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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 71

dos membros d’esta camara, para que alguem lhe respondesse indicando-lhe outro meio possivel e efficaz de fiscalisação, a não ser a attribuição ao administrador do concelho ou bairro, e á minoria das commissões, do direito de rubricar e numerar os referidos verbetes, para que alguem sinceramente lhe dissesse, se de outro modo se podia tornar effectiva a fiscalisação que compete á auctoridade administrativa na elaboração dos livros de recenseamento. Hontem o sr. presidente do conselho tambem appellou no mesmo sentido para a consciencia da camara, á falta de certo de melhor argumento.

Pois eu responderei muito franca e sinceramente a s. exas., é com a mão na consciencia, como s. exa. procurarei dizer que um simples raciocinio e a pratica diaria e commum do assumpto bastará para indicar- muitos outros meios; um d’elles, por exemplo, foi p proposto pela maioria das commissões de recenseamento eleitoral do Porto á minoria e á auctoridade, meio que se poz ali em pratica como assentimento geral até 25 de janeiro passado, e de cuja efficacia ultimamente a auctoridade e as minorias caprichosamente duvidaram, recusando-se a acceital-o, não obstante ser manifestamente mais facil e exequivel e de tão segura e evidente garantia como aquelle que a auctoridade agora pretendia impor.

Esse meio, como consta das actas das commissões de que tenho copia, consistia em emmassar todos os dias no fim da sessão os verbetes apurados, lacral-os e encerral-os em cofres de tres chaves que existem no edificio, da camara municipal, ficando duas d’estas chaves em poder da minoria e uma só na mão da maioria de cada commissão.

A transcripção dos verbetes para o livro de recenseamento realisava-se em presença das minorias e da auctoridade, que só depois de conferirem cada verbete tirado do cofre com a respectiva transcripção appunham no livro as respectivas rubricas.

De outro argumento, de caracter mais juridico, mas não menos facil de destruir, cabem as exclusivas glorias ao sr. ministro da justiça. S. exa. disse hontem na outra casa do parlamento, (e o governo, que não póde deixar de reputar-se responsavel pelas palavras de cada um de seus membros, assumiu n’este ponto uma responsabilidade tanto mais effectiva que tratando-se de uma questão juridica, foram taes palavras proferidas pelo ministro da justiça, chefe da magistratura portugueza), que a lei dando ao administrador do concelho o direito de recorrer das dileberações das commissões de recenseamento para o poder judicial, lhe attribue manifesta, bem que implicitamente o direito de usar de todos os meios para tornar esse recurso effectivo, e que se é licito vedar ao administrador o rubricar os verbetes, quer dizer, os papeis intermediarios que servem para se fazer o recenseamento, mal se podia conceber que lhe assistisse, o direito de recorrer das decisões da commissão, porque se lhe negavam os meios de formular e fundamentar esses recursos perante o poder judicial, por outra fórma que não fosse uma simples allegação verbal.

O sophisma é aqui por demais transparente, sr. presidente. Ao administrador como á minoria da commissão assiste, e ninguem lh’o contesta, o direito de elaborar, á medida que se vão apurando os eleitores, cadernos de apontamentos, de cuja conferencia com o que depois encontrarem nós livros extrahirão fundamentos para formular e justificar quaesquer recursos.

É assim que sempre se tem feito, assim que se procede em toda a parte, e o que eu francamente não sei é porque no Porto se havia de proceder de outro modo, nem para que as singulares e arbitrarias exigencias da auctoridade se tornaram necessarias.

Mas, sr. presidente, esta parte da questão é de certo e para todos a menos importante, e por isso, quando eu comecei de tratar este assumpto, querendo pôr de parte quaesquer subtilezas juridicas, declarei desde logo ao sr. ministro do reino que não queria sequer discutir sé as auctoridades administrativas e as minorias tinham ou não por lei o direito de rubricar os verbetes.

Dei de barato até que assim fosse, e que partissenios, se s. exa. o desejava, de tal supposição.

Para mim, ou antes para a manutenção do bom e genuino direito eleitoral, o mais importante facto que a meu ver constitue uma violencia do direito eleitoral, do mais sagrado de todos os direitos do cidadão, o que a cidade do Porto tem o direito de considerar um serio e inconveniente aggravo, de que em termos aliás moderados e cordatos tem pedido reparação, e pelo qual lhe é devida cabal desaffronta, o que é realmente mais para lamentar em todos estes acontecimentos é o facto da prisão dos membros das maiorias das commissões de recenseamento em virtude de uma sua deliberação, que a auctoridade administrativa ineptamente classificou de desobediencia aos seus legitimes mandados.

Não me farei cargo de demonstrar de novo o que já tão claramente foi demonstrado pelo meu illustre amigo, o sr. Ferrer: que as commissões de recenseamento, emquanto estão procedendo á elaboração d’aquelle documento, são perfeitos tribunaes electivos, cuja attribuição exclusiva é julgar, em primeira instancia, do direito eleitoral do cidadão, e a quem como taes cabem de direito todas as immunidades dos tribunaes judiciaes, toda a independencia do poder judicial, cujas attribuições exercem.

N’estas circumstancias, nenhum mandado da auctoridade administrativa, que ali assiste como que desempenhando o papel de ministerio publico, quer se refira ás sentenças ou deliberações das commissões, quer ás formulas e ordem do processo, póde licitamente ser considerado de legitimo mandado da auctoridade, nenhuma deliberação da commissão de desobediencia a um legitimo mandado da auctoridade superior e competente para mandar.

A citação de varios artigos da novissima reforma, ou do artigo 188.° do codigo penal, feita com referencia ao facto que se discute, pelo sr. presidente do conselho, veiu pois, digamol-o francamente, muito fóra de proposito.

Outro argumento, porém, que tomarei n’esta occasião a liberdade de acrescentar aos já mais que sufficientes para esclarecer a questão apresentados pelo digno par, sr. Ferrer, se deduz, a meu ver, do artigo l5l.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1802, que diz assim:

«Os processos por estes crimes não suspendem ás operações eleitoraes.»

Ora, se o juiz não desse (como a auctoridade administrativa desejava e pedia no seu auto) fiança aos membros effectivos das maiorias das commissões, que lhes foram remettidos sob custodia pelos administradores dos bairros do Porto, se no dia seguinte os vogaes substitutos deliberassem (como aliás era provavel em corporações onde effectivos e substitutos da maioria e minoria se encontram nas mesmas proporções) pela mesma fórma e tivessem igual destino, fossem tambem presos e não obtivessem do poder judicial fiança, como é que haveriam de proseguir as operações do recenseamento, como manter-se ininterrupto o processo eleitoral, e como havia de cumprir-se a prescripção categorica do artigo l5l.° do decreto eleitoral de 1852?

A contradicção entre o procedimento da auctoridade e as disposições da lei eleitoral fica, portanto, por esta fórma, e mais uma vez, manifesta. A boa interpretação das leis não póde conduzir a taes opposições e absurdos. Se fosse licito á auctoridade qualificar de crime de resistencia aos seus mandados legitimos, crime sem fiança, as deliberações das commissões de recenseamento, o artigo 151.° seria outro, e conteria providencias para a hypothese.

O que é verdade, sr. presidente, o que eu legitimamente concluo de tudo quanto levo dito e tenho ouvido ácerca do assumpto, é que o sr. ministro da justiça, o chefe da magistratura portugueza, sustentou uma doutrina que eu peço licença para a qualificar de reaccionaria e liberticida quando affirmou hontem; em nome do governo