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SESSÃO DE 26 DE FEVEREIRO DE 1875

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares, Visconde de Soares Franco, Eduardo Montufar Barreiros

(Assiste o sr. ministro da fazenda.}

Pelas duas horas e um quarto da tarde, tendo-se verificado a presença de 22 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, que se considerou approvada por não ter havido objecção contra ella.

O sr. secretario (Visconde de Soares Franco) mencionou a seguinte

Correspondencia

Tres officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

1.º Concedendo á camara municipal de Villa Nova da Cerveira os terrenos e pedra das muralhas da mesma villa para serem applicados á abertura de novas ruas.

2.ª Concedendo á camara municipal de Belem um edificio arruinado para nelle se construir um mercado publico.

A commissão de fazenda.

3.ª Auctorisando o governo a isentar de direitos todo o material que a camara municipal de Cascaes importar para as obras do abastecimento da agua da referida villa e concelho.

As commissões de administração publica e de fazenda.

O sr. Mello e Carvalho: - Pedi a palavra a v. exa. para participar á camara que por incommodo de saude não pude comparecer, á ultima sessão, e que se estivesse presente teria votado a favor do projecto que auctorisa o governo para fazer um accordo com a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste.

O sr. Presidente: - Lançar-se-ha na acta a declaração do digno par.

Devo participar á camara que a deputação encarregada de levar á real sancção os authographos de varios decretos das côrtes geraes foi recebida por Sua Magestade com a sua costumada benevolencia.

Passámos á ordem do dia que é a discussão do parecer n.° 18, que se vae ler. 4

ORDEM DO DIA

Parecer n.° 18

Senhores. - Foi presente á commissão especial, sorteada na sessão de 16 do corrente, o requerimento de D. Affonso de Serpa Leitão Pimentel, instruido com documentos, pelos quaes prova o seguinte:

1.° Que é filho legitimo e primogenito do segundo visconde de Gouveia, José Freire de Serpa Pimentel, par do reino já fallecido, e bem assim que possue moralidade e boa conducta (documento n.° 1); 2.°, que é maior de vinte e cinco annos de idade (documento n.° 2); 3.°, que seu dito pae prestára juramento e tomara assento nesta camara, como successor do pariato a seu pae o digno par do reino Manuel de Serpa Machado (documento n.° 3); 4.°, que se acha no goso de seus direitos politicos e civis (documentos n.º4 à e 5); 5.°, ser bacharel formado pela universidade de Coimbra nas faculdades de philosophia e mathematica (documentos n.ºs 6 e 7); 6.°, que possue uma renda superior á exigida para a successão no pariato pela carta de lei de 11 de abril de 1845 (documentos n.ºs 8 e 9).

A commissão, tendo examinado attentamente os mencionados documentos e feito as devidas confrontações, como dispõe a carta de lei acima citada, é de parecer que o pretendente D. Affonso de Serpa Leitão Pimentel está nos termos de tomar assento nesta camara, prestando previamente o devido juramento.

Sala da commissão, em 18 de fevereiro de 1875. =José Lourenço da Luz = Conde de Fornos de Algodres = Marquez de Fronteira - Conde de Bomfim = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Como nenhum digno par pede a palavra, vou pôr á votação este parecer. Esta votação é por espheras, que vão ser distribuidas pelos dignos pares.

Fez-se a distribuição.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á chamada; e devo observar aos dignos pares que na uma da direita é onde se deve lançar a esphera que significai voto, e na da esquerda a esphera que serve de contra-prova.

Feita a chamada e concluida a votação.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares os grs. Franzini e Visconde da Silva Carvalho para virem á mesa assistir ao escrutinio.

Procedeu-se ao escrutinio.

O sr. Presidente: - Entraram na urna vinte e oito espheras, das quaes vinte e sete brancas, e portanto está approvado o parecer da commissão especial.

Vae ler-se o parecer n.° 16, que tambem foi dado para ordem do dia da sessão de hoje.

Leu-se na mesa o seguinte

Parecer n.º 16

Senhores. - A commissão de fazenda foi remettido o projecto de lei n.° 12, vindo da camara dos senhores deputados, que trata de fazer algumas alterações na legislação vigente sobre direitos de mercê.

Têem por fim essas alterações em resumo o seguinte: 1.°, tornar mais prompto e effectivo o pagamento do imposto, concedendo-se ainda tambem aos que actualmente o deverem um praso para requererem a sua realisação; 2.°, declarar comprehendida na pauta respectiva dos direitos a successão em mercê de titulos de juro e herdade; 3.°, estatuir que os direitos de mercê pagos por serventia temporaria sejam levados em conta quando o funccionario que os pagou passar á serventia vitalicia do mesmo logar; 4.°, isentar do imposto as gratificações abonadas por desempenho de commissões temporarias de serviço publico, e as inherentes a empregos que teem ordenados certos, quando elles constituem a parte principal dos respectivos vencimentos; 5.°, declarar que fica pertencendo ao ministerio dos negocios da fazenda a formação e successivas reformas da tabella das lotações de todos os empregos publicos sujeitos ao imposto; e 6.°, finalmente, determinar que o governo faça os regulamentos necessarios para a execução da lei, e codifique em um só diploma todas as disposições que ficarem vigorando sobre direitos de mercê.

A commissão, considerando que estas providencias tendem a melhorar a legislação actual sobre direitos de mercê, tornando-a igualmente em alguns casos mais clara e equitativa, e a assegurar alem disso mais efficazmente a cobrança do imposto, sem comtudo lançar novo onus ou gravame sobre os devedores, é de parecer que o projecto de lei deve ser approvado, para depois subir á sancção real.

Sala da commissão, em 18 de fevereiro de 1875. = Conde do Casal Ribeiro = Joaquim Thomás Lobo d'Avila = Antonio José de Barros e Sá = José Lourenço da Luz = Antonio de Gamboa e Liz = Carlos Bento da Silva = Custodio Rebello de Carvalho.

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Projecto de lei n.º 12

Artigo 1.° O pagamento em prestações dos direitos por merces lucrativas, quando os agraciados tiverem pelas mesmas merces ordenado ou vencimento certo, será realisado por meio de encontro no ordenado ou vencimento mensal que perceberem.

§ unico. Os agraciados com merces lucrativas sem vencimento certo por qualquer cofre, que, admittidos ao pagamento dos respectivos direitos em prestações, não satisfizerem, serão suspensos por todo o tempo que estiverem em divida.

Art. 2.° O pagamento em prestações dos direitos devidos por merces honorificas será sempre garantido com caução ou fiança idónea.

§ unico. Quando porem o agraciado perceber vencimento certo por qualquer cofre, poderá ser admittido a pagar as prestações por encontro no mesmo vencimento.

Art. 3.° Nenhuma pessoa agraciada com merce honorifica, pela qual sejam devidos direitos de merce, poderá usar da merce sem que se mostrem pagos os respectivos direitos, ou garantido o pagamento em prestações, nos termos do artigo antecedente.

§ unico. As pessoas agraciadas com merces honorificas, que ainda não tenham requerido o pagamento dos respectivos direitos em prestações, é concedido o praso de dois mezes contados da data da publicação da presente lei para requererem essa forma de pagamento.

Art. 4.° O praso para o pagamento de direitos de merce será de tres mezes para os agraciados residentes nas ilhas adjacentes, de oito mezes para os que residirem nas provincias ultramarinas de aquém do Cabo da Boa Esperança e dezoito mezes para os que residirem nas provincias ultramarinas de alem do mesmo cabo.

Art. 5.° A successão em merce de titulos de juro e herdade é declarada comprehendida na pauta regulamentar annexa ao decreto de 31 de dezembro de 1836, e sujeita portanto aos direitos de merce estabelecidos na mesma pauta para os respectivos titulos.

§ unico. Na liquidação dos direitos de merce por titulo de juro e herdade, se houver logar a pagamento de direitos pelos titulos immediatos inferiores, deverão estes ser considerados como sendo de vidas.

Art. 6.° Nas merces de titulos em mais de uma vida, quer se designe ou não a pessoa em que a vida haja de verificar-se, só depois de verificada esta será devido o pagamento dos direitos correspondentes ao titulo.

Art. 7.° Os direitos de merce, pagos por serventia temporaria, serão levados em conta, quando o funccionario que os pagou passar a serventia vitalicia do mesmo logar.

Art. 8.° As gratificações abonadas por desempenho de commissões temporarias de serviço publico, e as inherentes a empregos que teem ordenados certos, quando os ordenados constituem a parte principal dos respectivos vencimentos, declaram-se isentas de direitos de merce.

Art. 9.° Fica pertencendo ao ministerio dos negocios da fazenda, pela direcção geral das contribuições directas, a formação e successivas reformas da tabella das lotações de todos os empregos publicos sujeitos a direitos de merce.

Art. 10.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução da presente lei, codificando em um só diploma todas as disposições que ficarem vigorando sobre direitos de merce.

Art. 11.° Fica por esta forma alterado o artigo 6.° da carta de lei de 11 de agosto de 1860, e interpretados o decreto de 31 de dezembro de 1836, o artigo 2.° da lei de 11 de agosto de 1860 e o artigo 5.° da lei de 1 de julho da 1867, e revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 11 de fevereiro de 1875. Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.

O sr. Ornellas: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Sr. presidente, não posso deixar de fazer algumas reflexões sobre o projecto que v. exa. acaba de pôr á discussão. Comquanto não seja contrario a todas as suas disposições, discordo completamente dos principies que vem estabelecer na parte que altera a legislação actual sobre os direitos devidos por merces honorificas.

Não duvido que a muitas pessoas pareça leve e não assas digno da attenção da camara um assumpto que é frequentemente taxado de futilidade com que sómente &e entretêm as vaidades pueris. Penso a este respeito per modo muito diverso, penso como o marquez de Pombal, que, no preambulo de uma de suas leis, diz que é o premio dos serviços um dos poios da ordem politica, sendo o outro o castigo dos criminosos.

Sr. presidente, se eu soltasse a língua sobre tal materia, se desabafasse o que me vem ao pensamento, fatigaria de certo a camara e ultrapassaria os breves limites em que desejo circumscrever-me.

Quam longe vamos da pratica salutar e unica justificavel na distribuição de merces honorificas!

Todos os principios, todas as regras teem sido postergados.

As mesmas insignias das nossas ordens, esses symbolos religiosos e guerreiros, que tanto se harmonisavam com o espirito da antiga monarchia, quam estranhas e deslocadas se acham no prosaico e materialista ambiente de mundo contemporaneo!

O habito de Christo, que dantes premiava gentilezas de valor ou grandes serviços ao estado, o habito de Christo, que Luiz de Camões não obteve depois de ter escripto os Lusíadas, pendeu ou pende ainda do peito de um bailarino.

A insígnia da ordem de Santiago, união da cruz e da espada, o symbolo em que mais profundamente estava gravado o cunho religioso e militar das antigas instituições, recompensa hoje talentos histrionicos e professores materialistas.

Não nego que o talento artistico, que a sciencia, embora independente da religião ou a ella hostil, possam ou devam ser objecto de distincções publicas. Quizera porem que se harmonisasse o signal e a cousa significada, se é que se não obliterou já de todo o sentimento dessa harmonia.

No interesse dos mesmos agraciados, preferia que se não pendurasse a cruz de Christo ao peito de quem professa a religião israelita, nem se desse a venera do Apostolo das Hespanhas a quem não crê no christianismo.

Para uma nova ordem de cousas, inventem-se symbolos novos, adaptados ás idéas dominantes, e com ellas consentaneos.

É isto uma questão de sentimento, de arte se quizerem; mas que merece e tem obtido a attenção de muitos e grandes homens d'estado.

Quando ha pouco a Allemanha, ainda depois de seculos de lutas intestinas, se preparou a repellir a aggressão do seu inimigo hereditario; restabeleceu o rei da Prussia a ordem da Cruz de Ferro, que servira de distinctivo e de premio aos serviços prestados nas famosas campanhas de 1813 e 1814.

Facil é ver quanto era appropriado a excitar e estimular os animos, um signal que relembrava a cruzada contra a tyrannia e oppressão dos francezes, a epocha em que as senhoras de Berlim vendiam as suas jóias e traziam em vez dellas adereços e ornamentos de ferro.

Eis uma prova de que ainda neste seculo e nos paizes mais adiantados, o uso destes distinctivos não é considerado futil nem digno de irrisão. Mas para serviços que não

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são militares, para o merito civil, ou artistico, ou scientifico, quero tambem insignias de honra; sómente desejo que sejam appropriadas. Napoleão I, cujo génio universal se estendia ás mais pequenas cousas, querendo crear uma ordem nova para remunerar serviços num paiz que rompera violentamente a cadeia das tradições, não foi resuscitar as ordens de S. Miguel ou do Espirito Santo, escolheu uma estrella para emblema da Legião de Honra, e póde assim concede-la a todos os benemeritos de qualquer religião, de qualquer profissão que fossem.

Mas não prosseguirei mais em considerações que só servem para revelar a originalidade das minhas idéas, ou, para melhor dizer, a singularidade das minhas opiniões.

E tempo de entrar no mais especial do assumpto e dizer em que consiste na minha opinião o defeito capital do projecto que discutimos. Tira elle ás merces honoricas o caracter de recompensas cívicas, de premios sociaes ao merito e á virtude, e converte as em dixes com que se entretém a vaidade dos homens que por meios mais ou menos legitimos engrossaram sua fazenda, ou lentejoulas com que pretendem adornar-se aquelles que se envergonham da vulgaridade da sua origem. Não sou talvez justo dizendo que isto faz o projecto, mais exacto é dizer que já está feito e que elle só o exagera. Quando é publico que quem deseja um titulo, entrega a um amigo uma somma para ser empregada de modo que o titulo se obtenha, não será licito dizer que as merces se compram? Que vende-las por bom preço é alvo a que se mira?

Tenho pois que propor algumas alterações ao projecto e primeiramente ao artigo 2.°, que diz que "o pagamento em prestações dos direitos devidos por merces honoricas será sempre garantido, com caução ou fiança idónea." Votar esta disposição tal como está no projecto é o mesmo que declarar que a idéa que presidiu a sua redacção foi uma idéa excessivamente fiscal, com sacrificio manifesto dos verdadeiros interesses sociaes e das instituições politicas que desejámos conservar.

A entidade do monarcha não deve estar isolada e estranha entre as mais instituições;, deve penetra-las todas e assimila-las como principio creador de toda a hierarchia social. As distincções honorificas são da essencia da monarchia.

Diz Montesquieu que é a honra o principio das monarchias. Isto é, que o amor. da gloria, das distincções sociaes, da fama e do nome honrado, são os grandes motores da organisação monarchica.

Mas como ligar essas idéas com as honras obtidas a peso de dinheiro, cujo pagamento é garantido contra a possivel má fé do devedor, com caução e fiança idónea? Quem se julgará honrado com tal merce, quem exporá a vida para obte-la? Quem irá ganha-la ao meio dos batalhões inimigos, ou affrontará por ella uma epidemia ou um incendio? Assim se destroe um dos mais poderosos estimulos para os grandes feitos, assim se priva o estado dos meios de premiar sem despeza serviços que nenhum oiro póde pagar nem obter. Até financeiramente é mau o projecto, pois dobrado dinheiro será necessario, onde se não poder pagar com a honra.

Pois ha um homem que tenha feito verdadeiros serviços ao paiz, e que se tenha distinguido por elles, tornando-se digno de uma recompensa da parte de El-Rei, e intima-se-lhe que não use dessa merce sem ter pago os direitos e satisfeito o fisco? Tudo isto mostra que a consideração principal nesta lei é grangear proventos para o thesouro publico.

Eu entendo que este systema é deploravel, e tem funestas consequencias. Alem de ser profundamente desmoralisador, attenta contra a igualdade garantida a todos os cidadãos, distinguindo delles e pondo-lhes como adiante, homens sem merito, nem valia alguma real. Repito, continuando a proceder-se da forma que se tem procedido, deixa de existir o principal estimulo para que grandes serviços se prestem; e ninguem pensará mais em praticar actos de extrema dedicação, quando em vez de uma recompensa tiver de soffrer uma multa.

O sr. ministro da fazenda, e muitas pessoas que me ouvem, sabem que tem acontecido varias vezes querer El-Rei premiar verdadeiros serviços, serviços eminentes e distinctos, e os agraciados lhe teem pedido por merce que os não distinga ou que os não multe. No actual systema de recompensas uma cousa vale a outra.

E ao mesmo tempo que essas distincções teem baixado na consideração publica, teem subido de valor monetário, e por isso é cada vez mais penoso a quem pensa e tem dignidade despender grossas sommas em troco de um enfeite desprestigiado. Num paiz como o nosso, onde as fortunas são pequenas, e os empregados publicos se acham pobremente remunerados, acontece muitas vezes que o outorgar uma recompensa honorifica equivale a ir cortar pelos meios de subsistencia do agraciado. São estas considerações que me levaram a propor alguma á substituições a este projecto, as quaes vou ter a honra de mandar para a mesa; mas, antes disso, não posso deixar de fazer tambem algumas reflexões com relação ao artigo 5.°, que me parece está em desaccordo com o parecer da illustre commissão de fazenda. Affirma ella que nenhum novo ónus se impõe aos contribuintes, e eu penso que este artigo aggrava a situação delles, por isso que introduz uma disposição inteiramente nova nesta materia.
O artigo 5.° diz. (Leu.) - Parecia-me, seja-me licito dize-lo, que era mais conforme com as regras da hermeneutica proceder por inserção de uma nova disposição na lei, do que por declarações do que nella não vejo implícito. Seria, a meu ver, muito mais conforme com a maneira por que se procede na reformação das leis fiscaes dizer se: "na pauta annexa á lei de 31 de dezembro de 1836 fica de ora em diante incluida a successão nos titulos de juro e herdade".

V. exa. sabe muito bem que não póde haver interpretação lata em materia de impostos, onde só é permittida a mais stricta interpretação. Tudo o que não está claro e expresso, ninguem póde presumi-lo ou declara-lo.

Ora, a legislação que, visto o silencio do decreto de 31 de dezembro de 1836, rege a successão nos titulos de juro e herdade, a meu ver (e eu peço aos distinctos jurisconsultos que me ouvem que rectifiquem o que houver de inexacto nas minhas affirmações), é o regimento de 11 de abril de 1661, e este regimento diz em dois Jogares, da maneira mais clara e terminante, que na successão dos titulos de juro e herdade se pagará um direito de merce equivalente ao direito que se paga da chancellaria, isto é, equivalente ao sêllo, segundo a terminologia moderna.

Os titulos de juro e herdade, como a sua propria denominação o indica, são titulos hereditários. A corôa não intervém, quando elles se transmittem, senão para confirmar e examinar se na pessoa que pretende a successão do titulo não concorrem circumstancias que a inhabilitem e a tornem indigna de continuar nessa successão. E mesmo assim a legislação portugueza é mais severa e rigorosa do que a dos outros paizes.

Quasi todos os paizes da Europa, se exceptuarmos a Inglaterra, aonde todavia existem ainda assim os titulos de côrtezia que se dão aos successores das casas titulares, e pelos quaes todos os tratam excepto o governo nos documentos officiaes, e a Hespanha, aonde se recorreu ao expediente desgraçado de augmentar os rendimentos publicos explorando a vaidade humana, quasi todos os paizes, repito, consideram os titulos, uma vez concedidos, em remuneração de relevantes serviços ou façanhas memoraveis, como se constituissem dahi em diante o nome da familia, e a elle andassem indissoluvelmente ligados.

Na Russia, na Suecia, na Dinamarca, na Áustria, na Allemanha os titulos de nobreza são apanagio commum dos membros das familias que os possuem, cabendo a todos desde que nascem o direito de usa-los sem necessidade

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de confirmação alguma, de usar desses titulos que estão vinculados á familia, e que recebem por herança como o nome de seus maiores.

Entre nós não é assim. E todavia não mereceu menos que as outras a nobreza portugueza. Os titulos dos seus brasões estão gravados na superficie do globo, do Cabo da Boa Esperança ao Estreito de Magalhães, das regiões da Terra Nova até ás remotas Molucas. Ao nome de cada um dos paizes que fomos mostrando ao mundo está ligado o do seu descobridor, e esse descobridor foi um portuguez. Pois esses homens que fizeram a nossa historia legam aos seus descendentes os nomes que teem de aprender todos os que estudam o nosso glorioso passado, mas não legam com elles os titulos, as honras que servem de commemorar os seus feitos, de commemora-los só; de honra-los não, são elles que honram a patria! Pois pelo projecto em discussão, para que possam usar desses titulos, carecem os seus representantes de uma confirmação onerada com um imposto tão avultado como se fossem objecto de uma nova merce: Ora, não se concedendo nunca as merces de juro e herdade senão por assignalados serviços, e sendo ellas concedidas para perpetuar a memoria dos feitos que devem servir de estimulo e de exemplo, segundo a propria phrase dos diplomas, ás gerações futuras não é justo sobrecarregar os herdeiros, convertendo-lhes a distincção em um ónus.

No intuito, pois, de harmonisar o projecto com a doutrina que acabo de expor, vou offerecer uma emenda ao artigo 5.°, procurando por meio della, em vez de estabelecer uma nova jurisprudencia, suscitar as observancias da antiga disposição, acommodando-a á legislação actual, substituindo o antigo direito de chancellaria, que pelo cahos em que se acha a nossa legislação não pude bem averiguar a quanto montava, mas que era de certo um imposto similhante ao actual do sêllo, e harmonisando-o com todas as disposições da lei vigente, com respeito aos impostos de viação e a todos os outros addicionaes.

Mando, portanto, para a mesa a minha proposta, que passo a ler, pedindo a v. exa. que consulte a camara se consente que ella seja remettida á commissão de fazenda conjunctamente com o artigo.

Proposta

l.º Proponho a seguinte emenda ao artigo 2.° do projecto de lei n.º 12:

Art. 2.° Quando o agraciado com merce honorifica perceber vencimento certo por qualquer cofre, será tambem realisado o pagamento dos direitos que dever por meio de encontro no ordenado ou vencimento mensal que perceber.

2.° Proponho a suppressão do artigo 3°

3.° Proponho a seguinte emenda ao artigo 5.°:

Art. 5.° Pela successão em titulos de juro e herdade, pagar-se-ha de direitos de mercê uma somma equivalente ao sêllo devido pelo respectivo titulo.

Sala das sessões, 27 de fevereiro de 1875. = Agostinho de Ornellas.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta do sr. Ornellas.

Lida na mesa, foi admittida á discussão.

O sr. Ministro da Justiça (Barjona de Freitas): - Sr. presidente, eu pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara, que estou habilitado a responder á interpellação do sr. Bispo de Vizeu, com respeito ao cabido de Bragança, quando v. exa. e a camara o determinarem.

O sr. Presidente: - O sr. ministro da justiça acaba de se declarar habilitado para responder á interpellação do sr. Bispo de Vizeu. Naturalmente, porem, o digno par não deseja que se interrompa a discussão do projecto de que a camara se está occupando; e portanto, se s. exa. se não oppõe, darei a interpellação para a ordem do dia da sessão immediata.

O sr. Bispo de Vizeu: - Pela minha parte, sr. presidente, acceito qualquer dia que seja indicado por v. exa.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): - Sr. presidente, o projecto que se discute é um projecto de lei fiscal, tendo unicamente por fim assegurar o pagamento de imposto que está estabelecido por lei; e ao mesmo tempo interpretar alguns artigos da lei vigente sobre os quaes se teem suscitado duvidas. As reflexões, aliás brilhantemente adduzidas pelo digno par que acaba de fallar, tenderam a combater a existencia dos direitos de merce. Ora, não me parece que estejamos agora tratando de estabelecer, nem de revogar nenhum imposto que tenha este caracter.

Como já disse, o assumpto de que nos occupamos não é mais nem menos do que assegurar o pagamento de um imposto fixado por lei, e de declarar e interpretar alguns artigos sobre os quaes se teem levantado duvidas e contestações.

Sr. presidente, o imposto denominado "direitos de merce" não é de certo o mais lógico e defensivel perante os principios. Nesta parte estou completamente de accordo com o digno par; mas dir-lhe-hei tambem que, se nós formos a examinar um por um todos os impostos estabelecidos no orçamento do estado, sem os compararmos com outros e com as circumstancias do paiz, chegaremos á condemnação de todos. E s. exa., que é muito illustrado, sabe que não ha nenhum imposto, ainda mesmo aquelles que á primeira vista parecem os mais lógicos, contra os quaes os homens de sciencia não se tenham manifestado, mostrando que são absolutamente injustos; mas, torno a repetir, não é disto que se trata.

É possivel que a illustre commissão, se a camara decidir, que lhe sejam remettidas estas propostas de s. exa. queira occupar-se dellas, e dar parecer, como muitas vezes tem succedido, quando na discussão de um projecto se apresentam propostas ao mesmo. Dessa maneira fica a camara habilitada a votar com mais conhecimento de causa; comtudo, seja-me permittido declarar desde já, que, entre as propostas do digno par, ha uma, da qual eu discordo completamente; e é aquella que diz, que na successão doe titulos de juro e herdade se não paguem os mesmos direitos que pagam os agraciados peia primeira vez.

Admittindo o principio, que se pague um imposto pela merce, não acho motivo para que o que gosa della por herança não pague os mesmos direitos que pagou o que a recebeu pela primeira vez.

Se devesse haver uma excepção, na minha opinião, devia ser antes em sentido contrario áquelle que deseja o digno par, isto é, seria em favor dos primeiros agraciados, porque estes recebem uma merce em remuneração de serviços prestados, emquanto os successores a gosam por serviços que não prestaram, mas outros. Portanto, neste ponto estou, como já disse, em completa dissidencia de s. exa.

Emquanto ás outras propostas, se a camara resolver que vão á commissão, não me opporei a isso, e sobre ellas darei a minha opinião, quando se apresentar o respectivo parecer.

O orador não reviu as suas notas.

O sr. Custodio Rebello de Carvalho: - Sr. presidente, teem-se estabelecido em differentes epochas varias providencias ácerca de direitos de merce, e comtudo a legislação actual sobre o imposto não se póde dizer perfeita. Foi convencido disto que o governo entendeu dever apresentar na camara dos senhores deputados, no principio, da actual sessão legislativa, uma proposta de lei, tendente não só a melhorar a legislação actual, estendendo tambem as suas disposições a uma classe que até aqui não estava comprehendida, mas igualmente a tornar mais effectiva a cobrança do imposto.

Na camara dos senhores deputados a proposta de lei não soffreu alteração alguma; sómente se propoz e foi approvado um additamento ao artigo 3.°, concedendo o praso de dois mezes ás pessoas agraciadas com merces honorificas,

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que ainda não tivessem requerido o pagamento dos respectivos direitos em prestações.

O projecto de lei respectivo vem para esta camara, e a commissão de fazenda a quem foi remettido julgou conveniente approva-lo, dando um parecer nesse sentido. Mas agora, que elle está em discussão, é certamente a occasião propria para fazer nelle os melhoramentos que a illustração dos membros da camara suggerir.

O digno par o sr. Ornellas apresentou propostas para serem alteradas algumas das disposições do projecto. Eu poderia desde já dizer alguma cousa sobre ellas; porem abstenho-me nesta occasião de o fazer, porque o que eu teria a dizer poderia talvez exprimir só as minhas opiniões individuaes, e não as da commissão, que não sei quaes são, e precisa ser ouvida, assim como o sr. ministro da fazenda por parte do governo.

Peço portanto a v. exa., como relator da commissão, que consulte a camara se quer que ellas lhe sejam remettidas, a fim de as examinar e dar o seu parecer, não só sobre as que acaba de apresentar o digno par o sr. Ornellas,- mas sobre quaesquer outras que algum digno par julgue conveniente mandar ainda para a mesa.

Por emquanto não entro em mais largas considerações.

O sr. Presidente: - Parece-me que o digno par, como relator da commissão, pede que as propostas apresentadas pelo sr. Ornellas sejam remettidas á commissão de fazenda.

O sr. Custodio Rebello de Carvalho: - Por parte da commissão, peço que vão, não só estas, mas quaesquer outras que se apresentem.

O sr. Presidente: - A minha intenção era, acabada a discussão na generalidade, consultar a camara sobre cada um dos artigos do projecto (apoiados), porque ha alguns a respeito dos quaes se não propõem alterações j e aquelles em que se pretende faze-las, eu consultava igualmente a camara se consentia que fossem á commissão com essas propostas. Se a camara concorda nisto, continua a discussão placidamente. (Apoiados.)

Chamo a attenção do digno relator para isto.

Parecia-me melhor que, não mandássemos desde já as propostas á commissão, por isso que póde acontecer que tenhamos de lhe enviar mais algumas de qualquer outro digno par (Apoiados.) A medida que se forem discutindo os artigos aos quaes são apresentadas emendas e substituições, então a camara resolverá se devem ou não ser remettidas á commissão.

As emendas e substituições offerecidas pelo digno par o sr. Ornellas são aos artigos 2.°, 3.° e 5.°

O sr. Custodio Rebello: - Tudo o que v. exa. acaba de dizer é muito regular, e é o que se deve fazer; mas tambem os dignos pares não deviam agora, por occasião da discussão na generalidade, apresentar proposta alguma a respeito dos artigos do projecto e reservar-se sim para quando se tratasse da discussão na especialidade. Uma vez que assim se não praticou, e creio que as propostas do digno par o sr. Ornellas foram já admittidas á discussão, tinha a meu ver todo o cabimento o pedido que fiz.

Como relator e em nome da commissão declaro que julgo indifferente que as propostas lhe sejam já remettidas, ou esperar que se discutam os artigos a que se referem. O que desejo é que se não tome sobre ellas resolução sem primeiro serem remettidas á commissão para as examinar, e dar sobre ellas o seu parecer.

O sr. Agostinho de Ornellas (sobre a ordem): - Sr. presidente, estou perfeitamente de accordo com a maneira de resolver sobre as minhas propostas, que v. exa. acaba de submetter á deliberação da camara, mas se pedi a palavra foi para responder a uma especie de advertencia que o illustre relator da commissão me dirigiu ácerca do momento que escolhi para as apresentar.

Não é para admirar que, sendo eu tão novo nesta camara, e não conhecendo ainda o seu regimento (porque baldados foram os esforços que fiz para obter um exemplar delle), deixasse de me conformar com as regras estabelecidas.

Se apresentei estas propostas na occasião de se discutir o projecto na sua generalidade, foi porque ellas comprehendiam uma grande parte delle.

Ser-me-ia necessario, para ir de accordo com a opinião do digno par, que, na especialidade, á medida que entrasse em discussão cada um dos artigos, eu me fosse levantando, apresentando e justificando propostas que, embora diversas na forma e referindo-se a disposições tambem diversas, têem todas de commum o mesmo principio, e todas se referem á parte do projecto em discussão, que modifica a legislação actual sobre o pagamento de direitos por merces honorificas.

Julguei tornar assim mais saliente a sua mutua cohesão e escolhi o ensejo que me pareceu mais proprio para discutir com mais desassombro e comparar entre si as disposições de que discordo.

Sirva-me isto de desculpa senão de justificação.

O sr. Presidente: - Eu vou portanto consultar a camara sobre o andamento que deve ter esta discussão.

Parece-me que, tendo o sr. Agostinho Ornellas proposto emendas a determinados artigos, e estando o projecto em discussão na sua especialidade, devem esses artigos e as propostas do digno par ser discutidas ao mesmo tempo que os outros artigos.

A camara assim resolveu.

O sr. Conde de Linhares: - Disse que não desejava protrahir esta questão, mesmo porque se conformava com as opiniões que acabava de apresentar o digno par e seu amigo o sr. Agostinho Ornellas. Pediu a palavra por ter ouvido ao exmo. ministro da fazenda uma proposição, que por democratica, se não conformava com as idéas delle orador, e com effeito s. exa. disse, respondendo ao sr. Ornellas, que lhe parecia, que se algumas merces deviam pagar mais, seriam justamente as de juro e herdade, por isso que recaiam em pessoas que não tinham prestado pessoalmente o serviço remunerado, emquanto que as outras recompensavam directamente o serviço do agraciado.

Ora existindo ainda em Portugal muitos titulos que representam serviços revelantissimos feitos ao paiz, taes como, por exemplo, o titulo dos descendentes de Vasco da Gama, de D. João de Castro, e outros heroes que illustraram a nossa historia, e que recordam descobrimentos, navegações e feitos portentosos, que tornaram grande o nome portuguez, não parece ao orador, que similhantes titulos possam entrar em paralello com os que na actualidade se dão muitas vezes com o unico pretexto de ser o agraciado rico, e de ter a vaidade de querer ser titular., Não ha duvida que o herdeiro de um heroe não tem tanto jus a uma distincção desta natureza, como o seu antepassado, que a mereceu por altos feitos; mas entretanto, e na carência de heroes modernos, julga o orador que os representantes dos antigos, merecem, comquanto pobres e arruinados, mais alguma contemplação do que qualquer vaidoso ricasso que se lembre de querer ser visconde, unicamente porque na actualidade é o oiro o rei do mundo.

Não póde tambem deixar de lembrar ao governo a necessidade de ser mais parco na distribuição destas merces honorificas, principalmente para o Brazil, se lhe quizer conservar o prestigio que ellas devem ter, para assim poderem servir de incentivo e recompensa de verdadeiros serviços feitos ao paiz, e que muitas vezes se não podem remunerar de outra maneira.

O sr. Ministro da Fazenda: - Eu não quiz comparar os herdeiros dos que prestaram grandes serviços ao paiz com aquelles que não fizeram esses serviços; mas estabelecendo a lei o direito de merce, disse por modo de argumento, que o primeiro que recebeu a merce em recompensa do serviço que fez, porque não podia haver essa recompensa sem ter feito o serviço, deveria pagar menos imposto do que aquelle que não prestou esse serviço,

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tendo de estabelecer-se alguma differença nos direitos de merce. Quanto á comparação que fez o sr. conde de Linhares com referencia a Vasco da Gama e outros heroes, que prestaram relevantes serviços ao nosso paiz, e foram mal renumerados, como a lei concede ao rei o poder de conceder essas merces, sendo dignos dellas, quem tem mais rasão para ser premiado é o que prestou o serviço, e não o outro que herdou a merce, e por isso observei que quem recebeu a merce em recompensa dos serviços que fez deveria pagar em tal caso menos imposto do que aquelle que não prestou o serviço.

Era unicamente esta explicação que eu queria dar ao digno par. Mas já que estou com a palavra acrescentarei, com relação ás observações feitas pelo sr. Ornellas, que por mais de uma vez affirmou que este projecto alterava a legislação actual... Peço perdão a s. exa. Este projecto não faz mais do que interpretar a legislação actual. O facto é que os titulares, os que recebem o titulo por herança pagam direitos de merce, e nesta casa estão muitos dignos pares que os pagaram. Ora, como a legislação actual não é clara e precisa de interpretação, por isso é que proponho este artigo, que não estabelece doutrina nova no imposto dos direitos de merce, mas limita-se a declarar o que está estabelecido na legislação actual e o que se tem feito na pratica.

(O orador não reviu as suas notas.}

O sr. Presidente: - O sr. conde do Bomfim pediu a palavra, e não sei se é sobre o parecer que está em discussão.

O sr. Conde do Bomfim: - É para fazer algumas observações sobre o artigo 2.° do projecto.

O sr. Presidente: - Então darei a palavra ao digno par quando se tratar da especialidade.

Tem o sr. Ornellas a palavra.

O sr. Ornellas: - Sr. presidente, se as propostas que apresentei teem de ir á commissão que examinou o projecto que se discute, e se a mesma commissão tem de dar sobre ellas um parecer que ha de vir a lume, não prolongarei a discussão na generalidade, limitando-me simplesmente a replicar ao sr. ministro da fazenda com relação á conveniencia ou não conveniencia de se exigir igual direito, tanto aos successores de titulos hereditários, como áquelles que com elles são agraciados pela primeira vea. Direi a s. exa., que se a pratica é exigir igualmente o imposto a uns e outros, não é ella conforme á legislação vigente.

O sr. ministro da fazenda sabe perfeitamente que não é licito interpretar em materia de impostos, e só applicar o que está expresso e claramente determinado.

Reconheço que ha uma lacuna na legislação actual. Essa legislação é o decreto de 31 de dezembro de 1836. Nesse decreto não se faz menção dos direitos a pagar por successão nos titulos de juro e herdade, trata elle só dos direitos correspondentes ás merces concedidas pela primeira vez.

Portanto, não está em vigor para a successão naquelles titulos senão a legislação anterior ao decreto citado, se não tiver sido expressamente revogada.

Embora fosse abolido o tribunal da chancellaria e os velhos e novos direitos, não foi ainda alterado o principio de sujeitar a successão dos titulos, por juro e herdade, a um direito muito mais moderado do que aquelle que se exigia pelas novas concessões.

É este o principio estabelecido por uma legislação que ainda não foi revogada por nenhuma disposição legislativa posterior, por isso affirmei e continuo a affirmar, apesar do que s. exa. me fez a honra de dizer, que nas disposições do projecto se introduz uma doutrina nova, embora se procure encobrir esse facto debaixo da forma de uma declaração que entendo ser inadmissível em materia de contribuições.

Vê-se que foi empregada a palavra declaração para dar á lei um verdadeiro effeito retroactivo, justificando os direitos que já se cobraram em virtude de uma illegitima interpretação.

Direi mais que fiquei surprehendido quando ouvi dizer a s. exa. que se tinha exigido e cobrado por encartes na successão de titulos de juro e herdade direitos iguaes aos das novas merces.

Se eu estivesse no caso de qualquer dessas pessoas a quem foram exigidos esses direitos, e se ainda assiste aos simples particulares algum direito a pleitear com o estado, intentaria um processo contra elle, por me exigir indevidamente um tributo não auctorisado por expressa disposição legislativa.

Nós votámos todos os annos na lei de receita, que ficam expressamente prohibidos todos os impostos que não estiverem declarados e especificados na legislação vigente. E é esta uma das mais preciosas garantias constitucionaes. Portanto, este imposto, a meu ver, exige-se sem fundamento algum legal. É esta a minha opinião, que sei que não tem auctoridade; mas não desisto della, ainda que não possa adduzir em seu apoio senão a minha convicção e as rasões que deixo expostas.

Sr. presidente, emquanto a deverem os successores ser onerados com o mesmo direito que os primeiramente agraciados, direi que s. exa. apresentou um argumento que realmente é plausivel, comquanto pareça provar que em caso nenhum se devia cobrar tal direito; mas parece-me que se esqueceu de que o fim das merces hereditarias é perpetuar a memoria dos que prestaram serviços ao paiz, dos que teem praticado algum assignalado feito a bem do estado. É como se perpetua a memoria desses serviços? Ê conservando nos successores os mesmos titulos de galardão quando se não tornam indignos de os gosar. E esta tambem uma das rasões da hereditariedade desta camara.

Por consequencia, sr. presidente, entendo que não deve ser lançado imposto maior sobre os que teem a honra de representar os grandes nomes. Qual é o proveito que hoje auferem do facto de sustentarem um titulo? Não vejo que lhes provenham dahi senão encargos maiores, pela obrigação que lhes incumbe de occuparem uma posição mais conspícua, e de satisfazerem aos deveres moraes e materiaes que lhes impõe essa posição. Hoje somos todos iguaes perante a lei; só teem alguma regalia de precedencia na côrte os que herdaram algum titulo, mas essa regalia parece-me, sem faltar ao respeito devido ás prerogativas da côrte, pequena compensação para a pesada multa que esta innovação lhes impõe.

O sr. Presidente: - A este artigo apresentou o sr. Ornellas uma emenda, que vae ler-se. (Leu-se.)

O sr. Conde do Bomfim: - Sr. presidente, para obviar a quaesquer duvidas que possa haver sobre o projecto, com respeito á lei que concedeu aos funccionarios civis e militares o poderem pagar em prestações pelos seus vencimentos os respectivos direitos de merce, e para que a lei não possa ter effeito retroactivo com respeito aos funccionarios que estão pagando os direitos de merce segundo a lei vigente, mando para a mesa um additamento ao § unico do artigo 2.°, esperando que mereça a approvação da camara.

O meu additamento é o seguinte. (Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa o additamento do sr. conde do Bomfim.

Additamento ao § unico d'este artigo

Os agraciados civis e militares, a quem já foi concedido satisfazerem os direitos de merce, por alguma outra forma de pagamento, continuarão a solver o resto dos seus respectivos debitos, segundo as condições a que se obrigaram.

Lido na mesa foi admittido á discussão.

O sr. Presidente: - Não havendo mais quem peça a palavra, vou consultar a camara sobre se quer que o artigo 2.°, coxa a emenda do sr. Ornellas e o additamento

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do sr. conde do Bomfim, seja remettido á commissão de fazenda.

Assim se resolveu.

Leu-se em seguida na mesa o artigo 3.°

O sr. Presidente: - O sr. Ornellas propoz a suppressão deste artigo. Como ninguem pede a palavra, vou consultar a camara se quer que a proposta do sr. Ornellas vá á commissão com o artigo, ou se deseja pronunciar-se desde já. Os dignos pares que são de voto que o artigo volte á commissão com a proposta terão a bondade de o manifestar.

Procedeu se á votação.

O sr. Presidente: - Segundo me parece, está approvado.

Vozes: - Contra-prova.

O sr. Presidente: - Visto haver duvida sobre a votação, vou novamente consultar a camara. Os dignos pares que são de voto que não é necessario voltar o artigo á commissão, por conter a proposta unicamente um pedido de eliminação, terão a bondade de se levantar.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: - Em vista da resolução da camara, continua em discussão o artigo 3.°

(Pausa.)

Não havendo quem peça a palavra, vou consultar a camara. Segundo o nosso regimento as substituições são votadas, se a materia principal não é approvada; portanto se o artigo for approvado, fica prejudicada a substituição.

O sr. Ornellas (sobre o modo de propor): - Como a votação deste artigo prejudica a minha substituição, confirma os principios que combato, e vae de encontro áquelles em que firmei as minhas outras propostas; peço licença a v. exa. e á camara para as retirar, se elle for approvado.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre o artigo 3.°

Consultada a camara foi approvado o artigo.

O sr. Presidente: - Ficou por consequencia prejudicada a substituição do sr. Ornellas. O digno par pede para retirar as outras propostas, todavia, com relação a uma dellas já a camara resolveu que fosse remettida á commissão de fazenda. A camara pôde, porem, tomar uma resolução em contrario se assim o julgar conveniente, no caso do digno par insistir pelo seu pedido.

O sr. Ornellas: - Eu insisto pelo meu pedido. A camara já votou um principio contrario aos que eu procurava estabelecer, por consequencia tornam-se desnecessárias as outras propostas que offereci e aquella mesma que a camara já resolveu que fosse á commissão.

O sr. Presidente: - A resolução da camara só póde ser revogada por uma nova resolução, portanto consultarei opportunamente a camara sobre o pedido do digno par.

Vae ler-se o artigo 4.°

O sr. Secretario: - Leu o artigo 4.°

Foi approvado sem discussão.

Leu-se o artigo 5.°

Õ sr. Presidente: - Ha uma proposta do sr. Ornellas sobre este artigo. Vae ler-se a referida proposta, para entrar em discussão com o artigo 5.°

Leu-se na mesa e poz se em discussão.

O sr. Ornellas: - Peço licença para declarar que eu pedi já para retirar as minhas propostas.

(Apoiado do sr. Miguel Osorio.)

Desde o momento que a camara votou um principio contrario áquelle em que ellas se fundam, essas propostas não teem rasão de ser.

Queira pois v. exa. consultar a camara se consente que eu as retire.

O sr. Presidente: - Com relação a uma das propostas do digno par, já a camara resolveu que fosse á commissão; é a que diz respeito ao artigo 2.° Este artigo não tem de voltar á commissão unicamente por causa da emenda do digno par; mas tambem em rasão do additamento proposto pelo sr. conde do Bomfim.

O sr. Ornellas: - Não tenho duvida alguma em que o additamento proposto pelo sr. conde do Bomfim vá á commissão; dando-se porem a circumstancia, que já notei, de ter a camara votado um principio contrario áquelle em que as minhas propostas se baseavam, insisto sempre, não só em retirar as que ainda não foram discutidas, mas tambem a emenda ao artigo 2.°, que a camara resolveu fosse á commissão.

Está essa emenda em contradição com o artigo 3.°, que já foi votado, e portanto desde já a considero, prejudicada.

O sr. Presidente: - Como já observei ao digno par, a sua emenda ao artigo 2.° tem de ir á commissão conjunctamente com o artigo, porque a camara já assim o resolveu; porem se v. exa. insiste em retirar todas as suas propostas, é preciso que haja uma nova resolução da camara, que torne sem effeito a anterior;

Em primeiro logar vou consultar a camara se consente que o digno par retire a proposta que apresentou com respeito ao artigo 5.°, que é o que está agora em discussão.

Os dignos pares que approvam que o sr. Ornellas retire a emenda que propoz ao artigo 5.° tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Está pois o digno par auctorisado a retirar a sua emenda ao artigo 5.° Depois de se votar este artigo, proporei á camara, se permitte que o digno par retire tambem a sua emenda ao artigo 2.°

Os dignos pares que approvam o artigo 5.° tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que o sr. Ornellas retire a emenda que propoz ao artigo 2.°, e que a camara já resolveu que fosse á commissão conjunctamente com o mesmo artigo, o qual tem todavia que ali voltar, por causa do additamento que sobre elle propoz o sr. conde do Bomfim, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Secretario: - Leu o artigo 6.°

Posto á discussão, foi approvado, sem ninguem ter pedido a palavra; bem como os restantes artigos do projecto.

O sr. Presidente: - Este projecto- fica pendente do parecer que a commissão tem de dar com relação ao additamento proposto ao artigo.2.° pelo digno par conde do Bomfim.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Mando para a mesa um requerimento acompanhado de differentes documentos, do sr. Antonio Borges de Medeiros Dias da Camara e Sousa, que pede para tomar assento nesta camara como successor de seu pae, o sr. visconde da Praia.

O sr. Visconde da Praia Grande: - Mandou para a mesa um parecer da commissão de marinha.

Lido na mesa, mandou-se imprimir.

Foram tambem lidos tres pareceres mais da mesma commissão de marinha que haviam sido remettidos para a mesa pelos dignos pares Conde de Linhares, Pestana, e visconde da Silva Carvalho.

O sr. Moraes Carvalho: - Mando para a mesa o parecer da commissão especial encarregada de examinar o requerimento do sr. conde do Farrobo para tomar assento na camara dos dignos pares do reino, como successor de seu pae, conde do mesmo titulo.

Leu-se na mesa, e mandou se imprimir.

O sr. Miguel Osorio: - Peço á camara que me releve ter faltado até hoje ás suas sessões. Acontecimentos funestos que me enlutaram, e que me obrigaram a estar em casa mais tempo do que tinha tenção, foram causa dessa falta.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.

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Leu-se na mesa o requerimento do successor do sr. visconde da Praia.

O sr. Presidente: - Vae ser sorteada a commissão que tem de examinar o requerimento apresentado pelo sr. visconde de Chancelleiros, no qual o successor do sr. visconde da Praia pede para tomar assento nesta camara. (Pausa.)

O sr. Presidente: - Saíram sorteados para formar a commissão a que ha pouco me referi, os dignos pares:

Duque de Loulé.
Visconde da Praia Grande.
Alberto Antonio de Moraes Carvalho.
Visconde de Soares Franco.
José da Costa Sousa Pinto Basto.
Miguel Osorio Cabral de Castro.
Conde de Fonte Nova.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será na proxima terça feira, e a ordem do dia a interpellação do sr. bispo de Vizeu ao sr. ministro da justiça, o parecer n.° 20 e apresentação de trabalhos das commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 26 de fevereiro de 1875 Exmos. srs.: Marquez d'Avila e de Bolama; Duques, de Loulé, de Palmella; Condes, do Bomfim, do Casal Ribeiro, de Fonte Nova, de Fornos de Algodres de Linhares, de Podentes; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Bivar, de Chancelleiros, das Laranjeiras, de Monforte, dos Olivaes, da Praia Grande, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Barões, de S. Pedro, do Rio Zezere; Ornellas de Vasconcellos, Moraes Carvalho, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Eugenio de Almeida, Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Barreiros, Martens Ferrão, Trigueiros Martel, Lobo d'Avila, Pinto Bastos, Pestana, Franzini, Miguel Osorio.

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