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N.º 15

SESSÃO DE 7 DE FEVEREIRO DE 1882

Presidencia do exmo. sr. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Visconde de Soares Franco

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O sr. Aguiar dá conta de um telegramma de alguns industriaes do Porto ácerca do tratado de commercio com a França e manda para a mesa uma representação sobre o mesmo assumpto. - Os srs. ministros do reino e da marinha apresentam propostas para alguns dignos pares accumularem as funcções legislativas com outras. - O sr. Cortez pergunta seja vieram os esclarecimentos que pedíra, manda para a mesa um requerimento e chama a attenção do governo sobre elle e para as más condições da recebedoria do bairro central. - Responde o sr. ministro do reino. - O sr. Vaz Preto refere-se ás reclamações do commercio do Porto sobre o real de agua. - Resposta do sr. presidente do conselho. - O sr. Vaz Preto refere-se ás aguas de Lisboa e ao saneamento da capital. - Respondem os srs. presidente do conselho e ministro do reino. - Falla sobre o mesmo assumpto o sr. Aguiar. - O sr. visconde da Azarujinha presta juramento e toma assento. - Ordem do dia: entra em discussão o projecto de resposta ao discurso da corôa. - Usam da palavra os srs. Carlos Bento, presidente do conselho, Vaz Preto, visconde de Chancelleiros, Aguiar e de novo o sr. presidente do conselho.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 26 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio de José Julio Rodrigues, remettendo alguns exemplares de uma carta dirigida ao sr. conselheiro Antonio Augusto de Aguiar com relação aos direitos que deve pagar á tinta estrangeira de impressão.

Outro do ministerio da justiça, remettendo, para satisfazer o requerimento do digno par Vaz Preto, o processo relativo á freguezia de Nossa Senhora de Belem do Reteixo.

Uma representação dos ourives e artes annexas, referente ao tratado com a França.

Ás commissões de negocios externos e commercio.

(Estavam presentes os srs. ministros do reino e da marinha, entraram durante a sessão os srs. presidente do conselho de ministros e ministro da justiça.)

O sr. Antonio Augusto de Aguiar. - Em additamento ás representações que tenho mandado para a mesa, contra algumas das clausulas do tratado de commercio com a França, apresento hoje um telegramma vindo do Porto. Recebi-o antehontem, mas em consequencia do fallecimento do sr. bispo de Vizeu não pude hontem dar conta d'elle á camara.

N'este telegramma os industriaes portuenses, Pereira Magalhães, José da Silva Ferreira e José da Fonseca declaram que adoptam como suas as representações feitas pelos industriaes de Lisboa contra o referido tratado, confiando em que os benemeritos legisladores farão justiça em todos os pontos em que os industriaes se acham lesados.

Era esta a declaração que deixei hontem de apresentar pelo motivo extraordinario que se deu.

Mando para a mesa uma representação com referencia ao mesmo tratado, que é assignada pelos seguintes industriaes da Covilhã.

(Leu.)

Peço a v. exa. que se lhe digne dar o mesmo destino que têem tido as outras.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares a mandarem para a mesa quaesquer documentos que tenham a apresentar.

O sr. Ministro do Reino (Thomás Ribeiro): - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, venho pedir a esta camara que dê a sua auctorisação para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as que exercem dependentes do ministerio do reino, os dignos pares que constam d'esta relação, que acompanham o meu pedido.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara hereditaria a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus empregos, dependentes do ministerio do reino, que exercem em Lisboa os dignos pares:

Antonio Maria Barreiros Arrobas, governador civil de Lisboa;

José Vicente Barbosa du Bocage, director da secção zoologica do museu da escola polytechnica;

José Silvestre Ribeiro, vogal effectivo do supremo tribunal administrativo;

Conde de Castro, vogal supplente do supremo tribunal administrativo;

Conde de Ficalho, lente substituto da escola polytechnica.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, 6 de fevereiro de 1882. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.

Foi approvada.

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): - Mando para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares do reino permissão para que possa accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com a dos seus empregos ou commissões em Lisboa, o digno par o visconde da Arriaga.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 7 de fevereiro de 1882. = José de Mello Gouveia.

Foi approvada.

O sr. Mendonça Cortez: - Sr. presidente, v. exa. poderá informar-me se já vieram uns esclarecimentos que ha muitos dias, se não me engano, na segunda sessão, eu pedi para serem remettidos a esta camara pelo ministerio da fazenda?

O sr. Presidente: - Não posso dizer ao digno par senão que mando saber á secretaria o que s. exa. deseja.

De todos os documentos que têem vindo para a mesa,

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de todos se tem dado conta na acta e no Diario das sessões.

O sr. Mendonça Cortez: - Os esclarecimentos que requeri foram precisamente os primeiros que foram requeridos n'esta camara, e referem-se á inversão feita em 1881.

Agora, emquanto v. exa. trata de se informar, mando para a mesa um requerimento que passo a ler.

(Leu.)

Sobre este assumpto não posso deixar de chamar a attenção do sr. ministro do reino, que vejo presente. É um negocio muito importante, de que tenciono occupar-me de novo.

Aproveitando o estar com a palavra, devo tambem pedir a qualquer dos dignos ministros agora presentes que chamem a attenção do seu collega sobre um facto que eu hoje presenciei, na recebedoria central de Lisboa, onde, attendendo a ser o ultimo dia para a cobrança da contribuição industrial, a agglomeração de gente era enorme, e os cidadãos, que íam ali satisfazer a sua quota tributaria, estavam em pessimas condições esperando a vez de serem attendidos.

O sr. ministro da fazenda deve olhar attentamente para estas circumstancias que eu apontei, porque é de justiça e equidade que os contribuintes, pagando para que sejam bem servidos não soffram os incommodos provenientes das condições em que estavam hoje collocados.

Leu-se na mesa o requerimento do sr. Mendonça Cortez.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgencia a esta camara a nota dos professores de instrucção primaria que estão soffrendo atrazo nos seus vencimentos; especificando-se n'essa nota:

1.° Nomes dos professores;

2.° Localidades onde professam e municipios a que pertencem;

3.° Numero dos mezes e quantias em divida.

Sala das sessões da camara, dos dignos pares do reino, em 7 de fevereiro de 1882. = Mendonça Cortez.

O sr. Ministro do Reino (Thomás Ribeiro): - Confia que lhe façam a justiça de acreditar que tem o maior empenho em conseguir que os professores primarios sejam pagos com a maior regularidade.

N'este momento tinha a satisfação de communicar ao digno par e á camara que recebêra um telegramma de Portalegre, onde havia algum atrazo no pagamento áquelles professores, no qual se lhe dizia que elles estavam pagos em dia.

Essa participação diz o seguinte:

(Leu.)

Espero que estes resultados lisonjeiros das diligencias do governo continuarão a manifestar-se, e que em breve este negocio esteja perfeitamente regularisado.

Quanto á reclamação do digno par ácerca das condições em que se acha a recebedoria do bairro central, communicará ao seu collega da fazenda as palavras de s. exa. para elle providenciar como for conveniente.

O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda, porque desejo dirigir a s. exa. algumas perguntas e ouvir as suas explicações.

Eu sei que o sr. ministro tem na sua mão algumas representações de alguns negociantes da cidade do Porto e da associação commercial da mesma, cidade, pedindo providencias sobre o modo por que se está pouco ali em execução a lei do real de agua, pelo que respeita a certos generos, como o arroz, azeite e bebidas alccolicas, do que resulta desigualdades, em relação a Lisboa, que põem em condições desfavoraveis os negociantes do Porto.

Essas desigualdades, que são gravosas para os commerciantes do Porto, trazem embaraços ao commercio d'aquella cidade, embaraços que provém da falsa interpretação da lei, que fez com que o azeite e arroz paguem no Porto um imposto superior ao que pagam em Lisboa.

É sobre este ponto que versam as reclamações dos negociantes, pedindo se providenceie sobre o modo por que a auctoridade executa a lei, não só no que dia respeito ao arroz e ao azeite, mas tambem ás bebidas alcoolicas.

Diz a lei que as bebidas d'este genero que tiverem pago imposto pautal, superior ao do real de agua, estão isentas d'este imposto, e tambem quando os dois impostos forem iguaes não pagar senão um d'elles.

Em virtude d'esta disposição os negociantes do Porto, quando querem exportar para as provincias, vão á alfandega e tiram guia para as bebidas alcoolicas, que já pagaram imposto pautal, superior ao do leal de agua; mas acontece que os escrivães de fazenda de algumas localidades não fazem caso da guia, porque entendem que devem aquelles generos ser acompanhados de um documento, conforme o modelo n.° 6 do regulamento, que se passa, para os generos que pagaram já o imposto do real de agua, e obrigam, por esta interpretação forçada, os negociantes a pagarem o imposto de que foram isentos.

É evidente que esta errada interpretação tem causado, e causa, grandes inconvenientes ao commercio, e por isso desejava que o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda dissesse se já tomou algumas providencias para satisfazer a estas reclamações, providencias que são urgentes e a que s. exa. está compromettido, porque, quando esteve no Porto, foi procurado por uma commissão de negociantes d'aquella praça, que lhe foram expor estes inconvenientes e os vexames por que estavam passando, e o sr. ministro fez-lhe a promessa formal de resolver-lhe a questão favoravelmente, como era e é de justiça.

Espero, pois, que s. exa. diga á camara o estado da questão, e peço a v. exa. me reserve a palavra depois das explicações do sr. ministro.

O sr. Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda, (Fontes Pereira de Mello): - O negocio a que se referiu o digno par o sr. Vaz Preto, preoccupa ha muito tempo o commercio da praça do Porto, no que toca aos generos a que s. exa. alludiu.

Effectivamente, quando eu estive ultimamente na cidade do Porto, uma commissão de negociantes d'aquella praça procurou-me, e expoz succintamente as rasões que tinha o commercio para se julgar aggravado pela desigualdade em que estava com relação ao commercio de Lisboa, por effeito do imposto do real de agua.

Tomei nota d'aquellas reclamações para as apreciar devidamente, e prometti que apresentaria ao parlamento, se precise fosse, uma proposta de lei para acabar com essa desigualdade.

Essa proposta já está feita, mas como tenho tenção de apresentar algumas outras sobre assumptos economicos, acompanhadas do relatorio do ministerio da fazenda, reservo-me para então a trazer á camara, junto com as outras. Os negociantes do Porto já estão informados d'esta circumstancia.

A proposta que está feita providenceia no que diz respeito ao arroz. Quanto ao azeite entendo que o governo póde reservar essa questão por meio de um acto de administração, e está resolvido a proceder d'este modo fazendo com que os negociantes d'aquelle genero sejam collocados em igualdade de circumstancias em ambas as cidades.

Relativamente ás bebidas alcoolicas ainda não estou habilitado para responder ao digno par. É assumpto que merece tambem muito a minha attenção, e hei de providenciar conforme for conveniente e justo.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, as explicações que acabou de dar o sr. presidente do conselho só me satisfizeram em parte.

Entendo que n'esta occasião não devo continuar na discussão ácerca das reclamações que se referem ás bebidas alcoolicas, embora o assumpto me pareça de facil resolução,

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visto que s. exa. declarou que ía estudar a questão; mas com respeito ao arroz direi que julgo necessario que s. exa. apresente qualquer proposta a este respeito, porque basta apenas, como reclamam os negociantes do Porto, os armazens de manifesto.

A proposta de lei remedeia as difficuldades, é verdade, mas leva ainda tempo a discutir. A proposta de lei que s. exa. tem necessidade de apresentar, e que os negociantes pedem na sua representação, é uma proposta de lei que tenha por fim evitar que se esteja falsificando o azeite portuguez.

É uma proposta de lei que onere com imposto pesado os oleos estrangeiros e o oleo de semente de algodão, cuja applicação, a não ser para adulterar o nosso azeite, ainda hoje é desconhecida d'aquelles negociantes. Este assumpto é serio o grave, não só pela importancia que tem para os commerciantes e lavradores, mas porque é ao mesmo tempo uma questão de hygiene e de salubridade publica. Sr. presidente, é geralmente sabido que os differentes oleos importados que pagam um imposto diminuto, servem só para falsificar o azeite de oliveira, e que apesar d'essa falsificação trazer graves prejuizos, até hoje o governo não teve tempo de ordenar que se evitasse.

Portanto, sobre este ponto é que eu pedia a s. exa. que apresentasse qualquer proposta que remediasse os inconvenientes e impedisse a continuação do mal.

No anno passado, quando estava o partido progressista no poder, discutiu-se aqui uma questão similhante, e comprometteu-se o ministro a trazer, como trouxe, uma proposta de lei que tributasse a semente do algodão. Essa proposta foi infructifera, porque o imposto era muito diminuto.

O oleo da semente de algodão tem sido muito applicado ha adulteração do azeite de oliveira. É, pois, mister que o governo olhe seriamente para este assumpto, que é grave, e que apresente á camara quanto antes um projecto em que tribute com imposto pesado todos os oleos, quer seja o de semente de algodão, quer seja qualquer outro, cuja applicação util seja desconhecida.

Sr. presidente, é necessario que o imposto seja tal que o azeite fique ao abrigo de qualquer falsificação. Por esta fórma protege-se a agricultura, que está aggravada com pesados impostos, evita-se que a saude dos cidadãos seja prejudicada com productos nocivos, de que fazem uso suppondo serem bons e não falsificados, e castigam-se os especuladores, que procuram os seus interesses mesmo em detrimento da sociedade.

Sr. presidente, o que eu desejo e o que eu pretendo é que o sr. ministro resolva com brevidade estas questões. Tanto me importa que seja por meio de propostas de lei, como de regulamentos, como de qualquer outra fórma, o que eu peço é brevidade, pois os inconvenientes e os prejuizos são manifestos e precisam remedio prompto.

Deixemos, pois, esta questão e passemos a outra. Visto estar presente o sr. ministro do reino, aproveito a occasião para fallar sobre um assumpto que julgo importante. Refiro-me ao estado de insalubridade em que se achava capital. Refiro-me ao saneamento de Lisboa.

Todos nós sabemos que são geraes as queixas a este respeito, e que o susto, as apprehensões e receios de que mais tarde possa haver uma grande epidemia na cidade, são já grandes.

Os encanamentos estão de tal fórma obstruidos e o ar viciado, que o viver em Lisboa torna-se quasi impossivel. Tem-se já dado casos de febres que os medicos julgam muito perigosas.

Pergunto, portanto, quaes são as providencias que o governo tem tomado a este respeito.

Desejava que estivesse presente o sr. ministro das obras publicas, para saber de s. exa. se a companhia das aguas tem cumprido com as condições dos contratos a que estava obrigada e qual a rasão por que havendo tanta agua em Lisboa não se faz uso d'ella? Se s. exa. estivesse presente perguntar-lhe-ía tambem se já resolveu a questão das aguas de Bellas.

Todos sabem que n'uma occasião difficil, em que se achava Lisboa, em que a companhia não cumpria as clausulas do contrato, em que os habitantes de Lisboa se viam privados da agua indispensavel para os seus usos domesticos; todos sabem que por occasião de uma secca sem igual e de uma estiagem nunca vista, o governo se substituiu á companhias para accudir aos clamores de Lisboa inteira, e adquiriu, com grande dispendio, as aguas de Bellas e as facilitou á companhia, que as introduziu na capital.

Desejava, pois, saber a quem de direito e de facto estão pertencendo essas aguas se é o governo, se é a companhia que está de posse d'ellas.

No caso de ser a companhia quem está de posse das aguas, desejava tambem saber quaes as condições do contrato em que o governo cedeu os seus direitos á companhia.

Sr. presidente, no meu entender, desde que as aguas de Bellas foram introduzidas na capital pelo governo para satisfazer as condições do contrato a que estava obrigada a empreza, esta ou tem de indemnisar o governo, ou tem de consentir que elle dentro da capital disponha livremente d'aquellas aguas.

Esta questão já devia estar ha muito tempo decidida, e, se o não tem sido, é devido, ou a desleixo dos governos, ou a cumplicidade d'elles com a companhia.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, peço desculpa ao digno par de insistir ainda sobre os pontos que fizeram objecto das suas observações.

S. exa. entende que para regular a questão do imposto do real de agua sobre o arroz, na conformidade dos desejos dos commerciantes do Porto, se não carece de uma medida legislativa; eu entendo-o ao contrario. N'esse folheto que o digno par tem diante de si, e na representação dos commerciantes, creio mesmo que se pede se siga um dos dois alvitres: ou se deixe de pagar o real de agua no Porto, como se não paga em Lisboa, ou se pague em Lisboa, como se paga no Porto.

Por consequencia, em qualquer dos dois casos por que se póde resolver a questão, o governo não o póde fazer por acto seu unicamente. É indispensavel uma nova disposição legislativa. Sem ella não se póde adoptar nenhum dos alvitres apontados pelos commerciantes, nem me parece que haja outro meio de satisfazer ás suas reclamações.

Por isso é que mandei fazer um projecto de lei para regular este assumpto, e que ha de ser apresentado na outra casa do parlamento.

(Interrupção do digno par, o sr. Vaz Preto, que se não percebeu.)

Quando esse projecto entrar aqui em discussão, terá o digno par ensejo mais apropriado de tratar esta questão segundo as suas idéas. Em todo o caso creio que é indifferente resolver a questão por um ou outro meio, comtanto que se faça justiça.

(Apoiado do sr. Vaz Preto.)

Emquanto á questão do azeite, o que os negociantes do Porto querem é que se permitta o estabelecimento de depositos ou armazens fóra da cidade, como succede em Lisboa, que estejam sujeitos á fiscalisação das alfandegas de onde o azeite possa ser exportado para as provincias.

Essa exigencia é que eu posso satisfazer sem que para isso necessite de novas disposições legislativas, porque é uma providencia perfeitamente regulamentar.

Quanto ao outro ponto a que se referiu o digno par, como o das aguas de Bellas, o saneamento da capital e outros que dizem respeito a assumptos que não correm pelo meu ministerio, comquanto não tenha duvida de emittir sobre elles a minha opinião, comtudo abstenho-me por agora de o fazer. São questões importantes, e muito prin-

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cipalmente o que diz respeito á questão do saneamento da capital, e parecia-me mais conveniente que se tratassem n'uma discussão especial, por meio de uma interpellação a que o governo viria responder no dia em que v. exa. e a camara achassem opportuno. Creio que o digno par estará de accordo. (Apoiado do sr. Vaz Preto.)

O sr. Vaz Preto: - Eu estou perfeitamente de accordo com o sr. presidente do conselho, emquanto á interpellação, por isso mesmo tinha exposto em breves traços os objectos sobre que queria pedir explicações aos srs. ministros do reino e das obras publicas.

Realmente os assumptos são importantes o devem ser tratados n'uma interpellação ao governo, de fórma que possam ser largamente discutidos. Parece-me mesmo desnecessario que eu mande qualquer nota escripta para a mesa desde que se acha presente o sr. ministro do reino, que tem ouvido as minhas palavras.

Quanto ás outras questões tenho a dizer que ainda hontem eu recebi communicação de que os negociantes do Porto se contentavam com os armazens do manifesto; eu não faço questão do modo como o sr. ministro pretende resolver a questão, o que eu desejo é que o governo de providencias immediatas para que não continue o estado actual das cousas, e que se evite a adulteração do azeite portuguez, que se lance um direito mais forte sobre os differentes oleos cuja applicação se não conhece em Portugal, a não ser para a adulteração do azeite. É uma medida importantissima que convem á agricultura, que tão tributada se acha, que lucta com tantas difficuldades e por consequencia é digna d'esta protecção, para que um dos seus principaes productos não seja todos os dias adulterado.

O sr. Ministro do Reino (Thomás Ribeiro): - A questão do saneamento da capital era uma das questões que actualmente mais preoccupava os poderes publicos e os habitantes de Lisboa.

Sem entrar n'este momento na apreciação dos meios para a resolução d'essa questão, tinha a declarar que por sua indicação, o sr. governador civil nomeára, uma commissão de pessoas competentes para ir aos logares d'onde se dizia partir a infecção, estudar as suas causas e propor o que julgasse conveniente a tal respeito.

Esperava pelo relatorio para expor ás camaras o estado da questão. Assim mostrava que não estava esquecido pelo governo um assumpto de tanta magnitude; pelo contrario lhe merecia a maior attenção.

(Os discursos do orador serão publicados quando os devolver.)

O sr. Aguiar: - Entendia do seu dever, na qualidade de presidente da commissão a que se referiu o sr. ministro do reino, dar algumas explicações a respeito dos trabalhos da commissão.

Esta commissão procedêra no dia 2 do corrente a uma inspecção no Aterro e no caneiro de Alcantara. Depois de um trabalho muito acurado decidiu-se encarregar os engenheiros que fazem parte da commissão de propor algumas medidas provisorias para este anno, visto que muitos medicos attribuiam essas febres que se têem desenvolvido ás lamas do Aterro e ao caneiro de Alcantara.

A commissão aguardava o resultado do trabalho d'aquelles engenheiros para immediatamente indicar o que se poderia fazer.

Tencionava, occupar-se largamente d'esta questão em occasião opportuna, mas declarava desde já que todos os membros da commissão estavam perfeitamente de accordo que não ha medidas provisorias que possam sanear Lisboa, e que a transformação immediata da canalisação é uma necessidade inadiavel. Era preciso que todos envidassem os seus esforços para acabar com um fóco de infecção que afugenta os estrangeiros e assusta a cada instante os habitantes da cidade.

O sr. Presidente: - Consta-me que se acha nos corredores da camara o sr. visconde da Azarujinha. Convido os dignos pares os srs. Sampaio e visconde da Arriaga a introduzirem s. exa. na sala.

Foi introduzido o novo digno par na sala, prestou juramento e tomou assento.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia, que é a continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

O sr. Carlos Bento: - Entende que pela prescripção da carta constitucional, que determina que a camara, nos principios das sessões, examine se a constituição tem sido executada, é do seu dever apresentar algumas observações.

Expõe que não estamos n'uma situação perfeitamente normal, porque não temos orçamento regularmente votado; não pede responsabilidade d'isso ás pessoas, mas chama a attenção para este facto, que aliás se póde attenuar pela apresentação do orçamento rectificativo, o qual julga que o sr. ministro da fazenda não terá duvida em trazer em breve ás camaras.

Mostra a indispensabilidade d'este orçamento. Refere-se ás despezas do ministerio dos negocios estrangeiros, que n'um anno sómente foi inferior á que estava calculada, emquanto em paizes poderosos acontecia este facto com frequencia.

Pede ao sr. ministro da fazenda que se compenetre da necessidade de resolver a questão de fazenda. Crê que para isso póde concorrer muito a severidade na creação de novas despezas.

Refere-se ao facto do imposto de rendimento ter ficado limitado ás inscripções e aos ordenados dos funccionarios publicos, quando exactamente foi n'esse ponto que as opposições lhe fizeram os maiores reparos. Acha singular que; poupando este imposto os pequenos rendimentos, fosse combatido em nome dos principios democraticos.

A resposta ao discurso da corôa falla em emprezas e melhoramentos materiaes em todos os ramos da administração publica. Por outro lado ha já um grande numero de projectos que trazem augmento de despeza; mas, quanto á creação de recursos para fazer face a essas despezas, ainda não tinha visto apresentar-se cousa alguma. Nota a facilidade que ha em crear despezas, e as difficuldades que se levantam sempre quando se trata de crear receita. Entende que o sr. ministro da fazenda deve resistir á febre dos melhoramentos materiaes, e ter uma certa ferocidade para com todas as exigencias exageradas n'este sentido.

Pondera que são já bem pesados os addicionaes com que estão tributados alguns generos alimenticios, e diz que se por acaso a salubridade da capital depende de um certo numero de obras, é facto que para as boas condições de saude publica não concorre menos a questão das subsistencias.

A alimentação má e deficiente é uma causa muito activa do definhamento da população.

Entende que seria de conveniencia que os homens importantes de todos os partidos se associassem, para reformar de commum accordo a administração publica e pôr cobro aos abusos. N'este ponto desejaria que o governo, compenetrado da necessidade de melhorar as finanças do estado, attendesse tambem á administração municipal, porque não lhe parece o caminho mais prudente o que estão seguindo alguns municipios, levantando grandes emprestimos para applicações pouco meditadas, como succede em Lisboa, onde parece se quer dar á cidade a apparencia dos effeitos de um acontecimento geologico como o que succedeu em 1755.

Receia que a ampla faculdade que têem os municipios de levantar emprestimos, produza graves perturbações nas suas finanças.

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Cita os exemplos das nações estrangeiras, para mostrar que de preferencia, os governos devem tratar da questão de fazenda.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, em primeiro logar devo dizer ao digno par, o sr. Carlos Bento, que me ponderou a necessidade de apresentar ás côrtes o orçamento rectificativo, que esse orçamento já está a imprimir, e que espero dentro de poucos dias apresental-o na camara dos senhores deputados.

Dito isto, acrescentarei, que estou de accordo com s. exa. sobre a grande conveniencia que ha na apresentação d'este orçamento, e de todos os documentos que possam habilitar os corpos legislativos a apreciar devidamente o estado da fazenda publica.

Pela parte do governo nunca se recusarão esses meios de exame.

Estou ainda de accordo com o digno par nas reflexões que s. exa. fez, sobre as difficuldades que se encontram em conseguir qualquer augmento na receita publica, e a facilidade com que as despezas crescem. Isto porém, acontece não só no nosso paiz mas em toda a parte.

Despezas todos reclamam e algumas são determinadas por necessidades impreteriveis; por outro lado para se obter o augmento na receita tem quasi sempre de se recorrer ao augmento das contribuições, e este augmento ninguem o propõe, ninguem o vota, nem é em geral acceito de boa vontade, e os governos não recorrem a esse extremo senão impellidos por necessidades impreteriveis e compromissos de honra.

Portanto, n'esta parte, sr. presidente, eu não só estou tambem de accordo com o digno par, o sr. Carlos Bento, mas até conto com o apoio de s. exa., e espero que me ajudará a satisfazer ao encargo difficil que me coube na gerencia dos negocios publicos, tendo de gerir a pasta que me está confiada, e a resistir ás exigencias de certas despezas, que embora satisfaçam a algumas necessidades, podem, comtudo, collocar o thesouro em graves difficuldades.

Disse muito bem o digno par que eu, ao ter a honra de organisar esta administração, reservando para mim a pasta da fazenda, tinha dado uma indicação de que estava resolvido a fazer alguma cousa em favor da resolução da questão de fazenda.

Effectivamente o meu intuito foi de procurar, dentro dos meus fracos recursos, os meios de melhorar por um lado as receitas publicas, e por outro lado impedir o desenvolvimento das despezas, porque até agora ainda não se descobriram outros methodos de equilibrar as finanças senão augmentando as receitas até o nivel das despezas, ou reduzindo estas até o nivel das receitas, ou fazendo uma e outra cousa.

Sei muito bem que o problema não é facil de resolver, nem eu tenho a vaidosa pretensão de o conseguir; mas pareceu-me que tendo a responsabilidade da situação não podia esquivar-me a tomar sobre os meus hombros o encargo que resulta da gerencia da pasta que me está confiada.

A regularisação da fazenda publica é, sem duvida, uma das primeiras e mais inadiaveis necessidades. Tenho procurado tanto quanto posso entrar n'esse caminho, e dentro em poucos dias espero apresentar ás côrtes algumas propostas de lei tendentes áquelle fim. Estou convencido antecipadamente que não satisfarão a todos, e até que ficarão muito abaixo dos meus desejos e das necessidades publicas; porém não é isso effeito da minha vontade, mas da minha insufficiencia e da difficuldade da situação.

Dito isto, abstenho-me de entrar em considerações da ordem d'aquellas que tão perfunctoriamente apresentou o digno par e meu amigo o sr. Aguiar. S. exa. não discutiu a resposta ao discurso da corôa como outros dos meus illustres adversarios que o precederam no uso da palavra, e que declararam que a votavam como um mero comprimento ao chefe do estado, reservando-se para em occasião mais opportuna apreciarem e commentarem os actos do governo e as suas tendencias.

Este procedimento é o que eu já tenho seguido por muitas vezes nos bancos da opposição. Portanto não entrarei n'um debate onde não sou chamado, não porque s. exas. me queiram poupar, mas porque desejam escolher o momento que supponham mais conveniente para examinar e apreciar a politica do governo.

Ao sr. Aguiar responderei sómente que, não tendo entrado no exame particular de quaesquer doutrinas professadas pelo governo, creio que não exige da minha parte senão a declaração de que tomo nota das observações de s. exa., que realmente ouço sempre com muito prazer, e sempre tenho a aproveitar com os seus conselhos com os quaes espero não se negará nunca a auxiliar-me, e d'elles me servirei sempre que os possa acceitar para melhorar a situação dos negocios publicos que estiverem directamente a meu cargo.

Entendo não dever entrar agora no exame de algumas observações que o digno par fez, e que aliás são muito aproveitaveis, de certo, debaixo de certos pontos de vista, nem tão pouco levantarei qualquer phrase que s. exa. tivesse proferido.

Depois de terem passado quarenta e oito horas julgo ser isto mais conveniente para o andamento dos trabalhos da camara.

Por consequencia, termino aqui as considerações que tinha a fazer, e só usarei de novo da palavra se porventura qualquer digno par me chamar ao debate.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu tinha pedido a palavra no final de uma das ultimas sessões, mas não me chegou a tempo, por isso me pareceu que não me pertencia hoje, e ainda a não tinha pedido de novo, nem creio que ninguem tivesse desejo de me ouvir; mas já que v. exa. me fez o favor de me inscrever, eu peço a v. exa. que me reserve para eu fazer uso d'ella depois do digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Presidente: - V. exa. estava inscripto em primeiro logar para quando se entrasse na ordem do dia; como porém v. exa. não estava presente, sem cortar o direito a v. exa. de fazer uso d'ella quando se achasse presente, eu dei a palavra ao digno par que se lhe seguia, que era o sr. Carlos Bento.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Agradeço a v. exa. a attenção que teve para commigo.

Julguei e pareceu-me que era costume n'esta camara, quando um par do reino não póde usar da palavra no dia em que a pede tenha de a pedir na seguinte sessão, se quizer fazer uso d'ella; mas como v. exa. me inscreveu e me conserva a palavra, farei uso d'ella para uma explicação, se v. exa. me permittir, depois de fallar o digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Votaria como mera formalidade o projecto de resposta ao discurso da corôa, como um simples comprimento ao chefe do estado, se não carecesse de dizer duas palavras ácerca do partido constituinte, e de declarar que me associo ás apreciações que fez o sr. Aguiar ácerca d'esse partido.

É necessario que o paiz e a camara saibam quaes são as aspirações e intuitos do partido constituinte, e qual o fim a que elle visa.

É necessario que todos saibam que esse partido eminentemente liberal, é sinceramente monarchico, que quer a alliança do Rei com o povo, e n'esse sentido a reforma das instituições politicas conjunctamente com as reformas administrativas e economicas, porque só assim se poderão resolver os problemas financeiros de que está dependente o bem estar e felicidade da nação portugueza.

Foi isto em resumo o que disse o sr. Aguiar no seu bri-

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lhante discurso, em phrases levantadas e eloquentes, e citando os exemplos da Europa.

Associo-me, pois, como já disse, ás suas judiciosas apreciações.

O partido constituinte, como muito bem affirmou o sr. Aguiar, é hoje a valvula de segurança da monarchia, e como partido liberal entende que o progresso é uma lei da natureza, que o parar é morrer e que a perfectibilidade é tanto para o homem como para a sociedade.

Sr. presidente, os partidos serios e sensatos são aquelles que vão com a opinião publica, são aquelles que têem aprendido com a experiencia e observação, e não têem de caír nos erros do passado.

Nós queremos o progresso, gradual e rasoavel, e entendemos que os interesses do Rei devem ser os do paiz, e por isso pretendemos a constituição aperfeiçoada de fórma que satisfaça a esta dupla necessidade.

Queremos que o Rei viva tão ligado com o povo, que pareça que está identificado com elle por estreito amplexo, e assim guardando e conservando as tradições de outros tempos marchemos hoje na vanguarda da civilisação, pelas nossas luzes e pelo nosso bom senso.

Sr. presidente, n'outros tempos Portugal, abrindo as portas do Oriente á civilisação, levou a fé e o imperio ás terras viciosas da Africa e da Asia, como dizia o nosso poeta.

Marchava então na vanguarda das nações cultas, porque estava mais adiantado do que ellas, dispunha da força e tinha a instrucção.

Se hoje já não temos essa força, conservemos ao menos as luzes e derramemos a instrucção até ás mais infimas camadas sociaes, conservemos o bom senso, e saibamo-nos governar.

O partido constituinte quer que a par dos melhoramentos materiaes se promovam os beneficios moraes. Assim como o corpo precisa para o seu sustento do pão, assim o espirito carece de ser alimentado com a instrucção o a moral, que é pão do espirito.

Não desejo alargar-me em considerações, por isso vou concluir, dizendo mais uma vez que me associo ás idéas apresentadas pelo sr. Aguiar, reservando-me para em outra occasião mais azada apreciar os assumptos de que falla o discurso do throno, e pedirei então aos srs. ministros a responsabilidade que lhes competir.

Já annunciei uma interpellação ao sr. ministro do reino ácerca do modo por que se verificou o acto eleitoral, e uma outra ácerca da anarchia que lavra no districto de Castello Branco, em rasão do procedimento das auctoridades d'aquelle districto.

Da questão de fazenda tratarei quando o governo apresentar as medidas que prometteu, e bem assim do armamento do exercito.

Affirmo, porém, desde já da parte do partido constituinte que elle não vota um real de despezas para armamento do exercito emquanto o sr. presidente do concelho não esclarecer a camara ácerca do modo por que têem sido gastas as differentes sommas já votadas. É necessario que s. exa. mande a esta camara um relatorio documentado para desfazer as accusações que se lhe têem feito, e as apreciações da commissão do inquerito ás secretarias ao ministerio da guerra.

Sr. presidente, concluo aqui as minhas modestas reflexões, pois o meu intuito, pedindo a palavra, foi deixar registada esta declaração de voto.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não póde deixar de se referir a algumas ponderações que ouviu apresentar n'este debate. Mantem a sua antiga opinião, que a discussão da resposta ao discurso da corôa é o ensejo mais proprio para se tratar das questões politicas.

Na sessão do anno passado foi sobre a sua insistencia que se levantou a essa questão. Entende que se devia n'esta occasião tratar de ver se o governo tinha infringido as leis e a carta. Entretanto não discutirá a resposta ao discurso da corôa.

Referindo-se ás considerações apresentadas pelo sr. Aguiar, aprecia-as e diz que é um exemplo para imitar a abnegação de que s. exa. fallou em relação ao partido constituinte.

Com respeito a reformas politicas entendia que a primeira reforma a fazer, a mais util e a mais importante, era a de se executar a carta. Citando varias disposições d'ella, pondera que se ella fosse executada como devia ser, não precisavamos nada mais para a felicidade do paiz. Lendo essas disposições e comparando o que n'ellas se dispõe, com o que se tem feito, conclue que os males do que todos se queixam não têem origem na carta, mas sim na sua não execução.

Uma das nossas primeiras necessidades é a reforma dos costumes politicos e da nossa educação constitucional. Se visse que as reformas propostas pelo partido constituinte traziam esse melhoramento, declarar-se-ía desde logo constituinte. Mas ninguem lhe garante isso. Affirma que nem todos pagam o que deviam pagar; que o povo não sabe ler, que as condições de salubridade publica não são as que deviam ser, finalmente que ha uma infinidade de circumstancias de que todos se queixam, que tem origem na falta da execução das disposições do nosso codigo politico.

Muitos dos nossos males politicos estão na falta de illustração do povo, que todavia a carta garante, e d'ahi resulta que o povo não sabe eleger os seus representantes, e por consequencia o systema representativo é falseado na sua base, não havendo verdade na eleição.

É tambem da opinião que é uma necessidade impreterivel e fatal a resolução da questão de fazenda.

A sua politica para com este governo é esperar até ao momento que o governo resolva essa questão, a qual tem encontrado o maior embaraço á sua solução nos vicios do systema eleitoral. Portanto reforme-se a lei eleitoral, mas reforme-se do modo mais consentaneo á educação constitucional do paiz. Desenvolvendo este ponto, pronuncia-se pela eleição indirecta, por lhe parecer que ella offerece mais garantiam de genuidade.

(O discurso do orador será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Sustentou de nove a necessidade de reformas politicas sem as quaes entende que não se póde caminhar na senda do progresso, e na governação do estado em boas condições.

Referindo se ao que dissera o sr. visconde de Chancelleiros, quando affirmou que com a execução rigorosa das disposições da carta podiamos ser tudo quanto se póde e se pretextava para se reclamarem reformas politicas, ponderou que havia cincoenta e tres annos que tinhamos a carta, e que n'esse largo, periodo o que se tinha visto era que os principios consignados n'ella não tinham execução.

Portanto, alguma cousa havia que era preciso corrigir ou alterar, e d'ahi vinham naturalmente as exigencias d'aquelles que proclamam a necessidade das reformas politicas.

N'estes termos, o seu partido julgou dever entrar denodadamente no caminho que poderia conduzir ás reformas, e por isso o seu chefe tinha apresentado um projecto na camara dos senhores deputados para a revisão parcial da constituição. O governo não quiz acceitar esse projecto, não obstante as eleições, se elle fosse por diante, deverem ser feitas debaixo da sua direcção.

Disse que as reformas são de uma indispensabilidade que não se podia contestar, e bastava attender ao que se tinha passado nos ultimos tempos, vendo-se os governos obrigados a fazerem successivas fornadas.

Este governo não havia de ser eterno, e o que lhe succeder terá irremediavelmente de nomear novos pares, e por consequencia continuando-se n'este circulo vicioso, de certo chegaria uma occasião em que fatalmente as cou-

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sas teriam uma outra solução, e se veria que as doutrinas sustentadas pelo partido constituinte eram as que estavam mais era harmonia com as necessidades publicas.

(Os discursos do digno par serão publicados quando os devolver.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Não tinha desejo de entrar n'este debate, nem me parece que elle possa conduzir a um resultado pratico.

Todavia, sendo chamado a terreno pelo digno par que acaba de usar da palavra, vejo-me obrigado a apresentar algumas considerações em resposta a s. exa.

Primeiramente direi que o governo não tem voto na outra casa do parlamento, e por consequencia o digno par enganou-se quando disse que tinhamos votado contra a admissão á discussão do projecto de reforma da carta a que s. exa. fez referencia. Todavia, direi tambem com a franqueza que me é propria, porque não costumo occultar as minhas opiniões, nem furtar-me ás responsabilidades que me cabem, que se eu tivesse voz na outra camara como membro d'ella e fosse chamado a votar, teria rejeitado a admissão d'esse projecto, não porque seja inimigo de reformas politicas, ou não as queira, mas porque n'este momento as julgo inopportunas.

A camara sabe que n'esta parte eu não posso ser suspeito.

Todas as reformas politicas que de ha trinta annos para cá se têem feito em Portugal têem a minha assignatura, ao passo que aquelles que tanto pugnam agora por ellas, e n'ellas vêem a salvação da patria, nunca as fizeram.

O acto addicional, a reforma politica mais importante que se ha realisado desde 1851, tem o meu nome.

Então os diversos partidos se reuniram e entenderam que n'aquella reforma estavam consignados os principios sufficientes para manter as liberdades publicas, e tanto assim que Manuel Passos dizia: «Isto é a republica com rei hereditario.» Os caudilhos da opposição, os homens mais avançados, aquelles que haviam arriscado cem vezes a vida nos campos da batalha para conquistar a liberdade para o seu paiz, todos esses vultos heroicos, todos esses cidadãos illustres, todos esses espiritos dedicados ao bem da patria e aos principios liberaes, pozeram-se ao lado da reforma, proclamando que ella era sufficiente para salvar a paz publica. Assim, a acceitaram os partidos dentro e fóra do parlamento.

Em 1872, tendo eu a honra de ser presidente do conselho de ministros, apresentei na camara dos senhores deputados um projecto de reforma da constituição do estado. Outra prova de que não sou inimigo de reformas politicas. Realmente era preciso que eu fosse o mais ignorante e o mais inepto de todos os meus compatriotas, para que viesse sustentar no seio dos corpos legislativos a permanencia absoluta do nosso codigo politico, e que elle não podia, como um dogma sagrado, estar sujeito a discussões, nem ser susceptivel de modificações ou aperfeiçoamentos diante dos principios que regem as sociedades modernas. O que digo é que a questão é unicamente de opportunidade.

N'aquella epocha pareceu-me opportuno, não sei se bem, se mal, propor a reforma de alguns artigos da carta constitucional. Fil-o de accordo com os meus amigos politicos, e desejaria ter o concurso de todos os partidos politicos para se chegar a um resultado pratico.

Aconteceu, porém, que, em vez de se apreciar e discutir o que esse projecto poderia ter de bom ou de mau, e de se ver as alterações que deveria soffrer, os diversos partidos politicos levantaram cada um a sua bandeira, dizendo: «A nossa reforma é esta».

Depois d'isto, qual era a situação em que ficava o governo?

Se levasse a sua reforma por diante, os partidos que julgavam que ella não satisfaria ás necessidades publicas, permaneciam com a sua bandeira erguida para servir de argumento contra a mesma reforma, e teriamos uma causa constante de luctas politicas apaixonadas, que, de certo, não trariam vantagens ao paiz.

Foi esta a rasão por que a reforma não se fez.

Depois d'isso não propuz mais reforma nenhuma da carta.

A este respeito permitta a camara que eu recorde um dito de um homem illustre d'este paiz, cuja perda todos deplorâmos, o sr. duque de Loulé, quando era membro de uma commissão nomeada para estudar a reforma da constituição.

O nobre duque de Loulé, que para ninguem era suspeito no que podesse interessar ao bem do seu paiz, e cuja dedicação e amor á patria e ás liberdades publicas todos poderam reconhecer, um dia em que se devia reunir a commissão de que s. exa. era presidente, disse-me a mim e ao sr. visconde de Algés:

«Vamos a discutir isto, ao menos por amor da arte.»

Não reconheço a necessidade absoluta de reformar a camara dos pares, que tem estado constantemente ao lado dos homens mais liberaes, (Apoiados.) e que tem defendido e promulgado as reformas mais uteis e convenientes para o paiz. (Apoiados.)

Eu não sou theorico. Cada um póde ter o seu merecimento; mas eu, repito, não sou theorico e não me parece que o foram aquelles a quem o meu illustre amigo, o sr. Aguiar, se referiu, por exemplo, o Imperador o Senhor D. Pedro IV, o sr. duque de Saldanha, o sr. duque da Terceira, que implantaram a liberdade em Portugal.

Mas se foram theoricos, as suas theorias só teria de as seguir se as circumstancias me levassem ao campo da batalha, como já lá fui uma vez.

Cutiladas não são theorias. Mas foi como se conquistou então a liberdade; foi assim que uns theoricos assassinaram, os liberaes a golpes de machado em Extremoz, e outros se defendiam com a espada na mão no campo da batalha.

Entendo que para a felicidade do meu paiz não ha necessidade absoluta de reformar nenhum dos artigos da carta.

Tenho percorrido todo o paiz, desde Bragança até Villa Real de Santo Antonio, e nunca ninguem, me fallou na reforma da carta.

Têem-me pedido estradas, escolas, caminhos de ferro, reforma das pautas, melhoramentos para a agricultura e para as industrias; mas na reforma da carta, ninguem me tem fallado, porque essa reforma não está no espirito publico; o que elle pretende é que se attenda, em primeiro logar, ás necessidades, cuja satisfação o paiz reclama.

O mais é sobre posse, porque não póde senão fazer com que venham de novo para a discussão as questões politicas que, felizmente, entre nós, ha trinta annos, estavam fóra de combate; e essas questões, que agitam demasiado os animos, e que, por vezes, têem trazido comsigo a guerra civil, é sempre conveniente que se não provoquem inopportunamente.

Sr. presidente, eu tambem queria a reforma eleitoral se ella podesse trazer algum melhoramento ao paiz. É n'este ponto devo notar tambem que estão assignadas com o meu nome as reformas eleitoraes decretadas em 1852 e 1859, tendo eu então a honra de fazer parte dos conselhos da corôa, e bem assim a de 1878.

A eleição indirecta não é uma novidade. Em 1849, quando se fizeram algumas alterações á reforma eleitoral, entrava eu na camara dos senhores deputados, pela primeira vez, e nessa occasião as parcialidades politicas d'aquelle tempo discutiam a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da eleição directa.

Diga-se a verdade, tudo é velho, tudo está experimentado. A eleição indirecta, que agora parece que é um meio de poder assegurar melhor representação nacional, tambem á velha.

Existiu n'este paiz muitos annos, até que em 1852, entrando no poder o ministerio presidido pelo sr. duque de

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Saldanha, publicou-se um decreto que ainda hoje é lei do estado, acabando com essa eleição.

Estou de accordo com os dignos pares, em que opportunidade do systema representativa consiste principalmente na genuinidade dos que a representam. Desde que a eleição estiver inquinada, os deputados não representam verdadeiramente o paiz. E ainda ha peior de que isso, se cousa peior póde haver.

Os processos eleitoraes quando são viciados trazem aos governos e aos partidos compromissos e difficuldades que se traduzem em embaraços na gerencia dos negocios publicos.

Isto é a cousa peior que póde haver, é uma desgraça fatal da qual, sejamos justos, não tem culpa a carta constitucional, nem a lei eleitoral, nem certo e determinado partido politico, nem certos e determinados homens de estado.

Desde que tenho a honra de ter tomado logar no parlamento, tenho visto sempre as opposições accusarem os governos de terem viciado o principio eleitoral e a verdade da urna, mostrando-se n'esta parte as accusações mais ou menos violentas, segundo as circumstancias.

Se acaso se reformar a carta, se se fizer uma nova lei eleitoral, depende isso o ser mais genuina e verdadeira a representação nacional, e haver menos abusos e fraudes? Não depende. Sejamos sinceros, depende dos homens e não das leis.

As leis não são responsaveis pelos abusos que se commettem. Eu tenho feito poucas eleições, e com respeito á ultima eleição não tinha a honra de ser ministro. Não sei se o que se fez então foi bom ou mau, não discuto isso ainda que eu apoiava o ministerio passado, e apoiava-o sinceramente.

O que é facto é que não fui que fiz essas eleições. Costumo governar com as maiorias organisadas por outros gabinetes, muitas vezes compostas de adversarios meus.

Não digo que não se tenham commettido faltas nas eleições; mas, repito, o remedio para as evitar, não está na reforma da lei eleitoral, nem na reforma da carta.

Estas leis podem-se alterar e modificar; mas se os homens forem os mesmos, e se praticarem o que têem praticado até agora, o systema ha de continuar a ser viciado.

A questão, pois, está nos homens e não nas leis. Appello para a sinceridade de todos os meus adversarios.

Não estou justificando nem applaudindo os actos que se tem praticado, porque todos nós somos culpados, sem excepção de ninguem, e mesmo d'aquelles que se levantam agora como grandes reformadores.

Para idéas novas, leis novas; mas, tambem, homens novos.

Os homens velhos, aquelles que têem estado no governo, que já se sabe o que podem dar e o que são, esses podem proclamar o que entenderem, mas, reformadores não o podem ser.

Venham, pois, homens novos, venha o sr. Aguiar, e tomára eu ver s. exa. aqui, e se estivesse minha, mão entregar-lhe-ía o poder.

Ao sr. Aguiar, entenda-se bem, um homem novo, sem precedentes, sem essa bagagem politica, sem o que os romanos chamavam impedimenia se eu podesse, entregava o poder a s. exa., convencido, como estou, de que o digno par, homem de bem e illustrado, não seria capaz de abusar do seu logar, para commetter qualquer acto que não podesse ser aferido pela mais perfeita honradez e pelo mais perfeito patriotismo.

Mas, isto não é reformar a carta, isto não é reformar a lei eleitoral, isto é dizer que tenho confiança n'um homem, que eu desejaria que estivesse á frente dos negocios publicos, e a quem, de accordo com um amigo meu, que provavelmente me ouve, já tive a honra de convidar para, ser ministro.

E o que pratiquei a respeito d'este, pratiquei a respeito de outro cavalheiro, cujo nome não posso citar, porque pertence á camara electiva, mas que vejo presente, e pelas, qualidades do qual, pelo talento de que é dotado, e pelo seu patriotismo, eu professo toda a admiração e respeito, apesar de que frequentes vezes elle não me de muita rasão para isso. Entretanto, eu sou superior a essas considerações.

Quando vejo n'um homem sincero amor da patria, profunda illustração e vontade firme, o que lamento sempre é que elle não esteja de accordo commigo e não possamos cooperar juntamente para fazer a felicidade geral.

N'isso provo que não sou intransigente, não sou exclusivista.

Tenho procurado muitas vezes, e agora designadamente no campo dos meus adversarios politicos, differentes homens illustres para meus companheiros no governo.

O sr. Aguiar: - V. exa. sabe perfeitamente as rasões por que não tive a honra de acceitar o poder.

O orador: - Eu não faço censura a ninguem. Cada um acceita ou não acceita o poder, como quer ou entende. O que trato de provar é que não havia necessidade de que me dissessem que olhasse eu para o que se fazia em Hespanha.

Eu, que respeito o paiz vizinho, porém que estava tão pouco acostumado a ver citar no parlamento o que ali se pratica, senti deveras que fosse preciso ao digno par invocar esse testemunho.

Sei perfeitamente que em Hespanha ha um governo que tem procurado reunir em torno de si todos os homens illustres, como eu procuro reunir em volta d'este, a que presido; e em demonstração d'isso estava citando exemplos. Convidei o digno par a fazer parte de um gabinete. Escusou-se a acceitar.

Não discuto se procedeu bem nem se procedeu mal, fez o que entendeu; não entrou.

Eu é que senti muito que não entrasse.

Mas aqui temos nós outro exemplo.

N'este ministerio está um homem illustre, conhecido no paiz pelos seus trabalhos administrativos, pelo seu amor ao trabalho, o sr. Mello Gouveia, que não era do meu partido.

Não sou intransigente, repito, nem sou exclusivista; desejo cercar-me de todos os homens que valem alguma cousa.

Entendo que os partidos precisam ter a maleabilidade necessaria, sobretudo, para não rejeitarem do seu seio, peia coadjuvando que lhes podem prestar, os homens distinctos das diversas parcialidades.

Isso posso attribuir a mim, porque não fui eu quem o praticou, o serviço que fez a primeira regeneração estabelecendo a concordia politica entre as diversas familias do partido liberal; mas posso honrar aquelle governo com esse acto, que foi praticado por um cidadão illustre, que ha muito desceu á campa, deixando o seu nome vinculado a tradições resultantes dos principios da ordem e da conciliação, sobretudo, entre os membros do partido liberal. Esse homem foi Rodrigo da Fonseca Magalhães.

Então era eu muito novo para poder levantar uma bandeira tão mesada para meus braços. Não tinha nem auctoridade nem capacidade para o fazer. Foi aquelle grande homem d'estado que de accordo com o marechal Saldanha se empenhou na conciliação dos partidos liberaes, promovendo que as luctas partidarias fossem transportadas para a arena parlamentar, com grande vantagem para a paz publica, porque as luctas politicas são sempre apaixonadas, não se póde entrar n'ellas sem paixão. Esse é o seu grande defeito, é o seu grande perigo. Por isso eu sempre receio quando vejo levantar a questão de reformas politicas, sem que os partidos estejam de accordo n'ellas, para que não fique um pomo de discordia que póde trazer graves perturbações á sociedade portugueza. A paixão politica anda inherente a estas questões. E eu mesmo n'este momento, e a que sou frio de natureza, sinto-me um pouco, não

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digo apaixonado, porque já não tenho idade de ter paixões, mas um pouco aquecido pelo desejo de expender a minha opinião contra a do digno par, que aliás muito respeito, para que fique bem accentuado qual é o meu modo de ver n'estas cousas. Gosto sempre de manifestar franca e lealmente a minha opinião, nem me furto á responsabilidade das minhas palavras, qualquer que seja a boa ou má vontade que d'ahi possa resultar para mim. Esta declaração faço-a com a maior sinceridade da minha consciencia, e não podia deixar de a fazer depois do que disse o digno par.

Quanto ao mais não tenho realmente nada a responder. Ouvi com toda a attenção o sr. visconde de Chancelleiros, e applaudi a sua doutrina sob o ponto de vista da desnecessidade da reforma, da carta constitucional, por ella conter em si todos os principios que podem, fazer a felicidade do povo. Se eu visse, que das reformas politicas effectuadas n'este momento podia resultar essa felicidade, e se por acaso pelas minhas tradições e pelos meus compromissos politicos não podesse seguir esse caminho, seria o primeiro a depositar nas mãos do augusto chefe do estado o honroso encargo que me confiou, para elle em sua alta sabedoria escolher aquelles a quem devia entregarão poder; não julgo porém essas reformas necessarias, nem convenientes, nem opportunas.

Vozes: - Muito bem.

(O orador não reviu os seus discursos.)

O sr.- Presidente: - A primeira sessão terá logar ámanhã 8 do corrente, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas, e vinte minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 7 de fevereiro de 1882

Exmos. srs. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alte, de Cabral, de Castro, de Ficalho, da Praia e de Monforte, da Ribeira Grande, de Samodães, de Valbom; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Algés, de Almeidinha, da Arriaga, de Bivar, da Azarujinha, de Chancelleiros, de S. Januario, de Monte-São, da Praia Grande, de Seabra, de Soares Franco, de Villa Maior; Barões, de Ancede, de Santos; Ornellas, Aguiar, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Rodrigues Sampaio, Fontes Pereira de Mello, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Basilio Cabral, Carlos Bento; Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Henrique de Macedo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Lourenço de Almeida, Camara Leme, Daun e Lorena, Pires de Lima, Vaz Preto, Placido de Abreu, Carneiros, Thomás Ribeiro, Ferreira de Novaes, Vicente Ferrer, Ponte e Horta, Barreiros, Arrobas.

Discursos proferidos na sessão de 1 de fevereiro de 1882, pelo digno par Vicente Ferrer Netto de Paiva, que deviam ler-se a pag. 69, col. 1.a, lin. 67, e pag. 75, col. 1.ª, lin. 18.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, principiarei por mandar para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes sobre o pariato do sr. visconde da Azarujinha. Peço a v. exa. que lhe dê o destino conveniente.

Sr. presidente, eu não costumo tomar parte, como terá observado a camara, nas questões politicas, quando ellas são ardentes. Gosto de discutir, mas placidamente; e prefiro discutir antes as questões que encontro na linha dos meus estudos. Não sou encyclopedico.

Debate-se actualmente em discussão uma importante questão relativa, ao conflicto dos administradores dos bairros do Porto com as commissões do recenseamento. Esta questão póde ter um lado politico, de que não fallarei; mas tem no seu fundo e essencia tambem outro juridico, que para mim é o principal. É sobre este que eu vou fazer breves reflexões.

Sr. presidente, o expor com clareza o estado de uma questão, contribue muito poderosamente para sua facil decisão; vou por isso expor esse estado na sua maior simplicidade.

Vejo que a questão juridica ainda tem dois lados: os factos e as leis que se podem applicar a esses factos.

Os factos sabem-se, não só pela imprensa, mas pelas declarações que o governo tem feito n'esta e na outra casa do parlamento, e são os seguintes.

Os administradores dos bairros do Porto foram assistir aos trabalhos das commissões de recenseamento, e por essa occasião pretenderam que as commissões lhes deixassem numerar e rubricar os verbetes, ou folhas volantes, em que se vão tomando os apontamentos dos trabalhos que a commissão vae fazendo.

A maioria das commissões oppoz-se a isso, e os administradores, entendendo que n'esse facto havia desobediencia ás suas ordens, mandaram prender aquelles membros da commissão remettendo-os ao poder judicial.

Mas o juiz presidente da audiencia, tendo conferenciado com o seu delegado, decidiu que não havia criminalidade no facto; e, por isso, que não havia motivo para se instaurar processo criminal, e mandou os presos em paz.

Voltaram os membros da commissão aos seus trabalhos, e os administradores exigiram segunda vez a rubrica e a numeração dos verbetes.

A maioria dos membros d'essas commissões, fundada nas suas convicções, e forte com a decisão do podar judicial, que os administradores deviam respeitar, oppozeram-se de novo áquella insolita pretensão.

Os administradores classificaram de resistencia este conflicto de opiniões e, cousa inaudita, mandaram prender segunda vez os membros das commissões e remettel-os ao poder judicial.

O juiz presidente da audiencia, vendo que o segundo auto, posto que os factos relatados eram identicos, vinham revestidos de outras circumstancias novas, mandou-os soltar com fiança.

Eis aqui o estado da questão, quanto aos factos.

Agora quanto ás leis.

Estas em resumo dizem, que o administrador do concelho póde assistir aos trabalhos da commissão de recenseamento eleitoral.

É expressa a lei que confere este direito ao administrador do concelho; e tambem lhe dá o direito de interpor recurso das decisões da commissão para o poder judicial.

Mas, póde esta doutrina applicar-se ao caso presente?

Não. No recurso o recorrente não é superior á auctoridade de quem recorre, pede e não manda; na prisão quem a ordena, manda e é superior. São cousas diversas, pedir justiça ou fazel-a por suas mãos. Aquellas disposições da lei não têem nada com a questão presente.

Ha um preceito de outra lei para ser numerado e rubricado o livro do recenseamento eleitoral pelo administrador do concelho.

É isto uma garantia da liberdade eleitoral e da verdade do recenseamento, e por isso com rasão a lei exige previamente a rubrica e a numeração do livro; mas com relação aos verbetes não ha lei nenhuma que falle da numeração e rubrica d'elles; e não podia fallar, porque verbetes são folhas volantes, bocados de papeis que só servem paradas commissões tomarem lembranças, fazer apontamentos que podem ser alterados por novos esclarecimentos ou novas provas até serem definitivamente approvados e serem lançados no livro do recenseamento.

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Portanto, tudo nos verbetes é provisorio, preparatorio e não definitivo por isso a lei não diz uma unica palavra a respeito de verbetes. Alem de que a numeração e rubrica são uma garantia; mas como não ha ainda nada definitivo que garantir, a lei não falla dos verbetes e só falla do livro.

Sr. presidente, como é caso omisso nas leis a rubrica e numeração dos verbetes, vejamos agora se pelas regras da hermeneutica juridica, por alguma especie de interpretação, se póde deduzir das leis a necessidade da numeração e rubrica, pelo administrador do concelho, dos verbetes em questão.

Examinarei primeiro as rasões adduzidas pelos defensores dos administradores para exigirem essa numeração e rubrica dos verbetes sob pena de prisão. E depois apresentarei á camara os argumentos a favor das commissões, que provam directamente o contrario

A primeira rasão foi apresentada pelo sr. presidente do conselho. E nomeio-o por lhe fazer honra.

O sr. presidente do conselho asseverou que de nada serviria o direito de assistir ao recenseamento se o administrador não tivesse o direito de fazer prevalecer as suas opiniões no centro da commissão do recenseamento. A resposta a este argumento é facil; a lei lá diz qual é o meio que o administrador tem para tornar effectiva a sua opinião quando a commissão não acceita as indicações ou propostas que elle faz. Este meio é o recurso para o poder judicial. Se a lei quizesse dar outros meios, dar-lh'os-ía expressamente, como lhe deu o recurso. Nem em verdade a lei, segundo os principios da sciencia da legislação, lhe podia dar o direito de exigir que as commissões acceitem as suas indicações sob pena de prisão, porque o tornariam superior á commissão; tiraria a esta a independencia e liberdade; os membros das commissões seriam meros escreventes da vontade do administrador; não poderiam ser responsaveis de uma obra que não era sua, mas do administrador; o recenseamento perderia o caracter de popular e vestiria o caracter de obra do poder executivo, que a lei nunca, lhe quiz dar.

Portanto, esta rasão não passa de um sophisma que não póde admittir-se. E ainda que o não fosse, seria uma interpretação extensiva, que não tem logar em materia, criminal, visto que se trata de uma exigencia sob pena de prisão e processo criminal, que só póde ter logar quando o facto é declarado crime por uma lei expressa e vigente, que não ha. (Apoiados.)

Tambem se disse que as commissões não foram generosas para com os administradores, que pediam uma garantia para a verdade do recenseamento, e que assim deram occasião a desconfianças dos administradores. Porém, sr. presidente, no campo do direito não se trata de generosidades; (Apoiados.) lei e nada mais, lei e nada menos. (Apoiados.)

Deu a lei esta garantia aos administradores? Não. As commissões estavam, pois, no seu direito de a não concederem. Suspeitava-se sem fundamento da sua rectidão, a sua honra e dignidade pessoal não lhes permettia submeterem-se ás ameaças illegaes de as mandar prender. O homem de brio e pundonor defende a sua dignidade, não só debaixo de ameaças de prisão, mas até no carcere e nas escadas da forca. Os cavalheiros da, commissão assim e fizeram; honra lhes seja. (Muitos apoiados.)

Outra rasão consiste em confundir verbetes com livro de recenseamento, e até se disse que os verbetes eram e verdadeiro livro do recenseamento, porque o livro era apenas obra de um amanuense que n'elle lançava o que estava escripto nos verbetes. Mas eu já notei as differenças que ha entre verbetes e livro do recenseamento: 1.°, os verbetes podem ser alterados pela commissão por novas provas; o livro depois de encerrado e assignado pelos membros das commissões, não, excepto por sentença do poder judicial; 2.° O direito de eleitores e elegiveis nasce, por assim dizer, do livro e não dos verbetes, porque só o livro faz fé; por isso a lei exigiu a numeração e rubrica do livro e não dos verbetes. Os verbetes desapparecem e o livro fica. Aquelles não têem força, o livro sómente faz prova em quaesquer questões supervenientes. O livro é tudo, os verbetes não ficam, valendo nada. Nos verbetes lançam-se os nomes dos eleitores approvados e aquelles sobre os quaes ha duvida até novos esclarecimentos e provas. Já se vê que os verbetes podem ser alterados, e que não são obra definitiva a que a lei désse a garantia da rubrica e numeração.

Sr. presidente, tudo o mais que se tem dito a favor dos administradores não são senão subterfugios, contradicções e subtilezas metaphysicas. Não vale a pena responder-lhes.

Sr. presidente, eu lastimo que o sr. ministro da justiça dissesse claramente que os actos praticados pelos administradores do Porto foram justos e legaes.

Os seus collegas foram mais cautelosos, ora esperavam informações, ora o direito dos administradores era duvidoso, ora diziam que a garantia da rubrica era necessaria, ora finalmente que as commissões deviam ser generosas. Tudo hesitações, subterfugios, contradicções!

Tudo isto é miseravel, pois os tres jurisconsultos que têem assento no gabinete não sabem o direito tão claro que rege a questão? Sabem, mas o desejo de conservar as pastas, o medo da cidade do Porto e o desgostar o seu partido levaram-os a este lastimoso papel! (Apoiados.)

Agora vou dar as rasões pelas quaes se prova directamente que os administradores de concelho não podem de nenhuma fórma, diante dos textos da lei, ter o direito de compellir as commissões a praticar qualquer acto ou a deixar de o praticar.

E peço ao sr. presidente do concelho, que attenda e tome noto d'este argumento, que é capital.

Se o administrador do conselho tivesse esse direito, é evidente (já o disse) que era superior á commissão. Ora a lei diz que os administradores do concelho têem direito de interpor recurso das decisões das commissões de recenseamento para o poder judicial.

Então como podemos admittir tambem o direito de impor ás commissões as suas opiniões com a pena de prisão? De nenhum modo, porque este direito inutilisaria o direito de recurso. E n'esse caso seria inutil o direito de interpor recurso.

Que administrador haveria tão estulto, que, podendo por si cortar com a espada de Alexandre o nó gordio de um só golpe, fosse interpor o recurso? Nenhum. Quem pede aos santos o que póde fazer por si? (Apoiados.)

Para o administrador a sua propria decisão é segura, a do juiz contingente e incerta; a sua produziu logo effeito, a do juiz trazia delongas e incommodos; a sua lisonjeava o seu amor proprio, a do juiz sendo contraria, feria a vaidade. O administrador não hesitaria em tomar a espada de Alexandre e mandar como superior á commissão. (Apoiados.)

Por consequencia, se a lei estabelece o direito de recurso, esta disposição destroe a idéa do direito de compellir as commissões.

As commissões têem dois caracteres, administrativo e judicial, porque as funcções que exercem podem dividir-se em duas partes.

A parte administrativa é aquella na qual as commissões tratam de obter esclarecimentos e provas a favor ou contra á admissão no recenseamento de qualquer cidadão.

A parte judicial é aquella na qual a commissão julga como tribunal de justiça e decide as questões da sua competencia. E a prova de que tem caracter judicial, é que das suas decisões póde haver recurso para o poder judicial.

Sendo assim, se os administradores de concelho, que são delegados do poder executivo, tivessem ingerencia nas discussões das commissões, ahi teriamos o poder executivo a

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interferir nos actos do poder judicial1, o que lhe é absolutamente prohibido pela carta constitucional, que, estabelecendo a divisão dos poderes politico não quer que elles se confundam.

Tambem ouvi dizer, para desculpar os actos das prisões, que chamarei escandalosos para não dizer brutaes, consideravam taes actos, o primeiro como desobediencia, e segundo como resistencia e flagrante delicto.

Sr. presidente, o que aqui vae! Desobediencia em um conflicto de opiniões entre pessoas das quaes nenhuma era superior! Que rasão póde descobrir-se para prevalecer a opinião do administrador? Nenhuma. Antes á rasão do principio das maiorias lhe era contraria.

N'este conflicto era necessario um terceiro, que decidisse. É isto o que a lei quiz, estabelecendo o recurso para o poder judicial.

Portanto, as auctoridades do Porto usurparam um poder que não tinham e, mandando prender, fizeram visivel violencia illegal e intoleravel. Os membros das commissões presos podem querelar contra ás auctoridades que deram a ordem, e até pedirem perdas é damnos. Isto quanto a desobediencia.

E a resistencia e flagrante delicto! Isso foi peior. A resistencia tem logar quando a ordem é legal e emanada de uma auctoridade superior, aliás entra o direito de defeza e não ha resistencia.

Esta é a doutrina, que não desenvolvo, porque me levaria muito longe. Agora quem chama um conflicto de opiniões flagrante delicto, quando nenhum dos que sustentam as diversas opiniões é superior aos outros não merece resposta. (Apoiados.)

Sr. presidente, a auctoridade do sr. presidente do conselho é para mim e para toda á camara muito respeitavel, mas permitta-me s. exa. que lhe diga me admirei de lhe ouvir, que estando a questão affecta ao poder judicial, o governo nada podia fazer á respeito d'ella, e que devia esperar pela resolução dos tribunaes.

Sr. presidente, que o governo não póde intervir nas decisões dos tribunaes, nem ir de encontro a ellas é verdade, porque haveria confusão do poder executivo com é judicial, é que a carta constitucional não quer.

O poder judicial depois da primeira prisão decidiu que não havia crime para processo na questão entre os administradores e as commissões; porque não desapprovou logo o governo o procedimento dos administradores? Sé o tivesse feito, evitaria o novo attentado da segunda prisão. Cruzou os braços, não fez o que devia:

Pois o governo não póde fazer nada, estando a questão pendente do poder judicial, e os seus delegados poderam ir contra as decisões d'esse poder, o que é mais?

Como se póde justificar o governo de não ter desapprovado a primeira prisão segundo o principio invocado? Nada póde fazer estando o caso affecto ao poder judicial, e póde ir contra estando decidido! Isto não é serio.

Nb estado em que hoje se acha a questão que tanto agita o Porto, só peço ao governo; por Deus que dê dentro da esphera administrativa, algumas providencias que tranquillisem á grande agitação que vae no Porto.

O sr. presidente do conselho disse que se fosse administrador do Porto, não levantaria a questão; e fazia muito bem. Se a questão não devia nascer para que a deixa desenvolver de prisão, em prisão e crescer a agitação? O ministerio não vê que ella póde trazer graves resultados; que eu não quero, apontar. Calcule-os o governo, que é o seu dever. São necessarias providencias; dê-as o governo. (Apoiados.)

O que eu vejo, entretanto, é que os membros das commissões recenseadoras se poderão considerar como presos; e não poderão continuar os trabalhos das commissões. Serão chamados os substitutos para continuar esses trabalhos? E se estes não quizerem tambem acquiescer ás ordens dos administradores, irão elles presos, fazer companhia aos outros? E o recenseamento quem o ha de fazer? Tudo é culpa do governo que podia terminar a questão na sua origem, é a deixou chegar a este ponto. E não vejo meio de a resolver airosamente para o governo, para as auctoridades do Porto e para ás commissões. Veremos. Eu desejo enganar-me, (Apoiados.) mas parece-me que o não consegue.

Em todo o caso é forçoso saír d'este labyrintho, acabar o conflicto e restituir a tranquillidade dos espiritos agitados da grande cidade do Porto que foi berço da liberdade, e hoje poderoso baluarte d'ella.

Calculae, srs. ministros, as consequencias da questão. A vossa responsabilidade é tremenda. Apressae-vos, que já não é cedo. (Apoiados.)

Não digo mais nada sr. presidente.

O sr. Ferrer: - Pouco direi em resposta á algumas proposições que apresentou o sr. presidente do conselho, por quem tenho o maior respeito; e acredite s. exa. que tomei á palavra não pelo desejo de o combater, mas para destruir os effeitos que as suas doutrinas podem ter produzido n'esta assembléa, mais pela força da sua auctoridade do que pelo peso das suas rasões.

Sr. presidente eu li ha pouco tempo, e casualmente, n'um livro, de que não me lembro nem o titulo, nem o nome do escriptor, que todo o homem de talento devia em uma discussão poder sustentar, durante uma hora, o maior absurdo.

Se alguem duvidar d'isto, tem a prova em o brilhante discurso do sr. presidente do conselho que, apesar das proposições inadmissiveis no campo do direito, s. exa. sustentou; e, apesar de modestamente se declarar leigo em jurisprudencia, teve a habilidade não só de sustentar proposições falsas, mas de captivar a attenção da camara. Eu mesmo gostei, apesar de ser combatido.

Já vê a camara que eu não podia deixar de tomar a palavra e responder:

Disse o sr. presidente do conselho que eram uma e a mesma cousa livro do recenseamento e verbetes.

Eu quando fallei a primeira vez já mostrei a defeza da natureza e effeitos juridicos dos verbetes e do livro do recenseamento. Para que confundir as duas cousas, fundindo-as em uma só, quando ellas são por sua natureza entidade diversas. Porque se ha de roubar a numeração e rubrica ao livro, a quem a lei a dá, para a dar aos verbetes de que á lei nem se quer falla. S. exa. chama-lhe uma garantia importante, e eu digo que ella não valeria nada, porque nos verbetes não ha nada definitivo que garantir; tudo é provisorio e alteravel.

As commissões ainda examinam, procuram esclarecimentos e nada decidirão definitivamente, que tenham que garantir a numeração e rubrica? Nada.

Agora o livro do recenseamento é outra cousa. Este livro é numerado é rubricado pelo administrador do concelho, e n'elle se lançam por ordem alphabetica os nomes dos cidadãos recenseados definitivamente pela commissão e os membros d'esta assignam:

Os verbetes hão são assignados, nem pelos membros das commissões, nem pelos administradores, porque se gastaria muito tempo a numerar e rubricar muitos mil verbetes.

As garantias, exclamou o sr. presidente do conselho são para ás minorias e não para as maiorias.

É verdade, mas n'este caso, a numeração e rubrica não são garantia, como já mostrei, porque não têem objecto que garantir. Antes são um incommodo, um embaraço pelo muito tempo perdido com uma inutilidade que só por um capricho mal entendido queriam os administradores do Porto cumpelir as commissões a consentir sob pena de prisão. Cousa inaudita!

Tambem ouvi dizer a um digno par, que esta garantia da rubrica dos verbetes era necessaria na cidade do Porto,

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onde sempre tem havido tranficancias eleitoraes, e que n'esta materia o Porto era a cidade das trapassas. (Creio, que foram estas as suas palavras, aliás retiro-as). Não posso deixar sem correctivo estas phrases ignominiosas para aquella grande cidade, que contem um grande grau de civilisação. N'ella o caracter dominante é o trabalho e a honra, que se não casam bem com tranficancias e trapassas.

Esta cidade tem muitos escriptores e jornaes de todas as cores, que de certo corrigiriam esses defeitos, principalmente se existissem com o caracter geral, que o digno par lhe deu.

Sr. presidente, eu não admitto que se possa dizer mal em geral de uma nação, de uma cidade, ou de uma aldeia, nem mesmo dos judeus em geral, apesar de andarem vagabundos por todo o mundo, vergando com o opprobio de Deus e dos homens. Se em toda a parte ha mal, tambem ha muito bem. Eu eu não sou pessimista. (Apoiados.)

Não se devem proferir injurias d'esta ordem contra uma cidade tão importante. (Apoiados.)

O sr. presidente do conselho declarou por differentes vezes que era duvidoso o direito dos administradores compellirem sob pena, de prisão os membros das commissões a submetterem-se ás suas pretensões; porque havia opiniões pró e contra, e por isso que se não podia com rasão censurar os administradores por quererem fazer prevalecer as suas opiniões. Mas, sr. presidente, ninguem censura que os administradores discutissem com as commissões e que as quizessem convencer e persuadir. O que se censura são os ameaços de prisão, que em boa logica nunca foram admittidos como syllogismos ou raciocinios. O que se censura são as violencias brutaes da primeira prisão e muito mais da segunda, depois da decisão do juiz, que não achou no procedimento das commissões criminalidade para proceder. Os administradores deviam respeitar esta decisão do poder judicial. Os administradores tambem serão superiores a este poder? E o governo mudo e quedo!

Finalmente, estranhou o sr. presidente do conselho que a opposição peça a demissão do governador civil sendo duvidoso o direito na questão. Eu, sr. presidente, nunca pedi, não peço, nem pedirei a demissão. Não me pertence exigir a responsabilidade do sr. governador civil. Não cuido da sua sorte. O que posso fazer é exigir a responsabilidade do governo, que não desapprova os actos illegaes das auctoridades do Porto, como é seu dever, porque são seus delegados.

O que pedi ao governo foram providencias que acabem com as violencias dos administradores do Porto, providencias que ponham a andar o recenseamento, que se acha parado; providencias, emfim, que restituam áquella importante cidade a tranquillidade que tão necessaria lhe é no meio da grande agitação que n'ella reina; emfim, providencias que acabem a questão. (Apoiados.)

Diz o sr. presidente do conselho que a questão está entregue ao poder judicial e que não póde fazer nada emquanto este poder não decidir. Isto, sr. presidente, é e não é verdade. Parece contradicção e não a ha. O governo não póde intervir nas decisões do poder judicial, mas póde na esphera administrativa tomar todas as providencias para a boa execução das leis e da publica tranquillidade. E se é verdade que debaixo do pretexto de estar pendente a questão do poder judicial, o governo nada póde fazer, tambem nada póde fazer contra a decisão do poder por maioria de rasão. E então pergunto porque não desapprovou o governo a segunda prisão, que foi evidentemente contra a decisão do poder judicial dada quando os membros das commissões foram presos a primeira vez, visto que os factos eram identicos?

A primeira decisão não valeu para o governo, a segunda sim!

O sr. visconde da Arriaga, dirigindo-se a mim, disse que eu se fosse membro de uma commissão de recenseamento seria generoso e deixaria pôr a rubrica nos papeis a que chamam verbetes.

A isto respondo que consentiria de boamente, se o administrador se dirigisse a mim urbana e civilmente, pedindo para eu consentir; porém, se elle se dirigisse a mim mandando e não pedindo, e principalmente ameaçando-me com prisão, juro por tudo que ha de mais sagrado no mundo, que reagia; porque o homem de honra e brio, de antes quebrar que torcer, defende a sua dignidade pessoal debaixo de ameaços de prisão, depois e até nas escadas da forca.

É isto o que os membros das commissões fizeram tão nobremente, preferindo a prisão á infame subserviencia. Honra lhes seja. São dignos descendentes dos heroes do cerco do Porto, o qual vae esquecendo para muita gente, porém a cidade que o soffreu está bem lembrada. (Apoiados.) Finalmente para que recorreu o digno par á generosidade?

É preciso não confundir um acto de generosidade com os deveres legaes. A generosidade é virtude para os particulares, as auctoridades não podem ter esta virtude, têem só deveres. Lei e nada mais e nada menos.

Finalmente vou, sr. presidente, referir o que li em um jornal, que os membros da maioria das commissões tinham proposto no principio da questão um meio de conciliação, para saírem da questão e ficar tudo em paz; este meio era juntar todos os verbetes em massos cintados, lacrados, numerados e rubricados, e mettel-os n'um cofre de tres chaves, das quaes duas ficariam nas mãos das minorias e só uma ficaria ás maiorias.

Pergunto ao sr. presidente do conselho se realmente existiu este offerecimento e se os administradores e as maiorias o rejeitaram.

Na verdade esta transacção era uma garantia tão efficaz como a rubrica dos verbetes, e só por teima de homens insensatos podia ser rejeitada. As auctoridades do Porto só queriam prisões, se realmente rejeitaram esta offerta. (Apoiados.)

Não digo mais nada, o governo que calcule as consequencias que podem resultar da agitação que vae no Porto. A responsabilidade é toda sua. Srs. ministros, se não daes providencias immediatamente, e já não é cedo, infelizes de vós. Deixae-vos de tergiversações e contradicções, dizendo uns que os administradores tinham direito e outros que o direito é duvidoso. Não embrulheis a questão confundindo livro de recenseamento com verbetes. Olhae que isto não é serio e grave. O Porto não vos acceita estas miserias. O Porto, que tanto combateu pelo systema constitucional, não reconhecerá como tal o que actualmente rege, que realmente não é senão uma ficção, um sophisma, uma mascara do governo parlamentar. Dá-me vontade de fugir para o canto da minha provincia. (Muitos apoiados.)

Discurso proferido na sessão de 4 de fevereiro de 1882, pelo digno par o sr. Vicente Ferrer Netto de Paiva, que se deviam ler na pag. 79, col. 2.ª, lin. 20; pag. 80, col. 1.ª, lin. 23; pag. 83, col. 2.ª, lin. 59; e pag. 99, col. 1.ª, linha 8.ª

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, a questão que se levantou no Porto, entre os delegados do governo e os membros da commissão de recenseamento, exaltou de tal modo os espiritos d'aquella grande cidade, que eu espero que o sr. presidente do conselho não estranhará que eu lhe pergunte qual o estado em que se acha essa questão, que passos tem dado, se o governo tomou já algumas providencias, e se as tomou quaes ellas são.

Sr. presidente, a resposta do sr. presidente do conselho é necessaria para a opposição, a fim de que ella saiba como se ha de haver n'esta questão. E tambem a julgo necessaria ao governo para manifestar á camara e ao publico as providencias que tiver tomado. O governo parlamentar é um governo de publicidade.

Sr. presidente, os jornaes que hoje li publicavam dois telegrammas a este respeito, um conciso e breve, o outro um pouco mais amplo e circumstanciado.

V. exa.; sr. presidente, sabe que n'esta casa não se póde

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fazer obra por telegrammas particulares e que a camara tem direito a ser informada officialmente do que ha a este respeito; é quem tem obrigação de a informar é o governo, que tem para isso todos os meios de informação necessarios. Pergunto, portanto, ao sr. presidente do conselho qual o estado em que se acha a questão do Porto, que passos tem dado, se o governo já tomou algumas providencias, é em caso affirmativo quaes ellas são.

Peço a v. exa. que me reserve a palavra, porque desejo ainda dizer alguma cousa depois da resposta do sr. presidente do conselho.

O sr. Ferrer: - O que eu vejo na resposta do sr. presidente do conselho é que ella confirma o que dizem os telegrammas.

Com a habilidade que lhe é geralmente reconhecida, s. exa. procurou modificar a aspereza das resoluções tomadas pelo governo, dar-lhes umas certas voltas para ver se conseguia diminuir-lhes o desgosto que naturalmente ellas devem causar ao partido regenerador do Porto, é a desesperação das auctoridades d'esta cidade.

Diga o sr. presidente do conselho o que quizer, é força confessar que ellas contêem a desapprovação do seu procedimento, porque o sr. presidente do conselho declarou que mandára que as auctoridades do Porto cedessem da exigencia de numerar e rubricar os verbetes; que as minorias deviam respeitar as decisões das maiorias; que evitassem a transacção que tinham offerecido as maiorias ás minorias e administradores; e, o que mais é, que fossem (pobres homens!) em pessoa fazer estas declarações ás commissões, confessando que erraram.

Apesar da habilidade do sr. presidente do conselho, a resolução do governo, como já disse, é a desapprovação do procedimento das auctoridades administrativas do Porto, e este facto deve ter necessariamente as conclusões que d'ahi se devem tirar.

Uma d'ellas é que aquelles delegados do governo ficam sem força moral nenhuma, e por consequencia inhabilitados para administrar como deve ser.

Desacreditar uma auctoridade e conserval-a no seu logar, são duas cousas que se não podem conciliar.

Aqui não ha subterfugios que valham.

O facto do negocio estar affecto ao poder judicial não póde servir de argumento acceitavel a favor da desculpa de não fazer mais nada.

O poder judicial julga na esphera das suas attribuições judiciarias. O poder administrativo manda dentro da sua esphera administrativa. São espheras diversas e independentes.

Como quer, pois, o sr. presidente do conselho desculpar-se de não poder fazer mais nada, com estar a questão pendente do poder judicial?

Esta desculpa tem graça!

O sr. presidente do conselho entende que hoje, que os membros das commissões estão presos com fiança, não póde o governo fazer nada; mas approva o procedimento dos administradores prenderem segunda vez os membros das commissões, indo de encontro á primeira decisão do juiz, que os mandou soltar por não achar criminalidade nos factos, que foram identicos n'um e n'outro caso.

A segunda, prisão foi um attentado contra o julgado do poder judicial.

Hoje o tirar as conclusões das suas instrucções aos administradores dentro da esphera administrativa não ataca em nada o poder judicial, que lá vae desassombrado continuando o processo contra os presos com fiança. (Apoiados:)

Eu, sr. presidente, antes queria perder mil vezes o meu logar, se fosse administrador do Porto, do que voltar ás commissões a declarar que tinha andado illegalmente. Que triste papel. (Apoiados.)

Quando chegaram os telegrammas do Porto, referindo as providencias do ministerio, ninguem acreditou. E eu mesmo duvidei, por ver que o governo estabelecia os principios e recuava diante das consequencias, deixando a logica a chorar sangue.

Diga-se a verdade, que sciencia de administração é a do governo que expoz os pobres administradores ás gargalhadas do publico, tira-lhes a força moral e deixa-os nos seus logares como homens de palha?

E como póde o sr. ministro da justiça convir nas instrucções que desapprovam como illegaes os actos das administrações, quando elle os declarou legaes na camara dos senhores deputados? Como póde continuar no ministerio?

Eu, quando tive a honra de ser ministro, discordei dos meus collegas em uma questão grave, e pedi a minha demissão. (Apoiados.)

Sr. presidente, esta questão progrediu, porque o governo não soube cumprir com o seu dever, ella devia ser terminada logo que se levantou, deixou-a o governo progredir com os braços cruzados, e agora só a terminou em parte. Póde, pois, com verdade dizer-se que ella tem sido desde o principio uma hesitação constante. (Apoiados.)

O sr. Ferrer: - O sr. presidente do conselho; na ultima vez em que na quarta feira tomou a palavra, sustentou a opinião de que os principios de direito philosophico eram aquelles a que primeiro convinha recorrer para a boa interpretação das leis, e eu apoiei-o. E sustentou que se tinham direito os administradores, podiam usar ou deixar de usar esse direito. Usavam bem então, e que o governo usa bem agora, mandando que cedam d'elle.

O sr. presidente do conselho assentou estas proposições desembaraçadamente, e eu vou provar-lhe que esta doutrina não é exacta. A liberdade juridica de usar ou deixar de usar de um direito é só para os cidadãos governadores, os governantes não têem direitos, têem sómente obrigações; hão têem liberdade juridica de os cumprir ou deixar de cumprir. Têem a necessidade juridica de os cumprir. Portanto, os administradores dos bairros e as commissões de recenseamento tinham, como auctoridades, obrigação de cumprir os preceitos da lei, que lhes impõe esse dever e necessidade.

Esta é a philosophia do direito.

Agora vejo eu a rasão por que os governos a que s. exa. preside, deixam de praticar muitos actos para a boa execução das leis, como tem acontecido n'esta questão do Porto.

S. exa. entende que tem direito, e que por isso póde usar ou deixar de usar d'elle. Ora isto é o que se chama governo absoluto. O despota só tem direitos, as obrigações são para os vassallos ou servos; nos governos livres, dá-se o contrario.

Já o sr. presidente do conselho vê que tal doutrina o não póde salvar, sem contradicção de approvar até agora o procedimento dos administradores, e agora reproval-o, forçando os pobres administradores a irem ás commissões confessar que não tinham rasão e que cediam das suas exigencias.

Eu bem vejo que o que o sr. presidente do conselho quer é salvar as auctoridades do Porto. Mas não póde. Ou os actos da exigencia e prisões são legaes ou illegaes. No primeiro caso não póde reproval-os e mandar que os administradores cedam d'elles. No segundo caso, uma vez que o governo reconheceu a sua illegalidade não póde deixar de desapprovar os seus actos e demittil-os. Aliás será illogico e não acabaria de cumprir os seus deveres. (Apoiados.)

O governo deve de fazer justiça inteira.

Disse o sr. presidente do conselho que não demitte o governador civil. Que me importa a mim com isso? Tanto se me dá que o demitta como que não. (Apoiados.) Não

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admira que s. exa. o não demitia. É coherente com a tal doutrina philosophica que aqui proclamou. Porém ainda acredito que nada conseguirá com isso, porque n'este paiz ainda se não extinguiram os principios de honra e dignidade pessoal, e parece-me que as suas auctoridades do Porto, que de certo terão estas nobres qualidades, a estas horas já terão pedido a sua demissão. Se o governo tem a coragem de as desacreditar, reprovando os seus actos, e de as deixar nos seus logares expostas ás gargalhadas do publico, ellas terão o bom senso de preferir a sua demissão, ao facto de irem ás commissões cantar a palinodia, e de ficarem nos seus empregos sem força moral, que o governo lhes tirou. Isto seria inaudito!

E o que responde o sr. presidente do conselho ás declarações categoricas do sr. ministro da justiça na outra casa do parlamento, declarando que os actos das auctoridades do Porto foram legaes e que andaram correctamente? Approvou este ministro as instrucções em que se diz o contrario? Se approvou, que triste papel! Se não approvou, como se senta ainda no conselho de ministros!

Sr. presidente, fallemos francamente, o governo constitucional é nos tempos modernos uma garantia de liberdade, deve ser uma cousa seria; e os governantes devem tomar o seu logar; nada de subterfugios, a verdade e só a verdade; de outro modo em vez de ser um governo bom é uma mascarada (Repetidos apoiados.)

Sr. presidente, eu leccionei direito publico muitos annos, e invoco o testemunho de v. exa. que foi um estudante distinctissimo da universidade, para que diga se era este o direito publico constitucional que eu ensinava na universidade? O que eu ensinava não era isto.

Eu soffri pela causa da liberdade, e por isso tenho pena de que o governo constitucional não seja uma realidade n'este paiz, mas sómente um sophisma; dá-me vontade de fugir, e ir-me metter no canto da minha provincia.

Srs. ministros, elevae-vos a toda a altura (como dizeis), da gravidade das circumstancias: olhae para a consequencia d'este estado de cousas, e vêde a indifferença com que o povo olha para tudo isto. A indifferença é a morte não sei de que. (Muitos apoiados.)

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, os membros de partido progressista, que têem a honra de ter assento n'esta casa, resolveram votar sem discussão o projecto de resposta ao discurso da corôa, simplesmente como comprimento ao chefe do estado.

Esta resolução não significa de modo algum que nós approvâmos a origem e marcha governativa dos dois ministerios que se têem seguido consecutivamente um ao outro, ambos saídos do partido regenerador, contra o principio fundamental do governo representativo, que exige a rotação dos partidos.

Não desenvolto mais este pensamento. Fallo diante de uma camara illustrada que conhece muito bem esta doutrina constitucional.

A rasão por que os meus collegas assentaram no que acabo de dizer, é porque entendem que, sendo multiplices as questões politicas, que se podem tratar na discussão da resposta ao discurso da corôa conjunctamente, não podiam tambem ser tratadas com a clareza necessaria para se chegar a um resultado evidente, como sendo discutidas separadas; e de certo não hão de faltar occasiões para combater a administração do governo, que tem sido altamente prejudicial para os interesses publicos.

Nós protestâmos levantal-as em occasiões opportunas, que não hão de faltar.

Era isto o que eu tinha a dizer á camara.

Discursos proferidos na sessão de 4 de fevereiro de 1882 pelo digno par Antonio Augusto de Aguiar, que deviam ler-se a paginas 80, col. 1.ª, lin. 44; 84, col. 1.ª, lin. 11; e 99, col. 1.ª, lin. 29.

O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Li n'um jornal, que julgo bem informado, estarem muito adiantados os trabalhos das commissões d'esta camara encarregadas de examinar e tratado de commercio com a França. Para não privar ou meus illustres collegas que compõem as mesmas commissões de todos os elementos de exame, mando para a mesa quatorze representações de differentes industriaes contra algumas clausulas do referido tratado. As pessoas que assignam estas representações são as seguintes.

(Leu.)

Devo participar tambem que recebi hontem um telegramma da Covilhã, que me enviou o sr. commendador Navarro, communicando ter havido ali um grande comicio, no qual se resolveu adherir ao procedimento da associação commercial de Lisboa, e representar a esta camara contra a clausula do tratado que se refere aos tecidos de lã.

Peço a v. exa. que dê a estas representações o destino que se tem dado a outras identicas.

Consultada a camara resolveu affirmativamente, senão as representações dirigidas á commissão dos negocios externos e publicadas na folha official.

O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Agradeço ao meu collega o sr. Ornellas a declaração que fez, e ao governo o ter consentido em adiar por algum tempo a discussão do tratado de commercio com a França, a fim de serem apreciadas devidamente as representações dos industriaes, e se fazer justiça a quem de direito a tiver.

O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Depois das declarações dos homens politicos que nós acabâmos de ouvir, era quasi desnecessario que eu me levantasse para fallar n'esta questão. No entanto, sr. presidente, como represento aqui a minoria, tendo de certo poucos companheiros das minhas idéas politicas, embora me honre com a amizade de quasi todos os membros d'esta casa, entendo que para definir cada vez melhor a minha situação, para accentuar de um modo claro as minhas opiniões, não posso deixar de proferir algumas palavras, que expliquem o meu pensamento.

A resposta ao discurso da corôa, sr. presidente, póde ser votada sem significação alguma politica e como simples homenagem ao chefe do estado. Estão n'este ponto de accordo, não só o partido progressista, que assim acaba de pronunciar-se pela voz auctorisada do sr. Ferrer, senão tambem o sr. conde de Valbom, que representa igualmente n'esta casa opposição ao governo.

É um mero cumprimento ao soberano, não se encara d'esta vez a resposta ao discurso da corôa como acto politico, nem se julga indispensavel a discussão em globo dos factos praticados pelo governo.

A opposição resolveu seguir o caminho mais curto. Espera os actos do governo, o bill de indemnidade que elle terá de pedir forçosamente ao parlamento, e que, de certo, já devêra ter apresentado, as medidas de fazenda; emfim, aguarda todas as manifestações de actividade de um grupo politico que se collocou em circumstancias de nós todos podermos ser exigentes com elle, em virtude dos acontecimentos que o levaram ao poder.

Não discutâmos a resposta ao discurso da corôa, visto como a opposição chegou a este accordo; entretanto, eu, como representante de um dos partidos mais avançados d'esta camara, tenho obrigação de dar algumas breves explicações, sem que deixe de estar, pelo que vou dizer, plenamente de accordo com a resolução tomada pela opposição.

Ha questões que a discussão da resposta ao discurso da corôa prejudica; outras, porém, conheço eu, que só podem esclarecer-se devidamente quando ella se discute, porque são questões que não voltam mais á téla da discussão, ou

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se voltam não é com o mesmo caracter de generalidade que ora têem.

A discussão torna-se, sobretudo, necessaria, a meu ver, quando, como agora succede, temos dois governos que apreciar: um que desappareceu sem se despedir da camara, e outro que o substituiu sem ter vindo logo ter com ella, tomando todas as responsabilidades do primeiro que representa. O governo transacto, alem d'isso, não tinha programma, e o actual esboçou no discurso da corôa o seu programma.

Para não ir de encontro aos votos da opposição não discutirei largamente o discurso da corôa, apenas me servirei da palavra para affirmar as idéas e os principios do partido avançado a que pertenço.

Fal-o-hei com modestia, quando mais não seja, para contraste.

Com paciencia, porque todas as propagandas são em grande parte obra de paciencia, e quem a tem possue em si a maior virtude politica dos tempos modernos.

Com moderação, porque os partidos monarchicos avançados devem caprichar em combater os seus adversarios com idéas, e não precisam servir-se de palavras offensivas. A par de todas as liberdades é preciso que haja respeito ás pessoas.

Com bom senso, para que não subamos ao poder antes de tempo, mar sómente na hora e momento logico marcado pela historia. É pela falta de respeito a estes principios que succede hoje sentir-se fraco o governo que se senta, diante de nós, quando se tivesse sabido esperar mais algum tempo estaria agora cheio de vida e de coragem. Com firmeza e abnegação, porque os verdadeiros partidos monarchicos avançados querem só o bem da sua patria e dos seus concidadãos. Governar é bom quando é para o bem de todos.

Com esperança, porque não posso suppor que a sociedade portugueza não accorde do somno lethargico em que se encontra ha tantos annos; e com enthusiasmo, porque as grandes idéas, quando chega o momento de as pôr em pratica, provocam sempre os grandes sentimentos dos homens de bem e de consciencia.

Preciso declarar francamente, sr. presidente, que desapprovo tudo quanto se tem praticado desde março, do anno passado, e desapprovo tudo, não só á luz das idéas avançadas que professo, mas até perante os principios constitucionaes que os meus collegas julgam ainda sufficientes n'esta hora.

Em março, a situação progressista, que tinha na camara electiva extraordinaria maioria, veiu encontrar-se em crise n'esta camara, na qual, apesar de haver feito nomeações de pares por duas vezes, não chegou a conseguir o equilibrio. Não podendo reconstituir-se aquelle governo, por motivos que não desejo n'este momento investigar, pediu a demissão ao chefe do estado, que lh'a concedeu promptamente.

O governo progressista foi então substituido por outro governo, que pela bôca do seu chefe, o meu amigo o sr. Sampaio, declarou não ter programma.

Era composto de homens novos e de talento, e como se apresentaram com muita modestia, alem de não terem programma pediram tempo para estudar. Poucos dias depois de constituido, este governo fechou a camara, e foi effectivamente estudar.

Em junho seguinte, dois mezes depois, appareceu na camara, mas em vez de lhe apresentar os seus trabalhos, pois parece que os não tinha, appareceu para a dissolver, não tendo alcançado d'ella a lei de meios.

Por decreto de 30 de junho do anno passado, fixou o novo governo o dia 21 de agosto para as eleições. Fez as eleições n'este dia e convocou a nova camara para d'ali a seis mezes. Sem necessidade alguma de desprezar a constituição, em vez de ter logo convocado a nova camara após as eleições para obter a lei de meios, regularisando assim a sua situação no parlamento, constituiu-se em dictadura.

Depois, um dia, quando ninguem o esperava, esse ministerio, ao qual as eleições tinham dado tão grande maioria que até o chefe da opposição progressista, após largos annos da vida parlamentar, não chegou a ser eleito; um dia esse ministerio, repito, e não quero dizer que dia foi, demitte-se sem que se soubesse o motivo por que o fazia, e muito antes de se abrirem as côrtes, surgiu o sr. Fontes á frente do novo governo, que ainda se conservou desde novembro até janeiro, mez e meio completo, sem se apresentar ao parlamento.

O sr. Fontes com grande maioria na camara electiva, quasi unanimidade; e as forças de combate perfeitamente equilibradas na camara alta, esquece-se inteiramente do que dissera e defendêra na opposição, e antes de abrir a sessão, sem esperar um acto de hostilidade d'esta camara para justificar-se, no dia 1 de janeiro, faz uma fornada de vinte pares!

Não espera, como parece aconselhára ao partido progressista, que a camara alta se lhe mostre adversa. Suffoca até a idéa de qualquer tentativa n'este sentido.

Esquece-se de tudo que proclamára na opposição, segue a mesma senda que os adversarios, commette os mesmos erros, porque erros chamára aos actos que elles haviam praticado, e em pouco mais de oito mezes, vemos nós uma camara dissolvida e outra eleita, dois ministerios, duas dictaduras, emfim a mais perfeita anarchia constitucional, e até atropeladas as mais elementares regras do bom senso, mostrando-se até aos menos sabidos em negocios politicos, que se a carta permitte estes factos, a carta é insufficiente e precisa de ser quanto antes reformada; que se os não permitte, e ha partidos superiores á lei fundamental do estado, é tambem preciso modifical-a, de modo que não possa servir senão de um modo perfeitamente igual a todos os partidos.

Não é preciso, sr. presidente, dizer mais nada. A exposição succinta dos factos, e quanto mais resumida melhor, dispensa toda a critica. Os governos caem e organisam-se fóra do parlamento.

Ha, ou abuso do que está escripto na constituição, ou alguns artigos da constituição não podem satisfazer-nos.

Eu não quero hoje, que apenas faço reflexões geraes ácerca do procedimento do governo que está á testa dos negocios publicos desde março, não quero sobre um ponto como este, muitissimo delicado, dizer o meu pensamento, porque não trato de uma discussão larga e profunda da resposta ao discurso da corôa, mas peço aos meus collegas, para que se convençam que estes factos anormaes não escapam á critica e penetração do publico, por mais arredado que elle nos pareça andar dos negocios politicos, que leiam um dos jornaes mais serios do paiz ácerca d'estas successivas mudanças de ministerios.

Leiam o Commercio do Porto, que é jornal de respeitabilidade pelas pessoas que o collaboram e seriedade provada dos seus directores, leiam este periodico, e lá verão que ácerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos gabinetes, a culpa diz o jornal que não é dos homens, mas do artigo 74.° da nossa constituição e seus §§.

Se isto é verdade e taes anomalias podem dar-se, reformemos a lei, se não é verdade condemnemos os factos com a maior severidade. Os conservadores deviam ser os primeiros a não abusar das imperfeições de um codigo que tanto estão exaltando, e ainda mesmo que elle contenha algum ou muitos artigos que possam dar origem a estes desvios do governo representativo e parlamentar, era sensato e de bom tino não porém em relevo tamanhas imperfeições.

As pessoas que não querem reformas politicas devem proceder por modo differente. A politica, como os gazes, tem uma tensão maxima que não convem desconhecer. O que se está praticando, faz lembrar um individuo que sem

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manometro e n'um recipiente de grande fragilidade comprime um gaz indefinidamente até rebentar o apparelho.

Muito admiro tambem, sr. presidente que estes factos não tenham levantado grande discussão em todo o paiz. Ao esquecimento que alguns dos nossos governantes mostram pelas leis que deviam respeitar, corresponde infelizmente o abatimento mais profundo do espirito publico.

As maiores infracções de lei são postas em pratica sem reacção nem murmurios; como que estamos aptos para soffrer o jugo de todos.

Eu não quero fazer historia parlamentar, que muitas vezes serve unicamente para irritar os espiritos; mas se pretendesse n'este momento arguir o governo pelos erros que tem praticado, não me daria ao trabalho de sustentar a accusação com argumentos meus. Para combater os actos do srs. ministros bastam-me os discursos dos srs. ministros quando estavam na opposição.

Ora, nada ha mais cruel, sr. presidente, do que esta politica incomprehensivel, que por uma serie de transformações inexplicaveis, leva os homens politicos á situação pouco invejavel de serem os mais implacaveis adversarios d'elles os seus proprios discursos.

Emquanto isto se passava entre nós o que succedia no estrangeiro? O que succedia? Exactamente o contrario. Houve crises ministeriaes, mas que se resolveram de modo inteiramente differente.

Em Hespanha formou-se uma situação liberal que fez as eleições e as venceu, constituindo uma camara, a qual em poucos dias de cooperação com o governo, quasi que resolveu completamente a questão de fazenda.

Em França outro tanto acontecia. Depois da complicada questão de Enfida, o governo francez foi obrigado a fazer a guerra de Tunis para assegurar ali o seu poderio, e levantar o prestigio das suas armas entre os arabes, que se julgavam já sufficientemente poderosos para praticar correrias no territorio francez da excellente colonia da Argelia. O governo pediu auctorisação ao parlamento para emprehender a guerra de Tunis, e essa auctorisação lhe foi concedida. Havendo terminado a legislatura, procedeu-se a novas eleições, coincidindo com a epocha em que ellas se realisaram, o chamamento das tropas a França por se dizer que estava a guerra finalisada. Poucos dias depois tornaram as tropas a partir para Tunis, viu-se a necessidade de emprehender a campanha do outono, que se organisou com instante rapidez; excederam-se os creditos voltados, e a opinião publica, vendo em tudo isto uma contradicção do governo e uma violação da lei, accusou-o de ter chamado sem necessidade as tropas a França por causa das eleições e da falta de administração militar. Appareceram diplomatas nos meetings, accusando os ministros, e a mais seria opposição se levantou contra estes até entre as pessoas que vivem geralmente fóra da atmosphera politica.

Mas, o que fez o governo? O governo, sr. presidente, convocou as côrtes para lhe dar conta dos seus actos. O ministro Julio Ferry apresentou-se no parlamento. Ouviu todas as accusações. Defendeu-se d'ellas serenamente, e approvadas as despezas extraordinarias da guerra, demittiu-se. Caíu no seu logar. Caíu no parlamento. E, sr. presidente, não se julgue que isto succedeu assim porque o systema de governo seja differente do nosso. Em toda a parte e em todas as monarchias a observancia do systema parlamentar é possivel. Em todas as monarchias, quando os governantes se congregam para respeitar as instituições, os governos não podem caír senão no parlamento, como nós não podemos respirar senão no ar atmospherico como as machinas de vapor não podem trabalhar sem combustivel. Caír com enormes maiorias e caír em casa será permittido entre nós, pela constituição ou por abuso que d'ella façam, mas não se póde com justiça chamar a isto que se está presenceando governo constitucional representativo.

Estas comparações são necessarias para que os homens do governo meditem nos seus actos. Outr'ora, antes dos caminhos de ferro e dos telegraphos, podiam os homens de estado deixar de aprender as lições da historia com tanta facilidade, mas agora que os factos se conhecem quasi ao mesmo tempo em que elles se realisam, a comparação não só se torna um meio de aconselhar os governos, mas até é a melhor indicação para evitar muitos erros.

A Europa não está, sr. presidente, como já tenho ouvido dizer algumas vezes no parlamento a pessoas de grande sensibilidade patriotica, com os olhos fixos sobre nós, mas ha algumas nações que o estão, e escusÂmos de dar-lhes a entender que não sabemos governar-nos.

Estou convencido, sr. presidente, que a necessidade das reformas poucas não estaria já hoje tão accentuada em todo o paiz, se os homens que o têem governado, soubessem respeitar melhor a constituição, e se viessem ao parlamento quando a opposição parlamentar se converte em maioria entregar-lhe os sellos da governação publica.

Sr. presidente, ha dois pontos sobre os quaes não posso deixar de chamar a attenção de v. exa. e d'esta camara, embora me reserve, como o sr. conde de Valbom, para mais tarde tratar dos muitos e variados assumptos que dizem respeito á marcha particular do governo na gerencia dos negocios.

Esses dois pontos são as eleições e a dictadura.

Não venho aqui, a pretexto de accentuar as minhas idéas politicas, accusar nenhum governo, nem pôr em frente um do outro o partido progressista e o partido regenerador.

Todos os partidos, como se diz vulgarmente, em materia de eleições, é provavel que se sintam com iguaes culpas no cartorio. Todos têem mais ou menos empregado os mesmos meios para alcançar maiorias. Apesar d'isso, porém, para saber o que foram as ultimas eleições que ou não sei se foram as peiores porque outras poderá ter havido nas mesmas condições, não preciso ler os jornaes basta-me entrar nas secretarias e ver as caras novas que se apresentam nos corredores. Muitos corredores estão cheios de novos empregados.

Basta-me ir á caixa dos depositos, entrar na caixa de depositos. Entrar é figura de rethorica, sr. presidente, porque a caixa, que é uma casa, está cheia de empregados até a porta. Não cabe lá dentro mais ninguem.

Basta-me visitar a alfandega onde se fizeram aposentações em massa, parecendo que os governos andam esquecidos de nos custarem os empregados aposentados perto de 2.000:000$000 réis e da nossa divida publica ter passado de 77.000:000$000 réis em 1850, a 434.000:000$000 réis em 1880, e do nosso deficit ser este anno de 5.000:000$000 réis, em numeros redondos, quando se esperava que não excedesse 1.600:000$000 réis; e da nossa divida fluctuante, que em outubro já subia a 7.000:000$000 réis, estar pedindo já um novo emprestimo como o do anno passado, para se consolidar.

No tempo de D. Filippa de Vilhena as mães armavam os filhos cavalleiros e conduziam-n'os á guerra.

A mulher dizia á patria: dispõe, patria, do sangue de meus filhos!

Em nossos dias, os paes, cuja fraqueza é maior que a sensibilidade feminil, armam os filhos empregados publicos.

Os paes entendem hoje que é a patria que serve os cidadãos.

Das eleições procedem em grande parte os maiores males que estamos presenceando.

Os paes eleitores empenham-se pelos filhos, e os governos empregam os filhos, porque se servem dos paes eleitores.

A agricultura, a industria, o commercio, as colonias não servem nem aos paes, nem aos filhos, nem aos governos!

Acabaram-se os conventos e o caldo da portaria. Ficou o Terreiro do Paço com a sopa dos amanuenses.

O estrago das eleições, depois de arrumar o thesouro, chega até a causar prejuizo aos particulares.

A minha creada deu pelo que se passava nas regiões po-

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liticas por causa do peso do pão. Viu ella que pesando o padeiro o pão até um certo dia, deixára de o pesar de certo dia em diante e attribuiu com um soberbo criterio tão estranho facto ás eleições. No pão nosso de cada dia pagaram os habitantes de Lisboa o triumpho inutil do sr. Sampaio.

E precisam os governos na realidade de recorrer a estes expedientes, que servem unicamente para fazer lavrar o mais fundamente possivel a desmoralisação entre o povo?

De certo que não precisam, sr. presidente, quando os governos tiverem a convicção de que para se conservarem no poder só carecem de elaborar leis justas.

O anno de 1881, se quizermos fazer com attenção uma analyse rigorosa d'elle, foi de certo fertilissimo em lances inesperados. Na philosophia da historia, este anno está abaixo de quasi todos, e representa em a nossa vida politica e parlamentar um periodo completo da mais singular decadencia.

O paiz não está sendo governado pela constituição embora imperfeita que possuimos, mas, sim pelas praticas por que se administram algumas sociedades de soccorros mutuos. Sem allusão offensiva para pessoa alguma, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu repita que nos estamos governando pelos estatutos de qualquer monte pio; por exemplo, pelos estatutos do monte pio de Nossa Senhora dos Imprevidentes.

Quando, principia o anno civil, a direcção do monte pio manda admittir socios sem pagamento de joia e com todas as regalias dos velhos associados. Ha fornadas de socios, como ás tem havido na camara alta.

Quando augmentam as difficuldades da gerencia, a direcção do monte pio manda diminuir os subsidios aos socios, procura remedios de menor preço para os enfermos, diz ao facultativo que se abstenha o mais possivel de receitar para a botica e que de alta aos doentes antes de se declarar a convalescença; como nós temos feito com os empregados publicos. Quando chega a epocha da substituição dos corpos gerentes do monte pio, os recebedores têem ordem de não apoquentar por causa das quotas os socios que estejam alcançados, especialmente os que possuem dom da palavra e costumam servir-se d'ella nas discussões da assembléa geral.

Assim fazemos tambem nós com as eleições.

Em fins de dezembro de cada anno, a direcção apresenta o relatorio da gerencia, no qual sempre ha deficit, com a promessa de ser extincto no anno, seguinte. Deve-se, apesar de todas as economias ao facultativo, á botica e a quasi todos os fornecedores. A commissão fiscal approva o relatorio e contas da direcção, e louva esta pelo seu zêlo, probidade e intelligencia. Emfim convoca-se a assembléa geral, que nunca apparece quando é convocada, e d'ali a oito dias approva-se tudo com o numero de socios que estiverem presentes, continuando a direcção a fazer o que quer em nome dos ausentes, que representam a maioria.

Temos, portanto, duas direcções que se degladiam. Uma assembléa geral que não apparece quando é convocada e algumas dezenas de influentes necessitados que entraram para o monte pio por ser pessimo o estado de saude d'elles e que á todo o momento precisam de soccorros, os quaes influentes necessitados substituem a assembléa geral o fazem e desfazem as direcções.

A direcção que dá mais, dura mais tempo; embora com ella a sociedade se arrisque a durar menos.

A direcção que menos dá, não póde sustentar-se senão quando seja impossivel dar alguma cousa.

E que direi eu da dictadura exercida pelo meu nobre amigo o sr. Sampaio?

Eu não gosto, sr. presidente, quando discurso fallar dos romanos, mas hoje farei excepção aos meus habitos, porque o digno presidente do conselho do ministerio transacto priva muito com elles, e serve-se a miudo e com propriedade dos seus pensamentos.

A dictadura seria a dictadura dos romanos, que dispunha dos haveres e da vida dos cidadãos? N'este ponto não foi. O sr. Sampaio possue excellente coração, e é incapaz de fazer mal ao seu proximo. N'outra parte, porém, a dictadura do sr. Sampaio foi peior que a dos romanos, porque s. exa. cobrou impostos e gastou os dinheiros arrecadados, quando o dictador romano para gastar os rendimentos publicos carecia da auctorisação do senado e do consentimento do povo!

Seria a dictadura do sr. Sampaio a dictadura moderna, a dictadura de facto, necessaria em tempos excepcionaes, quando após grandes luctas, desastres successivos, guerras prolongadas ou commoções intestinas, em que as paixões mais temerosas abalam a sociedade como a agitação de um lago levanta á superficie a vasa profundissima, é indispensavel entregar á direcção de um só homem a sorte e o destino do povo?

Seria a dictadura, á qual um grande espirito chamava: um véu corrido sobre a liberdade que se esconde n'esses momentos, como se escondem as estatuas dos deuses?

Não foi tambem. O que foi então a dictadura do sr. Sampaio? Uma dictadura sem classificação historica, porque não tem precedentes. Uma dictadura nova, se quizerem. Não foi um véu corrido sobre a liberdade, mas um véu levantado.

Levantou-se a cortina, que velava a estatua da anarchia mansa. Foi mais um eclipse da constituição para se provar que nem mesmo essa que temos se cumpre.

O povo portuguez é ignorante, nunca leu nem meditou a carta constitucional, disseram os dictadores, nós veremos como elle paga os impostos, apesar de não ter alcançado o governo auctorisação para o fazer e como vem ainda em cima votar comnosco nas eleições.

Nenhum d'estes factos se teriam passado se houvesse entre nós mais algum respeito á opinião publica e mais algum amor ás leis.

Após a dissolução da camara em junho, o ministerio Sampaio podia ter feito em acto continuo as eleições, e concluidas estas o seu dever era convocar as côrtes, regularisar a sua situação perante ellas embora pouco depois as adiasse até janeiro, a pretexto de novos estudos.

Nada d'isto, porém, aconteceu. Realisadas as eleições em agosto, continuou o ministerio até novembro em dictadura; no dia 14 d'este mez foi substituido pelo actual governo presidido pelo sr. Fontes, que da mesma fórma se deixou ficar em dictadura, e que ainda hoje eu considero em dictadura, apesar de estarem as côrtes abertas, porque não cuidou por emquanto de lhes apresentar o bill de indemnidade.

Em que estão aqui acatados os principios e as formulas constitucionaes?

É porque não observaes a constituição que tendes por ella tão grande amor? Temeis que outra não possa deixar-vos tanto á vossa vontade?

São estas interrogações outros tantos pontos interessantes de discussão que não vale a pena encetar agora, ficando pelo que disse em resumo provado, que eu não podia guardar silencio, depois de se haverem praticado tantos factos que desacreditam o systema representativo, o qual todos nós devemos ter empenho em sustentar.

A discussão da resposta ao discurso da corôa era o momento mais proprio para a apresentação d'estas breves reflexões. A falta de respeito ás leis é um dos maiores vicios dos portuguezes, e mal de nós se os governos, imitando o vulgo, continuam a ser os primeiros a desprezal-as.

Agora está no poder o sr. Fontes. Tenho este cavalheiro por um dos homens mais distinctos d'este paiz em assumptos de politica, e confio que s. exa. não ha de saír d'aquellas cadeiras sem desaffrontar o seu partido e deixar do seu governo um rasto luminoso.

O sr. Fontes de mais a mais acaba de percorrer a Europa; eu mesmo tive a honra de me encontrar com s. exa. no estrangeiro. Não ha nada como as viagens para rasgar

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os horisontes das idéas, e poucos meios conheço como este para a educação dos homens illustrados. O sr. Fontes sabe como testemunha presencial o que se passa na Europa. Não ignora que Mancini é o ministro do Rei de Italia. Sabe que Sagasta preside aos conselhos da corôa na vizinha Hespanha, e que este notavel homem politico tem já e em pouco tempo realisado salutares transformações no seu paiz.

O sr. Fontes não ignora que o Rei D. Affonso, depois de consolidar o seu throno, não hesitou em chamar para a gerencia dos negocios publicos os partidos avançados, e que este facto trouxe á monarchia hespanhola muitos inimigos d'ella, que se passaram da revolução para a evolução, depois que viram alguem mais alto que todos elles approximar-se resolutamente da revolução pacifica e liberal.

E quando digo evolução, note v. exa., sr. presidente, que não fallo da evolução como a entendem agora alguns conservadores modernos, que tendo lido as doutrinas de Herbert Spencer nos pequenos livrinhos que a França nos remette por 1 franco e 50 centimos, julgam que a evolução é chegar ali aos ponteiros do relogio d'esta sala, agarral-os com ambas as mãos e suspender os movimentos do machinismo, querendo persuadir os outros que o relogio trabalha, tendo nós os ponteiros seguros, e que a evolução consiste em parar onde nos faz conta.

Não fallo d'esta evolução, sr. presidente, e v. exa. o sabe tão bem como eu. A evolução é de todos os dias, de todos os minutos, de todos os instantes. Foi obedecendo a ella que o joven monarcha da Hespanha, saindo dos collegios allemães e inglezes, em vez de esposar as doutrinas de sua mãe, desembainhou, com o enthusiasmo de um rapaz de dezoito annos que se sentára nas aulas ao lado dos filhos do povo, a sua espada immaculada para ir combater o carlismo e dar depois a liberdade á sua patria.

Nós não podemos ficar parados, se o sr. Fontes aprecia bem os factos. Ha mais de cincoenta annos que e nosso relogio politico não tem corda, e este estacionamento é perigoso quando todos os povos se transformam e caminham.

É apreciando sem paixão o que se passa, que sustento a indispensabilidade das reformas politicas, que devem fazer-se emquanto todas as modificações se possam conseguir sem commoção, nem abalo.

Tenho para pensar d'este modo fundamentos locaes e rasões a que chamarei de caracter internacional.

Fundamentos locaes, porque estou persuadido que uma constituição completa e perfeita, de que se não possa abusar e de que nenhum poder abuse tambem, ha de exercer a sua maxima influencia sobre os costumes.

Rasões, por assim dizer, internacionaes, porque é preciso que o confronto de Portugal com a Hespanha nos de sempre a nós a vantagem.

Ha quinze annos admirava-se a Rainha de Hespanha, D. Izabel, que Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando passeasse sósinho na praça de Belem por entre as alas do povo, e perguntava bondosamente a um dos seus ministros se ella em Hespanha não poderia imital-o.

Ha poucos dias, o filho d'aquella Rainha, ao lado do nosso augusto monarcha, passava com elle tranquillo por entre a multidão, que se agglomerava nas das principios da cidade, cumprimentando o povo affavelmente e imitando o que elle faz já no seu paiz.

No tempo em que a Hespanha fusilava, nós aboliamos a pena de morte.

Quando os seus fundos publicos não tinham cotação nos mercados monetarios, nós pagavamos rigorosamente os juros da nossa divida.

No tempo em que a Hespanha fazia a communa, conservavamo-nos tranquillos.

Quando ella deixava partir dois principios generosos, negando quasi asylo a uma mãe, porque era uma princeza, que tinha sido rainha, nós recebiamos com admiração aquellas duas almas generosas, que largavam a corôa com a simplicidade de humildes burguezes, solicitando a nossa hospitalidade.

Agora, porém; que a Hespanha só não affronta com a liberdade, agora que a Hespanha começa a florescer sob o imperio de uma monarchia constitucional em que todos os partidos hão de encontrar logar para consolidal-a, porque vêem no rei um soberano illustrado, agora, sr. presidente, precisâmos que os portuguezes, não sómente acompanhem a Hespanha nos seus progressos, mas que os excedam o mais possivel para se conservarem como outr'ora os dois paizes igualmente distanciados.

Precisâmos ter melhores finanças do que a Hespanha, e leis mais liberaes que ella. Do contraste entre os dois povos depende principalmente a independencia do que é mais pequeno. Um bom governo multiplica a força dos cidadãos. Um povo bem administrado e educado com todas as liberdades ninguem tem força para dominal-o.

A nossa independencia póde prescindir de bayonetas quando tenha estas garantias.

Disse ha pouco que a nossa administração parecia regida pelos estatutos de uma sociedade de soccorros mutuos. Pois muito bem, sr. presidente, se as direcções me não escutarem, nem o sr. Fontes, appello das direcções para a assembléa geral, isto é, appello para o povo, e appello bem, porque eu tambem sou do povo, e digo-lhe que vá á urna, e não venda e seu voto, porque o que tem feito até agora é precisamente deixar á minoria usar d'elle como cousa sua, tirando-lhe o direito de queixar-se com motivo dos governos.

Nós, como partido, não nos illudimos hoje ácerca do nosso destino. Sabemos bem que luctas teremos de sustentar e que difficuldades sem fim poderão levantar-se ainda diante de nós.

A nossa força ha de desenvolver-se com o tempo, se tivermos perseverança e virtude.

A unica força que deve apoiar-nos está latente. Seremos fortes, se o espirito publico, erguendo-se do lethargo profundo em que ha tanto tempo caíu, se pronunciar a nosso favor; mas eu por mim conheço o caracter dos portuguezes e sei como estes são lentos em manifestar-se, e não me esqueço tambem que a descrença á profunda em todos os animos. No dia, porém, em que essa maioria imprevidente, que deixa os acontecimentos politicos ao Deus do acaso, se levantar, reconhecendo o papel que lhe traça a historia do seu paiz, nós saberemos comprehendel-a e acompanhal-a no seu impulso unicamente para o bem. Emquanto esse dia não chega havemos de seguir sem receio o nosso caminho.

Estamos dispostos a não abater a nossa bandeira nem a trocal-a por outra. A nossa bandeira será sempre hasteada com o mesmo vigor. Temos coragem bastante para ser minoria.

E em todo o caso, se não conseguirmos levantar o espirito publico do povo que dormita, basta que fique da nossa abnegação o exemplo!

Os partidos monarchicos avançados são a valvula de segurança das monarchias. Devem respeital-os os réis e os proprios conservadores, porque têem sido estes partidos que vieram provar á velha Europa ultimamente que as revoluções são inuteis e as republicas desnecessarias sempre que os réis comprehendem a sua epocha e as aspirações dos povos que elles governam.

As velhas escolas politicas nunca comprehenderam senão a magestade do rei. Os partidos monarchicos mais avançados conhecem duas magestades - a magestade do rei e a magestade do povo.

Nós queremos lançar o povo nos braços do rei. Queremos vel-os unidos para sempre um ao outro, como o pae que se approxima dos filhos estremecidos de quem viveu separado ao cabo de muitas vicissitudes da vida, para se abrigarem todos debaixo do mesmo tecto e nunca mais se deixarem senão pela morte.

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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 121

Discursos proferidos pelo digno par, conde de Valbom, na sessão de 4 de fevereiro de 1882 e que deviam ler-se a pag. 84, col. 1.ª, lin. 30.ª; e 99, col. 1.ª, lin. 22.ª

O sr. Conde de Valbom: - Não cansarei a attenção da camara, porque a questão está sufficientemente discutida; e de certo perdeu muito da sua gravidade depois da resolução que o governo acaba de tomar, ordenando á auctoridade administrativa do Porto que limite a sua fiscalisação do recenseamento á interposição do recurso para o poder judicial, quando o caso o pedir, sendo acatadas as deliberações da maioria da commissão de recenseamento.

Folgo que o governo e os seus delegados entrassem no verdadeiro caminho e se corrigissem das suas demasias e violencias, pois que não havia vantagem alguma que continuasse o conflicto levantado, imprudente e illegalmente, pelo governador civil do Porto com as commissões de recenseamento d'aquella cidade, as quaes merecem todo o louvor por terem mantido o seu direito e a sua dignidade contra a prepotencia da auctoridade administrativa. (Apoiados.)

Eu entendo que foi conveniente a resolução que o governo tomou, não só para evitar a continuação d'esse conflicto, mas porque implicitamente triumphou o principio que; julgo liberal e legitimo, isto é, que a auctoridade administrativa póde e deve fiscalisar a feitura do recenseamento, interpondo os necessarios recursos, quando haja motivo para isso, mas não póde coagir essas commissões, no exercicio de suas funcções, a obedecer ás suas ordens, sob pena de prisão.

Este principio é que o governo sanccionou pela sua resolução.

E d'elle entender que este era o verdadeiro caminho a seguir, ainda se tira uma outra vantagem, qual é a de livrar a commissão de recenseamento de todas as suspeitas que, sobre ella, faziam pesar os seus adversarios politicos.

Dizia-se que a commissão resistia ás intimações da auctoridade para a rubrica dos verbetes, ou bilhetes preparatorios do recenseamento, para os poder alterar e falsificar á sua vontade, antes de serem transcriptos nos livros do recenseamento.

Mas a auctoridade, desistindo do seu procedimento anterior, veiu dizer á commissão:

«Já não exijo a rubrica nos verbetes, não autuo, não prendo, reconheço que se devem acatar as deliberações da maioria.»

E em resposta a esta declaração da auctoridade, que era o reconhecimento de que o seu anterior procedimento não tinha sido o mais conveniente nem o mais legitimo, prestou-se a commissão a dar todas as garantias que anteriormente propozera para assegurar a genuidade do recenseamento, incluindo demais a rubrica dos verbetes.

A questão assim ficou resolvida de um modo mais conveniente a guardar o respeito devido áquella corporação electiva, que não queria subtrahir-se á fiscalisação legitima dos seus actos, e por outra parte, a auctoridade administrativa deixou de trilhar áquella senda arbitraria que conduzia necessariamente a desavenças e conflictos deploraveis. (Apoiados.) Eu estou convencido, sem querer prevenir a decisão do poder judicial, que ha de ficar assentado de uma vez para sempre o principio liberal de que as commissões de recenseamento, no exercicio das suas funcções, não podem ser presas nem collectivamente nem individualmente, e que todas as operações do recenseamento devem ser livres, embora fiscalisadas pela auctoridade dentro dos limites da lei, e que das decisões das commissões do recenseamento só póde a auctoridade interpor recurso para o poder judicial. (Apoiados.) Esta é a boa doutrina, e é a unica verdadeira. (Apoiados:)

O sr. Conde de Valbom: - Não discuto tambem a resposta da corôa, e voto-a como um simples comprimento. A camara acaba de ouvir a declaração do digno par o sr. Ferrer de que o partido progressista, que mais numerosamente está representado n'esta casa, não julga opportuno entrar agora na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, e que se reserva para tratar dos diversos assumptos em occasião que entender mais conveniente.

Associo-me a esta opinião, e sigo a mesma norma de proceder, não porque deixe de julgar necessaria e util a apreciação de acontecimentos e de actos politicos, realmente extraordinarios, que de modo nenhum abonam a genuinidade com que entre nós se pratica o systema constitucional; porém, como desejo não entreter a attenção do governo, para que elle possa, no mais curto praso, propor medidas que venham resolver as difficuldades em que o paiz se encontra, eu, fazendo votos para que nos seja quanto antes apresentado o pedido de um bill de indemnidade, pelo qual este ministerio se mostre respeitador, como não póde deixar de o ser, dos principios constitucionaes, regularisando assim a sua situação e a do seu antecessor, não entrarei agora n'outra ordem de considerações.

Não é, repito, porque as julgue desnecessarias, mas porque as reservo para melhor occasião.

Quando o projecto do bill de indemnidade for discutido, tenciono apreciar largamente a significação politica do gabinete e os actos que originaram esta situação, assim como todos os outros que caracterisam o actual systema governativo.

Pelo que respeita á politica financeira, á questão economica, que urge resolver de um modo conveniente, segundo o reclamam bem alto e com urgencia as circumstancias do paiz, aguardarei as propostas do governo e procurarei aprecial-as com toda a imparcialidade.

Tenciono occupar-me detidamente d'essa questão.

Existem já alguns actos do governo que prendem com a questão financeira; ha, por exemplo, a inversão das obrigações dos caminhos de ferro e algumas outras medidas; mas de tudo isso me occuparei no momento proprio.

Por agora limito-me a dizer que sinto não concordar com a politica do gabinte, nem com o seu andamento governativo.

Opportunamente direi as rasões por que penso assim.

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