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N.º 14

SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1891

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - Toma assento na camara o digno par o sr. Gomes da Palma.

Ordem do dia. - Falla sobre o tratado o digno par o sr. Camara Leme para justificar a sua moção. - Manda para a mesa uma moção, e justifica-a, o digno par o sr. conde da Arriaga. - São lidas é admittidas as duas moções antecedentes. - Na qualidade de membro da commissão, falla o digno par o sr. Costa Lobo. - Usa largamente, da palavra, sobre o tratado, o digno par o sr. Hintze Ribeiro. - É encerrada a sessão.

(Estava presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, entrando durante a sessão os srs. presidente do conselho, ministros do reino e da marinha.)

Ás duas horas e um quarto da tarde, achando-se presentes 39 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do ministerio dos negocios estrangeiros, communicando que, sendo de natureza reservada os documentos pedidos pelo sr. visconde de Moreira de Rey, não podiam ser enviados á camara.

O sr. Presidente: - Consta-me que se acha nos corredores da camara o sr. Hermenegildo Gomes da Palma.

Convido os dignos pares os srs. Hintze Ribeiro e Bivar a introduzirem na sala s. exa.

Em seguida foi introduzido na sala, prestou juramento e tornou assento.

ORDEM DO DIA

Parecer n.° 102, relativo ás bases do tratado entre Portugal e a Inglaterra

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia.

Vae ler-se o projecto de lei n.° 102.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 102

Senhores. - As vossas commissões reunidas de negocios estrangeiros, fazenda e ultramar examinaram cuidadosamente, como lhes cumpria, o projecto de lei n.° 50, vindo da camara dos senhores deputados, que auctorisa o governo a assignar e ratificar um tratado entre Portugal e a Inglaterra, em conformidade com as bases firmadas em Londres a 28 de maio de 1891.

São estas bases o resultado de prolongadas e difficeis negociações, cuja historia se encontra largamente documentada no Livro branco, que vos foi presente; exprimem ellas não o completo triumpho de uma causa justa, mas apenas uma transacção decorosa em que se procurou pôr termo a um grave conflicto já assignalado por dolorosos successos, e cuja prolongação poderia ser origem de ainda maiores desastres. Ao cabo de porfiada lucta tivemos, na verdade, de sacrificar aos interesses da Gran-Bretanha alguns territorios a que Portugal julga ter legitimo direito, e de consentir tambem em beneficio d'aquella potencia n'algumas restricções ao exercicio da nossa soberania. Alcançámos, porém, para compensação d'estes sacrificios, a delimitação definitiva dos territorios que nos ficam pertencendo e onde poderemos exercer d'aqui em diante, desassombradamente, a nossa influencia civilisadora, sem receio de que nol-os venha disputar a cobiça alheia.

Como natural corollario d'esta sincera apreciação, são as vossas commissões de parecer que devereis conceder ao governo a auctorisação que solicita, e esperam que o exame dos documentos que vos foram presentes, e o exacto conhecimento não só da situação do nosso paiz, como das condições a que actualmente obedece a politica internacional, vos aconselharão a emittir um voto favoravel a este seu parecer.

Para o tratado definitivo serão fielmente trasladadas as bases sujeitas á vossa approvação. Esta circumstancia justifica a auctorisação que o projecto de lei confere ao governo não só para firmar, mas tambem para ratificar o tratado sem dependencia de ulterior sancção parlamentar.

Sem se alongarem em outras considerações, entendem as vossas commissões que a justa comprehensão dos mais elevados interesses do estado recommendam á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a assignar e ratificar um tratado entre Portugal e a Inglaterra, em conformidade com as bases firmadas em Londres a 28 de maio de 1891.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões das commissões, em 8 de junho de 1891. = A. de Serpa Pimentel = J. Baptista da S. Ferrão de Carvalho Mártens = Conde de Carnide = Augusto Cesar Cau da Costa = Conde da Arriaga = Conde de S. Januario = Henrique de Barros Gomes = Conde de Castro = Francisco J. da Costa e Silva = Conde da Azarujinha = José Antonio Gomes Lages = José de Mello Gouveia = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Conde de Ficalho = Conde de Gouveia = Conde de Macedo = Agostinho de Ornellas = Luiz de Lencastre = A. Costa Lobo (com a declaração que julgo o tratado uma calamidade inevitavel, proveniente do criterio seguido em toda esta questão) = Eduardo M. Barreiros = Visconde de Condeixa = Antonio José Teixeira = José Vicente Barbosa du Bocage = Tem voto do digno par: José Luciano de Castro.

Projecto de lei n.° 50

Artigo 1.° Fica o governo auctorisado a assignar e ratificar um tratado entre Portugal e a Inglaterra1, em conformidade com as bases firmadas em Londres a 28 de maio de 1891.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 6 de junho de 1891. = Antonio de Azevedo Castello Branco, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Bases do convenio relativo á Africa oriental ajustadas em Londres a 28 de maio de 1891

Os abaixos assignados, em nome dos seus respectivos governos, accordaram no seguinte:

ARTIGO I

A Gran-Bretanha concorda era reconhecer como comprehendidos no dominio de Portugal na Africa oriental, os territorios limitados:

1.° Ao norte por uma linha que, subindo o curso do rio Rovuma, desde a sua foz até ao ponto de confluencia do rio M'Sinje, d'ahi segue na direcção de oeste o parallelo de latitude do ponto de confluencia d'estes dois rios até á margem do lago Nyassa;

2.° A oeste por uma linha que, partindo do citado limite sobre o lago Nyassa, segue a margem oriental d'este lago na sua direcção sul até ao parallelo 13°, 30 de latitude sul; corre d'ahi na direcção sueste até á margem oriental do lago Chiuta, a qual acompanha até ao seu extremo. Segue d'ahi em linha recta até á margem oriental do lago Chilwa ou Chirua, pela qual continua até ao seu extremo limite a sul e oriente; d'ahi por uma recta até ao affluente mais oriental do rio Ruo, correndo com este affluente e seguindo subsequentemente pela linha media do leito do Ruo até á confluencia d'este com o rio Chire.

Da confluencia do Ruo e do Chire, a fronteira seguirá a linha central do leito do ultimo d'estes rios, até a um ponto logo abaixo de Chiuanga. D'ahi correrá exactamente para oeste até encontrar a linha divisoria das aguas entre, o Zambeze e o Chire, e seguirá essa linha entre estes rios e depois entre o primeiro rio e o lago Nyassa até encontrar o parallelo 14° de latitude sul. D'ahi correrá na direcção de sudoeste até ao ponto em que o parallelo de 15° de latitude sul encontra o rio Aroangoa, e seguirá a linha media d'este rio até á sua juncção com o Zambeze.

ARTIGO II

Ao sul do Zambeze os territorios comprehendidos na esphera de influencia portugueza são limitados por uma linha que, partindo de um ponto fronteiro á embocadura do rio Aroangoa ou Loangoa, vae na direcção sul até ao parallelo 16° latitude, segue este parallelo até á sua intersecção com o 31° de longitude leste Greenwich, corre para leste direito ao ponto onde o 33° de longitude leste de Greenwich corta o rio Mazoe e segue esse 33° para o sul até á sua intersecção pelo parallelo 18°,30 de latitude, sul; d'ahi acompanha a costa da vertente oriental do planalto de Manica na sua direcção sul até á linha media do leito principal do Save, seguindo por elle até á sua confluencia com o Lunde, de onde corta direito ao extremo nordeste da fronteira da Republica Sul Africana, continuando pelas fronteiras orientaes d'esta Republica e da Swazilandia até ao rio Maputo.

Fica entendido que ao traçar a fronteira ao longo da crista do planalto nenhum territorio a oeste do meridiano de 32°, 30 de longitude leste de Greenwich, será comprehendido na esphera portugueza, e que nenhum territorio a leste do meridiano de 33° de longitude leste de Greenwich ficará comprehendido na esphera britannica. Esta linha soffrerá comtudo, sendo necessario, a inflexão bastante para que Mutassa fique na esphera britannica e Macequece na esphera portugueza.

ARTIGO III

A Gran-Bretanha obriga-se a não pôr obstaculos á extensão da esphera de influencia portugueza ao sul de Lourenço Marques até uma linha que, partindo da confluencia do rio Pongolo com o rio Maputo, segue o parallelo d'este ponto até á costa maritima.

ARTIGO IV

Fica estabelecido que a linha divisoria occidental, separando a esphera ingleza da esphera de influencia portugueza na Africa central, subirá o centro do leito do Zambeze superior, partindo das calaractas de Katima até ao ponto em que entra no territorio do reino de Barotse.

Este territorio permanecerá incluido na esphera britannica, e os seus limites occidentaes, que constituirão a linha divisoria entre as espheras de influencia ingleza e portugueza, serão traçados por uma commissão mixta anglo-portugueza, que terá a faculdade, em caso de discordancia de pareceres, de nomear um arbitro de desempate.

Fica entendido, por ambas as partes, que as disposições d'este artigo não poderão ferir os direitos existentes de qualquer outro estado. Sob esta reserva a Gran-Bretanha não se opporá á extensão da administração de Portugal até aos limites do Barotse.

ARTIGO V

Portugal concorda em reconhecer, como comprehendidos na esphera de influencia britannica ao norte do Zambeze, os territorios que da linha traçada pela commissão mixta a que se refere o artigo antecedente, vão até ao lago Nyassa, incluindo as ilhas d'aquelle lago ao sul do parallelo 11°,30 latitude sul e até aos territorios reservados a Portugal pela linha descripta no artigo I.

ARTIGO VI

Portugal concorda em reconhecer, como comprehendidos na esphera de influencia britannica ao sul do Zambeze, os territorios limitados a leste e nordeste pela linha descripta no artigo II.

ARTIGO VII

Todas as linhas de demarcação traçadas nos artigos I a VI serão, por accordo entre as duas potencias, rectificaveis em harmonia com as necessidades locaes.

As duas potencias accordam em que no caso de uma d'ellas desejar alienar quaesquer territorios, ao sul do Zambeze, incluidos na sua esphera de influencia pelos presentes artigos, será reconhecido á outra o direito de preferencia a esses territorios ou a qualquer parte d'elles, sob condições identicas ás condições que tiverem sido propostas.

ARTIGO VIII

Cada uma das potencias obriga-se a não intervir na esphera de influencia que respectivamente for determinada á outra pelos artigos I a VI. Nenhuma das potencias fará acquisições, celebrará tratados, acceitará direitos soberanos, ou protectorados na esphera da outra. Fica entendido que nem companhias, nem particulares dependentes de uma das potencias poderão exercer direitos soberanos na esphera reconhecida á outra, a não ser que para isso tenham o consentimento d'esta.

ARTIGO IX

As concessões commerciaes ou mineiras e os direitos de propriedade, de companhias ou individuos dependentes de uma das duas potencias, serão reconhecidos na esphera da outra potencia quando devidamente se prove a sua validade. Para decidir da validade das concessões mineiras feitas pela auctoridade legitima, n'uma area de 30 milhas para um ou outro lado da fronteira ao sul do Zambeze, será nomeado de commum accordo um tribunal arbitral.

Fica entendido que taes concessões serão exploradas em harmonia com as leis e os regulamentos locaes.

ARTIGO X

Em todos os territorios da Africa oriental o central pertencentes ás duas potencias, ou sob a influencia d'ellas, gosarão os missionarios de uma e outra nação de plena protecção. Fica garantida a tolerancia religiosa e a liberdade de todos os cultos e ensino religioso.

ARTIGO XI

Ao transito de mercadorias pelos territorios portuguezes situados entre a costa oriental e a esphera britannica não

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serão impostos, por um praso de vinte e cinco annos, contados da ratificação d'esta convenção, direitos que excedam 3 por cento, quer na importação, quer na exportação. Estes direitos em caso algum terão caracter differencial, e não excederão os direitos aduaneiros estabelecidos sobre as mesmas mercadorias nos referidos territorios.

O governo de Sua Magestade Britannica terá a opção dentro do praso de cinco annos, contados da data da assignatura d'este accordo, para pedir a liberdade do transito para o resto do praso de vinte e cinco annos, mediante o pagamento de uma somma que corresponda á capitalisação dos direitos durante esse praso, calculados na rasão de 30:000 libras esterlinas por anno.

A moeda e os metaes preciosos de qualquer especie serão importados e exportados para dentro e para fóra da esphera britannica sem pagamento de direitos de transito.

Fica entendido que haverá liberdade para os subditos e mercadorias de ambas as potencias atravessarem tanto o Zambeze como os districtos marginaes do lado esquerdo do rio, e situados acima da confluencia do Chire, e ainda os districtos marginaes do lado direito do Zambeze, situados acima da confluencia do rio Luenha (Ruenga), sem que a essa passagem seja posto qualquer obstaculo, e sem pagamento de direitos do transito.

Fica outrosim entendido que, nos districtos acima mencionados, cada uma das potencias terá, tanto quanto for rasoavelmente necessario para o estabelecimento das communicações entre territorios que estão sob a sua influencia, o direito de construir estradas, caminhos de ferro, pontes e linhas telegraphicas através dos districtos pertencentes á outra potencia. As duas potencias gosarão n'estas zonas da faculdade de adquirir em condições rascaveis o terreno necessario para taes fins, sendo-lhes tambem concedidas as demais facilidades indispensaveis. Portugal terá iguaes direitos nos territorios britannicos das margens do Chire e nos territorios britannicos comprehendidos entre o territorio portuguez e as margens do lago Nyassa. Qualquer caminho de ferro, construido por uma potencia no territorio da outra, ficará sujeito ás leis e regulamentos locaes, estabelecidos por accordo entre os dois governos, e, no caso de divergencia de opinião, submettidos á arbitragem, conforme fica abaixo indicado.

Facilitar-se-ha igualmente, entre os dois limites acima mencionados, a construcção sobre os rios de caes e desembarcadouros com destino ao commercio ou navegação.

As divergencias de parecer entre os dois governos sobre a execução das suas obrigações respectivas, provenientes das disposições do paragrapho antecedente, serão submettidas á arbitragem de dois peritos escolhidos respectivamente por cada uma das potencias, que nomearão um arbitro de desempate, cuja decisão, no caso de divergencia dos dois arbitros, será sem appellação. Se os dois peritos não concordarem sobre a escolha do arbitro de desempate, será este nomeado por uma potencia neutra, e designada pelos dois governos.

Todos os materiaes para a construcção de estradas, vias ferreas, pontes e linhas telegraphicas terão entrada livre de direitos.

ARTIGO XII

A navegação do Zambeze e do Chire, incluindo todas as suas ramificações e embocaduras, será completamente livre para navios de todas as nacionalidades. O governo portuguez concorda em permittir e facilitar o transito de pessoas e de mercadorias de toda a especie, pelas vias fluviaes do Zambeze, do Chire, do Fungue, do Busio, do Limpopo, do Save, e dos tributarios d'estes, bem como pelos caminhos terrestres que sirvam de meios de communicação onde os rios não forem navegaveis,

ARTIGO XIII

Os navios mercantes das duas potencias terão no Zambeze e, nas suas ramificações e embocaduras, quer em carga, quer em lastro, igual liberdade de navegação para o transporte de mercadorias ou passageiros. No exercicio d'esta navegação os subditos e as bandeiras de uma e outra potencia gosarão em todas as occasiões de uma completa igualdade, não só no que disser respeito á navegação directa do mar alto para os portos interiores do Zambeze e vice-versa, como á navegação de grande e pequena cabotagem, e ao commercio effectuado em botes em todo o curso do rio. Não haverá por consequencia em todo o curso do Zambeze, ou nas suas embocaduras, direitos differenciaes para os subditos de uma ou outra potencia; e nenhum, privilegio exclusivo de navegação será por uma ou outra concedido a quaesquer companhias, corporações ou particulares.

A navegação do Zambeze não será sujeita a restricção ou obrigação fundada exclusivamente no facto da navegação. Não lhe será imposta obrigação alguma em quanto a logares de desembarque, ou a deposito de mercadorias, nem por descarga parcial ou arribada forçada em qualquer porto. Em toda a extensão do Zambeze os navios e mercadorias em transito no rio serão isentos de quaesquer direitos de transito, qualquer que seja a sua proveniencia ou destino. Não será lançado imposto algum maritimo ou fluvial baseado no facto unico da navegação, nem serão collectadas as mercadorias a bordo dos navios. Serão unicamente percebidos os impostos ou direitos que signifiquem uma retribuição por serviços prestados á propria navegação. A tarifa d'estes impostos ou direitos não estabelecerá tratamento algum differencial.

Os affluentes do Zambeze ficam a todos os respeitos sujeitos ás disposições que regem o rio de que são tributarios.

As estradas, os caminhos, as vias ferreas e os canaes, lateraes construidos com o fim especial de corrigir as imperfeições da via fluvial em certas secções do curso do Zambeze, seus affluentes, ramificações e embocaduras, serão, na sua qualidade de meios de communicação, considerados dependencias do rio, e como taes igualmente abertos ao commercio das duas potencias. E, conforme succede para, com o rio, serão percebidas n'estas estradas, vias ferreas e canaes apenas as taxas correspondentes ao custo da construcção, custeio e exploração, e proventos devidos aos iniciadores.

Relativamente ás tarifas d'estas taxas, tanto os estrangeiros como os indigenas dos territorios respectivos, serão tratados com completa igualdade.

Portugal obriga-se a estender os principios de livre navegação enunciados n'este artigo a todas as aguas do Zambeze e de seus affluentes, ramificações e embocaduras, que estão ou virem a estar sob a sua soberania, protecção ou influencia. Os regulamentos que Portugal estabelecer para a segurança e fiscalisação da navegação serão elaborados de modo a facilitar quanto possivel a circulação de navios, mercantes.

A Gran-Bretanha acceita, sob as mesmas reservas, e era termos identicos, as obrigações impostas nos artigos antecedentes e extensivas a todas as aguas do Zambeze e de seus affluentes, ramificações e embocaduras, que estão ou vierem a estar sob a sua soberania, protecção ou influencia.

Todas as questões á que derem motivo as disposições d'este artigo serão sujeitas a uma commissão mixta, e, em caso de desaccordo, á arbitragem.

Qualquer outro systema de administração e de fiscalisação do Zambeze poderá, por consenso commum das potencias fluviaes, substituir as disposições acima expostas.

ARTIGO XIV

No interesse de uma e outra potencia, Portugal concorda em permittir a completa liberdade de passagem entre a esphera de influencia britannica e a bahia de Pungue, para mercadorias de toda a especie, e em proporcionar as

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indispensaveis facilidades para melhorar os meios de communicação.

O governo portuguez concorda em construir um caminho de ferro entre o Fungue e a esphera britannica. O estudo d'esta linha estará terminado dentro de seis mezes, e es dois governos combinarão o periodo dentro do qual o caminho de ferro será começado e concluido. Se não se chegar a accordo, os dois governos escolherão uma potencia neutra, que designará uma companhia, como sendo, na sua opinião, competente para a immediata execução dos trabalhos, e com a qual o governo portuguez contratará a construcção do caminho de ferro. A dita companhia terá todas as faculdades necessarias para acquisição de terrenos, côrte de madeiras e livre importação e fornecimento de materiaes e de braços.

O governo portuguez construirá directamente ou contratará a construcção de uma estrada a partir do extremo ponto navegavel do Fungue ou de outro rio que possa reconhecer-se como mais aproveitavel para o commercio, até á esphera britannica; e construirá ou contratará a construcção na bania de Fungue n'esse rio dos necessarios desembarcadouros.

Fica entendido que não serão impostos nas mercadorias em transito pelo rio, pela estrada ou pelo caminho de ferro, direitos alguns excedentes ao maximum de 3 por cento conforme as condições estipuladas no artigo XI.

ARTIGO XV

A Gran-Bretanha e Portugal obrigam-se a facilitar as communicações telegraphicas nas suas espheras respectivas.

As estipulações contidas no artigo XIV, relativas á construcção da via ferrea da bahia do Fungue para o interior, serão em tudo applicaveis á construcção de uma linha telegraphica ligando a costa e a esphera-britannica ao sul do Zambeze. As questões sobre os pontos de partida e de terminação da linha, ou sobre quaesquer outros pormenores, não sendo resolvidas por commum accordo, serão submettidas á arbitragem de peritos sob as condições prescriptas no artigo XI.

Portugal concorda em manter o serviço telegraphico entre a costa e o rio Ruo, e o serviço por esta linha para os subditos das duas potencias não terá qualquer tratamento differencial.

A Gran-Bretanha e Portugal accordam em proporcionar todas as facilidades para a ligação das linhas telegraphicas construidas nas suas espheras respectivas.

Os pormenores relativos a esta ligação, como tambem á fixação das tarifas combinadas e mais encargos serão, na falta de accordo, submettidos á arbitragem de peritos sob as condições já prescriptas no artigo XI.

Fica entendido que um tratado definitivo, nos termos acima referidos, será celebrado com a menor demora possivel.

(Rubrica.) L. S.

(Rubrica) S.

Accordou se em que, na data da assignatura da convenção:

I. O governo portuguez dirigirá ao governo de Sua Magestade Britannica uma nota declarando que está prompto para aforar por noventa e nove annos, no Chinde, embocadura do Zambeze, ás pessoas designadas pelo governo britannico, terrenos destinados ao desembarque, armazenagem e trasbordo de mercadorias, e que serão usufruidos nos termos de regulamentos especiaes. As condições de situação e preço, bem como os regulamentos serão combinados por tres commissarios, nomeados um por cada uma das potencias e o terceiro por uma potencia neutra escolhida por ellas. Em caso de divergencia de opiniões entre os commissarios, a decisão da maioria será definitiva. O governo de Sua Magestade Britannica dirigirá igualmente uma nota ao governo portuguez, declarando-se prompto para aforar a pessoas designadas pelo governo portuguez, terrenos em identicas condições e para fins identicos n'um ponto da margem sudoeste do lago Nyassa, que, por accordo entre os dois governos, for considerado como adequado para tal fim.

II. Trocar-se-hão, entre o governo portuguez e o de Sua Magestade Britannica, notas relativas ás tarifas do caminho de ferro identicas ás que se trocaram em 20 de agosto ultimo.

III. Trocar-se-hão, entre os dois governos, notas concordando em que a importação de bebidas alcoolicas nas duas margens do Zambeze e do Chire, e por estes rios, quer na esphera de influencia ingleza quer na portugueza, será prohibida, e que as auctoridades dos dois estados accordarão nos regulamentos necessarios para impedir ou punir as infracções a este artigo.

(Rubrica) L. S.

(Rubrica) S.

Palacio das côrtes, em 6 de junho de 1891. = Antonio de Azevedo Castello Branco, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

Varios dignos pares pedem a palavra.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a inscripção, para ver se falta algum digno par que tivesse pedido a palavra.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Camara Leme.

O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, eu tinha tenção de entrar largamente n'este debate, mas vendo que a camara está com pressa de votar este projecto, vendo muitos dignos pares inscriptos sobre este importante assumpto, hei de resumir o mais que poder as minhas considerações, pedindo á camara que me releve de tomar por algum tempo a sua attenção.

Começo por declarar a v. exa. e á camara, que não duvido das puras intenções e do patriotismo dos ministros que dirigiram esta malfadada questão, segundo o meu entender, com uma grande infelicidade.

Isto não é censurar ninguem é apenas uma apreciação.

Sr. presidente, eu li o parecer da illustre e grande commissão e estranhei que n'elle estejam assignados todos os dignos pares que a compõem, sem discrepancia, á excepção do meu illustre amigo o sr. Costa Lobo.

Vejam v. exas. que transformações houve depois do tratado de 20 de agosto. Pasmoso!

Comparem v. exas. a sessão da camara dos senhores deputados de 15 de setembro, com a sessão da mesma camara, de sabbado ultimo. Estão todos concordes e congratulados. Folgo com isso, comquanto me recorde ainda das diatribes e dos artigos acres que appareceram em todos os jornaes a esto respeito; a camara deve tambem lembrar-se d'isso.

Ainda me lembro d'aquelle celebre supplemento da Gazeta de Portugal e dos artigos violentos do Dia e das Novidades, logo que foi publicado o tratado de 20 de agosto de 1890.

Sr. presidente, ácerca d'este tratado tenho muitos escrupulos constitucionaes.

Supponho que em face da carta constitucional e do respectivo acto addicional, nós não podemos estar a tratar aqui das bases do tratado, mas sim do tratado propriamente dito, e basta ler o artigo 110.° da mesma carta para se conhecer esta illegalidade.

Mais um rasgão no codigo fundamental da nação feito pelas garras do leopardo bertão! Que humilhação!

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Sr. presidente, este tratado, que mudando de sexo exprime o que é, comparado com o de 20 de agosto, n'uma parte é peior, n'outra melhor. Na questão da fórma, parece-me menos odioso, do que o outro, mas na questão territorial, isto é, nos terrenos que nos foram arrebatados pela Inglaterra, o tratado é peior.

Comparando tambem os Livros brancos, acho uma differença notavel na redacção das notas diplomaticas.

E por esta occasião, não posso deixar de louvar o meu illustre amigo o sr. Bocage pelo bom senso e energia com que dirigiu este difficil e delicado pleito.

O sr. presidente do conselho, que sinto não ver presente, disse no seu ministerio n.° 1 quando apresentou o seu programma no parlamento.

«... Esses assumptos especiaes são a questão de fazenda e o infeliz desaccordo com a Inglaterra, motivado peia concorrencia dos seus interesses com os nossos direitos na Africa oriental. Acerca d'este desaccordo, o governo, identificado com o sentimento nacional, não póde recommendar á sancção do parlamento o tratado de 20 de agosto, embora não pretenda estorvar a execução da sua clausula que já o sujeitou a essa sancção. Acceitaria de bom grado modificações na mencionado tratado que, resalvando a dignidade e os interessas da nação, facilitassem o restabelecimento da mais completa harmonia entre Portugal e a sua antiga alliada; mas ainda não sabe se terá de se julgar inhibido de promover taes modificações pelos factos que se diz terem occorrido recentemente á entrada do Zambeze e que, se não fossem explicados satisfatoriamente difficultariam ainda mais o accordo equitativo que o governo portuguez sempre tem desejado sinceramente.»

Ora, sr. presidente, fallando com toda a sinceridade, no meu espirito não entra a consolação de que a dignidade do paiz fica agora resalvada, nem me parecem harmonicas as opiniões do s. exa. com as clausulas d'este tratado.

Permitta-me a camara que eu compare esta convenção diplomatica a uma partida de jogo em que a intelligencia prepondere, verbi gratia: o xadrez, o whist ou o Kriegs Spiel (o jogo dá guerra). Quando uma partida de xadrez é mal começada o seu desenlace é fatalmente desastroso, se o adversario é habil.

É em taes casos sempre verdadeiro o proloquio, tantas vezes mal applicado «post hoc, ergo propter hoc.»

A partida diplomatica fôra mal começada; o ultimatum de 11 de janeiro representa o momento critico, ou a occasião estrategica de que falla Williaumé no seu primoroso livro - l'esprit de la guerre - em que a partida ficou irremediavelmente perdida.

Já antes d'isso a conferencia officiosa com o sr. Johnson e muitos outros actos tinham representado outros tantos erros na abertura da famosa partida diplomatica.

O resultado, pois, estava previsto, não obstante os louvaveis esforços do sr. Bocage.

Hoje a ninguem é licito defender-se ante o paiz com ardilosas comparações, porque quem foi a causa da causa foi sempre a causa do effeito « Qui fuit causoe causa, fuit causa causati».

O criterio geral seguido pelo ministerio portuguez dos negocios estrangeiros, n'esta partida jogada clandestinamente, foi desde o principio outro erro desgraçado.

Foi fatal imprimir na contenda um caracter rigorosamente hermetico. As nações que recorrem em ultima instancia para a força dos seus exercitos, podem adoptar uma politica mysteriosa. Mas as nações pequenas em conflicto com as grandes (e pouco escrupulosas como é a Inglaterra com os fracos) devem a tempo fazer propaganda efficaz em favor dos seus incontestaveis direitos nos jornaes mais lidos e conceituados do mundo, quando os seus não são lidos lá fôra. É inegavel que a opinião publica é uma grande força que os estadistas não devem desprezar.

Não devia Portugal, em circumstancia tão anormal e extraordinaria, dar publicidade ás negociações?

Não o fez e por isso perdeu desastrosamente a partida, compromettendo a dignidade do paiz.

Faço inteira justiça aos illustres ministros que estão sentados actualmente nas cadeiras do poder; s. exas., á excepção de tres, não crearam esta situação dolorosa, acharam-n'a já creada.

Isto não é censura, unicamente o desejo de dizer á camara que não me parecem em harmonia a opinião do governo com as clausulas do contrato.

O sr. presidente do conselho referiu-se n'essa occasião a umas canhoneiras inglezas que entraram violentamente no Zambeze, e disse que o governo não trataria com a Inglaterra emquanto não lhe fosse dada a devida satisfação. Onde está ella?

Não vejo no Livro branco, a esse respeito, uma unica palavra, e não sei mesmo se o sr. ministro dos negocios estrangeiros terá alguns documentos na secretaria, relativos ao assumpto, os quaes, no caso affirmativo, estimaria bem que se tivessem publicado.

Sr. presidente, veja v. exa. o que são as eventualidades politicas. As estrondosas pateadas transformaram-se em placida discussão.

Os grandes partidos estão calados e congratulados!

Desculpe me v. exa. e a camara, e desculpem-me esses partidos esta apreciação. Isto é o receio de que quando ralham as comadres se descubram as verdades.

Como os grandes partidos têem graves responsabilidades sobre este assumpto, receiam entrar n'esta discussão.

Eu tambem não entrarei n'ella senão muito superficialmente.

Sr. presidente, commetteram-se muitos erros; não duvido das boas intenções dos srs. ministros que trataram d'este negocio, mas quer v. exa. e a camara que eu lhe diga, na minha opinião, qual foi a causa principal que nos collocou n'esta dolorosissima situação?

Foram os syndicatos; elles é que nos collocaram n'esta deploravel situação.

São as incompatibilidades politicas, cujo projecto de lei tem sido constantemente sophismado pelo syndicato d'esta camara! Facto altamente lamentavel.

Vou proval-o.

Nós somos victimas dos syndicatos não só nacionaes mas estrangeiros, em que figura o duque de Fife, genro da Rainha de Inglaterra e a companhia South African, aventureiros do Cabo da Boa Esperança, que de certo não perdem a esperança de continuarem a espoliar nos na Africa oriental.

Os nossos homens politicos, em logar do se consagrarem com todo o interesse a regenerar as nossas possessões da Africa, metteram-se nas companhias como directores!

Veja v. exa., sr. presidente, se é possivel conciliar os interesses do estado com os das companhias particulares, ser juiz em causa propria.

V. exa. e a camara devem recordar-se dos tristes e deploraveis artigos que appareceram na imprensa contra alguns caracteres dos mais honrados d'esta terra.

Tenho aqui um artigo pouco edificante, que não leio á camara porque não desejo avivar antigas magoas ao meu particular amigo o sr. Antonio de Serpa Pimentel, de cuja honradez ninguem póde duvidar.

Sr. presidente, este artigo foi escripto por um dos grandes talentos d'este paiz, por um dos primeiros jornalistas que hoje está sentado ao lado do sr. Franco Castello Branco e do sr. Lopo Vaz, tinha por titulo o Resto, e foi publicado no Diario popular de 22 de maio de 1889.

Veja v. exa. as transformações que tem tido a nossa politica depois que o sr. Marianno de Carvalho foi á Africa purificar-se nas aguas lustraes do Zambeze, do Arnemgua e do Pungue, como um novo Jordão, dos seus erros ou delictos á beira do Tejo.

Que fructos resultarão d'este consorcio incestuoso? Ainda me parece ouvir o echo da voz eloquente do sr. ministro

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das obras publicas fulminando o seu collega da fazenda na triste questão da outra metade.

Altri tempi, altri pensieri.

Sr. presidente, o caminho de ferro de Lourenço Marques foi uma fatalidade, o governo que devia dar a concessão d'este caminho de ferro a uma companhia portugueza, ou mandal-o construir á sua custa, foi entregal-o a uma companhia estrangeira com clausulas onerosas para o paiz (vide contrato celebrado em 14 de dezembro de 1883). A concessão das tarifas foi uma fatalidade, não houve concessões que elles pedissem, que não lhe satisfizessem; e hoje estamos nas circumstancias de pagar uma grande indemnisação para ficarmos com aquelle caminho de ferro.

Eu podia ler aqui uma portaria de 3 de março de 1889 annullando um decreto que já estava assignado e referendado pelos srs. ministros. Uma portaria annullando um decreto e isto tudo por causa das influencias politicas! As tarifas do caminho de ferro ficavam a cargo do concessionario.

Sr. presidente, estes negocios prendem-se uns com os outros; está presente quem sabe isto tudo, prendem-se exactamente com o tratado que discutimos, prendem-se com o tratado de 1870 da minha iniciativa como ministro da marinha, celebrado com os Boers em 1870. D'aqui é que nasce tudo.

Em 1846 o paiz estava nas vesperas de uma convulsão politica. Era presidente do conselho o illustre duque de Palmella e ministro dos negocios estrangeiros o conde de Lavradio. A Inglaterra fazia grande opposição ao tratado com os Boers, o governo quiz resistir, e eram homens de boa tempera, mas como sobre o paiz estava imminente a guerra civil, o governo teve de ceder e o tratado não se effectuou.

Já em 1852 os Boers pediam que fizessemos um tratado com elles, mas a incuria foi tal que apesar das consultas repetidas do conselho ultramarino todos os governos que se seguiram não fizeram caso do pedido do governo da republica do Transvaal, que era e é uma nação amiga e que assegurava o nosso dominio na costa oriental da Africa.

Eu vou fazer a historia rapida do tratado dos Boers.

Em maio de 1870 o governo do Transvaal dirigiu uma nota ao governo portuguez, estabelecendo um praso fatal. Se o tratado não fosse ratificado até 31 de julho, elles se considerariam desobrigados.

Já a camara vê em que situação difficil eu me encontrei, sendo então ministro da marinha.

Depois de aturado estudo com o valioso auxilio dos viscondes de Paiva Manso e do de Duprat, apresentei a questão em conselho de ministros, com os mappas e documentos e o governo então approvou o tratado, que, portanto, ficou em circumstancias de ser approvado pelo poder legislativo.

Acontece, porém, que no dia seguinte recebi uma carta do presidente do conselho, o marechal Saldanha, communicando-me que o tratado não podia ser publicado, porque o ministro da Inglaterra lhe fizera sentir qual o pezar que a Gran-Bretanha tinha em ver assignado tal tratado.

O motivo por que eu apresento agora estas considerações, é porque alguem capitulou esse tratado de desastrado e origem de males presentes; e como o chefe da situação em que se celebrou esse convenio, já não tem voz no parlamento, eu cumpro um dever de gratidão defendendo-o.

O marechal preoccupado em tão graves circumstancias, com a resistencia da Inglaterra, dizia-me que o tratado não podia ser ratificado, porque o ministro de Inglaterra se oppunha. Respondi ao marechal: n'esse caso chame v. exa. outro ministro para me substituir, porque eu não desisto de um tratado altamente conveniente para o meu paiz.

O marechal que me dispensava, querendo conciliar tudo, teve nova conferencia com o ministro inglez, que era então o sr. Morier, habil e ladino diplomata.

Mas pensou-se em que estavamos na proximidade de guerra entre a Franca e a Allemanha e que a Inglaterra não vinha defender-nos, se se oppunha á approvação do tratado era simplesmente por interesse seu; emfim o tratado appareceu no Diario do governo.

O ministro de Inglaterra ficou fulo.

Mas passados dias o proprio ministro de Inglaterra, tendo chegado noticia de ter rebentado a guerra que estava eminente, veiu em nome do seu governo offerecer os seus serviços em favor de Portugal.

Entretanto, sr. presidente, esse tratado, foi censurado por um talento brilhante, distincto homem politico.

Veja porém a camara o fundamento das minhas considerações e como era o tratado, que essencialmente prende com a questão de agora.

Eis as principaes bases d'esse infeliz tratado:

Tinha, por limites ao sul a linha tirada do ponto 26°30 até á linha recta para oeste das montanhas de Libombo, note-se que na consulta do conselho ultramarino de data anterior assignada pelo marquez de Sá da Bandeira, apenas se, marcava o grau 26; d'ali para o NNE. até ao monte Pokionnes Kop, que fica ao N.º do rio Oliphont; d'ali para o NNO. até ao ponto mais proximo da serra de Chicundo, onde corre o rio Umbovo; d'ali em linha recta até á juncção dos rios Pafori e Limpopo, onde dizem existirem ricas minas.

Estes limites, juntos aos territorios comprehendendo Manica, Cabo Delgado, o Chire, o Zembo e o Nyassa, constituiam um vasto e rico imperio, que dispertava tanto ciume e inveja á nossa fiel alliada.

Para a camara fazer idéa do desenvolvimento que tem tido as minas de oiro na Africa oriental, leia as apreciações da imprensa ingleza, incluindo o Times:

«A estatistica comparativa do rendimento das colonias do Cabo da Boa Esperança, durante os mezes de abril de 1889 a 1890, mostra um augmento de £ 50:639 para o mez de abril ultimo, sendo o rendimento no mez de abril de 1890, de £ 430:223.

«O rendimento dos dez mezes ultimos foi, na mesma colonia, de £ 3.691:990.

«O rendimento total nas minas do Transvaal, nos tres primeiros mezes d'este anno, foi de £ 197:412.»

De modo que a nossa fiel alliada leva-nos a materia prima que envia para o banco de Portugal quasi todos os mezes, cunhada em libras esterlinas.

Não era preciso ter olhos de lince, nem vista de águia para ver qual era a cubica da Inglaterra. Via-a o ministerio myope de 1870 tão acremente combatido por todos os partidos, cuja politica colonial não foi adoptada. A legião ultramaria, com elementos indigenas, da minha iniciativa, foi extincta!

Não era preciso ser Tayllerand, Meternich ou Bismark para evitar tanto desastre.

Foi um erro a expedição do sr. Serpa Pinto, em circumstancias tão tensas. Serviu só para este distincto official dar mais uma prova da sua coragem e dedicação pelo serviço da patria. Foi um pretexto para a Inglaterra se negar a cumprir o artigo 12.° da conferencia de Berilm. Foi a origem do ultimatum de 11 de janeiro de 1890.

Sr. presidente, esta não é só opinião minha, que nada vale; mas nas polemicas que tive na imprensa a tal respeito deu-se uma coincidencia notavel. Uma escriptora distincta que de certo não é desconhecida dos membros d'esta camara, Mmo. Julliette Adam, diz na Nouvelle revue de l5 de janeiro de 1891:

«O acolhimento feito em Lisboa ao ministro da guerra do Transvaal, o general Joubert, prova que os portuguezes não descuraram os meios de accordo com aquelles que têem interesses complementares dos seus. Uma alliança entre Portugal e o Transvaal póde ser de uma estabilidade consideravel ao commercio do Transvaal e da colonia portugueza se o accordo tiver por fim crear um serviço de navegação dos Paizes Baixos para o Transvaal com o caminho do

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ferro que partindo das fronteiras atravesse a colonia portugueza até á bahia de Lourenço Marques.»

Eu beijo respeitosamente a mão da gentil dama que escreveu este primoroso artigo, sem saber que era em minha defeza.

Sr. presidente, o que é este tratado que estamos discutindo comparado com o anterior?

O ultimatum, de 11 de janeiro foi uma fatalidade, o de 20 de agosto, para o não classificar mais acremente, foi uma infelicidade, e este que estamos discutindo, e que se vae votar, é, na minha humilde opinião, uma expropriação violenta a favor da Inglaterra.

Sr. presidente, v. exa. e a camara que não são estranhos á politica seguida n'estes negocios, sabem quando foi que se desenvolveu a questão de Lourenço Marques.

O tratado com os Boers foi que dispertou mais acentuadamente a ambição da Inglaterra.

Lembro-me, sendo ainda eu ministro, dizer, que á vista dos documentos existentes qualquer questão que houvesse seria resolvida a nossa favor.

Assim succedeu com a arbitragem acceite pela Inglaterra e resolvida pela republica franceza. O nosso direito, á vista dos documentos, era incontestavel.

Quer v. exa. saber quaes eram já as intenções da Inglaterra n'essa epocha?

Está aqui um collega nosso e mui velho amigo que de certo se lembra do que lhe disse em epocha mais remota o ministro inglez, que Lourenço Marques havia de ser por força da Inglaterra. Creio que não será preciso appellar para o testemunho, de s. exa.

Sr. presidente, a politica seguida pelos nossos governos nos ultimos tempos tem sido realmente infelicissima, principalmente desde 1888.

Este negocio podia ter terminado perfeitamente então, pela arbitragem offerecida pela Inglaterra, se não fosse a politica adoptada n'aquella epocha pelo governo progressista, porque a Inglaterra estava então disposta a fazer um tratado comnosco com pouca differença nos mesmos termos em que se fez o tratado com o Transvaal, com a condição de que seria livre a navegação do Zambeze.

Então era certa a benevolencia da Inglaterra, mas o illustre ministro que geria n'aquella epocha a pasta dos estrangeiros entendeu que não devia aproveitar aquelle ensejo; contava com a influencia da Allemanha, que por fim lhe fugiu, o que foi para nós ainda uma maior desgraça.

O gabinete de Lisboa, contando que a Allemanha o auxiliasse, não quiz entrar em negociações sobre essas bases em tal momento, e deu a entender ao sr. Petre que preferia deixar as cousas como estavam a assignar qualquer accordo que não desse satisfação ás pretenções territoriaes de Portugal. Fatal illusão.

A Inglaterra tinha que se vingar e assim succedeu.

Em relação ao tratado com o Transvaal, sobre o qual se disse que era a origem de todos os nossos males, eu vou ler á camara a opinião do marquez d'Avila quando no parlamento se tratou d'este negocio.

Note a camara que o governo d'aquella epocha tinha incluido nas leis da dictadura todas as leis do governo transacto, inclusivamente o tratado a que acabo de me referir, ao que eu me oppuz tenazmente.

O marquez d'Avila, dizia o seguinte;

«Que o principio que se tinha estabelecido (era então o marquez de Sá da Bandeira presidente do conselho) no seio da commissão de accordo com o governo, foi pedir a approvação das medidas que estavam em execução e como este (o tratado) ainda não estava em execução, porque as ratificações não estavam trocadas, entendeu-se que o tratado não devia ser incluido, mas se a camara o queria eliminar se não oppunha, porque, como já tinha dito, a intenção do governo era vir pedir auctorisação para a sua ratificação.»

O sr. Costa e Silva replicou:

«Que não fazia questão politica, mas desejava saber sé o sr. presidente do conselho se compromettia a apresentar e a fazer votar uma proposta de lei para a ratificação de um tratado tão vantajoso e que era perigoso incluil-o na proposta do governo.»

O marquez d'Avila respondeu Affirmativamente, e na sessão de 10 de dezembro de 1870, como já dissemos, foi submettido á approvação do parlamento, votado e sanccionado depois pelo Rei.

O sr. Pinto de Magalhães, hoje conde da Arriaga, dizia:

«Que o tratado tinha sido feito em 1869 e que o praso fatal terminava em 29 de julho de 1870, e que o governo ou estivesse em dictadura ou não, o devia sanccionar; - que em 1836 o governo da metropole auctorisou o governador de Moçambique para enviar agentes áquella republica a fim de elaborarem as bases de um tratado que era de incontestavel vantagem para Portugal.»

Na sessão de 10 de dezembro de 1870, expuz as seguintes idéas:

Que a ratificação de um tratado que tem parte de soberania interna e parte de soberania externa se não podem annullar.

O acto de soberania interna, por ser internacional, não está dependente de uma das partes, mas sim de ambas.

Que estes principios de direito internacional, professados por grandes auctoridades como Vattel e Heffter, deviam ser tomados na maior consideração.

Em seguida mandei para a mesa uma proposta, a fim de ser eliminado o n.° 5.° § unico do artigo 2.° do projecto do governo em discussão. Era o tratado.

Era então presidente do conselho o marquez de Sá da Bandeira, e v. exa. sabe que o illustre general não era homem que transigisse n'esta questão, se o tratado fosse mau.

O marquez de Sá da Bandeira, que tinha a este respeito o seu nome compromettido nas consultas do conselho ultramarino, saíu do ministerio, e em julho de 1870 o marquez d'Avila, tratando-se d'este assumpto na camara, disse o que já li á camara.

Por consequencia, tenho provado que o tratado feito com os Boers tinha-nos collocado na melhor posição possivel.

Quer v. exa. saber o que é o tratado que estamos agora a discutir?

Basta ler um periodo do discurso que lord Salisbury proferiu ha poucos dias, e que vem publicado no Jornal do commercio de hoje. Diz elle que o que é habitavel por brancos ficou para a raça anglo-saxonia, que é mais activa e mais robusta; o que não póde ser habitado pelos brancos, fica para os portuguezes. Isto é não fallando já noa filões dos territorios que agora são cedidos á Inglaterra.

Tambem não deixa de ser curioso um telegramma vindo de Londres em 8 do corrente, communicando que o Standard, que advoga a politica do governo inglez, publicou um artigo, no qual se diz que as idéas modernas exigem, não sómente a conquista dos paizes barbaros, mas tambem a civilisação d'elles, e que Portugal deverá lembrar-se d'isto, visto que a convenção do Zambeze contem clausulas que o obrigam a civilisar as suas possessões africanas, aliás terá de deixar que o faça, em seu logar, algum vizinho mais emprehendedor.

Note-se bem o que diz Salisbury: Fica para os portuguezes o que não póde ser habitado pelos brancos.

A alta politica ingleza inspira-se por certo, não nas theorias moraes e metaphysicas da antiguidade, hoje obsoletas, mas nas modernas theorias dos seus grandes escriptores e philosophos naturalistas, entre os quaes cumpre especialisar Darwin. O chamado direito humano não póde deixar de estar e está de facto sujeito ás leis superiores que derivam da essencia dos factos e da successão e natureza das cousas.

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Todos tem pelo menos ouvido fallar nas grandes leis da selecção das especies e da concorrencia vital (struggle for life) que o daruinismo, principalmente, evidenciou. Aos nossos homens publicos, aos nossos estadistas cumpria primeiro que tudo, antes de tratar com a Inglaterra, conhecer a fundo as escolas preponderantes da sua philosophia positiva.

Não é com as velhas formulas banaes do direito abstrato e da theologia catholica que se póde lactar hoje com a protestante e positiva Inglaterra. Acima de todas essas formulas (de que elles no seu intimo se riem) está a convicção inabalavel de que segundo as leis absolutas experimental e scientificamente demonstradas na serie dos tempos, tanto no reino vegetal como no animal, os organismos superiores tendem fatalmente a eliminar e substituir os inferiores (selecção, concorrencia). De que por isso a raça anglo-saxonia tem .direito natural a supplantar e supprimir a civilisação portugueza na Africa.

Politica inspirada n'esta philosophia é evidente que se não podia utilmente combater com notas diplomaticas fundadas no direito, mas sim com actos decisivos fundados na energia.

Os nossos governos, de certo na melhor boa fé, seguiram outra politica que nos collocou nestas deploraveis circumstancias.

Um dos meus maiores receios é que este tratado, sr. presidente, na minha opinião, tem immensos alçapões, pelos quaes hão de surgir novos conflictos; e, alem d'isso, acham-se n'elle condições realmente inacceitaveis, taes como os encargos com a construcção do caminho de ferro e com as estradas para serviço da companhia South African, apesar da reciprocidade estabelecida o que não passa de uma ironia pungente.

As consequencias futuras d'este tratado são nublosas e escuras. Duas vezes foi dilacerado pelo modus vivendi, causando duas crises ministeriaes.

Finalmente as bases do accordo foram acceites! A Inglaterra cede a Portugal, do que era seu, uma parte, do teiritorio ao norte do Zambeze e em troca fica com uma parte importante de Manica!

Por emquanto os dois paizes parecem conciliados e lord Salisbury associa-se modestamente a este accordo.

Tudo depende, na nossa humilde opinião, do espirito que Cecil Rhodes der ás clausas do contrato. O primeiro ministro de Inglaterra não ignora a intransigencia do potentado do Cabo, cuja politica ambiciosa não duvidará crear maiores difficuldades á mãe patria.

Vê-se, pois, claramente que se o tratado em discussão fecha o capitulo da conciliação, abre outro ás difficuldades que o governo inglez provavelmente vae encontrar, destinado á conquista de toda a Africa oriental, triumphando o particularismo africano.

Oxalá que não sejâmos prophetas na nossa terra.

O que me consola no meio de tudo são as apreciações de toda a imprensa da Europa, e que resumidamente vou expor á camara.

Temos, por exemplo, o Memorial diplomatique, de 20 de dezembro de 1890, que diz:

"A expoliação arrancada pela violencia á corôa portugueza não póde ser posta em duvida. É um acto de justiça e de moralidade que se impõe, e ao qual a Inglaterra não se póde subtrahir sem se tornar cumplice á face do mundo inteiro, por um attentado proprio de um pick-pocket."

Mas ainda mais notavel e realmente caracteristica, é a segunda apreciação do Univers, de 27 do mez passado:

"A policia ingleza tem por regra absoluta de não recuar diante de nenhuma pretensão. Quando as circumstancias lhe offerecem o mais ligeiro pretexto não hesitam em direitos menos sustentaveis. Exemplo, Portugal.

"Não exageramos applicando-lhe estes versos do grande poeta:

"Tu n'avais qu'un regard pour mesurer la terre
"Et de serres pour l'embrasser."

"Os inglezes julgara que a Africa e a Asia lhes pertencem, como se o Papa lh'as tivesse adjudicado. .

"No dia em que os habitantes do nosso globo estivessem em communicação com os do planeta Marte a Inglaterra dirá que tambem lá tem direitos incontestaveis!

" Unus... non sufficit orbis."

O grande poeta nacional escreve sobre o assumpto, no cant. IV, est. XV:

"Quem negue a fé, o amor, o esforço e arte
De Portuguez, e por nenhum respeito
O proprio reino queira ver sujeito."

Tenho tambem aqui um artigo notabilissimo de mr. Cassagnac (L'Auctorité, de maio ultimo). Vou ler alguns periodos á camara deste jornal, apreciando a politica da Inglaterra.

"Estamos assistindo n'este momento a um espectaculo ignobil de que é protagonista o povo inglez, esse povo sem generosidade, sem coração, sem alma, que eu odeio cem vezes mais do que o povo allemão e... Deus sabe como
eu odeio a este!

"Perceberam já que me refiro á grave questão suscitada ha alguns mezes entre a Inglaterra e Portugal.

"Porque á força de se teimar em viver com cães damnados, acaba-se por ser mordido. Ora, Portugal está cruelmente mordido.

"Sem nenhum direito e unicamente para obedecer a uma companhia ingleza que conta entre os seus accionistas os mais altos senhores da Inglaterra, e no numero destes o genro do principe do Galles, a companhia sul africana, a Inglaterra quer apoderar se pura e simplesmente das possessões portuguezas em Africa.

"É o roubo manifesto; é a flibusteria sem vergonha; é o cobarde e vergonhoso abuso da força contra a fraqueza.

"A Inglaterra é grande, Portugal pequeno.

"Não ha nenhum perigo em roubar Portugal.

"E esta mesma Inglaterra, que sabe devorar uma affronta quando tem a haver-se com uma nação poderosa como ella, é sem compaixão quando nada tem a temer.

"Nada vale que o Rei de Portugal seja parente proximo da Rainha de Inglaterra; não é cousa para deter os inglezes tal parentesco.

"Para este povo, que tem um calhau no peito, onde os outros têem um coração, não ha amigos nem parentes.

"O interesse, o interesse brutal e feroz só n'elle falla, só n'elle manda.

"Em, vão a revolução ameaça o throno portuguez e de recochete o throno hespanhol.

"Que importa isto á monarchia ingleza? Ella só é solidaria comsigo propria!

"Que lha importa que a republica triumphe em Madrid ou em Lisboa?

"Importa-se tanto com isso, como com o cholera que os seus navios despejam em Suez, no tempo das peregrinações a Meca, e que ella sabe que não póde alcançar a Inglaterra.

"A Europa póde morrer; a Inglaterra lavará d'ahi as suas mãos do poder conseguir transportar alguns viajantes a miais. Importa-se tanto como com. os milhões de individuos, que ella envenena com o opio.

"O dinheiro - eis tudo para ella.

"A honra, a humanidade, o direito, nada d'isto conhece.

"As possessões portuguezas convem-lhe? Deita-lhes a mão com maior cynismo do que aquelle com que um gatuno nos roubará o relógio.

"E quando Portugal se lamenta, resiste, protesta, a Inglaterra manda avançar os seus canhões para Lisboa.

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"Nunca o latrocinio se exerceu em parte alguma com mais cynico impudor.

"Eis porque os sentimentos cavalheirosos da França se revoltam a tal ponto, que ninguem ha aqui que não envie a expressão dos seus sentimentos de sympathia ao valente povo portuguez, repudiando os processos da Inglaterra.

"E porque será que em Portugal, como em França n'uma epocha dolorosa, falta ao partido republicano o patriotismo?

"Não devia ser o primeiro a sustentar a realeza na resistencia nacional contra a invasão ingleza?

"Porque, emfim, não é culpa da casa de Bragança que a Inglaterra se lance sobre as possessões portuguezas como um pirata sobre um navio mercante.

"O Rei lucta quanto póde e deve.

".Era este o momento, e só este, de se agrupar ao lado da bandeira nacional, e deixar para quando o inimigo abandonasse as fronteiras, as lactas intestinas.

" Mas parece ser regra que a republica haja de aproveitar-se sempre das desgraças da patria, para se juntar aos outros flagellos, o insulto, a invasão, o abaixamento nacional.

"E em logar de apresentar o peito aos canhões inglezes, os republicanos portuguezes exigem da realeza concessões exorbitantes, collocando-a entre a revolução do interior e o bombardeamento pelo estrangeiro.

"Sob o ponto de vista patriotico, é pouco louvavel.

"Não ha rasão para que os republicanos se conduzam em Portugal, hoje, differentemente dos republicanos francezes no dia 4 de setembro. É sempre a mesma doutrina: pela republica primeiro, pela patria depois... se ella viver,."

É singular, sr. presidente, que nestas questões de dignidade nacional eu veja sempre espectros diante dos srs. ministros. Lá me parece estar vendo o espectro do pae de um nosso illustre collega, o sr. Basilio Cabral, que pronunciou aqui um discurso violentissimo contra a Inglaterra por um facto de muito menos importancia do que o tratado.

Este discurso é cheio de energia e de patriotismo; encontra-se transcripto em um. dos melhores trechos de um livro de Luiz Blanc:

Um ultraje publico, feito á bandeira portugueza, por cruzadores inglezes, uma violação audaciosa de direitos, tinham despertado a altivez nacional.

Nos mares de Angola, ao sul do equador, navios portuguezes foram aprisionados como navios de traficos, e entregues a tribunaes inglezes para serem julgados. O governo de Lisboa tinha ultimamente protestado, e pedia uma reparação aos seus orgulhosos oppressores.

Reunidas no dia 2 de janeiro, occuparam-se, primeiro, as côrtes, d'esta importante questão.

O ministerio Bomfim tinha posto no discurso da corôa palavras de conciliação, que foram acolhidas com indignação.

Vivas interpellações foram dirigidas ao governo, e, na Bua exaltação patriotica, alguns oradores propozeram declarar immediatamente a guerra.

Não se póde exprimir melhor os sentimentos de colera, levantados pelas indignas violencias britannicas, do que recordando algumas palavras energicas pronunciadas n'esta occasião pelo senador Basilio Cabral:

"Como o ministro da marinha está presente, peco-lhe "esclarecimentos sobre os ultimos acontecimentos nas aguas "de Loanda, onde uma quadrilha de salteadores, cujo chefe "é lord Palmerston, rouba a nação portugueza.

"Na minha qualidade de portuguez, tendo contribuido "para collocar a Rainha no throno, eu tenho o direito de "classificar desta maneira, os estrangeiros que julgam poder roubar-nos impunemente. Sr. presidente, é preciso "recordarmo-nos de que os portuguezes eram uma grande "nação, quando os inglezes eram ainda bem pequenos.

"Conhecem-se os nossos feitos, e, n'essa epocha, a historia de Inglaterra não tinha um unico feito heroico, "era apenas uma longa nomenclatura de intrigas e de roubos. Hoje, poderosa, a Inglaterra abusa da sua força em "face de um paiz que não póde resistir-lhe.

"Mas o que se póde esperar de uma nação, onde o dinheiro é tudo e póde tudo?

"Aos meus olhos o povo ingles é o mais traiçoeiro e o "mais infame que eu conheço."

A historia de 1848 recorda o que então houve contra a Inglaterra e os protestos de homens de antes quebrar que torcer.

Tambem me parece estar vendo o espectro do barão da Ribeira de Sabrosa, que pronunciou igualmente um outro discurso energico contra a Inglaterra, o do marquez de Sá da Bandeira, que já me appareceu aqui "m uma outra questão importante de defeza nacional.

Parece que estou vendo aquelle vulto eminente das nossas glorias militares, apontando com o seu braço esquerdo, mirrado, porque o direito tinha-o perdido nas campanhas da liberdade, para o seu querido mappa da Africa mutilado pelas patas brutaes do leopardo bretão.

Fm 1839 ou 1840 este valente general escreveu um folheto precioso e violento contra a Inglaterra, intitulado O MU de lord Palmerstron. Sinto não o ter aqui para ler á camara alguns dos seus periodos energicos e patrioticos.

Já a camara vê que estou em muito boa companhia.

Ha quem julgue que a rejeição deste tratado é um golpe fatal na monarchia. Eu sou de opinião contraria. Estou convencido que da sua approvação, em epocha mais remota, é que póde vir a fatalidade para a dynastia. Oxalá que me engane.

Estes receios são confirmados por uma carta de õ de junho corrente de um notavel publicista francez, escripta a um amigo meu particular. Peço licença para ler dois ou tres dos seus periodos.

"O vosso bello paiz está passando por umas provações bem duras n'este momento, e eu pela minha parte sigo com o maior interesse e affeição as peripecias da crise, que elle vae atravessando. Estou convencido que ha de resolver-se favoravelmente, porque essa crise é consequencia de uma campanha bolsista promovida por capitalistas inglezes, ajudados pela judiaria cosmopolita,

"A situação economica de Portugal não justifica a baixa da cotação dos fundos publicos portuguezes do governo, nem o panico que se apoderou dos banqueiros e dos depositantes. Se Portugal conservar o seu sangue frio e se, principalmente, evitar o lançar-se em aventuras revolucionarias, que me parecem ser inspiradas pela Inglaterra, nutro a firme confiança que sairá da crise sem maiores prejuizos.

"Sendo certo que os processos violentos da Inglaterra têem despertado em todos os corações honestos uma profunda sympathia pela vossa patria."

Sr. presidente. Agradeço a benevolencia da camara, mas as minhas modestas reflexões, não mereceram nem um protesto, nem um apoiado. Não o podia esperar, nem pela fórma, nem pela essencia do meu discurso. Sei que não posso agradar á maioria d'esta camara, cuja orientação é differente, mas o seu profundo silencio significa o applauso do paiz, humilhado por este tratado. Respeito todas as opiniões e só peço que respeitem a minha, comquanto humildo.

Sr. presidente, parece-me estar a ouvir neste momento sons estranhos e destemperados, que vem lá do lado ao norte da Gran-Bretanha.

Recordo-me que são os echos de um hymno muito popular em Inglaterra, intitulado Rull Britannia hymno composto por Thomson e Arne, cuja letra é a seguinte:

Quando a Inglaterra á voz omnipotente surgia do azul dos mares, recebeu em partilha o imperio das ondas, e os seus anjos da guarda saudaram-na com este canto:

Impera, Albion, sobre o oceano, porque os bretões jámais serão escravos

Onde estão os escravos, sr. presidente?

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10 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Estarão n'esta parte mais occidental da Europa?

Na peninsula iberica?

Seremos nós os escravos? Não eu, sr. presidente, que não dou o meu voto a este tratado.

Mando a minha moção para a mesa e tenho concluido.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Conde da Arriaga: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa a minha moção, que passo a ler:

"Mostrando os documentos apresentados á camara a maneira digna, briosa e levantada como o ex-ministro Bocage defendeu os direitos de Portugal no conflicto com a Gran-Bretanha, a camara resolve que na acta se consigne um voto de louvor e gratidão áquelle ex-ministro."

Vou sustentar esta moção.

Não accuso o governo inglez nem o governo portuguez.

Vou apreciar os factos taes quaes elles se passaram.

Este conflicto com a Inglaterra necessariamente havia de dar-se:

Deve-se á expedição de Livingstone, o qual teve o consentimento e apoio do governo portuguez.

Livingstone, na sua travessia de Angola para Moçambique, a rogos de lord Gladstone, e do nosso ministro em Inglaterra o conde de Lavradio, tratou de descobrir as origens do Zambeze.

Depois de um estudo de sete annos, foi ao Cabo, dirigiu-se ás republicas do Transvaal e de Orange, e voltou a Angola, onde teve um acolhimento cordial da parte das auctoridades portuguezas.

Estudou tudo á sua vontade.

Em março de 1856 entrava em Tete, onde foi muito bem recebido pelas nossas auctoridades o governador Araujo Sicard e o capitão Nunes; escreveu Livingstone que nunca na sua vida tivera melhor almoço, e que havia alguns annos que não provava comida com sal.

Em Tete demorou-se seis mezes, visitou a provincia, percorrendo alguns dos nossos prasos das immediações, admirando a hospitalidade portugueza, que aliás era recommendada pelo governo.

Á 16 kilometros ao sueste de Tete foi ver um antigo convento dos jesuitas no sitio do Mocombo. Ficou encantado com a situação, e pensou em estabelecer lá uma missão, espantando-se da negligencia das auctoridades portuguezas que assim davam ao abandono um ponto soberbo na margem do Zambeze.

De Tete desceu a Sena, a esse tempo num estado de grande decadencia, causada pelas incursões do gentio.

Descendo o Zambeze, cujas origens tinha estudado, tocou na embocadura do Chire: por este rio subiu depois até ao Nyassa, onde viu terrenos muito bons; desceu a Quelimane e disse ás auctoridades que voltaria para estabelecer uma colonia nas margens do Nyassa.

Combinou isto com as pessoas mais ricas e importantes, allegando que a região do Nyassa estava fóra dos dominios portuguezes.

Em Tete deixára Livingstone cento e sete makololos, que eram muito bons caçadores, e a quem o governador deu terras e roupas, e auctorisou a caçarem o elephante.

Livingstone escreveu depois que fôra elle quem primeiro descobriu o Nyassa, mas esta prioridade tem sido contestada.

Voltou á Inglaterra, e em marco de 1808 partia de lá a uri suei vá expedição, que se dirigiu a Quilimane, onde foi excellentemente recebida.

Entrou pela barra Catharina (o Zambeze tem ali tres barras) fundeando a 16 milhas, porque a navegação tornava-se depois impossivel.

O Zambeze é innavegavel desde certa altura para, cima.

É como o Tejo, que a certa distancia da barra é tambem innavegavel para barcos de grande lotação.

Traziam, porém, um pequeno vapor o Ma-Robert, com que pretendiam subir o Zambeze, o que effectivamente poderam conseguir durante alguns dias de viagem. As febres atacaram a expedição, morrendo alguns colonos, e entre elles dois ou tres padres.

Livingstone pediu ás auctoridades portuguezas em Moçambique que lhe consentissem a entrada de colonos para o Nyassa, o que lhe foi permittido, e é desde essa data que lies têem ido para ali.

Em 1877 o governo portuguez reformou a pauta de Moçambique, estabelecendo o direito de 5 por cento de imposto de transito, o qual tinha já augmentado de uma maneira consideravel, em genero e mercadorias destinadas ás duas povoações da região do Nyassa, Livingstone e Blantyre.

Em 1877 o sr. Thomás Ribeiro fez uma concessão nas margens do Chire a Paiva de Andrada, sendo por essa occasião, não só muito accusado, como até mesmo insultado.

Pois Paiva de Andrada é um benemerito da patria; isto, porém, não bastou para pôr o ministro ao abrigo d'aquelles insultos. Eu defendi esta concessão.

Em 1879 o sr. João de Andrade Corvo fez um tratado com a Inglaterra a respeito do nosso caminho de ferro de Lourenço Marques para o Transvaal; e eu, que tenho lido todos os tratados desde o tempo do marquez de Pombal até hoje, posso asseverar á camara que ainda não encontrei nenhum que me satisfizesse tanto como aquelle.

Por esse tratado Portugal construia o caminho de ferro até á serra do Libombo, e os direitos cobrados sobre todas as mercadorias entradas em Lourenço Marques serviam de garantia ao juro e amortisação do capital empregado. Se esses direitos mais o rendimento da secção portugueza do caminho de ferro não fossem sufficientes para áquelle fim, em quanto que os direitos cobrados sobre as mercadorias entradas para o consumo, britannico juntamente com o rendimento da parte britannica do caminho de ferro excedessem o juro e amortisação do capital empregado nesta mesma parte, a Inglaterra compensava Portugal da falta com aquelle excesso.

Este tratado tem a data de 30 de maio de 1879 e está assignado pelo sr. Andrade Corvo e pelo sr. Morier.

Ora, sr. presidente, já se viu contrato melhor?...

A camara lembra-se que se dizia n'essa occasião que ia-mos vender Lourenço Marques á Inglaterra; choveram representações de todas as partes do paiz contra o governo, e eu mesmo na camara dos senhores deputados recebi uma representação, a qual apenas revelava que quem a escreveu riem sequer sabia onde ficava a Africa!

E comtudo, sr. presidente, essas representações levaram o governo de então o pedir a demissão!

No seculo passado havia em Lisboa uma casa chamada a casa dos vinte e quatro, onde appareciam legistas, mercieiros, individuos que tratavam de negocios sobre cereaes e que eram consultados pelos governos; no tratado de Lourenço Marques o governo levou a sua fraqueza a ponto de pedir a sua exoneração ante as representações dos legistas.

Esse governo, sr. presidente, foi substituido por um outro presidido pelo sr. Anselmo Braamcamp, que sustentou o tratado do sr. Corvo com pequenas modificações sobre a duração; um artigo addicional inhibia o governo de denunciar o tratado no praso de doze annos, sem o previo pagamento do capital empregado na construcção e juros. Alem d'isso foi junto um protocollo com algumas aplanações sobre o tratado definitivo.

Este governo foi tambem accusado de nos querer entregar Lourenço Marques á Inglaterra.

Ora, sr. presidente, n'um paiz onde as representações das cansaras municipaes, dos legistas e até dos creados de padeiros levem os governos a exonerarem-se, os resultados indiscutivelmente hão de ser estes.

Depois do naufragio da concessão do sr. Thomás Ribeiro, depois do naufragio do tratado do sr. Corvo com a Inglaterra, depois do naufragio do contrato do sr. Braamcamp, tambem com a Inglaterra, colligi todos os documentos

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que havia e tudo o que se tinha dito sobre estes assumptos, incluindo a questão do Zambeze e Nyassa que eu conheço perfeitamente, por já lá ter estado, e escrevi estas palavras, que vou ler á camara e que são, alem de um consolo, documentos que me habilitam a justificar a minha moção.

O orador leu o seguinte:

"Comtudo Portugal deve prevenir-se; a colonia escoaseza do lago Nyassa em territorio portuguez vae crescendo; já ali ha duas importantes povoações de brancos, Livingstone e Blantyre; diversos missionarios instruem-na, dirigem-na, e imprimem-lhe coragem, e o governo inglez vigia-a e protege-a.

"Esta colonia em pouco tempo ha de procurar um caminho sobre o mar para communicar com a mãe patria, como fez o Transvaal e o Estado Livre de Orange.

O Zambeze como meio rapido é difficil, e mesmo porque de Tete ao lago Nyassa ainda ha a percorrer um immenso sertão; pelos portos portuguezes ao norte da cidade de Moçambique ou pelo territorio de Zanzibar, tudo é barbaro e desconhecido; não ha em parte nenhuma residencia de brancos. Como resolver a questão no interesse da colonia?

"Um caminho de ferro do mar a Senna e Tete, partindo do Inhamissango, junto á barra Catharina, ou de Quelimane ou de outro qualquer ponto da costa escolhido pelos engenheiros, removeria todas as difficuldades." (Exame sobre o tratado relativo á bahia e territorio de Lourenço Marques, pelo visconde de Arriaga, pag. 39).

Seguiram-se com a Inglaterra aã negociações e as luctas que deram em resultado o tratado de 20 de agosto, que por sua vez tambem naufragou.

N'este ponto, devo agradecer ao sr. Barjona os seus bons esforços para negociar esse tratado.

Hoje apparece submettido á approvação da camara um tratado sobre um conflicto, que eu já previra ha dez annos, e com o mesmo resultado, qual é a construcção de um caminho de ferro.

Eu sei por experiencia propria a grande vantagem que ha em construir caminhos de ferro e estradas em livre transito.

De facto, é incontestavel que o transito, facilitado por linha ferrea, a que se refere o tratado, ha de trazer grande desenvolvimento á provincia.

Dizem para ahi:

Vamos construir um caminho de ferro, para serviço dos inglezes.

Qual! A verdade é que de grande proveito será essa linha, para os nossos interesses.

Quando eu fui ao Zanzibar, fazendo parte de uma commissão de limites, rendia a alfandega de Moçambique apenas algumas dezenas de contos de réis; hoje rende uns poucos de milhares.

A primeira vez que sai de Bombaim para Suez, eram aqui recebidos os passageiros debaixo de um barracão. Da segunda vez que lá passei já havia uma hospedaria, e hoje é Suez uma grande cidade.

E Port-Said?

De uma aldeia, converteu-se em uma cidade importante.

Cabo Verde, graças tambem á liberdade do transito, tom progredido, pois ali se estabeleceram companhias de fornecimento de carvão de pedra.

Por tudo isso é que o caminho de ferro do Pungue me parece ha de levantar a provincia de Moçambique, e a foz do mesmo rio ha de ser no futuro uma grande povoação.

Lá se vê Lourenço Marques, cuja alfandega rende hoje mensalmente 40 a 50 contos de réis. E a que se deve este progresso?

Ainda e sempre á liberdade do transito

Eu podia ainda referir-me ao tratado de 1869 com o Transvaal, mas como o sr. Camara Leme já o fez, não me detenho em mostrar as vantagens das suas prescripções, estabelecendo o commercio livre, etc.

A origem do Transvaal é esta:

A Inglaterra desde 1806 tomou conta do Cabo para proteger as communicações com o seu imperio na India.

Algumas familias do Cabo e outras que viviam no campo não quizeram reconhecer a Inglaterra como nova dominadora, e separando-se em dois grupos refugiaram-se no interior do sertão, occupando um o territorio comprehendido entre o rio do Ouro, e o do Vaal, e o outro a ribeira de Groot, que os mesmos hollandezes já anteriormente haviam denominado ribeira de Orange. Ambos viveram por muito tempo vagabundos, mas por fim, pouco a pouco constituiram duas nacionalidades, que são hoje a republica do Transvaal e o Estado livre de Orange.

Alem do tratado de 1869 que estabeleceu o livre transito entre a costa e o Transvaal, houve o de 1879 a que já me referi sobre o caminho de ferro de Lourenço Marques. Esta bahia já nos pertencia inteira desde a arbitragem de Mac-Mahon em 1875.

São estas as explicações que tinha a dar, limitando-me por agora a mandar para a mesa a minha moção, declarando que voto o tratado.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Moção

A camara, abstendo-se de pronunciar o seu juizo sobre o projecto em discussão, por isso que não ha tratado definido, sendo portanto contrario á disposição da carta constitucional e respectivo acto addicional, passa á ordem do dia.

Sala da camara, 9 de junho de 1891. = O par do reino, Camara Leme.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta moção, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção apresentada pelo digno par o sr. conde da Arriaga.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Moção

Mostrando os documentos officiaes apresentados á camara a maneira digna, briosa e levantada como o ex-ministro Bocage defendeu os direitos de Portugal no conflicto com a Gran-Bretanha, a respeito dos limites do territorio da provincia de Moçambique, seguindo a politica patriotica dos seus antecessores, a camara resolve que na acta se consigne um voto de louvor e gratidão a este benemerito e patriota ex-ministro.

Sala das sessões, 9 de junho de 1891 .= Conde da Arriaga.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Presidente: Tem a palavra o digno par o sr. Costa Lobo.

O sr. Costa Lobo: - Disse que se vira muito embaraçado quando tivera de formular o seu voto, como membro de duas das commissões, a cujo exame o tratado fora commettido.

Por um lado entendia que o tratado não podia senão ser approvado; mas, por outro lado, elle entendia tambem que o tratado era calamitoso, e que isso era devido á politica internacional que sã tinha seguido na negociação do mesmo tratado. Para corresponder, pois, ao seu dever, e não assumir para o seu nome responsabilidades que não incorrêra, assignára com a declaração, de que julgava o tratado

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uma calamidade inevitavel e proveniente do criterio seguido em toda esta questão.

Usava agora da palavra simplesmente para justificar esta sua declaração.

Muitos eram os argumentos que podia adduzir nesse proposito; mas desejava ser muito resumido, e não allegaria senão o que fosse estrictamente indispensavel. E tambem por outra rasão. Já agora era inutil estar a recordar erros passados, que era impossivel remediar, e apresentar recriminações de todo o ponto estereis. Portanto, sem nenhuma referencia a pessoas, se limitaria a enunciar o sufficiente para desviar de sobre si responsabilidades que não incorrêra.

Se agora sómente elle apontava abertamente erros que desapprovára, é que nunca quizera proferir d'aquelle logar uma unica palavra, que, porventura, podesse ser aproveitada pelos inimigos do seu paiz, cuja causa seria sempre a sua, quer elle procedesse com rasão ou sem ella, com acerto ou desacerto.

A primeira affirmativa da sua declaração consistia em que o tratado era uma calamidade. Devia precisar o sentido que ligava a esta palavra. Este sentido era o mesmo que lhe ligavam quasi todos que tinham emittido parecer sobre este assumpto. Tudo é relativo n'este mundo. Seguramente elle não considerava este tratado tão calamitoso, como, por exemplo, o tratado de 6 de junho de 1801, em cujo artigo 3.° se ha o seguinte:

"E sua dita Magestade conservará em qualidade de conquista para o unir perpectuamente aos seus dominios e vassallos, a praça de Olivença, seu territorio e povos desde o Guadiana."

Uma cousa eram terrenos em Africa, outra cousa era o solo sacrosanto de Portugal.

Quando se faltava na integridade da patria era necessario não confundir, nem por palavras nem por pensamento, como elle julgava que se tinha feito, estas duas mutilações infinitamente distantes. Similhante confusão, mesmo implicita, mesmo envolvida era vaga confusão, tinha uma deploravel influencia no amortecimento da consciencia nacional. Quando elle dizia que o tratado era uma calamidade, o que pretendia significar era que tinha havido um periodo no decurso das negociações, em que podéramos obter condições muito mais vantajosas, sobretudo sem aquellas clausulas restrictivas da nossa soberania, que constituem a feição mais dolorosa e funesta do presente tratado.

Para o demonstrar não faria mais que ler um trecho do um despacho enviado pelo mr. Petre a lord Salisbury, despacho que tem a data da 30 de outubro de 1888, e que se encontra no Livro azul apresentado ao parlamento inglez em fevereiro de 1890.

Esse despacho dá conta de uma conferencia que mr. Petre teve com o nosso ministro dos negocios estrangeiros.

"Comecei por lhe assegurar, escreve o sr. Petre, que a Inglaterra não tinha o menor desejo de pôr estorvos ao desenvolvimento colonial de Portugal, e de muito boa vontade o ajudaria, dentro de certos limites e sob certas condições, a realisar as aspirações nacionaes. Estas condições eram, porém, a clausula sine que non da nossa cooperação. Emquanto á questão de livre navegação do Zambeze, que nós mantinhamos como um direito, mas que o governo portuguez firme e absolutamente recusava admittir, não havia necessidade, caso nós chegássemos a uma combinação, de ventilar esse assumpto, nem necessidade de um dos governos ceder a respeito d'elle, porque estava na mão do governo o conceder-nos as facilidades de navegação e transito, que nós desejavamos como o equivalente de outras vantagens que nós lhe concederiamos.

"Emquanto a reconhecer o lago Nyassa como sendo, ao menos em uma parte d'elle, um lago portuguez, isso não me parecia caber dentro dos limites de uma discussão pratica. Ao mesmo tempo, tanto quanto eu sabia, o governo de Sua Magestade não tinha desejo ou intenção, excepto se forçado pelas circumstancias, de crear jurisdição alguma sobre qualquer parte do districto do Nyassa; onde, comtudo, os representantes britannicos, do emprehendimento commercial e do zêlo missionario tinham sido os primeiros, entre os europeus, que ali fundaram estabelecimentos. Tudo o que nós queriamos era que se não interferisse com esses estabelecimentos, e que se nos consentisse que elles importassem e exportassem as suas mercadorias por Moçambique, sob pagamento de um direito de transito rasoavel. Julgava eu que esta independencia se podia garantir por um mutuo comprommisso entre as duas potencias, de que nenhuma d'ellas tentasse estabelecer jurisdição exclusiva sobre a bacia do Nyassa, sem consentimento da outra. Esta combinação não fechava a porta á possibilidade de futura expansão portugueza, n'essa direcção, visto como as unicas potencias interessadas eramos nos e Portugal. Acrescentei que, sob esta limitação, que era importante, não julgava que o governo de Sua Magestade se recusaria a reconhecer o territorio ao sul do Rovuma, como pertencendo exclusivamente á esphera de influencia portugueza. A respeito da região dos Matabeles, e seus tributarios Macalaca e Machona, não era opportuno n'este momento discutir questões detalhadas de fronteira. Disse que não via rasão de acreditar que podesse haver grande difficuldade em assentar o que era uma simples circumstancia de facto. Quanto pertencia genuinamente á região dos Matabeles e suas dependencias, era tudo que o governo de Sua Magestade desejaria reter dentro da sua fronteira, a qual poderia, em parte ao menos, ser uma linha tirada do ápice nordeste d'essa região até ao Zambeze, em Zumbo. Podia-se assentar que o Zambeze fosse ao norte o limite da nossa esphera de influencia, sob condição que se não impedisse a passagem para a Africa central, por assim dizer, que fossem garantidas a livre navegação e facilidade de transito. Sob esta condição julgava eu que o governo de Sua Magestade não fazia objecção a reconhecer o territorio ao norte do Zambeze, como pertencendo exclusivamente á esphera da influencia portugueza."

O orador continua dizendo que, se estas condições, que constavam do despacho que acaba de ler á camara, tivessem sido acceitas, não sómentemente conseguiriamos um tratado imcomparavelmenie mais vantojoso que o actual; mas tinhamos evitado todas as consequencias da agitação que durante anno e meio tem convulsionado o paiz. Que teriamos evitado a revolta do Porto; que teriamos evitado o contrato de hypotheca dos tabacos; que teriamos evitado a baixa dos nossos fundos de 68 a 44, o que produzia uma perda na fortuna mobiliaria do paiz de 40 por cento; que teriamos evitado a crise monetaria e economica que nos afflige; que teriamos evitado as despezas militares da expedição africana; e que, sobretudo, teriamos evitado o sangue derramado nas das do Porto, nas margens do Chire, e no plan'alto de Manica.

O orador tinha, portanto, rasão em classificar o presente tratado como uma calamidade.

Acrescentava elle na sua declaração que essa calamidade era inevitavel. Essa convicção resultava da leitura dos documentos do Livro Branco. Esses documentos mostravam á evidencia que a Inglaterra, se este tratado fosse rejeitado, poria termo ás suas negociações comnosco a este respeito. Era a guerra na Africa contra Portugal e a colonia do Cabo de mãos dadas com a companhia sul-africana, e auxiliadas pelas esquadras britannicas. E que a Inglaterra cessaria todas as negociações comnosca sobre a Africa, não só se deduz da leitura dos documentos do Livro Branco, mas tambem da actual attitude da imprensa ingleza. A imprensa ingleza está muito descontente com este tratado. A medida que as negociações se têem prolongado, tem-se progressivamente aliado a sua fonte dos nossos despojos.

A imprensa ingleza, influenciada pelas suggestões das summidados aristocraticas e financeiras, que têem interesses dependentes do bom exito das operações da companhia

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sul-africana, e satisfazendo tambem a animosidade que as declamações dos nossos adversarios têem suscitado no espirito popular, a imprensa ingleza manifesta-se contra o tratado. Já o outro dia, no seu discurso de Glascow, lord Salisbury se viu obrigado a defender os nossos direitos tres vezes seculares e a declarar que Portugal era uma parte importante do systema europeu. E é possivel que assistamos ao curioso espectaculo, em que sir James Fergusson, para responder aos ataques da opposição na camara dos communs, se veja obrigado a reproduzir aquelles argumentos, colhidos nas notas diplomaticas que lord Salisbury tratava com tão desdenhosa ironia. Para dar á camara uma idéa da attitude da imprensa ingleza, elle leria um extracto de um artigo que o Daily-News, o principal orgão da opposição, publicara no dia 3 d'este mez:

"O convenio com Portugal, diz esse jornal, parece-nos mui pouco satisfactorio. Nunca nos foi possivel considerar a partição da Africa no papel como uma questão que merecesse o ardente interesse que lhe ligam alguns dos nossos collegas. Todavia, sempre ha um bom negocio e um mau negocio: e até os proprios ministeriaes não pretendem sustentar que neste caso seja bom o negocio feito por lord Salisbury. Com o fim de conservar Manica, a Gran-Bretanha entregou nas mãos de Portugal um enorme territorio ao norte do Zambeze, que se intercala na esphera de influencia da companhia sul-africana. Seria temerario predizer que effeito terão sobre os srs. Rhodes e os seus collegas as concessões de lord Salisbury... O recente procedimento dos officiaes portuguezes na Africa foi tal que nem o seu proprio governo os póde defender. E, comtudo, a consequencia são clausulas mais favoraveis para Portugal do que as que primeiro obtivera. Incumbe á opposição o aclarar este ponto. A condescendencia póde ser excessiva. Lord Salisbury insinuou no seu discurso de Glascow que sobre elle tinham actuado considerações dynasticas emanadas do exterior, e que elle fora apertado para não destruir a casa de Bragança. Mas ha limites para a politica de mansidão internacional; e estes limites são com certeza ultrapassados, quando os interesses britannicos na Africa são sacrificados á manutenção da monarchia em Lisboa. Se os portuguezes preferem estabelecer uma republica, isso não é da nossa conta, e não temos que intervir. Não ha duvida que este tratado é uma obstrucção levantada ao arrojo explorador dos inglezes."

O artigo continúa, mas o resto não póde ser lido n'esta camara.

Estas palavras do principal orgão da opposição demonstravam um descontentamento, que o governo inglez com certeza não se exporia a aggravar com novas concessões; tanto mais que esse descontentamento é partilhado pelos proprios jornaes ministeriaes.

O orador passava agora á justificação do terceiro ponto da sua declaração, isto é, que fôra errado o criterio a que tinham sido subordinadas as negociações com a Inglaterra.

O orador é pouco propenso a acreditar na fatalidade de outras desgraças, que não sejam aquellas que resultam da acção irresistivel das forças da natureza. Onde a liberdade intervem, ahi ha sempre responsabilidade. As nações teem a sorte que merecem. As suas desgraças provem dos seus desacertos.

O criterio a que tinham sido subordinadas as negociações com a Inglaterra partia deste principio, que o direito pela sua propria força immanente havia de triumphar, que todo o esforço devia consistir em o tornar bem patente, e, portanto, nada mais havia a fazer do que escrever natas diplomatico juridicas, memorandos, folhetos, artigos de jornaes, discursos, manifestos. Similhante idéa é pueril. E chama-lhe pueril, porque é digna de figurar no Thesouro dos meninos, n'aquella collecção de contos moraes para uso da infancia, em que o crime é sempre punido e a virtude recompensada.

O predominio do direito não se realisa muitas vezes nas relações puramente civis, mesmo quando sujeitas ao julgamento dos tribunaes os mais integros: e é notavel que a nossa antiga legislação civil assim o reconhecia. A ordenação declarava nulla toda a cessão de direito feita a uma pessoa poderosa, quando era feita enganosamente para damnificar a outra parte, dando-lhe, são as suas palavras, adversario, com que não podesse alcançar direito, ou o alcançasse com grande trabalho. Mas, se isto assim é nas puras relações civis, em que ha tribunaes independentes e imparciaes, o que será nas relações internacionaes?

A phrase "a força sobrepuja ao direito" é bem conhecida. Para os nossos estadistas o direito é o arbitro do mundo.

Partindo-se d'este principio, adoptou-se uma politica que elle chamaria uma politica incendiaria, os processos da Mazini e Garibaldi applicados ás relações internacionaes. Foi uma intransigencia nas resoluções, de violencia nos actos de sentimentalismo exaltado. E o que é mais para lamentar, estes arrancos de energia eram seguidos, a curto trecho, de submissão ao imperio inevitavel das circumstancias. Esta politica manifesta-se em todas as phases e peripecias d'esta longa negociação.

A cada passo ahi observâmos a inclinação curvilinea succedendo ao entono empertigado. Tal mudança de attitudes não é propria para conciliar o respeito. Ora o criterio politico, que o orador entendia que se devia ter adoptado, era inteiramente o opposto: isto é, a moderação nas pretensões, o calculo frio das conveniencias do paiz, a providencia das consequencias, e a firmeza nas resoluções tomadas. Sobretudo completa isenção de sentimentalismo. Tambem ha o sentimentalismo do odio. E o sentimentalismo do odio incomparavelmente mais deleterio que o sentimentalismo do amor.

Este criterio elle o abonava com a auctoridade e o procedimento de um diplomata, que tinha operado feitos para sempre memoraveis, o principe de Bismarck.

Na sua historia da Fundação do imperio allemão, Von Sybel, que está escrevendo essa historia com approvação da personagens que n'ella tomaram parte, diz-nos que o principe de Bismarck tem por opinião que o mais elevado exercicio da arte diplomatica está na capacidade de reconhecer os limites do exeqilivel: que, por isso, um estudo da historia acertadamente proseguido deve ser o fundamento necessario dos conhecimentos de todo o estadista; porque pela historia elle poderá aprender o que é possivel conseguir nas varias transacções com os differentes estados.

Ora se este principio do principe de Bismarck é verdadeiro, então, é elle a condemnação das nossas negociações com a Inglaterra até aos ultimos tempos. Nunca attende-mos ao que era exequivel, ao que era possivel conseguir; mas firmámo-nos constantemente na supposição de que o nosso direito havia necessariamente prevalecer.

A nossa diplomacia foi sempre uma diplomacia do thesouro dos meninos.

Estes dois criterios oppostos de que fallava poderiam ser personificados pelos dois estadistas, que successivamente negociaram a paz da França com a Allemanha, o sr. Julio Favre e o sr. Thiers. O primeiro era d'aquella escola, que confiava na declamação rhetorica, como instrumento diplomatico: nem uma pollegada do nosso territorio, nem uma pedra das nossas fortalezas, é um specimen conhecido da sua eloquencia diplomatica. O principe de Bismarck. de quem se referem muitos motejos a respeito d'elle, conta-se que disse um dia: eu creio realmente que, quando fallava commigo, aquelle homem me tomava por uma assembléa popular. O resultado d'esta phraseologia sesquipedal foi o prolongamento de uma guerra sanguinolenta e o aggravamento na dureza das condições impostas á França. O sr. Thiers, esse seguia o outro criterio.

Esse avaliava, com reflexão e prudencia o que era possivel á França alcançar na sua infeliz situação: expunha os perigos que a Allemanha incorria, reduzindo a França

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aos transes do ultimo desespero, e os beneficios que auferia da immediata terminação da guerra, e póde assim alcançar a paz e conservar para a França o formidavel baluarte de Belfort. A França nunca duvidou a qual destes dois negociadores devia tributar a sua gratidão.

Se estudassemos a historia, como aconselha o principe de Bismarck, e basta-nos para isso a historia dos nossos dias, veriamos que a supposição da supremacia da justiça é, como elle já disse, uma illusão pueril. Os exemplos confirmativos são tão abundantes, que é difficil escolher.

Mas o orador disse que escolheria um unico, e que esse dispensava mais amplas demonstrações. No dia 16 de janeiro de 1864 os enviados da Austria e da Prussia entregavam em Copenhague ao presidente do conselho de ministros da Dinamarca, uma nota identica dos seus governos, que intimava o actual Rei Christiano a abrogar a constituição d'aquelle estado, dentro de dois dias; passado esse praso, os enviados das duas potencias abandonariam a capital da Dinamarca. O governo da Dinamarca pediu que, pelo menos, lhe fossem concedidas seis semanas para satisfazer esta exigencia das duas potencias, que este praso lhe era indispensavel para convocar o, parlamento, e fazer passar a respectiva lei constitucional.

Este pedido do governo dinamarquez, apoiado pela França, Russia e Inglaterra, foi rejeitado no dia 23 de janeiro pelas duas côrtes germanicas. No dia 1 de fevereiro o general Wrangel passava o rio Eider. Era a guerra que começava. Antes, e durante essa guerra de seis mezes, toda a Europa occidental, já pela voz da imprensa, já pela voz dos seus parlamentos e dos seus ministros d'estado, apoiava calorosamente a causa da Dinamarca. Mas ninguem moveu um braço para a defender.

Com profunda verdade dizia o Rei da Dinamarca ao seu parlamento: "Durante o pouco tempo que tem durado o nosso reinado, temos aprendido por amarga experiencia quão pouco pesam hoje na balança politica da Europa os direitos os mais evidentes, e como um rei e o seu povo podem ser abandonados a si proprios na lucta a mais desigual".

O resultado da guerra foi que a Dinamarca, cuja integridade territorial lhe tinha sido garantida pelo tratado de 8 de maio de 1852, a que todas as potencias da Europa, e entre ellas Portugal tambem, tinham adherido: a Dinamarca foi desmembrada, e perdeu duas quintas partes do seu territorio e da sua população.

Estes são os triumphos do direito.

Mas é Portugal completamente innocente destas prepotencias da força? Como procedemos nós em 1887 para com o sultão de Zanzibar?

Tinhamos com elle uma questão a respeito da bahia de Tungue. Porventura lhe offerecemos o recurso da mediação, ou um tribunal de arbitragem? Nada disto. Não estivemos com cerimonias. A povoação de Tungue foi bombardeada e tomada de assalto, e o unico vapor que o sultão possuia, o vapor Quiloa, foi por nós aprisionado. Bem sabemos que o nosso direito á bahia de Tungue era inquestionavel. Por certo. Mas é provavel que para o sultão de Zanzibar esse direito não fosse tão evidente como para nós: um africano tem a cabeça mais dura e a intelligencia mais fusca que um europeu. E, em todo o caso, não é muito conforme com os principios do direito que a pessoa aggravada seja parte e juiz no seu proprio feito. Mas bom foi que nos antecipassemos, porque, a final, todo o territorio do triste sultão lhe foi retalhado pela Allemanha e a Inglaterra, que d'elle fizeram entre si amigavel partilha.

Assim, pois, um criterio de politica internacional, que consiste em confiar singelamente na justiça, em appellos altisonantes ao tribunal da consciencia, em manifestos retumbantes de indignação, é um criterio que confunde a arte da diplomacia com os artificios do melodrama.

No melodrama esses processos, quanto mais encarecidos, tanto mais arrancam os applausos. Na diplomacia esses processos, quanto mais transcendem os limites da prudencia e da circumspecção, mais desauctorisam, empobrecem e defraudam a nação que os pratica. Nos lances criticos da sua historia uma nação, como um individuo, deve provar a sua virilidade pela concentração do seu espirito, e não dissipar as suas forças em demonstrações infructiferas. O tratado em discussão era desgraçadamente uma demonstração experimental das funestas consequencias que resultam do esquecimento d'aquellas regras de proceder, aliás muito triviaes, e de geral acceitação nos negocios da vida particular.

Por ultimo, o orador disse que, como justificação generica da sua declaração, exporia á camara quaes foram os principios que regularam o procedimento de um poderoso imperio em uma negociação identica á nossa. Não fazia a comparação d'esses principios com aquelles que nós tinhamos julgado dever adoptar; mas deixava ao juizo discreto da camara o fazer mentalmente essa comparação.

O imperio allemão tambem o anno passado fez um tratado com a Inglaterra, delimitando as suas respectivas possessões na Africa. E quaes foram os principios que dirigiram esse victorioso imperio nas suas negociações com a Inglaterra? Esses principios foram expostos pelo chanceller do imperio, o general Von Caprivi, na sessão, do Reichstag de 5 de fevereiro de 1851. O orador disse que ia expor á camara um resumo do discurso do chanceller.

O chanceller não se mostra muito enthusiasmado com a perspectiva de um imperio colonial. Em primeiro logar elle não Linha a sua opinião formada sobre os proveitos que d'ahi adviriam á Allemanha. O ponto de vista dos viajantes a respeito da Africa, disse elle, varia, segundo que elles tiveram ou não tiveram as febres. Em segundo logar, elle arreceiava-se dos embaraços com que as possessões africanas estorvariam o poder da Allemanha.

Contou elle, que um estadista estrangeiro havia dito: ah! quem poderá dar á Allemanha a Africa inteira! Em seguida o chanceller passou a responder ás arguições que lhe tinham sido dirigidas por causa das concessões que elle tinha feito á Inglaterra. Em relação a Zanzibar, disse elle, era inteiramente impossivel para a Allemanha o adquirir o protectorado sobre aquella ilha sem o assentimento da Inglaterra, com o qual paiz a Allemanha deve ter um certo grau de connivencia, para em algum tempo futuro colher as vantagens d'essa complacencia. Tinha-se argumentado, continuou o chanceller, que o principe de Bismarck nunca teria consentido nas concessões que elle fizera, mas elle era impellido a declarar que já em outubro de 1889, quando se ventilava-a questão de annexar o Vitu, o seu predecessor tinha escripto: a satisfação de lord Salisbury é de mais importancia para nós, ao que todo o Vitú, e é necessario não fazer nada sem conhecer os direitos effectivos dos inglezes, e até mesmo aquelles que elles imaginam ter. E n'outra occasião o principe de Bismarck escrevera na margem do relatorio da commissão do Reichstag, enviado á chancellaria, a proposito da intelligencia com o sultão de Zanzibar: Nada fazer sem intelligencia com a Inglaterra; a Inglaterra é mais importante para nós que Zanzibar e toda a Africa oriental.

O orador pediu á camara que fixasse bem as datas em que o principe de Bismarck tinha manifestado estes seus sentimentos em relação á Inglaterra, em despachos secretos, e cuja publicação parece que não foi do seu agrado: essas datas eram outubro e fins do anno de 1889.

E continuou o seu resumo do discurso do chanceller allemão. O chanceller, respondendo ao reparo que se fizera, de elle ter cedido Vitu á Inglaterra, e até sem primeiro ter vingado o assassinato dos subditos allemães, ordenado pelo sultão de Vitu, disse que para punir efficazmente o sultão de Vitu. teria sido necessario reunir uma esquadra de oito ou nove cruzadores, e desembarcar cerca de novecentos homens, e isto lhes custaria quasi tanto dinheiro e trabalho como a concentração naval em Zanzibar em 1884, que

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tivera o effeito de acrescentar cerca do milhão e meio de marcos ao orçamento de marinha, por isso entendera que não devia effectuar o castigo, de que, provavelmente, a Inglaterra se encarregaria.

O orador disse que este tinha sido o criterio, tal como fora exposto pelo chanceller do imperio; que a poderosa Allemanha entendera dever seguir nas suas negociações a respeito da Africa.

Repetiu que não fazia comparações, mas que deixava essa ingrata tarefa á meditação d'aquelles que lhe faziam a honra de o escutar.

O orador terminou, dizendo que, tendo justificado a declaração que tinha juntado á sua assignatura do parecer em discussão, só lhe restava acrescentar que dava o seu j voto a favor do tratado.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente. Não venho embaraçar a votação do tratado com a Inglaterra; eu mesmo voto esse tratado.

Ainda menos venho aggredir ou aggravar seja quem for; a todos faço inteira e ampla justiça.

Mas quem, como eu, viu, apoz longos e porfiados esforços, levantar-se o seu paiz numa convulsão nervosa para derrubar o resultado de tão sinceras, quanto penosas diligencias, tem o direito de, ao ver liquidada a questão e aberto o debate, fallar desassombradamente ao seu paiz.

Este é o direito que eu reclamo para mim.

N Tio venho rememorar nem revolver o passado; não venho trazer a lume responsabilidades antigas; tanto menos que, se eu discordo da orientação dada pelo sr. Barros Gomes ás suas negociações com a Inglaterra, sou, todavia, o primeiro a reconhecer a fé e a convicção com que s. exa. luctou. Simplesmente direi, porque isso é um facto, que eu não fiz a questão ingleza, encontrei-a.

Assumi a gerencia dos negocios publicos precisamente na occasião em que chegara ao nosso paiz o ultimatum; uma violencia que entrou fundo no nosso coração, e que de subito veiu ferir os brios de Portugal, despertados, como foram, numa explosão de sentimento exaltado, pois que nem os animos se haviam apercebido para a gravidade do conflicto que estava imminente, nem podiam logo entrar na fria comprehensão dos inconvenientes de uma lucta desigual, travada com uma nação que antes fôra nossa alliada, e que se apresentava agora como nossa adversaria implacavel, ella, que dispunha nos mares de tantos navios e em terra de tantas forças, quando Portugal, para se defender, podia, sim, contar com o seu valor e com a sua vontade, mas, francamente, com pouco mais.

A impressão causada pelo ultimatum foi verdadeiramente dolorosa; produziu uma indignação tão viva e pungente, que o paiz, não podendo dominar os seus impetos, deixou, por toda a parte, expandir a sua irritabilidade.

N'esta situação, o que me competia fazer?

Abrir uma lucta armada, tenaz, intransigente, com a Inglaterra, inspirando-me só nos impulsos de momento? - era sacrificar inevitavelmente o paiz.

Conter, ceder, transigir, capitular, remediar? - extraordinariamente difficil.

Tão difficil, tão impossivel, mesmo, n'aquella conjunctura, que apesar de toda a dedicação com que me entreguei á ardua tarefa de arrancar o meu paiz de uma situação tão dolorosa, a onda foi mais forte do que eu, e galgando passou sobre mim.

Foi necessario que sobre o paiz se desencadeassem todos os revezes e insuccessos por que ultimamente temos passado, para que, alquebrados os primeiros impulsos, se possa hoje resignadamenie votar este tratado.

Como eu me lembrei então da França! - e com que tristeza eu olhei para o meu paiz!

A França quiz bater-se com a Allemanha; bateu-se, perdeu e pagou. Pagou, sr. presidente, com duas provincias suas, a Alsacia e a Lorena, que de certo lhe não eram menos caras do que para nós o sul do Nyassa ou o planalto de Manica.

O grito da revanche surgiu logo, echoou por toda a França, repercutiu se em todos os angulos d'aquella grande nação; todavia, vinte annos são já decorridos, e essa revanche ainda não chegou.

Veiu, porem, uma outra revanche: e que nenhuma nação, mais do que a França, se tem, n'estes ultimos annos, avantajado nos fastos do progresso, em tudo o que traduz a intelligencia e a actividade humana. Essa tem sido a sua revanche!

Se nós procurassemos imitar o exemplo da França?! Se em vez de gastarmos as nossas forcas em dizer mal, empenhassemos antes os nossos esforços em trabalhar bem?!

Mas voltemos ao que eu fiz na questão com a Inglaterra; era necessario adoptar uma resolução, e eu tinha a escolher de entre quatro alvitres: romper, deixar, recorrer, ou tratar.

Romper?! Eu sei bem que o ministro que naquella occasião se apresentasse, declarando que não mais trataria com a Inglaterra, teria, de momento, o applauso e o enthusiasmo de muitos patriotas convictos.

Mas depois? Quando, profundamente affectados os nossos interesses, vissemos ameaçada a nossa existencia economica e social, e em perigo a propria independencia e integridade do paiz? Que terrivel responsabilidade! Que dolorosissimas consequencias!

Romper?! Quiz a Italia romper commercialmente com a França, e a poucos passos viu a sua ruina: e era a Italia!

Deixar?! Mas o ultimatum não foi a resolução da questão ingleza, foi um incidente; e um incidente não resolve uma questão! Demais, cruzar os braços, nem seguir os impulsos de um desaggravo, nem tirar as vantagens de uma transacção, seria o mais criminoso de todos os abandonos.

Recorrer para as potencias estrangeiras?

Invocar o artigo 12.° do acto geral da conferencia de Berlim?

Pensemos e vejamos bem; porque não basta dizer: recorramos, eutreguemos a nossa causa ás nações estrangeiras, succeda o que succeder. Quem tem as responsabilidades de governo, tem a obrigação de prever onde o leva o caminho que segue, a fim de não sacrificar o paiz, mallogrados os seus esforços.

O artigo 12.° do acto geral da conferencia de Berlim, diz effectivamente que: - no caso em que um dissentimento serio, originado nos limites dos territorios mencionados no artigo 1.° d'esse acto, e collocados sob o regimen da liberdade commercial, venha a suscitar-se entre as potencias signatarias do mesmo acto, ou as que mais tarde lhe adherirem, essas potencias se obrigam, antes de appellar para as armas, a recorrer á mediação de uma ou mais potencias amigas.

E acrescenta que: - para o mesmo caso, as mesmas potencias se reservam o recurso facultativo ao processo de arbitragem.

Mas entre a mediação e a arbitragem vae grande a distancia.

A arbitragem é um julgamento que obriga; a mediação é uma prestação de bons serviços.

O mediador é como um juiz de paz, não um juiz de direito; concilia as partes, se ellas se querem conciliar; de contrario, termina sem effeito a sua missão. Os seus bons officios não têem força de sentença, nem podem, contra sua vontade, obrigar qualquer das partes. Para que, pois, eu recorresse efficazmente para a mediação das potencias, nos termos do acto geral da conferencia de Berlim, era indispensavel que a Inglaterra concordasse comnosco em acceitar essa mediação.

Ora, precisamente a Inglaterra, pouco tempo antes de eu assumir a gerencia da pasta dos estrangeiros, declarára,

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n'um despacho ao seu representante aqui, que se não conformava com a applicação do artigo 12.° do acto geral de Berlim: em primeiro logar, porque Portugal, antes de recorrer á mediação, tinha appellado para as armas nos territorios do Nyassa; em segundo logar, porque uma grande parte dos territorios sobre que versou o ultimatum, os de Machona e Matabelles, estavam fôra da zona livre de commercio, traçada no acto geral da conferencia; em terceiro logar, porque tendo o proprio Portugal feito reservas nessa conferencia, excluindo d'aquella zona a provincia de Moçambique, não podia, depois, argumentar com o que, para a mesma zona, se estipulara na conferencia.

E claro que eu podia responder que a nossa lucta no Nyassa não fôra com a Inglaterra; o que houve foi apenas um conflicto entre uma expedição nossa e os gentios,, os makoloios. Podia dizer que, se os territorios de Machona e Matabelles estavam situados fôra da zona de commercio, dentro d'essa zona estavam, evidentemente, os do Nyassa, e que, sendo a pendencia uma só, sobre toda ella tinha de recair a mediação. E podia mostrar, emfim, que um protesto só aproveita a quem o faz, e não póde servir de argumento precisamente áquelle que o não produz.

Mas eram argumentos contra argumentos, e a Inglaterra sabia bem que, para a mediação se estabelecer e ter força era indispensavel que ella a acceitasse.

A arbitragem, a instituição de um verdadeiro tribunal, essa, por isso mesmo que era facultativa, dependia absolutamente de um accordo com a Inglaterra.

N'estas circumstancias, deveria eu recorrer para as potencias, quaesquer que fossem os resultados? Poderia dirigir-lhes uma nota collectiva expondo os factos, e dizendo: a nossa causa nas vossas mãos a entregâmos?

Podia, mas com que esperanças e probabilidades de exito?

Sondei as potencias. A Allemanha disse-nos que negociassemos com a Inglaterra. A Italia preveniu-nos de que, se invocássemos o artigo 12.° do acto geral da conferencia de Berlim, os resultados seriam inefficazes. A Hespanha declarou que não podia entrar em uma acção isolada, vendo que as outras nações se abstinham de uma intervenção decisiva. Os Estados Unidos responderam-nos que liquidássemos primeiro a questão do caminho de ferro de Lourenço Marques. A França, a Russia, e outras potencias, significaram nos muita estima, excellentes palavras, um grande apreço e sympathia por nós, mas d'ahi a intervirem no pleito com a Inglaterra a differença era enorme.

Esta é a rasão por que não invoquei o artigo 12.° da conferencia de Berlim.

Do que eu sobretudo precisava, era de chegar a um resultado pratico; era d'isso que o paiz carecia; só quando visse mallogrados todos os meus esforços para chegar a uma solução definida, teria portanto appellado, em ultimo e extremo recurso, para o artigo 12.° do acto geral da conferencia de Berlim, porque só então, quaesquer que fossem os resultados, podia a minha consciencia ficar tranquilla.

Ora, desde que eu não podia romper; não devia nem podia deixar a pendencia ao abandono; e tambem não podia recorrer efficazmente para o artigo 12.° do acto geral da conferencia de Berlim; o que me restava? - evidentemente tratar com a Inglaterra.

Para isso, tinha eu dois caminhos a seguir: o primeiro, procurar que a Inglaterra se accordasse comnosco, em se constituir um tribunal, um julgamento, uma apreciação estranha e imparcial para decidir a questão; o segundo, negociar directamente um tratado.

Entendi que, nas circumstancias em que o paiz se encontrava, devia, primeiro, envidar até ao ultimo esforço para que a Inglaterra concordasse em que a nossa pendencia se derimisse ante um tribunal, ou por qualquer dos meios que o direito internacional estabelece. Nesse intuito, as instrucções que o sr. Barjona levou para Londres foram as que constam do seguinte telegramma que lhe dirigi, e que está publicado no Livro branco das minhas negociações.

"Lisboa, 6 de março de 1890. - Como foi combinado nas conferencias que tivemos antes da sua partida, convem propor ao governo inglez a arbitragem, a conferencia, a mediação, como meios de direito internacional para resolver a nossa questão. Se o governo inglez recusar solução por esses meios, e negar applicação do artigo 12.° do tratado de Berlim á nossa questão, acho perfeito cabimento ao seu alvitre de propor arbitro ou mediador sobre questão previa da applicação do artigo 12.° V. exa. procederá segundo as circumstancias. Governo confia inteiramente no seu bom discernimento. Se todos os nossos esforços forem baldados junto da Inglaterra, terá o governo portuguez de recorrer directamente á mediação obrigatoria estipulada no artigo 12.°"

Isto mesmo dizia eu no telegramma circular que, em 2 de março, dirigi aos nossos representantes nas côrtes estrangeiras, solicitando os bons officios dos outros governos junto do gabinete inglez:

"Lisboa, 2 de março de 1890. - Encontrando, ao entrar n'este ministerio, um conflicto aberto entre Portugal e a Inglaterra, sobre territorios de Moçambique, entendi que, antes de recorrer á mediação das potencias, que se estipulou como obrigatoria no artigo 12° do tratado de Berlim, devia, empregar os ultimos esforços para chegar com a Inglaterra a uma solução honrosa, qual a de sujeitar a questão a uma apreciação imparcial, nos termos e pelos meios que o direito internacional tem estabelecido. N'este proposito levou o sr. Barjona de Freitas para Londres amplas instrucções minhas. Para conseguir este resultado muito podem todavia influir instancias e bons officios d'esse governo junto do governo inglez. Procure v. exa. obtel-os, sem perda de tempo, ponderando: a violencia do procedimento da Inglaterra para com Portugal, sua antiga e fiel alliada; o perigoso precedente, que ficaria, de sermos despojados, sob a ameaça da força, de antigos territorios nossos, pois que a força não constitue direito; a absoluta justiça de que sobre a questão haja uma apreciação imparcial, e assim uma decisão honrosa. O fundo resentimento, que a violencia do aggravo produziu em Portugal, determinou uma excitação em todo o paiz, que só o restabelecimento da questão n'um terreno justo e digno póde acalmar. Os interesses mais vitaes do paiz e das suas instituições, instantemente o reclamam; graves podem ser as consequencias de uma denegação de justiça. Sou informado de que lord Salisbury, que ha dias se ausentou de Londres, voltará para assistir á recepção do dia 5. Convem, pois, não perder o ensejo de fazer valer as instancias e os bons officios dos governos das outras nações, junto da Inglaterra, para que esta acceda aos justos desejos de Portugal. Se absolutamente improficuos forem os nossos esforços em Londres, terei então de invocar, em ultimo recurso, O artigo 12.° do tratado de Berlim, entregando ás potencias signatarias d'esse tratado a justissima causa de Portugal."

Aqui tem v. exa. traçado o caminho que entendi dever seguir. Cheguei, mesmo, a ter esperanças de obter um bom resultado; julguei poder alcançar a mediação. Todavia, os nossos esforços mallograram-se, e ao mesmo tempo que a Inglaterra se recusava á arbitragem, a uma conferencia, á mediação, abria-nos uma porta para as negociações directas.

N'estas circumstancias, eu, que não tinha encontrado apoio suficiente para tornar effectivo o artigo 12.° do acto geral da conferencia de Berlim: eu, que não tinha podido chegar com a Inglaterra a um accordo para a constituição de um julgamento, ou tribunal estranho; desde que se me abria uma unica porta, é claro que entrei. Essa porta era a das negociações directas; entrei na negociação de um tratado.

Aqui tem v. exa. explicada a minha linha de proceder.

Tendo de negociar com a Inglaterra, entendi que devia entabolar as negociações em Londres.

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Não me arrependi. O sr. Bocage póde dizer se não é verdade que as negociações, que correram sob a sua gerencia, foram muito mais diligentes e activas desde que de Lisboa se transferiram para Londres.

O Livro branco o attesta, e a rasão é obvia: eramos nós que desejavamos chegar a um accordo com a Inglaterra, quando a Inglaterra, aliás, não tinha interesse em negociar comnosco; a free hand era a que mais lhe convinha.

Onde deveria, pois, ser seguida a negociação?

Lá, aonde mais de prompto, e directamente, podia o representante de Portugal conferenciar, discutir e accordar-se com os proprios ministros do gabinete inglez. É claro que, assim, a conclusão havia de ser mais rapida.

Accusaram me, sr. presidente, porque eu não conservei o sr. Dantas em Londres.

A verdade é que não conservei o sr. Dantas em Londres, porque a sua posição ali, depois do ultimatum, era insustentavel, como elle proprio o reconhecia. Haviam-se mallogrado as negociações em que elle interviera, seguindo uma determinada orientação; desde que, apoz o ultimatum, se tornava necessario, para ter probabilidades de exito, imprimir ás negociações uma orientação diversa, o mais competente para isso não podia ser o sr. Dantas. Foi por isso, tambem, que, quando sossobrou o tratado de 20 de agosto, o sr. Barjona não hesitou em pedir que o retirassem de Londres.

Escolhi, pois, ao entrar no ministerio, o sr. Barjona de Freitas, e applaudo-me d'essa escolha, porque entre nós, durante todo o curso das negociações, não houve a minima discordancia, nem sobre a apreciação dos factos, nem ácerca do caminho a seguir.

O sr. Barjona de Freitas: - Apoiado.

O Orador: - E, todavia, bem possivel era isso, n'um assumpto melindroso como aquelle. O sr. Soveral foi um habil e intelligente negociador; o sr. Bocage um strenuo defensor dos direitos do seu paiz; e, comtudo, quando aqui chegaram as bases que o sr. Soveral assignou em Londres a 14 de maio, tão differentes eram ellas, em pontos realmente importantes, do que o sr. Bocage desejava e esperava que, logo em 19 de maio, enviava s. exa. um despacho ao sr. Soveral, em que, entre outras cousas, se le o seguinte:

"Não me disse nunca v. exa. os motivos que o marquez de Salisbury invocou para rejeitar a clausula geral da arbitragem, pela qual sempre, insistiu o governo de Sua Magestade; por isso ainda espero que o governo britannico acceite, ao menos para afixação definitiva das fronteiras, a applicação de uma regra que se vae generalisando cada vez mais para casos similhantes, com reconhecida vantagem."

"A formula que subsistiu para o resgate dos direitos de transito, não é nenhuma d'aquellas em que eu tinha concordado..."

"A execução do preceituado n'este artigo (transito e navegação nos rios) poderá dar logar a futuras divergencias; é um d'aquelles para que muito conviria ter-se mantido a clausula geral da arbitragem. Limito-me a observal-o a v. exa."

"Apesar de v. exa. me ter annunciado que, neste artigo (caminho de ferro do Fungue) tinhamos alcançado importantes modificações, vejo que a sua redacção é pouco clara e póde talvez originar interpretações desfavoraveis para os nossos interesses."

Este despacho, que se acha publicado a pag. 240 do ultimo Livro branco mostra, quanto é facil, no decurso de negociações importantes, não haver, em tudo, uma absoluta uniformidade de vistas.

Voltando, porém, ao sr. Barjona.

Disse-se que não seria recebido em Londres; que a Inglaterra fechára a porta a toda e qualquer negociação.

A verdade é que o sr. Barjona foi excellentemente acolhido. Pelo que toca á possibilidade de negociações, effectivamente, era aquella a voz corrente; e tão fundada, que, relatando a sua primeira entrevista com lord Salisbury, officiava o sr. Barjona em 17 de fevereiro de 1890:

Recebeu-me com a maior amabilidade e cortezia; mas vi nas suas primeiras palavras que julgava por agora finda a questão anglo-portugueza. (Le passé est passé: le temps est un grand modérateur}". (Livro branco de 1890, pag. 44).

Esta era, tambem, a opinião do corpo diplomatico; o proprio ministro da Inglaterra m'a expressou aqui. E todavia, as negociações abriram-se, proseguiram e fecharam-se; o tratado fez-se.

Accusaram-me, sr. presidente, de eu não informar o parlamento do estado das negociações.

Não o fiz porque não podia nem devia fazel-o.

Nunca, em paiz algum, acceita um governo discussão no parlamento sobre negociações pendentes.

Ainda agora, sobre esta mesma questão, estando já publicadas as bases, que são, a final, o tratado que vae ratificar-se, sendo hoje conhecidas em toda a parte, em todo o mundo politico, agora mesmo, e apesar disso, o sub-secretario d'estado dos negocios externos, sir James Fergusson, interrogado no parlamento britannico sobre quaes eram essas bases, declarou que as não podia communicar á camara emquanto o tratado não estivesse assignado.

Consta do seguinte telegramma que, ha apenas cinco dias, nos communicou a agencia Havas:

"Londres, 4 de junho de 1891.- Sir James Fergusson, secretario politico dos negocios estrangeiros, declarou que não póde communicar á camara as clausulas do tratado com Portugal, emquanto não estiver assignado."

E esta a reserva sempre seguida em assumptos diplomaticos, emquanto não estão resolvidos; foi esta a reserva que eu tive de guardar até á assignatura do tratado.

Mas nem por isso o parlamento deixou de estar aberto emquanto eu fui ministro dos negocios estrangeiros. Mais tarde, o governo que se seguiu tambem não informou as camaras do estado das negociações pendentes; nem o devia fazer; tão longe foi, comtudo, no seu rigor, que, para isso, teve as côrtes quasi sempre fechadas; o seu pedido de successivos adiamentos por vezes se baseou, segundo consta, precisamente em não estarem as negociações concluidas.

Accusaram-me, não menos, por eu dizer que as negociações iam em bom caminho, quando assim não era.

Os documentos que se acham publicados mostram, porém, que já quando, pela primeira vez, respondi no parlamento sobre o estado das negociações com a Inglaterra, recebera eu, em 30 de abril, um telegramma do sr. Barjona de Freitas, que dizia:

"Londres, 30 de abril de 1890. - Depois de larga conferencia creio que sem exageração e com prudencia póde chegar-se a resultado honroso. Peço projecto definido nossas pretensões territoriaes. Peço devida reserva." (Livro branco de 1890, pag. 80.)

Por isso eu, poucos dias depois, informava o sr. Barjona do seguinte:

"Lisboa, 6 de maio de 1890. - Interrogado ha pouco na camara dos deputados, declarei: negociações pendentes; reputar discussão prejudicial; ter fundada esperança chegar breve resultado honroso e satisfactorio; tomar compromisso de, esperança mallograda, apresentar logo documentos e dar conta meus actos." (Livro branco de 1890, pag. 83.)

A esperança, que justamente eu tinha então, era a de chegar com a Inglaterra ao accordo de uma mediação que derimisse o pleito.

Demais, as declarações que fiz são aã que justificadamente se fazem sempre que uma negociação está pendente, pois que emquanto ha negociações ha esperança e probabilidade de exito j aliás não se negocia.

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O ministerio passado não disse ás camaras que as suas negociações seguiam em bom caminho, e em termos que faziam antever um resultado satisfactorio e honroso, pela simples rasão de que as camaras não estavam abertas:; mas disse-o ás potencias; disse-o até por antecipação.

No telegramma circular que, em 16 de janeiro de 1891, se dirigiu aos nossos representantes junto das diversas potencias, ácerca da expedição que foi para Moçambique, ponderava o sr. Bocage:

".Esta expedição, communico-o a v. para que em qualquer occasião opportuna o possa assegurar ao ministro dos negocios estrangeiros, não tem nenhuma significação hostil á Gran-Bretanha, com a qual o governo de Sua Magestade está negociando em excellentes termos um tratado que ponha fim ao conflicto africano, e sómente é destinada, etc." (Livro branco de 1891, pag. 5l.)

Isto dizia o sr. Bocage em 16 de janeiro; no dia seguinte, em 17 de janeiro, é que s. exa. enviou ao representante da Inglaterra n'esta côrte a sua primeira proposta de accordo.

Accusaram-me tambem em todos os incidentes que occorreram em Africa entre portuguezes e inglezes; accusaram-me com acrimonia e violencia. Pois incidentes bem mais dolorosos e tristes occorreram depois; a entrada das canhoneiras no Zambeze, a tomada de Mutassa, a prisão de Paiva de Andrada, Rezende e Manuel Antonio, os acontecimentos do Pungue, o conflicto de Macequece, valeram bem o caso dos cypaes.

Mas a mim, ao mesmo tempo que, em altos brados, me exigiam que eu protestasse, com energia, perante a Inglaterra, assaltavam-me e abatiam-me no meu proprio paiz.

Tiravam-me toda a força aqui, e queriam que eu a tivesse lá fóra, perante uma nação estranha!

Eu pergunto á camara se era com os ataques directos, violentos, e na verdade injustos e crueis, que a cada passo me dirigiam, que se podia, n'aquella occasião, dar força ao ministro dos negocios estrangeiros para elle, que representava uma nação pequena, poder defrontar-se e luctar com uma nação tão forte, tão cheia de recursos e de meios de acção como era a Inglaterra?

Accusaram-me ainda porque as negociações iam demoradas; e todavia o sr. Barjona chegou a Londres em fevereiro, e em agosto, seis mezes depois, estava feito o tratado com a Inglaterra. Apesar de que tudo estava por fazer.

Pouco tempo depois, o ministerio a que eu tinha a honra de pertencer deu a sua demissão, organisou-se em outubro um outro governo, e sete mezes foram necessarios para se remodelar o proprio tratado, que estava feito; isto, é claro, não porque faltasse boa vontade aos novos negociadores, mas pela força imperiosa das circumstancias e dos factos, que hoje são a justificação de muitos erros que me attribuiram, de muitas pretendidas culpas que me lançaram.

A verdade, sr. presidente, é que nem uns, nem outros, negociámos com inteira liberdade de acção, como o prova exuberantemente o. Livro branco.

Eu acceitei a pasta dos negocios estrangeiros, empreguei desde logo activas diligencias para um accordo, e, apesar d'isso, devo dizer que as negociações, no principio, foram bem mais vagarosas do que eu quizera; a Inglaterra orientava-se, e dispunha os seus elementos de combate.

Depois, começaram os inglezes a invadir a Machona, foram para Zanzibar as canhoneiras inglezas; e quando a expedição á Machona já ia longe, e as canhoneiras estavam prestes a entrar no Zambeze, lord Salisbury deixava Londres, no proprio momento em que mais precisavamos de chegar a uma conclusão a fim de evitar as violencias que nos ameaçavam; foi n'estas circumstancias que se assignou o tratado de 20 de agosto.

Não admira que, assim, no apertado do tempo e dos factos, não saísse perfeito esse convenio.

Era necessario n'aquelle momento assignar o tratado que estava entre mãos; como uma barreira a oppor á invasão dos nossos territorios e á violação dos nossos direitos; - assignou-se.

O que aconteceu depois aos que me succederam no governo?

O ministerio passado assumiu o poder em 15 de outubro; pactuou um modus vivendi por seis mezes, em 14 de novembro; dois mezes depois apresentou, o seu primeiro projecto de tratado; a Inglaterra deixou passar tres mezes sem responder; dos seis mezes do modus vivendi, decorreram, portanto, cinco sem sequer se saber o que a Inglaterra queria..., e só ficou um para as negociações do novo tratado!

No emtanto, os inglezes apoderaram-se de Mutassa; aprisionaram e expulsaram d'ali os que nos representavam e defendiam; levas de gente armada foram do Cabo e do Natal reforçar as hostes da Machona; para o Pungue foram canhoneiras britannicas; e quando tudo estava assim disposto, o modus vivendi prestes a terminar, e que o sr. Bocage insistia pela prorogação do praso, informava o sr. Soveral, de Londres, que não tinha esperanças de o conseguir, a não se assignarem as bases de convenio que a Inglaterra traçára.

D'isto, a prova está no Livro branco.

Ahi se vê a maneira por que subscrevemos a este segundo tratado.

Em 17 de abril, enviava o sr. Bocage ao nosso ministro em Londres, o seguinte telegramma:

"Lisboa, 17 de abril de 1591. - Amanhã primeira conferencia para a negociação do tratado. A negociação poderá levar ainda algum tempo até se chegar a accordo, e portanto não ha certeza de poder ser votada convenção pelas camaras dentro do praso do modus vivendi. Por outro lado a provada má fé da South Africa faz receiar novos attentados em territorio portuguez apenas findar modus vivendi. Ê, pois, urgente exigir do governo inglez, ou declaração formal de manter o statu que do modus vivendi, ou então prorogação d'este por um mez. O governo inglez não póde recusar uma ou outra cousa, visto ter demorado tres mezes a contra-proposta, a qual gastou onze dias na viagem de Londres a Lisboa."

O sr. Soveral respondeu:

"Londres, 18 de abril de 1891. - Na minha opinião marquez de Salisbury só concederá prorogação do modus vivendi quando vir negociação em bom caminho."

A negociação proseguiu; proseguiu sobre as bases que o governo inglez redigira; mas alevantavam-se duvidas, objecções por nossa parte; havia durezas, modificações a obter; no entanto o modus vivendi chegava ao seu termo, e em 13 de maio, telegraphava o sr. Soveral:

"Londres, 13 de maio de 1891.- Ferias parlamentares começam agora. Marquez de Salisbury parte de Londres no fim da semana. É muito urgente ultimar antes."

Logo apoz, acrescentava em outro telegramma:

"Londres, 13 de maio de 1891. - Entrevista amanhã com marquez de Salisbury ás tres horas. Deseja que assignemos então bases. Assignarei tambem por essa occasião prolongação do modus vivendi por um mez. Hoje, apesar de haver recepção na côrte, fui ao Foreign Office, onde me disseram que o documento para a prolongação do modus vivendi ainda não estava copiado. Desconfio que farão difficuldade em conceder essa prolongação se não forem acceites as bases."

Então o sr. Bocage respondeu:

"Lisboa, 14 de maio de 1891.- Confirmo auctorisação para assignar bases."

Foi assim que se assignaram as primeiras bases do tratado que discutimos.

Mas chegaram essas bases a Lisboa, e tão differentes eram, em pontos essenciaes, do que o sr. Bocage esperava e queria, que, apesar de ter já dado a sua demissão, ainda s. exa. procurou, á ultima hora, obter que se emendassem

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algumas das clausulas, como consta do despacho do 19 d maio de que já li trechos á camara.

Em 20 de maio ponderava, porém, o sr. Soveral:

"As bases foram aqui mal recebidas. Rhodes exerce grande pressão. Marquez de Salisbury regressa da Escocia na sexta feira, demora-se apenas horas e vae para Hatfield Disse-me que desejava muito poder eu annunciar-lhe a ré solução tomada pelo governo portuguez ácerca da alternai vá, sendo então boa occasião para lhe propor as modificações de redacção. Deseja tambem conhecer quaes ellas sejam Peço-lhe, pois, uma resposta urgente. Creia v. exa. que situação é muito seria, que a gente do Cabo não está ociosa.

Mas então, chegaram as noticias Mo conflicto em Macequece.

E o sr. conde de Valbom, que substituira o sr. Bocage telegraphava em 25 de maio:

"Recommendo a v. exa. empregue todos os esforços par assignar ámanhã bases definitivas independentemente de liquidação ulterior do incidente Macequece. E absolutamente indispensavel que este incidente não prejudique a conclusa immediata da negociação para tudo ser presente ás côrte no dia 30."

No mesmo dia, informava o sr. Soveral:

"Londres, 25 de maio de 1891. - Na ausencia do marquez de Salisbury e de sir P. Currie communiquei a um outro empregado do "Foreign office" as informações que v. exa. me transmittiu sobre o conflicto de forças em Manica. Alguns jornaes da manhã muito violentos, sobretudo o Standard e Morning Post. Times relativamente moderado. Espero ainda assignar as novas bases ámanhã, com ou sem ponto no Nyassa, se v. exa. assim o julgar conveniente.

"O conflicto veiu difficultar muito as negociações. Os jornaes occupam-se dos dois suppostos enviados do Gungunhana, que chegaram hoje, insistindo em que vem pedir o protectorado inglez.)

E, a seguir, respondia o sr. conde de Valbom:

"Lisboa, 26 de maio de 1891. - Auctoriso v. exa. a assignar hoje terça feira} 20, as novas bases cornou sem ponto no Nyassa, conforme poder obter. É essencial que as bases fiquem hoje assignadas, a fim de evitar que novos incidentes venham difficultar o termo de tão laboriosas negociações."

Aqui tem v. exa. e a camara, sob que pressão, e em que aperto de tempo e de circumstancias, foram assignadas em Londres as bases do actual convenio.

Não é, pois, para admirar que se o tratado de 20 de agosto não saiu perfeito na sua contextura, este seja peior, muito peior, de certo, do que o sr. Bocage desejava.

Mas a mim não houve invectiva que me poupassem, não houve ataque, não houve violencia que me não dirigissem.

Após longos e insistentes trabalhos, devotados á causa do meu paiz, quando appareceu o tratado de 20 de agosto, disseram que era uma traição; quando se publicou o Livro branco, declamaram que elle nos humilhava.

Do sr. Barjona, disseram que elle abatêra a dignidade do paiz que representava, até ao ponto de, durante quatro horas, aguardar nas antecamaras do Foreign Office que lord Salisbury lhe dispensasse uma audiencia. Agora, quer v. exa. saber a verdade? A verdade é que de todos os documentos d'aquella negociação, publicados no Livro branco, precisamente o que mais honra dá ao sr. Barjona é aquelle por que mais o accusaram; é o documento de pag. 182. Foram estes os factos:

As negociações em Londres correram entre o sr. Barjona, como representante de Portugal, ad referendum para mim, como ministro dos negocios estrangeiros, e sir Philipps Currie, sub-secretario d'estado, ad referendum para lord Salisbury, como primeiro ministro da Inglaterra.

Se a alguem parecer estranho que as negociações em Londres se não effectuassem directamente com o ministro inglez, bastar-me-ha ponderar que absolutamente trivial é isso em assumptos diplomaticos; no tratado da Inglaterra com a Allemanha não foi negociador lord Salisbury, foi, por parte d'este, sir Percy Anderson; no proprio tratado de Lunda, aqui mesmo negociado entre Portugal e o Estado do Congo, as negociações correram em Lisboa, e, todavia, quem representou Portugal não foi o sr. Bocage, foi um plenipotenciario especial que s. exa. nomeou.

Mas, como eu dizia, estabeleceram-se as negociações ad referendum. O governo inglez apresentou um projecto de tratado, a que se seguiu um contraprojecto nosso. Combinára-se que sobre um e outro houvesse uma discussão verbal, o que sobretudo nos convinha; mas, á ultima hora, o governo inglez entendeu que, em vez de discutir com o sr. Barjona, melhor lhe iria responder por escripto; e quando o sr. Barjona se dirigiu ao Foreign Office, a relembrar aquelle compromisso e encetar a discussão verbal sobre as clausulas do tratado, disse-lhe sir Philipps Currie que o governo inglez preferia responder por escripto, e que dentro de um quarto de hora estaria prompta a resposta. O sr. Barjona, desejoso, como era bem natural, de saber em que pontos a Inglaterra concordava comnosco, esperou que lhe trouxessem o documento.

Quando, momentos depois, lho apresentaram, viu que o governo inglez recusava quasi todas as modificações que elle propuzera em beneficio de Portugal; era necessario abrir, por qualquer modo, uma discussão verbal; perguntou então se lord Salisbury tinha lido o seu contra-projecto, e como sir Philipps Currie se mostrasse surprehendido com a pergunta, redarguiu que quem escrevia o que estava n'aquelle documento de certo não vira o que elle propozera. Assim começou a discussão, que durou effectivamente quatro horas e; pela qual se alcançaram muitas das modificações que se introduziram no tratado de 20 de agosto, modificações que ficaram e ainda hoje subsistem.

Não foi esperando na ante-camara de lord Salisbury que o sr. Barjona se demorou no Foreign Office; foi debatendo durante quatro horas os interesses de Portugal, para se decidirem os pontos capitaes que se discutiam.

Por vezes se levantou, é certo, o sr. Currie para perguntar a lord Salisbury se estava de accordo em um ou outro ponto; porque, sendo as negociações ad referendum, era necessario que lord Salisbury concordasse, e o sr. Barjona não queria deixar a discussão sem a certeza do accordo.

Precisamente o mesmo se deu nas nossas negociações com a Allemanha para a delimitação dos territorios em Africa. Essas negociações correram tambem em Berlim, sendo representante de Portugal o sr. marquez de Penafiel, que ali tratou muito menos com o ministro do que com o sr. Krauel.

A pag. 25 do respectivo Livro branco de 1887, lê-se o seguinte:

"Depois de se prolongar por mais algum tempo esta conversação, em que adduzi todos os argumentos que julguei mais efficazes, disse-me o sr. Krauel que ia consultar o secretario d'estado, e voltou dizendo-me que o conde Herbert Bismark me auctorisava a communicar ao meu governo que expedia ordem ao sr. Schmidthals para acceitar a linha proposta por v. exa., com a modificação..."

Aqui tem v. exa. por que accusaram o sr. Barjona!

De mim disseram que eu não entendia sequer as clausulas do tratado, porque mais de um telegramma dirigira ao sr. Barjona com perguntas sobre a sua interpretação. Esqueceram-se, porem, de que as negociações corriam em Londres por intermedio do sr. Barjona, e que, desde que se levantavam aqui duvidas e reparos sobre algumas das clausulas, ninguem melhor do que o sr. Barjona podia dizer se na discussão, que sobre ellas tivera com o governo inglez, alguma cousa se dissera ou accordára que podesse justificar ou desvanecer as duvidas suscitadas.

Tanto mais que, como o sr. Barjona não vinha então a Lisboa discutir o tratado no parlamento, onde era de prever que as mesmas duvidas e os mesmos reparos se repro-

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duziriam, sobremaneira convinha que, como esclarecimento na occasião, e como argumento e garantia no futuro, se fixasse no Livro branco, em documentos que vinham dos proprios negociadores do tratado - porque sobre os pontos em duvida, ou o sr. Barjona se havia entendido com o sr. Currie, ou com elle se ia entender - a verdadeira interpretação das clausulas estipuladas entre as duas nações.

Aqui tem v. exa. a explicação.

Quanto ao tratado, levantou-se contra elle uma grande celeuma, por uma clausula que continha: era a clausula do consentimento da Inglaterra, caso pretendessemos alienar alguns dos territorios que ella reconhecia.

E comtudo, sr. presidente, não era essa uma clausula nova. Não havia uma só negociação, um só accordo com a Inglaterra, ou em que ella interviesse, em que se não houvesse prevenido e acautelado, por modo similhante, a hypothese de uma alienação.

Quando se submetteu o direito á bahia de Lourenço Marques á arbitragem de Mac-Mahon, estipulou-se entre Portugal e a Inglaterra, que a nação, que vencesse o pleito, não poderia alienar aquelle territorio sem previa annuencia da outra nação.

Quando, com a intervenção da Inglaterra, se fez o tratado com a China sobre os limites de Macau, estipulou-se que não poderia Portugal ceder Macau sem previo accordo com a China.

Mas ha mais; no tratado do Zaire firmado, em 1884, entre Portugal e a Gran-Bretanha, lá está escripto, en toutes lettres, no artigo 14.°, quanto ao forte portuguez de S. João Baptista de Ajuda:

"E nenhum accordo se f ara para a cessão do forte a qualquer outra potencia, sem previo consentimento da Gran Bretanha."

Quem, como ministro dos negocios estrangeiros, assignou este tratado do Zaire foi o sr. Bocage, que então me dava a honra de ser meu collega no governo.

O que significava esta clausula do consentimento? Significava um acto de vassallagem ou de submissão por parte de Portugal?

Não; significava apenas uma prevenção para a hypothese de alienação; isso e nada mais.

Sobre o tratado do Zaire chegou até a dar parecer a commissão da camara dos deputados; e esse parecer dizia o seguinte:

".Pelo artigo 14.° obrigamo-nos, quando queiramos ceder ou abandonar quaesquer direitos territoriaes que possamos ter entre os meridianos 5° E. e 5° O. na costa da Mina, a dar a preferencia da sua acquisição á Grran-Bretanha, notificando-lhe a nossa intenção e não fazendo nenhum accordo, n'este sentido, com outra potencia sem annuencia d'ella."

"Quando nos dispozermos a abandonar ou ceder, preveniremos o nosso principal vizinho civilisado e dar-lhe-hemos a opção ou a preferencia."

Aqui está como na camara dos deputados tinha já sido explicada a clausula do consentimento.

E que esta interpretação era a unica possivel e verdadeira, mostra-o o proprio officio que o representante da Inglaterra em Portugal, o sr. Petre, dirigiu, em 6 de setembro, a lord Salisbury a respeito do tratado de 20 de agosto, officio que se encontra publicado n'uma collecção de documentos que o governo inglez apresentou este anno ao parlamento.

Diz isto:

" O grande elemento de combate, que todos os dias se põe em relevo no typo mais graudo, e sobre que se fazem os mais apaixonados appellos ao paiz a fim de que se erga contra a convenção, é o ter-se escripto as palavras asem o previo consentimento da Gran-Bretanha", que se diz serem offensivas para Portugal, como implicando vassallagem.

Debalde se mostra que, alem da clausula relativa ao Forte de Ajudá existente no tratado do Congo, que embora não haja sido ratificado, foi assignado e approvado em Portugal, o tratado de 1887 entre Portugal e a China contem uma clausula similhante, empregando-se a palavra "accordo" (agreement) em vez de "consentimento" (consent).

"Isto deu logar a uma longa e lexicologica discussão na imprensa, em que, por um lado, se produziram as mais subtis distincções entre "consentimento" e "accordo", attribuindo-se um sinistro designio ao governo de Sua Magestade por ter empregado aquella palavra.

"Pela minha parte, tenho sustentado, quando interrogado sobre o assumpto, que é uma distincção sem differença, e que o fim em vista foi o mesmo que teve o governo chinez com relação a Macau, isto é, que os territorios a que se fez referencia não seriam cedidos, nem vendidos a outro algum paiz que não á Gran-Bretanha."

E dias depois, em um outro officio de 11 de setembro, referia o sr. Petre a lord Salisbury ter-me assegurado quanto o penalisava a interpretação que se pretendia dar aquella clausula:

..."pois que nenhum intuito tivera (o seu governo) de ferir a susceptibilidade portuguesa, e só, sim, de prevenir uma futura transferencia prejudicial aos interesses da Gran-Bretanha."

Pois apesar de tudo isto, a verdade é que quando o tratado de 20 de agosto foi apresentado á camara, já essa clausula tinha desapparecido, substituindo-se pela de uma simples preferencia em caso de alienação.

Se mal havia, eu mesmo o remediei.

Arguiram-me tambem, e muito, por uma outra clausula, que era a da intervenção de um engenheiro inglez nós estudos do caminho de ferro do Pungue.

Ora essa intervenção provinha apenas de que a Inglaterra tinha o maximo empenho em que os estudos se fizessem rapidamente; e desde que se não marcava praso para se concluirem, desejava que um engenheiro da sua nação podesse tomar parte n'elles para sua informação; esse engenheiro, porém, nem tinha iniciativa, nem influencia especial na adopção do traçado.

Porventura era um desdouro, sr. presidente, que um engenheiro estrangeiro cooperasse com engenheiros nossos em uma missão puramente technica - qual a dos estudos de um caminho de ferro, quando ao governo portuguez ficava, inteira e absoluta, a liberdade de apreciação e decisão?

Mas mais do que isso, e por mais de uma vez, propoz o governo que se me seguiu.

Quando no kraal de Mutassa foram, á falsa fé, aprisionados pelos inglezes os nossos defensores, Paiva de Andrada, Manuel Antonio, Rezende e Llamby, o que propoz o sr. Bocage? - que a Inglaterra nomeasse um commissario seu para, com outro nosso, indagarem dos factos e fazerem justiça; isto era territorio que nos pertencia.

Quando mais tarde se deram os acontecimentos do Pungue, e que o governo inglez reclamou vivamente contra o procedimento das nossas auctoridades, que embargavam o passo aos inglezes, - o que propoz ainda o sr. Bocage?

N'uma das suas notas mais eruditas sobre a questão de Manica, escreveu e propoz o seguinte:

"Da chegada ao districto de Manica do agente consular britannico depende unicamente, se o governo inglez annuir á minha proposta, a integral satisfação dos seus desejos, quanto ás facilidades de communicação a que se refere a clausula 3.ª do "modus vivendi" de 14 de, novembro.

"Mais direi ainda que, se o governo britannico quizer fazer acompanhar o seu agente consular por um official do real corpo de engenheiros, ou outra pessoa competente e respeitavel, entre este e um official de engenheria do exercito portuguez poderá, ser convenientemente tratado qualquer assumpto de caracter technico, tanto relativo a communicações, como concernente á representação no terreno dos limites estabelecidos entre os territorios dos dois paizes pelo convenio de 14 de novembro."

Pois nem mesmo a clausula relativa á intervenção do en-

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genheiro inglez, ficou no tratado de 20 de agosto; até essa se modificou depois, no sentido de que uma nação neutra, escolhida a aprazimento de ambas as partes, designaria um engenheiro para os estudos do caminho de ferro do Pungue.

Atacaram o tratado de 20 de agosto porque algumas das suas clausulas estabeleciam como que um condominio de Portugal com a Inglaterra no interior de Africa. Ora eu tambem sou de opinião, sr. presidente, que muito preferivel seria poder-se fazer um tratado em condições que nos garantissem a absoluta isenção do nosso dominio; simplesmente os factos mostram que, assim, não é possivel tratado algum; e ou havemos de optar por ter um tratado com clausulas referentes a caminhos de ferro, a estradas, e a transito commum, ou havemos de renunciar á idéa de fazer qualquer tratado.

Eu logo mostrarei quanto essas clausulas são mais extensivas e onerosas no novo tratado.

Por ultimo, sr. presidente, dizia-se tambem que pelo tratado de 20 de agosto a nossa provincia de Angola ficava arruinada, perdida, com a navegação em commum, e o commercio sem mais protecção pautal. Mas a verdade é que, quando eu apresentei aquelle tratado ao parlamento, todas as duvidas ficavam esclarecidas, porque nem o regimen commercial, estipulado no tratado, se applicava á nossa Angola actual, nem ficavamos presos na nossa acção fiscal, podendo lançar nas pautas os tributos mais convenientes á protecção da industria e do commercio.

O projecto de lei que, em 15 de setembro, apresentei com o tratado, dizia explicitamente:

"Artigo 1.° E approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado celebrado em 20 de agosto ultimo, entre Portugal e a Inglaterra, com respeito ás suas respectivas espheras de influencia em Africa com as seguintes declarações:

"a) Que no regimen commercial e fluvial do tratado se não comprehende a antiga provinda portugueza de Angola

"b) Que o tratado só regulou o transito, ficando por isso inteiramente livre a faculdade tributaria de Portugal em tudo o que respeita a direitos de importação e exportação;

"c) Que a clausula que torna necessario o previo consentimento da Inglaterra para a cessão dos territorios que no tratado se especificam será substituida pela simples reserva de um direito de preferencia em favor da Inglaterra;

"d) Que a clausula que preceitua a nomeação de um engenheiro pelo governo inglez para os estudos do caminho de ferro do Pungue será modificada no sentido da nomeação de um engenheiro de nação neutra.

"Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

"Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, l5 de setembro de 1890. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro."

E no relatorio, que precedia esta proposta de lei, muito clara e terminantemente escrevêra eu ácerca de Angola:

"Interesses fundamentaes do commercio e navegação nacional não os fere o tratado.

Excluidos os portos de uma e outra costa da applicação do regimen do tratado, nada absolutamente obsta a que á nossa navegação e commercio maritimo se dispense toda a protecção de que careca, traduzida em direitos differenciaes ou de bandeira.

Fica inteiramente resalvada a faculdade tributaria de Portugal em tudo o que respeita aos direitos de importação e exportação. O tratado só regulou o transito das mercadorias que de fóra de Africa vão, através das nossas possessões, para as possessões interiores da Inglaterra, ou d'estas para fóra da Africa e o das que no proprio interior passarem dos nossos territorios para os territorios inglezes, ou d'estes para os nossos. O commercio entre Portugal e as nossas possessões póde ter toda a protecção pautal e differencial que os interesses do paiz e os do proprio commercio reclamarem.

As disposições do artigo XI do tratado, o regimen commercial e fluvial ahi estabelecido, não se applicam á nossa, antiga provinda de Angola, e só sim ao hinterland que pelo tratado nos e reconhecido até á linha divisoria formada pelo curso do alto Zambeze e do Kabompo.

Explicitas e terminantes são as affirmações que n'este sentido faço, e que na propria lei proponho se consignem, para, que não haja sobre isso duvidas ou receios."

Mas, sr. presidente, já era tarde. A clausula que mais feriu a susceptibilidade do paiz, a do consentimento, retirou-se; a clausula da intervenção de um engenheiro inglez nos estudos do caminho de ferro modificou-se; aos receios que assaltaram o espirito commercial da nação tirou-se todo o fundamento plausivel; tudo isto se fez, mas era tarde; a onda tinha engrossado e crescido erguia tão alto o seu collo, que não havia já dominal-a.

Na imprensa os doestos mais vivos, as invectivas mais crueis; por toda a parte os comicios, as representações, as assembléas em tumulto; nos quarteis a indisciplina; nas das e nas praças a desordem; no parlamento a anarchia; o chefe do estado prostrado pela doença; uma celeuma enorme que derrubou o ministerio!

Não podendo mais luctar, resignei-me e sahi, sr. presidente; mas asseguro á camara que na serenidade da minha consciencia, e na firmeza da minha convicção, poderia bem appellar para o Juiz Supremo dos nossos actos, e mortificado no meu sentir, mas não abatido no meu espirito, dizer-Nhe: Pater, demitte illis..!

As consequencias eram de prever; não se fizeram esperar.

O sr. Soveral, logo no começo do novo Livro branco, descreve o regosijo com que os nossos mais implacaveis adversarios festejaram o abandono do tratado de 20 de agosto. Em um telegramma para o sr. Bocage dizia o sr. Soveral, logo em 22 de outubro do anno passado:

"Quando foi conhecido no Cabo da Boa Esperança o tratado, Rhodes começou a fazer-lhe opposição. Essa opposição ia tomar uma fórma mais accentuada quando os acontecimentos em Portugal lhe fizeram esperar que o tratado não seria ratificado. Agora Rhodes está empregando todas as influencias para que o tratado seja abandonado. Não receia senão uma cousa: a immediata ratificação do tratado; estas informações são absolutamente authenticas.

No regosijo dos nossos inimigos se transformava a ultima nota da desvairada sanha, que convulsionára Portugal!

Poucos dias depois, era lord Salisbury que nos advertia de que, abandonado o tratado de 20 de agosto, não poderia já concordar nos limites territoriaes, que aquelle tratado nos reconhecia.

Em um despacho dirigido ao representante da Inglaterra n'esta côrte, - e que se acha publicado na collecção de documentos a que já me referi,- dizia lord Salisbury, em 20 de outubro:

"Estive com o encarregado de negocios de Portugal.

"Em resposta á sua pergunta de se o governo de Sua Magestade estaria disposto a abrir novas negociações em Lisboa no intuito de fazer um novo tratado, eu disse que havia toda a boa disposição, pela nossa parte, para negociar com o seu governo, em Lisboa ou em Londres.

"Mas adverti-o de que nem só a uma das partes se limitariam as propostas para se alterar ás estipulações da convenção de agosto; que posteriormente á assignatura o estado das cousas mudara, e que poderia bem tornar-se impossivel ao governo de Sua Magestade annuir agora precisamente aos mesmos termos que poderá acceitar na convenção que se assignou."

Mais tarde, em 4 de fevereiro deste anno, n'um longo telegramma, que o sr. Soveral enviou ao sr. Bocage, relatando uma entrevista - muito pouco satisfactoria, dizia elle - que tivera em Londres, refere que ainda então lhe ponderava lord Salisbury:

"Que fôra um grande erro não ratificar a convenção de 20

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de agosto, e que elle sempre disse que julgava impossivel, depois do abandono d'esse instrumento, fazer as mesmas concessões, ao sul do Zambeze"

O resultado para logo se fez sentir.

Ainda aqui não havia situação ministerial constituida, e já as canhoneiras inglezas entravam pelo Zambeze.

Organisado o ministerio, apresentou-se ás camaras e fez a seguinte declaração:

"O governo, identificado com o sentimento nacional, não póde recommendar á sancção parlamentar o tratado de 20 de agosto, embora não pretenda estorvar a execução da sua clausula que já o sujeitou a essa sancção. Acceitaria de bom grado modificações no mencionado tratado que, resalvando a dignidade e os interesses da nação, facilitassem o restabelecimento da mais completa harmonia entre Portugal e a sua antiga alliada. Mas ainda não salte se terá de se julgar inhibido de promover taes modificações pelos factos que se diz terem occorrido recentemente á entrada do Zambeze, e que se não fossem explicados satisfatoriamente difficultariam ainda mais o accordo equitativo que o governo portuguez sempre tem desejado sinceramente.

Confesso, sr. presidente, que esta declaração ministerial, me maguou profundamente. No novo ministerio, a pasta dos negocios estrangeiros, que eu deixava, era confiada, a um antigo amigo meu, pessoal e politico, e logo as primeiras palavras que esse governo soltava, eram de aggressão para mim.

Se ellas partissem de um adversario, não seriam mais do que um vulgar accinte politico; partindo de um amigo, de um collega, a quem eu fôra devotado e leal, sobremaneira me surprehenderam e maguaram. Tanto mais, que eu tinha por menos avisada a resolução de tornar dependente de satisfações dadas pela Inglaterra, o proseguimento das negociações havidas com aquella potencia.

Ao ler, porém, agora o Livro branco, comprehendi que essa declaração ministerial era simplesmente destinada a acalmar os espiritos, ainda muito excitados, mas que não traduzia, como não podia traduzir, as verdadeiras intenções do governo.

A prova está em que no dia seguinte, 16 de outubro, o sr. Bocage dirigia a todos os representantes de Portugal junto ás potencias estrangeiras, um telegramma, em que, transcrevendo a declaração ministerial, excepto no que se referia ao pedido de satisfações á Inglaterra, acrescentava:

"Queira informar d'ella esse governo, e accentuar que governo portuguez viu absoluta impossibilidade de obter approvação do tratado 20 de agosto, em consequencia de lhe ser manifestamente adversa opinião publica e parlamento, por isso não prorogou as camaras para sua immediata discussão; mas vae sem demora propor ao governo britannico justas e necessarias modificações, que possam satisfazer sentimento nacional e assegurar approvação do tratado; obtidas ellas, convocará parlamento e promoverá immediata discussão do tratado modificado. Governo portuguez espera que governo britannico se não recuse a essas modificações, e solicita d'esse governo todo o auxilio para assim conseguir, e sobretudo para conseguir do governo britannico que não dê passo algum definitivo sem receber a proposta de modificações que lhe vae apresentar governo portuguez."

E logo apoz, em 17 de outubro, expedia o sr. Bocage ao sr. Soveral as seguintes instrucções:

"Em telegramma não entendido disse a v. sa. que enviara ás legações de Portugal e embaixada de Portugal circular contendo extracto da declaração ministerial. Foi-lhes na circular determinado: 1.°, informar com urgencia governos que governo portuguez vira impossibilidade fazer approvar tratado sem modificações, por isso não prorogadas camaras e ia propor essas modificações; 2.°, solicitar d'esses governos todo o auxilio junto do governo britannico para receber proposta de modificações e não dar passo definitivo antes de receber proposta do governo; 3.°, esclarecer opinião publica sobre intenções governo portuguez. Sirva-se pela sua parte empregar com a maior diligencia todos os meios ao seu alcance para que o governo britannico não de passo algum definitivo antes de receber proposta do governo, que será apresentada sem demora, etc."

Como v. exa. vê, o governo nem pediu nem esperou satisfações da Inglaterra; se outra cousa disse ao parlamento, foi de certo por entender que as circumstancias de momento assim lh'o aconselhavam.

Então comprehendi que ha occasiões na vida de um povo em que, para salvar a situação de um paiz, se torna necessario sacrificar um amigo; e a voz do coração emmudece, quando a rasão d'estado se impõe!

De resto, não só as canhoneiras inglezas ficaram no Zambeze, mas o governo apressou-se a negociar um modus vivendi em que, só para assegurar por seis mezes os limites territoriaes do tratado de 20 de agosto, contra os quaes tanto se declamára, se comprometteu a decretar a absoluta liberdade de navegação n'aquelle rio e no Chire, e a garantir a facilidade de communicações e de transito entre o Fungue e a Mashona ingleza.

Mas não foi só a entrada das canhoneiras no Zambeze; ao mesmo tempo apoderaram-se os ingleses de Mutassa, e quando Rezende, Paiva de Andrade, Manuel Antonio de Sousa e Llamby iam reivindificar os nossos direitos, foram presos á falsa fé, e passaram por duras inclemencias.

Então o nosso governo foi até ao ponto de declarar que não negociaria com a Inglaterra sem a prompta e immediata evacuação dos territorios que nos eram reconhecidos pelo tratado de 20 de agosto.

A declaração do sr. Bocage foi expressa n'estes termos:

"Lisboa, 7 de dezembro de 1890. - Noticias officiaes de Moçambique dizem terem os agentes da companhia South Africa sublevado o regido Mukassa, invadido Macequece, principal estabelecimento da companhia portugueza de Moçambique e arriado ali a bandeira portugueza, prendido em Manica, Paiva, Rezende, Gouveia e engenheiro francez Llamby, empregados do governo portuguez e companhia portugueza, perseguidos os restantes empregados e mineiros portuguezes e estrangeiros em direcção á costa.

"Governador geral ia defender porto da Beira e repellir força pela força, depois de ter avisado consules inglezes. Vou reclamar do marquez de Salisbury providencias urgentes para evitar continuação dos attentados da companhia South Africa. Se o governo britannico não satisfizer as justas reclamações do governo de Bua Magestade, nada se póde esperar das novas negociações, visto que Cecil Rhoaes não respeita os compromissos tomados pelo marquez de Salisbury."

Mais tarde dizia ainda s. exa.:

"Lisboa, 11 de dezembro de 1890. - Approvo e louvo a maneira por que v. sa. se houve na conferencia com marquez de Salisbury: mas a resposta de s. exa. não me satisfaz. O que o governo portuguez precisa é que o governo inglez mande retirar a força armada do territorio portuguez; sem isso é impossivel reatar negociações e tranquillisar o espirito publico."

Infelizmente, sr. presidente, sem embargo das notas diplomaticas do sr. Bocage, energicas como foram, os inglezes ficaram era Mutassa, nunca mais saíram de lá; e todavia as negociações abriram-se, e um novo tratado se fez. Isto prova que n'uma lucta desigual, em que a força se impõe, muitas vezes precisam os homens d'estado, para salvaguardarem os interesses mais vitaes do seu paiz, de cerrar os olhos ao que é accessorio, a fim de não prejudicarem o que é principal, e de não sacrificarem o resultado de uma negociação a acontecimentos ou a factos que, embora dolorosos, se tornam secundarios.

Depois sobrevieram os casos do Fungue; como os inglezes não saíam de Mutassa, o governo resolveu não facilitar as communicações dó Fungue para a Machona, sem que o modus vivendi fosse integralmente cumprido por parte da Inglaterra. Em consequencia d'isso, foram aprisionados

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alguns navios, e detidas pelas nossas auctoridades levas de inglezes armados, que evidentemente iam auxiliar os nossos adversarios.

O governo inglez reclamou; o sr. Bocage propoz, como condição, que fossem evacuados os territorios comprehendidos na nossa esphera de soberania pelo tratado de 20 de agosto, a fim de, pela sua parte, dar tambem cumprimento ás estipulações do modus vivendi.

Em 10 de abril telegraphou o sr. Soveral ao governo:

"Tenho preparada nova nota, que dirigirei immediatatamente no caso de v. exa. a approvar. Resumo: o governo portuguez deseja tornar effectivas as disposições do modus vivendi, relativas ao tranito, mas como, segundo informações de diversa origem, a companhia South Africa não executou as ordens dadas, vê-se na impossibilidade de dar seguimento ao seu desejo, sem obter primeiro do marquez de Salisbury uma declaração formal de que não ha actualmente nenhum agente da companhia South Africa no territorio assignado á soberania portugueza pelo modus vivendi."

E n'uma conversa com sir Currie, transmittida para aqui, acrescentava o sr. Soveral:

".Disse (sir Currie) depois, que julgava que o governo inglez teria de protestar fortemente contra este embaraço posto ao transito, por ser contra a letra expressa do modas vivendi. Respondi logo que, se tivéssemos uma declaração formal do marquez de Salisbury, de que tinham sido cumpridas suas ordens de evacuação, facilitariamos o transito.

Os acontecimentos precipitaram-se; as reclamações da Inglaterra chegaram até ao extremo que consta da nota que, em 21 de abril, dirigiu aqui o ministro da Inglaterra ao sr. Bocage:

"... O marquez de Salisbury manda-me acrescentar que o governo de Sua Magestade assegurou positivamente a v. exa., por meu intermedio, ter-se effectuado a evacuação de Macequece, e comquanto admitia de boa mente ao governo portuguez o direito de se queixar de quaesquer demoras na execução d'essas ordens, devidas ás difficuldades de communicações, não póde considerar essas demoras como justificando ao governo de Sua Magestade a violação premeditada das disposições do modus vivendi; devo, portanto, participar a v. exa. que, a menos da revogação immediata por parte do governo de Sua Magestade Fidelissima da prohibição de entrar no rio Pungue, e da promessa official de que será concedida plena protecção aos subditos britannicos na Seira, o governo de Sua Magestade ver-se-ha obrigado a mandar canhoneiras para a Beira, para proteger os direitos dos subditos de Sua Magestade."

E perante esta exigencia formal da Inglaterra, teve o sr. Bocage de, no mesmo dia, telegraphar ao sr. Soveral n'estes termos:

"Acabo de receber nota do ministro de Inglaterra com reclamação por ter o governo portuguez impedido passagem da expedição da Beira para Machona. Nota ingleza allega violação do modus vivendi e ameaça mandar navios da guerra para proteger direitos dos subditos britannicos. Informe immediatamente marquez de Salisbury que o governo portuguez, visto o governo britannico assegurar a evacuação de Macequece, longe de querer impedir a execução da clausula 3.º do modus vivendi, dará passagem á expedição; mas insta pela presença na Beira de um agente official, responsavel do governo britannico, para facilitar rapido estabelecimento de communicações regulares de accordo com auctoridades portuguezas e evitar conflictos."

E assim tivemos de nos contentar com Macequece, quando do que, no nosso territorio, estava occupado pelos inglezes, não era isso o que mais importava; era principalmente o kraal do Mutassa, os valles ricos do Odzi e do Mutare.

Mas quando, pela nossa parte, reclamavamos Mutassa, a Inglaterra respondia primeiro que não tinha informações, depois que ia pedil-as, mais tarde que ainda não tinham chegado, e por ultimo - veja a camara como a diplomacia britannica é por vezes tão habil que até, na primeira leitura, chegam a causar impressão os seus despachos ou as suas respostas, - por ultimo informava o sr. Soveral sobre este assumpto:

"Londres, 18 de dezembro de 1890. - Ha dias disse-me um dos directores da companhia South Africa, que Rhodes tinha telegraphado, dizendo não havia duvida de que Mutassa estava fóra da linha de demarcação territorial de 20 de agosto. Sobre este ponto marquez de Salisbury disse-me hontem o seguinte: O sr. Rhodes telegraphou-me, dizendo que tinha a certeza de que Mutassa estava fóra da linha do tratado de 20 de agosto isto é, que estava situado em territorio attribuido á Inglaterra por esse tratado. O sr. Rhodes, acrescentou s. exa., é o primeiro ministro do Cabo da Boa Esperança, e eu não posso contradizer nem provas a sua tão categorica asserção. Se o governo portuguez tem documentos que possam elucidar esta questão, peco-lhe que mós communique. Auctoriso-o a transmittir ao stu (juverno a seguinte formal declaração: "Se se provar que Mutassa está em territorio portuguez, segundo a demarcação do tratado de 20 de agosto, farei immediatamente o mesmo que vou fazer em Macequece. Obrigarei a companhia a evacuar esse territorio." Isto parece-me perfeitamente rasoavel. Chamo a attenção de v. exa. para esta linguagem."

Como se podesse haver duvida sobre a posição geographica de Mutassa, que, ficando a leste do Sobi, está evidentemente comprehendido nos territorios que o tratado de 20 de agosto nos reconheceu!

Pois a primeira impressão do sr. Bocage traduziu-se no seguinte telegramma:

"Lisboa, 19 de dezembro de 1890. - Recebi o telegramma relativo ao Mutassa. Fiquei muito satisfeito com o procedimento correcto do marquez de Salisbury, e felicito-me com v. sa. pelo resultado dos seus esforços. Agora resta só discutir uma questão de facto, relativamente á qual o governo de Sua Magestade espera poder apresentar todas as provas necessarias."

Passados tres dias, a reflexão dictou ao sr. Bocage um novo telegramma, assim concebido:

"Lisboa, 22 de dezembro de 1890.- Li com surpreza no telegramma de v. sa. de 18 do corrente, que u marquez de Salisbury, em presença da afirmativa do sr. Cecil Rhodes, de que o territorio de Mutassa não estava comprehendido na delimitação dos territorios attribuidos a Portugal pelo tratado de 20 de agosto, hesitava em ordenar a immediata evacuação d'aquelle territorio, pela companhia South Africa, como fizera com relação a Macequece. E digo que o li com surpreza, porque me parece que o marquez de Salisbury, que negociou, e discutiu largamente com o nosso plenipotenciario as clausulas d'esse tratado, bem poderia julgar-se habilitado a repellir aquella artificiosa suggestão do primeiro ministro do Cabo e director da companhia South Africa, em vez de nos pedir as provas de que o Mutassa está effectivamente em territorio portuguez."

Verdade é que, segundo me consta, os manejos da South Africa chegaram até ao ponto de alterar no mappa os meridianos, de forma que Mutassa ficasse comprehendido na esphera de acção do governo inglez!

Finalmente, sr. presidente, como se tudo isto não bastasse, veiu o lamentavel conflicto de Macequece. Quando a expedição portugueza de Caldas Xavier ali chegou, encontrando o sitio evacuado, mas constando lhe que as forças inglezas estavam proximas, saiu a fazer um reconhecimento; a poucos passos, os inglezes que ali estavam embuscados por detrás dós rochedos, fizeram fogo, batendo, a coberto, a nossa expedição.

Foi sob esta dolorosissima impressão que o governo teve de fechar a negociação das bases do tratado!

Para que trago eu estes factos? Para censurar o sr. Bocage? Não. S. exa. defendeu como póde e emquanto póde os nossos direitos e os nossos interesses.

Trago-os unicamente para provar que quando uma nação pequena, como Portugal, se defronta com uma nação

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poderosa, como a Inglaterra, só tem, mau grado seu, um caminho a seguir: transigir quanto baste para não perder tudo.

Simplesmente é preferivel transigir a tempo para não perder demais.

N'estes termos, sr. presidente, é obvio que, desde que as condições eram peiores, ha pouco, do que o eram por occasião do tratado de 20 de agosto, o novo tratado não podia ser mais favoravel, nem mais benéfico para Portugal.

Não o foi; não o podia ser.

Não o foi ao sul do Zambeze, onde perdemos o rico e salubre planalto de Manica.

O valor, que para nós tinha este territorio, que, nos era reconhecida pelo tratado de 20 de agosto e que a Inglaterra nós leva agora, bem claro o diz uma auctoridade insuspeita, a do sr. Bocage, que no seu memorandum de 28 de fevereiro, respondendo á proposta que a Inglaterra fazia de substituir o meridiano 33 á linha de fronteira, traçada no convenio de 20 de agosto, dizia:

"Similhante proposta, tomada em absoluto, redundaria no abandono, por parte de Portugal, de todo o planalto que é quasi toda, senão toda, a região aurifera de Manica; outro deve ser de certo o modo por que a interpreta o governo de Sua Magestade Britannica.

Sabe esse governo que todo o districto de Manica, ainda alem dos limites marcados pela convenção de 20 de agosto, foi sempre sujeito ao dominio effectivo de Portugal, com todos os requisitos de occupação permanente e de administração regular, composta de um governador, actualmente official do exercita e de outras auctoridades civis e militares, e tambem não ignora que a maior parte d'aquelle planalto está comprehendida nas concessões da companhia de Moçambique, a qual já ali possue muitas minas em effectiva exploração e diversas estações organisadas com boas casas de habitação e armazens, onde se encontravam mobilias, utensilios, armas e abundantes fornecimentos, de que violentamente se apossaram os agentes da, British South Africa Chartered Company, ao invadirem aquelles territorios em novembro e dezembro ultimos.

Em presença de todas estas circunstancias, dos fundados direitos e valiosos interesses que representam, é obvio que o governo de Sua Magestade não poderia annuir á indicação suggerida, nos termos em que parece ser apresentada."

É isto, sr. presidente, o que nós perdemos ao sul do Zambeze. E é só este o valor que tem?... Tem o valor dos esforços feitos por uma companhia portugueza para pesquizar e explorar minas; tem o valor de uma occupação effectiva que se perdeu e não volta; mas tem ainda, e mais do que tudo, a significação moral de que foi ali, no proprio kraal de Mutassa, que Manuel Antonio, Paiva de Andrada e Rezende, os nossos valorosos defensores, foram, á traição, aprisionados pelos agentes da South Africa, que assim fica senhora do campo.

Isto, sr. presidente, tem mais de doloroso para nós do que outras cedencias que façamos á Inglaterra.

Depois, qual é o traçado que nos fica ao sul do Zambeze? É precisamente o que este convenio não define bem; sei que ha de vir pela vertente oriental do planalto de Manica; sei que não póde ir para oeste do meridiano de 32°, 30, nem para leste do meridiano 33°; sei, portanto, que ha de correr entre os meridianos 32°, 30 e 33°.

Mas entre esses meridianos a distancia é larga, e n'uma margem de cerca de quarenta milhas podem reverter para um ou para outro paiz muitas milhas quadradas de territorio, conforme os resultados a que chegarem os commissarios encarregados da delimitação definitiva.

Ao norte, perdemos e ganhâmos.

Perdemos a parte da margem direita do Chire que vem da confluencia do Ruo até Chiluanga.

Isto, que no mappa não parece muito, tem para a Inglaterra tão grande importancia, sob o ponto de vista da navegação e do commercio interior, que tendo-se primeiramente accordado em que a linha divisoria do nosso dominio, partindo da confluencia do Ruo com o Chire, seguiria €;m direcção a meia distancia, no Zambeze, entre Tete e Cabora-Bassa, até encontrar o meridiano 34, e, subindo esse meridiano até ao parallelo 15, correria por esse parallelo até ao Aruangua, - veiu, á ultima hora, a Inglaterra propor, á nossa escolha, ou esse traçado ou a variante, que o sr. Bocage acceitou, de vir a fronteira pelo curso do Chire, abaixo d'aquella confluencia, até Chiluanga, para então seguir para oeste até encontrar a linha divisoria das aguas do Zambeze e do Chire, e depois a das do Zambeze e do Nyassa, até chegar ao parallelo 14, cortando d'ahi para a conjuncção do parallelo 15 com o Aruangua.

Assim, para obter o tracto de territorio na margem direita do Chire, para baixo do Ruo, até Chiluanga, offereceu-nos a Inglaterra o levarmos o nosso dominio para o norte até ao parallelo 14, em vez de ficarmos no parallelo 15, indo portanto um grau mais longe.

Devo dizer, sr. presidente, que eu teria hesitado muito em acceitar este offerecimento da Inglaterra. Em primeiro logar, porque muito mais nos interessam e aproveitam os terrenos que se approximam da confluencia do Zambeze com o Chire, do que os terrenos eventuaes com que possamos ficar entre os parallelos 14 e 15, cuja extensão e delimitação absolutamente desconhecemos por agora. Em segundo logar, porque, por aquelle primeiro traçado, sabiamos desde já com que ficavamos, - era a linha do Ruo ao meridiano 34, este ao parallelo 15, depois o parallelo 15 ao Aruangua, e d'ahi ao Zambeze; pela nova variante não sabemos, nem saberemos tão cedo, o que nos pertence; é necessario, para isso, definir sobre o terreno: primeiro, a linha divisoria das aguas do Zambeze e do Chire, o que já é difficil; depois a linha divisoria das aguas do Zambeze, que vem do oeste, e do Nyassa que está para o norte, o que é muito mais difficil; e assim o ponto em que essa, linha chega ao parallelo 14, ponto que ninguem n'este momento póde dizer qual seja"

Mas, emfim, ao norte temos evidentemente uma consideravel porção de territorio a mais.

O que vale este territorio?

Na parte que diz respeito ao Aruangua, encontro as informações seguintes, n'um relatorio official que em 1830 foi escripto pelo major Correia Monteiro, sobre o que era a antiga feira do Aruangua:

".Sobre a posição e localidade do novo estabelecimento, informo que todo o terreno da feira é planicie e semeado de alagoas, o que muito mais é no tempo das cheias do rio Aruangua, porque inunda a maior parte, por cujo motivo ninguem assiste nas margens do dito rio em distancia de duas horas de caminho para o interior, isto em toda a sua extensão pela margem do mesmo, com differença de que em umas partes mais e em outras menos; em todo o terreno da feira não se encontra uma só pedra, de fórma que os habitantes, que ali estivemos, para formar os nossos fogões nos serviamos de terra amassada, do que faziamos umas especies de pyramides (em ponto pequeno) para pormos as panellas ao lume.

Sobre o clima e salubridade, informo que o clima não é dos melhores, porquanto nos principios das chuvas a gente fica atacada de inflammação dos olhos, e por conseguinte alguns vem a ficar inteiramente cegos; muito principalmente os animaes domesticos, como seja o gado vaccum e cães.

Sobre os productos, que ha no reino animal, vegetal e mineral, informo, que quanto ao primeiro é com bastante abundancia, porem todos silvestres, e de immensas qualidades e até de ferozes; do segundo ha grande quantidade de plantas, arbustos, trepadeiras e arvores, algumas conhecidas, porém a maior parte d'ellas desconhecidas, mas todas agres-

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tes; do terceiro não consta que haja qualidade alguma de metal, enxofre, etc.

Por quem foi escolhida uma tal posição e que conhecimentos tinha para bem a procurar e escolher, informo que a posição foi escolhida por um capitão das ordenanças d'esta villa, denominado Pedro Caetano Pereira, mais para sei interesse pessoal, que para interesse da real fazenda, transgredindo o ordenado no officio do predecessor de v. sa. o illmo. governador José Francisco Alves Barbosa.

Sobre quem foi o rei ou regulo que é vendeu, e se julga estar livre de milandos (demandas} ou chicanas pelos regulos vizinhos uma tal venda, informo que o rei Muasse é quem foi que vendeu o terreno pela quantia mencionada no artigo 7.° (1:800$000 réis fracos); o qual pela sua morte, que foi poucos mezes depois da minha chegada ao dito terreno, lhe succedeu o regulo Reza, ou Chimucoco por outro nome, cuja venda mais foi para se livrar dos continuos insultos do rei Cazembe Muiza da outra parte do Aruangua: porque no mezes, que o rio se passa a vau, vinha elle com grande sequito fazer toda a qualidade de hostilidades, chegando a fazer immensas mortes.

Esta qualidade de negros são tão barbaros e faltos de sentimentos, que em tendo qualquer questão com outro seu igual, a não decidem senão pelo poder da força, isto é, com as armas na mão."

Isto, quanto á parte que nos fica, junto ao Aruangua.

Mais para o oriente fica-nos a Macanga, e ahi o terreno é, sem duvida, mais rico e productivo do que o do Aruangua.

N'um relatorio official, que em 1887 foi feito pelo commandante militar e capitão mór de Macanga, Mesquita e Solla, relatorio que tenho presente, encontro sobre essa região as seguintes informações:

"Tenho dito em minhas informações mensaes, e aqui o repito que não posso avaliar bem os verdadeiros limites d'estes povos.

Da população tambem não faço nem mesmo idea. Deve estar muito dizimada pelos flagellos da guerra e da fome, mas a que vive afastada d'esta séde deve ser numerosa, pois que ali não se fizeram sentir tanto aquelles flagellos.

Em outubro consegui ir ver Macanga, que eu denomino a Velha, para a differençar de qualquer outro ponto d'este paiz. Era ali outrora como que a capital, o logar onde tinham sua residencia fixa os potentados que dominaram o paiz. A parte habitada do logar era, e é ainda hoje, uma vastissima e bem conservada aringa de arvores já idosas com estacarias successivas e até com alguns restos de muralha de alvenaria.

O caminho até ali atravessa uma região quasi toda pedregosa e inculta. Disse que havia poucos habitantes. Calculo que sejam ali, quando muito, sessenta.

Creio que outrora existiu n'estes sitios alguma missão porque entre varios fragmentos de sinos que tenho aqui juntos para se refundirem e que foram trazidos de, Macanga a Velha existem com a marca I H S (Jesus homo Salvator) distinctivo da companhia de Jesus.

Tudo que tenho visto me parece apto para todo o genero de culturas incluindo muitas da Europa até hoje pouco ensaiadas em África.

A vasta planicie em que assenta a séde d'este commando é de uma excellente producção.

O terreno é aurifero. Já tambem o disse, e foi esse o motivo da excursão feita á Machinga, a que já me referi. As experiencias não satisfizeram os exploradores, o que não me admira, pois foi sempre minha convicção que não se lhes mostraram os verdadeiros jazigos. Nem só alem d'isso a Machinga é o unico local aurifero, é toda aquella extensa cordilheira onde estão o Bar de Mano e o Bar de Missale. Convem que o paiz seja explorado nestes e n'outros ramos, e atrevo-me a dizer que ha de compensar os sacrificios e despezas que esse estabelecimento tem feito e ha de fazer ainda por muito tempo.

Fallando da riqueza do solo... resta-me só dizer, e isto prevê-se, que tambem este ramo está na infancia como está em todo o districto.

O paiz é de uma grande salubridade e quanto mais elevadas se encontram as povoações tanto melhor será.

Não vejo nada que se possa chamar industria alem de uns quitundos e quiceiros que aqui se fazem em pequena escala."

O que nos fica d'esta região, sr. presidente? É o que nos termos do tratado se não póde saber, pois que o traçado fica em aberto.

O que infelizmente sei é que os povos da Macanga se acham em revolta aberta contra o nosso dominio.

Desde que, em 1888, todo o destacamento, que ali tinhamos, com dois officiaes portuguezes, foi massacrado pelo gentio da Macanga, ainda até hoje não conseguimos firmar dominio effectivo n'aquellas paragens.

O padre Victor Courtois, que em 1880 foi fazer uma viagem ás terras da Macanga, escreveu, a respeito das tradições d'aquelle povo, o seguinte trecho no seu relatorio: "Contos de morte, de sacrificios, de hecatombes enormes, traziam todos apavorados; e os ventos que sopravam d'aquellas paragens traziam os ralos das ultimas agonias, os estertores das ultimas horas, e como que um cheiro acre, picante do sangue de estupendas execuções.

Ir á Makanga seria atroz. Os horisontes d'aquelle lado tinham clarões sinistros onde sé desenhavam em linhas gigantes as convulsões das victimas, e por aquellas florestas dentro tudo era misterioso e vago, tudo era ladeado de difficuldades, salteado de perigos incommensuraveis.).

Então, o padre Victor Courtois foi ali acolhido com favor. Mais tarde, eram as nossas forças victimas da ferocidade dos gentios.

Para o nosso dominio ficar ali estabelecido e firmado, largos esforços e avultados despendios se tornarão necessarios. Sem isso, os nativos d'aquellas paragens, rebeldes e crueis como são, hão de pôr-nos em constantes sobre-saltos e difficuldades.

O M'psene, esse, tanto quanto eu posso ajuizar, fica fóra dos nossos dominios.

Isto pelo que toca ao norte do Zambeze. Agora, quanto á Africa occidental.

Até onde se estende a nossa provincia de Angola? Com que limites fica para leste?

Pelo tratado de 20 de agosto, a linha divisoria era a do Zambeze e do Kabompo; era clara, definida, assegurava-nos um vasto hinterland.

Agora, o novo tratado diz que a fronteira seguirá o Zambeze até onde começa o reino de Barotze, que ficará todo para a Inglaterra.

Mas onde começa, onde acaba, e que limites tem, o reino do Barotze?

Ê o que eu não sei, e ninguem sabe.

Se perguntarem ao regulo do Barotze quaes são os seus territorios, responderá, de certo, que é toda a Africa central.

O que, porém, eu sei, porque consta de um telegramma que foi publicado nos jornaes inglezes, é que, em 4 de setembro do anno passado, mr. Rhodes, o primeiro ministro

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da colonia do Cabo, n'um banquete que lhe foi dado em Kimberley, annunciou no seu discurso:

"a concessão feita á Ckartered Company (a South Africa) de 220:000 milhas quadradas ao norte do Zambeze pelo chefe dos Barotzes."

No dia seguinte, publicou a imprensa ingleza um outro telegramma, vindo do Cabo da Boa Esperança, com esta informação:

"O paiz dos Barotzes acceitou o protectorado britannico por intermedio da Chartered Company, e concordou em supprimir o trafico da escravatura. O territorio Barotze estende-se do meridiano 20 ao meridiano 30, e é atravessado pelo Zambeze."

Se effectivamente se quizer entender, como muito é para receiar, que o territorio do Barotze chega até ao .meridiano 20°, o resultado será ficarmos sem a maior parte do vasto hinterland, que o tratado de 20 de agosto nos assegurava.

Rasão tinha, pois, o sr. Bocage, quando insistia por uma delimitação definida da provincia de Angola. A fronteira que s. exa. propoz no seu primeiro projecto de convenção, foi a do tratado de 20 de agosto - a linha do Zambeze e Kabompo; o governo inglez, porem, logo no seu contra-projecto, consignou a indicação, que a final foi acceita, chamando a si o reino de Barotze. O sr. Bocage ainda insistiu, na sua segunda proposta, pelo traçado do Zambeze e Kabompo; mais tarde cedia, contentando-se com a linha do Zambeze até ao lago Dilolo, o que já era muito menos. Em 23 de abril, n'um telegramma ao sr. Soveral, declarava:

".Principaes condições... territoriaes são: fronteira definida na Africa central..."

Em telegramma de 5 de maio:

"Não póde ficar questão nenhuma em aberto depois de assignado o tratado. A fronteira pelo Zambeze e affluente até lago Dilolo não comprehende nenhum territorio em litigio; e no § 2.° do artigo são resalvados os direitos do Estado Independente do Congo; logo não ha motivo para ficar em aberto."

Ainda em telegramma de 7 de maio:

"Indispensavel empregar todos os esforços parei não deixar questões territoriaes em aberto, por causa de conflictos."

Em 8 de maio:

"É preciso insistir na delimitação immediata da fronteira de Angola."

E, por ultimo, ao chegarem á sua mão as bases assignadas em Londres em 14 de maio, enviava o sr. Bocage um despacho ao sr. Soveral, dizendo:

Seria muito conveniente que o arbitro de desempate fosse desde logo escolhido, e tomasse immediatamente parte nos trabalhos da commissão mixta, que ha de marcar os limites do territorio do Barotze, ácerca de cuja extensão não ha no artigo a menor indicação, como eu manifestei a v. exa. o desejo de que houvesse, para desde já se poder indicar approximadamente a fronteira lusa-ingleza na Africa central."

Combine-se isto: a insistencia absoluta do governo inglez em ficar com o reino do Barotze, recusando, para isso, primeiro a linha do Zambeze-Kabompo, depois a do Zambeze ao Dilolo, e a final toda e qualquer demarcação definitiva, por agora, - com os telegrammas que ha pouco li á camara, annunciando, já no anno passado, o protectorado inglez no Barotze, e a extensão d'este protectorado até ao meridiano 20°, - e evidente se torna o muito que, por este novo tratado, estamos arriscados a perder, na região do alto Zambeze.

Porque não é só, sr. presidente, o que por este tratado perdemos em dominio; é que não ficando os limites territoriaes desde já definitivamente traçados, quando mais tarde nos esforçarmos por chegar a uma delimitação que ponha termo ás contendas que tão nocivas têem sido para nós, para recear é que se levantem novos conflictos, novas questões, sem que tenhamos a força necessaria para fazer respeitar os nossos direitos,

Emfim, oxalá que as commissões de limites, que os dois paizes vão nomear, possam breve chegar a uma solução que a todos satisfaça.

Isto no que toca á divisão territorial.

Agora, as outras clausulas do tratado.

É verdade que, em relação á liberdade religiosa, esta só fica subsistindo na Africa oriental e central, exceptuando-se a Africa occidental, que estava comprehendida no tratado de 20 de agosto.

Mas, sr. presidente, ás portas de Angola existe uma missão protestante. O que é isto senão liberdade de cultos?

Demais, a questão religiosa na Africa não póde cingir-se aos moldes em que se circumscreve na Asia, onde temos um padroado definido, com regalias e preceitos especiaes.

Na Africa, a nossa politica religiosa, se assim me posso exprimir, tem de se fazer de outra forma; é necessario lançarmos acolá os nossos missionarios em competencia com os missionarios das outras nações: é necessario mandarmos para ali sacerdotes que, com a religião de Christo, vão semeando os germens da civilisação moderna. Quando os não tivermos no nosso paiz, indispensavel é alcançal-os de fora, como o sr. Barros Gomes fez, quando, com o cardeal Lavigerie, celebrou um accordo para o estabelecimento de uma missão no Nyassa.

Com a liberdade de cultos, evidentemente o movimento religioso protestante ha de irromper em muitos pontos. Julgar que se lhe póde pôr um dique, é um erro, uma illusão; o unico meio de o combater é emprehendermos, por nossa parte, uma propaganda catholica, activa, civilisadora, intelligente. (Apoiados.}

A navegação e o transito.

Pelo tratado fica livre a navegação do Zambeze e do Chire com todos os seus affluentes, e garantido o transito de passageiros e de mercadorias pelo Save, pelo Pungue, pelo Busio, pelo Limpopo, e seus tributarios. No interior, o transito é livre.

O mesmo que no tratado de 20 de agosto.

Nem, francamente, é isso um mal.

Convençâmo-nos, uma vez por todas, de que se effectivamente queremos tirar proveito da Africa, não havemos de fechal-a, havemos de abril-a ao commercio das outras nações (Apoiados.); porque é exactamente a facilidade de communicações e a amplitude dos emprehendimentos civilisadores, que nos podem dar mais avultados elementos de receita.

Uma differença, ha porem, n'esta parte, entre os dois tratados; é que pelo de 20 de agosto, embora o transito fosse livre no interior, tinhamos, todavia, a faculdade de lançar as taxas necessarias para fazer face ás despezas de administração, e ás que se effectuassem em beneficio do commercio e para a repressão da escravatura; no tratado actual, essa faculdade não existe.

E no que respeita aos direitos sobre o transito da costa para o interior, ou do interior para a costa, através dos nossos territorios, a nossa faculdade tributaria soffreu modificações que verdadeiramente a restringem.

Pelo tratado de 20 de agosto o direito de transito era de 3 por cento como maximo, perpetuamente, com a unica excepção do Zambeze e seus affluentes, onde a isenção era completa.

Pelo novo tratado os 3 por cento não são perpetuos; vigoram só por vinte e cinco annos.

Que vantagem ha n'isto?

Podemos nós ter esperança fundada de, no fim dos vinte e cinco annos, augmentarmos o direito sobre o transito das mercadorias inglezas pelos nossos dominios?

Não, no fim dos vinte e cinco annos, o que a Inglaterra ha de reclamar será o abaixamento do direito.

A perpetuidade dos 3 por cento, como maximo, era, pois, uma garantia para nós.

Demais, exceptuam-se agora não só a moeda, mas os metaes preciosos, dos direitos de transito sobre a exporta-

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cão, o que, n'uma região em que predomina a exploração de minas, é justamente o mais importante como elemento de receita; o que não acontecia no tratado anterior.

A isto acresce que á Inglaterra fica salvo o direito de, dentro de cinco annos, a contar da assignatura d'este convenio, remir toda a obrigação de pagar imposto de transito até ao fim dos vinte e cinco annos, mediante uma somma correspondente á capitalisação dos direitos durante os annos que faltarem, na rasão de 30:000 libras por anno.

Não é clara esta disposição do novo convenio, porque, propriamente, a capitalisação suppõe um juro, e eu não o vejo indicado.

Se não ha bem uma capitalisação, mas sim uma somma de annuidades, o preço da remissão, pelos vinte e cinco annos, será de 3:420 contos de réis; se se capitalisar a 3 por cento, que é o juro medio na Inglaterra, não passará de 2.067:750$000 réis o que ella terá de desembolsar; capitalisando-se a 5 por cento, que é o nosso juro legal, será muito menor ainda o seu desembolso. Em todo o caso, mediante uma quantia, nunca superior a 3:420 contos de réis, fica á Inglaterra o direito de entrar com as suas mercadorias pelos nossos territorios, sem mais restricções, nem fiscalisação possivel da nossa parte, o que se me afigura sobremaneira inconveniente.

Uma outra estipulação do tratado é a relativa a uma especie de zona commum, que se traçara no tratado de 20 de agosto, e que por dilatadas regiões se alarga ao presente.

Pelo tratado de 20 de agosto, essa zona era de 20 milhas ao norte do Zambeze, e de 10 milhas ao sul, de Tete ao Chobe; dentro dessa area, não só era livre o transito, e podiam os subditos de uma e outra nação adquirir terrenos em condições faceis, para emprehendimentos seus, mas tinha qualquer das potencias o direito de construir estradas, pontes, caminhos de ferro, os melhoramentos e os meios de communicação de que carecesse.

Por onde corria essa zona?

Ao norte do Zambeze, toda em territorio inglez; era portanto unica e inteiramente em nosso beneficio.

Ao sul do Zambeze corria em parte, approximadamente um terço, em territorio nosso; o resto, dois terços, em territorio inglez.

Á idéa d'esta zona partira de nós; o nosso intuito era garantir, de algum modo, a realisação do que para nós tem sido uma aspiração constante: a ligação de costa a costa, lançando no interior de Africa um traço de união entre Moçambique e Angola.

O que temos hoje no novo convenio?

Temos o seguinte:

Em todos os territorios marginaes dó Zambeze, para oeste do Chire, ao norte, e para oeste do Luenha, ao sul, não só ha livre transito para os subditos e mercadorias das duas nações, sem restricções nem peias, mas tem qualquer das potencias o direito de construir estradas, caminhos de ferro, pontes, caes, comprar terrenos, fazer estações, todos os melhoramentos emfim, tendentes a facilitar as communicações e a desenvolver commercio.

É um bem ou é um mal?

Se se tratasse só de lançar um caminho de ferro nosso de costa a costa, evidentemente era uma vantagem, porque podiamos melhor escolher o traçado; podiamos cortar mais direito pelo Barotze, em vez de termos de seguir o curso do Zambeze.

Mas se reflectirmos em que na generalidade d'esta disposição ficam comprehendidos todos os territorios que nos são reconhecidos, ao sul, desde o Luenha até ao Zumbo, e ao norte desde o Chire até ao Aruangua; que a Inglaterra é uma nação de vastos recursos, que a nós nos faltam, e que todo o seu proposito é abrir passagem e estender a sua influencia de um a outro extremo da Africa, desde o Cabo da Boa Esperança até ao Egypto; e que é precisamente por isso, para que os nossos territorios marginaes do Zambeze lhe não sirvam de obstaculo, que ella veiu, á ultima hora, reclamar todos aquelles direitos e amplas faculdades, de transito, de construcções, de communicações e de melhoramentos atravez dos nossos dominios, dos proprios dominios da Macanga e do Aruangua, do Bar de Mano e do Bar de Missale, que nos offereceu em troca ao planalto de Manica; - reconhecer-se-ha que nunca os apregoados inconvenientes do condominio, com que tanto, e com tanto menos rasão, se atacou o tratado de 20 de agosto, se tornaram, como agora, applicaveis aos territorios com que ficámos rio interior de Africa, pois que ahi os direitos reservados á Inglaterra são quasi tantos como os nossos, quando os encargos da soberania sobre nós é que pesam.

Fallemos de outro ponto, das communicações entre o Pungue e a Mashona.

Temos um caminho de ferro a construir. Tambem o tinhamos, é verdade, pelo tratado de 20 de agosto.

Mas então os estudos deviam começar-se dentro de quatro mezes a partir da assignatura do tratado, e demorar-se-iam o tempo que fosse necessario, sem que para isso se fixasse praso; agora esses estudos hão de estar começados e terminados dentro do praso de seis mezes.

E isto possivel?

Quem sabe as difficuldades que ha a vencer no traçado de um caminho de ferro, póde conjecturar se seis mezes são tempo sufficiente para se estudar um caminho de ferro em Africa.

Todos sabemos a demora que por vezes ha em se estudar um caminho de ferro ás portas de Lisboa, quanto mais em fazer os estudos para um caminho de ferro do Pungue á Machona.

É verdade que, segundo me consta, ha um estudo, um ante-projecto, já feito pela companhia de Moçambique; e que, sobre essa base, podem os seis mezes ser sufficientes para os estudos ficarem concluidos.

Tenho, porém, a esse respeito, duvidas, apprehensões, que singelamente vou expor á camara, e que muito estimarei se desvaneçam.

Pelo tratado que eu fiz, Portugal tinha direito incontestavel a construir, ou fazer construir, o caminho de ferro, desde que cumprisse as clausulas estipuladas, isto é, desde que construisse dentro do praso que os estudos marcassem para a construcção; e a apreciação sobre os estudos era da sua unica e exclusiva competencia.

Pelo actual tratado não; não basta que Portugal queira construir o caminho de ferro, é necessario que a Inglaterra concorde no praso para a construcção, que não é fixado nos estudos, que fica dependente de accordo entre as duas nações.

Assim, basta que a Inglaterra não queira concordar, para que Portugal se veja privado do direito de construir ou de fazer construir o caminho de ferro. Não está, pois, na sua mão contratar com a companhia de Moçambique, ou com qualquer outra companhia que escolha; não póde garantir a nenhuma companhia a construcção, porque se a Inglaterra discordar na questão do praso Portugal perde o seu direito de construir ou de escolher quem construa.

Discordando a Inglaterra, e para isso basta que não queira concordar, é uma terceira potencia que, intervindo, ha de designar uma companhia, com a qual, de antemão, Portugal se obriga a contratar.

Em que termos, e sob que condições?

Nada se acautela a esse respeito no tratado; o que nos põe na contingencia de: ou termos de nos sujeitar ás condições que a companhia, designada por essa terceira potencia, reclamar de nós; ou termos, para nos eximirmos a essa imposição, de faltar á propria estipulação do tratado.

Espero que isso se não de; mas como a camara bem aprecia, o assumpto é grave, e pesadas as contingencias a que nos expomos.

Ora nada d'isto estava no tratado de 20 de agosto.

No que respeita ao caminho de ferro do Pungue, as

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28 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES do REINO

clausulas do novo tratado são, pois, sem duvida, muito mais onerosas, para não dizer oppressivas.

E não é só a um caminho de ferro que nos obrigâmos; temos, a mais do que no tratado de 20 de agosto, uma estrada a fazer, e caes ou desembarcadouros á construir no Fungue.

Isto quando as circumstancias da fazenda publica nos impõem já dolorosos sacrificios.

A clausula que, no tratado de 20 de agosto, tão larga celeuma alevantou, a do arrendamento no Chinde, subsiste a par do novo tratado.

Dir-se-ba, talvez, que tem agora uma compensação no entreposto, que a Inglaterra nos concede na margem sudoeste do lago Nyassa.

Mas, sr. presidente, o que se dizia era que aquella clausula não só era offensiva da nossa independencia territorial, como tambem deprimente dos nossos interesses commerciaes na provincia de Moçambique; chegava-se a dizer que era a ruina de Quelimane. E se assim fosse, não era, por certo, o entreposto no Nyassa, que podia obstar a essa ruina.

O sr. Bocage bastantes esforços fez para que tal clausula não figurasse como uma condição do convénio, embora ella se concedesse por fóra; como se, sendo uma condição a cumprir, ella fosse melhor ou peior por se inserir ou não no tratado.

A final, a clausula lá está.

O que não está, o que estava no tratado de 20 de agosto, e o que, sobretudo, eu sinto não ver no tratado que discutimos, - é a clausula geral da arbitragem, que era a nossa melhor garantia para o futuro, e que de ora em diante nos assegurava que não mais conflictos poderiam ser decididos pela torça.

Essa desappareceu.

Quer isto dizer que eu acho que este novo tratado é um desastre, uma calamidade?

Não.

Que é indecoroso nas suas clausulas?

Menos ainda; eu não faria nunca aos negociadores de um tratado do meu paiz a injuria de suppor que poderiam trahir os interesses sagrados da sua patria.

Quero dizer, simplesmente, que foi um erro, um gravissimo erro, não se ter approvado o tratado de 20 do agosto, porque apesar dos melhores esforços do sr. Bocage, auxiliado pela boa vontade dos seus collegas, impossivel foi conseguir resultados mais vantajosos para o paiz, do que os que lhe eram assegurados por aquelle tratado.

Em dominios como em encargos, longe de ganhar, perdemos.

Mas ainda quando se tivesse alcançado um melhor resultado, pergunto: valeria a pena ter-se deixado o paiz sem governo, e a corôa a Descoberto, durante vinte longos dias de angustiosa crise ministerial?

Valeria a pena exautorar para isto os partidos politicos monarchicos, quebrando a normalidade da sua rotação constitucional?

Valeria a pena ter lançado a imprensa no perigoso resvaladouro de uma linguagem febricitante e desbragada, que, irritando, desconjunctando e esphacelando, não fazia senão mal ao paiz?

Valeria a pena ter provocado e deixado lavrar nos quarteis uma indisciplina dissolvente, minando uma força de que não podemos prescindir, qual é a força e a auctoridade do exercito, para, a poucos passos, presenciarmos, com magua e sobresalto, a lamentavel revolta de 31 de janeiro?

Valeria a pena ter levado o paiz a um estado anormal de excitação e desconfiança, para nos vermos agora nas duras afflicções de uma apertada crise financeira, para a qual é pouco o esforço de todos nós?

Valeria a pena, emfim, ter abandonado o tratado de 20 de Agosto para, depois de tantos revele e tão fundas provações, chegarmos á conclusão... de ter de acceitar este tratado?

É o que eu pergunto hoje.

Responda-me a consciencia, imparcial e serena, de quantos n'este momento me ouvem.

De onde nos veiu, porém, toda esta questão?

Veiu, sobretudo, de uma illusão perigosa.

Julgámo-nos senhores da Africa, de costa a costa; demos por assentado e certo o que aliás não passava de uma pura aspiração nossa.

Quando em 1885 o sr. Bocage, como ministro dos negocios estrangeiros, negociava com a França o tratado da Guiné, dirigiu ao sr. Pinheiro Chagas, então ministro da marinha, ambos meus collegas, um officio memoravel, em que, fallando dos nossos dominios em Africa, dizia, com inteira verdade:

"Unir Angola a Moçambique, cortar de um lado a outro o continente africano, foi sonho dos nossos maiores; nobre aspiração a que algumas portentosas viagens deram alimento, e bem cabida era esta ambição n'um povo que abrira ao mundo o caminho da Africa, da India e do Brazil e que possuia, de um lado, as embocaduras do Zaire, do Cuanza e do Cunene, do outro a foz do Limpopo, o delta do Zambeze e o curso do Rovuma.

Quem melhor do que nós poderia realisar tão grandiosa obra?

Pois não lográmos nunca leval-a a cabo, nem maduramente a intentámos. Dois motivos a isso se oppuzeram.

Foi um d'elles o velho systema colonial, fundado em privilegios, que afastava para longe o concurso e até o commercio dos estrangeiros. Queriamos abraçar o mundo com as nossas possessões para gosarmos só nós das suas riquezas, e por castigo de tão exagerada cobiça, perdemos uma boa parte das que tinhamos e empobrecemos as que restavam. Faltaram-nos, por desajudados de alheio auxilio, as forças necessarias, e tão colossal emprehendimento teve apenas, por começo de execução, algumas expedições através da Africa, mais ricas de gloria do que fecundas em proveitosas consequencias.

Esta era a verdade.

O que aconteceu, porém?

Aconteceu que, negociando nós com a França os limites da Guiné, a França que tinha formalmente a peito ficar com Zeguichor e Casamansa, que aliás innegavelmente nos pertenciam, não teve duvida em, para isso, nos reconhecer, por sua parte, o nosso direito de expansão de Angola a Moçambique; tanto mais que nem titulos nem pretensões tinha aos territorios que assim se estendiam de uma a outra costa, e que não só se não compromettia a tornar effectivo o nosso direito, mas muito expressamente resalvava o direito que outra qualquer potencia ali julgasse ter.

D'ahi, d'esse reconhecimente da França, o nosso primeiro mappa cor de rosa, em que os nossos dominios se estendiam unidos, do occidente ao oriente.

Depois, quando em 1886 o sr. Barros Gomes negociou com a Allemanha um tratado de limites na Africa occidental, tambem a Allemanha, para que lhe cedessemos toda a região que vae do Cabo Frio ao Cunene, que já antes ella reconhecera como nossa, não teve duvida em, por seu lado, e sob a mesma resalva de direitos de terceiro, nos deixar livre a expansão pelo interior da Africa, onde ella nada tinha, de uma a outra costa.

Ainda então, por parte da commissão parlamentar que, na outra camara, deu parecer sobre o tratado com a Allemanha, era assim que o sr. Antonio Ennes apreciava, no seu excellente relatorio, os nossos direitos e dominios no coração da Africa:

"Consideravamo-nos investidos, em relação ao interior da Africa, numa soberania nominal indefinida. Não pensava-mos em tragar limites para os lados de leste e sueste, porque tinhamos lá Moçambique, o Zambeze e até as memorias

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SESSÃO N.° 14 DE 9 DE JUNHO DE 1891 29

e as ruinas de Monomotapa, a chamarem-nos, a attrahirem-nos pelo sertão dentro. Não tendo por esses lados vizinhança de nações europêas ou de estados indigenas a que houvessemos de reconhecer os direitos de propriedade territorial, que a civilisação, e só ella, valida, respeitavamos este estado de cousas como o mais commodo e proveitoso para nós; que mais podiamos desejar realmente, do que ter ás portas dos nossos presidios e das nossas feitorias uma região incommensuravel, á espera de que podessemos e quizessemos senhoreal-a e aproveital-a? Tinhamos, ou julgava-mos ter sobre ella direitos sem deveres actuaes, propriedade sem encargos nem responsabilidades presentes; tinhamos ali um sobresalente de territorio nacional, uma reserva de colonias para dotação do nosso futuro."

E, mais adiante, considerava como um desaggravo contra a propaganda de descredito, que africanistas estrangeiros nos moviam lá fóra, em nome da civilisação:

"O accordo pelo qual o governo do imperio, um dos mais auctorisados representantes dessa civilisação, deixa á nossa acção tutelar e á nossa cultura-progressiva uma zona vastissima do continente negro, sem que a isso o compellissem direitos historicos inconfutaveis ou titulos de posse indiscutiveis."

Assim era.

Mas, feito o tratado com a Allemanha, publicou-se um segundo mappa cor de rosa, e sobre elle adormecemos, na fé do vasto emporio que possuiamos de um a outro lado da Africa.

Simplesmente nos esquecemos da Inglaterra.

Despertámos, um dia, do enganoso sonho em que nos embalavamos, da fagueira visão que nos sorria ás tradições do passado; despertámos com um ultimatum violento.

Era a Inglaterra que abria caminho do Cabo para o Egypto. Era a onda dos emprehendimentos modernos que se alastrava, em parte, sim, sobre os pergaminhos da nossa historia, mas tambem, e em muito, sobre as illusões que tinhamos ácerca de um dominio que em tempo não firmáramos, ... e que já era tarde para defendermos.

Foi dolorosissimo o abalo que todos sentimos.

Que ao menos nos sirva elle de lição, para que, de hoje em diante, em vez de nos dilacerarmos nas luctas estereis de uma maledicencia reciproca, nos unamos e amparemos n'uma acção e esforço commum; em vez de alimentarmos nos quarteis o espirito da indisciplina, na imprensa o furor da invectiva, e na opinião publica o descredito de tudo e de todos, nos juntemos para arrancar o paiz da dolorosa situação em que se encontra, e para, ao mesmo tempo, honrar a patria e defender o Rei.

Tenho dito.

(Quasi todos os dignos pares, e muitos srs. deputados que se achavam na sala, foram comprimentar e abraçar o orador.)

O sr. Presidente: - A primeira sessão é amanhã e a ordem do dia a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 9 de junho de 1891

Exmos. Sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, Antonio José de Barros e Sá; Duque de Palmella; Marquezes, de Fontes Pereira de Mello, de Fronteira, das Minas, de Pomares, de Pombal, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes, da Arriaga, d'Avila, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Castro, de Ficalho, de Gouveia, de S. Januario, de Lagoaça, de Linhares, de Macedo, da Ribeira Grande, de Thomar, de Valbom, da Folgoza; Bispo de Bethesaida; Viscondes, de Asseca, de Condeixa, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Sousa Fonseca; Agostinho de Ornellas, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Sousa e Silva, Antonio Candido, Egypcio Quaresma, Sá Brandão, Antonio José Teixeira, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bazilio Cabral, Bernardino Machado, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Costa e Silva, Faria e Maia, Margiochi, Van Zeller, Barros Gomes, Hermenegildo Palma, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, Alves de Sá, Ferreira Lapa, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Bivar, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Sousa Avides, Vaz Preto, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Placido de Abreu, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro e Thomás de Carvalho.

O redactor = F. Alves Pereira.

O programma definitivo adoptado para a entrada e juramento de Sua Alteza o sr. Infante D. Affonso Henriques na camara dos dignos pares foi o seguinte:

No dia que Sua Alteza o Serenissimo Senhor Infante D. Affonso Henriques, duque do Porto, se deliberar a prestar juramento e tomar assento n'esta camara como par do reino, os pares do reino se apresentarão na sessão vestidos de pequeno uniforme.

Logo que conste achar-se proximo a chegada de Sua Alteza, o official maior d'esta camara, trajando o seu uniforme, acompanhado de dois continues da camara e do correio da secretaria, irá á porta do palacio receber e conduzir o mesmo augusto senhor até á sala de respeito, onde se demorará o tempo necessario para se communicar ao exmo. presidente a chegada d'aquelle augusto senhor.

Informado que seja o exmo. sr. presidente de que Sua Alteza se acha, na indicada sala, designará cinco dignos pares para o irem comprimentar e conduzir a prestar o devido juramento, e tomar assento na camara.

Rectificação

Na sessão de 8 do corrente, por lapso, deixou de mencionar-se o seguinte:

Foi lido na mesa um officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, enviando a proposta de lei auctorisando o governo a celebrar o tratado com a Inglaterra.

As commissões de negocios externos, fazenda e ultramar.

O redactor = Ulpio Veiga.

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