limitado a requerer alguns documentos, pelos quaes possamos avaliar a verdadeira situação da fazenda e os actos de administração financeira do governo.

E como tem este, como tem o sr. ministro da fazenda correspondido a isso? Demorando esses esclarecimentos, não nos dando sequer conta dos actos da sua gerencia; não apresentando, emfim, medida alguma da sua iniciativa.

E assim que s. exa. corresponde á nossa attitude.

De que tem servido a nossa benevolencia, o nosso silencio em questões politicas, quando tanto poderiamos dizer, quando tantos debates podiamos ter levantado? Que ha na camará? Ha de facto a carencia absoluta de projectos a discutir, isto é, de tudo quanto representa a vida parlamentar!

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Lembre-se, porém, o governo que este nosso silencio, esta nossa abstenção tinham por unico fim dar-lhe liberdade para exercer a sua acção no assumpto que mais nos interessa a nós todos e ao paiz - a questão de fazenda.

Reconhecido que nem assim o governo usa da sua iniciativa, o nosso procedimento terá de ser muito outro, e portanto contrario ao que tem sido até aqui.

Quero, porem, conservar ainda hoje a mesma attitude, deixando até de me referir ao assumpto para que tinha pedido a palavra, que era de ordem administrativa, para pedir ao sr. presidente do conselho que mantivesse o respeito pela lei.

Peço só ao governo que faça o seu dever.

E para que se não diga lá fóra que a camara dos pares não cumpre, nem comprehende a sua missão, peço mais uma vez ao governo, e eu desejaria que fosse a ultima, que use da sua iniciativa e occupe a attenção do parlamento com medidas serias de governo, com providencias que nos habilitem a cooperar com elle na resolução da questão de fazenda.

Mas, se apesar das minhas palavras, o silencio e a falta de iniciativa, e a inacção continuarem a ser a norma da administração publica, ahi fica lavrado o meu protesto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Sr. presidente, o digno par o sr. Hintze Ribeiro deplora a inacção do governo. Lamenta que a camara dos dignos pares se conserve inactiva.

A rasão é simples: é porque a iniciativa dos projectos de lei pertence, em regra, á camara dos senhores deputados.

O digno par sabe que é na outra casa do parlamento que o governo tem de apresentar as suas propostas de lei, e assim acontece sempre que no mez de janeiro a camara dos dignos pares pouco tem que fazer. E tanto assim é, que eu cito o seguinte exemplo. O anno passado, a 6 de fevereiro, quando o governo presidido pelo digno par pediu a sua exoneração, a camara dos dignos pares ainda não tinha votado nenhum projecto de lei; nenhum, absolutamente nenhum.

Tinha discutido e votado a resposta ao discurso da coroa, é certo, mas este anno já. esta camara se desempenhou tambem d'essa missão.

A 6 de fevereiro do anno passado, pois - e eu creio que o anno passado a questão de fazenda não era nem menos importante nem menos grave, - a camara dos dignos pares tinha feito o mesmo que fez este anno, e nem por isso o digno par julgou apropositadas quaesquer censuras.

Ainda quanto á inacção d'esta camara, devo dizer que já estão pendentes do seu exame algumas propostas vindas da outra casa do parlamento, e eu citarei apenas a proposição de lei sobre celleiros communs e o projecto do tribunal de contas.

Devo tambem dizer que para hoje estava convocada a commissão de fazenda, e que eu ali compareci a ver se ella podia elaborar ou estudar o parecer que tem de recair no projecto que diz respeito ao tribunal de contas; mas, e o que vou dizer não implica a menor censura seja para quem for, essa commissão não reuniu por falta de numero.

Portanto, se a camara está inactiva, a culpa não é do governo.

Quanto á inacção do governo, disse o digno par o sr. Hintze Ribeiro que não toma a responsabilidade d'ella.

Escusada seria tal declaração, e isto por duas rasões: a primeira, porque não necessitamos de compartilhar com s. exas. as responsabilidades que nos são proprias, e a segunda porque essa inacção não existe, pois na camara dos senhores deputados já foram este anno votadas tres propostas de lei; e já ali está dado para ordem do dia o parecer que diz respeito á conversão, que é um assumpto que no momento actual tem a maior importancia.

O orçamento está sendo escrupulosamente examinado pelas respectivas commissões, e os seus trabalhos já estão muito adiantados; e de tudo isto se apura que o governo tem dado provas da sua iniciativa, e que o parlamento o tem secundado nos seus esforços, o que são injustas e descabidas as criticas do digno par.

E os dignos pares, que quizerem compulsar os registos parlamentares, verão que não é costume apresentar-se o relatorio de fazenda até ao dia 7 de fevereiro.

Pergunto: Quando s. exa. pediu a sua demissão, faz agora exactamente um anno, onde é que estava o seu relatorio de fazenda e onde estavam as providencias com que contava acudir, aos males que, não menos que agora, se faziam sentir duramente?

O governo actual ainda não deixou de cumprir os deveres que lhe incumbem, e a prova é que, tendo-se a camara dos senhores deputados constituido este anno muito antes do tempo a que, normalmente, costuma dar-se por organisada, nós apresentámos logo um documento importante: o orçamento.

O digno par deseja discutir largamente a questão de fazenda? Creia s. exa. que o governo acompanha-o n'esse desejo; mas a camara comprehende perfeitamente que não é nos acanhados e restrictissimos limites de tempo em que nos achamos, que esse largo debate póde realisar-se.

Se s. exa. deseja tratar a questão a toda a sua altura, annuncie uma interpellação, ou, que eu estou prompto a responder-lhe, ou, o que seria mais regular, aguarda e discussão de qualquer proposta de fazenda que eu aqui virei defender todos os meus actos, provar quem é o responsavel, não direi pela alienação, mas pela hypotheca das obrigações a que s. exa. se referiu, e descreverei então os encargos que encontrei, creados, não por mim, mas pelo governo transacto, encargos e compromissos que não podia deixar de satisfazer.

Espere s. exa. que se apresente a occasião opportuna e tenha a certeza de que se ha de apurar toda a verdade.

Na sessão do anno passado não foi possivel fazer-se o apuramento e a liquidação de todas as responsabilidades que pertencem a este governo e as que competem ao governo transacto, porque então ainda não estavam apuradas as contas da gerencia; mas hoje já se sabe a quanto montam os encargos que essa gerencia nos legou, e dos quaes resulta um déficit de 7:000 contos de réis.

O governo teve de pagar aos fornecedores quantias que elles ha muito reclamavam, e de fazer face a outros encargos que, como disse, não creou.

Tenha o digno par a certeza de que o governo actual muito se interessa na liquidação de todas as responsabilidades, para que se veja qual foi a urgencia que o obrigou a tocar n'um deposito, a que o digno par, por uma figura de rhetorica, chamou sagrado.

O digno par tambem dispoz de outros titulos que valem tanto como as obrigações dos caminhos de ferro, e que são titulos de divida externa.

Qual é a rasão por que o deposito d'essas obrigações era mais sagrado que o dos titulos da divida externa?

Estes valem tambem oiro, e collocam-se lá fóra como tal, por consequencia, repito, não comprehendo porque um deposito ha de ser mais sagrado que outro.

Não vejo motivo para que se mo lance a pedra quando eu obedeci ao imperio da necessidade, tendo a meu favor a circumstancia, aliás importante, de não ter creado novos encargos.

Aguarde a camara, que eu então lhe apontarei o que encontrei no ministerio da fazenda de nomeações, de subsidios, de augmentos de despeza, que sobem a dezenas de contos de réis. Tudo ha do vir a publico em occasião opportuna, mos-

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trando-se o que este governo foi obrigado a pagar de encargos que não contrahiu.

Mas, sem mais retaliações, folgo muito de ouvir mais uma vez a affirmação, de que s. exa. está prompto a cooperar com o governo na solução da questão de fazenda.

Em nome do governo apresso-me a agradecer essa cooperação (Apoiados do sr. ministro dos negocios estrangeiros), e espero que os actos correspondam ás palavras.

Está sujeita á apreciação da camara dos senhores deputados, e ha de vir mais tarde a esta camara, uma questão que o governo reputa primordial n'este momento, que é a conversão da divida.

Oxalá que a opposição collabore com o governo, a fim de que este trabalho saia das camaras tão perfeito como precisa de saír.

Não queria terminar sem deixar de referir-me a algumas palavras proferidas pelo sr. visconde de Chancelleiros.

S. exa. pediu e insistiu muito pela apresentação das propostas de lei a que o governo se referiu no discurso da corôa.

Eu já expliquei algumas das rasões que tem determinado a demora da apresentação de algumas propostas.

Ao apresentar a proposta de lei relativa ás receitas e despezas do estado para o futuro exercicio, eu annunciei que o governo havia de submetter á consideração do parlamento outras providencias tendentes a crear receita para occorrer a diversos encargos que não podiam ser saldados com as receitas ordinarias.

Annunciei, portanto, que em occasião opportuna o governo apresentaria propostas que se destinam a crear receita.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - V. exa. dá-me licença?

O governo disse:

(Leu.)

Eu entendi que estas estradas não eram no continente.

O Orador: - As estradas são no continente, mas pouco importa que esses encargos fossem aqui ou nas colonias.

O que é certo é que o governo prometteu apresentar propostas de lei tendentes a crear receita para corresponder aos encargos que estão indicados no discurso da corôa, e, como é natural, antes de solicitar do poder legislativo a votação de novos recursos, entendeu que era necessario apurar o orçamento do estado; é a este trabalho que as commissães da outra camara estão procedendo, isto é, estão revendo aquelle diploma com todo o cuidado e escrupulo, sendo publico e notorio que já intercalaram nos capitulos das despezas reducçoes que montam a muitos contos de réis. E portanto conveniente, antes de tudo, saber qual é effectivamente a despeza que deve ser votada para o futuro exercicio, e só depois é que se farão as consignações necessarias para augmento dos recursos orçamentorios.

Comprehende o digno par que quanto mais se reduzir a despeza mais avulta o saldo que tem de apresentar o orçamento. Desde que a necessidade, attenta a situação melindrosa em que nos encontramos, nos impõe a creaçao de novas receitas, é forçoso que se façam nas despezas todas as reducções...

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Apoiado.

O Orador: - Compativeis com a regularidade do serviço; e só depois d'esse trabalho de reparação é que o governo poderá saber quanto precisa para occorrer aos encargos a que me tenho referido.

Aqui está a rasão por que este anno o relatorio de fazenda talvez tenha de se demorar alguns dias.

Tambem estou comprometido a apresentar a remodelação dos actuaes impostos, e n'este ponto, limito-me a confirmar o que disse o meu collega o sr. conselheiro Beirão.

Tenha a camara a certeza de que hei de cumprir a promessa que fiz.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Vê que o sr. ministro da fazenda está disposto a remodelar os impostos, questão que reputa grave, e aquella sobre que muito particularmente deve incidir a vigilancia dos poderes publicos.

E o que está preceituado na carta; mas, o acatamento rigoroso ás prescripções d'esse codigo conduz por vezes a anomalias, como são, por exemplo, a do sr. ministro da fazenda apresentar um orçamento com saldo e declarar agora que o exercicio findo foi encerrado com um deficit de 7:000 contos de réis.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - As receitas publicas é que infelizmente diminuiram.

O Orador: - Entende que o paiz deve implorar aos poderes publicos que não cumpram rigorosamente a carta a fim de evitar que se apresente um orçamenta com saldo, e uma gerencia com um déficit de uns poucos de contos de réis.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Peço perdão ao digno par. O orçamento que apresentei á camara com saldo é o do exercicio futuro.

O Orador: - O relatorio que o illustre ministro apresentou o anno passado á camara, claro e largamente documentado, affirmára que tinha sido prejudicial a gerencia financeira do seu antecessor, visto que as despezas tinham excedido e muito os calculos orçamentaes, e, se assim era, porque não vinham s. exa. e os seus correligionarios combater aqui a administração que tinham na conta de nefasta e porque não vinham pedir a fiel observancia das leis?

Sendo antigo parlamentar, de sobra conhece o systema, de se confundirem actos de exercicios findos com os que respeitam a exercicios correntes, mas cre que tal systema já não illude ninguem, e, sem ser propheta, parece-lhe poder assegurar que a gerencia do anno que vae correndo não apresentará resultados lisonjeiros.

Não desconhece a difficuldade da situação em que nos encontramos; mas ella ha de aggravar-se por falla de uma orientação segura no modo pratico de a resolver.

Pede ao sr. ministro da justiça que explique melhor o que se dignou dizer em relação á propriedade immobiliaria.

Parece-lhe que s. exa. disse que o registo na conservatoria presuppõe a legalidade do titulo do dominio, mas que o não justifica, e, como isto é uma questão que interessa ao paiz, convem que desde já se conheça o pensamento que presidiu á proposta que está consignada no discurso da corôa.

O registo predial na conservatoria não importa, na opinião do sr. ministro, um titulo definitivo de dominio?

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - E a publicidade dada ao titulo.

O Orador: - Qual é a reforma que o sr. ministro vae fazer? Se s. exa. lhe permitte, pedir-lhe-ha com insistencia uma explicação a este respeito para elucidação do seu espirito. Qual é o pensamento do governo? Vae determinar que todo o titulo, pelo facto de ir ao registo na conservatoria, fica desde logo constituindo um titulo de dominio seguro e incontestavel?

Pedia ao illustre ministro que intercallasse, nas palavras que está proferindo, uma explicação que o tranquillisasse.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão) (interrompendo): - Não tenho duvida nenhuma em tornar mais claro o meu pensamento.

Eu disse que o registo predial não era senão a presumpção do direito a favor de quem está inscripto.

(Áparte do sr. visconde de Chancelleiros.)

Eu na sessão seguinte darei ao digno par todas as explicações.

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros.)

O digno par deseja esclarecimentos, mas interrompe-me, e, portanto, impede-me que eu lhe diga o que deseja saber.

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SESSÃO N.° 8 DE 3 DE FEVEREIRO DE 1898 75

O que eu disse foi que o registo na conservatoria dá a presumpção do direito a favor de quem está inscripto. Sobre essa presumpção, correndo um certo numero de annos, dá-se a prescripção e o dominio fica garantido. O que é necessario é estabelecer um registo especial de dominio que de toda a prova d'elle.

(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros.)

Essa é a execução da lei que eu hei de propor.

(S. exa. não reviu.)

O Orador: - Replica que lhe parece haver apenas o intuito de alliviar de encargos o orçamento.

Não quer abusar por mais tempo da paciencia da camara, e alludindo ao facto de funccionarem n'esta mesma sala os dois ramos do poder legislativo, qualifica de futil a rasão que se allega para não se ter permittido que a camara dos senhores deputados continuasse a reunir-se na sala da academia das sciencias.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Está ainda inscripto o digno par sr. Hintze Ribeiro, mas, como a hora já deu, vou consultar a camara sobre se permitte que s. exa. faça novamente uso da palavra.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem a palavra o digno par o sr. Hintze Ribeiro.

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, serei breve para corresponder à benevolencia da camara, que comprehende que eu, em presença das palavras do sr. Ministro da fazenda, não podia ficar silencioso.

É a segunda vez que o sr. ministro da fazenda tem a audacia de, negando-me os documentos que lhe peço para esclarecer uma questão da importancia da questão de fazenda, dizer que as suas responsabilidades não são tão graves como as minhas!

Eu devo dizer, porém, que, quando s. exa. queira fazer essa affirmação com toda a lealdade, deverá primeiro mandar á camara os documentos que lhe peço e que se tornam necessarios para apreciar as condições do thesouro.

S. exa. não manda os documentos, e limita-se a dizer que as minhas responsabilidades com respeito á questão de fazenda são mais importantes que as suas.

Ora, isto mostra unicamente que não ha lealdade da parte de s. exa.

Se o sr. ministro da fazenda julga que as suas ameaças relativamente á liquidação de responsabilidades me affrontam, engana-se completamente.

Em qualquer occasião que s. exa. queira liquidar essas responsabilidades, ha de encontrar-me, porque eu nunca fugi a dar conta dos meus actos.

O que eu peço a s. exa. é que mande á camara os referidos documentos, que esclareça primeiro a questão. Depois, com as provas patentes, a camara verá quaes são as minhas responsabilidades e quaes as suas.

Accusa-se o governo de que, estando nós a 5 de fevereiro, nada temos que discutir; e a resposta do sr. ministro da fazenda é que a 4 ou 5 de fevereiro do anno passado nada havia tambem que discutir.

Pergunta-se-lhe quaes os motivos por que não apresentou ainda ao parlamento o seu relatorio de fazenda com as respectivas propostas, e s. exa. responde que no anno passado a õ de fevereiro tambem o ministro da fazenda de então não tinha apresentado o seu relatorio de fazenda!

Accusa-se o governo de ter empenhado os recursos mais importantes de que elle podia dispor, como eram as obrigações da companhia dos caminhos de ferro de norte e leste, e a resposta do sr. ministro da fazenda é que o governo anterior tambem fez o mesmo em relação a alguns titulos da divida externa.

Então são tão graves os meus actos, tanto o peso das minhas responsabilidades, eu sou o culpado do estado a

que chegaram as cousas publicas, e o sr. ministro da fazenda, como unica defeza, só tem a allegar que me seguiu passo a passo em tudo e por tudo? Mas nem essa defeza colhe, porque nenhuma das informações do sr. ministro é verdadeira.

No anno passado, em janeiro, tinha eu feito discutir na camara dos senhores deputados, e foi discutida, tanto quanto o quiz a camara dos pares, a questão de fazenda; mas antes disso tinha eu mandado á camara todos os documentos que julguei necessarios para essa discussão.

Portanto, já o sr. ministro da fazenda vê que não póde haver parallelo entre o meu proceder e o proceder de s. exa.

Eu pergunto ao governo se se acha na mesma situação em que o governo passado se achava?

O que tem feito o sr. ministro da fazenda? Quaes são as suas medidas de fazenda? O que fez s. exa. do seu plano financeiro?

Nenhuma, nem uma só. S. exa. até este momento não tem feito absolutamente nada.

Quanto ás obrigações do caminho de ferro, eu devo dizer que o sr. ministro da fazenda alienou com a maior indifferença um importante recurso, que o governo transacto tinha angariado, porque foi o ministerio passado que, depois de uma difficilima questão, que não tinha levantado, alcançou a valorisação d'esses titulos, cotados por diligencias suas nos mercados estrangeiros.

Aqui está o que eu fiz e o que s. exa. fez.

Disse o sr. ministro da fazenda que eu tinha alienado titulos da divida externa.

Não alienei titulos, angariei-os para o thesouro.

Quem os alienou não fui eu, quem os mandou vender foi o actual sr. ministro da fazenda.

Mas, eu não quero n'esta altura da sessão estabelecer parallelos; quero só dizer ao sr. ministro da fazenda que as suas affirmações não são exactas. E se s. exa. quer que se prove se o são as minhas ou as suas, mande-me os documentos que lhe pedi, porque primeiro que tudo é necessario que a camara se esclareça sobre o que é da responsabilidade da minha gerencia e o que o é da sua.

Não occulte s. exa. nada do que lá encontrou da minha administração, nem esconda o que é da sua responsabilidade, pois só assim a camara e o paiz poderão avaliar justamente qual de nós dois foi melhor administrador.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Sr. presidente, quando um parlamentar tão habil como o digno par sr. Hintze Ribeiro, recorre ao argumento que s. exa. acaba de empregar, póde ajuizar-se que está perdida a causa que defende.

Pois o digno par quer convencer alguem de que a questão de fazenda não está ainda liquidada porque eu lhe não mandei a correspondencia trocada com a junta do credito publico?

Pois. é por isto que a questão de fazenda se não resolve?...

Pois tambem não é possivel liquidar e apurar essa questão, só porque eu não mandei ao digno par os documentos relativos ás negociações entre o governo e a companhia dos tabacos?

Eu já declarei ao digno par que ha de ter esses documentos quando, a par d'elles, possa apresentar a rasão jusificativa do meu proceder.

Taxou s. exa. de inexactas algumas asseverações que ha pouco apresentei.

S. exa., que é tão prompto em achar os outros em erro, deveria ter escutado attentamente aquillo que eu disse e que sustento, e é que na camara dos dignos pares, o anno passado, até ao dia 6 de fevereiro, não se tinha discutido, nem approvado mais do que o projecto de resposta ao discurso da corôa.

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76 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

N'esta casa, repito, só se tinha discutido então a resposta ao discurso da corôa.

Esta é a verdade, que os registos parlamentares podem provar.

S. exa. não acceita o precedente que lhe apresentei em relação ao anno passado, porque era então periclitante a situação do governo.

Citei o anno passado, por ser aquelle que está mais proximo da epocha em que nos achamos, mas, se compulsarmos os registos parlamentares de 1896, vimos que o relatorio de fazenda foi apresentado em 16 de março e então não estava o ministerio a que s. exa. presidiu prestes a cair, a dar a alma ao Creador.

Por isto vê a camara que não é costume ser apresentado o relatorio de fazenda antes de 7 de fevereiro, e pelo que respeita a este anno e pelo que se refere á minha responsabilidade, já expliquei as rasões que motivaram a demora na apresentação d'esse documento.

Diz o digno par, que se mallograram as propostas que eu submetti o anno passado ao exame e apreciação dos corpos legislativos.

Eu ia tive occasião de declarar que da commissão de fazenda d'esta camara está pendente o projecto relativo ao tribunal de contas, e se ella não funccionou hoje, a culpa não foi minha, porque á uma hora e tres quartos da tarde já eu e o sr. conselheiro Antonio de Serpa, presidente d'essa commissão, estavamos no edificio.

Pois não faz essa proposta parte do conjuncto de providencias a que s. exa. alludiu? Como é então que se mallogrou o meu plano? Só se mallogrou no espirito de s. exa. O governo traçou a sua linha de conducta, e creia que não só desviará d'ella.

Se no anno passado não foram discutidas todas as propostas, é porque era impossivel conservar por mais tempo

o parlamento aberto, visto que perigava a saude dos seus membros, mas o governo insiste em todas as medidas que apresentou e espera vel-as convertidas em leis.

Em conclusão. Disse o digno par que creou as 72:000 obrigações do caminho de ferro do norte e leste.

Francamente, se vamos remontar á origem d'aquelles titulos, parece-me que quem as creou foi quem as pagou, é isto é, quem adiantou á companhia uma certa somma de dinheiro.

A este respeito e para não fatigar mais a attenção da camara, mantenho o que disse e que hei de provar, isto é, que o digno par alienou e hypothecou titulos de divida publica tão valiosos como aquelles.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - A proxima sessão é na quinta feira 10 do corrente, e a ordem do dia apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e vinte e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 5 de fevereiro de 1898

Exmos. srs.: Marino João Franzini; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, da Borralha, de Lagoaça, de Macedo, de Magalhães, de Thomar; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Athouguia, de Chancelleiros; Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Candido, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Palmeirim, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, Abreu e Sousa e Pessoa de Amorim.

O redactor = Urbano de Castro,

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