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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 6 DE FEVEREIRO DE 1864 PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

Peias duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 30 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

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O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou a seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio dos, negocios estrangeiros enviando, para se distribuirem pelos dignos pares 100 exemplares das contas da sua gerencia do anno económico de 1861-1862. Mandaram-se distribuir.

O sr. Presidente; - Declaro á camara que a sessão solemne das cortes geraes para o reconhecimento do Principe Real, terá logar na quinta feira, ás onze horas da manhã, na camara, dos senhores, deputados, e que, findo o acto do reconhecimento será logo nomeada a grande deputação que ha de ter a honra de apresentar a Sua Magestade as respectivos authographos. E como a ceremonia tem de ser demorara, e Sua Magestade a recebe ás duas horas e meia da tarde, eu pedia aos dignos pares que comparecessem á hora indicada para não haver falta.

O sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, pedi a palavra para cumprir um dever estabelecido pelas praticas, parlamentares, o qual consiste em dizer o motivo da minha retirada do ministério.

A camara sabe por participação official que recebeu, que pedi a Sua Magestade a minha exoneração do cargo de ministro da guerra, e que esta me foi concedida. Vou dar algumas explicações a este respeito.

O parlamento tinha dado uma auctorisação ao governo para melhorar a organisação do exercito nas suas differentes partes. Este trabalho foi demorado, porque se esperavam os relatorios das commissões particulares encarregadas de tratar dos melhoramentos de cada uma das armas de infanteria, cavallaria e artilheria. Quanto á engenheria e ao corpo do estado maior, foram os trabalhos incumbidos aos respectivos generaes commandantes.

Havendo sido o plano de organisação publicado na ordem do exercito, appareceram varias reclamações, algumas das quaes eu entendi que deviam ser attendidas. Não deve admirar que as houvesse, porque em um decreto que contém perto de cento e oitenta artigos, podia facilmente dar-se uma omissão, ou existir uma disposição que não fosse bem ajustada, sendo por consequencia susceptivel de correcção.

Quando se distribuiu o referido plano na outra camara, foi ali proposto que elle fosse mandado á commissão de guerra, para o examinar, a subsequentemente tambem se propoz que fosse suspensa a execução do decreto.

Pela resolução tomada a tal respeito, pareceu me que tinha cessado de existir a boa harmonia que sempre houvera entre aquella camara o o ministro da guerra, e attendendo ás condições do systema representativo, as quaes exigem que haja perfeita harmonia entre o poder legislativo e o poder executivo, entendi que devia pedir a demissão do cargo de ministro da guerra, prestando assim respeitosa homenagem, aos principios constitucionaes (apoiados).

Por esta occasião devo agradecer aos dignos pares as expressões de benevolencia que empregaram a meu respeito, e peço a ss. ex.ª que aceitem o meu cordeal reconhecimento; cumpre-me dirigir me especialmente ao digno par o sr. Rebello da Silva, que tomou a iniciativa n'essa demonstração de tanto favor.

Vozes: — Muito bem.

O sr. J. A. de Aguiar: — Sempre fez a devida justiça á nobreza de caracter, honradez e lealdade do sr. visconde de Sá, e que n'este sentir era unanime toda a camara, por isso mesmo, tendo ouvido as explicações de s. ex.ª, que são, como não podem deixar de ser, a expressão da verdade, observa que é d'ellas mui diversa a causa para a sua saída do ministerio, do que aquella que os seus collegas annunciaram. Estes disseram que tinha sido um compromettimento pessoal de s. ex.ª, que lhes não tinha communicado a reforma do exercito, e o sr. visconde declara que foi acto espontâneo de delicadeza da sua parte para remover a causa do conflicto que se dava entre o poder executivo, e uma das casas do corpo legislativo.

O sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Os factos passaram se assim. A lei que auctorisou o governo a melhorar a organisação do exercito contém as bases d'esta organisação e define os limites da mesma auctorisação. Segundo a lei a despeza resultante das alterações que se fizessem, não devia exceder a despeza do orçamento votada, o numero dos officiaes do exercito não devia ser maior do que o que existia, e os quadros dos officiaes deviam ser fixados. Todos os ministros conheciam estas bases, e estavam ao facto de que o decreto fóra publicado, pois que se acha mencionado na falla do throno (apoiados). Nenhuma das disposições d'aquella lei foi ultrapassada.

Sr. presidente, quando na outra casa se deu o facto a que me referi, eu na qualidade de ministro de guerra, fui convidado pelo sr. presidente da commissão de guerra da mesma camara para assistir a uma conferencia. Effectivamente assisti a ella, e devo declarar á camara, que n'essa occasião todos os membros da mesma commissão, sem excepção, procuraram combinar esse assumpto da maneira a mais conveniente para desfazer as difficuldades que existiam. Entretanto, eu entendi que não devia continuar no cargo de ministro de guerra. No dia seguinte escrevi ao sr. presidente do conselho perguntando lhe quando o encontraria em sua casa; e logo que me achei com s. ex.ª, disse-lhe que tinha resolvido saír do ministerio, e que eu ía á secretaria da guerra immediatamente para fazer lavrar o decreto da minha demissão, que ía solicitar de Sua Magestade. N'esta mesma occasião disse-lhe o seguinte: «Que a minha retirada do ministerio não era um motivo para que se alterasse a situação politica». Que sendo certo que para a boa gerencia dos negocios publicos deve existir perfeita harmonia entre o poder legislativo e o poder executivo, e que quando haja divergencia deve-se procurar voltar ao estado normal, ha comtudo differentes meios de chegar a este estado, sendo um delles as dissolução da camara electiva; outro o augmento de numero de pares; outro a demissão do ministerio; e ainda em certos casos a demissão de um ou mais ministros. Que é esta a pratica seguida em todos os paizes em que existe o systema parlamentar. Que em Inglaterra tem acontecido apresentar o ministro da fazenda de accordo com os seus collegas, um bill á camara dos communs, e que não sendo este approvado saír do gabinete, elle só e não os seus collegas; e que a questão de que se tratava era com o ministro da guerra; pois que, se bem os outros ministros conheciam as bases da reforma, não tinham entretanto discutido os detalhes da mesma reforma.

Uma voz: — Ouçam (apoiados). Continuando: — Muitas vezes se tem feito isto mesmo. Pedindo um ministro auctorisação para reformar j uma parte do serviço do seu departamento, e concluindo o seu trabalho sem discutir com os seus collegas os detalhes da reforma. E isto provem de que para julgar dos detalhes de um serviço de cada ministerio,

O mais habilitado é o respectivo ministro. Assim, por exemplo, o ministro da justiça é o mais competente para fazer certos trabalhos a respeito do clero, ou a respeito dos juizes; trabalhos de que o ministério da guerra não entende, e por isso ácerca d'elles não é preciso o seu conselho.

- Eu disse aos meus collegas que no decreto de reforma não se tinham ultrapassado os limites marcados na lei. E effectivamente não se augmentava o numero dos officiaes nem a despeza, e fixavam-se os quadros; e a maior parte dos artigos da reforma são disciplinares ou a codificação do que se achava já determinado.

Com effeito adoptou-se o que ha de bom no plano de organisação de 1849, e tambem o que se podia aceitar dos planos de organisação de 1816, de 1834 e de 1837.

Prestou se toda a attenção aos excellentes relatorios das commissões especiaes, relativos á organisação da infanteria, cavallaria e artilheria, e aos relatorios dos generaes commandantes de engenheria e do corpo do estado maior. Tiveram-se em vista varios escriptos que se têem publicado no reino, relativos á organisação do exercito, e consultaram-se documentos officiaes sobre a presente organisação de diversos exercitos estrangeiros.

Uma grande parte das disposições geraes contidas no novo plano, podiam ser tomadas dentro dos limites da auctoridade ordinaria do ministro da guerra, bastante para serem executadas a sua simples publicação na ordem do exercito. Entretanto como, os meus collegas não entraram na apreciação dos detalhes d'esta medida, eu entendo que elles não estavam obrigados, a deixar a administração como eu estava. E isto o que eu entendo em consciencia. O que deixo dito está conforme com o que se passou.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Rebello da Silva: — As explicações que acaba de dar o digno par, o sr. visconde de Sá, confirmam o juizo que eu tive a honra de enunciar n'esta camara, quando s. ex.ª saíu do ministerio, ácerca da nobreza do seu caracter; e não deixam a menor duvida sobre o antigo conceito que, não só eu, mas toda a camara, formou sempre das suas distinctas qualidades (apoiados). E uma declaração cheia de lealdade, propria do seu bom nome, e digna da alteza e elevação natural de sentimentos com que o digno par costuma proceder, quando o seu melindre se acha levemente aggravado, com relação ao cumprimento dos seus deveres officiaes.

A theoria que o digno par acaba de expor parece-me exacta. Dado conhecimento ao conselho de ministros das bases de qualquer acto governativo, os detalhes, os pormenores d'elle não se costumam, não se podem mesmo discutir. Se qualquer ministro fosse occupar o conselho com as particularidades do desenvolvimento de todas as suas propostas, pouco tempo sobraria ao governo para fazer outra cousa; e examinados e approvados os pontos capitães estão vistos e sabidos o pensamento e os principios em que se funda á medida, pensamento e principios que lhe dão a feição proeminente, e sem os quaes não póde existir. O exame do conselho de ministros n'este caso serve só para cobrir a responsabilidade solidaria. Se o sr. visconde de Sá, pois, communicou aos seus collegas as bases da reforma, e era indispensavel que assim obrasse em obediencia á lei, a questão torna--e mais grave, e a approvação ou rejeição do decreto não póde alcança-lo só a elle. Cumprida n'esta parte a lei de 23 de junho de 1855, a qual ordena expressamente que todos os assumptos importantes sejam discutidos em conselho de ministros, justamente para obrigar todo o gabinete por elles, e para tornar verdadeira e effectiva a responsabilidade constitucional, é difficil admittir a doutrina de que elle devia saír e os seus collegas podiam ficar, senão houve outra causa que produzisse no seio do gabinete alteração essencial. O systema representativo converter-se-ia em pura ficção e a fiscalisação parlamentar seria mera illusão, se pelo facto de um ministro desapparecer repentinamente, desapparecesse com elle toda a responsabilidade, e os outros, ficando, podessem dizer — não sei, não vi!

As explicações do meu nobre amigo, repito foram dignas da sua lealdade, parece-me comtudo que não estão de perfeito accordo com o que se declarou nos bancos do ministerio ha dias na replica ás interpellações que ouvimos. Não ter apresentado a reforma ao conselho de ministros, é diverso de lhe ter submettido as bases d'ella. O digno par asseverou hoje ter dado conhecimento aos collegas dos pontos capitães.

(Signaes negativos em alguns membros da assembléa).

O Orador (ao sr. Visconde de Sá, que se achava ao seu lado): — O digno par não affirmou que deu conhecimento aos seus collegas das bases da reforma do exercito?

O sr. Visconde de Sá: — Disse que dei conhecimento de toda aquella medida, mas dos detalhes d'ella não.

O Orador: — E isso mesmo, deu conhecimento da medida, por consequencia deu conhecimento das bases della.

Repito, se o digno par deu parte aos seus collegas, o decreto não foi publicado com ignorancia do gabinete, e se houvesse algumas duvidas, o sr. visconde de Sá tinha assento no conselho para as esclarecer; logo desde esse momento o decreto não era só d'elle, mas de todo o ministerio. Eis o ponto que eu desejo que fique n'este momento bem claro.

Sobre o que disse o sr. visconde de Sá ácerca da doutrina da solidariedade ministerial, peço licença para dizer alguma cousa. Depois de adoptadas algumas providencias em virtude de auctorisação das côrtes, póde de certo o ministro saír do gabinete; tem succedido varias vezes, occorre o mesmo em Inglaterra e na França constitucional; mas em que circumstancias? Quando os membros do gabinete não estavam de accordo, quando a maioria do conselho seguia uma opinião, e a minoria outra; n'estas circumstancias o gabinete dissolve-se todo, ou retiram-se d'elle os ministros que não estão conformes. Talvez vejamos cedo um exemplo d'esses na Gran Bretanha. O que não acontece porém, é saír só o ministro, ao qual os collegas deram um voto de confiança, e depois de se referir a reforma com ostentação entre os actos inculcados no discurso da corôa. Não é a lei, nem o costume!

O sr. Braamcamp saíu, diz-se, por causa da parte do decreto que legislou sobre a guarda municipal. Não julgo. Retirou se por suppor a sua delicadeza empenhada n'este conflicto; e devo declarar aqui hoje que, apesar de não concordar com s. ex.ª, nos ultimos tempos, no modo de attender e decidir varios assumptos politicos e administrativos, este dessentimento nunca me impediu de conhecer e presar o seu caracter probo e desinteressado. Rendo lhe aqui depois de recolhido á vida privada este testemunho insuspeito, não porque s. ex.ª o precise, mas porquê sempre me honrei de ser justo e respeitador das qualidades dos meus adversarios, e o primeiro a louva los sem inveja nem rancor.

O sr. Braamcamp entendeu que a saída do sr. visconde de Sá o obrigava a pedir a sua demissão; obriga lo ía só em virtude da assignatura dada ao decreto, ou sobretudo em nome do principio mais alto da solidariedade?

Essa é a questão, e bom seria que ouvíssemos o governo ácerca d'ella. Não desejo que debates d'esta natureza corram nunca á sua revelia.

Parecia mais em harmonia com as boas regras que a demissão do nobre visconde de Sá não se verificasse antes de discutida a resposta o discurso do throno, e sem a. ex.ª ter respondido ás arguições que lhe offerecesse o corpo legislativo; só depois da discussão geral e da votação das camaras é que seria parlamentar e constitucionalissimo que s. ex.ª se retirasse, conhecendo que perdera a maioria.

A verdade é que não podemos estar assistindo continuadamente como espectadores indifferentes ao desabamento de uns ministros e á nomeação de outros sem crise que o motive; é necessario que o ministerio aceite a responsabilidade dos seus actos; acrescentarei mesmo, que um paiz pequeno quando progride como o nosso nos ultimos annos á sombra das instituições e da paz, deve ser cada vez mais severo e cauteloso em exigir que ellas se não invertam ou degenerem, porque a liberdade não vive só do que está escripto na carta, mas de tudo que os costumes politicos e a acção do parlamento introduziram para as fortificar e desenvolver. Assim se pratica em Inglaterra, e entre nós desde a promulgação sobretudo da lei de 23 de junho de 1856.

Agradeço as explicações que o digno par deu á camara, e repito que s. ex.ª não fez senão confirmar o meu juizo a seu respeito. O digno par em todas as circumstancias ha de corresponder sempre ás virtude a e prendas do seu nobre caracter; mas concluirei que não acho conformidade completa entre as palavras do sr. visconde de Sá e as que ouvi dos bancos dos ministros; pelo contrario, parece notar entro ellas grande differença, e a differença é que s. ex.ª acaba de assegurar que deu conhecimento aos seus collegas das bases da reforma, e não dos detalhes, e como a auctorisação não foi concedida ao digno par, mas a todo o governo, a difficuldade fica e a sua saída não a remove.

N'estes termos julgo util provocar algumas explicações por parte do gabinete, o qual seguramente não desejará mais do que eu esclarecer esta confusão.

Equívocos em assumptos tão graves são sempre maus. Vae n'elles, não só a honra dos ministros, e essa estou certo de que não padecerá nódoa, mas o interesse da lealdade do exercicio das instituições representativas.

O sr. A. X. da Silva: — Se o digno par que acabou de faltar começasse pelo modo como acabou, asseguro á camara que não teria pedido a palavra. Eu não duvido que ao digno par, e tambem ao digno par o sr. Aguiar, seja necessario pedir ao governo quaesquer explicações sobre este acto ministerial, mas parece-me que guardadas todas as conveniencias que se devem ter para com qualquer cavalheiro, é na sua presença que se devem discutir as suas palavras, como muito bem reconheceu o digno par no fim do seu discurso.

Convide se o nobre presidente do conselho e na sua presença discutam se as suas explicações estão ou não em harmonia com as que deu o nobre visconde de Sá.

Peço pois que este negocio fique reservado para quando estiver presente o nobre presidente do conselho, e do passagem direi que não acho motivo para tanta novidade na saída do nobre visconde de Sá, de ministro da guerra, em consequencia da reforma da organisação militar, feita em virtude da auctorisação que fóra dada ao governo pelo parlamento, nem o sr. ministro que lhe succedeu propor que a mesma reforma seja alterada, modificada ou annullada, quando, sem ir muito longe, lembro-me que o digno par o

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sr. Seabra, sendo ministro da justiça, providenciou a respeito de um ramo de administração publica a seu cargo.

Uma Voz: - Foi um acto de dictadura.

O Orador: —Peço perdão, sei bem que foi um acto de dictadura, mas o caso é o mesmo, e não me consta que d'elle se tratasse no parlamento quando se discutiram as leis da dictadura.

Repito, o digno par o sr. Seabra, sendo ministro da justiça segundo me consta, apresentou em conselho de ministros uma proposta para se constituir em lei, relativamente ao seu ministério; não sei se o conselho a discutiu ou examinou, mas o que sei é que appareceu publicada com a referenda de todos os ministros, e passados poucos dias saía do ministerio o digno par o sr. Seabra e o seu successor com os outros ministros referendaram e publicaram outra lei alterando, modificando ou annullando a que havia sido proposta e referendada pelo digno par a que alludo e ninguém fez questão d'isso nem se deram explicações d’este facto ministerial.

Também o sr. Garrett, sendo ministro dos negocios estrangeiros, fez o mesmo, e não vi esta celeuma nem tantas duvidas, e não me parece que o caso seja novo, sem mesmo recorrer ao que se passa lá fóra.

Mas, tornando á questão, direi que o nobre visconde de Sá, com aquella lealdade que lhe é propria, fez as suas declarações que me parece estão em harmonia com o que disse O nobre presidente do conselho, e seria mais prudente que se guardassem essas explicações para quando estiver presente o sr. presidente do conselho ou o ministerio.

Proponho portanto, que este negocio fique adiado para quando se achar presente o ministerio, se o sr. ministro da marinha, que acaba de entrar, não quizer já responder. Peço a v. ex.ª que consulte a camara n'este sentido.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — O digno par faz um requerimento para que este incidente se guarde para quando tiver presente o sr. presidente do conselho.

O sr. Rebello da Silva: — Desejo unicamente expor breves observações para replicar a outras, que foram apresentadas á camara pelo digno par, e meu amigo, o sr. Xavier da Silva. Agora menos tenho que dizer ainda, depois que tive o gosto do ver entrar o nobre ministro da marinha, conselheiro responsavel da corôa, o qual já tive o gosto de ouvir aqui dar explicações sobre a última alteração ministerial. A camara estará lembrada do que eu disse há pouco, e de que fui o primeiro que reconheci que todas as reflexões que julgássemos necessario fazer deviam ser desenvolvidas na presença dos ministros. A questão sujeita é porém outra; e digo com franqueza ao meu illustre amigo que dou muito pouco apreço a precedentes constitucionaes quando se não derivam de boa fonte. Por mim entendo, que o terem procedido mal, sete, dez ou vinte ministros, não vale como argumento para que se justifique com o seu exemplo a continuação do erro, principalmente quando, em referencia ao assumpto, temos de obedecer á lei de 23 de junho de 1855, lei que não existia no tempo em que meu saudoso amigo o sr. Garrett, se assentava nos conselhos da corôa com o respeitavel conselheiro a quem se alludiu, e que todos temos a fortuna de ver presente, o digno par o sr. Seabra. Esse tempo alem d'isso era uma epocha de dictadura, estabelecida por uma revolução triumphante, em que o ministerio dissolvendo se não tinha a quem entregar o poder, e por conseguinte o precedente invocado não colhe. De epochas anormaes para periodos como o actual, não póde deduzir se analogia, nem trazer arrastados factos desculpados então pelo imperio de circumstancias extraordinarias, e hoje antipathicos á regularidade do systema representativo que felizmente em doze annos de pax teve tempo de entrar em caminhos menos cortados do precipicios e cilladas (apoiados).

Devo ainda acrescentar para recordação do digno par a que me honro de responder, de que assim mesmo julguei a exoneração dada ao sr. Seabra, como julgo hoje a do sr. visconde de Sá, e que, não tendo senão a tribuna da imprensa, do alto d'ella estranhei a queda dos dois ministros, e deplorei a quebra dos vinculos da solidariedade. As provas d'esta minha opinião estão impressas. Portanto não é só de hoje que para mim são repugnantes estes maus precedentes; estigmatisei-os usando das armas constitucionaes que a lei me dava na occasião propria. Não me obrigam, não os admitto... (Vozes: — Ha mais.) Ha muitos outros, bem sei, reprovo-os tambem. O meu desejo é que o governo, perante as camaras se conserve sempre na altura da sua missão verdadeiramente constitucional (O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra). Quero que exista entre os seus membros perfeita harmonia e intimo accordo de pensamento. Sem elle não ha governo (apoiados).

Concluirei dizendo, que me declaro contra a invocação de precedentes sem fundamento logico, e deduzidos de factos praticados em epochas de inquietação e sobresalto; pois embora podessem citar-me tantos que fosse difficil rete-los na memoria, o que se seguia d'esse argumento era que todos nós deviamos reconhecer a necessidade de os pormos de parte como herança funesta do erro, e rasgarmos a nossa estrada em melhor direcção.

Não ha precedentes superiores á boa doutrina, e sempre que elles lutarem contra a observancia dos verdadeiros preceitos, o systema representativo estará em perigo.

O sr. Izidoro Guedes: — Eu não entrarei na questão da solidariedade ministerial, porque isso já foi objecto discutido n'uma das ultimas sessões, e não creio que possa ser hoje o fundamento principal do incidente que se discute.

Consideremos as cousas como ellas são e conforme se nos apresentam.

O nobre visconde de Sá, com cuja amisade muito me honro, deu explicações sobre a sua saída do ministerio; eu entendi essas explicações por um modo, os dignos pares quê têem fallado entenderan-nas de outro modo, mas eu estou na convicção de que não entendi mal. Pedi por tanto a palavra unicamente para tratar esta questão de facto.

O que eu entendi foi que o nobre visconde de Sá tinha dito que effectivamente os seus collegas tinham tido conhecimento da reforma, mas não dos seus detalhes (Vozes.— Exactamente). Ora que todos Os ministros tinham tido conhecimento da reforma, isso sabia-se já pelo conteúdo do discurso da corôa. A questão portanto só podia versar sobre se tinha ou não sido discutida em concelho de ministros essa mesma reforma; e demonstrado que não provada estava a differença de responsabilidade. Querer-se n'este ultimo caso que ella fosse igual, seria uma tyrannia para assim dizer. E effectivamente o nobre visconde de Sá nos disse, com é cavalheirismo que lhe é proprio e todos lhe reconhecem que elle entendia ser esta questão da reforma do exercito uma questão propriamente sua; e que por especial e pessoal que effectivamente era não era para estranhar que não tivessem sabido d'ella os outros ministros que ficaram no gabinete. Creio que o meu illustre amigo e digno par, o sr. Rebello da Silva, não deixará de concordar em que é esta, pouco mais ou menos, a explicação dada pelo nobre visconde; e s. ex.ª que me ouve, melhor poderá corrigir o que porventura pareça menos conforme, pela maneira como me exprimi.

O sr. Visconde de Sá: — Se o digno par dá licença.

O Orador: — Estimo muito ouvir de novo a v. ex.ª.

O sr. Visconde de Sá: — O que eu disse foi que os meus collegas tinham conhecimento das bases da reforma, que são as que se acham na lei que a auctorisou; mas que não entraram na discussão dos seus detalhes. (Apoiados. —Vozes: — Pois é isso mesmo.)

O Orador: — A camara acaba de ouvir o nobre visconde de Sá confirmar as suas palavras, que estão de accordo com o sentido que lhes dei. (Vozes: — Ha alguma differença.) As palavras do nobre visconde dizem em substancia o mesmo que eu disse (apoiados). Quanto a mim parece-me completamente inutil qualquer insistência mais. Permitta mesmo o digno par, e meu amigo, o sr. Xavier da Silva, dizer a s. ex.ª que não julgo necessaria a presença do sr. presidente do conselho para esta questão, porque s. ex.ª já respondeu perante esta camara sobre esta mesma occorrencia de que nos estamos occupando (apoiados). Poderá até certo ponto ser justificavel uma acareação sobre opiniões, mas em relação a factos passados entre cavalheiros como são os ministros que saíram e os que ficaram, isso, a dizer a verdade, parece-me de todo desnecessario (apoiados). Faço justiça igual a todos, e entendo que assim o devo fazer. Quanto á maneira de apreciar as explicações, isso é livre a cada um de nós; mas eu tenho a satisfação de ver que o meu nobre e illustre amigo, o sr. visconde de Sá, confirmou-me na persuasão em que estava, do que o tinha entendido bem.

O sr. Ministro da Marinha: — -Observou que a saída do sr. visconde do Sá não foi o resultado de uma crise ministerial, nem para ella havia causa fundada, pois nem se infringiram as praticas constitucionaes, nem houve quebra dos principios estabelecidos na lei de 23 de junho de 1855 porque não se alterou na minima cousa o principio da solidariedade ministerial. Fazendo a exposição dos factos co me se passaram, observou que não tinham fundamento as arguições que se faziam ao governo.

O sr. A. L. de Seabra: — Não posso deixar de dizer duas palavras á vista da referencia que o digno par o sr. Xavier da Silva acaba de fazer a um facto passado comigo.

Sendo eu ministro da justiça em 1852, o governo assumiu a dictadura, dissolveu as côrtes, e cada um dos ministros tratou de fazer as reformas que lhe pareceram necessarias. Eu julguei dever apresentar algumas reformas de justiça civil, e depois de ter preparado o meu trabalho (e como bem se entende a dictadura não existia em mim, mas no governo), chamei os meus collegas a conselho, apresentei as minhas reformas, e tratei de discutir com elles essas mesmas reformas, entre as quaes figurava o decreto de 7 de agosto de 1852; assistiram todos os meus collegas, menos o sr. Fontes Pereira de Mello, que se achava impedido por negócios da sua repartição, e que nos communicou que estava por tudo o que fizessem os seus collegas.

Leu-se, discutiu-se, approvou-se e publicou-se o decreto de 7 de agosto; depois de publicado o decreto, os meus collegas reconsideraram e entenderam que não era conveniente que aquella reforma fosse levada a effeito, e instaram comigo repetidas vezes para que suspendesse ou propozesse a revogação d'aquella lei. Não poderam convencer-me, porque as rasões que me apresentaram não me pareceram sufficientes para isso; e então declarei que achando me em desintelligencia com os meus collegas não devia continuar a formar parte do ministerio, e pedi a Sua Magestade a Rainha, de saudosa memoria, a minha demissão, que me foi concedida. No dia seguinte o governo suspendeu o decreto que eu tinha publicado, e podia faze-lo porque se achava em dictadura. Então não havia parlamento aberto, eu não podia dar explicações, nem depois o pude fazer, porque a minha eleição foi guerreada, e fecharam me as portas do parlamento. Se tivesse vindo aqui, havia de ter dado explicações, e havia de ter perguntado a rasão da revogação, mas não o pude fazer. O tempo passou e esse negocio esqueceu como se segue com todas as cousas e principalmente em politica. Porém o digno par o sr. Xavier da Silva quiz justificar com esse facto para o caso presente, e eu não posso deixar de lhe pedir licença para lhe dizer que não tem cabimento algum a analogia que s. ex.ª pretendeu encontrar.

Quanto ao principio da solidariedade, eu já a indiquei, mas emquanto á revogação o caso é outro. O governo de que eu fazia parte achava-se em dictadura, e portanto competente para publicar o decreto e para o poder revogar. Já se vê pois que não há analogia para caso presente.

Agora passarei a dizer qual é a minha opinião em relação ao caso presente, porque desejo ver estabelecidas n'este paiz as verdadeiras praticas constitucionaes e que se tirem as consequencias dos principios como se devem tirar. Eu entendo que o acto mais importante e mais delicado que póde commetter o parlamento é uma delegação do poder legislativo, e não sei mesmo se no rigor doai principios tal faculdade pode ser admittida mas a prática tem n’o permittido; comtudo quando no parlamento se vota uma delegação do poder legislativo vota-se sempre no governo e nunca no individuo, porque por esse facto diminuia a sua garantia, reduzindo a um individuo aquillo que devia ser da responsabilidade de seis; é como excerto que os parlamentos se devem acautelar com cuidado contra o abuso possivel, e é por isso que taes delegações nunca se podem conceder individualmente. D'este principio tiro eu consequencia de que a execução d'essa medida nunca póde ser senão a execução de um pensamento collectivo: é ao, governo que se confere a auctoridade, é o governo que a ha de executar (apoiados).

E como se faz essa execução? Pela iniciativa do ministro competente. Preparada por este a medida; elle tem obrigação restricta de chamar os seus collegas a conselho para obter a homologação do governo, que é a sancção da medida, pois é precisa esta homologação para que a obra que um ministro fez se torne do governo, senão, não o é; porque não ha de ser um ministro fé que execute aquillo que o parlamento mandou que se fizesse pelo governo. Mas como ha de fazer se? Entendem-se os ministros como querem. Se os ministros têem confiança no seu collega, dizem, não queremos ver nada; senão têem, discutem phrase por phrase, virgula por virgula; mas em todo o caso, discutida ou não discutida a medida, fica com o caracter governamental e não individual, porque os ministros, pela abdicação do seu exame individual, dão-lhe esse caracter. Assim aconteceu no caso referido, em que os meus collegas deram áquella medida o caracter que não tinha. O sr. Fontes Pereira de Mello, não podendo comparecer, e dando a rasão do impedimento que tinha, declarou muito expressamente que dava a sua adhesão, ou tomava a responsabilidade d'aquillo que fizessem os seus collegas. O sr. Fontes Pereira de Mello existe ainda; infelizmente os outros já não existem, e é para nós motivo de saudade a sua recordação.

Mas, sr. presidente, tenho ouvido aqui uma cousa que me espanta summamente — é a distincção de bases e desenvolvimentos. Isto conduz a um sophisma permanente dos principios. Pois o que é um desenvolvimento que destroe uma base? Se esse desenvolvimento era consequencia exacta, a medida está preenchida, porque os ministros confiaram no seu collega, deixando-o apresentar a medida; tanto que no discurso do throno d'isso se faz menção. Qual é a rasão d'isto? E porque lhe deram a sua adhesão. Com confiança ou sem ella, isso é diverso. Portanto eu, sobre este objecto, tenho uma opinião muito fixa, é a seguinte: nas auctorisações concedidas ao governo, os ministros são solidarios, porque é o ministerio que as executa. Nem se póde conceber de outra maneira (apoiados). Se os ministros não discutiram entre si, é porque deram um voto de confiança ao seu collega; e se não queriam que isso assim fosse discutissem. De outra maneira não ha governo nem póde haver. Isto nada tem com a responsabilidade individual que cabe aos ministros, pois é preciso que cada um d'elles seja livre, e faça o que entender em relação aos negocios da sua repartição. Se os seus collegas acham desharmonia entre a marcha do ministerio e as suas opiniões, têem outra marcha a seguir, que é traze-lo aos seus principios, ou de qualquer maneira harmonisarem-se, sob pena de um ministro não poder fazer cousa alguma sem ouvir todos 03 outros, o que entorpeceria o andamento da machina governamental; mas querer confundir esta responsabilidade ordinaria com aquella que nasce de uma delegação do poder legislativo, é o maior absurdo que póde haver.

Portanto sem querer tirar consequencia nenhuma d'isto, nem fazer applicações, o meu dever é dar aqui a minha opinião firme e franca. O que desejo é que se observem as boas praticas parlamentares, e que se tirem as consequencias dos principios. Agora um systema de inconsequencias, um systema de distincção de bases essenciaes e não essenciaes, isso não tem pés nem cabeça, permitta-se-me este modo de expressar, o governo é que responde por aquillo que fez e pela maneira por que o fez.

O sr. Osorio: — Sr. presidente, seguirei o costume que tenho, todas as vezes que me resolvo, e com difficuldade, a tomar a palavra, de pedir desculpa á camara porque estou sobejamente convencido da insufficiencia das minhas luzes para não precisar do seu auxilio e benevolencia.

Sr. presidente, as discussões com rasão se podem comparar ao fenómeno das avalanches, pequenas massas de gelo, na sua origem insignificantes, mas que despenhando se de montanha em montanha, chegam a tomar proporções assustadoras na planície,

Parece-me que quem ouviu o principio d'este debate não imaginaria que elle chegasse a tomar proporções taes, que não havendo mesmo um fim immediato (por isso que não ha uma proposta a votar), cada um de nós se visse obrigado a emittir a sua opinião.

Sr. presidente, depois do que disse o sr. visconde de Sá, com tal nobreza e elevação de sentimentos, parece que nada mais havia a dizer.

Sr. presidente, digo-o com vaidade, muitas vezes me tenho lisonjeado de me sentar entre os nobres caracteres que

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têem assento n'esta camara, mas nunca senti um orgulho tal como hoje, depois das palavras d'aquelle caracter tão probo, tão honesto e tão digno! Pareceu-me estar vendo um caracter tão virtuoso como o daquelle (fallo de Bordalou) que subindo: ao púlpito, rasgou o proprio livro que tinha sido condemnado em Roma apesar do convencimento de que n'elle se continham verdades incontestaveis! Era condemnado em Roma, tanto bastava para elle, digno ecclesiastico, condemnar a sua propria obra humilhando se ao principio da auctoridade. O sr. visconde de Sá saíu do ministerio por motivos que nós ainda ignorámos "apresentando se apparentemente o da reforma do exercito. Chegando aqui, depois de se lhe terem feito elogios n'esta camara, tão merecidos e tão devidos, diz: «Eu venho manifestar ao publico o accordo e harmonia em que estou com aquelles que eram meus collegas. A opinião que eu tinha quando me sentava nos bancos do ministerio é a mesma que hoje tenho.

Venho hoje aqui lembrar á camara que, quaesquer manifestações da sua benevolencia para comigo, não podem pôr de parte a estima devida aos que foram meus collegas, nem ter acção sobre mim!

Nilo renego a minha obra, mas declaro que ella tem defeitos, e que eu preferi saír do ministerio a que os meus collegas se achassem a braços com a responsabilidade proveniente de actos do que eu só quero a mesma responsabilidade. Mas por isso, esta questão não ficou em melhores circumstancias para o ministerio.

Esperava eu que o judicioso requerimento do digno par, o sr. Xavier da Silva, tivesse andamento; esperava que a discussão se encerrasse, nem se tinha apresentado aqui a idéa de que o sr. ministro da marinha havia de tomar parte na discussão, e quando ouvi tomar a palavra o sr. ministro da marinha, julguei que s. ex.ª ía lembrar á camara uma praxe parlamentar; isto é, que as interpellações deviam ser annunciadas antes de verificadas, e que alem d'isso, esta interpellação parecia mais proprio ser feita ao sr. presidente do conselho, actual ministro do reino, do que ao sr. ministro da marinha. Julguei que s. ex.ª queria invocar esta praxe parlamentar, e vinha dizer que o governo senão achava em circumstancias de responder immediatamente. E na verdade, se a interpellação tivesse seguido os tramites estabelecidos, era isso muito mais conveniente, porque todas as vezes que nós sustentarmos as boas praticas fazemos com isso tornar as nossas resoluções mais bem pensadas; damos assim maior prova de seriedade, e por consequencia muito maior jus ao beneplácito da opinião publica. O sr. ministro da marinha tinha feito grande serviço se tivesse invocado esta praxe parlamentar; não foi porém assim, antes pelo contrario, s. ex.ª entrou em discussão e estabeleceu principios. Esta é que é a verdadeira causa que me obrigou a pedir a palavra, e aproveitar a occasião para apresentar a este respeito a minha opinião.

Disse o sr. ministro da marinha: « Não se declare constitucional aquillo que o não é, porque isso tem muitos perigos, querendo assim dizer que a solidariedade não é constitucional.» Para isto trouxe a auctoridade do decano dos publicistas. Senão é o primeiro que tratou aquella questão, pelo menos foi o primeiro que a tratou com alguma latitude.

Não tratarei de analysar as doutrinas de Benjamim Constant, em que s. ex.ª estará mais versado do que eu, mas não posso consentir que se diga que esta questão não é d'aquellas que têem um caracter verdadeiramente constitucional.

Sr. presidente, já se póde conseguir uma lei de responsabilidade ministerial — eu quasi que podia deixar de tratar esta questão, por isso que os dignos pares, os srs. Seabra e Rebello da Silva a trataram tão claramente que eu pouco ou nada posso acrescentar. Mas não é para illustração da camara, mas para confirmação dos meus principios, para satisfação da minha consciencia, separando-me dos maus principios apresentados pelo sr. ministro da marinha. Assim como não é constitucional tudo o que a carta em si contém, tambem são constitucionaes muitas determinações que n'ella não vem. São responsaveis os ministros pela falta de cumprimento da lei, existe uma lei que determina que resoluções da natureza d'aquella que estamos tratando só possam ser tomadas em conselho de ministros. Os srs. ministros declarando que não tinham conhecimento do regulamento apresentado pelo seu collega, em virtude de uma delegação do poder legislativo, infringiram a lei que os manda ser solidarios, por isso que os manda tratar estas questões em conselho de ministros.

Sr. presidente, tambem não será constitucional a responsabilidade dos ministros? Diga-me V. ex.ª, já se póde conseguir em algum paiz uma lei de responsabilidade ministerial? Não. Pois se não ha essa responsabilidade effectiva, e com estes capciosos subterfúgios nos vierem tirar a garantia da responsabilidade moral, o que fica de verdade no systema representativo? Não podemos deixar de concordar com os oradores que fallaram antes de mim em que o governo procura eximir-se á responsabilidade, quando apresentando-se um dos ministros da corôa declara: «Eu era responsavel por este acto, saí do gabinete, os meus collegas não ficaram com responsabilidade alguma». E nobre para o ministro, mas não é decoroso para o ministerio. Então onde havemos de ir buscar a responsabilidade do governo, quando em cumprimento da lei fez um regulamento, ou quando deixando de cumprir a lei (o que não é menos grave), não cumpriu a auctorisação que as côrtes lhe deram, e que com tanta instancia foi solicitada?

Ponhamos a questão nos verdadeiros termos. Se a medida tomada em virtude da auctorisação dada ao governo fosse combatida em ambas as casas do parlamento, diríamos: «o governo andou bem, e andou bem porque a maioria obrigou-o a reconstruir-se»; porém todos sabem que o negocio não foi ainda tratado, e por isso podemos crer que tudo quanto na outra camara se passou a tal respeito, só poderia dar mais força ao governo para o tratar, por isso que via que a maioria, ali tomava Um caracter de opinião, em relação ao voto o da maioria dos membros do conselho de ministros.

Sr. presidente, a resposta ao discurso do throno era a occasião propria de analysar o que o governo havia feito com aquella auctorisação. A resposta podia ter uma emenda n'aquella parte, mas só depois de ter sido discutida na outra camara, só depois dos membros da camara electiva dizerem: «nós não podemos adoptar esta reforma, não estamos contentes com ella», é que tinha logar o saírem o sr. visconde de Sá e aquelles cavalheiros que se julgassem mais responsaveis por aquelle facto (apoiados). O que me parece, sr. presidente, é que nós andámos em busca da responsabilidade moral e não a encontrámos, ou procurámos alcança-la, e ella foge sempre diante de nós. E preciso que se note, que eu apresento unicamente a minha opinião sobre a materia, e não quero com isto dizer que desejaria saíssem todos os membros do gabinete em consequencia d'esta questão; o que eu queria era que o governo dissesse se tinha força para manter aquella proposta, e se esperando as decisões do parlamento, se conformava com ellas; desejava que me dissesse quaes foram as rasões por que o governo abandonou ou engeitou a sua medida tão querida (é tão querida que foi mencionada na resposta ao discurso do throno) ainda antes d'ella entrar em discussão.

Sr. presidente, com que fim deu o parlamento esta auctorisação? Foi com o fim de dar mais força á medida, e de desembaraçar o governo das difficuldades de uma discussão longa. '

Mas eu desejava saber qual ha de ser o governo n'estas circumstancias que ha de tornar a apresentar-se no parlamento a pedir lhe uma auctorisação d'esta ordem?

Sr. presidente, se aquella lei fosse annullada, mas viesse outra para a substituir, então poderiam dizer os srs. ministros que saíram: «Nós retiramo-nos porque não estamos de accordo com esse projecto que apresentastes.» Mas se isto se podesse fazer já estava feito, já na falla do throno diriam: «Não podemos adoptar o projecto que os nossos collegas apresentaram, mas aqui vos damos outro para o substituir».

Mas, sr. presidente, é preciso que fallemos com toda a franqueza; as cousas são o que podem ser, e nós estamos a tratar esta questão fóra do campo em que ella devia ser tratada. A questão devia ser discutida na outra camara depois da recomposição ministerial; não o foi, e por isso nós não fazemos mais do que perder tempo com a exposição | dos nossos principios, por isso que não tiramos resultado algum d'esta discussão.

Sr. presidente, o que é necessario confessar é que n'este paiz não ha força para organisar governos que possam caminhar desafogadamente a um certo e determinado fim, e não ha partido algum politico que seja capaz de arranjar governos d'este modo. Ha confiança de todos os partidos em certos homens, ha confiança do paiz em certos caracteres que estão acima de toda e qualquer discussão. Um d'esses caracteres é o sr. duque de Loulé, e é por esta rasão que as cousas se organisam como se podem organisar sem de maneira alguma se alterarem os principios.

Sr. presidente, nós estamos a olhar só para os interesses materiaes, e isso não póde fazer caminhar o governo a um certo e determinado fim. Nós estamos, como eu disse na sessão passada, a presidir a uma passagem politica difficil; estamos com os olhos abertos para os interesses materiaes, e não fazemos caso algum dos interesses moraes e politicos. O paiz está assim, e os paizes governam-se segundo o estado moral em que está a sociedade. E por isso que o despotismo é a civilisação das sociedades nascentes, segue-se depois governos absolutos, e só no completo estado de maduração civilisadora é que se alcançam os governos liberaes, apresentando por muito tempo, antes de se solidificarem, estas e outras decepções. Eu desejava pois ouvir as explicações do sr. ministro da marinha a este respeito. O meu fraco apoio n'esta questão e em todas as outras hei de dá-lo, não só a este governo, mas a qualquer outro, quando eu veja que o fim que tem em vista é um fim determinado.

Terminando estas poucas considerações, peço desculpa á camara de a ter intertido por mais tempo do que desejava.

O sr. Rebello da Silva: — Parece-me que estamos todos concordes em que o sentido das explicações do sr. visconde de Sá foi que as bases da organisação do exercito tinham sido apresentadas ao conselho de ministros, e que só os detalhes é que não haviam sido examinados por constituirem materia propria da especialidade da repartição.

Não nos entreguemos a illusões, não liguemos importancia demasiada aos maus precedentes, nem confiemos de mais n'estas marchas de flanco.

Se o facto das bases terem sido apresentadas ao conselho de ministros é ponto claro, queria eu que publicada a reforma se esperasse pelo voto parlamentar e pela opinião publica, e que o governo ouvisse a maioria das camaras. Sair um ministro, saírem dois, aberto o parlamento, sem que um acto do corpo legislativo o provoque, acho-o incrivel e de perigoso effeito no futuro.

Se o sr. visconde de Sá na defeza da reforma não alcançasse o apoio das camaras, devia então retirar-se do ministerio: era um acto natural e digno do seu caracter; mas antes!... Julgo precipitada a resolução e estranha a annuencia dos seus collegas. Devo acrescentar que, não sendo competente para entrar no merecimento da proposta do sr. visconde, comtudo ouvi a juizes habilitados que ha n'ella muitas providencias uteis a par de alguns lapsos desculpáveis em tão extenso e intrincado assumpto. Essa reforma, creio hoje, adoeceu menos pelo que tinha de mau do que pelo que tinha de bom. Assim se diz em muita parte.

Permitta o meu illustre amigo, o sr. ministro da marinha, o observar-lhe que desde que foi promulgada a lei de 1855 é lei do estado, e por mais contradictorios que fossem os seus auctores antes de a proporem, depois d'ella sanccionada essa invocação do passado de nenhum modo absolve as infracções d'ella; e se-lo-ía, e gravissima, a publicação do decreto da reforma, fundado em auctorisação amplíssima do corpo legislativo, sem o conselho de ministros tomar conhecimento d'ella, pelo menos das bases em que se firmava.

O que não julgo facil é conciliar as palavras do nobre visconde de Sá com as explicações do gabinete. Se o ex-ministro da guerra saíu do gabinete e os seus collegas ficaram, porque as bases da reforma não tinham sido apresentadas em conselho, como devemos explicar o equivoco? Executou-se ou não se executou a lei de 1855? Será bom sabermos isso.

Se as bases não foram conhecidas do conselho infringiu-se a lei que ordena que elle examine e approve todos os assumptos importantes, e nenhum o era de certo mais do que uma reforma filha de auctorisação legislativa concedida ao governo. Se não foram vistas deu-se por força voto de confiança ao ministro da guerra, e dado elle os seus collegas obrigaram-se como se tivessem discutido e approvado. O que significa pois a proposta do sr. ministro da guerra actual, pedindo não só a suspensão, mas a annullação da reforma? Annullação das proprias bases que se aceitaram!... Seria mais natural que o governo encarregasse o novo ministro da guerra de exprimir o seu pensamento, conservando o que o conselho de ministros entendia dever adoptar-se, e modificando o resto. Mas trancar e annullar tudo!... É quasi inexplicável, e pelo menos irregular.

Não me quero aqui valer da distincção feita pelo sr. ministro da marinha entre decretar e publicar a proposito da allusão feita á reforma no discurso da corôa; não merece perder-se tempo aqui com essa questão de maior ou menor rigor na propriedade dos vocábulos. A idéa é que importa e essa lá está. O governo citou e especificou a organisação do exercito. Que o fizesse sem a ver e sem a conhecer, quando a lei lhe ordena o contrario é que não sei conciliar com o alto conceito que fórma da capacidade de ss. ex.ªs

Não quero azedar o debate nem desejo dar-lhe maiores proporções do que deve ter hoje; porém a todos os precedentes citados pelo sr. ministro da marinha, sobre o modo por que alguns secretários d'estado saíram dos gabinetes, eu podia juntar outros recentes e nada edificativos. Limitar-me-hei a observar que este ministerio não é a primeira vez que se recompõe, e que por isso mesmo deve ser circumspecto e melindroso no modo por que o faz. Não é bom costumar o paiz a suppor a responsabilidade uma ficção risonha.

Os precedentes maus não se invocam nem se imitam, porque não fundam principios, e desde que existe uma lei, e que ella firmou os preceitos da solidariedade ministerial, ella, e não os precedentes, é que rege (apoiados).

Acerca da responsabilidade do gabinete não venho inventar principios novos, nem estabelecer doutrinas suspeitas. O que disse acha-se nas paginas de qualquer livro elementar de direito publico. O que conclui é que desejo muito e todos de certo desejam o mesmo, que se explique o equivoco d'esta situação. Nenhum ministro é obrigado a aceitar as idéas do seu collega ou do seu antecessor, mas tambem nenhum ministerio é obrigado a sacrificar ás situações o decoro e a lealdade dos principios, que estão muito acima dos homens e dos interesses fugitivos da occasião.

Em tudo isto o que me preoccupa é a verdade dos principios, é a doutrina da solidariedade. Salva ella, explicada ella de um modo orthodoxo e constitucional, fico satisfeito.

Estou alguma cousa fatigado e por isso não alargarei mais estas reflexões, desejo que o nobre ministro pela benevolencia que tem para comigo, e pelo respeito que lhe tributo, me esclareça. Como é que nas primeiras explicações dadas sobre este assumpto se observou que o sr. visconde de Sá não apresentára ao conselho de ministros as bases da reforma, e agora se vê que só lhe não deu conhecimento dos detalhes? Eis o primeiro ponto. O segundo é senão tendo o conselho examinado a reforma, e ignorando as suas bases, foi cumprida a lei de 23 de junho de 1855, e podia como acto de gabinete ser citada no discurso da corôa a organisação do exercito? Mais ainda. Houve depois algum debate no conselho de ministros sobre as bases da reforma que justificasse a saída extemporanea do sr. visconde de Sá? Creio que nenhum d'estes pontos encerra segredo distado, e que poderemos saber se o nobre visconde ficou em minoria, ou se os seus collegas se conservaram, e elle se retirou, tendo todos concordado em lhe dar voto de confiança para executar a auctorisação relativa á reforma do exercito, unico modo de conciliar o facto com a lei de 23 de junho de 1855.

O sr. Ministro da Marinha: — Notou que as explicações do sr. visconde de Sá condiziam completamente com o que o governo tinha dito. S. ex.ª tinha apresentado as bases da reforma, que eram as mesmas pelas quaes saíu a lei que auctorisou a reforma militar; mas não apresentou os detalhes, isto é, a propria reforma.

Fazendo variadas considerações para mostrar que não havia causa que podesse auctorisar uma crise, lembrou o aphorismo de Benjamin Constant, que é perigoso fazer artificialmente questões que o não são essencialmente; e passou a mostrar como este assumpto estava n'esse caso.

O sr. Presidente: — Estão ainda inscriptos para antes da ordem do dia alguns dignos pares, e eu vou dar-lhes a palavra pela ordem em que os inscrevi; o primeiro é o digno par o sr. Eugenio de Almeida.

O sr. Eugenio de Almeida: — E para mandar para a mesa um requerimento pedindo alguns esclarecimentos ao governo.

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REQUERIMENTO

Requeiro que se peça ao governo, que remetta com urgencia a esta camara, como elementos indispensaveis para o exame da proposta de lei que o governo apresentou ás côrtes a respeito do monopolio do tabaco, os seguintes documentos:,

1. ° Um mappa que descreva, em arráteis, a quantidade dos diversos generos, e os preços de cada arrátel d'elles, que, passaram do contrato dos doze annos para o contrato de 1848 a 1861, em virtude do accordo celebrado entre os caixas geraes de ambos os contratos em 11 de fevereiro de 1858.

Este mappa deverá descrever os generos pela nomenclatura, e segundo a ordem com que estão mencionados nas tabellas annexas ao dito accordo, e apresentará a dita existençia, separadamente, em relação aos locaes seguintes: A fabrica do tabaco em Lisboa;

Ao deposito geral dos generos no Porto;

Ás administrações do reino e das ilhas adjacentes.

2. ° Um mappa formado pelo modelo do mappa mencionado no artigo 1.° d'este requerimento e com as mesmas distincções de locaes indicadas no dito artigo, que descreva:

A existencia, em arráteis, d'estes mesmos generos em 30 de abril de 1863, tirada das contas remettidas pelo director da fabrica do tabaco em Lisboa, das contas remettidas pelos clavicularios no Porto, e das folhas remettidas pelos administradores.

3. ° Um mappa formado pelo mesmo modelo do mappa mencionado no artigo 1.° d'este requerimento, e com as mesmas distincções de locaes indicadas no dito artigo, que descreva a existencia, em arráteis, dos mesmos generos em relação:,

Á fabrica do tabaco em Lisboa; Ao deposito geral no Porto;

Ás administrações do reino e das ilhas adjacentes.

Tirada a dita existencia dos ultimos documentos mencionados no 2.° § do artigo 2.° d'este requerimento, dos quaes houver na contadoria do actual contrato a collecção completa.

4. ° Um mappa que descreva o termo medio mensal do consumo, em arráteis, dos diversos generos, tomado esse termo medio pelo consumo dos ultimos doze mezes dos quaes existir na contadoria do actual contrata a collecção completa das folhas dos administradores.

5. º Um mappa que descreva a quantidade dos generos e a importancia em dinheiro dos despachos dos tabacos, feitos na alfandega grande de Lisboa, de 1 de janeiro de 862 a 31 de dezembro de 1863.

6. ° Um mappa que descreva qual é a porção dos generos que o actual contrato é obrigado, pela condição 13.ª do termo da sua arrematação, a deixar aos seus successores para o consumo do publico no continente do reino e nas ilhas adjacentes durante dois mezes, tendo unicamente direito o mesmo contrato, segundo a dita condição, a receber pela venda d'esses generos 20 por cento dos preços que estão fixados na tabella para a venda actual. E quaes esses preços devem ser em presença da proposta que o governo apresentou.

Requeiro mais, que se pergunte ao governo, se durante o exercicio do actual contrato tem alguma vez usado do direito amplo que lhe dá a condição 20.º da arrematação d'elle para examinar a sua escripturação sempre que esse exame se torne necessario ou seja conveniente, segundo os termos da mesma condição.

Camara dos pares, 6 de fevereiro de 1864.= O par do reino, José Maria Eugenio de Almeida.

O sr. Presidente: — A camara convem em que se expeça (apoiados), manda se expedir.

O sr. Vellez Caldeira; — Tenho a participar que a commissão de legislação elegeu para seu presidente o digno par o sr. Joaquim Antonio de Aguiar.

O sr. Eugenio de Almeida: — Eu peço licença para dizer ainda duas palavras.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par.

O sr. Eugenio de Almeida: — Pouco tenho a dizer, sr. presidente, para justificar o requerimento que tive a honra de lêr á camara, a fim de que ella se digne dar lhe a auctoridade que não póde ter sem a sua approvação.

O requerimento que mandei para a mesa diz respeito a um objecto que deve considerar-se como a questão mais importante da fazenda publica, que se tem apresentado ao parlamento desde 1833 até hoje. Trata se de desbaratar uma das mais avultadas verbas, e a mais certa, da receita do estado, substituindo ou presumindo substituir o producto que ella tem dado por meios aventurosos e phantasticos, fundados em calculos em muitos dos quaes ha apreciações erradíssimas.

Eu não tenho a menor duvida de que, sendo esta questão apresentada em toda a sua luz, deixe de ser bem resolvida. Confio muito no bom senso e na boa fé das duas casas do parlamento para deixar de ter esta convicção intima. Mas receio que á força de urgências figuradas, de informações incompletas e de calculos chimericos, a rasão do parlamento se offusque e possa ser arrastada ao erro. Sirva de prova d'este meu receio o calculo imaginaria (quasi diria irrisorio se não fosse a attenção que devo a s. ex.ª) do consumo, medio por habitantes, do tabaco em Portugal, que vejo no relatorio do sr. ministro da fazenda; o qual em logar de o formar pelos meios officiaes que tinha á sua disposição, preferiu tira-lo de um livro, de que nem ao menos nos disse o titulo, feito por um estrangeiro não sei se inglez, se francez, se allemã, o sr. Block.

Assim pois tudo quanto sirva para esclarecer esta questão é essencial para a boa decisão do parlamento. E a consciencia d'este não quer, de certo, repellir esclarecimento algum.

Não era portanto esta a justificação que eu precisava dar. Preciso porém justificar me de uma; bagatella; porque as culpas de bagatella são, na opinião de certa gente nossa conhecida, as que merecem mais vehemente, censura.

Receio que appareça, por ahi, alguem que me julgue merecedor de ser mettido em processo por ter usado n'esse requerimento da palavra arrátel em logar de kilogramma; quando ha uma lei que fulmina multas ao que empregar os termos dos pesos antigos. Vou pois justificar-me d'esta maxima culpa.

Quando o actual contrato se arrematou, não estava ainda em execução o systema dos novos pesos, e a tabella dos preços, dos diversos generos do contrato foi formada em relação, aos pesos antigos,.Quando depois o novo systema começou a vigorar, a auctoridade publica instou com os contratadores para que fosse adoptado no contrato o novo systema de pesos. Os contratadores porém, oppozeram se, e no meu entender com rasão, a que se fizesse similhante alteração no meio do seu contrato. A escripturação da fabrica, das administrações, dos estancos, tinha sido toda estabelecida em relação aos pesos antigos, e tinha sido continuada assim. Altera-la era produzir uma perturbação vastissima, com a qual haviam de padecer os interesses do contrato. Alem d'isso, os pesos antigos eram os mencionados nas condições do contrato; e isto merecia respeito. Continuou pois a escripturação do contrato até hoje, sendo toda feita em arráteis.

Ora o relatorio do sr. ministro da fazenda, quando falla dos consumos, menciona, sempre ou quasi sempre, o Kilogramma em logar do arrátel. A diversidade d'estas denominações póde ser muito importante quando se applica a calculos que envolvem milhões de taes unidades. Como as" porções mínimas em que se podem dividir os pesos do tabaco para a venda não podem ser inferiores á moeda minima que ha na nossa circulação, 5 réis, acontece que despresando-se os valores inferiores a esta moeda em calculos tão avultados commettem-se involuntariamente muitos erros. Em dois calculos que comparei feitos, um pelo systema dos pesos antigos e outro pelo systema dos pesos modernos, achei uma differença superior a 30:000$000 réis.

Foi por isso, sr. presidente, que eu pedi que os documentos que o sr. ministro da fazenda tem de haver da escripturação do contrato, para depois os transmittir á camara, venham com a mesma especie de pesos com que estão escripturados nos livros delle; o que se faz com approvação do governo, que o sabe e que justamente o tolera.

O sr. Miguel Osorio: — Não pretendo tomar tempo á camara, porque a hora está adiantada, mas como o digno par o sr. Vellez Caldeira declarou que a commissão de legislação tinha nomeado já o seu novo presidente, pedi a palavra para lembrar aos membros da mesma illustre commissão, que seria conveniente que ss. ex.ªs prestassem a sua attenção ao projecto de lei que tive a honra de apresentar na sessão do anno passado, e que diz respeito á liberdade de imprensa, pois parece me de urgencia que se trate d'elle.

O sr. Ferrão: — Peço á camara que consinta que retire a proposta que fiz na ultima sessão ácerca do logar de bibliothecario.

O sr. Presidente: — Como a proposta ainda não foi admittida, o digno par póde retira la sem dependencia de votação da camara.

Na quinta feira é a sessão solemne para o reconhecimento do Principe Real, e ha de nomear-se uma grande deputação para apresentar o authographo a Sua Magestade; e como os dignos pares terão desejos de acompanhar essa deputação, ficam desde já convidados para esse fim.

A primeira sessão terá logar na sexta feira, sendo a ordem do dia a discussão da resposta ao discurso da corôa.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 6 de fevereiro de 1864

Ex.mos srs.: conde de Castro; marquezes, de Alvito, de Niza, de Ponte de Lima, de Vianna; condes, de Alva, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte de Santa Maria, de Sampaio, do Sobral; viscondes, de Benagazil, da Borralha, de Condeixa, de Fornos de Algodres, de Porto Côvo, de Sá da Bandeira, de Soares Franco; barão de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho, Avila, Augusto Xavier da Silva, Seabra, Pereira Coutinho, Custodio Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Ferrão, João da Costa Carvalho, Aguiar, Soure, Pestana, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Fonseca Magalhães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio e Menezes Pita.

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