O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 113

N.º 13

SESSÃO DE 13 DE FEVEREIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.- O digno par Sequeira Pinto requer que entre em discussão o parecer n.° 4. Este requerimento é approvado, e declarado em ordem do dia o alludido parecer.- O digno par Marçal Pacheco apresenta uma moção, e justifica-a. É lida, e admittida á discussão. Responde-lhe o sr. ministro da justiça.- O digno par conde de Thomar faz uma pergunta, á qual responde o sr. presidente do conselho. Continuando aquelle digno par no uso da palavra, manda para a mesa, e justifica, tres propostas. São lidas, e admittidas á discussão. Responde a s. exa. o digno par Sequeira Pinto.- O digno par conde da Azarujinha requer a prorogação da sessão até se votar o projecto. Este requerimento é approvado. - É lida uma mensagem vinda da outra camara, acompanhando um projecto de lei, o qual é enviado ás commissões competentes. - Usam da palavra sobre o assumpto em ordem do dia o digno par conde de Lagoaça, o sr. presidente do conselho, o digno par conde de Thomar, novamente o digno par conde de Lagoaça e tambem novamente o sr. presidente do conselho, o digno par Marçal Pacheco, o sr. ministro da justiça e por ultimo o digno par conde de Thomar. - Tendo os dignos pares Marçal Pacheco e conde de Thomar pedido que lhes fosse consentido retirarem as suas propostas, foi em seguida approvado o projecto, tanto na generalidade, como na especialidade.-E lido um orneio do ministerio da fazenda, e mandado entregar ao digno par Marçal Pacheco o documento que no mesmo orneio vinha incluido. - O sr. presidente nomeia a deputação que tem de apresentar a Sua Magestade El-Rei os autographos das leis ultimamente votadas, e o sr. presidente do conselho declara que o mesmo augusto senhor recebe ámanhã, pelas duas horas da tarde, aquella deputação.-Encerra-se a sessão, e é aprazada a subsequente.

Abertura da sessão ás duas horas e vinte minutos da tarde, achando-se presentes 22 dignos pares.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

Não houve correspondencia.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministro da justiça.)

O sr. Sequeira Pinto: - Peço a v. exa. o obséquio de me dizer se na mesa ha algum parecer dado para ordem do dia da sessão de hoje.

O sr. Presidente: - Não, senhor. A ordem do dia para a sessão de hoje é a apresentação de pareceres.

O sr. Sequeira Pinto: - N'esse caso, requeiro a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se ella permitte que entre em discussão o parecer n.° 4, que hontem mandei para a mesa, e que hontem mesmo foi distribuido impresso pelas casas dos dignos pares.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do digno par sr. Sequeira Pinto tenham a bondade de se levantar.

(Depois de verificar a votação.}

O sr. Presidente: - Está approvado; e como não ha ninguem inscripto, vae ler-se o parecer.

Foi lido, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 4

Senhores. - Á vossa commissão de legislação foi presente a proposta n.° 6, approvada na camara dos senhores deputados em sessão de 10 do corrente mez de fevereiro.

As providencias approvadas n'aquella casa do parlamento tendentes a reprimir aggravos contra a ordem e prevenir factos attentatorios da propriedade e vida dos cidadãos, são plenamente justificadas pela imperiosa urgencia da opinião publica que aconselha o uso dos meios necessarios, mas legaes, para poder ser liquidada e tornada effectiva a responsabilidade em delictos da mais alta importancia como são aquelles a que se refere a proposta de lei apresentada pelo governo ao parlamento, e que acompanha este parecer.

Camara dos dignos pares do reino, sala das sessões da commissão de legislação, em 11 de fevereiro de 1896. = Antonio Emilio Correia de Sá Brandão = Alberto A. de Moraes Carvalho = Augusto Ferreira Novaes = Jeronymo da Cunha Pimentel = Carlos Augusto Vellez Caldeira Castello Branco = Marçal de Azevedo Pacheco, com declarações = D. A. C. Sequeira Pinto.

PARECER N.° 4-A

As vossas commissões de administração publica e de fazenda concordam na parte que lhes diz respeito.

Sala das sessões das commissões reunidas, 11 de fevereiro de 1896. = Augusto Cesar Cau da Costa = Conde da Azarujinha = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Antonio de Serpa Pimentel = Gomes Lages = Jeronymo Pimentel = Conde de Restello = A. Ferreira Novaes = Conde de Carnide = Marçal Pacheco.

Projecto de lei n.° 6

Artigo 1.° Aquelle que por discursos ou palavras proferidas publicamente, por escripto de qualquer modo publicado, ou por qualquer outro meio de publicação, defender, applaudir, aconselhar ou provocar, embora a provocação não surta effeito, actos subversivos quer da existencia da ordem social, quer da segurança das pessoas ou da propriedade, e bem assim o que professar doutrinas de anarchismo conducentes á pratica d'esses actos, será condemnado em prisão correccional até seis mezes, e cumprida esta será entregue ao governo, que lhe dará o destino a que se refere o artigo 10.° da lei de 21 de abril de 1892 ficando sujeito á vigilancia e fiscalisação das auctoridades competentes, e o seu regresso ao reino dependente de despacho do governo, depois de feita a justificação indicada no artigo 13.° da mesma lei.

§ unico. A pena comminada n'este artigo deixará de ser applicada, quando ao delinquente for imposta, por outros crimes, pena mais grave; cumprida, porém, esta, applicar-se-ha o disposto na parte final do mesmo artigo.

Art. 2.° Se nos casos declarados no artigo precedente não houver publicidade, a pena de prisão correccional não excederá a tres mezes, mas depois de cumprida será o delinquente entregue tambem ao governo para os effeitos consignados na disposição final do mesmo artigo.

Art. 3.° Serão julgados em processo ordinario de querella, mas sem intervenção de jury, e escrevendo-se os de-

14

Página 114

114 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

poimentos em audiencia, os réus incursos na disposição do artigo 15.° da citada lei de 21 de abril de 1892, e bem assim os de attentados contra as pessoas, como meio de proganda das doutrinas do anarchismo, ou como consequencia de taes doutrinas.

§ unico. Em todos os casos previstos por esta lei os réus poderão ser presos sem culpa formada, sendo conservados em custodia, sem. admissão de fiança, até ao julgamento ou decisão definitiva.

Art. 4.° A imprensa não poderá occupar-se de factos ou de attentados de anarchisino, nem dar noticia das diligencias e inqueritos policiaes e dos debates que houver no julgamento de processes instaurados contra anarchistas.

§ 1.° No caso de infracção d'este preceito, commettida por imprensa periodica, a auctoridade policia* poderá apprehender os numeros do periodico que contenha a infracção, e o editor deverá ser intimado para que, desde logo, fique suspensa a publicação e venda do mesmo periodico.

§ 2.° D'esta diligencia será lavrado um auto e remettido ao respectivo juiz de direito, a fim de que, ouvido o editor, declare por sentença, dentro do praso de oito dias contados da recepção do auto, a suppressão do periodico, se houver rasão justificativa do procedimento da auctoridade policial, ficando, no caso contrario, sem effeito a intimação ao editor.

§ 3.° No caso de infracção do disposto no corpo deste artigo por imprensa não periodica, os escriptos serão apprehendidos pela auctoridade policial, e o auctor, ou, na sua falia, o proprietario da typographia onde fez a impressão, será condemnado na multa de 500$000 réis.

Art. 5.° As disposições d'esta lei são applicaveis aos auctores dos factos n'ella incriminados, ainda que particados anteriormente.

Art. 6.° É o governo auctorisado a augmentar o quadro do corpo de policia civil de segurança de Lisboa com mais um official, sete chefes de esquadra, trinta e tres cabos de secção e trezentos guardas.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 10 de fevereiro de 1896.= Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Moita Veiga., deputado primeiro secretario = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Este projecto tem duas discussões; uma na generalidade, outra na especialidade. Está, pois, em discussão na generalidade.

O sr. Marçal Pacheco: - Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: - Tem s. exa. a palavra.

O sr. Marçal Pacheco: - Sr. presidente, o governo, representado pelo sr. ministro do reino e pelo sr. ministro da justiça, declarou no seio da commissão de legislação d'esta camara, á qual commissão eu tenho a honra de pertencer, que a approvação d'este projecto de Lei era indispensavel, necessaria, e urgente, para a manutenção da ordem publica.

Os srs. ministros não disseram que com a approvação d'este projecto se responsabilisavam pela manutenção da ordem publica, porque não podiam prever o futuro, nem os eventos que, porventura, se produzissem; mas disseram que entendiam na sua consciencia e no seu criterio que a approvação das medidas propostas constituia um meio inadiavel e absolutamente necessario para o governo cumprir o seu dever de manter a ordem publica.

Desde que o governo, pela palavra de dois dos seus membros, o sr. ministro da justiça e o sr. ministro do reino, fez uma declaração peremptoria d'esta ordem, o meu voto estava adquirido para o projecto. Sr. presidente, em questões de ordem publica eu estou incondicionalmente ao lado do actual governo, como estarei tambem incondicionalmente ao lado de qualquer outro governo. Dou-lhe todos os meios, não lhe regateio nenhuma auctorisação e nenhum recurso que elle julgue indispensavel ao cumprimento deste alto dever, mas tambem sua ficará sendo toda a responsabilidade dos actos que praticar e dos meios que pedir e que julgue conducentes ao fim a que se propõe: a salvação commum.

Mas, sr. presidente, prestando o meu voto ao projecto, eu não dispenso por isso a todas as idéas e principios n'elle contidos o meu apoio, e, muito menos, o meu applauso; e d'ahi vem o motivo porque n'este parecer se encontra a minha assignatura com declarações. Essas declarações, que vou fazer em breves e rapidas palavras, são tendentes a expor a v. exa., á camara, e ao paiz, quaes são as minhas opiniões sobre tão grave e momentoso assumpto. Entendo dever proceder assim, porque num assumpto d'esta ordem, tão melindroso e delicado, nunca é de mais definir e accentuar bem claramente quaes são as nossas convicções e quaes ficam sendo as nossas responsabilidades.

Sr. presidente, se eu comprehendo bem a economia do projecto que se discute, as doutrinas e os principios consignados nos seus seis artigos são as que passo a resumir em breves palavras.

No artigo 1.° estabelece-se a incriminação da defeza publica, do applauso publico, do conselho publico e da provocação publica, embora sem effeito, dos actos subversivos da ordem social e da segurança e da propriedade dos cidadãos; estabelece-se mais que a simples profissão publica de doutrinas anarchistas, conducentes á pratica de actos anarchistas, é tambem incriminada e punida.

No artigo 2.° estabelece o projecto a incriminação para estes mesmos actos, marcando-lhes, todavia, penas mais attenuadas, desde que n'elles não haja publicidade.

No artigo 3.° consigna-se a fórma de processo para o julgamento.

No artigo 4.° estabelece-se para a imprensa a prohibição de occupar-se de factos ou de attentados anarchistas e das diligencias policiaes a tal respeito.

No artigo 5.° prescreve-se o principio da retroactividade das incriminações e penas, estabelecidas n'esta lei, aos actos anteriores á sua existencia.

Finalmente, pede-se no artigo 6.° a auctorisação de que o governo precisa para o augmento das forças policiaes.

Examinemos rapidamente estes differentes artigos e as disposições n'elles contidas.

Sr. presidente, quanto á doutrina do artigo 1.°, direi a v. exa. e á camara que a reputo exagerada, exorbitante e perigosissima. Com uma tal disposição creio poder affirmar, sem sombra de duvida, que não haverá um unico cidadão portuguez que esteja livre de encontrar-se incurso na pena de seis mezes de prisão, com um passeio supplementar ás regiões africanas, não como expedicionario ou explorador, o que seria patriotico, más como delinquente, para lá expiar por tempo indefinido a culpa de um grave delicto. Com a applicação desta pena a todos os individuos que defenderem, applaudirem, aconselharem ou provocarem, embora sem effeito, actos subversivos da ordem social, não ha ninguem n'este paiz que escape de ser condemnado, nem o proprio governo! Actos subversivos da ordem social! Mas o que é a ordem social? O que quer dizer em direito criminal esta vaga expressão de ordem social? Em linguagem commum, e até em linguagem scientifica e politica significa um estado de cousas edificado sobre as bases fundamentaes que constituem a organisação da sociedade. Actualmente, a religião, a familia, a propriedade e o respeito á lei são, por assim dizer, os quatro pontos cardeaes, são as grandes columnas d'essa organisação. Pois muito bem. Quem defender ou applaudir, theoricamente só que seja, o espiritualismo pantheista, ou quem disser, por exemplo, que é um acto mais ou menos indifferente o ir á missa, é obvio que atacará a religião dominante. Ora, como a religião dominante é uma das bases, uma das columnas da ordem social, atacada fica

Página 115

SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 115

a ordem social; logo deve ser-lhe applicada a pena de seis mezes de cadeia, com um passeio ás terras de Africa... E comtudo a carta constitucional preceitua que ninguem póde ser perseguido por motivos de religião!

Quem, por exemplo, defender ou sustentar que o codigo civil, estabelecendo a simples separação de pessoa e bens, devia ir mais longe e estabelecer o divorcio, ou quem provocar más vontades contra o patrio poder exercido sobre a pessoa dos filhos, até aos vinte e um annos, como estabelece o codigo civil, e applaudir, por exemplo, que a auctoridade paternal deve terminar aos dezoito, dezesete ou dezeseis annos, é evidente que atacará a constituição da familia; logo, deve ser-lhe applicada a pena de seis mezes de cadeia e um passeio ás regiões africanas, porque atacou, uma das columnas da ordem social, posto que theoricamente apenas.

Quem, por exemplo, aconselhar a suppressão do direito de testar, como aliás abalisadissimos jurisconsultos e distinctos publicistas tem oconselhado em numerosos livros de direito publico, quem defender ou applaudir a doutrina de que os terrenos particulares, não cultivados durante dez annos, devem reverter para o estado, é claro que atacará o direito de propriedade. Ora, como a propriedade é uma das columnas da ordem social, ficará quem tal defender ou aconselhar sujeito á pena de seis mezes de cadeia e um passeio á Africa, até que o governo quizer...

Quem, por exemplo, instado por uma urgente necessidade publica fizer dictadura, e, até sem essa urgencia, accumular decretos sobre decretos dictatoriaes, obrigando á sua obediencia os cidadãos, que aliás a não devem senão ás leis emanadas das côrtes, com a sancção do rei, evidentemente não obedecerá á lei, e como o principio da obediencia á lei é uma das columnas sobre que assenta o edificio da ordem social: logo, seis mezes de cadeia para os dictadores, e um passeio á Africa... menos demorado, é verdade, porque durará sómente em quanto o governo quizer...

Ora, isto francamente não póde ser, é absurdo, é monstruoso, mas é o que está no projecto!

E comtudo, seria facilimo inserir na lei principios de justiça e de equidade, e satisfazer ao mesmo tempo, os desejos de todos os bons espiritos conservadores que não querem ver alluidos pela base os fundamentos da sociedade, e que procuram manter o respeito e a consideração devidos aos principios e ás crenças geraes, em que assenta a organisação social. Bastaria para isso que a lei incriminasse e punisse sómente a defeza, o applauso, o conselho e a provocação de actos de violencia material, subversivos da ordem da sociedade.

Estas duas palavras apenas, e desappareceria em grande parte, na maxima parte, a monstruosidade e os absurdos que se encontram no projecte. Actos de violencia material, de violencia physica, para esses, sim, para esses estaria bem a incriminação de que se trata. Mas fazel-a incidir sobre meras palavras que não exprimem nem a defeza, nem o applauso, nem o conselho, nem a provocação de actos ou factos que perturbem violenta e materialmente a existencia da ordem social, é de uma severidade draconiana, que nenhum espirito justo póde acceitar, e que se não compadece com o espirito evolutivo dos tempos modernos.

Analogas considerações se podem fazer sobre a incrimição e punição da simples profissão thearica de idéas anarchistas. O que entende o sr. ministro da justiça por idéas anarchistas? O que é o anarchismo? O anarchismo, entendido fora da interpretação grosseira que lhe póde dar o vulgus sine nomine, fóra da interpretação brutal que lhe podem attribuir os espiritos desvairados, é una systema social, philosophico e politico, em que se defende e preconisa a suppressão da auctoridade. An, archos, de onde se deriva a palavra anarchia, significam sem auctoridade, assim como mono, archos, de onde se deriva a palavra monarchia, significam auctoridade de um só. V. exa. comprehende, e a camara, muitissimo illustrada, comprehende tambem que na progressão ascencional dos espiritos não repugna á rasão admittir um estado de intellectualidade e de perfeição taes que o homem não precise de ser compellido pela força da auctoridade á pratica dos seus deveres. Nem esta possibilidade deixará de ser admittida por parte de todos aquelles que crêem na doutrina do progresso. Tal possibilidade contem-se na propria noção de progresso. E n'esse esta: do, em que todos cumprissem os seus deveres, em que todos fossem honestos, bons e honrados, para que serviria então a auctoridade? Para nada.

Todos seriam justos. Tudo seria livre. E ahi está o ideal do anarchismo. E um ideal chimerico, impossivel de realisar-se? É um sonho? Talvez.

Mas não repugna á rasão humana comprehendel-o como possivel, e é uma crueldade monstruosa incriminar o pensamento do espirito ou a crença da alma que se fixarem e acreditarem n'esta felicidade ideal. Crueldade monstruosa, sobretudo, se o espirito que pensa e o coração que crê, são os de um de tantos d'esses desgraçados que succumbem nas luctas cruentas da nossa idade de ferro, um d'esses infelizes a quem falta em casa o fogo no lar, a luz sob o tecto, o alimento para os filhos, o pão para a mesa! Porque se não ha de deixar a esses espiritos e a esses corações, atormentados, esmagados, nas terriveis engrenagens da vida, que procurem consolar-se nas esperanças suaves d'essa idealidade longiqua?!

Aquece-lhes isso o coração? Deixae-os acalentar-se nessa crença! É uma chimera? E um sonho? Deixae-os sonhar, emquanto a chimera e o sonho não tomarem a fórma real de uma violencia contra a sociedade! Então, sim, mas antes disso para que incriminal-os? para que é esta barbaridade terrivel, esta crueldade monstruosa?

E comtudo, não bastaria para a defeza da sociedade incriminar apenas a profissão destas idéas quando n'ellas se contivesse qualquer incitamento a violencias materiaes, ou quando ellas pregoassem essas violencias como meio de se tornarem triumphantes e triumphadoras? Penso que sim.

Passemos ao artigo 2.° do projecto.

N'este artigo são tambem incriminados e punidos os actos a que se refere o artigo 1.°, embora não haja publicidade, de modo que esta incriminação e punição ainda se torna mais grave. A doutrina d'este artigo tem com effeito, causado muitos reparos e censuras, porque bem se comprehende que se taes actos, sendo publicos, não merecem a punição que lhes é applicavel no artigo 1.°, muito menos a devem merecer quando a publicidade não existe. Comtudo, devo dizel-o em homenagem á verdade, é certo que o facto de não serem publicos não tira aos actos criminosos a sua carecteristica. A publicidade não é elemento essencial da criminalidade. Desde que o pensamento do projecto é incriminar e punir a propaganda das idéas anarchistas é lógico e é coherente incriminai-a e punil-a tambem, embora não haja n'ella publicidade.

A propaganda não se exerce só com publicidade, exerce-se e faz-se tambem por meios particulares. De resto, esta distincção já existe nas nossas leis a proposito de outros crimes. A camara sabe, por exemplo, que os crimes por injuria, e por diffamação, estão sujeitos, segundo o artigo 407.° e seguintes do codigo penal, a uma pena maior quando ha publicidade, mas nem por isso deixam de ser puniveis quando essa publicidade não existe, como se vê do artigo 412.° do mesmo codigo. O disposto n'este artigo 2.° do projecto é, pois, uma consequencia derivada do disposto no artigo 1.° O seu capital defeito não procede da falta de publicidade dos actos n'elle incriminados, provem dos defeitos da doutrina consignada no artigo anterior.

Vejâmos o artigo 3.°

N'este artigo estabelece-se a fórma do processo e supprime-se o jury para o julgamento dos actos incriminados

Página 116

116 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

e puniveis no actual projecto e n'outras leis anteriores; e, pela minha parte, devo dizer a v. exa., sr. presidente, que esta providencia do projecto é, porventura, a mais acertada e a mais sensata de todas ellas. O jury é uma instituição liberal e sympathica a todos os espiritos que são liberaes, e eu prezo-me de o ser, mas a verdade devo dizel-a acima de tudo. No nosso paiz o jury nem sempre tem correspondido ás esperanças que n'elle depositaram os seus mais estrénuos e ardentes defensores. Os factos de todos os dias têem-se encarregado de fazer a demonstração a este respeito.

Depois acresce uma circumstancia que eu considero importantissima, e é que, para o julgamento desta especie de crimes, de uma natureza tão delicada e tão complexa, pois que se referem a melindrosos e complicados actos da intelligencia humana, eu tenho mais confiança no criterio de um juiz togado, de uma cultura intellectual superior, do que na boa fé e na simples inteireza de consciencia do julgador de facto, o qual julgador sómente é chamado a exercer as suas funcções de espaços a espaços, ás vezes, de annos a annos. Portanto, sobre este ponto não tenho que formular nem reparos nem censuras. Concordo, plenamente, com a doutrina do projecto.

Vamos ao artigo 4.°

Este artigo determina que a imprensa não poderá occupar-se de factos ou de attentados de anarchismo. Nestes termos factos ou attentados póde conter-se uma disposição gravissima com a qual me não conformo, e que de modo nenhum me parece que deva ser approvada, ou uma simples providencia de bom senso, acceitavel e justa. Tudo depende da interpretação que se der a esta phrase: factos ou attentados de anarchismo. Peço, sobre este ponto, que se me afigura extremamente delicado, a attenção do sr. ministro da justiça. Tudo depende, torno a dizer, do modo como for interpretada a expressão que se encontra no texto do artigo. Esta expressão factos ou attentados representa uma sinonymia, uma equivalencia, ou traduz duas cousas diversas, os factos e os attentados? A camara comprehende que os attentados são já alguma cousa de violento e de material, ao passo que os factos podem significar as idéas, as doutrinas, as theorias, emfim, tudo quanto se relacione com o anarchismo.

E, n'este ponto, eu não partilho a opinião d'aquelles que entendem que o mysterio que envolva os attentados anarchistas, quando, infelizmente, elles se produzam, ha de exaltar mais as imaginações, do que a sua narração minuciosa e detalhada, feita pelos jornaes. Com effeito, o mysterio produz, muitas vezes, o exagero e a avolumação dos acontecimentos, mas neste assumpto, como em tudo, o que deve procurar-se não é o óptimo, em absoluto, é o relativamente melhor, ou o que, relativamente, tiver menos inconvenientes. Não occulto que o mysterio tem esta desvantagem de fazer acreditar em cousas mais tenebrosas e peiores do que a realidade d'ellas, mas a narrativa dos attentados, dramatica e dramatisada, ha de com certeza produzir em imaginações, fracas ou ardentes, consequencias mais desastrosas ainda. Sobretudo, ha de despertar as faculdades imitativas ou de imitação, tão proprias da natureza humana, e ainda mais nos povos do que nos individuos. Por isso, sr. presidente, eu não tenho a, menor duvida em considerar inconveniente a narrativa dos attentados e a de certos actos relativos a diligencias policiaes e aos debates dos julgamentos.

Não digo, porem, outro tanto, se se trata de meros factos do anarchismo apenas, porque para esses não acho inconveniente em narral-os e dar-lhes publicidade.

Trata-se, por exemplo das referencias ás doutrinas dos anarchistas, aos seus programmas, aos seus meetings, que inconvenientes maiores para a ordem social haverá em dar-lhes publicidade, em tornal-os conhecidos? E se é esta publicidade a que tambem fica prohibida á imprensa eu julgo inconvenientissima uma tal disposição. Porque, v. exa., sr. presidente, comprehende muito bem que, dada essa prohibição, a imprensa não poderia sequer combater o anarchismo, e as suas doutrinas e propositos. Isto não póde ser. Espero, pois, que o sr. ministro da justiça se não negará, visto haver inconveniente em que o projecto volte de novo á outra camara, a fazer qualquer declaração a este respeito, a fim de que essa declaração fique considerada neste ponto como interpretação authentica da lei.

Resta o artigo 5.°, pois que o 6.°, em que o governo declara indispensavel o augmento da policia, e pede auctorisação para despender as verbas necessarias para esse fim, não me merece nenhumas observações. O artigo 5.° estabelece o principio da retroactividade. É este um principio inacceitavel em materia de direito e, principalmente, em direito criminal. Não o applaudo, mas não quero occultar que, infelizmente, a gravidade de um certo numero de factos da nossa epocha tem-se encarregado de mostrar a imperiosa necessidade das chamadas leis de circunstancia, com sacrificio dos rigorosos principios da sciencia penal. A urgencia absoluta de conjurar imminentes perigos sociaes e a impreterivel justiça de punir attentados gravissimos não previstos nas leis, têem podido mais do que as indicações theoricas da sciencia criminal. Mas, est modus in rebus. O projecto consigna o principio da retroactividade da maneira a mais extensa e illimitada, e, por isso, absurda e perigosa. E a retroactividade em relação a todos os actos e factos praticados anteriormente esta lei. É monstruoso! Estes actos ou factos podem ter sido praticados ha seis, ha oito ou dez annos... e em vista das disposições deste artigo póde amanhã o governo mandar processar toda a imprensa do paiz por se ter occupado dos factos recentemente occorridos em Lisboa. Póde amanhã o governo mandar promover processo contra todos os jornaes que narraram os acontecimentos que se deram ultimamente! Póde tambem mandar processar todos os individuos que, ha annos, tenham publicado qualquer escripto sobre anarchismo, ou professado quaesquer idéas anarchicas! É isto o que se quer?

Se é, pretende-se uma cousa monstruosa e feroz. Eu não a voto. Certamente não a votará tambem a camara. Peço, pois, ao nobre ministro da justiça que tambem n'este ponto explique qual o pensamento do governo e a idéa do projecto.

A retroactividade abrange indefinida e illimitadamente todos os actos anteriores a esta lei, ou comprehende só os factos recentes? A retroactividade abrange tambem a imprensa ou é só referente ás outras disposições do projecto?

Pela minha parte declaro que não hesito em votar o principio da retroactividade, comtanto que se refira sómente a uma certa e determinada epocha, isto é, aos actos e factos recentes, e que fique excluida a imprensa. Vê-se bem que se o projecto se executasse tal como está redigido, não haveria tyrannia mais monstruosa, nem armas mais poderosas se poderiam entregar ás mãos de um governo!

Não póde ser.

Sr. presidente, aqui tem v. exa., exposta em rapidos traços, a minha maneira de pensar e de apreciar o projecto; e, se v. exa. e a camara mo permittem, acrescentarei ainda algumas palavras á analyse que acabo de fazer, no intuito de mostrar a minha opinião sobre um dos assumptos mais graves que podiam ser trazidos ao parlamento. Essas palavras são para significar ao governo o que elle já sabe, aliás, e é que as leis valem muito pouco nas suas disposições perceptivas, e que o principal e o importante é a sua execução. Dae-me uma lei má e injusta e uma execução equitativa e regular, e isso será preferivel a que me deis uma lei boa e justa e uma execução insensata e má. A lei que a camara vae votar é uma lei injusta e má. Dê-lhe o governo uma execução atilada e boa. Lembrem-se os srs. ministros, sobretudo, que nos tempos que vão cor-

Página 117

SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 117

rendo não é com violencias que a ordem social se argamassa, antes é com justiça e tino governativo que as instituições se amparam e robustecem. E em questões d’esta natureza, tão melindrosas e delicadas, tenha o governo sempre presente aquelle aphorismo de um dos mais brilhantes luzeiros da igreja, aphorismo que só de per si vale um systema politico e toda uma philosophia social:

In necessariis, unitas;

In dubiis, libertas;

In omnibus, caritas.

Nas violencias, que são, necessariamente, condemnaveis, seja o governo energico e forte. Nas doutrinas, que são materia de opinião, seja o governo tolerante e liberal. E em tudo, quer seja energico para punir, quer liberal para perdoar, seja o governo sempre justo e caridoso, porque a caridade e justiça foram no passado, são no presente e hão de ser amanhã e sempre, no mundo, os anjos tutelares da paz e da ordem.

Tenho dito.

Mando para a mesa a minha proposta.

Lida na mesa foi admittida e ficou em discussão, conjunctamente com o projecto.

O sr. Ministro da Justiça (Azevedo Castello Branco): — Sr. presidente, vou responder ao digno par o sr. Marçal Pacheco, dando algumas explicações sobre as disposições do projecto que, no dizer de s. exa., carece de ser esclarecido, para que não haja duvidas sobre a sua interpretação.

No fundo, s. exa. está de accordo com o projecto, segundo disse, acrescentando que estava ao lado do governo em questões de ordem publica, pois no seio das commissões ouvira a declaração de que o governo se não responsabilisava pela manutenção da ordem, se o projecto não fosse approvado.

Como s. exa. tambem declarou, não quiz o digno par significar com a sua attitude que obtemperava a influencias de politica partidaria, e eu não posso deixar de applaudir essa declaração.

A necessidade da lei que se discute prova-se por duas simples rasões: porque na nossa legislação penal não havia penalidades para os factos a que ella se refere e porque se não deviam deixar sem punição a pratica de actos e a propaganda de doutrinas perigosas e fataes para a sociedade.

Pela carta de lei de 21 de abril de 1892, sem que se fizesse referencia aos crimes dos anarchistas, tinham-se declarado incursos na pena mais grave da escala penal aquelles que usassem de explosivos para attentar contra as pessoas e as propriedades, mas é certo que póde haver cumplices n’estes attentados, sem que estejam comprehendidos nas disposições d’essa lei, por se não darem a seu respeito os requisitos de cumplicidade especificada na lei commum, e sem que de facto a cumplicidade deixe de existir.

Tambem se não podiam considerar como responsaveis criminalmente, e como taes punidos, os sectarios do anarchismo que, em grupos mais ou menos numerosos, se reunissem publica ou clandestinamente e se combinassem para praticar actos de criminalidade indeterminada, como meio de propaganda das suas doutrinas subversivas, como não havia, finalmente, disposições legaes que punissem aquelles que, quer por discursos, quer por escriptos, ou por qualquer meio de publicação, provocassem directa ou indirectamente a pratica de crimes com o caracter de anarchismo, e como meio de propaganda.

É, pois, evidente, a necessidade de se fazer um additamento á nossa legislação penal e é a isso que visa esta lei.

O digno par referiu-se a que, pelo projecto em discussão, se podia incriminar os individuos que combatessem a actual ordem social. Não é assim. O que se pretende incriminar é aquelles que não querem absolutamente nenhuma ordem social, sob qualquer regimen politico, porque o projecto refere-se aos inimigos da existencia da ordem social, que tem de firmar-se no principio da subordinação a poderes que constituam a auctoridade do estado, e os anarchistas nem admittem auctoridade, nem estado.

Devo dizer muito claramente que não se trata de condemnar as opiniões sobre fórmas de governo, ou as idéas de adversarios do regimen politico e social existente. Do que se trata é da propaganda perigosa e violenta de doutrinas e de factos que tendem á negação absoluta do principio da auctoridade, do direito da propriedade e dos demais direitos fundamentaes de qualquer o regimen social.

Não se incriminam as theorias de anarchia, como foram expostas por Proudhon e por outros publicistas, que não podem estar de modo algum comprehendidas nas disposições d’esta lei.

O digno par disse: o anarchismo combate o estado, a religião, a familia, o direito da propriedade, etc. Perfeitamente de accordo, mas ha uma distincção a fazer. Póde discutir-se o principio de auctoridade, a existencia do estado, o direito de propriedade, qualquer, emfim das instituições que são a base das sociedades, sem que com isto se incorra nas disposições d’esta lei, uma vez que se não saía para fóra da esphera especulativa, mas se para a realisação das theorias se empregarem meios violentos ou se aconselharem estes meios, como fórma de propaganda, ou se propaguem doutrinas que conduzam á pratica de actos subversivos, ou attentados, está claro que estes factos estão incursos nas disposições do artigo 1.° d’este projecto.

Se nem sempre foi livre a expressão do pensamento, se noutras epochas houve penas para as idéas, não é agora, no fim do seculo XIX, que haviamos de resuscitar essa penalidade contra o exercicio dos direitos do pensamento humano; mas o que nos incumbe a todos nós é defender a sociedade contra a influencia perigosa d’aquelles que a querem destruir por meio da diffusão de doutrinas subversivas e que já teem dado origem aos maiores attentados.

Para os anarchistas não ha patria, não ha estado, não ha religião, não ha familia, não ha auctoridade de qualquer especie. Cada um póde fazer o que lhe aprouver, e cada um se julga com direito ao goso egoista de todos os bens a que poder lançar mão.

Aspiram ás trevas do barbarismo estupido das tribus selvagens, que só não conduzirá á antropophagia, se a carne de outros animaes for mais saborosa e agradavel que a da especie humana.

Estas idéas, por mais absurdas, por mais incongruentes e estultas que sejam, são theorias que se combatem pela propaganda opposta, e, muitas vezes, pela acção salutar, branda e pacifica do bom senso e do tempo; mas toda a propaganda que possa originar attentados, toda a propaganda perigosa, deve ser reprimida e punida.

Creio ter dito o sufficiente para se comprehender qual o pensamento do governo; mas não deixarei ainda de me referir ao modo como se faz a perigosissima propaganda do anarchismo.

Um dos prophetas sinistros d’esta seita, refiro-me a Jean Grave, cujo evangelho anda já traduzido entre nós, segundo me consta, diz pouco mais ou menos, o seguinte: A propaganda ás claras deve servir unicamente para dissimular ou descobrir a propaganda secreta. É necessario que nos congreguemos e nos prestemos mutuo auxilio; é indispensavel, por meio da propaganda, lançar a semente a ver se encontrâmos quem realise os nossos desejos, afim de que as nossas doutrinas se tornem uma lição para a sociedade. O egoismo humano fez com que haja pouca gente que se disponha a sacrificar a vida pelo bem commum; todavia pode-se encontrar d’esses heroes, a questão é demonstrar ás massas que se trata de chegarmos a uma situação em que todos devem realisar os seus gosos e as suas necessidades.

Página 118

118 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Aqui está n’uma das suas feições a propaganda que se pretende combater pek repressão.

Dizer que a sociedade actual tem defeitos, que tem um regimen que póde ou deve soffrer qualquer modificação no sentido em que os bens da terra sejam mais igualmente repartidos, é propaganda socialista, inteiramente differente da anarchista.

Socialista poderia até chamar-se Bismark, o grande estadista da Allemanha, e até nós temos feito socialismo para attender as necessidades mais ou menos imperiosas, a reclamações mais ou menos attendiveis das classes operarias.

Ha, é certo, quem chame aos anarchistas socialistas apressados mas o socialismo collectivista, que é o mais preconisado, tende a reduzir a humanidade ao viver de Sparta, onde os individuos eram absorvidos inteiramente pelo estado, e o anarchista aspira ao individualismo absoluto, á liberdade desenfreada do homem primitivo, immerso ainda na penumbra da animalidade.

Referiu se o digno par á differença que na incriminação se estabelece, quando ha ou não publicidade. Esta distincção tem precedentes no codigo penal, e erro injustificavel seria não fazer aquella distincção, quando é sabido que os manejos do anarchismo se fazem mais clandestinamente, do que abertamente, sendo, como diz o escriptor citado, a propaganda ás claras um meio de dissimulação da propaganda secreta, isto é, sem publicidade.

O processo adoptado pelos anarchistas e aconselhado pelos chefes da seita, resume-se no seguinte: fazer uma propaganda aberta, quanto possivel, vaga e indeterminada para assim illudir a acção da justiça, attrahindo sobre os conferentes a attenção, emquanto outros, operando clandestinamente, ganham adhesões e preparam os animos para a pratica de attentados determinados, ou não, mas tendentes á propaganda, ou para vingarem os companheiros caídos sob a acção da lei.

É evidente, pois, a necessidade do artigo 2.° do projecto.

Relativamente ao jury, tambem s. exa. approvou a disposição do projecto.

A instituição do jury obedece a um pensamento elevado, e assim a devemos considerar, embora reconheçâmos que tem errado muitas vezes; todavia, em crimes d’esta natureza, havia muita difficuldade em conseguir que os tribunaes se constituissem devidamente, porque os membros do jury, sob a pressão do terror, só muito constrangidos iriam occupar o seu logar, como lá fóra tem acontecido.

Demais o jury, estando dominado por preoccupações, poderia não attender serena e imparcialmente aos interesses sociaes, absolvendo sem fundamento, ou condemnando com iniquidade, desattendendo assim os interesses legitimos dos réus.

Tratou o digno par, por ultimo, do artigo que se refere á imprensa, e desejou que eu de a este respeito explicações categoricas.

Eu já tive a honra de dizer na outra casa do parlamento, que isto não é uma lei de imprensa; isto é, que as disposições contidas n’esta lei não querem de modo nenhum coarctar as liberdades da imprensa.

Em relação ao artigo 1.°, já declarei que as theorias sobre a anarchia podiam sem delicto ser objecto da apreciação dos altos espiritos que d’ellas se quizessem especulativamente occupar; mas o que por esta lei se pretende é que a imprensa não concorra, embora sem tal intenção, para o desenvolvimento do anarchismo, tratando de factos que com elle se relacionem, e principalmente de narrativas de attentados que tão perniciosa influencia têem nos espiritos debeis.

E a rasão d’isto é muito simples: é porque essas narrativas têem ordinariamente uma feição dramatica e por isso mais penetrante no espirito publico.

Se ellas cáem sob os olhos de pessoas reflectidas, não deixam impressões deleterias. Se, porém, caem nas vistas de espiritos menos cultos, e sobretudo (é este o maior perigo) d’aquelles que são mais ou menos nevropathas, d’aquelles que têem tendencias para o fanatismo, dos que são facilmente suggestionaveis, essas narrativas de crimes e os debates nos tribunaes, que os anarchistas têem transformado em tribuna para a propagação de suas idéas, essas narrativas, repito, podem ter uma influencia funestissima, incitando outros individuos á pratica de actos similhantes.

Se os jornaes fossem lidos unicamente pelas pessoas esclarecidas, não havia perigo; mas infelizmente nós vemos que o que se explora mais é a avidez popular de leituras de sensação.

N’este ponto devo dizer ainda ao digno par sr. Marçal Pacheco e á camara, que os jornaes ficam sob a vigilancia da auctoridade policial, mas com a garantia de que uma auctoridade independente resolverá se a apprehensão dos jornaes é ou não regular e justificada.

Resta-me responder ao ultimo ponto que no seu discurso tratou o digno par. Refiro-me á retroactividade d’esta lei.

O pensamento da proposta do governo era que a retroactividade só abrangesse os factos puniveis mais recentes, não podendo em caso algum ir alem do periodo marcado para a prescripção na legislação commum.

Os acontecimentos ultimos, que tamanha sensação causaram, determinaram a proposta.

Seria faltar aos deveres que o governo tem de assegurar a ordem publica e a tranquillidade dos cidadãos deixar que, por um nimio escrupulo de principios, a lei não fosse applicavel com effeito retroactivo nos termos expostos.

Creio que com esta declaração terei satisfeito completamente o digno par.

Termino, dizendo que esta lei se caracterisa, não tanto como lei de repressão, como pela circumstancia de que por ella se adoptam medidas preventivas especiaes, consentaneas com a indole particularissima e excepcional dos factos sobre que se legisla.

Até agora tinha-se considerado que entre nós o anarchismo não produzia funestas consequencias, que era apenas a manifestação de um ideal nebuloso das massas populares, que aspiram a condições differentes d’aquellas em que vivem, sonhando venturas e gosos obtidos sem as luctas do trabalho e as competencias do combate pela existencia.

Entretanto, as ultimas occorrencias vieram demonstrar-nos que o perigo que se manifestara n’outros paizes tambem entre nós está latente. O que o governo pretende é oppor-se, é rebater e supprimir uma propaganda de doutrinas que tem por fito a destruição completa do estado e do principio da auctoridade em todas as suas manifestações, quer seja na esphera governativa, quer na esphera da familia, tratando de aniquilar tudo quanto serve de fundamento á existencia da ordem social, e quanto constitue a grandeza e esplendor da civilisação moderna.

Tenho dito.

O sr. Conde de Thomar: — Antes de entrar na materia, permitta v. exa., sr. presidente, que eu dê uma explicação e rectifique uma asserção que apresentei na occasião em que se discutiu aqui o bill de indemnidade. Referi-me á eleição de um deputado por um districto do Alemtejo, em que se apontara a coincidencia notavel de ter esse deputado, que se dizia da opposição, sido eleito com o mesmo numero de votos que o sr. ministro da guerra.

Pessoa competentissima, um nosso dignissimo collega, affirmou-me que essa asserção não era exacta; por consequencia, vê-se que ha um deputado pela opposição que não teve o mesmo numero de votos que o sr. ministro da guerra, pelo que felicito o deputado eleito. Vejo, portanto, que o jornal que dera a noticia estava mal informado.

A verdade antes de tudo. Está, pois, explicado o engano.

Sr. presidente, estou completamente de accordo com as

Página 119

SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 119

palavras do digno par que me precedeu, o sr. Marçal Pacheco. O assumpto que se debate não é politico.

Na discussão d’este projecto não póde haver nem maioria, nem opposição, nem partido regenerador, nem partido progressista. N’esta discussão não ha senão homens de ordem, cada um dos quaes vem trazer-lhe o seu subsidio e tratar de a esclarecer o melhor que póde para se chegar a uma solução que seja conciliadora.

Eu tinha tomado varios apontamentos e desejava fazer largas considerações sobre a materia do projecto; mas, depois de haverem tomado a palavra dois criminalistas tão distinctos, eu, que sou o menos competente para me envolver em taes questões, prescindiria de fallar n’este momento se não fosse a impressão que me deixou a leitura do projecto.

Recebi-o hontem á noite, já tarde, e só esta manhã póde lel-o. Não vou tomar muito tempo á camara.

Tendo ouvido o nobre ministro da justiça, que realmente me captivou pela maneira clara como explicou o projecto do governo, formulei a seguinte moção de ordem.

(Leu.)

Se fosse só a minha opinião na questão que se debate não teria ella de certo grande valor para fazer peso na questão; mas, sr. presidente, eu vi que na outra casa do parlamento distinctos estadistas, e de grande valor, discutiram este assumpto, tendo duvidas sobre a interpretação e applicação do projecto.

Vejo igualmente n’esta casa um distincto parlamentar, como o digno par o sr. Marçal Pacheco, fazer ponderosas considerações no sentido das que se apresentaram na camara dos senhores deputados.

Por conseguinte o que devo eu concluir d’este facto? É que a redacção do projecto não é precisamente clara, que deixa duvidas não só no meu animo, como no animo de todos que se occuparem da questão, e por isso parece-me que a minha moção tem rasão de ser.

Sr. presidente, antes de continuar não posso deixar de fazer uma pergunta ao governo, visto que elle não importa já segredo de acção policial.

É ou não verdade que foram descobertos os auctores do ultimo attentado?

Se é verdade, peço ao governo que a confirme, se não ha n’isso o menor inconveniente.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Eu vou responder á pergunta do digno par.

É certo que se acham descobertos os auctores do attentado recentemente praticado na casa do sub-delegado de saude o sr. dr. Joyce.

Os criminosos não só confessaram o crime, como o proprio auctor indicou a maneira por que elle foi commettido, indo hoje acompanhado da policia á casa onde foi lançado o explosivo.

Por consequencia, o crime está averiguado, confessado, n’elle estão implicados nove individuos e posso acrescentar que estes nove individuos estavam até agora empregados em obras do estado.

É o que posso dizer a v. exa.

O sr. Conde de Thomar: — Agradeço as declarações claras, precisas e categoricas, que sobre o assumpto acaba de fazer o nobre presidente do conselho, e que tanto nos preoccupava.

Depois de ouvidas as explicações do governo, permitta-me v. exa. que mais desassombradamente eu entre na discussão do projecto.

Rasões havia que faziam que fosse muito cauteloso; mas depois dos factos que já são conhecidos aqui e lá fóra, posso mais afoitamente dizel-as, pois que, com isso, não vou crear embaraços, nem difficuldades á acção da justiça.

Sr. presidente, dizia eu aqui ha dias que pela ultima lei da policia, os magistrados policiaes estavam armados, não só com os meios necessarios para quaesquer indagações; mas davam-lhes tal força, que ia até ao ponto de poder metter na cadeia meia Lisboa!

Pergunto agora ao nobre presidente do conselho se depois dos factos que elle acaba de communicar á camara, ainda ha urgencia na approvação deste projecto, se é tão imperiosa a sua approvação que não possa adiar a discussão d’elle, fazendo-lhe modificações que sejam justas e rasoaveis.

Eu bem sei que este projecto não trata só de tomar providencias com relação aos anarchistas, envolve tambem a creação de um grande numero de agentes policiaes, com o fundamento, ao que parece, de que a policia actual é insufficiente para as necessidades creadas pela nova area de Lisboa, e por se reconhecer que a actual policia é insufficiente.

Sr. presidente, a prova de que não é insuficiente está em que o crime .foi descoberto apenas com a policia existente e com os meios de que póde dispor, e por este facto não vejo que houvesse grande necessidade de, segundo diz o projecto, augmentar desde já o quadro do corpo de policia de segurança de Lisboa, e muito menos a apresentação tumultuaria do projecto em discussão.

A commissão de administração foi ouvida, desejava, portanto, que algum dos seus membros me dissesse quaes os considerandos apresentados pelo governo para justificar o augmento d’este corpo de policia, o que trará grande despeza e agravamento de impostos.

Sr. presidente, sobre o projecto em discussão as minhas idéas são conhecidas, e ninguem dirá que venho defender o anarchismo. Todo o rigor da lei para o anarchismo pratico; mas com respeito ás doutrinas do projecto, confesso que ha pontos com os quaes não posso concordar.

No artigo 1.°, por exemplo, que eu não leio para não cançar a attenção da camara, parecia-me conveniente que se eliminassem as palavras «e cumprida esta, será entregue ao governo, que lhe dará o destino a que se refere o artigo 10.° da lei de 21 de abril de 1892».

Esta é a sentença; depois de julgado pelo tribunal, é entregue ao governo que, naturalmente, não lhe dá casa no campo, mas, como muito bem disse o sr. Marçal Pacheco, o manda passeiar até á Africa. Francamente, não me parece justo que haja duas penas, quando existem os tribunaes para julgar. Se as disposições do codigo penal são insufficientes, então viesse o sr. ministro da justiça pedir ao parlamento a alteração d’este ou d’aquelle artigo.

E, sr. presidente, sobre este ponto permitta-me v. exa. que eu conte o que ouvi a um antigo chefe da policia, que já morreu, para mostrar a v. exa. até onde vae a paixão politica.

Um liberal foi denunciar que tinha feito pacto com o demonio. Instaurou-se um processo, intimaram-se testemunhas, que depozeram em pleno tribunal que tinham visto á meia noite esse homem conversar com o demonio que, trazendo umas azas, voava.

Esse processo deve existir n’um cartorio, em Villa Franca.

O sr. Thomás Ribeiro: — Tambem se deu o mesmo aso na Beira Baixa.

O Orador: — Pois talvez v. exa. não acredite que houve um juiz tão faccioso que, acceitando o depoimento das testemunhas, condemnou o réu; isto prova que a paixão cega os homens, e que um projecto que dá attribuições tão latas póde dar logar a grandes abusos.

Diz o digno par o sr. Thomás Ribeiro, que facto similhante se deu num tribunal na Beira.

As paixões politicas são de todos os tempos, e não ha rasão para que hoje se não dêem iguaes aberrações do bom senso. É esse o meu receio.

Eu, francamente, retiraria tão ampla auctorisação a quem d’ella póde abusar. Não está no meu animo tal au-

Página 120

120 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ctorisação, porque me parece que pelos meios ordinarios se poderá chegar ao mesmo fim, e sempre se estava dentro da legalidade e seguia-se o bom caminho.

Sr. presidente, esta historia que eu contei passou-se no tempo da alçada, mas nos nossos dias, na actualidade, nós temos processos eleitoraes que são verdadeiras monstruosidades, em que a legalidade é atropellada, em que as eleições são roubadas, em que nas urnas entra um numero de votos muito maior do que accusam os cadernos das descargas, e desde o momento que o individuo perde a eleição, que naturalmente é sempre o candidato da oppo-sição, e recorre para as instancias, raras vezes é attendido.

A lei lá está para o proteger, mas quem tem de a applicar sophisma-a e o roubo dos votos fica officialmente sanccionado. Tudo pela paixão politica.

Ora, com estes elementos já v. exa. vê quaes as consequencias que podem resultar de um projecto que contem disposições tão draconianas.

Sr. presidente, nós temos por habito appellar e citar tudo quanto se faz lá fora; regra geral, aproveitámos o que nos faz conta, mas quando o que se faz lá fora não se coaduna ao nosso modo de ver ou ao nosso desejo, então o que se faz no estrangeiro é mau e não póde ter applicação entre nós.

Este projecto é moldado sobre a ultima lei franceza a respeito dos anarchistas, mas muito aggravado pela precipitação com que foi feito e para o effeito.

Ora, francamente, o que se tem dado em Portugal, comparado com os factos que se têem passado lá fora, não tem paridade com esses attentados horriveis.

Todos nós ternos ainda presente na memoria o attentado consummado contra Carnot, facto que ninguem póde deixar de condemnar, e que eu condemno, mas em vez de nos servirmos das leis existentes, e que me parecem mais que sufficientes, entendemos que devemos precipitadamente achar o remedio para esse grande mal na approvação deste projecto, e ainda o remedio não está manipulado para ser applicado, já o mal estava descoberto, o que vem confirmar a minha opinião, que os meios existentes são sufficientes e tornam inutil a apresentação do projecto em discussão.

Nós ainda não votámos esta lei, ainda ella não está em execução para remediar esse grande mal, já o governo, pelas suas auctoridades policiaes, tem conhecimento de que foi descoberto o auctor do crime e seus cumplices, tem conhecimento como foi praticado o crime e todas as circumstancias que se deram.

Mas, referindo-me ao que se passa lá fóra, permitta-me v. exa. que refira o seguinte: quando se perpetrou aquelle nefando crime, o assassinato do presidente da republica franceza, o sr. Carnot, todos os paizes se sobresaltaram com aquelle facto, concordaram que havia necessidade de todos os paizes se entenderem, a fim de crear meios de repressão contra o partido anarchista, cujo fim é a destruição da sociedade e da propriedade.

Os allemães, como v. exa. sabe, são reflectidos e não são homens para grandes precipitações, mas, uma vez tomada uma resolução, tambem não param.

Sabe v. exa. o que succedeu na Allemanha?

O governo allemão levou ao parlamento uma proposta de repressão contra os anarchistas, mas não era como o projecto que está em discussão, era unicamente, como disse o sr. ministro da justiça, dar certa latitude a fim dos tribunaes castigarem qualquer d’estes attentados. O governo allemão pediu ao parlamento que os artigos do codigo sobre attentados pelos meios violentos empregados pelos anarchistas tivessem uma interpretação mais lata e mais precisa, a fim da repressão ser prompta.

Sabe v. exa. como respondeu o parlamento ao pedido do governo?

Respondeu que no codigo vigente tinha o governo todos os elementos para castigar esses attentados. E foi rejeitado esse artigo quasi unanimemente.

Não houve precipitações, discutiu-se largamente, como convem n’estes casos graves e delicados.

Sr. presidente, eu não concordo com o augmento da policia civil de Lisboa. Alem de que não reconheço a necessidade da inserção do respectivo artigo sobre o augmento do corpo de policia n’este projecto.

Sr. presidente, como se fez uma lei de policia só para uso dos habitantes da capital, tenho duvidas se este projecto é para ter applicação só em Lisboa ou se é para uso de todo o paiz. Por isso pedia explicações ao governo ou ao sr. relator.

Eu vejo que este projecto contem uma disposição expressamente relativa á policia de Lisboa, e como é natural que a lei seja para todo o paiz, sendo para assegurar o seu cumprimento que se estabelece o augmento da policia, devia ser o augmento da policia de todo o reino; aliás póde deduzir-se que a lei é feita só para ser applicada em Lisboa. Mas o digno relator pediu a palavra, e de certo esclarecerá este ponto.

Sobre o artigo 4.°, o que determinadamente se refere á imprensa, uma vez que esta lei é copiada da lei franceza, permitta-se que eu mande para a mesa a seguinte emenda.

(Leu.)

D’esta maneira ficará claro, porque então cada um sabe a lei em que vive: ha um processo, e qualquer póde ir perguntar ao juiz se póde escrever isto ou aquillo. Seria melhor e mais claro.

Pois para que havemos nós de deixar obscura esta lei? Naturalmente os juizes agarram-se ao texto da lei e não querem saber das explicações que se deram no parlamento durante a discussão.

E agora vou eu pedir mais uma explicação, sr. presidente.

Disse o illustre ministro, em relação ao artigo 5.°, que a lei não tinha effeito rectroactivo senão quanto ao caso recente; mas, por causa d’esse caso, têem sido e estão presos cento e tantos individuos, muitos dos quaes não terão participação no recente attentado ou cuja responsabilidade se reduza a terem sido ou estarem filiados no partido anarchista; e realmente seria uma barbaridade a applicação da rectroactividade a todos esses individuos que estão detidos nos calabouços da policia, pelo simples facto do terem essas idéas.

Evidentemente o projecto foi apresentado para ter applicação a estes individuos, visto que estão implicados nos acontecimentos que ultimamente tiveram logar em Lisboa.

Mas alem d’estes ha uma grande quantidade de individuos filiados nesse partido, os quaes não praticaram actos que possam prejudicar a segurança das pessoas ou da propriedade; e eu pergunto se a estes individuos tambem é applicada a lei, se tambem são mandados para a Africa?

Não póde ser; isso seria uma barbaridade.

O nobre relator da commissão tem a palavra, e de certo s. exa. explicará todos estes pontos.

Sr. presidente, passando finalmente á apreciação do artigo que trata do augmento do corpo de policia, desejava eu que algum dos membros da commissão de legislação me desse esclarecimentos, de modo a ficar eu sabendo qual o motivo que houve para augmentar com trezentos guardas o corpo de policia civil.

Assim como o augmento é só de trezentos guardas, podia esse augmento ser de quinhentos, seiscentos ou oitocentos guardas.

Porque foi de trezentos?

Devia ter havido por parte do governo alguma rasão que justifique essa proposta nesta occasião.

Sr. presidente, no pouco tempo que tive para ler o parecer em discussão, eu fiz o seguinte calculo em relação ao ponto de que estou tratando.

Página 121

SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 121

A população de Lisboa actualmente é, cifra redonda, de 500:000 almas.

A guarda municipal, que é tambem um corpo de policia, tem 1:300 homens.

Diz o meu collega que é de 1:600, tanto melhor para meu calculo.

O calculo que fiz foi sobre a base de 1:300.

Temos tambem os guardas nocturnos, policia que cada um paga para ter protegida a sua propriedade.

Se não houvesse os guardas nocturnos não sei o que seria de Lisboa.

Isto é um facto, que ninguem póde contestar.

Não é uma policia espectaculosa; a verdade, porém, é que presta muito bons serviços e muito barata, verdade seja que é paga por nós.

O guarda nocturno é hoje o antigo homem da lanterna e do chuço.

Quem quer ter a casa guardada dá 600 ou 700 réis cada mez, e póde ficar descansado, porque o guarda nocturno é solicito no cumprimento dos seus deveres.

Quanto á policia civil, não quero dizer que não possa ainda prestar bons serviços quando esteja bem organisada; ctualmente, porém, não satisfaz, como por todos é sabido.

Hoje é tudo militarismo na policia, falsa comprehensão do que é a policia civil.

Ha algumas horas da noite em que não se encontra um unico policia em muitas das das de Lisboa.

Como í dizendo, a guarda municipal tem 1:300 homens, a policia civil 900 e o numero de guardas nocturnos é de 200.

Por consequencia, temos 2:400 agentes de policia, e sendo, como disse, a população de Lisboa de 500:000 habitantes, temos um agente de policia para cada 208 habitantes.

Ora, havendo agora no corpo de policia civil um augmento de 300 guardas, teremos 2:700 agentes de policia para a população de Lisboa.

(Leu.)

Suppondo que temos 2:400agentes depoliciapara500:000 habitantes, temos um agente para 208 habitantes, deduzindo as mulheres, inválidos e creanças, fica um agente para 80 habitantes.

Pelo augmento do corpo de policia teremos um agente para 70 habitantes.

Esta proporção de policia para a população é unica na Europa, e é n’estas condições que o governo vem pedir que se augmente o corpo de policia.

Mas, ha ainda um calculo mais curioso: Supponhãmos que ha em Lisboa 10:000 anarchistas, (que não ha); teriamos um policia para cada tres anarchistas, mas, havendo apenas uns 5:000 a 6:000, o maximo, como julgo, teremos um policia para anarchista e meio. (Riso.)

Ora, este calculo é tão exacto que, se o sr. ministro do reino estivesse presente, havia de ser o primeiro a concordar commigo, que não ha fundamento para este augmento de policia.

Se este projecto não foi feito de baixo de uma impressão de terror, eu pedia ao governo que eliminasse o artigo 6.° do projecto, e apresentasse mais tarde um projecto no qual se tratasse a serio da remodelação dos serviços policiaes, que bem precisam de reforma séria.

Nós, desde que o parlamento está aberto, só temos votado augmentos de despeza, e eu vejo que, ao mesmo tempo, a miseria publica augmenta de uma maneira espantosa, sem que ninguem procure dar remedio a similhante estado de cousas.

Ha aldeias do norte do paiz que estão completamente despovoadas, a emigração rouba-nos os braços de que tanto carecemos para o labor dos campos; mas com isso não se preoccupam os homens publicos, apesar de tal situação trazer comsigo difficuldades, e difficuldades importantes.

Sr. presidente, não quero abusar da paciencia da camara, e por isso limito aqui as minhas observações.

Mando para a mesa a minha moção, e a substituição que alludi.

Foram lidas, admittidas e ficaram sobre a mesa, para serem votadas na occasião em que a camara se pronunciar sobre os artigos a que dias se referem, as seguintes:

Propostas

Ouvidas as explicações do sr. ministro da justiça, a camara convida o governo a modificar a redacção do projecto em harmonia com as declarações do governo.

Sala das sessões, em 12 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.

A imprensa só poderá dar noticias das diligencias e inqueritos policiaes e dos debates que houver no julgamento de processos anarchistas, com previa auctorisação das auctoridades de policia e dos tribunaes por onde correrem esses processos.

Sala das sessões, 12.de fevereiro de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.

Proponho que sejam eliminadas do artigo 1 °as palavras «cumprida esta será entregue ao governo, que lhe dará o destino a que se refere o artigo 10.° da lei de 21 de abril de 1892».

Sala das sessões, 12 de fevereiro de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.

O sr. Sequeira Pinto (relator): — Sr. presidente, cabe-me a honra de responder ao meu antigo e particular amigo o sr. conde de Thomar; e é sempre para mim agradavel conversar e discutir com s. exa., não só pela muita deferencia pessoal, mas não menos pelo alto respeito que tributo á memoria do illustre cavalheiro que s. exa. representa n’esta casa.

Sr. presidente, as largas considerações apresentadas a esta assembléa pelo digno par que abriu o debate, a resposta clara, precisa e honrada dada pelo nobre ministro da justiça sem tirarem ao projecto a grave importancia que em si encerra, afastam quasi por completo as duvidas e reparos que a alguem pareceu dever fazer quanto á redacção do projecto, mas nunca á economia geral da proposta apresentada pelo governo.

Sr. presidente, o digno par o sr. Marçal Pacheco, vogal da commissão de legislação, informou já a v. exa. e á camara do que fora passado na reunião que houve das commissões de legislação, fazenda e administração, e a que o governo assistiu.

Todos os vogaes da commissão acceitaram a economia e o pensamento da proposta do governo, e a sua maioria, tendo em consideração as declarações por parte do governo, não duvidou tomar a responsabilidade das suas disposições como medida de ordem e interesse publico, collocando-se ao seu lado.

O digno par o sr. conde de Thomar pedia algumas explicações, as quaes eu passo a dar a s. exa. e á camara.

Ha effectivamente no projecto disposições que alteram o direito actual ou seja na applicação da pena ou na fórma do processo; mas esta resolução era indispensavel desde que se tratava de uma medida urgente de occasião e adaptada ás circumstancias especiaes ultimamente dadas.

Sr. presidente, a disposição que se encontra no artigo 2.° nas palavras «quando não houver publicidade», parece ter assustado alguem, julgando assim encontrar uma innovação no direito penal; esta, porem, não existe e apenas se transportou para o projecto a doutrina que se encontra no codigo penal em factos menos graves, mas em parte por sua natureza similares.

Sr. presidente, no artigo 412.° do codigo penal que res.

Página 122

122 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

peita aos crimes contra a honra, diffamação, calumnia e injuria, estão precisamente incriminados os actos de responsabilidade crime, quando não houver publicidade, e tendo essa doutrina ha muitas dezenas de annos sido acceita e executada pelos tribunaes judiciaes sem a menor reclamação, de certo são infundadas as duvidas que se apresentam, e não é só esta doutrina penal em Portugal, mas sim em todos os codigos das nações cultas, como em poucos momentos se póde verificar pela leitura de qualquer commentario á legislação penal.

Respondo igualmente ao digno par o sr. conde de Thomar que a proposta apresentada, desde que pelos meios legaes seja convertida em lei, obriga como qualquer outro diploma e apenas com a restricção de que trata o artigo 5.°

Sr. presidente, o effeito da retroactividade, a que se refere o digno par, é excepção ao direito commum, é mesmo a sua revogação, mas adoptada por ser imposta pelas circumstancias e factos recentemente dados.

Sr. presidente, o digno par a quem tenho a honra de responder procurou tornar saliente a differença entre as disposições do actual projecto e as que se encontram em vigor hoje em França pelos diplomas- publicados em 1893 e 1894.

Permitta-me o digno par que não é facil encontrar severidade de pena na applicação de factos criminosos praticados em Portugal, quando já foram riscadas do nosso codigo as duas penas mais graves «a pena ultima e a pena perpetua», que ainda vigoram no paiz a cuja legislação o digno par se referiu.

Sr. presidente, diversas propostas foram mandadas para a mesa e importariam ellas o adiamento da discussão. Na qualidade de relator do projecto declaro a v. exa. e á camara que não posso acceitar as mesmas propostas, visto que o projecto que se discute não é de natureza restricta á repressão, mas principalmente tende a prevenir a repetição de novos attentados, e assim por sua natureza inadiavel.

Sr. presidente, referiu-se o digno par o sr. conde de Thomar ao augmento de policia apresentado pelo governo; esta é uma questão puramente administrativa e que mais respeita ás respectivas commissões que assignaram o parecer, e desde que nenhuma duvida se offereceu e o governo, declarou que, como complemento das medidas propostas, era indispensavel para a sua execução o augmento da força policial, a commissão de legislação, no interesse da causa publica, approvou similhante providencia.

Parece-me ter satisfeito aos desejos do digno par o sr. conde de Thomar, respondendo por completo ás suas perguntas; se houve ommissão s. exa. me indicará qualquer outra explicação que deseje.

O sr. Conde da Azarujinha (para um requerimento):— Requeiro a v. exa., sr. presidente, que se digne consultar a camara sobre se concorda em que seja prorogada a sessão até se votar o projecto que se discute.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o requerimento que acaba de fazer o digno par o sr. conde da Azarujinha, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Em vista da resolução da camara, está prorogada a sessão.

Vae dar-se conta de uma mensagem.

Foi lida uma mensagem vinda da outra camara, incluindo a proposição de lei que tem por fim considerar cursos superiores, e equiparando-os para todos os effeitos aos demais cursos superiores das outras escolas do reino, o antigo curso superior do commercio, creado por lei de 6 de março de 1884, o curso superior do commercio, decretado em 30 de dezembro de 1886 e o actual curso completo do segundo grau ou superior dos institutos indusdustriaes e commerciaes de Lisboa e Porto.

Foi enviada ás commissões de instrucção publica e de commercio e artes.

O sr. Presidente: — Continua a discussão, e tem a palavra o digno par o sr. conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: — Sr. presidente, é realmente extraordinaria a pressa que o governo tem de votar todos os projectos, prorogando todos os dias as sessões. Não posso perceber qual a rasão de ordem publica que obrigue o governo a ter hoje votado, e não amanhã, o projecto de lei que está em discussão.

O governo lá terá as suas rasões, mas eu não as percebo.

O illustre relator da commissão e meu prezado amigo, declarou que vota este projecto, porque elle se funda em uma questão de ordem publica; e que em questões de ordem publica está sempre ao lado do governo.

Tambem eu estou com o meu illustre collega.

As questões de ordem publica estão sempre muito superiores a todas as outras; prevalecem sempre ás questões de partido e de interesse particular. Isso é evidente; mas d’ahi a dar a um governo tudo quanto elle vier pedir, sob pretexto de manter a ordem publica, vae uma grande distancia.

Reservo-me os direitos de apreciação e de critica, para ver se os meios que elle pede, a fim de manter a ordem publica, são realmente acceitaveis e necessarios.

O illustre relator fez d’isto uma questão de confiança. Ora, se s. exa. tem toda a confiança no governo, e lhe dá os trezentos policias pedidos neste projecto, eu é que não tenho n’elle confiança alguma, e portanto não voto sem primeiro ver bem do que se trata e o que se pede.

As explicações do nobre ministro da justiça não me convenceram absolutamente nada. Devo dizer que foram honradas, como honrado é o seu caracter.

Para dizer a verdade, s. exa. é o ministro meu favorito do actual ministerio. Se s. exa. se conservasse sempre na sua cadeira, para manter todas as declarações terminantes e honradas que fez hoje á camara, talvez eu não tivesse grandes desejos de o abandonar. Mas se ámanhã ha uma crise ministerial, e os seus collegas o põem fóra, e ficam os ministros que não são meus favoritos, os que saltam por cima de todas as leis, que infringem à constituição do estado e atacam as liberdades publicas, lá posso eu tambem ser condemnado a ir para a Africa, só por estar conversando sobre anarchistas n’um logar qualquer.

É o que se deduz do artigo 1.° combinado com o artigo 2.° d’esta lei.

(Leu.)

E diz o illustre relator da commissão, respondendo ao sr. conde de Thomar, que nesta lei não ha exagero de pena, que na lei franceza ha mais severidade! Não ha exagero de pena e por uma simples conversa, por uma simples carta, póde ser um cidadão sequestrado pela policia, mettido na cadeia durante seis mezes e em seguida posto á disposição do governo, e quem sabe se condemnado a degredo por toda a vida!

Eu, sr. presidente, suppuz que me coubesse mais cedo a palavra, e como a hora vae adiantada não me alongarei na exposição das rasões que tenho para não approvar este projecto.

Já antes de mim fallou o digno par sr. Marçal Pacheco, o qual, com a sua palavra sempre habil, expõe tão bem e tão lucidamente todas as questões de que se occupa; fallou tambem o meu amigo e collega o sr. conde de Thomar; o assumpto está esgotado, o governo com pressa de que o projecto se vote, a camara fatigada, a sessão prorogada, portanto, limitarei o mais possivel as minhas considerações.

Esta lei, diz o sr. ministro da justiça, tem por fim incriminar actos que não estavam comprehendidos na legislação penal; deu-lhe origem o attentado que se praticou em casa de um sub-delegado de saude.

Disse tambem s. exa.: esta lei não é de repressão, é mais para prevenir do que para reprimir attentados

Página 123

SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 123

D’aquella ordem. Vou, em curtas palavras, demonstrar que ella não reprime nem previne, e que, pelo contrario, não faz mais do que vir augmentar o perigo social.

O que é certo é que a lei se deve considerar lei de excepção, feita expressamente por causa de um attentado.

E de passagem direi que sinto immensa pena de não ter assistido a essa diligencia policial que o sr. presidente do conselho nos contou, por que queria ver a cara da policia, cara que deveria ser de admiração e espanto.

Mas, pergunto eu, como é castigado o criminoso? Segundo as leis communs vae os seis mezes para a cadeia, ficando depois á disposição do governo?

Se os srs. ministros teem tanta coragem e tanto amor á ordem publica, tivessem inventado outra lei mais repressiva.

Eu queria uma lei para castigar severamente aquelles que commettessem attentados tão monstruosos, como o que foi praticado na rua do Duque de Bragança, e não para vir atacar as liberdades publicas.

Agora direi ao nobre ministro da justiça que a lei não reprime nem previne, e s. exa., que é muito conhecedor da materia, sabe-o perfeitamente.

Sr. presidente, eu não venho aqui defender o anarchismo, sou contra elle e muito principalmente, quando se manifesta por actos brutaes, irracionaes, sem logica, que mais parecem de loucura do que outra cousa.

Haja as maiores repressões, e até se quizerem a pena de morte, porque eu estou prompto a votal-a. Se me apontarem um homem que tenha tentado por meio de uma bomba causar a morte ou alguma outra desgraça a qualquer pessoa, eu sou o primeiro a concordar em que se lhe deve cortar a cabeça. Por consequencia, para taes casos todo o rigor é pouco.

(Interrupção a meia voz que se não percebeu.)

O caso recente succedido em casa do sr. dr. Joyce foi que deu logar a esta lei na qual se não inventou nada de util e efficaz, mas apenas o governo aproveitou a occasião, para com uma serie de disposições, atacar as liberdades publicas.

A policia tem creado com carinho os chamados anarchistas, que, estou convencido, em Portugal não estão organisados como noutros paizes e ser anarchista n’este paiz é mais um modo de vida, um officio, do que uma seita. Elles sabem perfeitamente que, chegando ao governo civil são logo empregados, e a prova está no que disse o sr. presidente do conselho: que os nove anarchistas que foram presos estavam todos empregados em obras do estado. Um, sei eu, que foi para o ministerio das obras publicas ganhando 700 réis, mas não os querendo receber por achar pouco, no governo civil disseram-lhe que os fosse recebendo, porque depois lhe arranjaria um pretexto para que elle recebesse mais 500 réis.

A policia tinha-os na mão, como se disse.

Elles reunem-se em toda a parte. Chegou a haver uma reunião no pateo do governo civil que durou quarenta minutos e a policia embasbacada a ouvir os oradores.

Por occasião da morte de Carnot houve uma reunião de anarchistas num vapor que alugaram para os levar a Villa Franca, mas não poderam desembarcar porque o Tejo trazia muita agua. Voltaram então rio abaixo e no proprio vapor realisaram a sua assembléa.

Que bella occasião para se fazer com que o vapor seguisse o destino conveniente!

O sr. ministro da justiça sabe que, como se costuma dizer, o segredo é a alma do negocio, pois é tambem a arma do anarchisrno, a mola real sobre que gira todo aquelle complicado systema que constitue uma escola com caracter mais ou menos scientifico.

Não me é difficil demonstral-o.

Pela historia dos attentados praticados lá fóra, verá v. exa. que digo a verdade.

Quando os anarchistas fizeram ir pelos ares o restaurant Very, a policia andava vigiando cuidadosamente este estabelecimento.

Desconfiara-se de Vaillant e para a imprensa tinham sido mandados os signaes caracteristicos d’este anarchista.

Um dia entrou no restaurante um homem em quem o creado reconheceu os signaes dados pela policia; foi immediatamente participal-o e Vaillant foi preso ali mesmo. É sabido que a policia franceza é muito perspicaz, e principalmente a policia secreta está muito bem organisada.

Para evitar que o restaurante soffresse algum damno ou attentado, foi minuciosamente e rigorosamente vigiado, como já disse. Mas no dia em que Vaillant estava para responder nos tribunaes foi pelos ares o restaurante sem que a policia o evitasse, estando já prevenida. O dono do restaurante morreu e outro homem que estava almoçando. Outro attentado tambem depois se deu no commissariado de policia, morrendo todas as pessoas que lá estavam.

Eu não venho para aqui advogar os anarchistas porque posso ser levado para a cadeia.

Ora, d’aqui se vê o perigo que ha quando aquella seita se organise.

O que faz o governo com este projecto? A lei de hoje póde vir a ser para os anarchistas portuguezes os seus proprios estatutos.

Não digam nada lá fóra do que se passa cá dentro, porque se disserem vão para a cadeia e depois para a Africa, e podem lá ficar por toda a vida.

Se forem agarrados, não importa, cá ficam outros para os vingar.

Esta é que é a theoria dos anarchistas. Quando elles se resolvem a vir cá para fóra, não ha nada que possa impedil-os; haja vista o assassinato de Carnot, praticado diante da força publica e na propria carruagem do presidente.

Por consequencia, sr. presidente, do que eu discordo é dos meios de que o governo entende que se deve servir para evitar os attentados anarchistas.

Concordo na punição dos attentados, mas não em que esta lei seja conducente a prevenil-os.

Quanto a dever-se assegurar a existencia da ordem social, estou de accordo.

Pelo que respeita á questão da rectroactividade, já o sr. ministro da justiça explicou o sentido em que se estabeleceu aqui esse principio: s. exa. mostrou que não quer applicar a retroactividade senão aos ultimos acontecimentos. Mas como é que s. exa. poderá assegurar que outros a não appliquem a factos anteriores a esses? E mesmo sobre os ultimos factos, devia ser só a respeito dos attentados materiaes em si, porque eu tenho, por exemplo, aqui o Correio da noite de hontem, que discorre sobre o anarchismo, e pergunto se esta lei se póde applicar tambem ao respectivo artigo do jornal.

O sr. ministro da justiça diz-me, de certo: — eu não applico — e eu acredito-o; mas vem outro ministro da justiça e diz: — pois eu applico, quem disse que não applicava foi o sr. Antonio d’Azevedo.

Ora, isto é que convem evitar, para se não deixar o arbitrio nas mãos de todos aquelles que porventura possam ter espirito vingativo.

Isto, como aqui está, significa a continuação da dictadura, mesmo com o parlamento aberto.

Portanto, eu, que approvo a repressão, o castigo dos attentados violentos e odiosos, não desejo, ao mesmo tempo, que se possa fazer soffrer quem não deve.

Sr. presidente, a abolição da pena de morte é incontestavelmente uma das paginas mais gloriosas da nossa historia, mas para estes casos eu não teria duvida em a votar.

Eu acredito que o sr. ministro da justiça não dará a al-

Página 124

124 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gumas das disposições da lei a applicação que ellas podem ter, mas o que é facto é que póde vir outro ministro e proceder de modo contrario.

Sr. presidente, pelo artigo 6.° do projecto em discussão, é o governo auctorisado a augmentar o corpo de policia civil.

Para que é preciso o augmento da policia?

Este augmento do corpo de policia é agora proposto em consequencia dos ultimos acontecimentos?

É por isso que se augmenta a policia?

Não é ella sufficiente para vigiar a casa dos cidadãos, quando seja necessario?

Parece que não.

Sabe-se que o sr. juiz Veiga foi avisado tres dias antes da explosão da granada, e o que é facto é que a policia não tomou providencias nenhumas.

Foi por que não tinha alguns guardas de que podesse dispor?

Creio que não, e por isso é grande a sua responsabilidade.

Se a casa do sr. sub-delegado de saude estivesse bem vigiada, de certo que o crime não se teria praticado.

Sr. presidente, muito mais teria a dizer em assumpto tão importante, mas não quero abusar da attenção da camara, e por isso termino, deixando lavrado o meu protesto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Começa per dizer que estando adiantada a sessão, não desejava alongar o debate, mas., por outro lado, não queria que houvesse ambiguidades no entendimento das doutrinas do projecto que se discutia, nem a menor suspeita de que o governo se furtava a dar todos os esclarecimentos pedidos.

Era preciso que se soubesse o que se votava, e por que se votava.

O digno par que acabava de fallar pronunciara-se contra o projecto de lei em discussão, porque no seu entender elle não reprime, nem previne.

S. exa. entendia que n’este complexo de disposições não ha preceito algum novo que estabeleça penalidades para os crimes de anarchia.

O orador reputa erronea esta intelligencia do projecto, mas n’este momento não quer tirar partido das palavras que o digno par pronunciara.

Qual o motivo por que este projecto tem sido impugnado?

Esta lei tem um caracter perfeitamente especial; visa a um fim preciso: qual é a repressão do anarchisnio.

Contém preceitos novos, e differentes dos do direito commum.

Perguntára o digno par qual a penalidade applicavel ao auctor do attentado da rua do Duque de Bragança.

Era a que estava comminada no artigo 15.° da lei de 21 de abril de 1892.

Não tem nada de novo a legislação que se propõe, mesmo n’esta parte? Tem. Tem a fórma do julgamento e, mais ainda; embora se não trate do lançamento eu emprego de explosivos, nem de attentados contra as pessoas, desde que se empreguem meios de propaganda das doutrinas do anarchisnio, provocadores do emprego d’aquellas violencias, essa fórma de julgamento é applicavel.

Isto é que não estava na legislação commum, nem podia estar, porque só tem cabimento n’uma lei especial.

Essa propaganda, que póde levar á pratica de actos attentatorios da vida e propriedade dos cidadãos, faz-se por palavras ou escriptos, com ou sem publicidade; para ella designou o projecto a penalidade applicavel.

Esta penalidade não está, porém, nos tres ou seis mezes de prisão; mas sim naquillo que o digno par combateu.

Não haja illusões; a penalidade está ha sequestração dos individuos que professam as doutrinas do anarchisnio, e em serem depois postos á disposição do governo e mandados para uma provincia ultramarina.

O digno par estranhára que alguns ou todos os cumplices do attentado recente estivessem empregados nas obras do estado, e censurou por isso o governo.

Ora, os attentados d’esta natureza são recentes; e, desde que se deram, o governo não hesitou um momento em trazer á camara a lei reclamada pela conjunctura.

Até ha pouco, porém, a policia só tratava de evitar que e dissesse que a miseria d’estes homens era o pretexto justificativo dos seus actos, era a rasão do crime.

Emquanto não havia o anarchismo revelado em actos externos, emquanto não havia um desvairamento ou mesmo um fanatismo, traduzido em factos, não se podia censurar a policia por que dava trabalho a esses homens, para que se não dissesse que uma vida de desgraças os levava a praticar o crime.

Mas agora, apesar da solicitude, que se lhes dispensava, como desgraçados e não como anarchistas, vieram affirmar as suas doutrinas em attitude contraria á sociedade, contraria á segurança da propriedade e das pessoas; o caminho, pois, a seguir, é o da repressão, e o governo seria então o verdadeiro culpado se não tomasse por elle.

A impressão que o orador sentiu ao ter conhecimento da confissão do crime, feita d’aquella fórma pelo auctor da explosão, foi igual á que lhe deixam todos os attentados anarchistas em que os seus auctores vêem um titulo de gloria, um motivo de vaidade.

A confissão de um crime d’esta ordem não entra como causa attenuante para ser attendida na applicação da pena; é um symptoma da convicção e do fanatismo que os levou á execução do attentado, e que por isso mesmo obriga a sociedade a defender-se com firmeza e serenidade.

O orador não crê que a camara negue ao governo 300 policias; uma questão d’esta ordem não é discutida com estatisticas faceis, desde que surgem factos d’esta ordem, que têem similhantes no estrangeiro, que carecem de repressão mais difficil, de arguição mais rigorosa; o governo entende necessario augmentar o numero de policias para cumprir o seu dever, e certamente ninguem o negará.

A questão está agora muito nitida e clara.

Desde que o anarchismo entre nós deixou de poder considerar-se como um simples desvario mais ou menos apaixonado; desde que se manifestou por factos d’esta natureza, por factos que vieram, a publico, e que os seus auctores apresentam como titulos e padrão de gloria; desde que em Portugual o anarchismo se revestiu de um caracter tão grave, que obriga a uma repressão efficaz, como na Franca, na Hespanha, na Allemanha, o orador vem dizel-o á camara com todo o desassombro e inteira hombridade.

Póde haver duvidas ou hesitações n’isto?

Póde algum dos dignos pares ter escrupulos na sua consciencia para votar este projecto?

Trata-se de uma lei de excepção, trata-se de uma lei unica e exclusivamente destinada a reprimir os crimes anarchistas, destinada a prevenil-os, destinada a punil-os. Não é uma modificação da lei de imprensa, não é uma modificação da lei commum, é uma lei de excepção que representa a defeza da sociedade portugueza.

O orador passou a ler alguns trechos da obra de Jean Grave sobre as intenções do anarchismo com respeito ás instituições que caracterisam a civilisação, para mostrar o que para os anarchistas vale a auctoridade, a religião, a familia, a patria e a propriedade.

Nada havia mais claro.

Perante doutrinas d’aquella natureza, perante meios de acção tão violentos que vão até ao crime, que vão até ás maiores atrocidades, que escrupulo póde haver em votar um projecto em que se reprime a propaganda e se punem os attentados?

Página 125

SESSÃO N.° 13 DE 12 DE FEVEREIRO DE 1896 125

Póde votar-se afoitamente, porque quem não é com a sociedade, é contra a sociedade. A missão do governo é defendel-a; cumpra o orador essa missão, cumpra-a o governo, cumpram-n’a todos sinceramente, com inteiro desassombro e com a mais absoluta convicção de que cumprem o seu dever como homens, e; sobretudo, o sen dever como bons cidadãos.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Thomar: — Pedi a palavra, sr. presidente, para responder ao meu nobre amigo o sr. Sequeira Pinto.

S. exa. começou o seu discurso por me dirigir phrases amaveis, como aliás é seu costume, e que eu muito lhe agradeço, sobre tudo as que diziam respeito á memoria de meu pae.

Não foram para mim uma surpreza as gentis referencias do digno par, estou costumado a ellas, pois de ha muito nos conhecemos, da idade dos sete ou oito annos talvez.

S. exa. muito amavelmente se referiu a umas observações feitas por mim a um codigo estrangeiro.

Ora eu, que não sou jurisconsulto, e que me reconheço incompetente para tratar de assumptos d’esta natureza, devo dizer ao digno par que unicamente alludi á parte do projecto que se refere á imprensa, e disse que a emenda que tinha mandado para a mesa era a copia fiel do que estava na lei franceza, e nunca tive a pretensão de me embrenhar na apreciação dos codigos. Deixo isso para os jurisconsultos.

Ao que s. exa. me não respondeu é se a retroactividade do artigo 5.° abrange todos aquelles que estão nos calabouços do governo civil, mesmo os que não se provar terem attentado contra a propriedade ou individuos, servindo-se de materias explosivas.

Certamente foi esquecimento do illustre relator do projecto, pois estou convencido de que se não fôra isso s. exa. me havia já dado resposta satisfactoria.

Emquanto ás referencias do sr. presidente do conselho, com respeito á policia, permitta-me s. exa. que o diga, foram a confirmação do que eu disse no principie da discussão.

S. exa. tem todas as penalidades estabelecidas pela lei de 1892, para o caso em questão e que s. exa. nos leu.

Ora, é exactamente o que temos estado a discutir e que vem confirmar a minha opinião: que a policia e tribunaes de Lisboa estão armados com os meios necessarios sem que haja necessidade da approvação do projecto e do augmento de policia.

S. exa. citou alguns capitules de um livro que eu não conheço.

Se eu desejasse entrar neste caminho bastava ler a opinião do nosso excellente e pacifico collega, o sr. Antonio de Serpa do trecho de um livro que s. exa. publicou sobre este assumpto e que diz, por exemplo:

«O anarchismo theorico, sympathico emquanto respeitador em absoluto da liberdade humana, tem o capital defeito de julgar immediata e praticamente realisavel o ideal.

«Não é pela violencia nem pela perseguição que a idéa anarchista poderá ser debelada.

«Para combater efficazmente as suas tendencias revolucionarias, e todas as que resultem do antagonismo e do odio das classes, é essencial que o progresso moral acompanhe na sociedade o progresso material e o progresso scientifico. A violencia póde e deve empregar-se contra a violencia e não contra a idéa. = Antonio de Serpa.»

Isto são opiniões de um ou de outro escriptor, o que não quer dizer que o sr. Antonio de Serpa, distincto escriptor, estadista e economista, seja um anarchista pelo facto de ter escripto um livro sobre anarchismo. Pelo projecto em discussão póde ser mettido na cadeia.

Póde alguem dizer onde acaba o socialismo e onde começa o anarchismo?

De certo que não! É pois necessario separar a theoria da pratica, e é exactamente o que se não consegue pelo projecto em discussão.

Terminando, declaro que approvo o projecto em discussão na sua generalidade, mas estimaria muito que o governo inserisse no projecto a sumuladas observações apresentadas pelo digno par sr. Marçal Pacheco, porque isso dava logar a melhor interpretação do projecto e o tornava mais acceitavel.

O sr. Conde de Lagoaça: — Diz que, comquanto a prelecção sobre anarchismo feita pelo sr. presidente do conselho tivesse sido brilhante, s. exa. não respondera á sua pergunta.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro):— Responde que a retroactividade do projecto é só relativa aos recentes attentados anarchistas.

O sr. Presidente: — V. exa. está satisfeito com as explicações dadas pelo sr. presidente do conselho?

(Gesto affirmativo do sr. conde de Lagoaça.)

Está esgotada a inscripção. Vae votar-se o projecto.

O sr. Marçal Pacheco: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem o digno par a palavra.

O sr. Marçal Pacheco: — Sr. presidente, o sr. ministro da justiça, na resposta que fez o favor de dar ás minhas considerações, e em deferimento1 á minha solicitação, fez algumas declarações que, se bem as entendi, foram as seguintes: primeira, que os intuitos d’este projecto não eram nem incriminar, nem punir os direitos imprescriptiveis do pensamento humano, uma vez que não exista exteriorisação criminosa; segunda, que a incriminação estabelecida no artigo 4.°, a respeito da imprensa, não abrange senão a narrativa dos attentados anarchistas ou a dos debates judiciaes sobre este assumpto; terceira, que a retroactividade estabelecida no artigo 5.°, não vae alem dos actos e factos recentes, e que não comprehende nem abrange a imprensa.

Em vista d’estas honradas declarações do sr. ministro da justiça, corroboradas pelas do sr. presidente do conselho, declarações que devem considerar-se como a interpretação authentica de algumas disposições do projecto em discussão, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se ella permitte que retire a moção que mandei para a mesa.

(O orador não reviu estas notas.)

O sr. Presidente: — Os dignos pares que consentem que o sr. Marçal Pacheco retire a sua proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Estão sobre a mesa tres propostas do sr. conde de Thomar, sendo uma dellas de adiamento ao projecto.

Tem a palavra o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: —Se o sr. ministro da justiça acceita e confirma a doutrina exposta nos tres pontos que foram lidos pelo digno par o sr. Marçal Pacheco e faz as declarações n’este sentido, eu não tenho duvida de retirar as minhas propostas.

O sr. Presidente: — V. exa. tem uma proposta de adiamento, mas tambem estão sobre a mesa mais duas moções de s. exa., uma de emenda, e outra de additamento. Pergunto, s. exa. pede para retirar as tres ou só a do adiamento?

O sr. Conde de Thomar: — Pedirei licença para retirar as tres propostas se o sr. ministro da justiça declarar que acceita a doutrina das declarações feitas pelo digno par o sr. Marçal Pacheco.

O sr. Ministro da Justiça (Azevedo Castello Branco):— Pedi a palavra para declarar que confirmo completamente as declarações feitas ha pouco em resposta ás observações que foram, produzidas pelo digno par o sr. Marçal Pacheco.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que consentem

Página 126

126 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que o sr. conde de Thomar retire as suas tres propostas, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o projecto para em seguida se votar na sua generalidade, e especialidade.

Leu-se na mesa e foi seguidamente approvado tanto na sua generalidade como na sua especialidade.

Foi lido na mesa um officio do ministerio da fazenda acompanhando copia authentica do officio de 8 de fevereiro do corrente, do director geral da thesouraria do mesmo ministerio.

Foi mandado entregar ao digno par Marçal de Azevedo Pacheco.

O sr. Presidente: — A deputação que ha de apresentar a Sua Magestade as resoluções tomadas pela camara sobre o projecto do bill de indemnidade, e o que acaba de ser approvado, é composta dos dignos pares os srs.:

Conde de Carnide.
Conde de Magalhães.
Bispo de Bragança.
Moraes Carvalho.
José Maria dos Santos.
Arthur Hintze Ribeiro.
Conde de Restello.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Participo a v. exa. e á camara que Sua Magestade receberá ámanhã ás duas horas da tarde a deputação que acaba de ser nomeada por v. exa.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que estão presentes ficam inteirados do dia e hora a que Sua Magestade se digna recebel-os, e os que não estão serão avisados ainda esta noite em suas casas.

A proxima sessão será na sexta-feira, 21 do corrente, e a ordem do dia apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e quarenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 12 de fevereiro de 1893

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Cardeal Patriarcha de Lisboa; Marquezes, das Minas, de Penafiel; Arcebispo de Evora; Arcebispo-Bispo do Algarve; Bispo Conde de Coimbra; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Carnide, de Gouveia, de Lagoaça, de Macedo, de Magalhães, do Restello, de Thomar; Bispos, de Beja, de Bragança, de Vizeu; Viscondes, de Athouguia, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Sá Brandão, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Vellez Caldeira, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Ernesto Hintze Ribeiro, Costa e Silva, Margiochi, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim, Mar cal Pacheco, Thomás Ribeiro.

O redactor = Alves Pereira.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×