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N.º 16
SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1880
Presidencia do exmo sr. Buque d’Avila e de Bolama
Secretarios — os dignos pares
Eduardo Montufar Barreiros
Francisco Simões Margiochi
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — A correspondencia é enviada ao seu destino. — Approvação dos pareceres relativos ás cartas regias que elevam ao pariato os srs. dr. Matinas de Carvalho e Vasconcellos e D. Luiz de Carvalho Daun e Lorena. — Approvação, sem discussão, do parecer n.° 22 sobre ~o projecto de lei, tendo por fim facilitar a remissão e venda de foros, censos e quinhões, e quaesquer outras pensões na posse e administração da fazenda nacional. — O digno par Vaz Preto realisa a sua interpellação sobre as eleições de Castello Branco. — Resposta do sr. ministro do reino (Luciano de Castro).
As duas horas, e um quarto da tarde, sendo presentes 49;dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Um officio do sr. visconde de Soares Franco, participando á camara que, por incommodo de saude, não póde comparecer á sessão.
Ficou a camara inteirada.
(Estavam presentes os srs. presidente do conselho, ministros da justiça, do reino, da fazenda, da marinha, das obras publicas.)
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, mando para a mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, se envie a esta camara uma nota dos olheiros que ultimamente foram promovidos a apontadores, e dos apontadores de 3.ª classe que foram promovidos á 2.ª classe, e d’esta á l.ª
«Bem assim requeiro que se declare qual o serviço em em que têem estado estes empregados, e se alguns d’elles são addidos ou supranumerarios. = Vaz Preto.»
Peço a v. exa. que lhe mande dar andamento.
Leu-se na mesa e a camara annuiu a que tivesse o destino pedido pelo digno par.
O sr. Presidente: — Vamos a entrar na ordem do dia.
Vae ler-se o parecer n.° 25,
ORDEM DO DIA
Leu-se na mesa o parecer n.° 25, que é do teor seguinte:
Parecer n.° 25
Senhores. — Á commissão de verificação de poderes foi presente a carta regia de 8 de janeiro de 1880, que eleva á dignidade de par do reino o dr. Mathias de Carvalho e Vasconcellos, ministro d’estado honorario, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario na côrte de Italia, antigo deputado da nação.
O diploma régio de nomeação está passado em harmo-nia.com os artigos 74.°.§ 1.° e 110.° da carta constitucional.
Prova-se pelos documentos que o agraciado completou a idade, de .trinta annos, nasceu cidadão portuguez, não perdendo nem interrompendo a sua nacionalidade. Antigo deputado da nação, não teria esta qualidade, se n’elle se houvesse verificado a excepção do artigo 68.° § 2.° da carta constitucional, e do artigo 7.° § unico n.° l.9 dó acto addicional.
A certidão passada pela secretaria d’estado do ministerio dos negocios estrangeiros declara que foi nomeado ministro plenipotenciario na côrte do Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1869, sendo transferido em 6 de dezembro de 1876 para igual cargo junto de Sua Magestade El-Rei de Italia, contando assim mais de dez annos de serviço effectivo, como enviado extraordinario e ministro plenipotenciario em missão ordinaria.
N’estes termos é a vossa commissão de parecer que o dr. Mathias de Carvalho e Vasconcellos está comprehendido na categoria do § 9.° do artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, devendo ser admittido a prestar juramento e a tomar assento como par n’esta camara.
Lisboa e sala da admmissão, em 2i de fevereiro, de 1880. = Sarros e Sá = Conde de Castro = Diogo Antonio Sequeira Pinto = Conde de Rio Maior — Tem voto do digno par Vicente Ferreira Novaes.
Carta regia
Dr. Mathias de Carvalho e Vasconcellos, do meu conselho, ministro e secretario d’estado honorario, meu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario na côrte de Itália, antigo deputado da nação. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos" distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de ministro plenipotenciario com exercicio de mais de cinco annos em missão ordinaria, vos achaes comprehendido na disposição do artigo.4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido-o conselho d’estado, nemear-vos par do reino.
O que me pareceu communicar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.
Escripta no paço da Ajuda, em 8 de janeiro de 1880. = EL-REI.= José Luciano de Castro.
Para o dr. Mathias de Carvalho e Vasconcellos, ministro e secretario d’estado honorario, meu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario na côrte de Italia, antigo deputado da nação,
Documentos
Senhor. — Mathias de Carvalho e Vasconcellos, precisando documentar o tempo de serviço que conta pelo ministerio dos negocios estrangeiros, no cargo de enviado extraordinario e ministro plenipotenciario em missão ordinaria — Roga a Vossa Magestade haja por bem ordenar que se lhe passe a competente certidão.—E. R. M.cê
Lisboa, 14 de fevereiro de 1880. — Mathias de Carvalha e Vasconcellos.
Passe.—Lisboa, 14 da fevereiro de 1880. = Braamcamp.
Emilio Achilles Monteverde, do conselho de Sua Magestade, secretario geral do ministerio dos negocios estrangeiros, etc.
Certifico que revendo os livros de registo d’este ministerio, por elles consta que o ministro e secretario d’estado honorario o sr. conselheiro Mathias de Carvalho e Vascon-
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cellos, fôra nomeado enviado extraordinario e ministro plenipotenciario de Sua Magestade Fidelissima na côrte do Rio de Janeiro por carta regia de 6 de setembro de 1869. sendo transferido por carta regia do 6 de dezembro de 1876 para igual cargo junto de Sua Magestade o Rei de Italia; contando assim mais de dez annos de serviço effectivo como enviado extraordinario e ministro plenipotenciario em missão ordinaria. E para constar onde convier se passou a presente certidão, em virtude do despacho retro. Secretaria d’estado dos negocios estrangeiros, em 16 de fevereiro de 1880. = Emilio Achilles Monteverde.
Illmo. e exmo. sr. — O dr. Mathias de Carvalho e Vasconcellos, natural da villa e freguezia de Cantanhede, d’este bispado de Coimbra, para mostrar onde lhe convier precisa se lhe passe por certidão o assento do seu baptismo, que se celebrou na igreja da dita freguezia a 29 de outubro de 1832, e por isso — P. a v. exa. se digne mandar que se lhe passe em fórma que faça fé. — E. R. M.cê
Passe. Seminario de Coimbra, 29 de julho de 1872. = A. J. da Silva, vice-reitor.
Certifico que vendo um dos livros de assentos de baptismos da freguezia de Cantanhede, n’elle a fl. 49 achei o do teor seguinte:
Aos 29 de outubro de 1832 baptisei solemnemente e puz os santos óleos a Mathias, que nasceu a 22 do dito; fiiho de Mathias de Carvalho e Mendes e de D. Joanna Emilia Toscana, d’esta villa; neto pela parte paterna de Antonio Pedro de Carvalho e de D. Monica da Maia o Azevedo, assistentes na sua quinta do Almoxarife; e pela materna de Manuel José Toscano e Albuquerque e de D. Joaquina Ignacia, do logar de Ourentã. Foram padrinhos o dr. José Vieira de Campos e sua mulher D» Joanna Augusta Côrte Real, dos Casaes de S. Martinho do Bispo. De que foram testemunhas Eusebio de Faria e Thomé Mello, d’esta villa. E para constar fiz este assento que assignei era ul supra. = O parocho, Antonio Joaquim Pessoa de Amorim.
Nada mais contem o dito assento a que me reporto. Seminario de Coimbra, 29 de julho de 1872. E eu Manuel de Almeida Vasconcellos, cartorario, que a escrevi e assigno. = Manuel de Almeida Vasconcellos.
Reconheço a assignatura supra. Coimbra, 29 de julho de 1872. = Em testemunho de verdade = Manuel José de Sousa.
Não havendo quem pedisse a palavra procedeu-se a votação por espheras.
O sr. Presidente: — Convido para virem servir de escrutinadores os dignos pares conde da Torre e visconde de Borges de Castro.
Passando-se ao escrutinio verificou-se estar o parecem n.º 25 unanimemente approvado por 63 espheras brancas.
O sr. Presidente: — Consta-me que o novo digno par está nos corredores contiguos á sala. Convido, pois, o sr. duque de Loulé e o sr. bispo eleito do Algarve para o introduzirem.
Introduzido na sala o sr. conselheiro Mathias de Carvalho, leu se a carta regia, prestou juramento e tomou assento.
O sr. Barros e Sá: — Sr. presidente, estou incumbido pelo nosso collega, o sr. Mamede, de declarar que s. exa. não tem comparecido ás ultimas sessões por motivo de doença.
Leu-se e poz-se em discussão o parecer n.° 24, que é ao teor seguinte:
Parecer n.º 24
Senhores. — A commissão de verificação do poderes examinou a carta regia de 21 de janeiro preterito, pela qual foi elevado á dignidade de par do reino o cidadão Luiz de Carvalho Daun e Lorena, por estar comprehendido na 19.ª categoria mencionada no artigo 4.° de lei de 3 de maio de 1878, e achou que a dita carta regia estava elaborada regularmente em harmonia com as disposições da carta constitucional e do § unico do artigo 4.° da lei supra indicada.
O agraciado prova por documentos authenticos:
1.° Que nascêra em Lisboa em 8 de maio de 1828; d’onde se deduz que é maior de trinta annos de idade, e que é cidadão portuguez por nascimento, não podendo presumir-se que em tempo algum haja perdido esta qualidade;
2.° Que está no goso dos seus direitos politicos e civis;
3.° Que é casado com D. Maria Manuela de Brito e Castro, declarando o agraciado que o casamento tivera logar por carta de metade e segundo o costume do reino, e juntando certidão passada na administração do bairro oriental de Lisboa que ali não fôra registrada escriptura alguma dotal;
4.° Que possue bens proprios com o rendimento collectavel de 10:500$135 réis; sendo:
No bairro oriental de Lisboa............... 690$720
No bairro central........................ 1:518$300
No bairro occidental...................... 1:314$000
No concelho de Oeiras.................... 189$600
No concelho de Loulé.................... 2:079$670
No concelho de Coimbra.................. 1:131$790
No concelho de Arganil................... 1:586$430
No concelho de Oliveira do Hospital...... 1:477$645
No concelho de Gouveia................ 516$980
O rendimento indicado prova-se por certidões authenticas tiradas das respectivas matrizes da contribuição predial. O rendimento collectavel dos dois annos anteriores de 1877 e 1878 foi igual ao que presentemente está inscripto nas matrizes prediaes, excepto quanto aos bens situados no concelho de Loulé, o rendimento dos quaes nos dois annos anteriores de 1877 e 1878 foi de 1:371^114 réis. Esta differença resulta de GO haver procedido ultimamente no districto de Faro á reforma das matrizes da contribuição predial. Quando mesmo, porém, se desconte esta differença, ainda assim o agraciado fica com o rendimento colleetavel de 9:696$559 réis. Estão pagas as contribuições anteriores, e pelas certidões passadas poios respectivos conservadores do registro predial consta que os bens possuidos pelo agraciado não porém ónus, encargo ou hypotheca, senão a correspondente á pensão de 40$000 réis, para pagamento de alfinetes de D. Maria Joanna Curvo Semedo Delgado, e a alguns foros de insignificante valor, o que tudo, ainda que diminuido seja no valor dos predios e no rendimento collectavel supra indicado, fica este muito superior a réis 8:000$000.
Por documentos authenticos mostra o agraciado que os bens donde resulta o rendimento são proprios, e provenientes, já de compras e acquisições por elle feitas, já de heranças paterna e de estranhos, e já finalmente em rasão do casamento com D. Maria Manuela de Brito e Castro.
Emquanto aos bens provenientes de acquisições feitas pelo agraciado, por titulo oneroso ou gratuito, vão enumerados em seguida quaes os documentos que foram presentes á commissão, e que no juizo della são sufficientes para produzir a convicção de que realmente o agraciado os possue como proprios e em seu proprio nome.—Emquanto aos bens que provieram ao casal por cabeça da esposa do agraciado, resulta do processo que alguns eram livres e os recebeu em legitima peio fallecimento de seu pae, mas que a maior parte d’elles constituiam um vinculo, denominado dos Pomares, cuja cabeça era de Coimbra, e do qual ella era administrador. Como, porém, pela certidão passada no governo civil de Coimbra, em data de 6 de dezembro de 1866, consta que ali não foram registrados esses bens como vinculados, e portanto ficaram livres e allodiaes na mão da administradora, nos termos da lei de 30 de julho de 1860, artigo 9.°, e regulamento da 19 de janeiro de 1861, artigo 29, parece á commissão que igualmente devem ser considerados e attendidos como bens proprios e do casal, para os effeitos determinados na lei de 3 de maio de 1878 e respectivo regulamento.
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N’estas circumstancias o agraciado demonstra que possue as qualidades legaes precisas para exercer ás funcções do pariato, e que está comprehendido na categoria em que foi nomeado; é por isso a commissão de parecer que seja admittido a prestar juramento e a tomar assento na camara.
Lisboa, 21 de fevereiro de l880. = Mártens Ferrão = Conde de Castro = Conde de Rio, Maior = Diogo Antonio de Sequeira Pinto = Tem voto do digno par Ferreira de Novaes = Barros e Sá, relator.
Carta regia
Luiz de Carvalho Daun de Lorena, governador civil do districto de Lisboa, eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos mereci1 mentos e qualidades, e attendendo a que vos achaes comprehendido. na categoria 19.ª da carta de lei de; 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d’estado, nomear-vos par do reino.
O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.
Escripta no paço da. Ajuda, em 21 de janeiro de 1880. = EL-REI. = José Luciano de Castro. — Para Luiz de Carvalho Daun e Lorena, governador civil do districto de Lisboa;
Documento
Nota iniciativa dos documentos1 que Luiz de Carvalho Daun e Lorena entrega na secretaria da camara dos dignos pares do reino, segundo o que determina a lei de 3 de maio de 1878j e ás disposições do regimento interno da mesma camara.
1.° Certidão passada pelo escrivão de fazenda do bairro oriental de Lisboa, aprovando o rendimento collectavel de... 690$720
2.° Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel dos ultimos tres annos.
3.º Certidão .passada pelo mesmo de ter sido paga a contribuição predial dos tres ultimos annos.
4.° Certidão passada pelo conservador privativo do registro predial na conservatoria do primeiro districto de Lisboa, dando fé de que o predio a que se refere o rendimento supra, tem uma hypotheca registrada da quantia de réis 40$000 annuaes, para pagamento dos alfinetem á exma. sra. D. Maria Joanna Corvo Semedo Delgado.
5.° Certidão passada pelo escrivão de fazenda do bairro central de Lisboa, provando o rendimento collectavel de ........ 1:518$300
6.° Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel dos ultimos tres annos.
7 .° Certidão passada pelo escrivão de fazenda do bairro centra de Lisboa, de ter sido paga a contribuição predial dos ultimos tres annos.
8.º Certidão passada pelo conservador privativo do registro predial na conservatoria do segundo districto, de Lisboa, dando fé de que o predio situado n’esse districto não tem onus, encargo ou hypotheca.
9.º Certidão passada pelo, escrivão de fazenda do bairro Occidental de Lisboa, provando o rendimento collectavel de... 1:314$000
10.º Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel nos ultimos tres annos.
11.° Certidão passada pelo mesmo, de ter sido paga a contribuição .predial nos tres ultimos annos.
12.º Certidão passada pelo escrivão de fazenda do concelho de Oeiras, provando o rendimento collectavel de.........189$600
13.º Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel nos ultimos tres annos.
14.º Certidão passada pelo mesmo de ter sido paga a contribuição predial nos tres ultimos annos.
15.º Certidão passada pelo conservador privativo do registro predial na conservatoria do terceiro districto de Lisboa, dando fé de que não se acham registrados onus, encargos ou hypothecas a que estejam sujeitos os predios" situados no seu districto.
16.º Certidão passada pelo escrivão de fazenda do concelho de Loulé, provando-o rendimento, collectavel de .....2:079$670
17.º Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel nos ultimos tres annos.
18.º Certidão passada pelo mesmo, de ter sido paga a contribuição predial nos ultimos tres annos.
19.º Certidão passada pelo conservador privativo do registro predial na comarca de Loulé, dando fé de que os bens situados no seu districto estão onerados com os seguintes fóros; Um de 6$000 réis com laudemio de quarentena; um de 500 réis um de 600 reis; um de 2$500 réis; um de 600 reis e outro de 100 reis, não se achando porém registrados estes fóros, com excepção do primeiro.
20.º Certidão passada pelo escrivão de fazenda do concelho de Coimbra, provando o rendimento collectavel de... 1:131$790
21.º Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel noa ultimos tres1 annos.
22.º Certidão passada pelo mesmo de ter sido paga a contribuição predial nos ultimos tres annos.
23.º Certidão passada pelo conservador privativo do registro predial na comarca de Coimbra, dando fé de não estarem ali registrados onus, encargos ou hypothecas.
24.º Certidão passada pelo escrivão de fazenda do concelho de Arganil, provando o rendimento collectavel de..... 1:586$430
25.º Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel nos ultimos
tres annos.
26.º Certidão passada pelo mesmo, de ter sido paga, a contribuição predial nos ultimos tres annos.
27.º Certidão passada pelo conservador privativo do registro predial na comarca de Arganil, dando fé de não estarem ali registrados onus, encargos ou hypothecas.
28.º Certidão passada pelo escrivão de fazenda do concelho de Oliveira do Hospital, provando o rendimento collectavel de..... 1:477$645
29.º Certidão passada pelo mesmo, de ter sido paga á contribuição predial nos ultimos tres annos.
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30. Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel nos ultimos tres annos.
31.º Certidão passada pelo conservador privativo do registro predial na comarca de Oliveira do Hospital, dando fé da não estarem ali registrados onus, encargos ou hypothecas.
32.º Certidão passada pelo escrivão de fazenda do concelho de Gouveia, provando o rendimento collectavel de 516$980
33.º Certidão passada pelo mesmo, relativa ao rendimento collectavel nos ultimos tres annos.
34.º Certidão passada pelo mesmo, de ter sido paga a contribuição predial nos ultimos tres annos.
35.º Certidão passada pelo conservador privativo do registro predial da comarca de Gouveia, dando fé de não estarem ali registrados ónus, encargos ou hypothecas.
Rendimento comprovado pelas certidões.... 10:505$135
36.° Certidão de baptismo pela qual justifica ter idade legal, e prova que é cidadão portuguez por nascimento.
37.° Certidão passada pela camara municipal de Lisboa justificando que nunca perdeu, nem interrompeu a qualidade de cidadão portuguez.
38.° Declaração de que sou casado com D. Maria Manuela de Brito Castro Figueiredo e Mello por carta de metade e segundo o costume do reino.
39.° Certidão do estado de casado.
40.° Certidão cassada pela administração do bairro oriental de Lisboa, de não estar ali registrado contrato algum dotal.
41.° Certidão passada pelo governo civil de Coimbra em data de 6 de dezembro de 1866, provando que o vinculo de Pomares, de que no anno do 1860 era administradora D. Maria Manuela de Brito e Castro não foi registrado por não ter sido requerido o registro pela administradora, nem por outro qualquer interessado, ficando portanto abolido em conformidade com o artigo 9.° da lei de 30 de julho de 1860 e artigo. 29.° do regulamento de 19 de janeiro de 1861, Não apresenta certidão de que está no goso dos seus direitos politicos e civis, porque lhe carece que o dispensa disso o facto de estar exercendo o cargo de governador civil de Lisboa, para o qual foi nomeado por decreto de 23 de outubro de 1879. Lisboa 19 de janeiro do 1880. = Luiz de Carvalho Daun e Lorena.
Nota dos documentos que á apreciação da commissão de verificação de poderes da camara dos dignos pares do reli1 o apresenta Luiz de Carvalho Daun e Lorena era additamento á que apresentou em data de 26 de Janeiro de 1880.
1.° Certidão provando que por fallecimento do Antonio de Brito Castro Figueiredo e Mello da Costa, foram adjudicados a sua filha D. alaria Manuela de Brito e Castro todos os bens vinculado;
2.° Certidão extrahida do inventario de Antonio de Brito, provando que á referida sua filha foram entregues os bens vinculados, e que se mandou proceder á partilha dos bens livres, a qual foi julgada por sentença de 28 de fevereiro de 1855 e transitou em julgado;
3.° Escriptura de compra lavrada nas notas do tabellião Antonio Joaquim Freire Cardoso aos 29 dias do mez de janeiro de 1857, do tres propriedades do casas todas reunidas, situadas: a primeira na rua de Santa Marinha n.os 24 a 26 inclusive, tornejando para a travessa da mesma denominação, aonde une paredes meias com a outra propriedade que tem os n.os 1 a 5 inclusivè; e outra com frente para o largo de Santa Marinha n.03 19 e 20, todas na freguezia de Santo André e Santa Marinha do bairro oriental de Lisboa;
4.° Certidão extrahida do inventario de Sebastião José de Carvalho de Mello e Brito da Costa e Castro, a quem succedeu nos vinculos seu irmão Antonio de Brito e Castro, provando que no inventario dos bens de seu pae Francisco Xavier de Brito, por accordão da relação do Porto foi reintegrado o morgado de Pomares com uma propriedade de casas na rua da Prata, com frente para a rua dos Retrozeiros;
5.° Auto de posse que, por seu procurador Joaquim Venancio Ferreira, tomou Antonio de Brito e Castro em 1 de abril de 1841, do predio de casas situado na rua da Prata n.ºs 14 a 19, com frente para a rua da Conceição, com os n.os 85 a 87, na freguezia de S. Julião do bairro central de Lisboa;
6.° Carta eivei de sentença de formal de partilhas, passada a favor de Luiz de Carvalho Daun e Lorena, por fallecimento de seu pae o conde da Rodinha, provando que lhe tocou em partilha uma propriedade de casas na rua Direita de S. Paulo, com os numeros modernos 36 a 44 com frente para a rua do Alecrim n.os 23 e 25, e para a travessa do Catefarás, para onde não terá porta alguma, freguezia de S. Paulo, bairro occidental de Lisboa;
7.° Escriptura de compra feita por Luiz de Carvalho Daun e Lorena a Carlos Alexandre Monré e sua mulher, e a Henrique Hugo Monré, lavrada nas notas do tabellião Francisco Vieira da Silva Barrada, de uma propriedade de casas situada em Paço d’Arcos, no concelho de Oeiras; vão junta a certidão do registro de transmissão, a qual não menciona o foro de 600 réis annuaes a que a escriptura se refere, por não ter sido devidamente registrado;
8.° Escriptura amigavel do partilhas entre maiores, celebrada nas notas do tabellião Francisco Guilherme de Brito, aos 21 dias do mez de janeiro do 1874, aonde a fl. 48 se ve a descripção de propriedades situadas no concelho de Loulé;
9.° Certidão do registro de transmissão das referidas propriedades;
10.° Titulo da importancia do capital que pertence ao vinculo de Pomares, em que se justifica o dominio em varios bens nos concelhos de Coimbra, Arganil e Oliveira do Hospital;
11.° Certidão do registro de transmissão de propriedade no concelho de Gouveia, a que se refere o documento n.° 8 a fl. 36 v.;
12.° Certidão do registro de transmissão de propriedade no concelho de Arganil, a que se refere o mencionado documento n.° 8 a fl. 36 v.;
13.° Certidão do registro de transmissão do propriedade no concelho de Coimbra, a que se refere o mesmo documento a fl. 41 v.;
14,° Certidão do registro de transmissão da propriedade no concelho de Oliveira ao Hospital, a que se refere o mesmo documento a fl. 42 v.;
l5.° Certidão dos bens livres que tocaram na legitima a D. Maria Manuela de Brito Q Castro, pelo fallecimento de seu pae, Antonio de Brito e Castro.
Lisboa, 10 de fevereiro de 1880. — Luiz de Carvalho Daun e Lorena.
Não havendo quem pedisse a palavra procedeu-se á vota, cão por espheras.
O sr. Presidente: — Convido os dignos pares os srs. conselheiro Mathias de Carvalho e conde de Avilez a virem servir de escrutinadores.
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Verificou-se estar o parecer n.° 24 approvado unanimemente por 66 votos. Leu-se o seguinte:
Parecer n.° 22
Senhores. — A vossa commissão de fazenda examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 6, vindo da camara dos senhores deputados e que tem por fim facilitar a remissão e venda dos fóros, censos, quinhões e quaesquer outras pensões na posse e administração da fazenda nacional, já permittindo que voltem á praça com abatimentos successivos, já facultando em cada uma„das praças a remissão; e a vossa commissão
Considerando que a experiencia tem mostrado a pouca efficacia do systema de arrematação adoptado na lei de 13 de julho do 1863 e respectivo regulamento, porquanto sendo repetidas vezes annunciada a venda d’esses direitos prediaes pela fórma mais vantajosa, ainda assim não tem apparecido licitantes;
Considerando que pelas rasões expostas tem sido nos ultimos annos diminuto para o thesouro o rendimento proveniente da venda d’estes bens;
Considerando, mais, que muito convem promover a alienação de valores, que segundo o mappa annexo ao relatorio do sr. ministro da fazenda, e uma vez computada a importancia das prestações em divida, póde ai»da hoje calcular-se em 1.000:000$000 réis approximadamente; Considerando que este projecto de lei nada mais faz do que tornar extensivas á venda d’estes bens, as disposições que actualmente regulam a venda dos bens das corporações de mão morta sujeitos ás- leis da desamortisação; e
Considerando, por ultimo, que nenhum receio, deve haver que d’esta medida possa resultar prejuizo para a fazenda, não só em vista do limite estabelecido no artigo 3.°, como porque é de crer que a licitação nas condições propostas faça subir o preço na devida proporção:
E por todas estas ponderações a vossa commissao de parecer que este projecto seja approvado pela camara, para ser submettido á real sancção.
Sala da commissao, em 21 de fevereiro de 1880. = Antonio de Serpa Pimentel = Barros e Sá = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = José de Mello Gouveia = Conde de Castro, relator = Tem voto do sr. Carlos, Bento da Silva.
Projecto de lei n.° 6
Artigo 1.° Os fóros, censos, quinhões e quaesquer outras pensões na posse e administração da fazenda nacional serão annunciados para venda em primeira fórma com o abatimento de 30 por cento.
§. 1.° O valor sobre o qual recáe o abatimento é o de vinte annuidades.
§ 2.° Os fóros, censos, pensões e quinhões devidos serão augmentados áquelle valor e comprehendidos em lista com identico abatimento.
Art. 2.º Não encontrando lançador, voltarão á praça com abatimento de mais 10 por cento, facultando-se desde logo a, remissão á similhança do que se acha disposto nas leis de 4 de abril de 1861, 22 de junho do 1866 e 31 de agosto de 1869 sobre desamortisação.
Art. 3.° Não havendo quem requeira a remissão, volverão de novo á praga com outro abatimento de mais 10 por cento e assim successivamente, comtanto que o preço não desça a 20 por cento do valor primitivo, sobre que recaiu, o primeiro abatimento de 30 por cento, dando sempre a preferencia em cada nova praça aos que requeiram a remissão,
Art. 4.° Fica alterada n’esta parte a lei de 13 de julho de 1863, e revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 17 de fevereiro de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico, Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d’Avila deputado secretario.
Proposta de lei n.º 66-G
Artigo 1.° Os fóros, censos, quinhões e quaesquer outras pensões na posse e administração da fazenda nacional serão annunciados para venda em primeira fórma com o abatimento de 30 por cento.
§. 1.° O valor sobre o qual recáe o abatimento é o de vinte annuidades.
§ 2.° Os fóros, censos, pensões e quinhões devidos serão augmentados áquelle valor e comprehendidos em lista com identico abatimento.
Art. 3.° Não havendo quem requeira á remissão, volverão de novo á praça com outro abatimento de mais 10 por cento, e assim successivamente, comtanto que O preço não desça a 20 por cento do valor primitivo sobre que recaiu o primeiro abatimento de 30 por cento, dando sempre a preferencia em cada nova praça aos que requeiram a remissão.
Art. 4.° Fica alterada n’esta parte a lei de 13 de julho de 1863, e revogada à legislação em contrario.
Ministerio da fazenda, repartição do gabinete do ministro, 13 de janeiro de l880. = Henrique de Barros Gomes.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, como v. exa. tinha dado para ordem do dia a minha interpellacão, e está presente quasi todo o ministerio, perguntarei a v. exa. se não será conveniente realisal-a agora?
O sr. Presidente: — Eu não tenho duvida em satisfazem desejo do digno par; como porém, o unico parecer que falta a discutir é o n.° 23, vou consultar a camara sobre se ella quer que se entre já na interpellação do sr. Vaz Preto, ficando á discussão d’esse parecer para depois.
Consultada a camara resolveu que se passasse á interpellacão antes de se pôr em discussão o parecer n.° 23
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Vaz Preto, para verificar a sua interpellacão;
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, se eu tivesse discutido a resposta á falla do throno, teria n’essa occasião tratado á questão de que me vou occupar; mas não o pude fazer então, porque em consequencia do meu estado de saude, à minha voz mal se poderia ouvir.
Se agora verifico esta interpellacão, é para protestar contra o periodo d’aquelle documento, que se refere ás eleições, periodo que eu reputo contrario á verdade dos factos, e para demonstrar igualmente que não só não houve socego, mas que a liberdade eleitoral que o governo nos prometteu n’esta e na outra casa do parlamento, essa liberdade tão apregoada no programma do seu partido, foi pura ficção da sua phantasia.
Salvando, pois, o respeito que devo ao chefe do estado, eu, sem envolver na discussão b poder moderador, vou dirigir-me aos srs. ministros, e pedir-lhes a responsabilidade d’aquelle documento e d’aquella affirmativa contraria aos factos.!
Sr. presidente, para mim é esta uma questão de factos; porei por conseguinte de parte os devaneios da rhetorica, preoccupando-me simplesmente com o que se fez. Para tudo que quizerem poderão servir os effeitos oratorios; para a minha interpellacão, para o que pretendo dizer á camara, basta-me a exposição singela de quanto se passou nas eleições do districto de Castello Branco.
Provarei que o ministerio falseou completam ente o programma do partido progressista, apontando os actos inauditos que se praticaram n’aquelle districto por occasião das ultimas eleições de deputados, as perseguições que ali soffreram os eleitores da opposição, os vexames de que foram victimas quantos se lhes mostraram affectos ou tomaram a serio a doutrina do programma progressista, imaginando poder ir á uma livre e desassombradamente.
Mas, antes d’isso, ou ler á camara o que aqui disse o
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sr. ministro do reino o anno passado. Quer a camara ouvir o que então sustentou o sr. Luciano de Castro a proposito de algumas phrases do sr. conde do Casal Ribeiro, que sinto não ver presente?
«O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — Algumas reflexões do meu nobre amigo, o sr. conde de Casal Ribeiro, fazem que eu use agora da palavra.
«Alludiu o digno par ao procedimento do governo se, porventura, fosse chamado a presidir a uma lucta eleitoral.
«S. exa., n’aquelle estylo levantado e primoroso, que esta camara e o paiz todo estão de ha muito acostumados a admirar, encareceu a necessidade que o governo tem de se collocar sobranceiro a pequenos conluios e manter illeza a liberdade do voto popular.
Posso assegurar ao meu nobre amigo, visto que tenho a honra de ser ministro do reino, e a esta pasta principalmente competem os negocios politicos, que, se o governo tiver de presidir a uma lucta eleitoral, ha de manter a liberdade do eleitor em toda a sua plenitude, e não ha de tolerar nenhum d’esses expedientes illicitos e condemnaveis (Apoiados.) a que até hoje se tem recorrido, (Apoiados,) para viciar por qualquer modo o acto solemnissimo da escolha dos representantes do paiz.»
Estes expedientes illicitos, a que se referia o sr. ministro do reino, eram aquelles que elle condemnava na outra casa do parlamento, quando tratava das eleições de Ceia e de Belem. Eram as correrias eleitoraes das autoridades; eram as ameaças aos eleitores da opposição de serem opprimidos com contribuições e com o recrutamento; era a compra de votos; era a transferencia das auctoridades, pela simples suspeita de sympathias pela opposição; eram as promessas de titulos e graças; eram os despachos para os que se vendiam; eram os dinheiros para igrejas, subsidios a parochos e a estradas; emfim, era tudo quanto havia de mais apropriado para illudir e corromper.
Foi a estes mesmos expedientes que s. exa. se soccorreu no districto de Castello Branco.
(Continuando a leitura.)
«Podem v. exa. e a camara registrar estas minhas palavras, que desde já me comprometto, se porventura occorrer a eventualidade indicada pelo sr. conde do Casal Ribeiro, a responder com obras ás promessas que n’este logar afianço. Que o paiz e o parlamento me exijam estreitas contas, se eu deixar de as cumprir.
«Sr. presidente, nem eu, nem nenhum dos outros membros do governo, estamos dispostos a consentir que a machina eleitoral, a que o digno par o sr. conde do Casal Ribeiro se referiu, seja empregada em beneficio exclusivo de qualquer partido ou grupo politico, em offensa das )eis e dos principios liberaes.
«O governo está resolvido a manter a liberdade eleitoral, assegurando a todos os partidos o pleno e desaffrontado exercicio dos seus direitos.
«Sr. presidente, a minha opinião é que qualquer intervenção da auctoridade em materia eleitoral, quando se exerce como tem sido exercida entre nós, deve ser condemnada por illegal e inconveniente.
«Com estas idéas espero que havemos de merecer o apoie do sr. conde do Casal Ribeiro.
«E desde já peço a s. exa. que, se o governo faltar a esta promessa, seja o primeiro a pôr de parte qualquer consideração e a pedir-lhe estreitas contas do seu procedimento.
«Se não puder defender-me das accusações do meu illustre amigo, serei o primeiro a curvar a cabeça, a acceitar a severa condemnação dos meus actos.»
Sinto que não esteja presente o sr. conde do Casal Ribeiro, porque queria que s. exa. ouvisse a narração que vou fazer á camara. Queria que s. exa. visse como é que este governo cumpriu o seu programma, como foi respeitada a uma e mantida a liberdade dos eleitores; queria que s. exa. me prestasse o auxilio da sua palavra eloquente, e em presença dos factos incontroversos que hei de ter a honra de expor e provar á camara, lhe pedisse a responsabilidade dos seus erros, abusos e desvarios. Queria que s. exa. obrigasse o sr. ministro do reino a curvar a cabeça, ante a accusação fulminante, que a verdade e a justiça haviam de exigir da seriedade do seu caracter e do vigor das suas convicções.
Sr. presidente, como o sr. ministro do reino tinha de presidir ao acto eleitoral, poz de banda a administração, como o disse a sua imprensa, visto que se não podia ao mesmo tempo administrar e fazer eleições, e tratou de montar essa machina tão gabada, que tantos cuidados lhe dava, que tantos carinhos lhe merecera, e que no districto de Castello Branco serviu só para combater o partido constituinte, pois que n’este districto o partido regenerador tinha-se ligado com o governo.
E digo com o governo e não cem o partido progressista, porque ali não ha um só progressista! O sr. ministro do reino sabe-o perfeitamente.
Logo que s. exa. resolveu na sua alta, sabedoria atacar por todas as formas o partido constituinte, correu no publico, e espalhou a imprensa, que o sr. José Luciano se fôra rojar aos pés do sr. Fontes a pedir-lhe auxilio eleitoral.
Não posso affirmar a verdade do boato, não tomo a responsabilidade d’elle; mas o que sei, e o que affirmo, é que o sr. ministro do reino era capaz d’isso, e de muito mais. O que é certo, sr. presidente, é que os influentes do partido regenerador do districto vieram a Lisboa, chamados pelo sr. José Luciano, para se colligarem contra mim, e contra o partido constituinte; o que é certo é que os regeneradores estiveram alliados com o governo, e o accordo fez-se, concedendo este um deputado ao partido do sr. Fontes, reintegrando as auctoridades que já tinha demittido, e nomeando até um administrador, que não tinha o curso que a lei exige.
Os regeneradores acceitaram o circulo que lhes foi offerecido, e comprometteram-se a apoiar as candidaturas do governo nos outros circulos do districto, nomeando-se-lhes auctoridades regeneradoras.
Estimei a colligação. Estimei que todos se ligassem contra mim: o governo para que reconhecesse a sua impotencia, para que se compenetrasse bem da inefficacia dos velhos processos eleitoraes, para que comprehendesse que nem sempre os vexames logram derrubar a vontade dos eleitores que têem por seu lado a justiça e a energia; e os regeneradores, porque o auxilio que prestavam ao governo era o verdadeiro premio das affrontas que o sr. ministro do reino lhes mandava inflingir pela sua imprensa, apresentando-os ao publico sob um aspecto pernicioso para o paiz, e arremessando ás faces do sr. Fontes as portarias surdas, os 144:000$000 réis distratados do ministerio da guerra, os 54:000$000 réis do ministerio do reino, etc., etc.
O sr. Fontes deve estimar esta interpellação para ter occasião de se desaggravar das accusações que lhe faziam, baseada em factos que estavam submettidos á apreciação de uma commissão de inquerito, que ainda sobre elles não tinha dado o seu parecer.
Não tenho nada com o pacto celebrado entre os regeneradores e o governo.
Estavam no seu direito? Não o contesto. Aconselhava-o a conveniencia politica dos dois partidos? Não o discuto. Quero apenas pôr ante os olhos da camara a moralidade d’este governo, que, enchendo o partido regenerador das maximas affrontas, foi ligar-se com elle e supplicar-lhe que o auxiliasse na batalha que ia ferir-se no districto de Castello Branco. É inaudito!
Mas o sr. ministro do reino era capaz de tudo. A questão era não poderem vir á camara os deputados constituintes dos circulos de Castello Branco: este era todo o empenho do sr. José Luciano. Era precisa esta gloriosa colliga-
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cão? Pois faz-se. Era preciso este honroso pacto? Pois concluiu se. Era preciso dar grande um exemplo de moralidade, desmentindo publicamente, ante o povo d’aquelle districto, pelo facto da sua alliança com os regeneradores as accusações affrontosas que lhes dirigiram? Pois deu-se..
A questão era ganhar as eleições.
O partido progressista queria apresentar candidato pelo, circulo de Castello Branco. Eram fracos os seus elementos de combate leal, e menores ainda aquelles com que podia contar para a victoria.
Era-lhe por isso,, necessaria uma alliança, e alliou-se. Mas isto não era bastante; soccorreu-se, pois, a todos os expiedientes que o sr. Luciano de Castro condemnára o anno passado, com toda a vehemencia, e vigor da sua palavra. Mas tudo isto não era ainda bastante para vencer! as eleições: era necessario reconsiderar e retractar-se de tucto quanto tinha sustentado na camara dos senhores deputados, e esquecer as falsificações de Villa Velha e Fratel, e lançar mão dos falsificadores, e dar-lhes toda a forçai para que, em correrias pelo concelho, podessem intimidar; os eleitores da opposição e impedidos de ir á urna!
A maior parte d’estes falsificadores, contra os quaes corre ainda um processo, são empregados publicos. Esta cohorte, com todos os mais empregados de administração, da fazenda, ias obras publicas, da canalisação do Tejo, furiosos galopins eleitoraes, percorriam em magotes o pobre concelho de Villa Velha, cujos habitantes, pela maior parte timidos e modestos, não tinham coragem nem força para resistir ás ameaças de toda a qualidade, e ás vexações de todos os momentos.
Sr. presidente, para se formar idéa do que. se fez, e dos meios de que se serviu o governo, basta dizer que o administrador do conselho é individuo, contra o qual o governo transacto mandou instaurar um processo, como posso provar pelos documentos que aqui tenho processo que o governador civil do sr. José Luciano tinha obrigação de mandar, instaurar, uma vez que tinha sido demittido o governador civil seu antecessor. Como lhe conheceram as prendas eleitoraes, não sómente deixaram de lhe instaurar o processo, mas inclusivamente conservaram á frente da administração do concelho de Villa Velha.
Serviu-se, pois, o governo, para galopins, eleitoraes, de falsificadores, publicamente reconhecidos como taes, e de todos os empregados administrativos e de fazenda de Villa Velha, de todos os empregados das obras do Tejo e da propria camara municipal, que percorriam q conselho ameaçando os eleitores com as contribuições, com o recrutamento e com coimas; afugentando os com boatos atterradores; fazendo alarde de vexames e violencias; e levando assim a perplexidade a todos os espiritos, e q susto a todos os animos. Eis como o sr. José Luciano garantia a independencia do voto e mantinha a liberdade da uma no districto de Castello Branco.
Pois, sr. presidente, nem mesmo usando d’estes meios e procedendo d’esta fórma, o governo póde vencer n’aquelle circulo, como era o seu desideratum.
Eu bem sei que o sr. ministro me dirá: Pois se isso tudo é verdade, se tudo isso se fez. porque se não instauraram processos?
É verdade. Não se instauraram processos. Mas porque se não instauraram?
Quer v. exa. e a camara saber a rasão? É muito simples: era impossivel instaurai-os, porque a auctoridade judicial era suspeita; porque não havia nem ha em Castello Branco juiz de direito desde que o actual governo subiu ao poder. O sr. ministro transferiu até o proprio delegado, mandando para aquella comarca um outro, que já ali se tinha tornado celebre — exactamente como o actual juiz substituto — protegendo visivelmente a demora do processo dos. falsificadores de Villa Velha.
N’esta deploravel situação em que se achava a administração da justiça, que fazer? Em Castello Franca o juiz de direito era entidade que não existia; o delegado de procurador régio fora transferido muito de proposito, de forma que no districto a justiça era... o que v: exa. acaba de ouvir! E acredite v. exa. que eu conto exactamente o que se passou; acredite v. exa. que eu não carrego as cores do quadro. E queriam processos! Pois se as cousas chegaram a tal estado, que desde que este governo; existe, ainda lá não appareceu juiz de direito, como queriam que se instaurassem processos? Para que serviria isso? Quer v. exa. saber o que é que resultaria da instauração? Absolutamente nada, a não ser a despeza de quem tal intentasse. Os desgraçados processos soffreriam a sorte de outros similhantes, seriam irremediavelmente archivados, como succedeu com o de Villa Velha, por despacho do actual substituto. Felizmente houve recurso para a relação, e espero que a rectidão d’este tribunal ha de desaggravar a justiça offendida.
Sr. presidente, a intolerancia subiu a tal auge, que bastava suspeitar-se que qualquer empregado publico tinha mais ou menos sympathia pelo partido constituinte, para ser logo ameaçado com a transferencia ou demissão.
Sr. presidente, eu entendo que os empregados não devem intrometter-se na lucta eleitoral, trabalhando pró nem contra os governos. Mas se se admitte que elles podem trabalhar a favor do governo, não vejo motivo que os demova, de trabalhar a favor das opposições, se tal for a inclinação, da sua consciencia. É preciso que o governo saiba, que os empregados publicos são empregados do estado e não do sr. José Luciano.
A minha opinião, a minha intima convicção, é que os empregados sirvam o paiz, nos cargos que occupam, com zêlo e actividade, que votem com inteira liberdade; porém, que fiquem estranhos a estas luctas. Mas desde o momento que os funccionarios da mais alta gerarchia são os primeiros a dar lhes o exemplo, não se póde, nem se deve estranhar que elles vão para onde os chama a sua sympathia partidaria.
Sr. Presidente o que admira, o que me surprehende, o que me causa assombro, é que o sr. José Luciano, ministro do reino hoje, director dos proprios nacionaes hontem, seja o propugnador da intolerancia, o perseguidor dos empregados, esquecendo-se que são seus collegas, que são como elle servidores do estado, e que gosam com certeza dos mesmos direitos. Esquece porventura o sr. Luciano de Castro o seu passado? Não se recorda já do seu proceder na outra casa do parlamento? Não sé recorda dos ataques ao governo transacto na phrase a mais desabrida? Já esqueceu as moções de censura, que propunha e votava na camara dos senhores deputados? Já se não lembra dos manifestos e das circulares que dirigia, aos eleitores, das representações que promovia contra o governo, da guerra, sem tréguas que lhe fazia? E comtudo, o sr. «José Luciano era nada menos que director dos proprio nacionaes o sr. José Luciano occupava um logar de confiança d’aquelle governo! Outro qualquer que não fosse o sr. Luciano de Castro, julgaria que a dignidade, que o dever, que o brio, que a honra, lhe impunham a obrigação de se exonerar de um logar, que só conservava por tolerancia, por generosidade e commiseração dos seus adversarios,.
Se procedesse assim, poderia apresentar-se de cabeça erguida, confirmava os bons principias, e defendia com os seus actos a sã doutrina.
Mas o sr. José Luciano fez exactamente o contrario, foi conservando o logar, e hoje ameaça, persegue e exerce vinganças sobre os empregados que lhe não são affectos. Assim é que o sr. ministro do reino é tolerante e coherente.
Q sr. José Luciano serviu-se precisamente dos mesmos meios, que havia condemnado aos seus antecessores; assim, promettia subsidios a parochos, e a igrejas; promettia obras, empregos, titulos, tudo emfim quanto servisse para angariar aptos aos seus candidatos.
Mas isto tudo não bastava. O sr. ministro do reino reco-
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nhecia que a victoria não lhe sorria ainda. A immoralidade tinha mais meios que combinar, á corrupção ainda ficava terreno por explorar. O sr. José Luciano advinhou onde havia de ferir-me mais fundamente, procurando fazer uma scisão no partido constituinte. Foram offerecer a candidatura a um cavalheiro, ligado com uma familia respeitavel d’aquelle circulo, familia que sempre nos acompanhára, e a quem eu devia bastantes finezas. O sr. José Luciano teve artes para a dividir. Parte d’esta respeitavel familia continuou firme nos seus principios, desprezando os meios de seducção que empregaram para a desviar do campo onde militava; a outra parte acompanhou o candidato da opposição, que era seu parente proximo.
Desculpei-a, desculpo-a ainda, mas sinto-o. E sinto-o tanto mais quanto será eterna no meu espirito a memoria de [...] dos seus membros, a quem devi os maiores serviços. Este meio, que tambem empregaram no Fundão, foi effectivamente o que maiores prejuizos fez á opposição. A moralidado do governo devia ficar satisfeita.
Taes eram as armas empregadas peio sr. ministro; e contra isto a opposição tinha apenas a justiça da sua causa, s, força do seu direito. N’este terreno travou-se a lucta. O sr, ministro sonhára talvez uma cruel derrota para o partido constituinte. Mas s. exa. esquecia que nem sempre a prepotencia e a corrupção consegue os seus sinistres intentas.
A justiça tem certo o seu triumpho. A questão é de tempo, e felizmente no circulo de Castello Branco, esta não se fez demorar. A victoria coroou os nossos esforços; a justiça teve o merecido galardão: o sr. ministro do reino perdeu a eleição por 400 votos, sem lhe aproveitar a transferencia violenta do delegado do thesouro, que e sr. ministro da fazenda, poucos dias antes, havia reconduzido áquella terra.
E diga-me agora o sr. Barros Gomes que faltas, que erros commetteu aquelle digno empregado, para ser victima de similhante perseguição? Que manifestações politicas fez elle contra o governo? É assim que o sr. ministro quer organisar a fazenda publica? É assim que s. exa. quer cobrar dos contribuintes os velhos e os novos impostos? São estas as garantias que offerece aos empregados activos, intelligentes e zelosos?
Notem v. exa. e a camara que este funccionario não praticou um unico acto que justificasse o procedimento havido para com elle, pois que não queria saber de eleições nem se mettia em questões politicas.
Passamos agora á eleição do Fundão.
Eis uma cousa curiosa, e para dizer a verdade, bastante notavel: no Fundão não ha um unico membro do partido progressista, e saíu por lá deputado o sr. Saraiva de Carvalha!
A que attribuir então o triumpho de s. exa. n’aquelle circule? As influencias do partido progressista? Valem o que acabamos de dizer essas influencias.
£:o Fundão o meio de que se serviram, foi propor o sr. Bandeira de Mello, cunhado do sr. Luiz Antonio do Magalhães, um dos nossos mais valiosos amigos, de mais de vontade caracter, consideração e influencia: o sr. Bandeira da direito é igualmente aparentado com o illustre familia de Tinalhas, altamente considerada, e a quem todo aquelle districto pirata a homenagem dos seus respeitos pelas suas quantidades e influencia.
O sr. Bandeira de Mello fôra declarado officialmente candidato do governo. Comprehende-se bem que a politica constituinte recuasse ante aquelle concurso de circumstancias. Desarmava-nos a amisade.
Mas sabe v. exa. qual era o intento do governo? Era levar esta nobre familia a guerrear as candidaturas constituinte em Castello Branco e na Covilhã. E como o caracter d’aquelles cavalheiros repeliu dignamente a affrontosa exigencia, foi retirado á ultima hora o nome do sr. Bandeira de Mello e substituido pelo sr. Saraiva de Carvalho!
A ultima hora, isto é, quando já não havia tempo para a opposição combinar os seus esforços, e metter em linha, de batalha todas as suas forças!
Aqui tem v. exa. a que progressistas o sr. Saraiva de Carvalho deve a eleição: ao ardil e á astucia da auctoridade.
Quer v. exa. e a camara ver a prova da iminencia progressista n’aquelle circulo? Poucos dias depois procedia-se á eleição da camara e dos procuradores á junta geral do districto, e a auctoridade, conscia da sua force,; abandonava a uma ao partido constituinte, que vencia sem o oposição as duas eleições.
Vejamos o que só passou na Covilhã. Ahi começou o governo per transferir o escrivão do fazenda, que era um empregado dignissimo, activo e zeloso.
Este acto partiu da exigencia de influentes da localidade, que aproveitaram e, occasião para se livrarem de um empregado rigoroso no cumprimento dos seus deveres, e que fiscalisava, como lhe cumpria, a arrecadação dos dinheiros publicos. Pergunto outra vez ao sr. ministro da fazenda, se é por este systema que s. exa. quer organisar a fazenda publica e livrar o paiz do deficit?
N’esta eleição as obras publicas empregaram todos os meios de pressão e influencia. Os seus empregados percorriam o concelho em chusma, ameaçavam os empreiteiros, os tarefeiros, os trabalhadores, que effectivamente mais tarde sentiram a realidade d’aquellas ameaças. Os habitantes do concelho eram atemorizados e vexados nas estradas com coimas, que são para ellas um verdadeiro flagello.
Recommendo á consideração do sr. ministro das obras publicas o chefe de cantoneiros Nascimento, e o apontador Sá. São dois empregados dignos da manificencia de s. exa., e acredite que merecem ambos a corôa civica pelo bem que desempenharam o importante papel de galopins eleitoraes.
Mas vamos aos factos. Havia-se mandado tropa bastante para a Covilhã, e no dia 18 a casa da camara era cercada por sentinellas, nada menos de cinco, que até gritavam álerta de meia em meia hora, e chagavam ás armas repetidas vezes, obrigando a guarda a formar.
As auctoridades mandaram reunir no largo ás duas horas da noite um grande numero dos seus agentes; de fórma que nem os proprios empregados da camara podiam entrar no edificio municipal. Todo este apparato bellico tinha por fim incutir o terror na cidade e afugentar os eleitores da opposição.
Os empregados da administração, o regedor e os cabos de policia, acompanhados de patrulhas, exigiam vetos para o candidato protegido pelas auctoridades, e em tamanha chusma que na occasião do acto eleitoral era extremamente difficil e arriscado para os eleitores da opposição entrarem na assembléa e depositaram na urna o seu veio,
Era necessaria muito coragem e dedicação, que jamais esquecerei, para poderem usar do seu direito ou votarem conforme a sua consciencia.
Eis come se mantinha a liberdade da uma rã cidade da Covilhã.
Convem que fique registrado o seguinte facto. O administrador do concelho, que tinha obrigação de assistir á assembléa principal, que era a da cidade, abandonou-a, para assistir á assembléa do Paul, onde era juiz ordinario.
Todos sabem que grande influencia exercem nas pequenas povoações os juizes ordinarios, a cuja alçada são submettidas todas as coimas.
Não contente com isto, ainda o administrador nomeou seu delegado o primeiro substituto do Juiz de direito.
D’este modo se procurava empregar todos os meios para que a opposição fosse derrotada na urna. Admira-me bem que, em presença d’este conluio de todas as auctoridades, ella podesse protestar centra tantas irregularidades e prepotencias.
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Na assembléa de Tortuzendo era o mesmo o plano concertado. O delegado do governo era tambem juiz ordinario da localidade. Ali foram espancados, apedrejados e ferido os eleitores da freguezia de Dominguizo; e apedrejaram-no, a ponto de muitos ficarem tão maltratados, que o juiz de direito teve de lá ir instaurar os competentes processos Os eleitores da freguezia de Unhaes da Serra- tiveram de fugir. Foi n’esta freguezia que se praticaram os maiores excessos, para que não fossem á uma muitos cidadãos. O governo estava convencido que o partido constituinte teria ali grande maioria.
Na assembléa do Teixoso não se pouparam actos de violencia e corrupção. Para poder avaliar a que ponto se chegaria, basta saber-se que o delegado do governo n’aquella assembléa era o muito conhecido Antonio Pedroso dos Santos, que fôra delegado do governo em Fratel, por occasião das outras eleições, e a quem se attribuem essas gloriosas falsificações que lhe deram nome e ficaram sendo conhecidas no districto pela denominação de fratelladas. Note a camara esta circumstancia. O delegado do governo no Teixoso foi o mesmo homem que no Fratel praticou as proezas que tanto indignaram o sr. José Luciano de Castro, quando s. exa. era opposição! Não obstante, os partidarios do governo não hesitaram em lançar mão desse empregado, que o governo deveria ter demittido, se quizesse prestar homenagem aos principios da moralidade. Repito: não duvidaram lançar mão d’elle porque só uma habilidade sui generis lhe poderia dar a victoria n’uma eleição que todos julgavam fatalmente perdida.
Sabem o que succedeu depois? As auctoridades telegrapharam para o sr. ministro, participando que a eleição estava perdida; e os jornaes ministeriaes apresentaram uma lista dos candidatos que haviam triumphada, e entre elles vinha o nome do candidato constituinte da Covilhã, que era o mesmo que elles tinham tirado da lista que s. exa. ia formando no ministerio do reino, á medida que lhe chegavam as noticias. Mas, tres dias depois, quer v. exa. saber o que succedeu, sr. presidente?
Dizia-se que tinha havido engano; que o candidato por aquelle circulo era outro, que não o candidato constituinte!
Dava-se exactamente a mesma coincidencia, repetia-se o facto que se tinha dado na eleição de Castello Branco.
Não admira.
Estava lá a mesma causa, era de esperar o mesmo effeito! Tres dias depois é que as auctoridades mandavam dizer ao sr. ministro do reino, que se tinham enganado, quando lhe participaram a victoria do candidato constituinte!
Assim foi excluido do parlamento um homem de talento superior, de provada illustração, que na imprensa e na tribuna parlamentar havia sido um dos que mais concorrera para que o sr. José Luciano de Castro podesse occupar aquellas cadeiras; um caracter honestissimo, um cavalheiro a todos os respeitos digno da mais alta consideração, e a quem s. exa. sabe perfeitamente o que lhe deve o partido progressista. A este cathleta da palavra, a este ornamento da tribuna parlamentar devia s. exa. as mais altas finezas e por isso tinha obrigação de proceder para com elle de modo bem diverso.
Não queriamos favores do sr. José Luciano, mas tinhamos direito a que nos não espancassem os eleitores, a que não lhes arrancassem os votos violentamente.
Os homens porém de alma pequena e de espirito acanhado arreceiam se sempre dos alto g merecimentos, com medo que os offusquem e amesquinhem: não admira, pois, que o sr. José Luciano de Castro empregasse todos os meios para afastar da camara aquelle cavalheiro.
A guerra porém do sr. José Luciano de Castro não se limitou a Castello Branco, e era tal o empenho que havia em que o cavalheiro a que me refiro não viesse á camara, que se não duvidou empregar todas as artimanhos para que não fosse eleito por outro circulo. Refiro-me á eleição, de Agueda.
Fez-se tudo isto, sr. presidente, para afastar da camara um dos mais distinctos talentos d’este paiz, um dos homens mais respeitados pela sua intelligencia e honradez de caracter, e não só legitimamente considerado em Portugal, mas lá fóra onde o seu nome é tão vantajosamente conhecido como apreciado.
Pois foi a um homem n’estas condições, e com tão legitimos titulos, que s. exa. o sr. ministro dó reino não duvidou fazer a mais crua e accintosa guerra.
Não param, porém, aqui os factos illegaes, houve mais e melhor.
Passemos á eleição de Idanha a Nova.
A Idanha compõe-se de dois concelhos: o de Idanha e o de Penamacôr. N’estes concelhos as auctoridades andaram nas maiores correrias por toda a parte. Suppoz-se que o escrivão de fazenda votaria contra o governo, e foi transferido immediatamente.
Torno a perguntar ao sr. ministro da fazenda, quaes foram as faltas ou os erros d’este zeloso empregado, para similhante castigo?
Continua s. exa. a pensar que é por este systema que ha de organisar a fazenda publica?
Por igual supposição foi transferido o delegado do procurador régio, o que muito me surprehendeu, confesso, porque conheço de sobra as qualidades do coração do sr. Adriano Machado, para poder suppor da iniciativa de s. exa. este acto, que só póde ser filho da pressão exercida sobre s. exa. pelo sr. ministro do reino; tanto mais que este delegado tão estranho se mostrou sempre á lucta eleitoral, que nem quiz votar, apesar de transferido, achando-se aliás em Idanha no dia da eleição.
Para substituir este funccionario, sabe v. exa. quem foi nomeado?
Foi nomeado interinamente um homem analphabeto, caixeiro de um influente ministerial, apesar de haver na comarca muitos bachareis formados.
Aqui tem v. exa., sr. presidente, a quem estava entregue a justiça n’aquella terra!
Para o desempenho de tão importantes funcções escolhe-se de proposito um analphabeto, que pudesse subscrever tudo que fosse necessario contra a opposição.
Aqui tem v. exa., com que elementos o sr. ministro do reino preparava a victoria do seu candidato na Idanha!
Ao passo que o sr. ministro da justiça, impellido pelo sr. ministro do reino procedia por esta fórma, o sr. ministro da fazenda, que sinto não ver presente, pois desejo referir-me a alguns actos de s. exa., continuava a dar grande contingente, mandando para ali, em correrias eleitoraes, um aspirante da alfandega de Elvas, ao mesmo tempo que ordenava a todos os funccionarios identicos que recolhessem aos seus respectivos logares.
Os empregados das diversas alfandegas recebiam ordem para regressar ás alfandegas a que pertenciam, o aspirante da alfandega de Eivas constituia uma escandalosa excepção, pois que foi para ali expressamente galopinar a favor do governo.
Tudo estava perfeitamente combinado. A machina levara tempo a montar, é verdade, mas por isso deveriam ser excellentes os seus resultados.
O fim era derrotar o partido constituinte no districto de Castello Branco. Tudo serviu para isso; todos os meios eram justos, a tudo se recorreu: á perseguição, á violencia, á corrupção, e onde isto não bastava, explorava-se outro systema, mais brando sim, mas não menos immoral: refiro-me á alliciação das consciencias pela perspectiva de melhoramentos uteis, que poderiam começar, se começassem, antes do acto eleitoral, mas que haviam de terminar no dia das eleições.
Esse papel desempenhou-o. o sr. ministro do reino, por meio do sr. ministro das obras publicas.
N’essa occasião os subordinados do sr. Saraiva de Caralho, e a imprensa governamental de Lisboa, espalhavam
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que se tinha mandado construir a estrada da Salvaterra; a repartição das obras publicas mandava pôr ali bandeiras.
Por outro lado o director das obras apresentava-se elle mesmo, na freguezia de S. Miguel de Acha, como mandado pelo governo, para construir o encanamento do ribeiro, obra puramente municipal, e que elle dizia parecer incrivel que no seculo XIX ainda não estivesse construida.
Sr. presidente, eu tomo a responsabilidade das asserções que faço com relação aos factos que acabo de expor.
Julga, porventura, a camara que algumas d’essas obras promettidas tiveram começo?
Nem uma.
As eleições passaram e nem ao menos o sr. ministro das obras publicas, por consideração para com o seu nome, se lembrou de mandar encetar uma só que fosso. Preferiu antes que se dissesse por toda a parte que tinham enganado os eleitores, que tinham ludibriado a boa fé d’aquelle povo, de um modo que me abstenho de qualificar.
Aqui tem v. exa. o que se fazia na Idanha.
Passemos a Penamacor.
As cousas ahi correram ainda mais complicadas, e os expedientes ainda menos dignos.
O governo, sempre inspirado no desejo de excluir do parlamento os homens mais eminentes do paiz, até lançou mão de um club de Penamacor, constituido por artistas que propagavam os principios da internacional.
E para descer bem fundo n’este terreno, fez com que as auctoridades andassem ameaçando por toda a parte os eleitores, espalhando papeletas indecorosas contra o candidato da opposição, incitando os operarios e trabalhadores contra os senhorios e contra os rendeiros, e ao mesmo tempo pregando doutrinas subversivas, para assustar e afastar os que tinham que perder.
N’essas papeletas insultava-se o candidato da opposição, como a camara póde ver pelos seguintes trechos que peço licença para ler.
Creio até que n’estas correrias as auctoridades eram acompanhadas pelo proprio candidato ministerial, que empregava os mesmos meios, que se servia dos mesmos processos, que espalhava os mesmos escriptos, juntamente com os empregados administrativos, judiciaes e guardas de alfandega.
Até os guardas de alfandega em logar de estarem servindo nos seus logares para impedirem a entrada do contrabando, transformavam-se em agentes eleitoraes, fechavam as olhos ao cumprimento dos seus deveres, esqueciam-se dos interesses do fisco, davam força ás prepotencias e a todos os actos de corrupção das auctoridades.
Quer v. exa. ouvir um trecho de um d’esses curiosos escriptos?
«Penamacorenses, despertae e vede de um lado o patricio, o amigo dedicado, que tratando dos vossos interesses, inclue os seus; e do outro, o desconhecido, o ingrato, que compensa os vossos laboriosos sacrificios dando o seu voto nas camaras ao sr. Vaz Preto, sem nunca se lembrar do circulo que o elegeu.»
Este desconhecido, este ingrato, era simplesmente o sr. Antonio Augusto de Aguiar!
Contra mim não havia infamia nem calumnia que me não assacassem. Aqui tem a camara uma amostra dos favores com que eu era tratado:
«Despertae, cidadãos, e lembrae-vos que o sr. Vaz Preto, o chefe d’esses ingratos, fallando da vossa consciencia eleitoral, da vossa fé civica, dizia que se elle um dia se lembrasse de fazer deputado qualquer dos seus cavallos, tinha certa a candidatura no vosso circulo!!
«Ensinae vós agora a esse pequeno Caligula, como se vencem eleições, mostrae-lhe evidentemente que o estandarte da vossa politica é a justiça, que o vosso credo são os melhoramentos da vossa terra, que elles arrastaram, que elles despiram impudentemente.»
A auctoridade, em vez de manter a ordem, mandava espalhar profusamente estas e outras publicações, em algumas das quaes até se incitava o povo ao assassinio!
Tudo isto para combater a eleição do candidato constituinte, Antonio Augusto de Aguiar!
Sr. presidente, a opposição era insultada, o os eleitores, conhecidos como contrarios ao governo, indignamente ameaçados. Os meus amigos estavam receiosos de serem provocados, e de se verem nas duras circumstancias de entrar n’um conflicto, como mais tarde succedeu. Eu fui chamado a toda a pressa, para ver se podia conter por alguma fórma as demazias dos agentes do governo o Parti immediatamente. Penamacor estava em completa anarchia. Os assalariados davam morras á opposição.
O administrador do concelho tinha intimado uns setenta a oitenta eleitores para prestarem juramento de cabos de policia no dia 12, sete dias antes da eleição.
Chegando a Penamacor, convidei os eleitores intimados para? uma reunião, com o fim de os esclarecer ácerca das disposições da lei eleitoral, e de lhes demonstrar que á face d’aquella lei não podiam ser coagidos pela auctoridade a actos d’aquella ordem, quero dizer, a prestar o juramento que lhes exigiam, a acceitar a nomeação que lhes impunham arbitrariamente.
Acompanhado por uma commissão dos principaes cavalheiros d’aquella villa, fui á casa da camara, onde se me deparou um espectaculo digno da moralidade d’este governo, e do proposito que sempre animou o sr, ministro do reine, para manter a liberdade eleitoral. A casa da camara estava rodeada de guardas da alfandega, que agarravam á força os eleitores, para os obrigarem a prestar juramento como cabos de policia. Observei então aos eleitores que o administrador do concelho não podia permittir similhantes violencias; e declarei-lhes que ía communicar tudo ao sr. presidente do conselho e ao sr., juiz de direito.
Eu e a commissão não quizemos dar parte ao sr. José Luciano de Castro, porque sabiamos perfeitamente que perdiamos o tempo. S. exa. não ignorava o que se passava em Penamacor; s. exa. recordava-se muito bem das ordens que tinha dado aos seus representantes; s. exa. bem sabia a que teriam de descer as suas auctoridades, para fazerem vingar a candidatura do seu deputado, e por isso dirigi o seguinte telegramma ao sr. presidente do conselho:
«Presidente do conselho de ministros. — Lisboa.— N’este momento, acompanhado por uma commissão de cavalheiros de Penamacor e oitenta eleitores intimados para prestarem juramento para cabos de policia, venho de protestar perante o administrador do concelho contra um procedimento tão vexatorio, e contra a anarchia que campeia desenfreada n’este concelho.
«Auctoridade anima as violencias e os insultos, e n’esta situação anormal vimo-nos forçados a tomar as providencias para manter os nossos direitos. (Assignados) = Vaz Preto = Galhardo = Pina = Macedo = Pinheiro = P. e Antonio = Proença = Carvalho.
Ao sr. Anselmo José Braamcamp, que é um homem serio e verdadeiramente liberal, não podiam deixar de causar impressão os factos por mim narrados, e respondeu-me immediatamente com este telegramma:
«Exmo. Manuel Vaz Preto Geraldes. — Penamacor. — Recebi seu telegramma. Expedidas ordens terminantes para informar e cohibir illegalidades ou violencias, manter liberdade eleitoral. = L. S. = Braamcamp.»
Não querendo deixar de ter a devida consideração com o empregado superior do districto de Castello Branco, dirigi-lhe tambem um telegramma, dando parte a s. exa. de que no dia immediato iria pedir-lhe providencias.
Por esta occasião dirigi igualmente uma carta ao sr. presidente do conselho, cuja copia aqui tenho, acompanhada de uma exposição assignada pela commissão eleitoral de Penamacor, narrando tudo quanto se estava passando. S. exa., como verdadeiro liberal, não podia deixar de se impressionar dolorosamente com a verdade do que eu lhe nar-
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rava no telegramma- e na, carta, e por isso quiz dar providencias. Mas o sr. Braamcamp não era ministro do reino; não era o sr. Braamcamp que ía ao leme da barca eleitoral, e per isso s. exa. tinha de curvar a cabeça ante os caprichos do sr: ministro do reino, ante a vontade omnipotente do sr. José Luciano de Castro. E não applaudiria o sr. ministro do reino o que se estava praticando? Basta attender e examinar o valor das providencias tomadas por s. exa., para se perceber immediatamente os intuitos que as determinaram.
No dia l5 foi publicada uma portaria, assignada por s. exa., que dizia o seguinte:
«Circular. — Constando, pela imprensa periodica, que com intuitos politicos têem sido nomeados em alguns concelhos muitos cabos de policia, e convindo averiguar e conhecer se o facto é verdadeiro, e quaes foram os motivos que deram origem a este procedimento determina Sua Magestade El-Rei quedos governadores civis dos districtos informem logo quantos foram os cabos de policia ultimamente nomeados, em que datas e em que concelhos; e quaes foram as rasões e conveniencia publica que justificam taes nomeações.
«Paço, em 15 de outubro de 1879.= José Luciano de Castro.
Quem desconhece o que esta inepta portaria tem de risivel? Mas o sr. José Luciano andava propenso á estas cousas. A circular manifesto aos seus governadores, civis era um documento fabricado no arsenal da mesma politica, quando aliás era tão simples o que o sr. ministro do reino devia fazer. Bastava mandar-lhes a lei eleitoral de 23 de novembro de 1859, e dar ordens terminantes para que ella fosse cumprida. Não tinha mais que fazer o sr. Luciano do Castro:
Mas s. exa. parece desconhecer que ha n’aquella lei os artigos que vou ler. Um d’elles é o artigo 36l°, que diz:
«É prohibido aos administradores de concelho, sob pena de inhabilidade para todos os cargos publicos por quatro annos, e multa de 50$000 reis a 5:000$000, o nomear cabos de policia quinze dias antes das eleições.»
O sr. ministro do reino de certo não conhecia este artigo; estou convencido que se o conhecesse tinha immediatamente ordenado aos seus governadores civis, que fizessem metter em processo todos os administradores de concelho que estavam mantendo1 a liberdade da uma pelos processos do administrador de Penamacor.
S. exa. ignorava tambem o artigo 37.° da mesma lei, que estabelece o seguinte:
«As auctoridades administrativas que deixarem de participar aos agentes do ministerio publico as contravenções e delicios previstas pelo decreto eleitoral, e pelo disposto n’esta lei, e os agentes do ministerio publico que deixarem de immediatamente os perseguir, incorrem na pena de demissão e inhabiiidade para qualquer emprego publico; por cinco a dez annos, alem da responsabilidade que por qualquer omissão lhos é imposta pelo artigo 145.º do decreto eleitoral.»
Se s. exa. tinha conhecimento d’estes artigos, e queria manter a liberdade eleitoral porque não deu ordem ás suas auctoridades para que cumprissem a lei, e porque não fez metter em processo todos aquelles que a infringiram?
Sr. presidente, a portaria a que ha pouco me referi, só foi publicada para armar ao effeito, e não com o proposito firme de que a liberdade do eleitor e a independencia do voto fossem sincera e verdadeiramente mantidas;
Este documento orça pelo- incrivel- manifesto ou circular que s. exa. dirigiu aos seus governadores civis. Pois o sr. ministro do reino precisava mandar-lhes similhante manifesto?
Pois não bastava citar os artigos da lei eleitoral e fazel-os manter rigorosamente? Não. Isso poderia fazer acreditar que s. exa. quereria seriamente que se respeitasse a liberdade da urna, e o que s. exa. queria era simplesmente vencer a eleição, fosse como fosse; era armar ao effeito para illudir os que o não o conhecessem.
Mas voltemos aos acontecimentos de Penamacor, que são importantes. Eu sai d’aquella localidade e ía para Castello Branco participar ao governador civil o que ali se Cassava, quando recebi um expresso de Penamacor, que me participava que tinha ali havido grandes desordens, que os nossos amigos tinham sido insultados, e que para não serem victimas das violencias da auctoridade, se viram na dura necessidade de reagir, e de oppor energica resistencia; que havia corrido sangue; que um pobre padre, que por acaso se encontrara na desordem, tinha sido arrastado e espancado petos agentes da auctoridade e mettido na cadeia. Apresentei-me áquelle magistrado, que recebendo-me com as maiores attenções, pediu que me dirigisse não, ao sr. presidente do conselho, mas a elles que estava prompto á dar todas as providencias que as circumstancias reclamassem a que não se repetissem os factos que tinham
Dado logar ás nossas queixas.
Em consequencia d’isto não me tornei a dirigirão sr. presidente do conselho. Passados alguns dias, qual não foi a minha admiração quando vi que as providencias não se faziam sentir que o administrador do concelho errava no mesmo caminho, e que o pobre padre continuava presa, sem ser entregue ao juiz de direito de Idanha. Foi necessario que o preso se dirigisse por telegramma ao referido juiz que o mandou apresentar em Idanha, onde o soltou immediatamente. O fim do administrador era conserval-o preso para não poder votar no dia da eleição.
Os nossos amigo tinham sido insultados e feridos.
O sr. José Luciano devia estar satisfeito. Nas das de Pemamacor já tinha corrido- sangue! Não sei quaes foram as medidas que tomou o sr. governador civil, a quem eu tinha pedido providencias, e que me promettêra tomal-as; o que eu sei é que nos dias 16; 17 e 18 andavam os guardas da alfandega agarrando os eleitores, e levando-os á administração para prestarem juramento de: cabos de policia. Para que se não julgue que isto são asserções meramente gratuitas, eu vou ler; a camara um documento que obtive por certidão, e como este se poderão obter 60 a 70, que tantas foram as nomeações de cabos de policia:
«Publica fórma. — Administração do concelho de Penamacor:
«O administrador do concelho substituto por Sua Magestade Fidelissima que Deus guarde, etc.
«Usando da faculdade que me concede o artigo 230.° do codigo administrativo, e attendendo á proposta do regedor, do dia 2 do corrente, nomeio José de Aguiar para exercer o cargo de cabo de policia pelo tempo de um anno. Administração do concelho, 17 de outubro de 1879. = administrador substituto do concelho, Manuel Joaquim Godinho.»
Isto é claro, é positivo. Deu-se parte doeste facto ao juiz de direito, a fim de se instaurar é processo; e tambem se deu parte das auctoridades que levaram á uma debaixo de prisão os cabos? de policia, que tiveram, de ser soltos ali mesmo. Veja, sr. presidente, como o sr. José Luciano mantinha a liberdade da urna.
Mas ainda não acaba aqui. Quer v. exa., sr. presidente, saber o mais que se fazia? Passava-se Penamacor da 4.ª para a 5.ª classe para os effeitos da contribuição industrial; e era ao deputado governamental que viera á Lisboa, que o governo fazia essa concessão, que suppunham um dos meios que mais contribuiria para a victoria da sua eleição. O governador civil participava o despacho do governo ao administrador, e este affixava editaes para produzir effeito no animo dos eleitores. Vou ler á camara um dos originaes, para apreciar a verdade do que acabo de asseverar «.Edital. — Manuel Joaquim Godinho, administrador substituto do concelho de Penamacor, etc.
«Faço saber que hoje baixou a esta administração uma participação official do exmo. governador civil d’este dis-
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tricto, que communica que o requerimento dos habitantes d’esta villa para passar esta terra á 5.ª ordem, para os effeitos da contribuição industrial, foi deferido por Sua Magestade.
«E para que chegue ao geral conhecimento, e conhecer-se um tão grande beneficio, mandei passar o presente que as signo.
«Penamacor, 16 de outubro de 1879.= O administrador substituto do concelho, Manuel Joaquim Godinho.»
Em vez d’esta participação ser feita ao escrivão de fazenda, a quem incumbem os negocios d’esta ordem, era o governador civil quem fazia a participação ao administrador do concelho. É curioso, é notavel! O escrivão de fazenda tinha conhecimento d’aquelle despacho pelos editaes do administrador do concelho!
Sr. presidente, com referencia á eleição de Penamacor, tambem o sr. ministro da fazenda, que tinha mandado recolher todos os empregados dependentes do seu ministerio aos respectivos logares, deixava andar um aspirante da alfandega da aldeia da Ponte galopinando descaradamente entre os eleitores de Penamacor, onde se encontrava constantemente envolvido em barulhos e desordens.
Que excellente fiscalisação que sustos em que se havia de. ver o contrabando! Tambem elle campeava desafrontadamente, por onde queria, como quem conhecia de sobejo o terreno que pisava.
Tudo isto são. factos que as auctoridades não podiam deixar de conhecer, e que por consequencia consentiam.
Sr. presidente, os cabos de policia nomeados ainda não eram bastantes, eram necessarios mais. Não eram bastantes apenas os sessenta e tantos que tinham sido arrastados á administração do concelho pelos esbirros da auctoridade e pelos guardas de alfandega, eram necessarios mais e muitos mais. Como era já tarde para multiplicar as arbitrariedades d’este genero, empregaram-se outros meios, trataram de segurar b0m os guardas da alfandega, para que não faltasse nem um só á rotação! Por isso fingiram um telegramma do chefe fiscal, em que se lhes ordenava que fossem todos votar com a auctoridade, e que recebessem a lista á boca da urna. E este moralissimo expediente de fingir telegrammas não serviu sómente para a eleição de Idanha. Todos os meios se reputavam licitos para guerrear os candidatos, constituintes.
Indo para votar um eleitor da opposição, houve uma pequena duvida, que foi resolvida pela mesa; mas os galopins! eleitoraes em altos berreiros rodeavam a mesa, á qual se quizeram impor e impediram que o eleitor votasse n’aquella occasião. Isto deu origem a grande desordem.
O commandante da força militar, que prestou excellente serviço, invadiu a igreja para guardar a urna.
Foram chamar-me a toda a pressa. Vim logo, e entrei na igreja. A desordem continuava; encontrei o commandante em pé sobre a mesa com a espada em cima da uma e os soldados procurando restabelecer o socego. A minha voz foi ouvida, a desordem serenou, a tropa saíu immediatamente, e o eleitor póde votar como era seu direito.
Como o sr. José Luciano ignora se ha processos, fique sabendo que a mesa deu parte ao poder judicial, das violencias dos amotinadores, para se instaurar o competente processo.
Sr. presidente, felizmente para o sr. José Luciano e para mim, fui respeitado no meio d’aquelle tumulto, porque se o não fosse, viria aqui pedir ainda mais strictas e severas contas ao sr. ministro do reino, e lá fóra ao sr. José Luciano, que me havia de responder pelos insultos e pelas violencias dos seus galopins. N’um paiz em que os poderes constituidos são os primeiros a calcar as leis aos pés, e a constituição é letra morta, a cada cidadão é licito fazer justiça pelas suas mãos.
Sr. presidente, quando annunciei a minha interpellação pedi a presença do sr. ministro das justiças, que reputo homem serio, e que eu não julgava capaz de ir contra as doutrinas e idéas que já lhe ouvi expender, para que explicasse quaes os motivos que o determinaram a transferir os delegados de Idanha e Castello Branco.
E necessario que s. exa. diga á camara se elles commetteram faltas, e quaes foram. S. exa. tem obrigação de o fazer, porque em 1870 annunciou ao governo uma interpellação, por ter transferido delegados por motivos eleitoraes.
Pedi tambem a presença do sr. ministro das obras publicas, para lhe perguntar se s. exa. auctorisou os seus empregados a servirem-se do seu nome, e a pôr bandeirolas por toda a parte, com o fim manifesto de alliciar e illudir os eleitores; se s. exa. deu ordem, e mandou proceder ás obras municipaes em S. Miguel d’Acha. Pergunto isto, sr. presidente, porque para lá se reflectir, os jornaes ministeriaes diziam aqui que o sr. ministro das obras publicas tinha dado aquellas ordens.
Pedi igualmente a presença do sr. ministro da fazenda, e sinto que s. exa. se tenha retirado, para que explicasse á camara, se é transferindo empregados activos, zelosos e intelligentes, para satisfazer ás exigencias de influentes eleitoraes, que s. exa. quer ter empregados que cumpram o seu dever.
Pedi a comparencia de s. exa. porque desejava que explicasse á camara como ha de ter bons empregados, castigando aquelles que cumprem o seu dever, ou transferindo-os para logares mais inferiores?
Desejava que explicasse á camara como ousa s. exa. propor uma rede de impostos esmagadores, castigando com transferencias empregados escrupulosos no cumprimento dos seus deveres, quando devia saber que é com esses empregados que tem de contar para cobrar os milhares de contos de réis de contribuições em divida, sem o que me parece que o paiz se não sujeitará a novos sacrificios. E dignos e escrupulosos no cumprimento dos seus deveres eram, segundo o conceito de todos que os conhecem, os escrivães de fazenda da Covilhã e de Idanha.
Finalmente pedi a comparencia do sr. presidente do conselho de ministros, ao qual me dirijo em ultimo logar, porque o faço com custo e pezar, pois estou persuadido que s. exa. foi alheio a todos estes factos, que na sua consciencia reprovaria formalmente.
As tradições do sr. Braamcamp, todos os seus precedentes, a sua longa e exemplar vida politica não se coadunam com estes manejos baixos e com estes expedientes pouco dignos. Tenho essa convicção, sr. presidente, e por isso com magua me dirijo ao sr. Braamcamp; mas não podia deixar de o fazer, não para o tornar responsavel por tantos abusos, mas para estranhar a sua fraqueza, porque devia ter-se imposto imperiosamente aos desvarios do seu collega do reino.
Repito, sr. presidente, se pedi a presença do sr. presidente do conselho não foi para o accusar por estes factos. Sei que s. exa. é liberal convicto; sei que não queria nada do que se praticou; sei que tudo foi feito contra a sua vontade.
Permitta-me s. exa. que eu lhe falle com esta franqueza e desassombro. S. exa. não teve força para dizer ao sr. ministro do reino, a esse ministro que se senta ahi ao seu lado: Não quero que se combata por taes meios a eleição de Antonio Augusto d’Aguiar, porque o governo, que não encontra no seio do seu partido um cavalheiro á altura da missão importantissima que solicitou do seu patriotismo, não pôde, sem descer da sua dignidade, do seu brio e da sua honra, corresponder áquelle cavalheirismo, corresponder aos relevantes serviços que elle n’este momento está prestando ao governo e ao paiz com a guerra encarniçada e violenta á sua eleição por Idanha.
Mas s. exa. não teve força para dizer ao sr. ministro do reino que estava commettendo uma falta imperdoavel. O sr. ministro do reino guerreou sem tréguas a eleição do sr. Antonio Augusto d’Aguiar, porque este cavalheiro é uma
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das nossas maiores illustrações, é um caracter elevado um talento superior, um cavalheiro digno da mais alta consideração; e o sr. José Luciano de Castro aborrece tudo que é elevado, grande e nobre.
Sr. presidente, quando o sr. José Luciano para vencer a eleição de homens como Pinheiro Chagas, que ião valentemente cooperára na sua ascensão ao poder, e de Antonio Augusto d’Aguiar, a quem acabava de solicitar o encargo, de lhe acceitar uma espinhosissima missão de confiança; quando o sr. José Luciano, repito, para vencer a eleição d’aquelles dois cavalheiros, não duvidava descer a todas as praticas da mais detestada, corrupção e violencia, julgue v. exa., julgue a camara, julgue o paiz o que faria o sr. José Luciano nos outros circulos, onde não concorria igual conjuncto de circumstancias.
O sr. Ministro do Reino. (Luciano de Castro): — Sr. presidente não me surprehende o discurso que acabo de ouvir, confesso que esperava mais, muito mais.
A campanha eleitoral correu avessa ao digno par que acaba de fallar; e aos seus amigos era, portanto, indispensavel que á grandeza da derrota correspondesse a grandeza do desferço. Estou resignado, a acceitar o martyrio que s. exa. me impoz, e darei explicações diante da camara, que espero a satisfação, porque demonstrarei até á evidencia qual é o valor que têem as accusações que me foram dirigidas.
Ponho de lado ás phrases violentas, inspiradas por um sentimento de rancor pela minha pessoa que o digno, par acaba de me dirigir. A essas phrases não respondo.
N’este logar, sr. presidente, não posso fallar senão, como ministro da corôa, é por esse facto que aqui me sento, n’estas cadeiras, e como ministro devo respeito, ao meu logar, é não posso fallar d’outro modo; mas permitta-me v. exa. que eu esqueça as palavras, não direi de descortezia, mas pouco affectuosas para commigo, que ao sr. Vaz Preto acabámos de ouvir, porque sendo proferidas n’esta casa, não é a mim, é a v. exa. e á camara que pertence tomar conta d’ellas.
Respeito, sempre respeitei o caracter honrado e nobre do digno par.
O sr. Vaz Preto: — Dispensa os elogios.
O Orador: - No tempo em que mantinha relações: com s. exa. nunca me pediu favores pessoaes. D’isto posso prestar testemunho.
Conheço que, é dotado de um caracter violento, e sei dar ás paixões politicas o desconto a que ellas naturalmente têem direito. Pondo, portanto, de lado todas as questões que andam estranhas a n’este debate, e assim devem conservar-se, peço a v. exa. me consinta apresentar concisas, resumidas, mas conscienciosas, explicações em relação ás arguições que o digno par formulou.
Seguramente não tenho a eloquencia e força de dialectica necessarias para rebater os seus argumentos, mas o que tão sómente pretendo é justificar-me perante a camara, e perante o paiz, contra as accusações que s. exa. descarregou sobre mim.
A camara ouviu a longa serie d’essas accusações, e é natural, occorre perigo a todos quantos aqui estavam, perguntar porque motivo, quando na outra casa do parlamento se discutiu, o procedimento eleitoral do governo, deixou o illustractissimo chefe, do partido constituinte de adoptar como suas, as arguições que o digno par me dirige agora; por que motivo se esqueceu completamente, de me pedir contas, pelo meu proceder irregular, escandalosissimo quanto as eleições no districto de Castello Branco?
O partido constituinte tem na camara dos senhores deputados um chefe dos mais conhecido no paiz, dos mais experimentados em assignaladas campanhias parlamentares, e, todavia, suscitado n’aquella camara o debate, sobre o procedimento do governo, em assumptos eleitoraes, o digno chefe, do partido constituinte, a quem estou, alludindo, o sr. José Dias Ferreira, nem uma só palavra pronunciou a respeito das eleições em Castello Branco; chamou a attenção do paiz para o que se passou em outros districtos, fulminou mesmo com o seu verbo, eloquente alguns, actos do governo que lhe não pareceram conformes com o pensamento de inteira liberdade eleitoral; mas, repito, não disse uma palavra, não formulou uma arguição, não dirigiu ao governo um reparo sequer, no sentido em que o sr. Vaz Preto vem interpellar-me. Porque seria? Porque é que a tal respeito emmudeceu o partido constituinte na camara dos senhores deputados, e se deixa ouvir só agora peia voz do sr. Vaz Preto.?
D’este factos ajuize, a camara; aprecie-o cada um a seu sabor. O que passa dizer, e occorre a todos, é que, se o procedimento do ministro do reino tivesse sido menos correcto e menos regular durante a ultima lucta eleitoral, certamente, o sr. Dias Ferreira politico sagaz e orador engenhoso, não perderia occasião de fulminar o governo com todo o rigor.
Se me abrigou sombra de tão poderosa auctoridade para rebater as accusações que me dirige, o sr. Vaz Preto...
(O orador não foi ouvido n’este ponto do seu discurso.)
Se o procedimento do governo tivesse sido tal qual o descreveu o digno par, estou bem certo que o illustre chefe do partido constituinte na camara dos senhores deputados não me haveria poupado; se deixou de me accusar, não foi por generosidade ou por benevolencia demasiada para com a minha pessoa.
Já vê, pois, v. exa. que póde muito bem ser que as paixões locaes, um pouco inflammadas no espirito do digno par, fizessem com que se lhe afigurassem muito mais avultadas e graves as culpas que se attribuiram ao ministro do reino, quando na verdade o procedimento do governo foi correctissimo.
Perdoe-me o digno par; mas, salvo o respeito devido ás suas palavras e ás suas convicções, não posso deixar de dizer que as suas accusações não podem ter valor, uma vez que não as fez acompanhar das provas precisas, para levar a persuasão ao animo de todos.
Apresentou s. exa. uma longa relação de agravos feitos á liberdade eleitoral; padeceu á ordem e a legalidade, os agentes do governo correram os circulos eleitoraes ameaçando e levando o terror a toda a parte, fulminando penas aos que reagiam contra as suas exigencias; todavia para provar todas estas allegações o digno par só leu um documento que a eu pedido, s. exa. me fez a honra de confiar, e que era nada mais, nada menos, que a nomeação de um cabo de policia feita no dia 2 de outubro.
O sr. Vaz Preto: - Como essa houve mais quarenta ou cincoenta.
O Orador: - Refiro-me apenas ao documento apresentado pelo digno par, sem querer por agora entrar na questão da nomeação dos cabos de policia. O que eu quero notar é simplesmente que o digno par, para provar uma serie de accusações que fez ao ministro do reino apenas apresenta um documento, e esse é a nomeação de um cabo de policia. Eu logo apreciei esse documento, pelo qual se mostra que o administrador do concelho de Penamacor, dezeseis dias antes da eleição nomeou um cabo de policia.
Por muito respeitavel que seja o caracter do digno par, que o é de certo, não basta, para fulminar um adversario por mais obscuro que elle seja, e seguramente, eu sou muito, fazer simples accusações; é necessario mais alguma cousa, é necessario firmar em provas documentadas essas accusações. Não basta allegar como prova sua convicção embora muito profunda, porque as allegações feitas só em nome d’ella não têem o valor que teriam quando apoiadas em documentos.
O sr. Vaz Preto. — Mas que documentos quer o sr. ministro que eu apresente?
O Orador: - Os documentos que façam prova do que o digno par allega. S. exa. accusa sem provas, e de certo se tivesse havido actos criminosos , s. exa. não deixaria de
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promover qualquer procedimento judicial, e os tribunaes competentes não teriam deixado de dar andamento aos processos respectivos para produzirem es seus effeitos necessarios. Lias a verdade e que a camara dos senhores deputados approvou sem contestação as eleições a que se referiu o digne par, e que nos tribunaes apenas se apresentou um unico processo, de que eu tenha conhecimento. E eu logo direi á camara o resultado que teve esse processo, e talvez s. exa. não tenha de louvar-se por me haver chamado a este terreno.
Portanto, se não houve querela, nem processos intentados, nem protestos acompanhados dos documentos indispensaveis que fossem exhibidos perante aã mesas eleitoraes, para serem apresentados ás auctoridades compotentes e serem considerados na occasião de se tratar ca verificação de poderes, se nenhum dos amigos do digno par se levantou na outra casa do parlamento para accusar o governo pelos factos a que alludiu s. exa., e que veiu adduzir aqui contra o ministro do reino, sem apresentar provas algumas, sem um documento sequer em que firmasse as suas accusações, creio que tenho rasão para estar tranquillo, e affirmar que o governo procurou manter nas eleições de 1879 os principios que os seus membros defenderam quando eram opposição.
Sr. presidente, não serei eu que qualifique o procedimento do digno par; limito-me só a dizer que as suas accusações não são procedentes, nem podem proceder, a despeito da auctoridade da sua palavra, emquanto se não basearem em provas e documentos.
Começou o digno par por alludir a um pacto que disse existir entre mim e o sr. Fontes, com respeito ao districto de Castello Branco, acrescentando mesmo não duvidar que eu me tivesse rojado aos pés daquelle cavalheiro para obter o referido pacto.
Esta affirmação de s. exa. leva-me a declarar terminante e categoricamente, que não tem fundamento algum a existencia de qualquer pacto entre mim e o sr. Fontes com respeito ás eleições naquelle districto.
O sr. Fontes: — Peço a palavra.
O Orador: — O sr. Fontes acaba de pedir a palavra, e fel-o de certo para explicar os factos taes como só passaram; e não será elle, que é muito leal e cavalheiro, que dirá o contrario do que acabo de asseverar. Não houve entre nós, nem directa nem indirectamente, pacto algum, e por isso é destituida de fundamento a asserção do digno par.
O sr. Vaz Preto:—S. exa. está alterando as minhas, palavras. O que eu disse foi, que corria o boato, e que a imprensa o affirmava, que o sr. ministro do reino se tinha ido rojar aos pés do sr. Fontes para guerrear o partido constituinte, e que não me responsabilisava pelo facto, mas que julgava o sr. José Luciano capaz disso e de muito mais. O que affirmei, e affirmo ainda, é que o pacto entre os regeneradores do districto e o sr. José Luciano se fizera.
O Orador: — S. exa. póde julgar-me, ou não, capaz do procedimento que me attribue, é uma opinião individual, o que devo, porém, observar-lhe é que, respondendo ao digno par, estou respondendo á camara, e fazendo-o como ministro da coroa, tenho o direito de ser respeitado. Cumprindo um dever uso de um direito, e é no exercicio d’elle que estou fallando. Apresento as minhas declarações, que offereço á consideração da camara, e ao digno par fica livre o aprecial-as como entender.
Sr. presidente, o digno par referiu-se ao boato de haver um pacto celebrado entre mim e o sr. Fontes, tendo-me eu lançado aos pés de s. exa. para o obter; não quiz, porém, s. exa. tomar a responsabilidade da verdade d’este boato; mas desde que trouxe para aqui a insinuação, era do meu dever o responder desde logo com a verdade, assegurando á camara, como fiz, que é completamente destituida de fundamento a existencia d’esse pacto.
Lançada a insinuação, ainda mesmo que se não quizesse tomar a responsabilidade d’ella, era do ir. eu dever responder.
Sr. presidente, o terem-se ligado os individuos que estavam em divergencia com o digno par,, pareço-me perfeitamente logico. Os que estão em opposição com um determinado partido ligam-se geralmente para o combater. Foi isto o que succedeu, é o que sempre se tem feito, e o que naturalmente continuará sempre a fazer-se.
Sr. presidente, procurei saber quaes foram as violencias que se praticaram em Castello Branco, e o fundamento das arguições que se faziam ao governo; e ás quaes se referiu o digno par.
Quanto ao que se passou na Covilhã, a unica culpa que eu posso ter como ministro do reino foi de demittir o administrador do concelho que lá estava, e tinha sido nomeado por indicação dos amigos do digno par, e de nomear o administrador substituto do concelho se ainda lá se acha hoje.
Póde o digno par ir ao ministerio do reino procurar e esquadrinhar o que quiser nos archivos, que lhe estarão francos todas as vezes que s. exa. ali queira ir, que não achará documento algum que prove que houve algum outro acto, alem do que apontei, praticado pelo actual ministro do reino.
Referi ir se tambem o digno par á transferencia do escrivão de fazenda e ás ameaças que se faziam por parte dos cantoneiros e outros empregados das obras publicas. Todas estas accusações são gratuitas, peço licença para o dizer, pois não foram acompanhadas de provas algumas, e por consequencia não podem influir no juizo publico com respeito ao procedimento do governo na eleição de 1879 no districto de Castello Branco.
O digno par accusei tambem o governo de ter mandado tropa para guardar a casa da camara, e de haver ameaçado com ella o povo. Mas eu devo dizer a s. exa., que não me consta que houvesse reclamação alguma a este respeito, e esta accusação como todas as outras não foi acompanhada de prova alguma; e emquanto eu não vir essas provas documentadas não posso dar credito ás asserções que, como disse, julgo inteiramente gratuitas.
Vamos agora ao circulo do Fundão. Peço ao digno par que me diga quaes foram as violencias praticadas n’aquelle circulo.
Foi a mudança do pessoal administrativo? Parece-me que o governo estava no direito de fazer essa mudança, direito que assiste a todos os governos, e do qual eu não tinha rasão nenhuma para prescindir, quando aquelle ressoai tinha sido todo nomeado debaixo da influencia dos amigos do digno par, e por consequencia obedecia a essa influencia.
Foi isto unicamente o que o governo praticou com relação ao Fundão; e o digno par não é capaz de me apontar qualquer outro facto, devidamente comprovado, que mostre que o governo houvesse praticado n’aquelle circulo as culpas de que o accusa.
Sr. presidente, vamos ao circulo de Castello Branco. Entre todos, os factos apontados por s. exa. o sr. Vaz Preto, não vejo que apparecesse nenhuma violencia praticada pelo ministro do reino, nem por nenhum doo meus collegas. D’isso o digno par que fôra nomeado administrador do concelho um homem que tinha praticado as falsificações de Fratel. Sr. presidente, o governo nomeou o individuo que tinha sido proposto pelo governador civil.
O sr. Vaz Preto: — Eu não fallei n’isso. Referi-me só a ter si ri o nomeado delgado de governo para a assembléa do Teixoso o auctor das frateladas. Assevero o facto, e toma a responsabilidade da asserção. Tambem quer provas do facto? Nega ou duvida d’elle?
O Orador: — Não preciso provas com relação a esse facto. Creio que o governo póde nomear para seu relegado n’uma assembléa eleitoral um homem que é bacharel for-
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mado, que exerce as funcções de conservador numa comarca, e que ainda o anno passado fazia parte da camara dos senhores deputados. Não sei se esse individuo for auctor de falsificações; ouvi fallar n’um processo, más ignoro qual foi o resultado. O que sei é que elle é conservador de uma comarca, que não está inhibido de exercer ás suas funcções e que funccionou como deputado na legislatura passada, sem que até hoje tenha havido procedimento algum contra elle, quer da parte do poder judicial, quer da parte de outras auctoridades.
Portanto, com relação ás chamadas falsificações detratei, á verdade é que esse facto não se póde provar nos tribunaes, e não creio que possa ser censurado quem nomeou o cavalheiro, á que o digno par sé referiu, para presidir áquelle acto eleitoral.
Voltando, porem, sr. presidente, ao principio da questão, devo declarar que tanto no circulo do Fundão como no da Covilhã não se póde dizer que houvesse interferencia da parte do governo no acto eleitoral.
Houve apenas a mudança de pessoal administrativo, o que por parte do ministro do reino é um acto perfeitamente legal.
Quanto ao districto de Penamacor, referiu-se o digno par a grandes abusos e violencias ali praticadas por parte do governo.
Ora quer s. exa. que eu acredite que aquelles actos se praticaram, só por que s. exa. o disse?
Respeito muito a palavra do digno par, que de certo não affirmaria uma proposição se não estivesse convencido de que era verdadeira; mas eu, como ministro, não posso, sem que me sejam apresentados os documentos officiaes, ter a certeza de que taes abusos se commetteram.
É necessario que s. exa. demonstre a verdade do que allegou, baseando-se nas provas justificativas d’esses documentos.
Sr. presidente, antes de passar adiante, peço licença ao digno par para me referir a uma observação que s. exa. fez ácerca da exclusão systematica que disse eu pretendia fazer de um cavalheiro a quem por mais de uma vez alludiu, e que creio ser o sr. Pinheiro Chagas, cuja intelligeneia e honradez eu sou o primeiro a admirar.
Mas a verdade é que, desde que o sr.. Pinheiro Chagas se declarou contrario ao partido progressista, não podia de certo a sua candidatura ser apoiada pelos amigos do governo.
O que posso, no entanto, affirmar ao digno par é que não empreguei contra essa candidatura nenhum recurso de que tenha de me envergonhar.
O que apenas fiz na Covilhã foi substituir o administrador por um substituto que ainda hoje lá está. Que mais fiz eu? Qual, é o facto pelo qual se demonstre que procurei excluir o sr. Pinheiro Chagas? Nenhum. E posso tambem affirmar ao digno par, que tenho muito sentimento de que o sr. Pinheiro Chagas não obtivesse um logar no parlamento; mas s. exa. é muito digno, muito cavalheiro para mendigar" dos amigos do governo um apoio, que este não lhe podia dar.
Rejeito, pois, a insinuação que o digno par fez de que eu persegui por toda a parte o sr. Pinheiro Chagas, pessoa que eu muito respeito pelo seu elevado talento e illustração.
Honro-me sempre, sr. presidente, em admirar os dotes elevadissimos é ás preciosas qualidades oratorias d’aquelle insigne ornamento parlamentar e grande escriptor; mas honro tambem o sr: Pinheiro, Chagas suppondo o incapaz de acceitar, como esmola ou como benevolencia, uma candidatura protegida pelos amigos do governo, para ir ao parlamento defender as suas idéas e advogar a causa do seu, partido.
Sr. presidente, declaro que não fiz nenhuma perseguição á candidatura d’aquelle cavalheiro. Eu, francamente o digo, estimaria muito que por qualquer dos circulos por onde saíram eleitos amigos do digno par saísse o sr. Pinheiro Chagas em logar der algum desses amigos. Portanto, seja me permittido que eu n’esta parte rejeite a insinuação que s. exa. me quiz fazer de que eu por um espirito de exclusão systematica e pessoal andasse procurando as candidaturas dos cavalheiros mais distinctos do partido de s. exa. para as perseguir e excluil-os do voto popular. Não o fiz; pelo contrario, no circulo por onde se apresentava candidato o sr. Dias Ferreira, que é chefe do partido a que s. exa. pertence, eu pedi aos meu amigos, e não só. pedi mas recommender com a maior instancia, quasi que ordenei, se é que podia ordenar, que não combatessem a, candidatura d’aquelle cavalheiro, que deve ter sempre um logar na camara.
Foi muito contra á vontade dos. amigos do governo n’aquelle circulo que saiu eleito deputado; o sr. José Dias Ferreira.
Era assim que eu procedia com relação aos meus adversarios; mas não podia levar ã minha generosidade ao ponto de ir descobrir um circulo para quem o não tinha, nem tão pouco podia levar a minha longanimidade ao exa. tremo de abrir as portas dó parlamento, pedindo aos meus amigos a sua influencia para os caudilhos da opposição; Isto não fiz; mas, andar procurando as candidaturas dos meus adversarios para os perseguir e excluil-os da camara, isso, sr. presidente, estava muito abaixo de mim, e não sou tão cioso das qualidades e dos meritos alheios, que seja capaz de descer até ao ponto de praticar uma vilania de tal ordem. Sei combater conforme permittem as minhas forças; acceito a lucta quando m’a offerecem; mas não sei combater os meus adversarios por esses meios indignos, improprios de mim e do logar que exerço.
O digno par disse tambem que foi necessario, para excluir o sr. Pinheiro Chagas da camara, falsificar a eleição! Esta asserção carecia de ser documentada. A eleição a que s. exa. se referiu foi approvada na camara dos senhores deputados sem protesto nem reclamação. Depois de ser approvada pelas auctoridades competentes, a insinuação de que ella foi falsificada não se podia fazer sem se provar; e por isso mais uma vez peço as provas porque não é licito, n’uma camara tão augusta, n’uma instancia tão elevada como esta, accusar d’esta maneira sem que se comprove a accusação. A eleição Correu regularissima.
Onde estão os protestos pelos quaes se demonstre que houve falsificação? A falsificação é um crime punido pelo codigo penal.
Pois então, se não se promoveu nenhum processo, se não houve documentos para-se produzirem perante os tribunaes, para que se accusa o ministro?
E agora, depois de constituida a camara dos senhores deputados, é que o digno par vem aqui lançar insinuações gratuitas!
Sr. presidente, quando o digno par apresentar provas das accusações que formulou, eu então me defenderei. Sr. presidente, pois, onde foram maiores os horrores praticados pelas auctoridades, onde os meus empregados praticaram todos esses horrores, foi no circulo de Idanha! Pois, sr. presidente, imagina o digno par que eu dispute a eleição a um cavalheiro tão honrada, tão talentoso e tão respeitado como é o sr. Antonio Augusto de Aguiar? Eu não guerreei a candidatura do sr. Antonio Augusto de Aguiar, mas tambem não podia guerrear os meus amigos. politicos d’aquelle circulo nem crer embaraços ao candidato progressista.
O sr. Vaz Preto: — O que ali não havia eram progressistas. Quantos centros tinha é tem o partido, progressista no districto de Castello Branco? Nenhuns.
O Orador: - Pois se os não havia, com quem luctou s. exa.?
Oh! sr. presidente, pois se não havia ali amigos do partido progressista, que inimigos politicos de s. exa. eram esses, que só quando o digno par se apresentava em pessoa
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é que se continham, não direi diante das suas convicções, mas diante da presença veneranda do digno par, rendidos á sua eloquencia! Que gente era então esta? Pois eram tão poucos ali os progressistas, pois não havia ali progressistas, pois só o nome do digno par era ali respeitado, e tinha o poder de fazer cessar todas as resistencias!
O sr. Vaz Preto: — Eu sou terrorista! Parece que o sr. José Luciano já não me conhece.
O Orador: — Eu não sei se o digno par é terrorista, o que estou dizendo é em resposta ao que s. exa. disse com referencia ao terror espalhado pelos agentes do governo. Era a esses terrores, sr. presidente, que eu me referia; toda a camara ouviu o que disse o digno par a esse respeito.
Mas, sr. presidente, o que houve de mais grave, a accusação mais fulminante, o capitulo mais atroz das accusações formuladas pelo digno par, no seu famoso libello, foi a nomeação de oitenta cabos de policia no concelho de Penamacor; mas, sr. presidente, é tal a accusação, que eu me sinto vergar debaixo do peso d’ella, e não sei como rebater as arguições que me são feitas.
Sr. presidente, não foram oitenta cabos de policia que se nomearam, mas setenta e cinco, e a lei só permitte que elles se nomeiem quinze dias antes das eleições: ora, o libello da accusação indica as datas, e ellas provam que as nomeações foram feitas com dezesete dias de antecedencia.
O sr. Vaz Preto: — Não é exacto.
O Orador: — Bem, não será; mas eu tenho outras provas differentes das que o digno par apresenta, tenho os documentos officiaes, e já que o digno par quiz ouvir, ouvirá.
Eis aqui está um officio do delegado interino da comarca, que diz o seguinte.
(Leu.)
Creio que desde 2 de outubro a 19 vão dezesete dias, isto pela minha arithmetica; ora, a lei marca que só com quinze dias de antecipação sejam feitas estas nomeações, ellas fizeram-se com dezesete, por consequencia foram com toda a legalidade, e estando o administrador perfeitamente no pleno direito de o fazer; e eis como o digno par fundamentou a sua accusação, e eu a defeza.
Lerei ainda a s. exa. qual foi o resultado da querela dada em juizo.
{Leu.)
Disse mais o ministerio publico.
(Leu.)
Junto estão ainda outros documentos, e provado fica que a nomeação de cabos não só foi legal, mas até julgada como tal.
Mas, ainda ha mais, sr. presidente, eu tenho aqui um outro documento lavrado pelo administrador do concelho de Penamacor, que prova que o digno par incitou os cabos que tinham sido nomeados a não prestarem juramento, e lhes afiançou tomar a responsabilidade do facto; mas creio desnecessario ler esse documento.
O sr. Vaz Preto: — Leia, leia, eu mesmo desejo ouvil-o ler, não tinha conhecimento de tal documento. Deve ser muito honroso para s. exa.
O Orador: — Visto que o digno par tem tanto interesse em que eu o leia, não julgo que seja segredo, e vou lei-o; e até se s. exa. quer, posso confial-o ao digno par para o examinar, ou mando-o publicar, não desejando que s. exa. supponha que eu vinha aqui asseverar uma cousa que não era exacta.
(Leu.)
Eu tinha conhecimento doeste documento, mas não me servi d’elle: o que é, porém, verdade, e o que está demonstrado, é que os cabos foram legalmente nomeados, que o administrador estava no pleno direito de o fazer, por isso que, como já disse por mais de uma vez, as nomeações foram feitas dezesete dias antes da eleição; é facto que elles só prestaram juramento alguns dias depois, mas a lei não se refere ao juramento, e sim á nomeação.
Quer v. exa. saber como procedeu o ministro do reino, quando o sr. Manuel Vaz Preto dirigiu um telegramma ao sr. presidente do conselho, reclamando providencias promptas por causa do juramento dos cabos de policia? Eu lhe digo. porque o sr. presidente do conselho mostrou-me immediatamente o seu telegramma, não sei se s. exa. não gostaria e levaria o seu exclusivismo ao ponto de não querer que eu o visse, e desejava que o sr. presidente do conselho providenciasse por si só, sem me dizer cousa alguma; todavia o que é certo é que s. exa. mo mostrou, e eu telegraphei immediatamente para o governador civil n’este sentido. (Leu.) O governador civil, que era então o sr. Simões Ferreira, respondeu immediatamente ao meu telegramma, declarando que ia tomar as necessarias informações, e adoptar providencias as mais energicas para que se d’esse cumprimento á lei e se obstasse a quaesquer abusos,
Eis ahi está como eu procedi.
A portaria ácerca da nomeação de cabos de policia não era principalmente destinada a Castello Branco. Essa portaria foi resultante das arguições que eu vi publicadas nalguns jornaes. Ahi se dizia que em diversos concelhos, sobretudo no de Cintra," estavam sendo feitas em larga escala as nomeações de cabos de policia.
Quiz mostrar aos governadores civis que eu desapprovava um tal expediente, e que o governo não applaudia similhantes actos; fiz, portanto, publicar no Diario official uma portaria, não direi fulminante, porque não o era, mas em que se pedia a relação das nomeações de cabos de policia, e as circumstancias em que tinham sido effectuadas, a fim de que eu podesse formar a minha opinião sobre o assumpto, e mais tarde castigar aquelles que tivessem exorbitado da lei.
Quereria o digno par que eu d’esse ordem para serem immediatamente demittidos os administradores de concelho que tivessem passado aquellas nomeações? Devia eu proceder assim emquanto não soubesse positivamente se eram verdadeiras as accusações publicadas nos jornaes? Queria s. exa. que, sem tomar informações a respeito dos factos, e sem ouvir as mesmas auctoridades, usasse desde logo para com ellas todo o meu rigor?
A minha primeira obrigação era inteirar-me da verdade, e depois de ouvir as auctoridades arguidas usaria do direito de as punir, como effectivamente puniria, se ellas não tivessem dado explicações cabaes que justificaram o seu procedimento.
Em Penamacor, diz o sr. Vaz Preto, até os amigos do governo se valeram de um club internacional que lá houve; n’aquelle circulo publicaram-se pamphletos infames contra os candidatos da opposição; os agentes do governo, querendo vencer aã eleições, alliaram-se aos inimigos da ordem publica, aos que pregavam o exterminio e o assassinato.
Permitia-me s. exa. observar-lhe mais uma vez que estas arguições vindo, como vem, desacompanhadas de provas, só podem ter em resposta uma negativa formal.
Como prova o digno par que nós, governo, fraternisassemos com os inimigos da ordem estabelecida, com aquelles que aconselhavam o exterminio? Podia nunca o governo acceitar ou applaudir a associação com esses homens filiados na internacional, que tem por «bandeira o aniquilamento da constituição social existente? Ou, desde o momento em que soubesse de algum accordo no sentido em que o sr. Vaz Preto se expressou., deixaria eu, porventura, de desapprovar por um acto publico, bem manifesto, a associação com individuos taes?
É a primeira vez que ouço fallar em club internacional de Penamacor.
(Á parte do sr. Vaz Preto.)
Muito bem. Era um club que não estava filiado na internacional, mas commungava nas idéas d’ella.
Como se póde, pois, acreditar que o governo procurasse
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allianças de similhante natureza ou que as sanccionasse com o seu applauso?
Sr. presidente, ao cabo de tantas Violencias, depois de tantas fraudes, e tendo o governo recorrido a taes meios de seducção, apesar de tudo o digno par venceu a eleição nos circulos, da Idanha e de Castello Branco. As violencias das auctoridades, os attentados contra a liberdade dos cidadãos foram enormes, as minhas responsabilidades são terriveis; mas ainda assim o digno par venceu em dois circulos pôr maioria enorme!
Quando o resultado de uma eleição se apresenta tão pronunciadamente favoravel é opposição, é licito não só pedir as provas das accusações que se fazem ao governo; mas tambem, emquanto essas provas não apparecem, duvidar um pouco, não da sinceridade com que são feitas essas accusações, mas da verdade d’ellas.
(Interrupção do sr. Vaz Preto que não se ouviu.)
N’um districto que dá cinco deputados, vencer o digno par apenas em dois circulos, talvez que seja pouco para as suas ambições politicas, para a sua influencia eleitoral, para as suas aspirações de predominio politico n’aquelle districto. E n’esse caso não direi que a sua derrota foi monumental, mas é certo que illudiu as suas esperanças. O desastre foi grande e inesperado, e d’ahi vem as iras, a indignação e o rigor do digno par contra o actual ministro do reino. Confesso que muito me maguou a deserção do digno par das fileiras ministeriaes. S. exa. estava tão enthusiasmado e nas melhores disposições para acompanhar o actual ministerio quando elle se apresentou aqui, tão cheio de boa vontade quanto ás suas intenções de o ajudar na tarefa difficil que haviamos tomado, que não posso deixar de sentir a falta do apoio da sua palavra e do auxilio da sua cooperação; mas ainda assim não podiamos, para ser agradaveis a s. exa., para contemporisar com os seus desejos, abandonar os amigos politicos que tinhamos em Castello Branco, e que ali levantavam, póde ser que pela primeira vez, a bandeira do partido progressista, e reclamavam o auxilio dos seus correligionarios.
O digno par descreveu o sr. presidente do conselho n’uma situação lastimosa.
O sr. Vaz Preto acredita no espirito liberal do chefe do gabinete, nas suas excellentes intenções, confia nos seus bons desejos de sustentar os principios da sua escola, e por consequencia a liberdade eleitoral, mas apresenta-o como coacto, e sob a pressão da influencia do ministro do reino, a tal ponto que não póde fazer valer as suas aspirações. Lá estava eu ao seu lado, eu que tinha artes para illudir os seus desejos e para fazer reviver os processos eleitoraes obsoletos, empregados em tempos de ominosa memoria! Peço licença para dizer ao digno par, que fez uma grande injustiça ao sr. presidente do conselho, ao qual está confiada a alta missão de dirigir a politica do gabinete, missão que desempenha com aquella intelligencia, cordura, sisudez e admiravel bom senso que o proprio digno par lhe reconhece. Desde o momento em que eu estivesse em desaccordo com o sr. presidente do conselho e me recusasse a tomar qualquer providencia que por s. exa. me fosse indicada, v. exa. sabe, como pratico parlamentar, que eu não podia nem um momento mais sequer conservar-me n’este logar; e inclinando-me perante os deveres que me estão impostos, voltaria para as fileiras razas do meu partido, onde por muitos annos luctei ao lado dos meus camaradas.
O sr. presidente do conselho, como todos nós, nunca deixou de ter em vista os principios professados pelo nosso partido, e nutriu sempre o desejo de manter a liberdade eleitoral, no que não ha discrepancia em todo o partido progressista.
A este proposito permitta-me s. exa. que eu lhe diga que foi injustissimo para commigo confrontando as palavras que pronunciei n’esta camara, ao apresentar-se aqui o governo, com os factos que s. exa. citou, para mostrar que as minhas palavras estavam em contradicção com as obras. S. exa. foi injustissimo.
Sr. presidente, se palavras bastam, se allegações vãs são suficientes para condemnar o meu procedimento, eu tenho que curvar a cabeça diante, do digno par, e de me confessar vencido: mas se alem das allegações são necessarios factos documentados, se são necessarias provas, em uma palavra, para condemnar o proceder do governo parece-me, sr. presidente, que posso levantar a cabeça, erguel-a diante da camara, e dizer ao digno par, que não provou uma só das accusações que pronunciou contra mim.
As accusações de s. exa. não são novas, já as conhecia, já as tinha lido em alguns jornaes que combatem a politica do gabinete. Essas accusações desacompanhadas provas podem produzir na imprensa um tal ou qual effeito, mas aqui n’esta casa do parlamento, aonde se assentam as primeiras summidades do paiz, os mais illustrados representantes de todas as classes, aqui o effeito não póde ser o mesmo, pois que se não póde apresentar uma questão sem ser devidamente comprovada; aqui é preciso que os que accusam o governo com a consciencia, tragam na mão as provas do que affirmam.
Sr. presidente, alludiu tambem o digno par á transferencia do concelho de Penamacor para os effeitos da contribuição industrial. Não está presente o meu collega da fazenda, o que sinto, pois poderia melhor do que eu assegurar ao digno par que no seu procedimento apenas se limitou a conformar-se com a opinião dá consulta do procurador geral da coroa, não fazendo mais do que assignar as conclusões d’essa consulta.
Sr. presidente, eu já disse na outra camara, e folgo de o poder repetir aqui: não affirmo nem sustento que as eleições de 1879 representem o ideal do partido progressista, nem que fossem feitas perfeitamente em harmonia com as minhas aspirações e com os meus desejos. Não o podia fazer, porque me era indispensavel reformar a legislação administrativa, e isso só o podia fazer perante o parlamento. Se este ministerio, ao apresentar-se ao parlamento, não tivesse encontrado logo uma maioria hostil, poderia ter emprehendido uma reforma; mas nas condições em que encontrou a maioria, não. Dentro, porém, da lei existente, e tanto quanto ella o permitte, eu asseguro á camara categoricamente, que a liberdade eleitoral foi respeitada e mantida em todos os districtos do reino, e emquanto se não formularem accusações positivas, e sobretudo fundamentadas, posso repetir, alto e bom som, que a liberdade eleitoral não soffreu em nenhum circulo do paiz, e continuarei a repetil-o até que o digno par me prove que esta minha asserção não é verdadeira, pois no momento em que o faça, desde .que me apresente provas, eu serei o primeiro a confessar que pequei. D’outra fórma não.
Parece-me que estou perfeitamente no caso de pedir, uma, e muitas vezes, as provas das allegações que se me fazem e emquanto essas provas se não apresentarem, posso asseverar que não tenho remorso algum a accusar-me de ter offendido as leis e a liberdade eleitoral.
(O orador não reviu este discurso.)
O sr.- Presidente: — Vae ler-se uma mensagem, que acabo de chegar á mesa, vinda da outra camara.
Leu-s6 na mesa o seguinte:
. Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição, que tem por fim approvar o contrato provisorio celebrado entre o governo e a companhia dos caminhos de ferro da Beira Alta, para a construcção do caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz.
Foi remettido ás commissões de obras publicas e de fazenda.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da interpellação do sr. Vaz Preto, o finda ella entrará em discussão o parecer n.° 23.
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Ficam inscriptos os srs. Fontes e Vaz Preto.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 24 de fevereiro de 1880
Exmos. srs.: Duque d’Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Pombal, de Vallada; Condes, de Avilez, de Bertiandos, de Cabral, de Castre, do Farrobo, de Fonte Nova, de Linhares, de Rio Maior, da Torre, de Valbom, de Gouveia, da Louzã, da Ribeira Grande; Bispos, eleito do Algarve, de Lamego; Viscondes; de Algés, de Bivar, de Ovar, de Seabra, do Seisal, da Silva Carvalho, de Borges de Castro, de Alves de Sá, de Chancelleiros; Barão de Ancede; Ornellas, Quaresma, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Xavier da Silva, Palmeirim, Canos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Margiochi, Costa Lobo, Fortunato Barreiros, Mendonça Cortez, Mexia Salema, Andrade Corvo, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bustos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mello e Gouveia, Camara Leme, Luiz de Campos, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Couto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Seiça e Almeida, Thomás de Carvalho, Fontes Pereira de Mello, Continuo cio Macedo, Barjona de Freitas.