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N.º16
SESSÃO DE 16 DE FEVEREIRO DE 1877
Presidencia do exmo sr. Marquez d’Avila e de Bolama
Secretarios—os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Montufar Barreiros
Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 25 dignos pares, declarou o exmo sr. presidente aberta a sessão.
O sr. Presidente: — Convido o digno par o sr. Franzini, a que venha servir de segundo secretario.
O sr. Franzini leu a acta.
Logo depois tomou o seu logar o sr. Montufar Barreiros.
Lida a acta da sessão antecedente, que foi considerada approvada por não ter havido reclamação.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo igual numero de propostas de lei, a saber:
l.ª Conferindo a gratificação mensal de 15$000 réis, ao patrão mór do arsenal da marinha.
Á commissão de marinha.
2.ª Concedendo aos contribuintes do antigo monte pio militar a faculdade de se inscreverem como socios do monte pio official.
Á commissão de fazenda.
Um officio do ministerio da guerra, remettendo uma nota das quantias sacadas do cofre das remissões de recrutas, requerida pelo digno par Vaz Preto.
Para a secretaria.
O sr. Vaz Preto: — Mando para a mesa dois requerimentos. São os seguintes:
«Requeiro, que pelo ministerio dos estrangeiros seja mandada a esta camara, copia das instrucções dadas pelo governo ao ministro de Sua Magestade Fidelissima em Hespanha, ácerca do caminho de ferro do Valle do Tejo. = Vaz Preto.»
«Requeiro, que pelo ministerio das obras publicas seja mandada a esta camara, copia do accordo assignado em Madrid, entre as duas nações, ácerca dos pontos do entroncamento dos caminhos de ferro das Beiras Alta e Baixa, representando o governo portuguez o distincto engenheiro Sousa Brandão.
«Requeiro tambem, que sejam mandadas a esta camara copias dos documentos que se tenham trocado entre os governos dos dois paizes, se por ventura se levantou alguma dificuldade ácerca dos ditos caminhos de ferro. = Vaz Preto.»
Foram mandados expedir.
O sr. Barros e Sá: — Tenho a declarar á camara que não pude comparecer na ultima sessão por motivo de doença.
O sr. Presidente: — Tomar-se-ha nota da deliberação do digno par.
Vamos entrar na ordem do dia, começaremos pela discussão do parecer n.° 194. Vae ler-se.
ORDEM DO DIA
Leu-se na mesa o
Parecer n.º 194
Senhores. — Fei presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 197, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual se concede ao governo auctorisação para amigavelmente transigir com os mais credores da dissolvida companhia união mercantil, ácerca do pleito judicial pendente, por causa das preferencias que disputam entre si para o pagamento dos seus respectivos creditos; e parecendo á commissão que é mais conveniente aos interesses do thesouro terminar prompta e amigavelmente um litigio, attendendo-se e respeitando-se equitativamente os direitos e interesses de todos os credores, do que aguardar a terminação judicial de um pleito de difficil e demorada solução: é por isso de parecer que o indicado projecto seja approvado para subir á sancção regia.
Sala da commissão, 31 de janeiro de 1877. = Conde do Casal Ribeiro = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Augusto Xavier Palmeirim — Carlos Bento da Silva — Antonio José de Barros e Sá, relator.
Projecto de lei n.° 197
Artigo 1.° E auctorisado o governo a transigir com os demais credores da companhia união mercantil, hoje em liquidação, sobre a questão pendente nos tribunaes, relativa ás preferencias dos diversos creditos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario,.
Palacio das côrtes, em 31 de março de 1876.= Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = João Maria de Magalhães, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade e especialidade este projecto, visto conter um só artigo.
O sr. Marquez de Vallada: — O projecto de lei que está em discussão creio que é este.
(Leu.)
Eu desejava saber se o sr. procurador geral da corôa e fazenda foi ouvido sobre este assumpto, e se tambem foi ouvido o conselho d’estado, como se determina na carta constitucional, quando haja negocio grave.
O sr. Barros e Sá (relator): — Peço licença para declarar ao digno par que o procurador geral da corôa tem sido ouvido por mais de uma vez sobre esta materia, que está pendente nos tribunaes, onde a sociedade é representada pelo respectivo magistrado do ministerio publico.
Em quanto ao conselho d’estado, nada posso dizer, ainda que me parece que nem a lei exige, nem os negocios desta natureza reclamam a sua audiencia.
O sr. Vaz Preto: — O sr. relator do parecer, com respeito ao projecto que se discute, acaba de declarar que foi ouvido o procurador geral da corôa.
Agora pediria eu que se mandasse para a mesa a consulta deste magistrado, a fim de que a camara tenha conhecimento d’ella, porque este negocio é summamente grave, e torna-se indispensavel que a camara disponha de todos os esclarecimentos que a possam fazer votar com consciencia perfeita da materia.
O sr. Marquez de Vallada: — O sr. Vaz Preto preveniu-me completamente n’uma parte; mas, sobre outra, desejo que fique bem consignada a minha opinião, posto que o assumpto se ha de tratar com maior desenvolvimento em occasião mais opportuna. Peço, portanto, licença ao sr. Barros e Sá para lhe observar que o conselho d’estado deve ser ouvido em todas as questões- importantes.
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O conselho d’estado não é um conselho do governo, é um conselho do rei, composto de homens versados nestas materias altamente ponderosas, e que dão a sua opinião sobre ellas não é apenas um conselho dos amigos de qualquer ministerio, não é unicamente para sei ouvido sobre se deve cumprir-se a lei com relação ao Antonio da Costa ou ao Antonio Coelho. É muito util que exista o conselho d’estado, mas, para que se demonstre essa utilidade, é preciso que de o seu parecer sobre assumptos como o de que tratâmos; aliás, torna-se nullo. Devemos, por consequencia, attender ao principio exarado na carta constitucional, que ainda existe, ainda não está reformada, nem eu desejo que se reforme. E permittam-me alguns cavalheiros respeitabilissimos, que instam, pela reforma da carta, que eu lhes observe que, antes de reformal-a, é necessario cumpril-a.
Já vê o meu nobre amigo, o sr. Barros e Sá, que eu tinha rasão quando lhe perguntava se o conselho d’estado fôra ouvido.
Nada mais desejo dizer.
O sr. Martens Ferrão (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.
(Leu.)
O sr. Barros e Sá: — Devo declarar que tenho aqui presentes os documentos que foram mandados por differentes ministerios á commissão de fazenda. Se v. exa. e a camara os quizer examinar, immediatamente os mandarei para a mesa.
O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer que mandou para a mesa o digno par o sr. Mártens Ferrão.
O sr. Secretario: — Leu.
O sr. Presidente: — Manda-se imprimir.
O digno par o sr. Vaz Preto tinha pedido o parecer do procurador geral da corôa sobre o projecto que se discute. Eu não sei se o digno par o sr. Barros e Sá declarou que, juntamente com os documentos que tem presentes, estava o parecer do procurador geral da corôa que pediu o sr. Vaz Preto?
O sr. Barros e Sá: — Eu disse que tinha na mão os documentos que foram mandados pelo governo á commissão de fazenda, e entre elles está a consulta ou informação do respectivo agente do ministerio publico a respeito d’esta materia, documento importante que serviu muito para esclarecer a commissão de fazenda. Repito, pois, que não tenho duvida de mandar para a mesa todos os documentos, se a camara o julgar conveniente.
O sr. Presidente: — Com a declaração que acabou de fazer o digno par o sr. Barros e Sá, o sr. Vaz Preto julga satisfeito o seu requerimento?
O sr. Vaz Preto: — Para entrar na discussão d’este projecto precisava ver o documento do procurador geral da corôa, que diz respeito a este negocio. V. exa. sabe que n’uma das sessões anteriores requeri que se mandassem para a mesa todos os documentos que podessem esclarecer a camara, afim d’ella poder votar com conhecimento de causa. Eu pela minha parte não posso discutir o projecto sem examinar, os documentos que foram presentes á commissão de fazenda.
O sr. Presidente: — O digno par usará da sua iniciativa a este respeito, conforme julgar conveniente.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Parece-me muito simples o que ha a fazer n’este caso. Uma vez que ha documentos importantes, que podem esclarecer a camara sobre este negocio, e não tendo os dignos pares conhecimento d’elles, o que se deve fazer é adiar a discussão do projecto. Eu não faço requerimento algum, e desejo apenas declarar o seguinte: nós neste caso vamos dar ao governo uns certos poderes como nos negocios particulares cada um póde dar a um procurador. Ora, como ninguem nos negocios particulares concede similhante faculdade se não a um procurador da sua completa confiança, e como eu não tenho confiança nenhuma no governo, por isso não lhe posso dar o voto que aqui se propõe.
Nada mais tenho a dizer, e concluo repetindo que o que me parece mais acertado é adiar a discussão do projecto até que a camara se possa esclarecer.
O sr. Presidente: — Se o digno par deseja que eu consulte a camara sobre o adiamento do projecto, é necessario que formule uma proposta n’este sentido.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Eu não formulo nenhuma proposta, porque o meu voto é contra o projecto, por isso que, como já disse, não tenho confiança no governo.
O sr. Presidente do Conselho (Fontes Pereira de Mello): — Não pedi a palavra para entrar na discussão do projecto, porque ainda ninguem o combateu, mas para dar algumas explicações sobre o incidente que se levantou com relação á falta de esclarecimentos, da qual me parece que se quiz increpar o governo; e tambem de não ter consultado o procurador geral da corôa, nem haver submettido este negocio ao conselho d’estado. Em primeiro logar devo dizer que o governo mandou todos os esclarecimentos que a commissão de fazenda julgou necessarios para formar a sua opinião. Se a camara quizer mais esclarecimentos, alem d’aquelles que estão já na mão do sr. relator da commissão, o governo não tem duvida em os enviar.
Agora emquanto á audiencia do procurador geral da corôa, o digno par o sr. relator da commissão já declarou que tinha sido ouvido aquelle respeitavel magistrado por mais de uma vez, e que as suas consultas foram presentes á commissão.
Com relação a ser ouvido o conselho d’estado, é certo que a carta manda que seja consultado aquelle tribunal sobre os negocios graves; mas tambem é certo que o governo é que é o juiz da gravidade d’esses negocios. Ha dez annos que tenho a honra de fazer parte d’aquelle conselho, e n’esse espaço de tempo nunca vi que não fosse sempre o governo o juiz da gravidade dos negocios. E claro que todos os negocios publicos tem uma certa gravidade, e aquelles que fazem objecto de uma disposição legislativa ainda a tem maior, mas n’estes mesmos ha gravidade; e ninguem deixa de conhecer que entre estas gravidades ha sempre uma escala tal que só a apreciação do governo, que é o juiz n’este caso, póde decidir se aquelle de que se trata pertencerá ao numero dos negocios graves, de que falla a corta, para ser levados ao conselho d’estado.
O artigo da carta nem foi desconsiderado, nem foi desobedecido; foi interpretado como o tem sido constantemente por todas as administrações; nem podia entender-se de outro modo, pois, se não se deixasse ao governo a apreciação da gravidade dos casos, a quem havia ella de pertencer? O conselho d’estado não póde reuir-se de motu proprio; é preciso que seja convocado, e só o governo é que póde reputar ou não reputar grave qualquer assumpto para fazer ou deixar de fazer essa convocação.
Quiz dar esta explicação por causa das observações do sr. marquez de Vallada, a quem pareceu que o governo faltara ao seu dever por não ter ouvido aquelle alto corpo do estado.
O sr. Carlos Bento: — Julgo necessario dizer algumas palavras relativamente á auctorisação que é concedida por este projecto.
O governo é credor á companhia união mercactil por sommas importantes. Estas sommas importantes eram destinas a realisar o fim util de auxiliar uma companhia de navegação que assegurasse a regularidade de communicações com as nossas provincias ultramarinas. A companhia não poude resistir aos embaraços que se oppozeram á sua marcha, e o governo creditou-lhe 700:000$000 réis.
De passagem direi que sirva de advertencia este facto para não nos illudirmos com a idéa de que, quando qui-
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zermos ter ... (não se ouviu} por meio barato, não devemos, por um excesso de delicadeza, tornal-o mais caro.
Não tem sido decidida esta questão nem em relação aos creditos do governo, nem em relação aos outros creditos; ha muitos annos que está para resolver-se. E porque? Porque a muitos credores se torna impossivel a liquidação dos creditos.
Ha reclamações incessantes de alguns credores estrangeiros para que lhes seja satisfeita a sua divida, ou revalidado o seu credito.
A demora na resolução deste negocio traz comsigo considerações um pouco desagradaveis, que o governo pretende evitar.
Esta auctorisação, para se chegar a um accordo, e indispensavel, principalmente havendo credores estrangeiros. E eu julgo que a posição do governo se deve robustecer, tornando-se claro, na discussão d’este projecto, que é essencial que elle ouça as pessoas competentes, revestidas da auctoridade de conselho. Todos os dias no parlamento inglez o governo invoca a auctoridade dos conselheiros reaes para resolver casos importantes.
Por consequencia, é necessario que o governo, na posição em que se encontra, se robusteça com as opiniões das auctoridades competentes, e com as formalidades indispensaveis, para que exigencias desarrasoadas não tornem mais difficil a solução d’este negocio.
Sem querer entrar agora na discussão, em these, sobre se o conselho d’estado deveria ser ouvido ácerca d’este assumpto, direi comtudo que se trata de um negocio grave, pois entram n’elle alguns credores estrangeiros, a respeito de cujos creditos tem havido reclamações internacionaes.
O sr. Vaz Preto: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de adiamento, mas dispensar-me-ia de a apresentar, se o sr., presidente do conselho declarasse que, compenetrado da necessidade de ouvir o procurador geral da corôa e o conselho d’estado, não daria um passo, não se serviria da auctorisação, sem ouvir estas estações.
Os documentos que tinha pedido, e que devem ser a rasão justificativa da auctorisação que se pede, só hoje foram apresentados pelo relator da commissão, e no caso do sr. presidente do conselho não se comprometter a ouvir o procurador geral da corôa e o conselho d’estado, é necessaria a proposta de adiamento, para a camara ter tempo de os examinar, a fim de se habilitar a poder votar com conhecimento de causa.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, aqui ha duas questões; eu já respondi á primeira, mas á segunda não podia fazel-o, porque só agora foi apresentada.
Foi incriminado o governo por não ter ouvido o procurador geral da corôa e o conselho d’estado antes de trazer á camara esta proposta de lei. A isto respondi que o procurador geral da corôa tinha sido ouvido, mas o conselho d’estado não, porque o governo não julgou que fosse necessario.
Se o projecto que se discute for approvado pelos membros d’esta camara, é claro, e n’isto estou de accordo com o sr. Carlos Bento da Silva, que o governo ha de ouvir o procurador geral da corôa sobre as duvidas que se possam apresentar na sua execução; mas, emquanto a ser ouvido o conselho d’estado, cumpre-me dizer que, se essa idéa for consignada na lei, o governo não terá duvida em o ouvir; mas não o sendo, o governo não o ouvirá.
Entretanto, convem lembrar que se se estabelecer o principio que o digno par sustentou, será grandissimo o numero dos casos em que o conselho d’estado tenha de ser ouvido.
Finalmente, o que tenho a declarar é que se o projecto for convertido em lei, o governo ha de ouvir o procurador geral da corôa para a executar, ou sobre qualquer duvida que se levante na sua execução, mas o conselho d’estado não será ouvido, salvo se essa disposição for consignada na lei.
O sr. Vaz Preto: — Não me tendo satisfeito as declarações do sr. presidente do conselho, pois d’ellas conclui que o governo não tenciona apresentar este negocio ao conselho d’estado senão depois de estar approvado por esta camara o projecto em discussão, se ella assim o determinar, e não podendo eu entrar na discussão do mesmo projecto sem examinar os documentos que lhe dizem respeito e foram presentes á commissão, que deu parecer sobre elle, mando para a mesa a minha proposta de adiamento, pois não me parece conveniente que se vote uma medida d’esta ordem, sem a camara ter perfeito conhecimento dos referidos documentos.
Leu-se na mesa a seguinte proposta de adiamento.
Proposta
Proponho que este projecto seja adiado por alguns dias até que a camara tome conhecimento dos documentos que hoje foram mandados para a mesa. = Vaz Preto.
O sr. Presidente: — O digno par o sr. Vaz Preto deseja examinar os documentos que estão na mão do sr. relator da commissão, que deu parecer sobre o projecto em discussão; e n’este intuito propõe o adiamento do mesmo projecto por alguns dias, até que a camara possa ter conhecimento d’esses documentos.
Vou consultar a camara se admitte esta proposta á discussão.
Foi admittida.
O sr. Presidente: — Está admittida a proposta, do sr. Vaz Preto; fica pois em discussão com a materia principal, e será votada antes do projecto que se discute.
O sr. Marquez de Vallada: — Antes de responder ao sr. presidente do conselho, peço licença para fazer algumas considerações a proposito da declaração que fez o meu nobre amigo e parente o sr. marquez de Sabugosa. Disse s. exa. que votava contra o projecto em discussão, porque não tinha nenhuma confiança no governo. N’estas, questões de confiança cada um tem o seu modo de ver as cousas.
Entendo que pelo facto de confiar no governo não estou obrigado a votar sempre com elle. Posso confiar muito no caracter e probidade dos srs. ministros, nos seus conhecimentos e tino politico, mas isso não obsta a que num ou n’outro ponto da sua marcha governativa eu discorde completamente ou em parte das idéas de s. exa. A infallibilidade politica ainda não está resolvida, não é nem póde ser attributo de nenhum homem d’estado, nem de nenhum politico por mais eminente que seja. Se porventura ha algum chefe de partido ou homem politico, que da altura da sua posição, e das suas doutrinas politicas queira impor a todos o preceito de o seguirem constantemente apoz do seu carro triumphal, antepondo a tudo a questão de confiança; se o crê ou morre for o mote da sua bandeira, se exigir que se vote sempre com elle, a esse direi que querer isso é querer que voltemos ao passado, ao absolutismo que nós condemnarnos, que não desejamos ver restabelecer, e contra o qual havemos de pelejar sempre; é querer retroceder para a doutrina d’aquelles que diziam: «quem não é por mim, é contra mim»: é querer mostrar que são desnecessarias as côrtes, inuteis as discussões.
Devo dizer que o meu nobre amigo o sr. marquez de Sabugosa não está n’esta situação, nem quero com as minhas palavras significar que haja aqui quem o esteja; mas quero que fiquem bem constatadas as minhas idéas a tal respeito.
O sr. presidente do conselho tem sido ministro varias vezes, e tem acontecido que quasi sempre tenho apoiado a sua politica. Já se vê, pois, que não tem havido gran-
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des discordancias entre nós; mas se isto assim é, e se, por outro lado, eu sou o primeiro a reconhecer e prestar homenagem ás suas altas qualidades e talento, e a respeitar o seu caracter, não significa isso que eu esteja compromettido a votar com s. exa. em todas as questões que porventura se levantem no seio d’esta camara; a ir constantemente atraz do illustre ministro, e a apoiar toda e qualquer idéa de s. exa. logo que a apresente. Póde-se, portanto, confiar e eu confio muito na politica do actual ministerio, e tenho apoiado bastantes dos seus actos, sem ficar por isso obrigado a votar todas as suas medidas, e isto póde fazer-se sem se estar filiado no partido do governo, nem em nenhum dos que o combatem, os quaes têem todos o seu programma. Só o governo é que ainda não apresentou programma...
O sr. Presidente do Conselho: — O programma do governo está nos seus actos.
O Orador: — Certamente, e eu estimarei ter sempre de apoiar esse programma e de applaudir os srs. ministros pelos seus actos, pelo zêlo no cumprimento das leis, e pela manutenção da ordem publica em todas as suas diversas manifestações. E a proposito, direi de passagem que tenciono chamar a attenção da camara e do governo sobre varios assumptos que prendem com questões de ordem publica e de boa administração, dos quaes me occuparei largamente n’uma das proximas sessões, para o que enviarei opportunamente para a mesa uma nota de interpellação, sem intuito algum de fazer opposicão ao gabinete, mas unicamente para cumprir com o meu dever e auxiliar ao mesmo tempo os srs. ministros no desempenho da sua missão governativa. Hei de fallar com toda a clareza e franqueza que me é propria.
Se nem sempre se póde concordar com as opiniões dos governos, tambem nem sempre se póde estar de accordo com as opiniões das opposições, porque uns e outras são falliveis. Do encontro das opiniões é que póde resultar a verdade, por isso é que se inventaram as assembléas politicas, as discussões, a tribuna e a imprensa, embora errem muitas vezes.
Seja-me permittido agora fazer algumas observações com respeito ao que disse o sr. presidente do conselho.
Disse, s. exa. que o juiz da conveniencia ou inconveniencia de apresentar certas materias ao conselho distado, é o governo; concordo plenamente; mas s. exa. não desconhece tambem que nós podemos ser juizes da maneira por que o governo procede nessa parte. O sr. presidente do conselho póde julgar conveniente ou inconveniente a apresentação de certos assumptos ao conselho d’estado, mas nós, os homens publicos que nos guiámos pela nossa consciencia e desejamos ser allumiados pela luz da rasão, podemos discordar do governo, e dizer-lhe: n’este ponto, erraes. Para que não tenham rasão os que assignam qualquer programma, querendo a extincção do conselho d’estado, e que, por assim dizer, tratam de demonstrar a inutilidade d’elle, é preciso provarmos praticamente que o conselho d’estado serve para alguma cousa. Recorramos á sua historia, que já conta alguns seculos, e que eu tive a infelicidade de estudar (hoje é uma infelicidade dedicarmo-nos ao estudo). Mas apesar d’isso, eu gosto de estudar. Tenho pois estudado a historia do conselho distado, e sei que muitas materias importantissimas, como esta, teem sido levadas á decisão d’aquelle alto corpo do estado.
N’este ponto o governo não podia perder absolutamente nada, e tanto menos perde agora que o conselho distado é, na sua maioria, composto de amigos seus, muito dedicados, e que o tem sempre acompanhado.
Portanto, ficando de pó a afirmativa do sr. presidente do conselho, que o governo é o juiz da conveniencia ou inconveniencia da apresentação de certas materias ao conselho d’estado; fica tambem de pé a minha affirmativa
de que n’essa parte podemos discordar do governo no juizo que fez.
Sem estar nas mesmas circumstancias politicas do sr. marquez de Sabugosa, peço licença para dizer que não julgo infallivel o governo, nem este nem outro, porque essa prerogativa foi declarada só com relação ao pontifice nos pontos de doutrina e moral, pontifice ha um só, com quanto se esteja vendo que todos os chefes de partido se declaram pontifices, desejando trazer atrellados ao seu carro triumphal os que podem contribuir para a sua conservação no poder ou elevação a elle. É um especie de absolutismo que não posso acceitar.
O sr. Carlos Bento, que conheço perfeitamente a historia de Inglaterra, fez-nos ver o peso que n’aquella nação se dá a estas importantes materias, e a conveniencia de convocar os conselheiros da corôa e ouvir a sua opinião a respeito d’ellas.
Concluindo, peço desculpa á camara de lhe haver tomado tempo com as reflexões que apresentei.
(O orador não reviu os seus discursos.}
O sr. Barros e Sá (relator): — Posto que o parecer da commissão ainda não tenha sido impugnado, entendo do meu dever dar algumas explicações á camara, a fim de poder ser bem comprehendido o alcance da providencia proposta, pelo governo, e acceita pela commissão.
Cumpre-me observar desde já, que este parecer foi apresentado aqui em 31 de janeiro ultimo, entregando eu logo na secretaria todos os documentos que haviam sido presentes á commissão e que a habilitaram a dar o parecer que agora se discute. Fiz o que é custume e pratica fazer-se em taes casos. Ali, na secretaria, estiveram e têem continuado a estar desde então até ao momento actual, pois que se agora os tenho presentes, é porque os mandei pedir, e os offereço ao exame dos dignos pares que quizerem estudal-os. Não intento fazer censura a pessoa alguma mas quem não tem examinado, é porque não quiz. Desde que o parecer foi distribuido na casa, podia qualquer digno par procurar na secretaria os documentos correlativos.
Não foi a commissão que embaraçou esse exame, e insisto n’esta asserção para que se não pertenda inculcar, que se pertende levar de assalto e sem reflexão um projecto importante.
Isto posto devo igualmente dizer que eu, relator da commissão, não posso acceitar a discussão no terreno politico, ou de confiança politica, em que a collocou o sr. marquez de Sabugosa. Considero que esta questão é de pura e simples administração, de mui pequena importancia e que não póde comportar a elevação á altura e á categoria de questão de confiança politica, de questão ministerial.
Debaixo deste ponto de vista não posso acceitar a discussão e recuso-me a entrar no debate.
Assentado e fixado o terreno do debate passo a dar algumas informações, as quaes poderão talvez auxiliar a camara na resolução do adiamento proposto.
Todos sabem que a companhia união mercantil falliu, que em virtude d’essa fallencia se procedeu á liquidação do seu activo e passivo.
O activo da companhia foi de 178:000$000 réis, que estão em deposito, e o passivo é de 908:000$000!!!
D’estes só o thesouro é credor por 701:000$000 réis, e pela somma restante ha 232 credores!!!
Entre estes 232 credores existe um letigio judicial, que ha sete annos pende dos tribunaes, no qual todos elles disputam preferencias para obterem pagamento.
Ora um letigio entre 232 credores disputando preferencias é interminavel, não só pela natureza do pleito como pelo numero de letigantes. Só para verificar as citações de todos, que difficuldades não existem?! Principalmente porque alguns, muitos d’elles, residem em paizes estrangeiros.
É por isso que já tem decorrido sete annos e o letigio
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nem teve fim nem ha esperanças de que o obtenha. Basta que um dos credores morra para que seja preciso recomeçar de novo, pela necessidade de novas citações para se deduzir e julgar a habilitação dos Herdeiros com que tem de seguir é pleito. Se ha, ou houver, segundo fallecimento tudo tem que recomeçar, e o letigio torna-se interminavel
E será justo e rasoavel que pretendendo os credores da companhia ultimar a questão, por meio de uma composição amigavel, não o possam fazer só porque é nosso thesouro tambem é credor, e não póde o ministerio publico entrar em transações ou em amigaveis composições?!!
Não é justo.
O thesouro é o principal credor, isto é verdade, mas ha outros que têem direito de preferencia sobre o thesouro, taes são os portadores das obrigações emittidas com auctoridade do governo, para por meio d’ellas se comprarem os navios da companhia. É portanto inquestionavel que da parte activa liquidada não é só o thesouro que tem a receber o que é preciso é saber a parte que pertence a cada um.
Entre os credores avultam tambem os fornecedores de generos para comestiveis, para carvão da ultima viagem e os das soldadas da marinhagem. E não será deshumanidade reter 178:000$000 réis arrecadados no deposito e deixando de pagar aos marinheiros as suas pobres e mesquinhas soldadas!
O que significa pois o projecto? Significa exclusivamente a faculdade concedida ao governo para entrar na composição amigavel que querem fazer os credores da união mercantil, dividindo entre si, por accordo reciproco, os 178:000$000 réis que estão em deposito, recebendo cada qual a parte proporcional respectiva. Isto importa a idéa e pensamento unico de terminar um litigio, recebendo todos alguma cousa, e perdendo tambem alguma cousa. E melhor que cada um receba alguma cousa do que não receber cousa alguma.
Se em geral todas as questões devem terminar por accordo entre as partes, porque se ha de fazer excepção n’aquellas em que é parte interessada o estado? Não se pretende pois um voto de confiança politica, pede-se antes uma procuração bastante para se conciliar com os outros litigantes. E isto o que nós fazemos nas nossas cousas, nos nossos negocios e nas nossas demandas. Todos nós temos dado procurações a um terceiro para conciliação no juizo de paz.
N’este negocio não póde deixar de ser ouvido o ministerio publico, e serão principalmente os seus magistrados dignissimos os que hão de exercitar a auctorisação pedida.
Julgo que não serão precisas maiores informações, e que com o que tenho exposto ficará habilitada a resolver não só o adiamento, mas até a questão principal. Será melhor aguardar a resolução judicial de um pleito difficil e quasi interminavel, ou antes terminar esse pleito por um accordo amigavel entre os interessados? Resolva a camara com a sabedoria costumada.
O sr. Presidente: — Está extinta1 a inscripção, e vae proceder-se á votação.
Vota-se primeiro a proposta de adiamento; se esta for approvada, fica adiado o projecto; se não for approvada, proceder-se-ha á votação d’este.
Os dignos pares que approvam o adiamento proposto pelo digno par sr. Vaz Preto, tenham a bondade de levantar-se.
Não foi approvado o adiamento.
O sr. Presidente: — Visto não ter sido approvado o adiamento, vae-se proceder á votação do projecto.
Os dignos pares que approvam o projecto na sua generalidade e especialidade, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Vaz Preto: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Sobre este projecto?
O sr. Vaz Preto:—Para propor um additamento.
O sr. Presidente : — Cumpre-me advertir ao digno par que o regimento manda que haja uma só discussão na generalidade e especialidade, quando os projectos contêem um só artigo, como este projecto, e eu assim o declarei quando abri a discussão.
O sr. Vaz Preto: — Então, ouvi mal, e por isso não mandei para a mesa um additamento, que tencionava propor ao artigo 1.°
O sr. Presidente: — Se o digno par deseja, consultarei a camara?
O sr. Vaz Preto: — O que eu desejava era mandar para a mesa um additamento ao artigo 1.°, e vinha a ser, que se acrescentassem as palavras «ouvido o conselho d’estado e o procurador geral da corôa». Se não tem logar, não o enviarei para a mesa.
O sr. Presidente . — Quando abri a discussão, declarei que ia discutir-se o projecto na generalidade e na especialidade por conter um só artigo. A camara póde resolver o que entender, eu é que não posso deixar de manter a votação.
Posto á votação o artigo 2.°, foi approvado.
Passou-se ao parecer n.° 195.
Parecer n.° 195
Senhores .— A vossa commissão de administração publica examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 122, que a camara dos senhores deputados enviou á camara dos pares do reino, e depois de maduro exame dos documentos que acompanham o projecto, concluiu que é acto de justiça o tornar as disposições do artigo transitorio da carta de lei de 16 de abril de 1867 extensivas aos segundos officiaes das diversas secretarias d’estado, aos quaes houver sido concedida a graduação de primeiro official depois das reformas effectuadas nas secretarias no anno de 1809. A confrontação dos documentos, a exposição dos direitos dos interessados, os diversos projectos de lei sobre o assumpto e relatorios respectivos, demostram até a saciedade que se não deve demorar mais tempo um acto que é ao mesmo tempo preito á justiça e homenagem á equidade. Respeitando, pois, principios tão sagrados, e fazendo applicação d’elles ao negocio sobre o qual versa o projecto de lei n.° 122, é a vossa commissão de administração publica de parecer, de accordo com o governo, que este projecto deve ser approvado.
Sala da commissão, em 6 de fevereiro de 1877. = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = José Augusto Braamcamp — Marquez de Ficalho = Marquez de Vallada, relator.
Projecto de lei n.° 122
Artigo 1.° As disposições do artigo transitorio da carta de lei de 16 de abril de 1867 são extensivas aos segundos officiaes das diversas secretarias d’estado, a quem houver sido concedida a graduação de primeiro official depois das reformas effectuadas nas secretarias no anno de 1859.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 14 de fevereiro de 1876. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Moita e Vasconcellos, deputado secretario = Barão de Ferreira dos Santos, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade e especialidade por conter um só artigo.
O sr. Vaz Preto: — Vou mandar para a mesa uma proposta de adiamento, que a camara resolverá se tem ou não rasão de ser.
Tenho aqui este parecer, e vejo que está assignado pelos membros da commissão de administração publica, mas como elle diz respeito a um projecto que traz um augmento, de despeza, parece-me que deverá ser ouvida a commissão de fazenda, que é a competente para apreciar esta cir-
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112 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
cumstancia. Portanto proponho que seja adiado este projecto e remettido á commissão de fazenda, para dar o seu parecer.
É praxe, e não sei mesmo se lei, o dever ser ouvida a commissão de fazenda, sobre projectos que importam encargos publicos, como succede com este. Portanto proponho, como disse, que o projecto seja enviado á commissão de fazenda, a fim de ser ouvida.
O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, á commissão de administração publica foi remettido este projecto, sobre o qual deu o seu parecer, como lhe cumpria.
A camara enviou-o unicamente a uma commissão; mas desde que o digno par, com escrupulos muito bem fundados, entende que deve tambem ser ouvida a commissão de fazenda, eu não tenho duvida, como relator do parecer, em aceitar a indicação do digno par.
O sr. Presidente: — Vou consultar a camara.
Consultada a camara, foi approvado o requerimento do sr. Vaz Preto.
O sr. Presidente: — Na ordem dos trabalhos deviamos passar á interpellação do sr. marquez de Sousa, mas sou informado de que o sr. ministro da marinha e dos negocios estrangeiros não póde hoje comparecer n’esta camara, em consequencia de se achar empenhado numa discussão na outra casa do parlamento.
O governo está representado pelo sr. presidente do conselho, mas como a interpellação é dirigida especialmente ao sr. ministro da marinha e dos negocios estrangeiros, creio que todos estão de accordo em que a questão seja adiada para a primeira sessão, em que s. exa. possa comparecer.
Foi hoje distribuido o parecer n.° 196; e em conformidade com o que dispõe o regimento, só póde ser discutido tres dias depois. N’estes termos, se a camara não determinar o contrario, a primeira sessão será na proxima terça feira, 20 do corrente, sendo a ordem do dia a interpellação do sr. marquez de Sousa, no caso de poder comparecer o sr. ministro respectivo, e o parecer n.° 196.
Está levantada a sessão.
Eram tres horas e meia.
Dignos pares presentes na sessão de 18 de fevereiro de 1877
Exmos. srs.: Marquez d’Avila e de Bolama; Duque de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Sabugosa, de Sousa Holstein, de Vallada; Condes, das Alcaçovas, de Bomfim, de Cabral, do Farrobo, da Fonte Nova, de Fornos de Algodres, de Linhares, da Louzã, de Rio Maior, Bispo de Vizeu; Viscondes, de Bivar, das Laranjeiras, de Monforte, dos Olivaes, de Portocarrero, de Porto Covo, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Ornellas, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Custodio Rebello. Sequeira Pinto, Barreiros, Silva Torres, Larcher, Moraes Pessanha, Martens Ferrão, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pita.