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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 16

EM 9 DE JUNHO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Sr. Antonio Costa apresenta o parecer da commissão de verificação de poderes relativo aos requerimentos em que os Sr. Simões Margiochi e Telles de Vasconcellos pedem que lhes seja reconhecido o direito de entrarem nesta Camara como successores de seus paes. - O Digno Par Sr. F. J. Machado participa achar-se constituida a commissão de guerra, manda para a mesa o parecer da mesma commissão sobre o projecto de lei que fixa a força do exercito, pede autorização para que as commissões de guerra e fazenda possam reunir-se durante a sessão e refere-se novamente a assuntos respeitantes á administração do Hospital Real das Caldas da Rainha, concluindo por pedir que seja feita uma syndicancia aos actos da mesma administração. O Sr. Presidente do Conselho responde ao Digno Par que o Governo não tem duvida em mandar proceder a essa syndicancia. - O Digno Par Sr. Luciano Monteiro pede explicações ao Governo sobre algumas clausulas do programma de concurso para adjudicação do Real Theatro de S. Carlos. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho.

Ordem do dia. - Eleição de commissões. - São eleitas as de obras publicas e negocios externos. - O Digno Par Sr. Baracho apresenta uma representação da classe dos manipuladores de tabacos de Lisboa e Porto, e pede a sua publicação no Diario do Governo. A Camara concede esta autorização.- O mesmo Digno Par refere-se ao texto d'aquella representação, a alguns actos praticados ultimamente pela policia, ao emprestimo contratado em Paris pelo Sr. Ministro da Fazenda, e á projectada acquisição de navios de guerra. Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa declara querer occupar-se de alguns assuntos coloniaes logo que esteja presente o Sr. Ministro da Marinha, e que emquanto S. Exa. não chega vae tratar de outros assuntos, taes como a representação dos manipuladores de tabacos e a crise do Douro. Tendo entrado na sala o Sr. Ministro da Marinha, o orador trata da situação financeira das nossas colonias, sobretudo do aggravamento de verbas no orçamento da provincia de Moçambique. Responde-lhe o Sr. Ministro da Marinha.-- O Digno Par Sr F. J. Machado apresenta o parecer da commissão de guerra sobre o projecto de lei relativo aos sargentos da guarda fiscal. - O Digno Par Sr. José de Azevedo faz diversas considerações sobre a acquisição de navios de guerra. Responde-lhe o Sr. Ministro da Marinha. - O Digno Par Sr. Baracho refere-se á resposta que lhe fôra dada pelo Sr. Ministro da Justiça, e ás explicações que o Sr. Ministro da Marinha acabara de dar á Camara. É levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 23 Dignos Pares.

Foi lida a acta da sessão anterior, e approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Mensagem da camara dos Senhores Deputados acompanhando o projecto de lei que tem por fim dar ingresso no quadro aduaneiro ou no quadro especial da guarda fiscal aos sargentos ajudantes e primeiros sargentos d'esta guarda.

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados acompanhando o projecto de lei que tem por fim autorizar a cunhagem e emissão de 300 contos em moeda de prata commemorativa do 1.° centenario da guerra peninsular.

Officio do Ministerio da Marinha sobre um pedido de documentos feito pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

O Sr. Antonio Costa: - Mando para a mesa, por parte da commissão de verificação de poderes, os pareceres sobre os requerimentos em que os Srs. Simões Margiochi e Joaquim Telles de Vasconcellos pedem lhes seja reconhecido o direito de tomarem assento nesta Camara como successores de seus paes.

Foram a imprimir.

O Sr. Francisco José Machado : - Em primeiro logar devo communicar a V. Exa. e á Camara que se acha constituida a commissão de guerra, a qual escolheu o Digno Par Sr. Francisco Maria da Cunha para seu presidente, e a mim me deu a honra de me nomear secretario.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa o parecer da mesma commissão sobre a fixação da força publica.

Peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que se

reunam as commissões de guerra e fazenda durante a sessão, para darem parecer sobre o projecto de lei que promove os sargentos da guarda fiscal ao posto de alferes.

E agora que estou com a palavra direi tambem da minha justiça.

Lembram-se V. Exa. e a Camara de que, na sessão de 3 do corrente, me referi a um corte de arvores que se estava fazendo na mata do Hospital Real das Caldas da Rainha, e de que verberei com a maior indignação esse enormissimo vandalismo.

Procedi assim porque tinha recebido informações seguras de pessoas competentes, que, ou por cartas, ou de viva voz, chamaram a minha attenção sobre esses estranhos factos.

Fui benevolo na apreciação que então fiz.

Disse que nenhuma má vontade me demovia contra o administrador do Hospital das Caldas, e que o unico motivo que me impulsionava era o grande amor que tenho áquella terra, porque foi o circulo que, com grande dedicação e

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muitos sacrificios, primeiro me trouxe ao Parlamento.

Assim, pois, entendi e entendo que não devo recusar áquella localidade os serviços que de mim precise.

Repito, foi unicamente este intuito que me levou a defender os interesses das Caldas da Rainha.

Tratava-se de um acto de vandalismo, e da sua existencia não podia nem posso eu duvidar, pois me era communicado por cartas e informações de amigos meus, pessoas do maior credito e consideração.

Essas cartas aqui as tenho presentes sobre a minha carteira, e d'ellas pode tomar conhecimento a Camara, se quiser.

Nunca na minha vida faltei á verdade. E tenho tido sempre o maior cuidado em assumir todas as responsabilidades dos actos que pratico, se alguem me pede contas sobre elles.

Condemno todo o homem que não proceda por modo igual.

Este conselho tenho eu dado muitas vezes a meu filho.

Mas, Sr. Presidente, foi com grande surpresa que eu vi no Seculo de hoje uma carta do administrador do Hospital Real das Caldas da Rainha, na qual diz que as informações por mim communicadas ao Parlamento eram mentirosas.

Nestes termos, não posso deixar de levantar a questão no mesmo terreno em que a apresentei, que é aquelle onde se ventilam os negocios relativos á administração dos estabelecimentos do Estado.

Um funccionario publico é accusado, por informações fidedignas, de ter commettido erros de administração. Elle vem dizer em publico que essas informações são mentirosas. É, portanto, indispensavel que os factos se apurem á luz do dia em toda a sua evidencia.

Se eu tivesse mentido na primeira tribuna do meu país, em frente dos meus collegas, seria indigno de estar aqui.

Posso divergir das opiniões dos meus collegas, mas tenho por elles muito respeito, consideração e estima, e não tenho menos respeito por mim proprio, nem sou menos zeloso da minha dignidade do que elles.

Falei convicto de dizer a verdade, porque dou inteira fé ao testemunho dos meus informadores.

E nada acrescentei de motu proprio ao que elles me disseram.

Alem das cartas que já li na sessão de 3 do corrente, posso asseverar á Camara que ainda hoje este vê em minha casa um cavalheiro que veio das Caldas da Rainha e me affirmou que as arvores abatidas estão vandalicamente patentes nas das da mata.

Ha dias passou nas Caldas um redactor do Seculo que as viu nesse estado e se indignou, chegando a dizer que ia tratar do assunto, porque representava uma verdadeira atrocidade.

Pessoas de todo o ponto autorizadas, e que me merecem o maior credito e consideração, asseveram-me que os factos que me referiram e aqui tenho exposto são a inteira expressão da verdade.

Sr. Presidente: eu não prescindo de que o Sr. Presidente do Conselho ordene uma syndicancia sobre esses factos e todos os que dizem respeito á actual administração do Hospital Real das Caldas da Rainha.

É preciso apurar quem mentiu ou falou verdade respectivamente a um tão importante ramo de serviços publicos.

Portanto, insisto em que seja ordenada uma syndicancia á administração do Hospital Real das Caldas da Rainha, na qual eu continuo a affirmar se teem commettido irregularidades, tanto na applicação dos dinheiros publicos, como nos diversos serviços d'aquelle estabelecimento.

Quando aqui tratei, o anno passado; da administração do Hospital das Caldas, tive o cuidado de não pedir uma syndicancia.

Com a nomeação de uma commissão de homens competentes para estudar os melhoramentos a introduzir no referido estabelecimento reconheceu o Sr. Ministro do Reino a necessidade de melhorar a situação desleixada em que aquelle hospital se encontra.

Isso me bastou por então.

Agora o caso é differente. Trata-se da necessidade de um immediato desaggravo á opinião publica, e por isso peço ao Sr. Ministro do Reino que mande proceder a uma syndicancia, não só para que se apurem os factos que especializei, mas tambem todos quantos digam respeito á administração d'aquelle hospital.

É uma exigencia muito attendivel, e parece-me que as circunstancias abonam completamente o pedido que acabo de formular.

Eu havia-me apressado a declarar que nenhuma má vontade existia da minha parte contra o administrador do hospital, e assim é; mas não renuncio ao desejo de que áquella administração entre nas verdadeiras normas, e de que os dinheiros publicos sejam administrados com economia, o que não tem acontecido até hoje.

É o meu direito e até o meu dever, como membro do Parlamento.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu}.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Pedi a palavra para dizer ao Digno Par que, segundo creio, a commissão a que S. Exa. se referiu ainda não deu por terminados os seus trabalhos.

Mas não tenho duvida nenhuma em mandar proceder a uma syndicancia.

O meu maior desejo é que se apure a verdade.

(S. Exa. não reviu.)

O Sr. Francisco José Machado: - Agradeço, muito reconhecido, a resposta do Sr. Presidente do Conselho, porque desejo, como S. Exa., que se faça toda a luz sobre este assunto.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Francisco José Machado requereu que as commissões de guerra e fazenda pudessem reunir-se durante a sessão. Os Dignos Pares que approvam este requerimento tenham a bondade de levantar se.

Foi approvado.

O parecer mandado para a mesa pelo mesmo Digno Par Sr. Francisco José Machado foi a imprimir).

O Sr. Luciano Monteiro: - Sr. Presidente: vou occupar-me novamente da questão do programma de adjudicação do Theatro de S. Carlos, por não ter attingido bem o alcance das explicações que, sobre o mesmo assunto, me foram dadas pelo Sr. Presidente do Conselho.

Esse programma, que foi publicado na Folha Official, contem diversas clausulas que não podem ser alteradas, de sorte que quem ficar com o theatro tem de sujeitar-se-lhes.

Ha, porem, uma que constitue o motivo de preferencia na adjudicação: é a que diz respeito á valorização das despesas a fazer com as obras da installação electrica, ás quaes, aliás, se marca o maximo custo.

Normalmente, em taes concursos, se se verifica a hypothese de dois, tres ou quatro concorrentes offerecerem a mesma quantia, abre-se licitação verbal, em que cada concorrente offerece o que entende, sem limitação alguma.

Aquelle que offerece mais é que se adjudica a empresa.

Neste concurso, porem, dá-se o caso estranho de fixar-se o maximo da licitação, isto é, da valorização das obras de installação electrica, que é feita á custa do adjudicatario.

Qual o motivo, Sr. Presidente, por que se trazem para o caso as obras de installação electrica, se ella é feita á custa do adjudicatario e sem que o Estado para ella concorra com um real que seja?

Sendo, pelo programma, motivo de preferencia o menor valor attribuido pelos concorrentes á installação electrica, perguntarei:

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Se dois ou mais concorrentes valorizarem as obras em zero - limite da desvalorização em face da forma como está redigido o programma e da possibilidade juridica - qual será o preferido?

Outra pergunta, Sr. Presidente: se a installação electrica é feita por conta do adjudicatario, que alcance se pode attribuir á clausula 14.ª do programma, onde se diz que as facturas dos materiaes para as obras da referida installação serão verificadas pelo Ministerio das Obras Publicas? Se o adjudicatario tem a mais ampla liberdade de acção para adquirir os materiaes da installação, sem que, com isso, nada tenha o Governo, qual é o fim, a vantagem ou o pensamento que presidiu á exigencia das facturas serem verificadas pelo Ministerio das Obras Publicas?

Já ouvi dizer que esta verificação tinha por fim apurar se o excedente da valorização, que tem de ser entregue ao Governo e empregado em melhorias do theatro, era ou não exacto.

Não creio, porem, que seja esse o sentido da clausula.

Desejo que o Sr. Presidente do Conselho informe a camara sobre se esta questão da verificação das facturas é apenas uma excrescencia do programma.

No caso de o candidato valorizar, por exemplo, a installação em 3 contos de réis, terá que dar ao Estado 6 contos de réis, que é a differença para os 9 contos de réis que o programma estabelece como limite da valorização.

O adjudicatario é obrigado a pagar esses 6 contos de réis no momento da assinatura do contrato ou conserva-os até mais tarde?

A este respeito o programma é omisso.

Eu entendo que a quantia deve ser paga precisamente no momento de assinar-se o contrato.

No caso contrario, qual a garantia com que fica o Governo?

Outro ponto:

O funccionamento de uma empresa theatral está sujeito á contribuição industrial, que incide sobre duas categorias de pessoas: sobre o empresario e sobre os artistas. A lei impõe ao empresario a responsabilidade pela contribuição industrial correspondente aos artistas, de quem elle é o primeiro fiador para com o Estado.

Por effeito do programma, o empresario fica sujeito a essas disposições tributarias, ou cria-se algum beneficio em seu favor? Não é quantia insignificante.

A quasi totalidade dos artistas que constituem a companhia do Theatro de S. Carlos são estrangeiros e, justamente na occasião em que deveriam pagar essas contribuições, estão fora de Portugal.

Ora, as nossas estações fiscaes não se encontrarão em condições de exigir taes pagamentos a artistas que podem então estar espalhados pelos mais diversos países do mundo.

Como garantir, nesse caso, o pagamento da contribuição industrial dos artistas?

Qual a caução? Qual a fiança d'esse pagamento exigido pelo Governo ao adjudicatario?

Taes as perguntas a que desejo obter resposta.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Eu estava bem longe de suppor que o contrato do Theatro de S. Carlos pudesse ser assunto para occupar duas sessões.

O Sr. Luciano Monteiro: - Se houvesse mais algum assunto a discutir...

O Orador : -- Eu ouvi em silencio o Digno Par, por isso tenho direito a que S. Exa. me ouça da mesma forma.

Da outra vez que S. Exa. se referiu ao contrato do Theatro de S. Carlos, passou-me um attestado pouco lisonjeiro.

Agora sou eu o primeiro a affirmar que realmente não tenho a intelligencia precisa para responder prontamente a todas as interrupções que o Digno Par queira fazer-me.

Sr. Presidente: tinha-se negociado um contrato que eu suppunha mais vantajoso que qualquer outro.

Como, porem, se dissesse que esse contrato era contrario alei, e como eu só desejo que a lei se cumpra, pôs-se de parte esse contrato e abriu-se o concurso, estabelecendo-se nelle, tanto quanto possivel, as mesmas condições. Copiou-se ipsis verbis o que, sem inconveniente, podia copiar-se.

Era para o Governo questão principal que a luz electrica no theatro se installasse por conta do empresario, porque, segundo informações officiaes, os apparelhos electricos que existiam achavam se em estado tal que se não podia continuar a fazer uso d'elles; e uma nova installação importaria em cerca de 41 contos de réis.

Nestas condições, se o Governo obtivesse a installação dentro da quantia de 9 contos de réis, teria feito uma grande economia, libertando assim o Estado de mais despesas, que em alguns annos attingiram, só em concertos, muito perto de 9 contos de réis.

Foi por isso que se estabeleceu que seria preferido aquelle dos concorrentes que, por menor preço, realizasse as obras da installação electrica.

Se houver quem valorize as obras em zero, será preterido por quem as valorizar em menos um.

A fiscalização das facturas não pode ter o fim a que se referiu o Digno Par.

Ella de forma alguma pode prejudicar os concorrentes, e por isso se copiou do contrato negociado.

A quantia que o adjudicatario offerece ao Estado ser-lhe-ha exigida quando o Governo entender.

Se o Governo fará bom ou mau uso d'esta faculdade é uma questão que só pode ajuizar-se pelo grau de confiança que no Governo tiver o julgador.

Mas, francamente, estar sempre a duvidar da honestidade dos Governos é assaz desagradavel para quem faz o sacrificio de acceitar a missão de governar, e já não pouco tem custado essa duvida ao nosso credito de país civilizado.

O Sr. Luciano Monteiro: - Peço a palavra.

O Orador: - V. Exa. está no seu direito; e nem eu pedi a V. Exa. a sua benevolencia, nem posso estranhar o contrario.

O Digno Par, com quem mantenho as melhores relações de amizade, deve comprehender que, se alguma das suas palavras me não tivesse maguado, eu não teria respondido com certa vivacidade.

Aprecio muito os discursos do Digno Par, e tenho muito gosto em responder-lhe, mas, francamente, parece-me que temos Theatro de S. Carlos a mais. (Apoiados).

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Não se admire V. Exa. Em se tratando de cantoras ou cantores os homens perdem a cabeça.

O Orador: - Mas eu é que não estou já em idade de apreciar o genero. (Riso).

Uma outra pergunta fez o Digno Par.

Responderei que, segundo o contrato, não ha isenções de contribuição como até aqui tem havido para todas as empresas: nem era preciso falar-se nisso nas condições do concurso. Se a intenção do Governo fosse conceder essa isenção, é que era necessario mencioná la, como nos ultimos contratos se mencionara.

Por ultimo tenho que dizer ao Digno Par que me esperam na outra Camara para responder a um aviso previo sobre instrucção publica.

Se o Digno Par entende que a questão do Theatro de S. Carlos é de tal

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maneira importante que exige a continuação da minha estada nesta Camara, aqui permanecerei; mas se S. Exa. não tem duvida em declarar que a instrucção publica está muito acima d'este minusculo assunto, peço licença para me retirar.

O Sr. Luciano Monteiro: - V. Exa. pede com tão bonito modo...

O Orador (concluindo): - É o que, por agora, se me offerece dizer ao Digno Par.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Luciano Monteiro: - Pela minha parte concordo em que V. Exa. se ausente, mas com a condição de fazer justiça ás minhas intenções.

Eu não tive o intuito de ser desagradavel a V. Exa., e creio que não pronunciei palavra que offendesse a sua situação moral.

O que desejo é que V. Exa. me não attribua propositos que não alimentei.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro o Reino (Ferreira do Amaral): - Desde que V. Exa. declara que não teve o intuito de me ser desagradavel, eu só tenho a dizer que interpretei mal as suas palavras.

Sr. Presidente: - Consenti que passasse a hora de se entrar na ordem do dia porque ha apenas que eleger commissões.

Não desejo que o facto fique como precedente e, em todo o caso, peço á Camara que me dê um bill de indemnidade que me releve a falta commettida.

Pode entrar-se já na ordem do dia, elegendo-se duas commissões e falando em seguida os Dignos Pares que estão inscritos, ou ao contrario, pode ficar essa eleição adiada para depois de esgotada a inscrição.

A camara resolverá.

Os Dignos Pares que são de opinião que se deve proceder immediatamente á eleição de commissões, e dar-se em seguida a palavra aos oradores inscritos, tenham a bondade de se levantar.

(Depois de verificar a votação).

Está approvado.

Depois de eleitas as commissões, permittirei que falem os Dignos Pares inscritos até ás cinco horas e meia, se porventura a Camara não resolver que se prorogue a sessão.

O Sr. Sebastião Baracho: - Na duvida mando já para a mesa uma representação dos operarios manipuladores de tabacos, que está nos devidos termos, e peço a sua publicação no Diario do Governo.

0 Sr. Presidente: - Logo consultarei a Camara a esse respeito. Convido os Dignos Pares a formularem-as suas listas para a eleição das commissões de obras publicas e negocios externos.

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

Fez-se a chamada e procedeu-se a votação.

O Sr. Presidente: - Convido os Dignos Pares Srs. Alexandre Cabral e Arthur Hintze Ribeiro a servirem de escrutinadores.

Procedeu-se ao escrutinio relativamente á commissão de obras publicas.

O Sr. Presidente: - Para a commissão de obras publicas entraram na uma 22 listas, e ficaram eleitos por outros tantos votos os Dignos Pares:

José Maria de Alpoim.
Luciano Affonso da Silva Monteiro.
Antonio Eduardo Villaça.
Marquez de Avila e Bolama.
Luiz Antonio Rebello da Silva.
D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio.
Frederico Ressano Garcia.
Francisco Felisberto Dias Costa.
Bernardo de Aguiar Teixeira Cardoso.
Antonio Teixeira de Sousa.
José de Azevedo Castello Branco.
Jacinto Candido da Silva.

Procedeu-se ao escrutinio relativo á commissão de negocios externos.

O Sr. Presidente: - Para a commissão de negocios externos entraram na uma 22 listas, sendo uma branca. Ficaram eleitos por 21 votos, cada um, os seguintes Dignos Pares:.

Arcebispo de Calcedonia.
João Marcellino Arroyo.
Fernando Mattozo Santos.
Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Francisco Felisberto Dias Costa.
Antonio Eduardo Villaça.
Antonio de Sousa e Silva Costa Lobo.
Luciano Affonso da Silva Monteiro.
Marquez de Penafiel.
Conde de Sabugosa.
Conde de Figueiró.
Eduardo Montufar Barreiros.

Pausa.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Sebastião Baracho mandou ha pouco
Para mesa uma representação dos operarios manipuladores de tabacos e pediu que essa representação seja publicada no Diario do Governo.

A representação não foi lida, mas S. Exa. declarou que ella está nos devidos termos e eu, confiando na declaração de S. .Ex.a, consulto a Camara sobre se permitte que a mesma representação seja publicada no Diario do Governo.

(Consultada a Camara, resolveu affirmativamente).

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. José de Azevedo tinha pedido a palavra na sessão anterior para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Marinha, e como S. Exa. anão está presente, vou dar a palavra ao Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Tem S. Exa. a palavra.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: ha pouco mandei para a mesa uma representação, cuja inserção pedi, e foi concedida, no Diario do Governo. Convem, porem, inseri-la tambem nos Annaes, o que faço agora, nos devidos termos 1.

Da narração feita, dois pontos ha especialmente a fixar, por terem nos ultimos dias experimentado modificações: - o que diz respeito aos 22 operarios que solicitaram a reforma, dos quaes oito ainda não foram attendidos, com prejuizo manifesto da lei; e o concernente á contribuição annual, por parte do Governo, de 10 contos de réis, para melhoria das reformas dos mesmos operarios.

Esta verba deixou de ser satisfeita, modernamente, sob o pretexto de não estar incluida no orçamento. Depois, e não obstante a sua não inclusão orçamental, voltou a ser satisfeita regularmente.

Para evitar futuras e nocivas intermittencias, insto por que ella seja exarada, consoante é de lei, no orçamento do Estado.

Quanto aos oito operarios, ainda não attendidos, que solicitaram a reforma e a ella teem direito, é de justiça elementar que o Sr. Ministro da Fazenda os reforme quanto antes.

Acêrca das questões constantes da representação a que me estou referindo, e bem assim de outros negocios em que a Companhia dos Tabacos goza de favores, accentuadamente dolosos para o Estado, proponho-me a versá-los num dos proximos dias. Então se evidenciará mais uma vez quão acertados foram os meus vaticinios, por occasião de se discutir o ultimo contrato dos tabacos.

Nesse intuito, peco a qualquer dos Srs. Ministros, que estio presentes, que se digne informar o seu collega da Fazenda, para aqui comparecer numa das

1 Este documento vae adeante publicado.

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proximos sessões. Identico pedido faço referentemente aos Srs. Presidente do Conselho e Ministro do Reino.

A ditadura policial continua a fazer-se sentir, por forma tão insupportavel e amesquinhadora, que eu tenho de chamar de novo á autoria o Sr. Presidente do Conselho, o que não obsta a que, neste momento, lavre o meu protesto contra os desmandos, atropelos e violencias que se continuam praticando.

Na ultima sessão insurgi me contra a ignara pretensão do chefe da policia administrativa se arvorar illegalmente em censor dramatico. Agora, condemno com a maxima energia, o que se está praticando contra os direitos individuaes dos cidadãos.

Conforme é notorio, muitos teem sido, nos ultimos dias, os detidos, cuja incommunicabilidade se não justifica, nem sequer se desculpa. Não é admissivel que se persigam innocentes, com o objectivo de descobrir criminosos.

Muito teem decaido os homens publicos, com o decorrer do tempo.

Os estadistas, nossos ascendentes, não careciam de odiosas leis de excepção, nem de Bastilhas inquisitoriaes, para ordenadamente orientarem a existencia nacional. Na actualidade, appella-se para os recursos mais deprimentes e despoticos, a fim de amparar a ordem, que periclita naturalmente, perante tão debil apoio.

Só a liberdade e o cultivo do legalismo podem normalizar o viver do país. Affirmo-o com tanto ou mais desassombro quanto é cerro que o actual Governo se encontra, porventura, em condições de ser recommendada a sua conservação, pela simples circunstancia de lhe poder succeder outro ainda peor.

Mas não é licito que elle abuse d'esta complacencia, pela maneira como o está fazendo, e de que é prova indiscutivel o que está succedendo no jornal O Mundo.

A titulo de organização de cadastros estão sendo vexados os typographos e outros empregados d'aquelle jornal, que teem sido compellidos a romarias quotidianas ao governo civil.

Attenuante alguma ha a consignar, moderadora de semelhante procedimento contra homens honestos e trabalhadores, sobre quem se faz, aleivosamente, insidir suspeições que não merecem.

O regimen em que nos encontramos é, positivamente, do terrorismo em acção.

Em Espanha, neste momento, faz-se campanha energica e geral contra as pretensões manifestadas ali pelos poderes publicos, de amordaçarem a imprensa e de reduzirem á servidão os cidadãos recalcitrantes contra as exigencias autocraticas dos dominantes. Entre nós esse perverso estado de deprimencia subsiste ha annos, sendo Bina das suas mais abominaveis escoras o decreto scelerado de 19 de setembro de 1902, cujo artigo 1.° começa por estas expressivas palavras:

Artigo 1.° É incumbida em todo o continente do reino ao juiz de instrucção criminal de Lisboa, immediatamente subordinado ao Ministerio dos Negocios do Reino, para os effeitos d'este regulamento ......................

E segue-se a enumeração de todos os actos, mais ou menos abjectos, em que a suspeição, a delação e a espionagem teem a primazia, sob a superintendencia directa do Ministerio do Reino.

É, portanto, o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino o principal responsavel pelas perseguições e outras violencias commettidas pela policia.

Em presença do desprezo official pelas leis, até das classificadas de excepção, a reacção está naturalmente indicada, alvejando, preferentemente, os mandantes mais graduados.

É essa a minha maneira de proceder, amoldada por factos anteriores, e que continuarei a tornar effectiva, sempre que tenha de desforçar-me de quaesquer vexames ou arbitrariedades policiaes.

Aos cidadãos incommodados e perseguidos está naturalmente recommendado este desagravo, como unico susceptivel de apropriadamente corrigir a tyrannia policial e quejanda.

O que é inadmissivel, o que não é toleravel, é que a policia preventiva, a mais repugnante e abjecta de todas as policias, se arvore em organizadora de cadastros, cuja elaboração nunca lhe pode pertencer, quando se trate do relacionamento de individuos probos e dignos, como são es que ella tem chamado á sua presença, distrahindo-os do trabalho honesto que exercem no jornal, não menos honesto, como é, indubitavelmente, O Mundo.

Não é com torpes expedientes d'estes, por certo, que serão engrossadas as fileiras dos que ainda pontificam na ara das instituições.

Sob o ponto de vista financeiro, as desillusões não devem ser menos numerosas.

A operação onzeneira, a 7 por cento, realizada ultimamente em Paris, com a caução illegal do monopolio dos fosforos, dá ideia de quão arrastada se encontra a Fazenda Publica.

Com as Côrtes funccionando, o Governo não vacillou em não as consultar, refugiando-se, para praticar o acto improprio que praticou, em antecedentes condemnaveis, que nunca poderiam servir de incitamento na vigencia de uma
administração mediana e honestamente regular.

Em processos d'esta indole, o Sr. Espregueira é um reincidente, cuja cura só poderia encontrar-se na sadia therapeutica de uma lei de responsabilidade ministerial que tal nome merecesse.

Por seu turno, si vera est fama, o Sr. Ministro da Marinha encontra-se engajado na acquisição de navios, em condições deploraveis para o credito nacional. Attenta a circunstanciado Digno Parar. José de Azevedo Castello Branco ter declarado que ia versar este assunto, não o farei neste momento. Reservo-me, todavia, para o tratar quando para isso se me offerecer occasião, porque elle bem o merece.

É fora de duvida que, conjugadas todas as reflexões que tenho feito, ellas denotam e indicam o mal estar em que melindrosamente se encontra o país. Só esta circunstancia poderá ter influenciado para que o Governo tenha sido tão poupado, quanto o está sendo, perante os seus incessantes desacertos e constantes ataques á liberdade e ao legalismo.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: começo por declarar a V. Exa. e á camara que Sua Majestade El-Rei recebe a deputação que vae apresentar-lhe o projecto de resposta ao Discurso da Coroa, na proximo quinta feira pelas duas horas da tarde.

Feita esta communicação, devo dizer, em primeiro logar, que participarei aos Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Marinha as considerações do Digno Par.

Mas um ponto ha, nas considerações de S. Exa., a que desejo responder.

Tem sido, e continuará a ser, norma principal d'este Governo o cumprimento estricto da lei.

Assim, continuará invariavelmente a dar as instrucções mais precisas e categoricas para que se cumpra a lei sem violencias sim, mas tambem sem tibiezas.

O Governo tem dado as mais terminantes ordens para que quaesquer prisões que hajam de ser feitas o sejam unicamente em harmonia com a lei, regulamentos policiaes e disposições de toda a organização judiciaria.

São estas as ordens dadas pelo Governo e posso garantir que teem sido fielmente cumpridas.

Communicarei, entretanto, as considerações de S. Exa. ao Sr. Ministro do Reino.

Alludiu tambem o Digno Par ao cadastro a que se está procedendo.

Esse cadastro, devo dizê-lo, tem um fim meramente administrativo, e não o de vexar ninguem; taes cadastros ou

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cadastros semelhantes fazem se em toda a parte, e nunca ninguem se sentiu por isso vexado.

Era isto o que me cumpria accentuar desde já ao Digno Par Sr. Dantas Baracho.

(S. Exa. não reviu).

Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: pedi a palavra na occasião em que vi presente o Sr. Ministro da Marinha, pois tenciono referir-me a um assunto muitissimo importante, que corre pela pasta de S. Exa.

Não quero increpar aquelle Sr. Ministro, nem sequer fazer-lhe quaesquer perguntas. Desejo simplesmente a presença de. S. Exa. para lhe pedir que me ouça sobre um assunto que é de capital importancia.

Ora, como é possivel que o Sr. Ministro da Marinha esteja nos corredores da Camara, e como sei que o Digno Par Sr. José de Azevedo deseja tratar com S. Exa. um assunto tambem de alta importancia, peço ao Sr. Presidente a subida fineza, de ordenar que, áquelle illustre Ministro, seja participado o meu desejo.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Já mandei prevenir o Sr. Ministro da Marinha, que se encontra na outra Camara, dos desejos dos Dignos Pares

O Orador: - Emquanto S. Exa. não vem, referir-me-hei a outras questões, que são tambem importantes.

Uma d'ellas é relativa aos operarios da Companhia dos Tabacos.

Sei que é precaria a situação d'esses operarios e que lhes assiste todo o direito nas suas reclamações; mas não posso, infelizmente, versar um tal assunto na ausencia do Sr. Ministro da Fazenda.

Desejo tambem tratar da questão do Douro.

Sobre este assunto tenho estado silencioso, e propositalmente, por saber que em Lisboa se encontra uma numerosa commissão de representantes do Douro, e por saber tambem que está fixada para hoje uma reunião de Pares e Deputados, que, juntamente com aquella commissão, se occuparão do assunto.

Entretanto direi que a questão do Douro é grave, gravissima, e que está cercada de taes perigos que me abstenho de os referir.

(Entra na sala o Sr. Ministro da Marinha).

Sr. Presidente: já posso agora referir-me á situação, que reputo gravissima, em que se encontram as nossas colonias, pelo que toca ao seu estado financeiro.

Só a provincia de Angola deve 3:000 contos de réis. Pergunto: Como sair de uma tão grande difficuldade, que se desenha ainda com maior aggravamento?

A provincia de Moçambique, cujo saldo positivo se calculava, em 561 contos de réis, não tem saldo algum.

De quem é a culpa de tudo isto?

Segundo as minhas informações, prepara-se, na provincia de Moçambique, um orçamento em que as despesas são enormemente aggravadas, por forma que não se coaduna com a situação financeira d'aquella provincia., nem com a situação financeira da metropole.

Trata-se, como a Camara comprehende, de um assunto grave e melindrosissimo, pelo que peço instantemente ao Sr. Ministro da Marinha que intervenha por maneira decisiva e energica, chamando, por exemplo, a si o orçamento da provincia de Moçambique, e revendo-o cuidadosamente.

Sr. Presidente: segundo a actual organização administrativa da provincia de Moçambique, o Conselho do Governo, a cuja installação nem sequer faltou o cerimonial de um discurso da Coroa e do [...] da Carta, devia ter organizado até 15 de março o orçamento da provincia, a fim de o enviar ao Governo.

Pois precisamente na epoca em que o orçamento já devia estar votado pelo Conselho de Governo, nem sequer ainda este começara a sua discussão!

Assim, o orçamento não virá a tempo de ainda poder ser conscienciosamente versado pelo Sr. Ministro da Marinha até 30 de junho, salvo se S. Exa. mandar sustar o que a tal respeito se está fazendo em Moçambique, e ordenar que esse orçamento não seja executado nem executorio sem serem ouvidas as estações competentes e sem que o Sr. Ministro tenha conscienciosamente revisto o mesmo orçamento.

Sr. Presidente: para mostrar o que em materia de organização orçamental se está fazendo na provincia d s Moçambique - e na falta de actas officiaes do Conselho de Governo- passarei a ler o que. a tal respeito, tem sido publicado no periodico O Futuro, de Lourenço Marques.

"Na sessão de 2 de maio o Sr. Dr. Saldanha propunha:

"Que o projecto de orçamento seja alterado por forma que a nenhum funccionario civil europeu, com excepção dos continuos e serventes, seja abonado vencimento mensal inferior á quantia de 20$000 réis de categoria e réis 40$000 de exercicio. O vencimento de continuos e serventes europeus será de 15$000 réis de categoria e 35$000 réis de exercicio".

E na sessão de 4 do mesmo mês "o Sr. chefe do estado maior manda para a mesa uma proposta para que seja concedida casa a determinados funccionarios do Estado mediante o pagamento mensal da quantia maxima de 45$000 réis".

Depois, na sessão nocturna de 7 de maio, a continua a discussão do capitulo da administração de justiça".

É approvada por unanimidade uma proposta do Sr. procurador da Coroa elevando a 600$000 réis a gratificação ao individuo que servir de escrivão no julgado municipal de Tete.

O mesmo Sr. procurador da Coroa propõe que o vencimento de exercicio do escrivão de direito do juizo criminal da comarca de Lourenço Marques seja elevado a 1:800$000 réis, eliminando-se a verba de subsidio de residencia.

O proponente diz que o escrivão do juizo criminal não percebe emolumentos e que elevando-se o ordenado a l:800$000 réis, l50$000 réis por mês, não se lhe dá de mais. Apesar de ficar ainda em desigualdade de circunstancias no confronto com os seus collegas da rara eivei e commercial, pois que lhe é vedado exercer o tabellionato, acha que este vencimento é bastante para viver.

O Sr. Dr. Angelo Ferreira manda para a mesa a seguinte proposta:

"Proponho que os escrivães de direito da comarca de Lourenço Marques, quer do juizo civel e commercial, quer do juizo criminal, tenham os seguinte vencimentos:

a) Vencimento de categoria 600$000
b) Vencimento de exercicio 800$000
Somma 1:400$000"

Numa sessão subsequente, a de 9 de maio, o Sr. Dr. Saldanha propõe "que nos preliminares do orçamento se insira uma disposição supprimindo o Tribunal da Relação do districto judicial da provincia de Moçambique, sendo as causas respectivas julgadas pela Relação de Lisboa".

Esta proposta é approvada por 7 votos contra 5.

O Sr. Dr. Saldanha propõe mais que "o vencimento do procurador da Coroa e Fazenda seja elevado a 4:000$000 réis".

O Sr. .Dr. procurador da Coroa propõe, e é approvado por 9 votos contra 3, que os vencimentos dos juizes das comarcas de Inhambane e Cabo Delgado sejam igualados aos dos juizes das comarcas de Quelimane e Moçambique.

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SESSÃO N.° 16 DE 9 DE JUNHO DE 1908 7

O Sr. Dr. Angelo Ferreira manda para a mesa a seguinte proposta:

"Proponho que seja criado um logar com a designação de advogado geral, que exercerá as funcções attribuidas pela reorganização dos serviços administrativos, approvada por decreto de 25 de maio de 1907, ao procurador da Coroa e Fazenda, somente como consultor nato do Governo.

O advogado geral poderá sair do quadro dos juizes ou do dos magistrados do Ministerio Publico, comprehendendo os conservadores.

Terá os vencimentos votados no orçamento para o procurador da Coroa e Fazenda; e o procurador da Coroa terá os mesmos que qualquer dos juizes da Relação do districto judicial".

Esta proposta é approvada por 10 votos contra 2, com um additamento proposto pelo Sr. Dr. Saldanha, para que não haja limitações na escolha do advogado geral.

Ainda em outra sessão, a 11 de maio, o Sr. Dr. Saldanha manda para a mesa a seguinte proposta:

"Proponho que seja estabelecido um subsidio de familia para todos os funccionarios casados, com vencimento annual inferior a 2:400$000 réis, que residirem na provincia de Moçambique com suas esposas. No caso de se tratar de funccionarios com os cursos de engenharia, agronomia, veterinaria, medicina ou direito, terão direito ao subsidio se os respectivos vencimentos annuaes não forem superiores a 3 contos de réis. Este subsidio consistirá na percentagem de 20 por cento sobre os vencimentos".

A proposta do Sr. Dr. Saldanha, modificada no sentido do subsidio só ser concedido a funccionarios com residencia de caracter permanente e apenas nas localidades recommendadas pelo chefe do serviço de saude, é approvada por 11 votos contra 1.

Entrando-se na discussão da especialidade, o Sr. Dr. Angelo Ferreira manda para a mesa a seguinte proposta:

"Proponho que as verbas dos vencimentos do governador geral sejam substituidas pelas seguintes:-vencimento de categoria, 3:600$000 réis; vencimento de exercicio, 5:400$000 réis, despesas de representação, 9:000$000 réis.
.............................

Sr. Presidente declara que, se passar a proposta, não receberá mais do que tem recebido até aqui, e por sua parte é o primeiro a concordar com a fiscalização das despesas do governador geral. Acha justo que a Fazenda faça essa fiscalização. Ao discutir a proposta, espera que o conselho se pronunnuncie com completa liberdade".

O relato da sessão de 12 de maio é assim feito pelo Futuro:

..................................

"Nesta ai tuia o Sr. Presidente declara que, tendo sido approvada a primeira parte da proposta e não a segunda, não concorda com a votação do conselho e, de acordo com o direito que lhe dá a reforma administrativa, pedirá a S. Exa. o Ministro que não seja aumentada a verba dos vencimentos consignados ao governador geral.

Na sua opinião, a fiscalização das despesas de representação do governador geral tiraria de cima d'este funccionario uma pesada responsabilidade.

Após alguma discussão sobre os vencimentos a consignar ao chefe do gabinete do governador geral, é resolvido, por proposta do Sr. Dr. Angelo Ferreira, que seja dado a esse funccionario o vencimento unico de 3:600$000 réis por anno, não tendo direito a mais alguma cousa, embora seja funccionario da classe civil ou militar.

No caso em que, como funccionario, tenha vencimentos superiores a réis 3:600$000, continuará a recebê-los, nada ganhando então pelo facto de exercer as funcções de chefe de gabinete.

Art. 2.° - Conselho do Governo:

Por proposta do Sr. H. Costa é approvado que a gratificação do secretario do Conselho do Governo seja de 600$000 réis, quando esse logar não seja desempenhado pelo official maior da Secretaria Geral.

O Sr. secretario geral propõe, e é approvado, que seja consignada a verba de 600$000 réis para gratificação por serviços extraordinarios ao pessoal da secretaria do Conselho do Governo.

É approvada, por proposta do Sr. Dr. Saldanha, a elevação, a 5 contos de réis, da verba estabelecida para acquisição e conservação de mobilia, e para expediente do Conselho do Governo, devendo tambem d'essa quantia sair a verba necessaria para acquisição de livros para a biblioteca do Conselho.

Art. 3.° - Conselho de Provinda:

A discussão d'este artigo dá logar a varias considerações sobre a maneira de remuneração dos membros do Conselho de Provincia.

Finalmente é approvada por 11 votos contra 1 uma proposta do Sr. Dr. Angelo Ferreira para que aos vogaes do Conselho de Provincia seja dada uma gratificação por cada sessão a que comparecerem, mas se houver mais de dez sessões em cada mês não vencerão senão a gratificação relativa a dez sessões".

E, finalmente, sobre as sessões de 13, 14 e 15 de maio informa o Futuro:

"O Sr. Dr. Saldanha manda para a mesa a seguinte proposta:

Proponho que no presente orçamento não sejam ampliados os vencimentos de categoria estabelecidos no anterior, com excepção dos do inspector de fazenda e do inspector das obras publicas".

O proponente explica que faz esta proposta por não desejar que sejam aumentados com caracter permanente os encargos da provincia, sem que primeiro se tenha occasião de discutir e fixar a reorganização dos quadros do funccionalismo.

Esta proposta dá logar a uma demorada discussão, sendo finalmente rejeitada por 6 votos contra 4.

.........................

Por proposta do Sr. Dr. Saldanha ér esolvido, por 8 votos contra 2, que os vencimentos do official maior não sejam superiores, na totalidade, a 2:400$000 réis, sendo approvado por unanimidade que, no caso do cargo ser desempenhado por um bacharel formado em direito, os vencimentos sejam - categoria, 700$000 réis, exercicio 2:900$000 réis.

.....................................

É então lida e approvada a proposta do Sr. chefe do estado maior para que no orçamento se consigne uma verba de 144$000 réis para gratificação de 6$000 réis mensaes a cada um dos soldados que fizerem serviço permanente na Secretaria Geral.

A proposta do Sr. Dr. Angelo Ferreira é do teor seguinte:

"Proponho que aos amanuenses da Secretaria Geral sejam attribuidos os seguintes vencimentos, sendo europeus: 240$000 réis de categoria e 620$000 réis de exercicio. Não sendo europeus, terão os vencimentos que lhes são attribuidos no orçamento vigente".

....................................

Art. 5.° - Serviços de agricultura e veterinaria 35:294$000 réis:

Este artigo é approvado juntamente com uma proposta do Sr. Dr. Saldanha, elevando a 6:000$000 réis a verba para acquisição e conservação de artigos de mobilia, impressos, expediente, etc., incluindo os instrumentos para os gabinetes do chefe da repartição, do veterinario e do entomologista".

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8 ANNAES DA CAMARA DOS DISNOS PARES DO REINO

Art. 7.° - Inspecção das Obras Publicas-12:527$000 réis:

Trava se discussão sobre os vencimentos do Sr. inspector das obras publicas, explicando S. Exa. o presidente que aquelle funccionario, cuja cooperação elle, orador, fora quem solicitara em razão dos grandes conhecimentos de S. Exa. sobre caminhos de ferro e portos, exigira apenas, ao ser-lhe pedido que viesse para Lourenço Marques, que os seus vencimentos não fossem inferiores aos dos seus subordinados. No Ministerio da Marinha assentou-se então que receberia a quantia que se acha consignada no orçamento, a qual é de facto inferior á que teem recebido e ainda recebem funccionarios sob as suas ordens.

........................................
Por 11 votos contra 1 é approvada uma proposta do Sr. Dr. Saldanha para que o vencimento do chefe da 1.ª repartição (intendente) seja igual ao votado para o official maior da secretaria geral, no caso d3aquelle cargo não ser desempenhado por funccionario habilitado com o curso de medicina".

Sr. Presidente, creio ser bastante para edificação da Camara.

Agora em relação á provincia de Angola.

Quem ignora que é difficilima a vida d'esta provincia?

Quem é que não sabe que os vencimentos aos funccionarios são pagos com muito atraso?

Quem não sabe que os representantes da Empresa Nacional caminham diariamente para o Ministerio, a exigirem o pagamento do que se lhes deve?.

Quem é que desconhece que até os proprios vendedores de medicamentos se recusam a satisfazer as requisições dos hospitaes por lhes não serem pagos os seus creditos?

Quem é que não tem conhecimento da situação afflictiva em que se encontra o commercio de Angola?

Eu peço ao Sr. Ministro que trate quanto antes de applicar qualquer remedio á situação financeira d'aquella provincia, sem o que as fallencias serão inevitaveis.

Ainda não ha muitos dias que os jornaes noticiaram que um soldado português, que heroicamente se bateu na defesa da patria, andava pelas das de Loanda, pedindo esmola, porque lhe não pagavam o pret.

Como poderá admittir-se que á sombra de um decreto que estabeleceu a descentralização administrativa da provincia de Moçambique, se aumentem consideravelmente os vencimentos dos funccionarios?

Podem objectar-me que es honorarios do funccionalismo são diminutos. Assim será; m f. s o que senão comprehende é que se fosse fazer nas colonias aquillo que é absolutamente prohibido na metropole.

Se ao Parlamento fosse trazida uma proposta que tivesse por fim o que foi deliberado no Conselho do Governo, em Moçambique, estou convencido de que todos, absolutamente todos, sem distincção de partidos, votariam contra, pelo reconhecimento em que estavam de que isso era incompativel com as nossas circunstancias financeiras.

Sr. Presidente: não ha razão para pôr em duvida a isenção do Sr. Ministro da Marinha.

Tenho a certeza de que S. Exa. procura fazer uma administração inteligente, severa e honesta, e é este convencimento que me levou a declarar, no começo do meu discurso, que só pedia a S, Exa. que mo ouvisse, para que ficasse sabendo o que se preparava na provincia de Moçambique, e para evitar que vá por deante o que se projecta, impedindo assim que a ruina financeira da provincia venha aggravar a situação da metropole.

O decreto que descentraliza a provincia de Moçambique estabelece que o orçamento tem de ser votado até 15 de marco; mas, á partida do ultimo correio de Lourenço Marques, a discussão d'esse diploma ainda não estava concluida, o que me dá a convicção profunda de que não virá a tempo de ser recebido pelo Sr. Ministro da Marinha antes de 30 do corrente mês.

Se assim acontecer, peço ao Sr. Ministro que não sanccione providencia que implique aumento de despesa.

Sr. Presidente: foi para a apresentação d'estas considerações que desejei o comparecimento do Sr. Ministro da Marinha.

Se S. Exa. entender que é de justiça o que eu acabo de ponderar, rogo-lhe que, por qualquer forma, intervenha no sentido de evitar que seja aumentada a despesa d'aquella provincia, sem que o assunto tenha corrido todos os seus tramites, por maneira a que o Governo possa assumir, completa e inteira, a responsabilidade do que se fizer.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Augusto de Castilho): - Fui avisado, na Camara dos Senhores Deputados, de que o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa pretendia versar alguns assuntos respeitantes ao ultramar.

Vim immediatamente, como era dever meu, ouvir S. Exa. e procurar responder ao que de resposta precisa.

Antes de proseguir, direi que me é grato dirigir-me a um homem que geriu com muita distincção e extraordinario brilho a pasta da Marinha. (Apoiados).

O Digno Par tem opiniões exactas e definidas no que respeita á questão colonial, e tem o seu nome vinculado a providencias muitissimo uteis para o ultramar. (Apoiados}.

Dito isto com convicção e sinceridade, e seu pompas de palavra, por que não sou orador, vou procurar responder a todos os pontos a que S. Exa. se referiu.

Disse o Digno Par que a provincia de Angola tinha um debito na importancia de 3:000 contos de réis.

Posso garantir ao Digno Par e á Camara que as dividas d'aquella provincia não excedem o total de 1:400 contos de réis.

O Sr. Teixeira de Sousa: - O Sr. Ministro dá licença que o interrompa?

(Sinal de assentimento do orador).

Não posso duvidar das palavras do Sr. Ministro; mas tambem não quero que se me attribua a responsabilidade de uma affirmação inexacta.

O que o Sr. Ministro quer dizer é que a provincia de Angola tem a pedir 1:400 contos de réis, importancia de um debito ao caminho de ferro de Malange.

O Orador: - Excerto que os empregados recebem os seus vencimentos com atraso: não ha duvida de que não é isenta de difficuldades a situação em que se encontra a provincia de Angola, mas tambem é certo que essas difficuldades não attingem o grau de intensidade que muitos lhe attribuem.

Ainda hontem recebi um telegramma do governador geral, dizendo que o atraso de pagamento aos funccionarios é apenas de dois meses.

É lamentavel que a provincia se não encontre em condições de pagar em dia aos empregados e aos fornecedores, mas não me cabe a minima parcela de responsabilidade nos factos que todos deploram.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Apoiado.

O Orador: - O que me cumpre é empenhar todos os meus esforços para que desappareça, ou, pelo menos se attenue, a gravidade do mal que affecta aquella nossa provincia ultramarina.

Tenho na minha pasta uma providencia, que tenciono apresentar á outra Camara, e que se destina a resolver a crise financeira de Angola e de Timor.

Não apresentei ainda essa medida porque tem de ser consultado, a tal respeito, o Sr. Ministro da Fazenda. Creio, porem, que essa apresentação se realizará na sessão de amanhã.

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SESSÃO N.° 16 DE 9 DE JUNHO DE 1908 9

A organização administrativa decretada pelo Governo transacto para a provincia de Moçambique revela o predominio que vão exercendo as ideias de descentralização.

Essa organização trouxe, a par de alguns beneficios, varias desvantagens, mas, em todo caso, não vigorou ainda o tempo preciso para se saber que genero de modificações lhe devem ser introduzidas.

Quanto ao que em jornaes officiosos se escreve, em relação aos actos do Conselho do Governo, peço licença para não considerar de absoluto credito tudo o que nelles se affirma.

O orçamento da provincia de Moçambique, que já chegou a Lisboa ha alguns dias, apresenta um saldo positivo de 400$000 réis, a despeito dos grandes aumentos de despesa.

Esse orçamento está sendo examinado com todo o cuidado por mim e pela repartição competente, e espero, antes do fim do actual mês, poder trazer á Camara não só o alludido orçamento como os de todas as outras provincias ultramarinas, facto que, aliás, não é vulgar. E classifico-o de invulgar, não com o intuito de increpar qualquer dos meus antecessores na gerencia da pasta que actualmente me está confiada, mas porque para isso concorre a circunstancia, neste caso favoravel, de se terem inaugurado os trabalhos parlamentares em data muito posterior á que o nosso codigo fundamental estabelece.

Penso que, de aqui até o fim do mês, com um bocado de boa vontade e muito trabalho, ha tempo de se reverem todos os orçamentos.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mas o governador da provincia, desde que o orçamento apresenta saldos, pode, nos termos da organização actual, publicar qualquer providencia...

O Orador: - Se a isso eu me não oppuser por meio de qualquer despacho telegraphico.

Peço licença para dizer neste momento que ninguem me excede no zelo pela administração das finanças publicas, principalmente as que respeitam ás provincias ultramarinas. (Apoiados}.

A organização administrativa da provincia de Moçambique autoriza o governador geral a decretar qualquer providencia quando o orçamento apresente saldo positivo; mas isso quando não tenha ordem em contrario.

D'esta maneira, pode ir facilmente d'aqui uma ordem dizendo ao governador que mantenha o orçamento anterior, emquanto não for approvado o que tem de reger no anno economico futuro.

A provincia de Moçambique é muito rica, mas está convalescendo de uma grande commoção que affecta todos os países do sul da Africa.

As finanças da provincia de Moçambique vão minorando os aumentos de despesa que o governador autorizou, se bem que a responsabilidade d'esse facto se lhe não possa imputar exclusivamente.

Teve collaboradores nesse aumento de despesas, criadas, ao que parece, com pouca legalidade.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Como disse V. Exa.?

O Orador: - Sobre este ponto peço que não me interroguem, porque nada responderei; mas disponho dos meios precisos para evitar actos que sejam menos regulares.

Um assunto ha, na provincia de Moçambique, que muito digno é da nossa consideração E o que diz respeito á quantidade de indigenas que vão trabalhar para o Transvaal, e que não está sufficientemente acautelado na legislação vigente.

Sr. Presidente: eu quereria que se inscrevesse nos tratados que tivermos de entabolar com o Transvaal, que tem hoje uma situação autonoma, uma clausula ou clausulas que tornassem indispensavel o repatriamento dos indigenas.

Fixam-se no Transvaal, em cada anno, perto de 8:000 indigenas, o que representa um enormissimo prejuizo para Moçambique; visto que os que regressam, trazendo dinheiro em ouro, alimentam o commercio da provincia, e concorrem poderosamente para que os impostos se elevem a quantias apreciaveis e sejam pagos em dia.

Está calculado que no anno que vae começar o imposto de palhota não renderá menos de 1:300 contos de réis. Creio que não ha memoria de outro anno assim.

A provincia de Moçambique tem recursos proprios para se restaurar do abatimento temporario que a flagella, mal que affecta toda a Africa do Sul.

Folgo em declarar que o caminho de ferro de Benguella, obra a que o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa ligou o seu nome, ha de poderosamente concorrer para o desenvolvimento da provincia de Angola, e tambem mais tarde e indirectamente para o da provincia de Moçambique, quando essa via passar a ligar os países do centro da Africa e as ricas minas de cobre de Katanga.

Quando esse caminho de ferro tiver cortado a Africa até o centro e bracejar um ramal para as minas de ouro do Rand no Transvaal e para as dos diamantes, ficará encurtada sensivelmente a viagem de mar entre a Europa e esse país do ouro e dos diamantes, d'essas riquezas que são o grande chamariz da superabundante população da velha Europa.

O passageiro que se dirigir a esses países, e principalmente aquelles que enjoam, desembarcarão no Lobito em vez de irem affrontar os ásperos temporaes do Cabo da Boa Esperança, ficando assim aquella colonia britannica praticamente cortada ou separada do resto da Africa, por estar menos favorecida do que a nossa Africa Occidental nas suas relações com os países do ouro e dos diamantes.

Sr. Presidente: julgo que não será necessario alongar as minhas considerações em resposta ao Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Repito o que disse ao começar o meu discurso:

Tenciono apresentar ao Parlamento os orçamentos das provincias ultramarinas, depois de devidamente os rever e corrigir, e então se verá o que deve ser a gerencia financeira do ultramar no futuro anno economico.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: - Por parte da commissão de guerra, mando para a mesa o parecer sobre o projecto que diz respeito aos sargentos da guarda fiscal.

Foi a imprimir.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Em primeiro logar pergunto ao Sr. Presidente a que horas se encerra a sessão.

O Sr. Presidente: - Ás cinco e meia.

O Orador: - Na sessão anterior pedi o comparecimento do Sr. Ministro da Marinha para lhe dirigir umas perguntas.

Nós estamos, por assim dizer, em familia, e o Sr. Ministro da Marinha não encontra aqui nem inimigos pessoaes, nem adversarios politicos.

S. Exa., embora occupe uma elevada posição na vida publica, não pertence a nenhum partido politico, e, portanto, só pode esperar benevolencia e admiração por parte d'aquelles que se lhe dirijam.

Pedirei ao Sr. Ministro que me esclareça acêrca de tres pontos, mas antes d'isso perguntarei se S. Exa. não tem conhecimento de que o país adquiriu a convicção de que é má a nossa situação financeira? Não sabe tambem S. Exa. que o país reconhece a gravidade da sua situação economica?

Ignora porventura o nobre Ministro que ha uma crise agricola, e que ao mesmo tempo que o Douro reclama providencias que lhe attenuem a situação miseranda em que se encontra, o

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO

centro e sul do país pedem igualmente remedio para o intenso mal que os afflige?

Não sabe S. Exa. que, ainda não ha muitos dias, para se acudir a uma situação fremente, se viu o Governo obrigado a recorrer a banqueiros estrangeiros para a realização de um contrato de supprimento, caucionado com rendimentos que até ahi se conservaram livres, e ao juro elevado de 7 por cento ao anno, o que indica, da parte de quem empresta, pouca ou nenhuma confiança no nosso credito, ou qualquer receio de insolvencia?

Acaso desconhece S. Exa. que o país, tendo a certeza da realidade de todos estes males, se encheu de surpresa quando soube que se havia contratado com uma casa francesa a construcção de tres torpedeiros, um submarino e uma vedeta?

O Sr. Ministro que, com toda a certeza, tem acompanhado os discursos pronunciados em uma e outra casa do Parlamento, não sabe que no espirito da grande maioria d'aquelles que se preoccupam com as questões da nossa marinha reina a convicção de que, não podendo nós ter marinha para a defesa das costas maritimas, não pendendo adquirir-se marinha de guerra, propriamente dita, em razão das circunstancias em que se encontra o Thesouro, e não havendo marinha colonial, ou aquelles typos de navios apropriados ao serviço dos nossos; dominios ultramarinos, tudo recommenda que se proceda em tal assunto com muito criterio, com muita parcimonia?

A posse de alguns torpedeiros, de alguns submarinos e de alguns destroyers é muito interessante sob o ponto de vista da sua acção decisiva nos combates. É este um ponto incontestavel, e que teve a sua comprovação na guerra russo-japonesa; todavia urge attender ás circunstancias em que nos encontramos.

O meu intuito é proporcionar ao Governo um triunfo, desfazendo a malidicencia, de que eu me faço eco neste momento.

Diz-se que a construcção d'esses navios foi contratada illegalmente, porque o Governo se soccorreu para isso de um decreto ditatorial que ainda não obteve a sancção do Parlamento.

Acaso não é do conhecimento do Sr. Ministro que esse decreto autorizava effectivamente o Governo a contrahir um emprestimo de 1:800 contos de réis, mas que tal operação se não realizou, porque naturalmente se receou que não pudessemos satisfazer os compromissos que ella implicava?

Não sabe S. Exa. tambem que, nestes termos, aumentar a divida fluctuante é um erro, e um enormissimo gravame para o Thesouro?

§ Sr. Presidente: ouvi dizer que foi contratada a construcção de navios que não são precisamente a ultima palavra em tal materia, isto é, que, em relação a outros, são de uma notavel inferioridade.

Tambem ouvi dizer que o contrato para a construcção foi celebrado com a Forges et Chantiers.

Nada tenho com a Forges et Chantiers, como nada tenho com qualquer outra companhia constructora; mas sendo já avançado em idade, lembro-me da triste e deprimente historia da acquisição dos chamados archanjos.

Lembro-me de ter havido um concurso, como agora. É possivel que fosse satisfeito o caderno dos encargos, mas o certo é que se reconheceu a inferioridade dos navios em relação a outros, e que a acquisição d'elles enfermava do grande mal da industria francesa, que é fazer-se pagar caro.

Pelo que respeita á construcção de navios, é notorio que tem a prioridade a Inglaterra, seguindo-se a Allemanha e depois a Italia. A França, no que respeita ao assunto, e sem que isto implique offensa para essa poderosa nação, figura em ultimo logar.

Acode-me tambem á memoria que, em razão de ter o nosso Governo necessidade de fazer acceitar pelas nações estrangeiras um convenio, a pressão por parte d'ellas exerceu-se por forma a que contratámos com a França a construcção dos dois bentos e com a Inglaterra a construcção do D. Carlos.

Diz-se agora que as circunstancias de momento nos obrigam a supportar uma pressão igual á que soaremos outr'ora.

Se assim é não censuro o Governo, porque acredito que não ha ninguem nas cadeiras ministeriaes com a plena consciencia das suas responsabilidades, que se sujeite, sem uma dor profunda, a certas imposições, mas lamento o país.

Dito isto, Sr. Presidente, pergunto ao Sr. Ministro da Marinha:

1.° Em que diploma se fundou S. Exa. para realizar o contrato relativo á aquisição dos navios?

2.° Porque é que S. Exa., tendo na sua mão a possibilidade de inutilizar o concurso, e vendo que a proposta apresentada não offerecia os typos que deviam ser adoptados, não congregou aquella somma de esforços e de diligencias, dentro dos quaes não era possivel exercer-se pressão sobre o Governo?

3.° O Governo considera o seu acto definitivo, isto é, não tem o Parlamento de se pronunciar acêrca d'essa medida?

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Augusto de Castilho): - De maneira nenhuma me foi desagradavel o discurso do Digno Par que me antecedeu no uso da palavra. Bem pelo contrario, folgo em que S. Exa. me tivesse proporcionado o ensejo de dizer o que vou ter a honra de submetter á consideração da Camara. Sei, como todos os portugueses, que é má a situação da Fazenda Publica; mas sei igualmente que esse mal não é de hoje.

Se é certo que aos Governos compete o dever de economizarem, quanto possivel, os recursos do país, não é menos certo que a situação da marinha portuguesa está sensivelmente decaida, sendo por isso indispensavel empregar diligencias que logrem pô-la em condições que habilitem Portugal a desempenhar correctamente o seu papel de país colonial, e a poder entrar no concerto das nações civilizadas.

Da manutenção do nosso dominio colonial depende a nossa independencia ou a nossa autonomia.

É, pois. indispensavel, dentro dos nossos recursos, mas com algum sacrificio, tratarmos de conservar integro o nosso dominio ultramarino, para que Portugal se mantenha no logar historico a que tem direito.

A marinha é o elo que liga o ultramar á metropole; e, quando digo maririnha, não me refiro tão só á de guerra, mas tambem á mercante, que por igual merece reparos e cuidados por parte dos que estão á frente dos negocios publicos.

O Governo, ascendendo aos Conselhos da Coroa, encontrou deante de si um malfadado concurso, e entendeu, depois de muito reflectir, que, ou havia de pô-lo de parte, segundo a opinião do Digno Par Sr. José de Azevedo, ou entregá-lo ao Parlamento, para assim, por meio de uma discussão technica, se averiguar da vantagem de cada uma das unidades que o Governo transacto pretendia adquirir.

Convem ponderar que os Governos não devem estabelecer no seu modo de proceder geral soluções de continuidade, quando de mais a mais se trata de factos que teem a sua repercussão no estrangeiro.

O Governo, depois de reflectir maduramente, e depois de ouvir as estacões competentes, deliberou não adoptar completamente o plano do Governo transacto, e limitar-se a adquirir tres torpedeiros, um submarino e uma vedeta.

O Governo não podia absolutamente recusar as propostas da casa constructora, porque ellas correspondiam ao que se tinha exigido.

Sei perfeitamente que o Governo tem a sua acção presa, quanto a fundos para acquisição de navios, porque, tanto o orçamento que vigora, como aquelle que está dependente da sanção

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SESSÃO N.° 16 DE 9 DE JUNHO DE 1908 11

parlamentar, apenas inscrevem a somma de 165 contos de réis, evidentemente, exigua ou insufficiente para a realização do que se projecta.

Nestes termos, é intenção minha apresentar á camara uma proposta que autorize o Governo a contrahir um emprestimo que me permitta occorrer á compra dos navios.

Uma cousa posso asseverar á Camara: e é que não ha contrato, fechado com qualquer casa constructora para o fabrico de navios.

Feita esta asseveração, de uma maneira peremptoria, cae pela base toda a argumentação do Digno Par.

Se o Governo não alcançar do Parlamento a autorização precisa para contrahir um emprestimo, não pensará na acquisição de navios, e a responsabilidade irá para aquelles que, á ultima hora e requentadamente, se lembrarem de rejeitar as propostas apresentada pelas casas estrangeiras que vieram ao concurso.

Se o Parlamento não votar os fundos necessarios, ficaremos sem os navios e lavarei d'ahi as mãos, porque Parlamento me recusou os meios d adquirir tres torpedeiros, um submarino e uma vedeta, que constituiam um tenue aumento para a nossa depauperada marinha.

Sr. Presidente: afigura se-me ter respondido ao Digno Par, sem sombra de qualquer reserva; mas fico ao dispor de S. Exa. se estas explicações o não satisfizerem.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Sebastião Baracho: - Ao que se observa, a incoherencia continua ser o caracteristico do actual Governo. O Sr. Ministro da Marinha affirmou ha pouco que apresentaria á Camara os orçamentos respeitantes ás provincias ultramarinas, querendo imprimir feição de bem cabida legalidade á administração colonial.

Pouco depois o mesmo Sr. Ministro assegurava que se servira de uma autorização ditatorial do Governo transacto para negociar a acquisição de alguns navios para a nossa armada.

Allegou mais, para desculpar-se, que as tentativas nesse sentido se iniciaram ha mais de dez meses.

Inadmissivel desculpa, na verdade!

O facto de a autorização constar de um acto ditatorial devia ter servido ao Sr. Ministro para pôr termo a quaesquer combinações que encontrasse encetadas, allegando para isso, e com sobeja razão, que não podia amoldar-se por actos originarios de uma ditadura, a qual a normalidade do viver nacional mandava expungir e eliminar, em todas as suas manifestações.

Que respeito foi esse do Sr. Ministro da Marinha, por uma autorização ditatorial, que tão mal nos collocava?

Pois não iniciou, e bem, este Governo a sua existencia ministerial, annullando varios actos da ditadura, - medida esta que pena foi se não ampliasse a todos os productos que a mesma ditadura mephiticamente exhibiu?

Mas de tudo o que disse o Sr. Ministro da Marinha, a reter e registar ha, como fundamental, a declaração de que não ha contrato algum feito para a acquisição de navios.

Não ha contrato algum, note-se bem, convem repeti-lo.

Nestes termos, o caminho naturalmente traçado é a desistencia da acquisição dos tres torpedeiros, um submarino e uma vedeta, que se tencionava comprar.

Se, porem, S. Exa. insistir em levar por deante o seu projecto, ha que realizá-lo dentro das praxes salubrizadoras do legalismo. Assim, terá o Sr. Ministro de trazer ao Parlamento uma proposta de lei que autorize a compra, e o emprestimo correspondente para esta se effectivar, depois unicamente de essa operação financeira se ter realizado Porque a verdade é que varios emprestimos estão autorizados, mas nenhum d'elles collocado, sendo typico, na especialidade, o de 4:500 contos de réis, para emittir em cinco series de 900 contos de réis cada uma, e autorizado pela lei de 30 de junho de 1903.

Nenhuma das series, porem, foi até hoje collocada, tendo-se appellado, no intento de supprir esta falta, para a venda de titulos na posse da Fazenda, e para o aumento da divida fluctuante, o que é - desnecessario seria recordá-lo - essencialmente illegal, e contristador para o nosso credito.

Perante a deploravel situação em que se encontra o Thesouro, attestada pela usuraria operação caucionada com o rendimento dos fosforos, não é sequer desculpavel reincidir em irregularidades como a que deixo autenticada. Igualmente não pode servir de incentivo a insinuação, que transparece das palavras do Sr. Ministro da Marinha, de que o poderoso mercantilismo estrangeiro poderia influenciar nas nossas resoluções.

Ainda não chegámos a tão triste situação, quero crê-lo; e seja-me permittido rematar, abruptamente, as considerações acêrca d'este delicado assunto, por me aconselharem tão expressiva abstenção o interesse, o brio e o decoro nacionaes. Á sombra d'elles convem ainda ter presente que a questão só pode ser definitivamente resolvida, depois de maduramente estudada, e depois de legal e financeiramente dotada, para que ella se torne numa legitima realidade, sem vexames, nem excessivos encargos para o país.

Com relação a negocios dependentes da pasta da Marinha, ainda me occuparei, com certo desenvolvimento, da situação em que se encontra a Guiné, e que, pelas informações d'ali recebidas, é em todo o ponto compromettedora e intoleravel.

Um diploma inserto no Boletim Official, publicado em 16 de maio, denota que os ditadores metropolitanos fizeram escola, e que encontraram guarida e eco no ultramar. Ao abrigo do § 2.° do artigo 15.° do Primeiro Acto Addicional, de 5 de julho de 1852, foi ali estabelecido o estado de guerra, com associada suspensão de garantias, por forma a merecer apropriados e justos reparos.

Não os farei agora, porque para isso me escasseia o tempo. Não me esquivo, porem, a recordar, neste momento, que do uso que se faz do mencionado artigo 15.°, é imprescindivel, segundo o § 3.° do mesmo artigo, submetter ás Côrtes., logo que se reunirem, as providencias tomadas.

Chamo para este dispositivo a attenção do Sr. Ministro da Marinha, a fim de que se cumpra o preceito nitidamente estatuido na lei.

Posto isto, agradeço ao Sr. Ministro da Justiça as suas explicações, com as quaes me não conformo, perante os mais elementares preceitos da equidade, da rectidão e da justiça.

Alardeia o Governo, do seu proposito e dos seus esforços para fazer respeitar a lei, e, entretanto, os seus subalternos e serventuarios esmeram-se em a calcar ruidosamente, com menoscabo patente das regalias dos cidadãos, e com ataque afixado das boas normas e praxes constitucionaes. Como processo de acalmação e de concordia, não o pode haver mais do avesso.

Ás detenções mysteriosas, motivadas pelas ordens emanantes da Bastilha, ha a addicionar os affrontosos escandalos é incommodos praticados para com os typographos e outro pessoal do jornal O Mundo.

Procura o Sr. Ministro attenuá-los, declarando que elles visam a organizar o cadastro concernente a esses individuos.

O cadastro policial?!

Mas semelhante operação só é de uso praticar para com os criminosos reconhecidos e averiguados.

Como é, pois, que se pretende impor este ferrete de ignominia a cidadãos laboriosos e honestos?

Demais, se de um cadastro decente e tratasse, as informações adequadas deveriam ser fornecidas por entidades muito differentes das que fazem parte do pessoal da Bastilha, o qual mais aviltante o não ha, entre o mais depreciado funccionalismo publico.

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

De toda a policia, a policia preventiva é a mais odienta e desqualificada. Basta, repito, ella nortear se no exercicio do seu repellente mester pela suspeição, pela delação e pela espionagem.

Pois é essa, precisamente, que o Sr. Ministro da Justiça considera idonea para arrolar gente com hombridade e com inteireza de caracter.

Não pode ser.

É por isso que eu insisto pela presença do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, a fim de lhe patentear quão afastados andam, do trilho e desempenho das suas funcções, os seus subalternos, albergados no antro geralmente conhecido pela denominação de Juizo de Instrucção Criminal.

E nessa conformidade, Sr. Presidente, me proponho a proceder.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Presidente: - A seguinte sessão será na sexta feira, e a ordem do dia, em primeiro logar, a proposta do Digno Par Sr. Baracho sobre o inquerito ás Secretarias de Estado; e em segundo logar a discussão dos pareceres da commissão de verificação de poderes n.° 2 a 7, inclusive.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 9 de junho de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Eduardo de Serpa Pimentel; Marquez Barão de A 1 vi to; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal e de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Paraty e de Monsaraz; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Eduardo Villaça, Costa e Silva, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, José de Azevedo, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Macario de Castro, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

Representação dos operarios manipuladores de tabacos, apresentada nesta sessão pelo Digno Par Sebastião Baracho.

Dignos Pares do Reino. - Os delegados da classe dos manipuladores de tabacos de Lisboa e Porto veem, em nome da sua classe, submetter á vossa esclarecida apreciação os factos que abaixo expõem, esperando que os tomareis em consideração, visto tratar-se de um assunto em que a lei votada pelas Camaras legislativas tem sido desrespeitada, em prejuizo d'aquelles para quem foi feita, no intuito de lhes salvaguardar os legitimes interesses, e que interporeis a vossa autoridade para que o Governo a faça cumprir e executar, como se encontra escrita sem delongas e adiamentos que muito prejudicam a quem dizem respeito.

Dignos Pares do Reino.- Quando em Portugal se adoptou o systema do exclusivo do fabrico doe tabacos, os legisladores que fizeram a respectiva lei incluiram nella uma serie de providencias para manter os direitos e interesses dos operarios, na intenção manifesta de os compensar, até certo ponto, da perda da liberdade que todo o cidadão tem de exercer livremente as industrias do seu país, o que, aliás, era da mais elementar justiça, quando ao capital se davam incalculaveis e enormes garantias.

De entre as alludidas providencias que subsistem consignadas na actual lei do exclusivo, de 27 de outubro de 1906. citaremos as que constam do n.° 8.° do artigo 6.° e n.° 10.° e suas alineas, e artigos 11.º e 12.°, as quaes são do teor seguinte:

"Artigo 6.° n.° 8.° A manter, para os operarios de que fala o numero anterior, a ultima tabella datada do 15 de março de l890, reguladora da salarios, elaborada pela Administração Geral dos Tabacos, e qualquer tabella de marcas novas que tenha sido feita por acordo com a Companhia da Tabacos de Portugal e os operarios. Criando-se outras marcas, fixar-se-hão para o referido pessoal salarios proporcionaes, sendo subordinada essa modificação ao que acima fica disposto.

Qualquer modificação nestas tabellas não será posta em execução sem previa approvação do Governo, sobre parecer do commissario regio respectivo".

...............................................................................
"N ° 10.° A organizar, no prazo de seis meses a coutar do dia em que tomar posse da administração do exclusivo, os regulamentos:

a) Que definam as condições de serviço interno e trabalho dos operarios, penas disciplinares e motivos de suspensão e desmedida;

b) Que determinem as condições em que continuará a manter-se e a conservar-se a Caixa de Reformas para o pessoal operario e não operario, organizada pela Administração Geral dos Tabacos, por forma que essas condições não sejam inferiores ás de então;

c) Que estabeleçam as condições em que ficará subsistindo a Caixa de Soccorros, tambem criada pela Administração Geral dos Tabacos.

Nestes regulamentos o concessionario attenderá aos direitos adquiridos; a que o dia de trabalho para os operarios continua sendo de oito horas garantidas: a que o Governo concorrerá com 10 contos de réis annualmente para a Caixa de Reformas, ficando a cargo do concessionario, como condição obrigatoria, dotar a mesma caixa pelo menos com igual quantia; e a que 2 por cento dos lucros liquidas pertencentes ao pessoal operario, bem como 0,5 por cento da parte dos mesmos lucros destinados ao pessoal cão operario, as quotas individuaes e outras receitas disponiveis, constituirão o fundo da Caixa de Soccorros.

Estes regulamentos só entrarão em execução depois de approvados pelo Governo no prazo maximo de dois meses, sobre o parecer dos commissarios regios, devendo por estes ser ouvidos os interessados.

Provisoriamente, emquanto o concessionario não os elaborar e o Governo não os approvar, ficarão em vigor os regulamentos de 5 de julho de 1825, sobre trabalhos nas fabricas e sobre saude e beneficencia, na parte relativa a estes assuntos e que for applicavel".

"Artigo 11.º As duvidas entre o concessionario e quaesquer depositarios, vendedores e revendedores serão decididas por arbitros, sendo um nomeado pelos reclamantes, outro pelo concessionario, e servindo de arbitro por parte do Governo o commissario regio respectivo. D'esta decisão ha recurso para um tribunal composto dos auditores fiscaes de 2.ª instancia e 1.ª de Lisboa, presidido pelo Ministro da Fazenda, podendo as partes fazer-se representar pelos seus defensores.

Artigo 12.° As duvidas entre o pessoal operario e não operario e o concessionario serão resolvidas respectivamente por uma commissão presidida sempre pelo commissario regio respectivo, e composta de dois delegados nomeados pelos operarios ou pelos empregados reclamantes e outros dois escolhidos pelo concessionario. D'essas decisões ha recurso para o tribunal de que trata o artigo anterior".

Como claramente se vê pelo n.° 8.° do artigo 6.°, as tabellas de mão de obra não podem ser modificadas, por forma que os operarios experimentem reducção nos seus salarios, e, quando haja modificações ou alterações, ellas só podem ser postas em execução depois de approvadas pelo Governo, sob parecer do commissario regio.

Succede, porem, que a Companhia dos Tabacos de Portugal, não respeitando esta disposição da lei, modificou varias marcas do fabrico, sem consultar o Governo. Verificando-se haver nessas modificações prejuizos para os operarios, reclamaram estes perante o seu commissario regio, ao qual expuseram todo o assunto largamente documentado, chegando, depois de muitas diligencias e trabalhos junto do Governo da anterior situação, a ser por este nomeado um fiscal do Governo, a fim de estudar e dar parecer sobre o assunto. Esse fiscal ouviu a companhia e os operarios, e já deu parecer, de acordo com o commissario regio. O Sr. Ministro da Fazenda, a quem os operarios de novo recorreram, de tudo tem já conhecimento, até mesmo da petição que, neste sentido, fizeram pessoalmente a Sua Majestade, a quem os reclamantes se dirigiram a pedir o cumprimento da lei, sendo pelo Chefe do Estado acolhidos com toda a benevolencia e promettendo o Monarcha recommendar ao Governo a reclamação dos operarios, na presença dos Srs. Presidente do Conselho de Ministros e do Ministro da Fazenda. Comtudo, e apesar de todas as diligencias empregadas, vão decorridos mais de quatorze meses, com grave prejuizo para os operarios, sem que este assunto tenha solução.

Não obstante os operarios terem reclamado contra a illegalidade das modificações de marcas sem autorização do Governo, a Companhia só muitos meses depois de as ter feito é que enviou as novas tabellas ao Sr. commissario regio, e, sem esperar a approvação d'ellas, reincidindo no mesmo erro, criava, pouco tempo depois, uma marca nova intitulada Lisboetas, á qual applicou uma tabella que, a ser approvada pelo Governo, reduziria o salario dos operarios a metade, quando manipulassem essa marca, -facto este constatado e provado em documentos existentes em poder do Sr. commissario regio.

Contra esta nova illegalidade reclamaram os operarios, pedindo ao Sr. commissario regio que mandasse sustar a laboração da refe-

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rida marca, officiando S. Exa. á Companhia e fazendo-lhe sentir a conveniencia de sustar a marca em questão; mas a Companhia em pouca consideração teve este officio, pois que, mandando parar a laboração, pouco tempo depois a mandou continuar, allegando que não tinha criado marca alguma nova.

E, sobre esta affirmação, vão decorridos meses, sem que ás reclamações dos operarios seja dada outra resposta alem das esperanças, que nunca se traduzem na realidade, de uma resolução definitiva.

Outro assunto de accentuada importancia que os operarios submettem á vossa ponderação é o da questão regulamentar, como podereis ver pelo n.° 10.° e suas alineas, do artigo 6.° da citada lei.

A Companhia tem obrigação de fazer, no prazo de seis meses, depois da approvação da mesma lei, os regulamentos que definam as condições de serviço nas fabricas, Caixas de Soccorros e de Reformas.

No cumprimento d'esta obrigação, a Companhia, dias antes de findar o prazo, notificou, em officio ao Sr. commissario regio, que continuava a manter os regulamentos de 5 de julho de 1895, approvados por decreto ministerial.

Entenderam os operarios que esses diplomas necessitavam ser alterados, introduzindo-lhes algumas disposições que o tempo e a experiencia teem demonstrado ser convenientes, aproveitando para isso a faculdade, que a mesma lei lhes confere, de serem ouvidos sobre a elaboração dos referidos regulamentos.

Essas alterações foram propostas á Companhia, a qual, até o presente, apenas communicou ao Sr. commissario regio que as estava estudando, apesar de terem decorrido mais de seis meses depois de lhe serem entregues. Nesses regulamentos, que teem força de lei, está determinada a forma como os operarios teem de cumprir os seus deveres e usufruir os seus direitos; assim, por exemplo, o regulamento da Caixa de Reformas define e regula as condições em que o operario tem direito á reforma, instituida pela Administração Geral dos Tabacos, e, no entanto, dá-se o caso de terem vinte e dois operarios apresentado requerimentos para a sua reforma, os quaes a Companhia despachou por satisfazerem a todos os requisitos da lei e ao respectivo regulamento, sendo por isso enviados ao Ministerio da Fazenda, para serem approvados pelo titular d'esta pasta, como sempre se tem feito.

O Sr. Ministro, porem, apenas despachou quatro requerimentos, sob o pretexto de que tambem tinha direito a mandar fiscalizar, visto que o Thesouro Publico concorria para a dotação da caixa.

Nestas circunstancias, os pobres candidatos á reforma, que se encontram na ultima miseria, pois só quem não pode trabalhar se sujeita a requerer uma reforma miseravel, continuam esperando que o Governo fiscalize. As disposições regulamentares, porem, são terminantes; e, desde que os candidatos as satisfaçam, não teem de sujeitar-se a outras.

O Sr Ministro não pode, de seu motu-proprio, tomar resoluções contrarias ás que a lei prescreve; cumpre-lhe apenas fiscalizar se ella se cumpriu.

Os operarios despachados em harmonia com as disposições regulamentares estão no pleno gozo dos seus direitos, sem restricções de especie alguma. O Governo, não approvando esses despachos, annulla esses direitos, arbitrariamente, tanto mais não havendo motivo plausivel para duvidar da boa fé da Companhia, ou dos operarios; da Companhia, não, porque ella é tão interessada como o Governo, visto pagar metade da despesa da caixa; dos operarios, tambem não, porque nenhum, que possa trabalhar, quererá reformar-se para em seguida ter que pedir esmola, tão mesquinho é o subsidio a perceber.

Portanto, pôr embargos a que estes pobres desgraçados utilizem o unico recurso que teem na sua attribulada invalidez, é reduzi-los á miseria. Não pode nem de ré consentir-se.

Ainda acêrca da reforma dos operarios, devemos chamar a vossa attenção para o seguinte facto: A lei de 27 de outubro de 1906, no § 2.° do artigo 1.°, determina que o Governo "contribuirá annualmente com 10 contos de réis para melhoria das reformas, sem prejuizo do disposto no n.° 10.° do mesmo artigo e do que foi resolvido pelo tribunal arbitral". O pagamento d'este subsidio já foi interrompido durante um ou dois meses, sob a allegação de que no orçamento do Estado não havia verba inscrita para essa despesa

Como aos pobres reformados lhes faz grave transtorno não receber regularmente este insignificante mas indispensavel, subsidio, pedimos que esta verba seja inscrita no orçamento, para não se repetir a desculpa d'ella não existir nesse documento, desculpa que, aliás, reputamos descabida, em virtude do disposto nos §§ 1.° e 2 ° do artigo 5.° e do contrato do exclusivo dos tabacos, os quaes dizem o seguinte:

"1.° Esta renda será paga em prestações mensaes, e iguaes, e até o dia 10 do mês que se seguir áquelle a que respeitarem.

§ 2.° Serão encontradas nas prestações mensaes todas as sommas que o concessionario tenha a receber do Governo".

Vê-se, portanto, que a companhia tem a receber do Governo, annualmente, 10 contos de réis para melhoria das reformas, cujas prestações encontra nos dias 10 de todos os meses, quando faz as contas com elle. Assim se tem feito e assim tem de continuar a fazer-se, em conformidade com a lei. Por consequencia, a desculpa não tem significação; e é para lastimar que servisse para interromper o regular funccionamento de um serviço que diz respeito a gente pobrissima, para a qual, a mais insignificante interrupção no pagamento d'este subsidio, representa importantes difficuldades.

Por ultimo, e em relação aos artigos 11.° e 12.° da lei, que tratam da commissão que deve resolver as duvidas entre os operarios e a Companhia e do recurso d'essa commissão, chamamos a vossa esclarecida benevolencia para o seguinte caso: os operarios manipuladores do Porto submetteram a julgamento da commissão arbitral dois processos em que obtiveram sentença favoravel, declarando a Companhia que interpunha recurso, como a lei lhe permitte. Decorridos dias, porem, o Sr. commissario regio d'aquella cidade participava aos delegados dos operarios que o Sr. Ministro da Fazenda lhe tinha officiado, mandando sustar o seguimento dos processos, pois ia consultar a Procuradoria Geral da Coroa acêrca do assunto. Estranharam os operarios o procedimento de S. Exa. visto que, em face da lei, não encontravam explicação plausivel que o determinasse.

Effectivamente, neste caso, a lei de 27 de outubro de 1906 tudo determina. Da sentença da commissão, de que trata o artigo 12.°, ha recurso para o tribunal a que se refere o artigo anterior, nos termos prescritos no mesmo artigo, e nos dos regulamentos para a sua execução, approvados por portaria de 9 de maio de 1904 e pele decreto de 3 de novembro de 1893, os quaes são do teor seguinte:

Portaria de 9 de maio de 1904:

"Artigo 6.° Apresentado o pedido de recurso, o commissario regio enviará, dentro do prazo de tres dias, o processo para a instancia superior".

Decreto de 3 de novembro de 1893:

"Artigo 3 ° Recebido o recurso, o processo será, dentro de cinco dias, enviado pelo commissario regio ao Ministerio da Fazenda, para que est e faça expedir, aos auditores fiscaes de 2.ª e 1.ª instancia de Lisboa, avisos de que pende o recurso".

Não pode, portanto, comprehender-se sobre que fundamento o Sr. Ministro ia consultar a Procuradoria Geral da Coroa. A unica entidade que tinha de pronunciar-se sobre o assunto era o tribunal de que trata o artigo 11.° da lei, e o qual S. Exa. devia mandar reunir nos termos acima citados.

Tudo quanto não fosse isto, entendemos que é illegal e representa grave prejuizo para os operarios, os quaes são lesados em seus direitos e interesses com as delongas interminaveis que demoram naturalmente an-nos a solução dos assuntos mais simples e comesinhos.

Dignos Pares do Reino. - Os operarios manipuladores de tabaco, ao dirigirem-se aos mais altos poderes do Estado, põem toda a sua esperança em que reconhecereis as razões das suas queixas, as quaes não representam accusações a alguem, e tão somente traduzem o sentimento amargo de se verem desattendidos nas suas legitimas reclamações em prol dos direitos que vós lhes destes consignados em leis, cujas disposições, muitas vezes, se procura deixar de cumprir, e outras somente muito tarde, e ao poder de muito esforço e trabalho se consegue fazer respeitar.

É para os vossos sentimentos de justiça e rectidão que os operarios appellam, a fim de que interponhaes toda a vossa autoridade para que a lei seja acatada com o maior respeito, e que os interesses dos humildes mereçam mais attenções d'aquelles que, sendo seus naturaes protectores, teem não só a obrigação de velar pelo cumprimento das leis, mas tambem o dever moral de impedir que os mais poderosos abusem da pua situação, para deixarem de cumprir obrigações que tomaram, protelando indefinidamente a decisão dos assuntos em que os mais fracos ficam prejudicados em seus legitimos interesses.

Sendo a vossa missão á mais nobre e levantada expressão da justiça e equidade, temos confiança em que fareis cumprir as leis que a vossa proficiencia fez promulgar.

Lisboa, 6 de junho de 1908.

Pela classe dos manipuladores de tabaco de Lisboa e Porto. = Os Delegados, José da Silva Esperança = Saul Pacoldino Fernandes = Joaquim José da Rocha = Ignacio de Sousa = Manuel dos Santos Rosas = Manuel Voz.

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