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N.º 22
SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1883
Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - Correspondencia. - Requerimento do sr. Pires de Lima, pedindo esclarecimentos, pelo ministerio do reino, sobre o numero de estudantes matriculados nos lyceus. - O digno par chama a attenção do governo sobre o facto que constava de não terem ainda sido restituidos muitos dos objectos enviados á exposição da arte ornamental. - Responde o sr. ministro das obras publicas (Hintze Ribeiro). - O sr. Henrique de Macedo chama a attenção do governo para o facto de não estarem ainda nomeados os supplentes á presidencia da camara - Ordem do dia: entra em discussão o parerecer n.° 159, sobre o projecto de lei n.° 162, para a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, Mirandella e ramal de Vizeu. - O sr. Henrique de Macedo dirige ao governo uma pergunta previa, ácerca de declarações da companhia da linha da Beira Alta, com respeito á construcção do ramal de Vizeu. - Responde o sr. ministro das obras publicas. - Discursos dos srs. Abreu e Sousa, ministro das obras publicas e Vaz Preto, que apresenta uma moção e fica com a palavra reservada, sobre a materia, em discussão. - Apresenta-se o parecer sobre o projecto dispensando, dos direitos sobre a exportação da moeda, a companhia da cultura e commercio do opio em Moçambique.
Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presente 27 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Um officio do ministerio da marinha, enviando esclarecimentos, para satisfazer a um requerimento do digno par Antonio Augusto de Aguiar.
Ficaram sobre a mesa.
Outro do presidente da commissão promotora da exposição agricola portugueza, remettendo 150 exemplares de um cartaz que lhe diz respeito.
Mandaram-se distribuir.
Outro da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando a proposição de lei relativa ás marcas das fabricas.
Ás commissões de legislação e de agricultura, commercio e industria.
(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho, ministros das obras publicas e da marinha.)
O sr. Pires de Lima. - Mando para a mesa o seguinte requerimento, para o qual peço urgencia.
(Leu.)
Julgo indispensaveis as informações que requeiro, para poder bem apreciar uma proposta de lei que o governo apresentou na outra camara, e que é possivel tenhamos de discutir dentro em, pouco tempo.
Aproveito a occasião de estar com a palavra, para me referir, na presença do governo, a um facto que, a ser exacto, significaria uma grande irregularidade.
V. exa. sabe que ha mezes se encerrou a exposição da arte ornamental, que se fez no palacio das Janellas Verdes A essa exposição concorreram muitas preciosidades, não só de particulares, mas tambem de corporações e estabelecimentos publicos.
É certo, que muitas dessas corporações sentiram certa repuguancia em prestar os objectos entregues á sua guarda, e por isso soffreram da parte da imprensa censuras graves, taxando-se de infundada essa repugnancia.
Parece, todavia, que os factos posteriores vieram mostrar que não era de todo o ponto desarrasoada a hesitação das mesmas corporações.
Segundo consta, muitas das preciosidades que ellas enviaram á exposição ainda não foram restituidas, e é para este facto que eu desejo chamar a attenção do governo.
Estou convencido de que o governo ignorava a existencia de similhante falta, e espero que providenciará de maneira que ella seja completamente reparada, e não tenhamos de tomar-lhe contas da responsabilidade que lhe caberá então por esse facto, que seria bom não se ter dado.
Ficarei por aqui, apesar d'este assumpto se prestar a muitas outras considerações, que guardo para ensejo mais opportuno.
A exposição a que fiz referencia teve episodios desgraçados, que deviam ser historiados; mas dos quaes não tratarei agora, limitando-me apenas n'este momento a pedir providencias para cessar a irregularidade que apresentei, se effectivamente existe.
(O orador não reviu este discurso.)
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio do reino, se envie a esta camara informação sobre o numero dos estudantes matriculados, em cada um dos quatro annos lectivos ultimos, nos differentes lyceus do continente e ilhas adjacentes.
Sala das sessões da camara dos dignos pares, em 9 de março de 1883. = Pires de Lima.
Mandou-se expedir.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro) (S. exa. não revê os seus discursos}: - A exposição de arte ornamental effectuada o anno passado em Lisboa, no palacio das Janellas Verdes, foi, a meu ver, o primeiro emprehendimento d'esta ordem, que entre nós assumiu proporções tão notaveis, e talvez o mais bem succedido de todos de similhante ordem que se têem dado em outros paizes.
O digno par, o sr. Pires de Lima, referiu-se ao facto que lhe constava, e para o qual chamou a attenção do governo, de se não terem restituido ainda algumas das preciosidades que concorreram áquella exposição.
V. exa. não ignora a franqueza com que muitas corporações e particulares enviaram ali objectos de subido valor, e restituil-os, mesmo sem esperar reclamações, é de certo um dever, que cumpre não demorar.
Por conseguinte, assevero ao digno par; que pela minha parte procurarei, pelos meios ao meu alcance, que se cumpra, como é justo, com esse dever impreterivel.
Com relação ao mais que s. exa. disse, quando o digno par quizer apresentar quaesquer outras considerações sobre o assumpto, ter-me ha sempre prompto a responder.
O sr. Henrique de. Macedo: - Sinto não ver presente o sr. presidente do conselho de ministros, mas o sr. ministro das obras publicas de certo se dignará communicar-lhe as minhas observações.
Eu desejo chamar a attenção do governo sobre o facto
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de não estarem ainda, na altura em que vae a sessão legislativa, nomeados os dignos pares que devem substituir a v. exa. e ao presidente d'esta camara, no caso de impedimento.
Todos nós gabemos que o presidente da camara, actualmente na presidencia do conselho de ministros, acha-se inhibido de dirigir os trabalhos das nossas sessões.
V. Exa. é um cavalheiro de todo o ponto estimavel, uma alta intelligencia, mas nem por isso está livre do ter um pequeno incommodo de saude, que não lhe permitta vir a esta casa por um ou dois dias. Em tal caso, a camara ver-se-ia impossibilitada de realisar as suas sessões per não haver legalmente quem a presidisse.
Por conseguinte, lembro ao governo a conveniencia de cumprir o artigo 1.° da carta de lei de 15 de setembro de 1842, que diz assim:
"No principio de cada sessão annual serão nomeados, pelo Rei, dois pares que, pela ordem da sua nomeação, suppram o eventual e simultaneo impedimento do presidente e vice-presidente da camara dos pares, e façam as suas vezes durante a mesma sessão."
Ora, parece-me que não estamos já muito no principio da sessão, e que era tempo de se ter cuidado no cumprimento d'este preceito legai.
O sr. Presidente: - Mais nenhum digno par está inscripto. Passa-se á
ORDEM DO DIA
Discussão do parecer n.° 159 sobre o projecto de lei n.° 162
Leu-se na mesa o seguinte
PARECER N.° 459
Senhores. - As commissões de fazenda e de obras publicas, reunidas, examinaram o projecto de lei n.° 102, vindo da camara dos senhores deputados, a fim de o governo ser auctorisado a construir, mediante concurso publico, e segundo as bases que fazem parte integrante do dito projecto de lei, os seguintes caminhos de ferro:
1.° O da Beira Baixa, partindo da estação de Abrantes, na linha de leste, por Castello Branco, Fundão, proximidades da Covilhã, com terminação na linha da Beira Alta, nas immediações da Guarda;
2.° A secção de Tua a Mirandella, a partir da linha do Douro na foz do Tua;
3.° Finalmente, o ramal de Vizeu, saindo das proximidades de Santa Comba, na linha da Beira Alta.
As commissões, antes de entrarem na apreciação do assumpto tão importante para a vida do paiz, julgam no seu dever fazer as seguintes considerações:
Ao presente temos em exploração a linha do norte, a qual, saindo da capital pela margem direita do Tejo até ao entroncamento, junto a Torres Novas, atravessa depois o reino, mais ou menos parallelamente á costa maritima, passando nas cidades de Coimbra, Aveiro, Porto e Vianna, e nas villas de Pombal, Soure, Villa Nova, Barcellos, Caminha, Valença, etc.
D'esta linha parte no entroncamento o ramal de leste para Eivas pela Barquinha e Ponte do Sor, e na ca taça o do Crato o que vae á fronteira, proximo da praça de Marvão.
Na margem esquerda do Tejo parte do Barreiro outra linha que, de algum modo, póde dizer-se o seguimento da primeira, a qual passa em Beja e deve continuar para o Algarve, onde já está construido um troço importante - Faro á Portella das Silveiras - e estudos d'ali a Canevel, até onde chega a exploração da linha do Barreiro n'aquella direcção.
Assim, senhores, póde dizer-se que a linha do Algarve a Valença pela capitai do reino, salva a solução de continuidade do Tejo, será brevemente uma realidade, vistas as auctorisações ultimamente concedidas ao governo.
D'este tronco principal partem os troços da Casa Branca (ao sul do Tejo) a Evora e Extremoz, e as secções de Beja para Serpa e Pias, e o ramal do Pinhal Novo para Setubal, que se projecta prolongar até á margem do Sado; (ao norte do Tejo) a linha da Beira Alta, desde a Pampilhosa a Villar Formoso, a qual procurou um melhor terminus ou origem no porto e barra da Figueira.
A linha do Douro, que attingirá brevemente a fronteira do reino em Barca de Alva, e consequentemente Salamanca e as linhas hespanholas.
Esta linha e a do Minho, que de Nino lançou um ramal para Braga, serão, talvez, em um futuro bem proximo, as de maior rendimento; e certamente lançarão opportunamente novos braços e ramaes; porque os valles do Lima, Pinhão, Tamega e Sabor, etc.. não podem ser esquecidos, nem povoações e centros agricolas como Ponte de Lima e Arcos, Villa Real e Chaves, e outras povoações e valles tambem importantes.
Estando, pois, attendidos em parte os valles do Minho, Douro, Mondego e Tejo, restava considerar a parte alia d'este ultimo valle no nosso paiz.
A essa necessidade trata de satisfazer o projecto de lei n.° 162, principalmente porque em presença de uma linha tão importante pouca significação tem o troço do Tua a Mirandella e o ramal de Vizeu, ambos de via reduzida com a bitola de 1 metro.
Com relação á linha da Beira Baixa, existem estudos importantes, e talvez os mais perfeitos n'este genero, já partindo da estação da Praia na linha de leste, já da estação de Abrantes na mesma linha; os primeiros seguem a margem direita do Tejo até á foz da Ocreza, com variantes por Villa Velha a Castello Branco, e pelos valles da dita ribeira e da Liria á dita cidade, e tambem pela serra do Perdigão e portas do Almeirão; os segundos seguem a margem esquerda do Tejo até Villa Velha para Castello Branco.
Logo que o traçado do valle do Tejo alcançou o campo de Castello Branco, seguiu geralmente em melhores condições por Valle de Prazeres, Fundão, portella do logar de Ferro, Ponte Pedrinha, margem esquerda da Zezere, valle da Ribeiro de S. Sebastião de Caria, a entroncar na linha da Beira Alta nas proximidades da Guarda.
Ainda assim, a partir de Castello Branco, ha estudos de variantes peias portellas do Catrão e de Paradania, e tambem pela margem direita do Zezere, para se reconhecer se ora possivel attingir a Covilhã em condições acceitaveis.
Aqui tendes, senhores, uma idéa succinta e muito resumida dos principaes fundamentos que esclarecem este importante assumpto, a proposta do governo e o projecto de lei pendente da vossa illustrada apreciação.
O governo entendeu, em vista dos estudos feitos, que, sob o ponto de vista economico e technico, a linha da Beira Baixa, ou da fronteira, como tambem lhe chamam, devia partir da estação de Abrantes, e pela margem esquerda do Tejo, passando este rio em Villa Velha de Rodão, seguindo depois para Castello Branco, e entroncamento na tinha da Beira Alta, por Valle de Prazeres, Fund.io^ Ponte Pedrinha, margem esquerda do Zezere, Valle da Ribeira de S. Sebastião de Caria, e immediações da Guarda; sob este ponto de vista um ramal, partindo convenientemente da linha principal, irá servir o importante centro industrial da Covilhã.
Com estes fundamentos essenciaes, apresentou o governo a sua proposta de lei n.° 11-C, e as competentes bases para a adjudicação da construcção e exploração dos ditos caminhos de ferro, proposta e bases que foram acceites pelas commissões da camara dos senhores deputados, e pela mesma camara approvadas, no projecto de lei n.° 132, com alterações, nas quaes concordou o governo, emquanto ás bases 1l.ª, 15.ª e 18.ª, garantindo-se, em vez do que propunha, o complemento do rendimento li tinido annual até 5 por cento em relação ao custo de cada kilometro, compre-
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hendendo o juro e amortisação, emendando-se as condições 11.ª e 15.ª n'essa conformidade.
O governo tambem não propunha a isenção de direitos para os materiaes destinados á construcção e exploração. Essa condição tambem se modificou, concedendo-se a isenção durante o praso de cinco annos, a contar da data da approvação do contrato, convertendo-se assim a condição 18.ª das bases do governo, nas duas 18.ª e 19.ª das do projecto.
Para os effeitos da garantia do juro, o preço kilometrico foi computado em 37:000$000 réis na linha da Beira Baixa, e em 23:000$000 réis no troço de Mirandella e ramal de Vizeu. As despezas de exploração em 40 por cento do producto bruto na via de bitola normal, excluindo o imposto de transito com o minimo de 1:000$000 réis por kilometro, e para a via estreita em 50 por cento com o minimo de 700$000 réis e o maximo de 1:200$000 réis.
Os depositos para licitação são de 180:000$000 réis na linha da Beira Baixa, de 40:000$000 réis na secção de Mirandella, e de 30:000$000 réis no ramal de Vizeu e os definitivos no dobro d'aquellas quantias.
Assim, e n'estes termos foi approvada a proposta do governo e convertida no projecto de lei n.° 162, ora submettida ao vosso exame e approvação.
Em vista, pois, de quanto fica ponderado, e considerando as vossas commissões que o projecto está bem instruido e fundamentado, e que é de reconhecida utilidade publica; são de parecer que está no caso de merecer a vossa approvação.
Sala das commissões, 5 de março de 1883. = J. Chrysostomo de Abreu e Sousa (com declarações) = Visconde da Azarujinha = Visconde de Bivar = Francisco Joaquim da Costa e Silva = Augusto Xavier Palmeirim = Conde de Gouveia = A. A. de Aguiar (com declaração) = A. Telles de Vasconcellos = Gomes Lages = Thomás de Carvalho = Marquez de Ficalho = Jayme Larcher (com declarações) = Placido Antonio da Cunha e Abreu.
Projecto de lei n.° 162
Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, separadamente, e em concursos de sessenta dias, abertos na conformidade das bases especiaes que formam parte integrante d'esta lei, a construcção e exploração dos seguintes caminhos de ferro:
1.° O caminho de ferro da Beira Baixa, que, partindo da estação de Abrantes, na linha de leste, e seguindo por Gastello Branco, Fundão, e proximidades da Covilhã, termine nas immediações da Guarda, na linha da Beira Alta;
2.° Um caminho de ferro, que, partindo da linha do Douro e seguindo pelo valle do Tua, termine em Mirandella;
3.° Una ramal, que, partindo das proximidades de Santa Comba Dão, na linha da Beira Alta, vá terminar na cidade de Vizeu.
§ unico. O governo não será obrigado a fazer a adjudicação, quando entender que ella não é conveniente aos interesses publicos, em vista das propostas apresentadas nos respectivos concursos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 19 de fevereiro de 1883. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, president = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = A. C. Ferreira de Mesquita, deputado secretario.
Bases da auctorisação concedida ao governo para a adjudicação da construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Baixa, linha de Mirandella e ramal de Vizeu
l.ª A exploração será concedida pelo espaço de noventa e nove annos, a contar das datas da assignatura dos respectivos contratos definitivos.
2.8 As linhas ferreas serão construidas e exploradas com todas as clausulas e condições que foram estipuladas para o caminho de ferro da Beira Alta no contrato de 3 de agosto de 1878, auctorisado por lei de 23 de marco do mesmo anno, clausulas e condições que farão parte dos contratos que houverem de se assignar, com excepção das que são expressamente modificadas n'estas bases e do disposto no artigo 28.° do mesmo contrato.
3.ª As linhas ferreas serão construidas com leito e obras de arte para uma só via, á excepção das estações, em que haverá as necessarias vias de resguardo e de serviço.
4.ª Na linha da Beira Baixa a largura da via, entre as arestas interiores dos carris, será de, lm,67; o maximo dos declives não excederá a Om,0l8 por metro, e os raios das curvas de concordancia não serão inferiores a 300 metros, podendo comtudo nas vias de resguardo e de serviço descer a 200 metros. Na linha de Mirandella e no ramal de Vizeu a largura da via será de 1 metro entre as arestas interiores dos carris; o maximo dos declives será de Om,018 por metro, os raios das curvas de concordancia não serão inferiores a 150 metros, podendo comtudo nas vias de resguardo e de serviço descer a 100 metros, e a largura dos subterraneos e obras de arte será a que se determinar nos respectivos projectos, sujeitos á approvação do governo.
5.ª Os carris serão de aço, com o peso minhno de 30 kilogrammas por metro corrente para a via larga, e de 20 kilogrammas para a via estreita.
6.ª O numero e a classe das estações e suas dependencias serão determinados nos projectos definitivos. Nas estações de entroncamento as ampliações e melhoramentos, que forem reclamados pelo maior desenvolvimento que ao serviço resultar da exploração das novas linhas, e para a facilidade das baldeações, serão feitos por conta das respectivas emprezas adjudicatarias, devendo em todo o caso haver, em cada uma das linhas que se adjudicar, uma estação principal, com as accommodações necessarias para passageiros, mercadorias e empregados; officinas, machinas e apparelhos para a feitura e concerto do material de exploração; armazens, telheiros e depositos para arrecadação e pintura de locomotivas, tenders, carruagens e wagons; fossos para picar o fogo; apparelhos e reservatorios para a alimentação das machinas.
7.ª Os estudos e trabalhos technicos dos traçados e das obras de arte serão feitos pelas emprezas adjudicatarias, e submettidos á approvação do governo no praso de um anno a contar das datas dos respectivos contratos. Os projectos das obras não serão approvados sem que sobre elles seja ouvido previamente o ministerio da guerra.
8.ª A construcção de cada uma das linhas ferreas começará dentro do praso de sessenta dias, a contar da data da approvação dos projectos pelo governo, devendo estar concluidas todas as obras e a linha ferrea respectiva em estado de circulação, com todo o seu material fixo e circulante e dependencias, dentro do praso de dois annos, a contar da mesma data, com relação á linha de Mirandella e ramal de Vizeu, e de quatro annos em relação á linha da Beira Baixa.
9.ª A companhia adjudicataria, que não apresentar os estudos, ou não começar os trabalhos nos prasos fixados, perderá o deposito que tiver effectuado.
10.ª Se dentro do praso fixado para a conclusão das obras, ellas não estiverem terminadas, e a linha ferrea respectiva em estado de exploração, pagará a companhia adjudicataria por cada mez de demora uma multa, que será fixada pelo governo, ouvido o engenheiro-encarregado da fiscalisação dos trabalhos e a junta consultiva de obras publicas e minas, e que não excederá a 2:000$000 réis para a linha de Mirandella e ramal de Vizeu, e 6:000$000 réis para a linha da Beira Baixa.
Exceptuam-se os casos de força maior.
ll.ª O governo garante á empreza adjudicataria de qualquer das linhas o complemento do rendimento liquido annual até 5 por cento em relação ao custo de cada kilome-
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tro que se construir, comprehendendo o juro e amortisação do capital.
12.ª Para os effeitos desta garantia de juro o preço kilometrico das linhas a construir não será computado em mais de 37:000$000 réis na linha da Beira Baixa, e de 23:000$000 réis na linha de Mirandella e no ramal de Vizeu; as despezas de exploração serão computadas, para a via larga, em 40 por cento do producto bruto kilometrico, excluido o imposto de transito, fixando-se todavia o minimo de 1:000$000 réis por kilometro; e para a via estreita em 50 por cento, com o minimo de 700$000 róis e o maximo de 1:200$000 réis.
13.ª A garantia de juro será liquidada e as sommas correspondentes pagas no fim de cada semestre.
14.ª ha linha da Beira Baixa terá a empreza adjudicataria direito á garantia de juro, em relação ás secções approvadas e abertas á exploração publica, desde o começo da mesma exploração. Para este effeito não poderá a linha ser dividida em mais de tres secções, a saber: do ponto de entroncamento no caminho de ferro de leste a Castello Branco; de Castello Branco á estacão da Covilhã; da estação da Covilhã ao ponto de entroncamento da linha da Beira Alta.
15.ª Logo que o producto bruto de qualquer das linhas exceder a 5 por cento ao anno, metade do excesso pertencerá ao estado até completo reembolso das sommas adiantadas pelo governo, em virtude da garantia de juro de que tratam as condições antecedentes, bem como dos juros d'essas sommas na rasão de 5 por cento ao anno.
a) Â respectiva empreza adjudicataria fica salvo o direito de reembolsar o estado das quantias que elle tiver adiantado por virtude da garantia de juro a amortisação de que tratam as condições antecedentes, podendo usar d'esse direito na epocha ou epochas que julgar conveniente.
16.ª O governo publicará os regulamentos e usará dos meios apropriados para verificar as receitas e despezas da exploração, sendo a empreza obrigada a franquear-lhe toda a sua escripturação e correspondencia.
17.ª Emquanto durar a garantia de juro o governo decretará as tarifas de passageiros, gados e mercadorias.
a) Logo que o governo estiver embolsado das quantias que tiver adiantado era virtude da garantia de juro e amortisação de que tratam as condições antecedentes, e dos juros correspondentes a essas quantias, serão as tarifas estabelecidas por accordo entre o governo e a empreza, em harmonia com as que vigorarem em outras linhas portuguezas que lhes sejam comparaveis.
5) Ficam prohibidos os contratos particulares designados a reduzir os preços das tarifas. Exceptuam-se d'esta disposição os transportes que dizem respeito aos serviços do estado, e as concessões feitas a indigentes.
c) Nenhuma alteração de tarifas, de horario ou de condições de serviços poderá ser annunciada ao publico pela imprensa, nas estações, ou de qualquer fórma antes de obtida a approvação do governo.
18.ª O estado cederá gratuitamente ás emprezas adjudicatarias os terrenos que possuir e forem necessarios para a construcção e exploração das linhas a seu cargo.
19.ª Durante o praso de cinco annos, a contar da data da approvação do contrato, a empreza ficará isenta do pagamento de direitos de importação para os materiaes destinados á construcção e exploração, que não possam ser produzidos no paiz.
§ unico. O governo fará expressamente declarar no programma do concurso quaes são esses matemos, e a quantidade total de cada uma das especies d'esses materiaes que póde ser importada livre de direitos.
20.ª Durante o tempo de exploração terá o estado direito, alem dos serviços gratuitos estabelecidos na lei de 7 de julho de 1880, ao transporte por metade dos preços das tarifas geraes, da tropa e material de guerra que careça de conduzir por estas linhas ferreas.
21.ª A licitação versará sobre o preço kilometrico.
a) Ninguem será admittido a concurso sem ter previamente depositado na caixa geral dos depositos á ordena do governo, em dinheiro ou em titules da divida publica pelo seu valor no mercado, a quantia de 180:000$000 réis para a linha da Beira Baixa, 40:000$000 réis para a linha de Mirandella e 30:000$000 réis para o ramal de Vizeu.
b) Os depositos definitivos elevar-se-hão ao dobro dos depositos provisorios, serão effectuados pelas emprezas adjudicatarias antes da assignatura dos respectivos contratos como garantia da sua execução, e só poderão ser levantados quando as emprezas tenham feito obras em valor equivalente ao dobro dos seus depositos, passando essas obras a servir de caução.
c) Os adjudicatarios que effectuarem os depositos definitivos em titulos de divida publica, terão direito a receber os juros d'esses titulos; se os effectuarem em dinheiro ser-lhes-ha abonado o juro de 5 por cento ao anno.
22.ª Ficam sujeitos á approvação do governo os estatutos das emprezas adjudicatarias, sem embargo da lei de 22 de junho de 1867.
23.ª As emprezas adjudicatarias depositarão á ordem do governo os productos liquidos das obrigações que emittirem; os saldos depositados serão restituidos a essas emprezas na proporção dos trabalhos executados e vencerão o juro de 5 por cento ao anno em conta corrente.
24.ª As emprezas adjudicatarias serão consideradas como portuguezas para todos os effeitos.
As contestações que se suscitarem entre qualquer d'ellas e o estado serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo governo e dois pela empreza.
No caso de empate sobre o objecto em questão será um quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes. Faltando recordo para esta nomeação o quinto arbitro será nomeado pelo supremo tribunal de justiça.
Palacio das côrtes, em 19 de fevereiro de 1883. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = A. C. Ferreira de Mesquita, deputado secretario.
O sr. Henrique de Macedo (sobre a ordem): - Não pedi a palavra para uma questão previa, sr. presidente, porque o regimento d'esta camara m'o não consente.
Pedindo a sobre a ordem, porém, o meu intuito foi pôr uma verdadeira questão prévia, fazendo ao sr. ministro das obras publicas uma simples pergunta (a que s. exa. póde responder em duas palavras e que eu tambem em duas palavras enunciarei), cuja resposta deve, a meu ver, anteceder todo o debate.
Depois de ouvir o sr. ministro, a camara e v. exa. decidirão, se eu devo fallar immediatamente sobre a materia, para o que tambem, e desde já, peço a palavra, ou se devo esperar que esta me chegue, segundo a ordem da inscrupção.
A minha pergunta, ou questão prévia, é a seguinte: recebeu ou não o sr. ministro das obras publicas alguma communicação da companhia do caminho de ferro da Beira Alta, no sentido de o informar de que, se o ramal chamado de Vizeu fosse de via estreita, essa companhia não licitaria no concurso aberto para a construcção e exploração d'ella?
O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro). (S. exa. não revê os seus discursos}: - Como v. exa. sabe, a linha de Vizeu a entroncar na da Beira Alta é um ramal d'esta linha.
Pelo contrato feito com a companhia do caminho de ferro da Beira Alta, cabe-lhe o direito de construir os ramaes que vem bater na sua linha, desde que o faça gratuitamente.
Por consequencia, antes de formular a proposta que se encontra agora em discussão, mandei officialmente pergun-
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tar á companhia a que me refiro se, porventura, ella se prestaria a construir gratuitamente o ramal de Vizeu, ou de via larga ou de via estreita. A resposta que obtive da companhia foi, que se não prestava a fazer gratuitamente aquella construcção, e menos ainda sendo de via estreita o mesmo ramal.
E esta a informação que posso offerecer ao digno par.
O sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa: - As observações para que desejo chamar a attenção da camara, referem-se principalmente aos caminhos de ferro de Traz os Montes.
Applaudo completamente a idéa de dotar aquella provincia com os beneficios da viação accelerada, e parece-me que já não vem cedo um melhoramento d'esta ordem para aquelles povos. Mas, sr. presidente, primeiro que tudo é necessario examinar qual é o plano ferro-viario que melhor satisfaça ás necessidades d'aquella região, e ao mesmo tempo que melhor se coadune, ou se ligue ás mais linhas ferreas que estrio já conhecidas, e a outras que de futuro se construam nas provincias confinantes.
As communicações da provincia de Traz os Montes com o resto do paiz teem por objectivos principaes a cidade do Porto e seu districto, e tambem ao sul do rio Douro os pontos importantes da provincia da Beira, como são Lamego e Focinho, aonde convergem as principaes linhas de communicação d'esta provincia com os districtos ao norte do mesmo rio.
Não pôde, pois, deixar de fazer parte integrante da rede de viação accelerada da provincia de Traz os Montes o caminho de ferro do Douro.
Effectivamente a configuração geral e aspecto physico d'aquella parte do territorio portuguez faz com que a superficie da provincia esteja como num vasto plano inclinado que pende para o Douro, e que faz a drenagem physica e economica do mesmo territorio. É n'esse sentido que todas as linhas de agua importantes são dirigidas desde proximo da fronteira do norte para o sul da mesma provincia, como, por exemplo, o Tamega, Corgo, Tua, Sabor, e mesmo a parte do Douro que nos separa do reino vizinho.
As communicações da provincia de Traz os Montes mais importantes, onde actualmente se acha concentrado o grande movimento d'aquella provincia, são as estradas do Peso da Regua a Chaves por Villa Real, a de Bragança ao Focinho, e a transversal de Villa Real por Mirandella a Bragança; mas de todas tres aquella em que se dá maior movimento é sem duvida a de Chaves ao Peso da Regua, principalmente no troço comDrehendido entre este ultimo ponto e Villa Real.
Cora effeito a estrada entre Villa Real e Lamego sempre foi uma das de maior circulação do reino, e maior im-portancia tem adquirido depois da construcção da via ferrea do Douro, evitando-se assim a passagem do Marão de Villa Real para Amarante, ou a dos Padrões de Teixeira, do Peso da Regua para aquelle ponto.
Já ha muitos annos que a Lamego, Peso da Regua e Villa Real concorre um grande numero de estradas, tanto da provincia de Traz os Montes, como do Minho e Beira, e outras se acham em construcção. Tambem a Chaves e Villa Pouca de Aguiar não deixam de concorrer linhas importantes de communicação entre as duas provincias ao norte do Douro.
Quando se tratou de construir a ponte sobre o Douro, em frente da Regua, calculava-se que a portagem d'aquella ponte não renderia menos de 4:000$000 réis. Não sei hoje qual seja o seu rendimento, mas parece-me que será muito maior. Já n'aquelle tempo havia tres barcas que n'aquellas immediações faziam o serviço de transporte de uma para outra margem, e que rendiam para mais de 3:000$000 réis.
E, pois, esta linha ferrea que me parece ser do maior interesse pela sua muita importancia, não só economica, como militar, a que deveria na minha opinião ser a primeira a construir-se.
A estação o do caminho de ferro na Regua rende mais de 60:000$000 réis, isto é, proximo de dois terços do que rende a do Porto como terminus da linha do Douro, e muito mais que as estações do Braga e Vianna. Já se vê que este ponto não póde deixar de ser ponto de partida de um caminho de ferro que penetre pelo interior até Chaves, passando junto a Villa Real, uma das melhores povoações do reino, e a principal de Traz os Montes, e que soffreria muito se se deslocasse o movimento que hoje circula por ali para outras linhas ferreas primeiro construidas. As outras linhas ferreas que convem traçar, atravez de toda a provincia do sul ao norte, e communicando com o caminho de ferro do Douro, como ramificações d'elle, são a de Foz do Tua a Mirandella, bifurcando-se n'este ponto em direcção a Bragança e Vinhaes, e a do Focinho á Fronteira de Zamora por Mogadouro.
Estas tres inhas ferreas que são as principaes de Traz os Montes, ha minha opinião, são essencialmente necessarias para repartir com justiça, por aquella provincia, os beneficios da viação accelerada, e devem no futuro ligar-se entre si. A ligação da linha do Focinho á Fronteira de Zamora, com a linha de Foz Tua a Bragança, já foi indicada pelos engenheiros que estudaram estes traçados, e parece que não offerece grandes difficuldades.
A ligação, porém, da linha de Foz Tua a Mirandella, com a do Peso da Regua a Chaves, parece que offerecerá maiores difficuldades, e só provavelmente poderá traçar-se ao norte da Serra da Padrella por Valle Pasmos e Veiga de Lilla, ou ao sul da mesma serra pelo planalto de Alfarella de Jalles.
É tambem importante e necessaria a ligação da linha do Peso da Regua a Chaves com Braga e Guimarães.
O conhecimento da provincia, das necessidades d'ella, e dos estudos effectuados até hoje, faz-me persuadir que as primeiras linhas ferreas que se devem construir em Traz os Montes são a do Peso da Regua a Chaves, e a de Foz Tua a Bragança. Uma não suppre a outra, e uma só d'ellas não satisfaz ás necessidades de ambos os districtos. A idéa, pois, que algumas pessoas têem de que um tronco comnum deverá servir de base a toda a rede ferro-viaria da provincia de Traz os Montes não é verdadeira, nem conforme com a topographia do paiz e com as necessidades de ambos os districtos de Villa Real e Bragança.
A linha do Peso da Régua a Chaves não aproveitaria ao districto de Bragança, assim como a linha de Foz Tua a Mirandella quasi nada aproveita ao districto de Villa Real; apenas serve uma parte dos concelhos de Alijó e, Murça, sendo aliás o districto de Villa Real o mais populoso e rico, mas o mais devastado hoje pela phylloxera, e portanto carecendo mais do que qualquer outro de auxilios promptos.
Como já disse, entendo que ha tres linhas essenciaes importantes a considerar na rede de viação accelerada da provincia de Traz os Montes. A linha da Regua a Chaves, passando proximo de Villa Real, a linha de Foz Tua a Bragança e Vinhaes por Mirandella, e a linha do Focinho á Fronteira por Mogadouro. Cada uma d'estas linhas tem um fim especial e que não póde ser satisfeito por qualquer das outras.
A linha de Peso da Regua a Chaves satisfaz ás necessidades do districto de Villa Real que corta ao meio, de norte ao sul, dando serviço a todo o districto e communicando as suas povoações principaes. Tambem aproveita muito para a ligação do Alto Minho.
A linha de Foz Tua por Mirandella a Bragança satisfaz ao districto de Bragança, na sua maior parte, e ao mesmo tempo a um ponto central importante como é Mirandella que póde ter um grande futuro.
A linha de Focinho á Fronteira de Zamora póde ser linha internacional, .e ao mesmo tempo serve uma parte do
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paiz que não deixa de ser importante mesmo pelos productos mineralogicos que encerra. A região entre o Sabôr e a Fronteira têem consideraves jazigos de mineraes, a que só um caminho de ferro poderá dar valor.
Disse eu que Mirandella é um ponto importante e central, communicando directamente com as capitaes dos dois districtos e ao qual devem ligar-se no futuro outras linhas de communicação; mas póde dizer-se, com verdade, que estas communicações só podem estar concluidas d'aqui a muitos annos.
As estradas de Mirandella a Villa Pouca de Aguiar, a Montalegre, a Chaves, a Vinhaes, e a Alijo, segundo o plano geral de estradas, umas nem começadas estão, e outras apenas em começo. Por isso as vantagens do caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella não são desde ia tão grandes como muitos imaginam.
Por outro lado a linha ferrea de Foz Tua a Mirandella corre no fundo de um valle muito estreito e profundo, ladeado de montanhas que se elevam a mais de 500 metros de altura, e só é atravessada por duas estradas de primeira e segunda ordem: a de Murça a Villa Flor, e a de Alijo a Carrazeda de Anciães.
Este caminho portanto não tem grande zona propria de alimentação e o movimento local será muito pequeno sendo o principal o de transito, ou que lhe vier de fóra, que ainda assim só depois de feitas as estradas que convergem sobre Mirandella é que poderá ser consideravel. Por muito tempo será só alimentada esta linha ferrea exclusivamente pela linha de Mirandella a Bragança.
Todas estas considerações me levam a crer que se não póde desde já deixar de attender convenientemente ás duas linhas destinadas cada uma a servir o respectivo districto: a do Peso da Regua para Chaves e a que parte de Foz Tua para Bragança. São estas as duas linhas que me parece conveniente construir primeiro que todas as outras, e se as circumstancias actuaes do nosso estado financeiro não permittem que se lhes de o desinvolvimento requerido dê-se ao menos começo simultaneo aos trabalhos de construccão entre o Peso da Regua e Villa Real, e entre Mirandella e Foz Tua; porque o desenvolvimento dos trabalhos em um só d'estes caminhos de ferro não póde satisfazer ás necessidades de ambos os districtos.
Seria por certo lamentavel que, indo tratar-se dos melhoramentos d'aquella provincia, se attendesse a una districto e se não attendesse a outro, e que ficasse desprezado aquelle que não só póde offerecer maior trafego á respectiva linha ferrea, mas que alem disso tem soando mais do que outro qualquer districto do reino com o terrivel mal da phylloxera. E qual é o augmento de encargos que resultaria de se attender ao mesmo tempo á construcção do caminho de ferro do Valle do Corgo e ao caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella?
Parece-me que é tão diminuto, que o governo não deve hesitar. Eu calculo, sr. presidente, que os encargos para o governo provenientes da construcção do caminho de ferro do Peso da Regua a Villa Real não podem importar em mais de 25:000$000 réis annuaes, custando este caminho cerca de 900:000$000 réis; ora, quado nós vamos contrahir fortes encargos com linhas ferreas de importancia secundaria, com verdadeiros ramaes em territorio pouco povoado, seria na verdade contradictorio e injustificavel que despresassemos duas linhas ferreas de primeira importancia, necessarias para o serviço de uma provincia inteira linhas que devem fazer parte necessariamente da rede geral de primeira ordem da nossa viação accelerada, e que em grande parte atravessam terrenos ferteis e cultivados, e mesmo alguns bastante povoados, pois o districto de Villa Real tem uma densidade de população de 53 habitantes por kilometro, mais da media de todo o reino.
Dizia eu, sr. presidente, que o encargo proveniente da construcção do caminho de ferro, entre o Peso da Regua e Villa Real, não podia importar em mais de 20:000$000 réis, e parece-me que este calculo não é muito subido, uma vez que esse caminho seja de via reduzida.
O caminho entre a Regua e Villa Real mede approximadamente 26 kilometros, e eu calculo a extensão da via ferrea em 30 e calculo tambem que não póde importar em mais de 30:000$000 réis por kilometro, sendo de via estreita. Este preço é extremamente exagerado; por que se formos consultar as estatisticas dos caminhos de ferro de via reduzida, que se teem construido nas differentes partes do mundo, ellas apresentam um preço muito menor! Os caminhos de ferro de via reduzida de maior preço que eu conheço são os da India ingleza, que custaram cerca de 21:000$000 réis. Na Europa são rarissimos os exemplos de custo tão elevado; nota-se, por exemplo, o de Appenzell na Suissa, mas na grande maioria o custo varia entre 3:000$000 e 16:000$000 réis. Pôde, portanto, considerar-se exagerado o preço de 30:000$000 réis por kilometro e o custo total de 900:000$000 réis para o caminho de ferro do Corgo, que calculei tão elevado attentas as difficuldades do terreno.
Vejamos agora qual será o producto bruto provavel.
Parece-me que podemos contar com um producto bruto muito maior do que o dos caminhos de ferro do Alemtejo e da Beira Baixa, territorios muito menos povoados; e tambem mais elevado do que na linha da Foz do Tua a Mirandella, porque o movimento entre Villa Real e Peso da Regua é muito superior, e já existente, emquanto n'aquella linha será necessario creal-o de novo, deslocando-o de outras direcções.
Nem é pois para admirar que eu calcule, que o producto bruto d'esta linha não será inferior a 1:600$000 réis; e suppondo ainda que o custo da exploração, em vez de ser 600$000 ou 700$000 réis por kilometro, seja de réis 800$000 ficam n'este caso 800$000 réis por kilometro de producto liquido ou 24:000$000 réis em toda a linha. Mas o encargo total da garantia do juro a 5 por cento, em relação aos 900:000$000 réis da construcção, eleva-se a réis 45:000$000; donde se vê que o encargo definitivo do governo não póde exceder a 21:000$000 réis no primeiro anno da exploração, e que diminuirá rapidamente, porque eu já notei que o transito entre Villa Real e Peso da Regua é maior do que em qualquer parte do reino, a não contar as estradas das immediações do Porto e algumas outras do Minho, em pequenas extensões, e talvez junto a Coimbra.
Não seria, pois, grande alteração ao projecto do sr. ministro das obras publicas, nem cousa de assustar pelo lado financeiro, pouco mais de 20:000$000 réis de encargo annual, satisfazendo-se a uma necessidade tão urgente para o districto de Villa Real.
Sr. presidente, ao que acabo de, dizer acresce ainda que a pequena linha de Foz Tua a Mirandella, contratada isoladamente, e não offerecendo vantagens proprias de grande circulação, ao menos nos primeiros annos, não terá certamente concorrentes, alem de que não ha vantagem, antes graves inconvenientes, em fazer concessões de pequenos troços de caminhos de ferro, multiplicando as companhias pequenas, possuidoras de linhas onde o trafego não póde ser grande, traduzindo-se estas circumstancias em mau serviço para o publico, e em carestia de transportes.
Esta opinião já tive occasião de emittir n'esta casa, e cada vez sou mais firme n'ella.
Parecia-me melhor fazer concessões mais largas, e constituir verdadeiras redes de viação accelerada, comprehendendo n'essas concessões differentes linhas, porque, assim no custo da construcção, como no trafego da exploração, poderia haver compensações entre as secções mais custosas e menos productivas, e as de mais facil construcção e mais trafego; e o governo assim obteria melhores condições, sem que os encargos augmentassem mais promptamente por
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este systema, uma vez que se não exigisse em um praso curto o acabamento, de todas as linhas.
Resta-me fallar na questão da largura das vias ferreas que se vão construir.
Talvez não seja este o logar mais proprio para tratar d'este assumpto; pelo menos não entrarei em largo desenvolvimento a este respeito.
A questão de largura de via dos caminhos de ferro tem sido largamente debatida, e não póde haver preferencia absoluta de via larga ou via estreita senão em dadas circumstancias.
Vejamos em relação ao caso de que se trata se faremos uma boa escolha construindo o caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella de via reduzida.
No projecto elaborado sob a direcção do muito distincto engenheiro, o sr. Sousa Brandão encontrei eu, em relação ao traçado do caminho de ferro de Mirandella a Foz Tua, condições technicas que se podem adoptar em um caminho de ferro de via larga.
Assim acontece que n'aquelle caminho as declividades não excedem a 15 millimetros e os raios das curvas não são inferiores a 200 metros, nem demasiado multiplicados. Ha só duas obras de arte de alguma importancia e os tres tunneis ali projectados de pequena extensão, e as ditas obras de arte têem largura sufficiente para se assentar a via larga.
Já se vê, portanto, que o terreno não offerece taes difficuldades que exigisse forçosamente a adopção da via reduzida, para evitar despezas extraordinarias e inadmissiveis. Mas o caminho foi estudado para via reduzida, porque assim se tinha ordenado superiormente, na preoccupação por certo de que as difficuldades do terreno não se poderiam vencer rasoavelmente de outra fórma.
Reconhece-se, porém, que não acontece assim; ao menos em relação ao caminho de Foz Tua a Mirandella, e tambem em relação ao caminho de ferro do Focinho á Fronteira, cujos estudos mostram que não ha difficuldades consideraveis, em se adoptar a via larga, senão nos primeiros 25 kilometros d'este ultimo, sendo excellentes as condições de traçado em mais de 90 kilometros.
Não obstante o caminho de ferro de Foz Tua para Mirandella ser projectado para via reduzida, é calculado o seu custo em 26:000$000 réis por cada kilometro.
Esta verba é na verdade consideravel.
Como já tive occasião de dizer, o custo dos caminhos de ferro de via reduzida na Europa não vae geralmente alem de 16:000$000 réis. E assim deve ser, porque os caminhos de ferro de via normal denominados economicos ha bastantes exemplos de não custarem mais de 18:000$000 a 25:000$000 réis, quando as difficuldades do terreno não são consideraveis; e a preferencia que podem merecer os caminhos de ferro de via reduzida só se deriva do custo da sua construcção ser muito menos elevado.
Está admittido que o custo da construcção dos caminhos de ferro de via reduzida póde embaratecer o custo da construcção 30 a 50 por cento em relação aos de via normal.
Mas do que dissemos ácerca do traçado do caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella e do exame do projecto parece dever concluir-se que poucas alterações seria necessario fazer para adoptar aquelle traçado á via normal, alterações que parece se limitariam sómente ao augmento nas terraplenagens e expropriações e em mais alguns muros de supporte. Não parece, pois, que o custo podesse elevar-se de 26:000$000 réis a mais de 34:000$000 a 36:000$000 réis por kilometro, ou talvez menos, e n'este caso não me parece suficientemente justificado que se alterasse a largura de via adoptada para todos os nossos caminhos de ferro, quebrando a uniformidade de largura de via em uma linha de primeira ordem, que atravessa uma provincia inteira na extensão de mais de 100 kilometros, e que communica um districto e a capital d'elle com o caminho de ferro do Douro, de que este não é mais do que a sua continuação, e que podia ser explorado com o mesmo material circulante, e só n'isto se economisariam proximo de 3:000$000 réis por kilometro, alem do custo das officinas no caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella.
Embora este caminho de ferro fosse construido por uma companhia, podia, comtudo, ser explorado pelo governo, como acontece na Belgica, na Allemanha e em outros paizes, aproveitando-se o material circulante e as officinas do caminho de ferro do Douro, que, por estas circumstancias, alem de outras, poderia explorar a linha de Foz Tua a Mirandella em condições mais favoraveis do que a companhia concessionaria d'aquelle troço de caminho de ferro isolado e sem nenhuma garantia de que construirá e explorará, sequer ao menos, a parte restante de Mirandella a Bragança.
E visto o governo não querer comprometter-se a dotar a provincia de Traz os Montes com uma viação accelerada em mais larga escala, nem a construir alguns troços de outras linhas, então era mais proprio e conveniente construir o governo este pequeno ramal por conta do estado.
E com muito mais rasão ainda se o governo alienar as linhas ao sul do Tejo.
Tive já occasião de tratar d'este assumpto e de emittir a minha opinião a tal respeito. Eu julgava muito conveniente que o governo conservasse na sua posse as redes dos nossos caminhos de ferro ao norte do Douro e ao sul do Tejo, ou ao menos uma d'ellas, procurando constituir tres grandes redes ferro-viarias, assim administradas e exploradas independentemente; as linhas ao norte do Douro, as linhas entre o Douro e o Tejo, e as linhas ao sul d'este rio.
Isto não só seria util em relação á melhor exploração e serviço publico das nossas linhas ferreas, mas tambem porque me parece que seria um grande recurso para qualquer urgencia do estado.
Ora, se o governo alienar a rede do sul, entendo que não só devia conservar a do norte, mas amplial-a quanto seja possivel, segundo os recursos de que podermos dispor.
Não se realisando a segunda hypothese que se dá com relação aos caminhos de ferro do sul do Tejo, que é a de não concorrer nenhuma companhia á construcção e exploração d'aquellas linhas ferreas e estas continuarem por conta do estado, parece-me que o governo n'esse caso faria bem em contratar a rede ferro-viaria da provincia de Traz os Montes, ou pelo menos a linha do Peso da Regua a Chaves, e de Foz Tua a Bragança; mas, não exigindo a terminação dos trabalhos entre Peso da Regua e Villa Real, e entre Mirandella e Bragança, antes de tres a quatro annos.
São estas as considerações que tinha a fazer á camara, em relação aos caminhos de ferro de Traz os Montes. Não mando proposta alguma para a mesa, porque me parece que o sr. ministro das obras publicas não está disposto a fazer qualquer alteração ao seu projecto.
Concluo, pedindo á camara que desculpe o ter tomado por tanto tempo a sua attenção.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - Não podia estar inteiramente de accordo com as idéas expostas pelo digno par que o precedera, o sr. Abreu e Sousa, não obstante ter em muita consideração a opinião de um engenheiro tão distincto como s. exa., e ao qual respeitava em, extremo.
Elle; orador, era o primeiro a reconhecer que o projecto em discussão não satisfazia cabalmente ás aspirações e necessidades da provincia de Traz os Montes; que não era uma rede completa que vinha propor, pois não estavam incluidos n'ella todos os elementos de viação accelerada, que são importantes para aquella provincia, e que num futuro mais ou menos remoto terão de ser construidas; entretanto, como era preciso começar por alguma cousa, devia preferir-se o que fosse mais urgente,
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Assim, pois, este acto do governo fôra destinado apenas a introduzir na provincia de Traz os Montes os primeiros elementos de viação accelerada, deixando para mais tarde continuar a rede do modo que for mais conveniente, no intuito de concorrer, quanto possivel, para o desenvolvimento da sua riqueza e da do paiz.
De certo que podia, dividir-se em tres ramos a rede dos caminhos de ferro de Traz os Montes.
O digno, par o sr. Abreu e Sousa, indicara como sendo as linhas principaes, e que deviam construir-se simultaneamente, a linha da Foz Tua a Mirandella, a linha do Poço da Regua por Villa Real a Chaves, e a do Focinhe á fronteira, ligando-o com o de Samora.
Elle, orador, não desconhecia a importancia d'essas linhas; mas, pelas rasões expostas, entendeu dever propor de preferencia a primeira, por ser a de maior utilidade, e não permittirem as nossas circumstancias financeiras construir ao mesmo tempo todos os caminhos de ferro de que carece aquella provincia.
Essa a conclusão a que fôra levado pelos estudos que fizera, apoiando-se na opinião de engenheiros distinctos, que consideram a linha proposta como sendo a principal da provincia.
Embora o trafego local de Foz Tua a Mirandella não fosse muito, embora a linha devesse seguir por um valle apertado, era certo, todavia, que o trafego que se havia de estabelecer entre as povoações que a mesma linha deveria necessariamente desenvolver, e as ulteriores ligações com outras vias ferreas, concorreriam para collocar aquelle caminho de ferro em condições de prosperidade, e tornal-o um elemento bastante fecundo do progresso economico da provincia.
Já declarara que não estava de accordo com a idéa da construcção simultanea das linhas que deviam constituir a rede dos caminhos de ferro de Traz os Montes.
Acrescentaria que muito menos podia concordar em que essa construcção fosse feita por uma só companhia.
Das tres linhas indicadas pelo digno par que o precedera, havia uma que perdera grande parte da sua importancia, desde que estava resolvida a ligação da linha do Douro e Salamanca.
Restavam, pois, as duas linhas - a do Tua a Mirandella, e a do valle do Corgo por Villa Real a Chaves; mas desde que se fosse construir estas linhas, como s. exa. desejava, o resultado seria que uma só companhia não poderia exploral-as conjunctamente.
Haveria vantagem n'essa idéa, se estas linhas tiverem entre si uma ligação do forma que o material circulante, que fosse destinado á exploração de uma d'ellas, servisse igualmente para a outra.
Mas desde que se não podia conseguir isto, desde que ficam separadas por um consideravel tracto de terreno, ora evidente que desappareciam as vantagens que resultariam de chamar para uma mesma companhia a exploração das duas linhas.
O proprio digno par fôra o primeiro a notar, que não podia haver uma linha que beneficiasse de per si só senão o districto que tivesse de atravessar.
Ora sendo assim, se a viação accelerada na provincia de Traz os Montes não podia estabelecer-se de fórma que uma linha podesse servir simultaneamente os districtos de Villa Real e Bragança, era evidente que não podia aproveitar-se com vantagem da idéa de s. exa.
Por consequencia, se fosse possivel construir as linhas ao modo que as conveniencias economicas fossem por igual attendidas, não haveria que objectar; mas de contrario não teria utilidade a adopção do alvitre indicado.
Referira-se tambem o sr. Abreu e Sousa á largura da via, e manifestára a opinião de que seria mais conveniente adoptar o typo de via larga, attendendo a pequena differença para mais na despeza que resultaria d'essa alteração.
Sem desconhecer que podia ter importancia a construccão da linha conforme esse typo, com tudo podia licença para ponderar que, por maior economia que houvesse na construcção adoptando se a via larga, a differença na despeza, comparada com aquella que resultaria da construcção da linha de via estreita, era sobremaneira sensivel.
Procurara habilitar-se com estudos para saber a quanto se elevaria a despeza por uma ou outra fórma de construcção, e o resultado a que chegára, segundo os dados fornecidos pelos homens competentes, fóra que a construccão da linha de foz do Tua a Mirandella, adoptada que fosse a via larga, poderia subir ao custo medio de 31:000$000 réis por kilometro, por mais favoraveis que fossem as condições em que a obra se realisasse, emquanto que a linha sendo de via reduzida custaria por kilometro, tambem em media, 22:000$000 réis, o que equivaleria a uma differença para menos na despeza total de uma somma superior a réis 800:000$000.
Esta differença era de certo para attender, e muito mais desde que todos os dias se estava recommendando parcimonia e prudencia na progressão que deviam ter os melhoramentos materiaes.
Mas se tinhamos de admittir para os caminhos de ferro da provincia de Traz os Montes um typo especial, esse typo devia ser o que mais facilmente podesse concorrer para se dotar aquella provincia com uma rede completa de linhas ferreas.
Parecia-lhe que a adopção do typo da via reduzida era o que melhor podia satisfazer a esse fim, e tanto mais quanto nem todos os caminhos de ferro que haveria a construir ali teriam uma importancia tal, que justificassem um tão consideravel augmento de despeza, como o que proviria da adopção do typo da via larga.
O digno par lembrára por ultimo que, se o concurso aberto para a construcção das linhas propostas não desse resultado, ellas fossem construidas por conta do governo, seguindo-se assim o mesmo pensamento que se consignara na lei relativa aos caminhos de ferro ao sul do Tejo.
Effectivamente adoptara esse alvitre com referencia ao prolongamento d’aquellas linhas, mas para isso havia, uma rasão muito especial, que se não dava com relação aos caminhos de ferro a que se referia o projecto em discussão. Essa rasão era haver ao sul do Tejo, já construida e em exploração por conta do governo, uma parte da rede, circumstancia muito para attender, que, aliás, não se dava a respeito das linhas em questão.
Se se houvesse de levar a cabo o prolongamento natural de uma rede, como ali, justificado estava propor-se o governo, á falta de concorrentes, a tomar a seu cargo as obras; porém não era esse o caso. O de que se tratava era do construir novas linhas, e n’estas condições não julgava conveniente ir estabelecer a clausula de que ficasse a cargo do governo essa construccão, na hypothese do concurso não dar resultado, facto este que, a realisar-se, obrigaria o theouro a levantar desde logo sommas importantes, talvez em condições menos vantajosas.
Devia deixar-se á iniciativa particular este commettimento, embora fosse auxiliada pelo governo; de contrario seria obrigar o estado a contrahir emprestimos que podiam affectar o credito publico.
O sr. Henrique de Macedo: - Sr. presidente, começarei por declarar a v. exa. e à camara, que tenciono votar contra o projecto em discussão, tanto na generalidade como na especialidade.
Sobram-me os motivos para determinar n’este sentido o meu voto.
Entretanto, sr. presidente, porque não desejo cansar a camara, e porque a occasião me parece menos azada e opportuna para largas controversias technicas, limitar-me-hei a dizer o que a este respeito reputo capital, e em teclo o caso mais que o sufficiente para que o meu voto resulte cabalmente justificado.
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Bastar-me-ha, para tal effeito, sr. presidente, sujeitar o projecto em discussão á dura e decisiva prova de um inevitavel dilemma... que eu, sr. presidente, seja dito de passagem, apesar de já ter sido elevado, por um jornalista mais gracioso, mais ameno e espirituoso,, mais desejoso de certo de me ser agradavel, do que sabedor das praticas e theorias da moderna dialectica, ás alturas de Luthero ou Reformador do dilemma, de Creador do dilemma de tres e mais pontas, ainda acredito que os ha de duas.
Hoje, por exemplo, sr. presidente, agora mesmo, espero eu empregar um, n’uma das duas pontas agudissimas do qual virá inevitavelmente cravar-se o sr. ministro das obras publicas, ou, para melhor dizer, o governo. Ponhamos o tal dilemma.
Sr. presidente, este projecto ou é viavel, exequivel, serio, ou não é nada d’isto.
A minha convicção intima, seja dito de passagem, é que o projecto não é viavel, nem serio, nem exequivel; estudarei, porem, criticarei ambas as hypotheses, esperando demonstrar em ambas ellas, pelas considerações que para cada um dos casos hei de submetter ao juizo da camara, que o annunciado sentido do meu voto resulta, em ambos os casos, completamente justificado.
Se o projecto não é viavel, se não é exequivel, se, portanto, não é tambem uma cousa seria, considerado em si, e, salvas sempre as intenções de quem o elaborou e approvou, claro está, que nenhum membro d’esta camara, nem d’aquelles que apoiam decidida e enthusiasticamente o governo na sua politica geral, nem ainda d’aquelles que lhe são simples alliados de momento, e muito menos d’aquelles que, como eu, e os membros do partido que tenho a honra de representar, se conservam a seu respeito, n’uma attitude de expectativa vigilante e cautelosa, podem associar a sua responsabilidade, cubrir, por assim dizer, com uma cooperação, que alguem poderia alcunhar cumplicidade, actos que o vulgo, menos cuidadoso do que eu, em distinguir os factos das intenções, em extremar e discernir entre as acções e o pensamento que as dictou, alcunha de burla politica!
Porque a verdade, sr. presidente, é que o projecto que se discute, pela sua manifesta falta de condições de viabilidade, e ainda pela occasião, e mais circumstancias em que foi apresentado, já mereceu da opinião publica, talvez transviada, os conceituosos epithetos de feixe de bandeirolas eleitoraes; ou de projecto da canastrada de caminhos de, ferro.
Pondo, porém, de parte, estes naturaes exageros da opinião, o que eu agora pretendo demonstrar, o que eu espero levar á evidencia é que o projecto não é viavel, e que assim o meu voto contrario a elle fica completamente justificado.
Suppondo, porém, que a minha demonstração não colhia, que d’ella não resultava bastantemente evidenciada a falta completa de condições de viabilidade e exequibilidade do projecto, espero tambem mostrar á camara, por considerações de não menos momento, mas de ordem exclusivamente financeira, que o projecto em discussão não poderia ser approvado e realisado sem que a nossa situação financeira corresse gravissimos riscos, cujo fundado receio justificaria ainda nesta hypothese, e não menos cabalmente, o meu voto.
Prometti eu á camara, sr. presidente, demonstrar-lhe ou pelo menos procurar communicar-lhe a minha convicção intima de que este projecto não era exequivel, de que não era viavel, e, n’este sentido, que não era serio. Antes, porém, vejamos em que consiste o projecto.
Uma simples e perfunctoria leitura d’elle basta para nos fazer conhecer que o projecto em discussão consiste n’uma simples auctorisação ao governo para pôr a concurso a construcção e exploração de alguns trocos de caminho de ferro em determinadas condições. Assim se eu conseguir provar á camara que as condições d’esses concursos são de tal ordem que nenhuma companhia que não queira perder o seu dinheiro (e que o queiram conscientemente perder, creio que as não haverá!) licitará n’elles, terei demonstrado que o projecto não é viavel.
Farei a minha demonstração em separado para cada um dos tres troços que no projecto se propõem, visto como a adjudicação de cada um destes troços depende, segundo o mesmo projecto, de concursos separados, e começarei pela linha denominada no projecto — caminho de ferro da Beira Baixa.
E para evitar toda a especie de duvidas, controversias e contestações, para que as conclusões da minha demonstração possam adquirir para todos o caracter de irrecusavel evidencia com que se manifestam ao meu espirito, e ainda para collocar o sr. ministro das obras publicas, caso s. exa. se digne responder-me, na invejavel posição que s. exa. naturalmente acceita e agradece, de poder responder clara, directa e precisamente ao que ha de capital na minha argumentação, sem necessidade de distrahir, de transviar o seu alto engenho na contestação e discussão de pormenores, de accidentes menos importantes e valiosos do meu discurso, começarei por declarar a v. exa. e á camara que, para elaborar a demonstração, ou para melhor dizer o simples calculo arithmetico, cujas conclusões n’ume ricas vou expor á camara, usei exclusivamente, acceitando-os assim, bem que provisoriamente, e por assim dizer ad referendum, de bases e dados numericos de authenticidade e valor irrecusavel para o sr. ministro e para os seus amigos, visto como me foram ministrados por s. exa. mesmo, em cujos relatorios e discursos apresentados ou proferidos na outra casa do parlamento os fui procurar e encontrar.
Assim, as bases e dados em que se fundamenta a demonstração terão para s. exa. e para a camara um caracter perfeitamente authentico e official, e ninguem em boa fé poderá contestar os meus calculos por fundados em bases tomadas a capricho, mal estudadas, duvidosas ou hypotheticas.
Sejam 193 kilometros (dado official) o comprimento da linha da Beira Baixa, e 30:000$000 réis (quantia ainda inferior á indicada pelo sr. ministro), o custo kilometrico d’esta linha, comprehendendo n’essa quantia o juro do dinheiro durante todo o tempo da construcção.
Suppondo que a companhia que obteve a adjudicação da construccão e exploração da linha da Beira Baixa, teve a boa sorte de se encontrar só e desafrontada no concurso, e de obter assim como base da garantia de juro que lhe é concedido o maximum fixado no projecto (37:000$000 reis), essa companhia terá que levantar para a construcção um capital de 193 X 35:000$000 = 6.755:000$000 réis.
Receberá annualmente do estado a quantia necessaria para com o producto liquido da linha completar 357:050$000 réis (5 por cento de 193 X 37:000$000 réis), até ao anno em que o producto liquido da linha exceder essa quantia; e a partir do anno em que o producto bruto kilometrico exceder 1:850$000 réis (5 por cento de 37:000$000 réis, condição 15.ª), entregará ao governo metade d’este excesso computado para toda a linha.
Isto posto, para calcularmos os lucros, ou perdas annuaes da companhia, temos que computava, por uma parte a totalidade das quantias embolsadas annualmente por ella, por outra parte a sommas dos seus desembolsos annuaes e tomar a differença entre estes dois resultados; esta differença representará quando positiva o lucro, quando negativa a perda annual da companhia.
Os desembolsos annuaes da companhia, calculei-os eu, sommando em cada anno as quantias destinadas ao pagamento dos juros e amortisação do capital levantado por ella para realisar a construcção e pagar os juros do dinheiro levantado até ao primeiro anno de exploração exclusivamente, com a metade do excesso do producto bruto da linha sobre 5 por cento de 37:000$000 réis X 193, verba
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que, a partir do, anno em que tal excesso existir continue desembolso da companhia, por ter, secundo a condição 15.ª; de ser entregue por ella ao governo»
Para calcular a importancia das quantias que a companhia terá de desembolsar em cada anno, destinadas ao pagamento dos juros e amortisação em noventa annos (curso da exploração segundo o projecto) do capital do réis 6.755:000$000, por ella levantado para construir, suppuz que a companhia obteria este capital pela emissão de obrigações de 90$000 réis do 5 por cento de juro, amortisaveis em noventa annos, á sorte, em lotes iguaes, ao par, e garantidas pelo governo portuguez, e tomei para base d’este calculo a cotação actual na praça de Paris, das obrigações do mesmo typo igualmente garantidas pelo governo portuguez. Esta cotação é de 80$000 réis (vide jornaes financeiros francezes da ultima quinzena de fevereiro), e deduzido d’ella 1$800 réis, importancia de cinco mezes de juros vencidos do 1.° de outubro ao fim do fevereiro, e attribuindo 300 réis por obrigação para commissão e corretagem de emissão, sêllo (mal chegam para o sêllo), adoptei finalmente o preço provavel de emissão de 78$000 réis por titulo de 90$000 réis.
O capital real de 6.750:000$000 réis emittido por esta fórma produz 86:600 obrigações de 90$000 réis, de 4$000 réis de juro annual cada uma, com a obrigação de amortisar 962 obrigações ao par em cada um dos primeiros oitenta e nove annos, e 982 no ultimo ou nonagesimo.
Em cada anno, a partir do primeiro de exploração, o desembolso da companhia consistirá, por este lado, em duas verbas:
l.ª Tantas vezes 4$500 réis de juros quantas as obrigações ainda não amortisadas;
2.ª 962 X 90$000 réis destinados á amortisação em cada um dos primeiros oitenta e nove annos, e 982 X 90$000 réis no 90.°
A totalidade do desembolso deve calcular-se, acrescentando a estas duas verbas (a partir do anno em que tal excesso existir), metade do excesso do producto bruto da linha sobre 5 por cento de 37:000$00 X 193 = 857:050$000 réis.
As quantias embolsadas annualmente pela companha são: em quanto a garantia igual a 5 por cento do réis 37:000$000 X 193 for superior ao producto liquido da linha uma quantia igual a essa garantia, (357:050$000: réis) desde o anno em que o producto liquido for superior a essa garantia (357:050$000 réis) esse producto liquido.
Para calcular o producto bruto e o producto liquido da linha, bases essenciaes dos calculos anteriores, adoptei, como disse, as bases ministradas pelo sr. ministro das obras publicas: 1:600$000 réis como producto inicial kilometrico, e 2,5 por cento como accrescimo provavel annual d’este producto. Deduzidas em cada anno as despezas de exploração do producto bruto assim calculado, resulta o producto liquido kilometrico. As despezas de exploração foram por mim calculadas, segundo as bases do projecto, em 1:000$000 réis por kilometro durante os primeiros vinte e tres annos, e em 40 por cento do producto bruto, a partir do 24.° anno, anno desde o qual estes 40 por conto já representam quantia superior ao minimo de 1:000$000 réis.
Feito o calculo n’estes termos, da analyse da columna final do quadro d’elle, (lucros ou perdas da companhia) quadro aue acompanhará este meu discurso no boletim parlamentar, deduz-se como resultado perder, a companhia manualmente, em cada um dos primeiros cincoenta e tres annos de exploração, quantias que vão desde 119:230$000 réis, no 1.° anno, até 1:623$000 réis no 53.°, lucrando apenas nos trinta e sete annos seguintes, e ultimos da exploração, quantias que começam em 3:478$000 réis no 54.° anno ata réis 185:314$000 réis no 90.° ou ultimo.
Dispenso-me de demonstrar, por evidente, que a somma das perdas dos cincoenta e tres primeiros annos que, com seus juros accumulados, é superior a alguns milhares de contos, por nenhuma fórma se póde reputar compensavel por lucros annuaes ulteriores, que nem chegariam em cada anno para o simples pagamento dos juros das perdas anteriores.
O calculo, cujas bases e principaes resultados acabo de expor á camara, cujo quadro desenvolvido e completo ha de acompanhar este meu discurso na sua publicação no boletim parlamentar, excluindo formalmente a possibilidade de apparição de licitantes no concurso que vier a abrir-se nos termos do projecto para a construcção e exploração da linha da Beira Baixa, prova de sobejo, creio eu, que, ao menos n’esta parte, o projecto carece absolutamente de condições de viabilidade. No tocante aos outros dois trocos de via ferrea a que se refere o projecto, a linha da Foz do Tua a Mirandella e o ramal de Vizeu, podia eu reproduzir perante a camara os mesmos calculos. Asseguro-lhe mesmo que os fiz, e que cheguei a similhantes resultados, que tenho diante de mim nos apontamentos que estou consultando.
Receiando, porém, cansar a attenção benevolente que se dignam prestar-me os meus illustres e attenciosos collegas, com tão arida e demorada enumeração de algarismos, seguirei para estas duas linhas um methodo de demonstração que, sendo mais simples, menos completo, nem por isso deve reputasse menos probante.
Limitar-me-hei a provar que a totalidade da garantia offerecida por este projecto ás suppostas companhias constructoras e exploradoras dos caminhos de ferro de Foz do Tua a Mirandella, ou do ramal de Vizeu, seria em ambos os casos insufficiente para pagar sequer o juro simples do capital nominal que essas suppostas companhias adjudicatarias haveriam de emittir para fazer face ás despezas de construcção e para pagar os juros do dinheiro levantado até ao primeiro anno de exploração.
Suppondo, como no caso da linha da Beira Baixa, que para cada uma das linhas a respectiva companhia adjudicataria se encontrou desafrontada e só no concurso, obtendo assim para base da respectiva garantia o maximum fixado no projecto (23:000$000 réis de custo kilometrico); suppondo ainda com o sr. ministro das obras publicas e as estações competentes, que o custo real da linha, comprehendido o juro do dinheiro durante o praso de construcção, não excederá 20:000$000 réis por kilometro; o custo total de cada uma das linhas referidas será, segundo dados que o sr. ministro não póde recusar, porque foi s. exa. mesmo quem os ministrou: para a linha da Foz do Tua a Mirandella, 53 X 20:000$000 = 1.080:000$000 réis; para o ramal de Vizeu (tomando para comprimento da linha 40 kilometros, comprimento medio resultante dos tres traçados, entre es quaes o sr. ministro ainda não logrou decidir-se) custo da linha 40x20:000$000 = 800:000$000 réis.
O numero de obrigações de 90$000 réis a emittir por cada uma das companhias adjudicatarias seria, portanto, feito o calculo nos mesmos termos e pela mesma cotação do calculo anterior — para a linha de Mirandella, 13:590 obrigações; para e ramal de Vizeu 10:256.
O juro annual simples d’estas obrigações a 5 por cento seria — para a linha de Mirandella £ 13:590 = 61:155$000 réis; para o ramal do Vizeu £ 10:256 = 46:152$00 réis.
As garantias respectivas seriam, segundo o projecto: para a linha de Mirandella (5 por cento sobre 23:000$000x53) 60:950$000 réis; para o ramal de Vizeu (5 por cento de 23:000$000x40) 46:000$000 réis.
Assim, a garantia seria em ambos os casos, para ambas as linhas, para ambas as suppostas companhias adjudicatarias, inferior ao simples juro a 5 por cento do capital nominal emittido para fazer face ás despezas da epocha de construcção.
Tanto basta, sr. presidente, creio eu, para levar á evidencia que o projecto é tão inexequivel e pouco viavel,
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pelo que diz respeito ás duas linhas de Mirandella e Viseu, como o e no tocante á linha da Beira Baixa.
De passagem, sr. presidente, e interrompendo para esse effeito o fio da minha argumentação, permitta-me v. exa. que lhe diga, e á camara, que se encontra entre as bases do projecto uma clausula (a 15.ª) cuja justiça, cujo fundamento, quer theorico, quer pratico, não logrei sequer entre ver.
Tão estranha me pareceu ella, sr. presidente, que se este projecto não tivesse passado antes, de chegar até nós através do apertado crivo da discussão no seio de duas commissões e da outra casa do parlamento, attribuia a decididamente a um erro typographico.
Essa clausula é a que estipula que, logo que o producto bruto da linha exceder a garantia, metade d'este excesso pertença, ao estado.
Comprehende-se, sr. presidente que, em contratos da natureza d'aquelles que o projecto suppõe, se estipule que, logo que o producto liquido de uma linha ferrea exceda os desembolsos annuaes provaveis da respectiva companhia constructora e exploradora, o estado comece de reembolsar-se dos adiantamentos que fez pelo recebimento da parte d'esse excesso, o qual para a companhia representa já puro lucro ou beneficio. Basear, porém, esse reembolso sobre a cifra attingida não pelo producto liquido, mas pelo producto bruto que nada significa; estipular que as companhias comecem de reembolsar o estado muitos annos antes de colherem lucros; acrescentar-lhes os desembolsos annuaes quando elles são ainda, e serão por muitos annos, inferiores aos embolses, significará apparentemente um grande zêlo pelos legitimos interesses do estado, mas o que mais parece significar na realidade é o desejo de fabricar projectos de lei destinados talvez a servirem de bandeirolas eleitoraes, a satisfazerem quaesquer irreflectidos compromissos tomados em alguma occasião apertada, mas não o serio intuito de submetter á apreciação do parlamento projectos de lei viaveis, exequiveis e serios.
Voltemos porém, ao meu dilemma, liguemos de novo o fio do raciocinio que interrompi por considerações que, sem serem estranhas ao assumpto, não constituem (e peco ao sr. ministro que o não esqueça) a parte fundamental da minha argumentação.
Supponhamos, emfim, que os meus raciocinios não colhem; que a camara, que v. exa. que eu mesmo chegamos a adquirir a plena convicção de que o projecto de que se trata é viavel, perfeitamente exequivel, que todos os concursos a que elle se refere hão de abundar em licitantes, que todas as linhas a que esse projecto se refere têem a maxima probabilidade de chamar companhias adjudicatarias da sua construcção e exploração; eu, ainda assim, não votaria o projecto; e quer v. exa., quer a camara saber porque? Porque as considerações de ordem exclusivamente financeira, que passo a expor, me convenceram de que por maior que seja o grau de optimismo com que queiramos encarar a nossa situação financeira actual, a conversão em lei do projecto que se discute, concorreria poderosamente para que essa situação se aggravasse por fórma, que dentro em quatro annos nos encontrariamos forçosamente em circumstancias peiores do que as que no anno passado levaram o parlamento a votar ao governo alguns milhares de contos de novos impostos.
Peiores, repito, porque as circumstancias do thesouro seriam dentro em quatro annos, proximamente, as mesmas que em 1882, mas a materia collectavel estaria muito mais proxima do ponto de completa exhaustão.
Sr. presidente, lamento profundamente que o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda saia da sala exactamente n'este momento em que eu ia expor á camara, como fundamento d'estes meus assertos, considerações cuja contestação mais naturalmente cabia a s. exa. do que ao sr. ministro das obras publicas; sinto-o tanto mais que mo encontro hoje em tão subida maré de condescendencia, que
não só por ser agradavel a s. exa., como para dar maior e mais incontestavel robustez ao meu raciocinio, estava e estou disposto a tomar por ponto de partida, por base da minha argumentação, e como se foram verdades incontestadas e incontestaveis, as ridentes conclusões do ultimo relatorio apresentado pelo sr. presidente do conselho ao parlamento em 26 do mez passado.
Emfim, visto como o governo está mais que cabalmente representado pelo sr. ministro das obras publicas, resignemo-nos com a ausencia do sr. presidente do conselho, que receiou talvez que a sua presença me animasse a encabeçar na discussão d'este projecto a da questão financeira em toda a sua plenitude e largueza; não era essa a minha intenção.
Demais, sr. presidente, eu sei que, continuando n'esta exposição de considerações financeiras, não sou desagradavel ao sr. ministro das obras publicas: haja vista o que s. exa. disse na outra casa do parlamento, quando ali começou a discussão d'este projecto, felicitando-se de que as questões d'esta natureza se debatessem do uma maneira muito diversa das interpellações ácerca das nomeações de bispos, e outras Moleiras de igual jaez, por meio de algarismos, de cifras probantes.
Vou, portanto, fazer a vontade ao sr. ministro.
Demos de barato, como já disse, sr. presidente, que são absolutamente verdadeiras as conclusões do relatorio do sr. ministro da fazenda. Tenhamos, ao menos provisoriamente e só para os effeitos d'esta demonstração, como cousa bem provada e averiguada que no anno economico proximo futuro não teremos deficit ordinario, e que o deficit extraordinario ficará reduzido ás modestas proporções de réis 4.000:000$000. Apreciemos n'este presupposto a situação financeira que resultará, no praso de quatro annos, do estado financeiro actual, como o encara o sr. presidente do conselho, combinado com a conversão em leis do exageradissimo plano de melhoramentos materiaes, emprehendido pelo actual governo, plano de que o projecto em discussão é parte integrante e importantissima. - Ao cabo de quatro annos de administração regeneradora, e suppondo que o acrescimo espontaneo das receitas a que o sr. ministro da fazenda se refere com tanta insistencia no seu notavel relatorio, não só é uma realidade, mas chega, se não sobeja, para dentro d'esses quatro annos, equilibrar não só os encargos da actual divida fluctuante, e dos successivos deficits extraordinarios d'esses quatro annos, como os juros das quantias dentro d'elles pedidas ao credito, e o tambem natural acrescimo das despezas ordinarias com que é forçoso contar, sobretudo sob consulados regeneradores, a situação financeira será proximamente a seguinte.
Teremos contraindo noa mercados estrangeiros ou nacionaes, como acceitantes, ou como endossantes, isto é, directamente, ou como garantes de companhias ajudicatarias dos melhoramentos materiaes projectados, novas obrigações na importancia real, e não nominal, de: Para o caminho de ferro do Algarve e annexos........................... 8.800:000$000
Para a illuminação das costas..... 1.000:000$000
Para o caminho de ferro da Beira Baixa 6.755:000$000
Para o ramal de Vizeu,................... 800:000$000
Para a linha de Mirandella............... 1.060:000$000
Para saldar a divida fluctuante (calculada para 30 de junho de 1883, segundo o
relatorio do sr. ministro da fazenda).....14.000:000$000
Para occorrer aos deficits extraordinarios dos annos de 1883-1884, 1884-1885,
1885-1886 e 1886-1887-.. ................ 13.000:000$000
Para a occupação do Zaire................ 1.000:000$000
Para pagamento das empreitadas do caminho do ferro do Douro.. 4.000:000$000
50.415:000$000
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De todas as verbas que compõem esta somma, e muitas deixei de parte por esquecimento, por insigniticancia relativa, ou por se referirem a projectos apenas [...] e promettidos, mas ainda não apresentados pelo governo taes como o relativo ao porto de Leixões, as docas o mais melhoramentos no porto da Lisboa, etc., nenhuma se me afigura contestavel, ou mesmo menos positivamente fundamentada no seu computo rigoroso e exacto, senão a que se refere ao calculo dos deficits extraordinarios dos quatro annos economicos seguintes ao actual. Esta mesma é facil de justificar.
O deficit extraordinario do anno economico proximo futuro orça-o o sr. ministro da fazenda, no seu relatorio, em mais de 4.000:000$000 réis. E, se a camara attende a que por uma errada e inconvenientissima praxe orçamental se incluem constantemente no deficit extraordinario importantissimas verbas que representam senão despezas ordinarias no sentido rigoroso do termo, pele menos despesas tão permanentes e duradouras, que algumas terão de reproduzir-se ainda, e inevitavelmente, por quarenta e mais annos (sirvam de exemplo as verbas orçamentaes destinadas para construcção e grandes reparações de estradas reaes, para a parte do estado na construcção das estradas districtaes e municipaes, para melhoramentos de portos e rios, etc., etc.); se a camara attender ainda a que essas despesas de caracter permanente e inevitavel inchadas erradamente no computo do deficit extraordinario, ascendem em cada anno a muito mais de 2.000:000$000 réis, não lhe será difficil acreditar, que o deficit extraordinario de cada um dos tres annos economicos seguintes ao proximo futuro não deve computar-se em menos de 3.000:000$000 réis. Assim fica justiçada a verba de 13.000:000$000 réis em que, no meu calculo, orcei os quatro deficits extraordinarios dos quatro annos economicos de 1383-1887.
Ao cabo de quatro annos, portanto, e suppondo não só que o relatorio do sr. ministro da fazenda é um evangelho, mas que não haverá necessidade ou veleidade de realisar outros melhoramentos que não sejam os comprehendidos nos projectos já apresentados pelo governo, a divida publica terá crescido a bagatella de mais de 50.000:000$000 réis, o deficit extraordinario terá permanecido em réis 3.000:000$000, o deficit ordinario (supposto com o sr. ministro da fazenda que elle morreu) terá resuscitado na importancia dos juros d'esses 50.000:000$000 réis, ou proximamente 3.000:OO0$OOO réis, menos o acrescimo espontaneo das receitas na importancia de 1.800:O0O$000 réis (45O:O00$000 réis por anno, segundo o sr. ministro da fazenda), isto é, terá attingido uma cifra não inferior a réis 1.200:O00$OOO.
Tenho demonstrado, creio eu, que a approvação d'este e dos outros projectos em cujo conjuncto consiste o plano de melhoramentos materiaes proposto pelo governo, importa o renascimento completo e em curto praso de uma situação financeira perigosa, arriscadissima, a que com tanto onus e vexame do contribuinte ainda ha pouco todos os partidos representados nas duas casas do parlamento não duvidaram acudir, votando sem distincção de cores politicas quasi todas as providencias tributarias apresentadas pelo governo na passada legislatura.
Portanto, sr. presidente, resumindo em conclusões categoricas e bem definidas este meu já demasiadamente longo arrasoado; se o projecto é serio, se é viavel, se é exequivel (o que aliás não creio) não o voto por que faz parte integrante e importantissima de um plano de governo, em que antevejo consequencias financeiras perigosissimas, se o não é, se o diploma mandado para a mesa d'esta e da outra casa do parlamento pelo governo, tem de ficar ainda que approvado só no papel, se apenas tem por fim, ou por consequencia illudir algum amigo incauto, conciliar algum adversario credulo, não o veto tambem por que não desejo associar a minha responsabilidade a factos ou a propositos cuja approvação importaria, a meu ver, quebra da dignidade e da consideração da camara a que me honro de pertencer.
Tenho dito.
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Calculo dos lucros ca perdas annuaes de uma companhia adjudicataria da construcção e exploração da linha da Beira Baixa, nas condições da projecto em discussão, admittidos os dados apresentados pelo sr. ministro das obras publicas
Calculo do embolso animal da companhia Calculo do desembolso annual da companhia Anno de exploração Rendimento bruto kilometrico Despezas de exploração Rendimento liquido kilometrico Rendimento liquido de toda a linha Embolso annual da companhia Juro das obrigações não amortisadas Somma destina á amortisação Metade do excesso do rendimento bruto sobre 357:050$000 Desembolso annual da companhia Perda ou lucro annual
[ver valores da tabela na imagem]
(a) Primeiro anno em que o producto bruto kilometrico excede 1:S50$000 (5 por cento de 37:000$000 reis).
(b) Primeiro anno em que 40 por cento do producto bruto kilometrico dá mais de 1:000$000 réis.
(c) Primeiro anno em que o producto liquido da linha excede a garantia.
(d) Primeiro anno em que a companhia auferiria lucros.
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Calculo do embolso annual da companhia Calculo do desembolso annual da companhia Anno de exploração Rendimento bruto kilometrico Despezas de exploração Rendimento liquido kilometrico Rendimento liquido de toda a linha Embolso annual da companhia [...] Somma destina á amortisação Metade do excesso do rendimento bruto sobre 357:050$000 Desembolso annual da companhia Perda ou lucro annual
[ver valores da tabela na imagem]
O sr. Ministro das Obras Publicas (O orador não reviu o seu discurso): - Todo o discurso do digno par assentou sobre o grande argumento da sua logica [...] dilemma, argumento cuja força s. exa. gradua [...] importancia do assumpto de
Se o assumpto é complexo, de vasta importancia; o digno par chega a descobrir um dilemma de milhares de pontas.
Se, pelo contrario, é menos importante, póde ser discutido com mais serenidade, sem tanta logica, sem tanta paixão; s. exa. usa apenas do dilemma de duas pontas.
Aqui o dilemma do digno par tem só duas pontas, e agradecido fico a s. exa. por essa economia de logar para com o meu projecto.
Sr. presidente, contra este projecto que comprehende tres caminhos de ferro que vão atravessar tres regiões differentes, e que se póde considerar tambem debaixo de varios pontos de vista, attendendo á importancia d'essas regiões e á largueza de beneficios que por este meio hão de receber; contra este projecto emprega s. exa. um só argumento, como disse - o dilemma. É o seguinte: ou [...] projecto não é viavel, não é serio, e não o vota por isso; ou, pelo contrario, o projecto é serio e viavel, o n'osso caso tambem não o vota, porque se oppõe a isso a [...] dos encargos que d'elle adviriam ao thesouro.
Em primeiro logar, sr. presidente, permitta-me v. exa. que eu repilla a asserção do digno par, de que o projecto não é serio.
O sr. Henrique de Macedo: - Eu salvei as intenções.
O Orador: - Agradeço a s. exa. a explicação [...] uma prova da sua amabilidade para commigo.
Mas na phrase do digno par, o projecto era apenas filho de uma especulação politica, e tinha em vista [...] vez algum incauto.
Não sei aonde elle esteja; mas só assim é, de certo as reclamações não deixarão de apparecer.
O projecto era uma especulação politica, porque e governo tinha apegas o intuito d de desembaraçar-se de [...] compromisso contraindo em circumstancias apontadas, e para de algum modo satisfazer a elle, vinha propôs um concurso, que não teria effeito.
Se o digno par, remontando ao seu ponte de vista, entende que um homem que desempenha um alto [...] o que por isso assume graves responsabilidades, procederia como s. exa. parece inculcar; se entende que a verdadeira especulação politica está em formular um projecto de lei mais ou menos illusorio, que não dá resultado algum; no meu ponto de vista nenhum governo que se preze, o que tenha em vista como um dever sagrado o cumprimento da sua palavra, poderia jámais usar de similhantes meios.
De que me serviria apresentar um projecto de lei, estando convencido de que, aberta ámanhã a praça, não appareciam concorrentes?
Este acto não era proprio de um homem que occupa esta cadeira; e quem o praticasse não faria mais do que ir pelas suas proprias mãos procurar a condemnação dos seus actos, crear o seu descredito politico e mesmo pessoa, e evidenciar a toda a gente, que a apresentação do seu projecto tinha só em vista grangear uma popularidade que ámanhã lhe fugiria.
Eu não quero essa popularidade.
Se estas são as especulações politicas que o digno par entende que podem dar força ao governo, para mim não as quero, não as acceito.
Sr. Presidente, quando eu apresentei este projecto de lei foi, nem podia deixar de ser, no desejo sincero de que os caminhos de ferro a que elle se refere podessem ser levados a effeito, attendendo ao mesmo tempo ás circumstancias financeiras do paiz.
Foi por isso que formulei o projecto assentando-o em bases que, sem comprometter os recursos do thesouro, procurasse corresponder ás necessidades do paiz.
Mas, sr. Presidente, as discussões parlamentares têem-se aperfeiçoado no modo de apreciar as questões de caminhos de ferro. Se se tem em vista o estabelecimento de uma linha seguindo o systema de construcção directa, levantar-se o dino par e proclamar que o concurso é o unico systema acceitavel que só elle póde contribuir vantajosamente para a realisação d'esse melhoramento, e que não ha maneira mais regular a seguir da parta de um governo, que tenha espirito patriotico e se compenetre bem do que exigem os verdadeiros interesses publicos. Se pelo contrario, como succede agora, se apresenta um projecto para franca e abertamente, com compromissos com nenhuma companhia, abrir concurso em bases as mais largas, deixando que todos passem vir apresentar as suas propostas, a fim do governo escolher a mais vantajosa, levanta-se s. exa. e diz: este projecto não é viavel, não é exequivel, não é serio, não é digno de consideração da camara, e por consequen-
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cia, não deve ser por ella votado; e que pela sua parte não se associa ao que considera uma perfeita illusão.
O digno par deveria comprehender que, desde que eu desejasse a construcção de um caminho de ferro e quizesse abrir concurso, não podia vir dizer á camara que, aberto ámanhã esse concurso, havia de apresentar-se uma companhia que quizesse fazer a mesma construcção. Repito aqui o que disse na camara dos senhores deputados.
Eu não posso dizer a respeito d'este projecto que, aberto o concurso, haja uma ou outra companhia que se apresente a licitar, porque não tenho compromissos alguns com qualquer companhia para que venha ao concurso e receba a adjudicação.
Isto é a consequencia do systema de concurso, systema que não condemno e que acceito.
Em resumo, se o projecto for votado e convertido em lei, o governo abrirá concurso; agora se haverá companhias que se apresentem a licitar, por mim não o posso assegurar, pela rasão que acabo de expor.
Disse eu que se tinham aperfeiçoado as discussões parlamentares a respeito de caminhos de ferro. Effectivamente, vejo discutir hoje este assumpto, não sob o ponto de vista das vantagens economicas que podem resultar da construcção defuma ou outra linha, nem dos encargos financeiros que podem advir das condições, para o estado, em que essa construcção se faça, mas em vista dos interesses que terão as companhias.
Não se trata de ver se os caminhos de ferro que se propõem vão atravessar uma região que é merecedora d'esse melhoramento, se satisfarão ás necessidades publicas, se convem preferir uma linha a outra, qual o traçado mais conveniente; emfim, não se examina nenhuma das condições que podem recommendar ou deixar de recommendar esta ou aquella rede ferro-viaria, porem se as companhias ficarão com os seus capitaes a descoberto, se tirarão ou não lucros do seu emprehendimento.
Antigamente discutia-se se a garantia do juro havia de ser preferida á subvenção, e hoje faz-se o calculo das obrigações emittidas por qualquer companhia que concorra a licitar, para ver se o encargo d'ellas é superior ou se acha dentro dos limites da garantia do juro.
(Áparte do sr. Henrique de Macedo.)
Mas, para que se possa apreciar devidamente este systema, é necessario que se conheça não só as circumstancias actuaes do mercado, mas tambem as circumstancias em que ha de estar no momento de se abrir a praça, porque são essas circumstancias que hão de determinar verdadeiramente os interesses da companhia.
Sabe o digno par, quando o concurso se abrir, quaes são as condições do mercado? Póde prevel-as?
S. exa. por muita intelligencia que tenha, e tem realmente, não póde levar tão longe a previsão de acontecimentos.
Disse o digno par, que é forçoso e indispensavel, para que possa haver concorrentes, que se estabeleçam as cousas por fórma, que os encargos que possam advir á companhia fiquem cobertos pela garantia do juro.
Supponhamos que os argumentos, que o digno par formulou, são perfeitamente correctos e acceitaveis, e que, por consequencia, o numero de obrigações que a companhia tinha de emittir representava uma quantia, cujos encargos não ficaram completamente cobertos pela garantia de juro.
A companhia que emprehender a construcção fica obrigada a dar ao governo até ao reembolso completo das sommas por elle adiantadas, metade do producto bruto de qualquer das linhas, logo que elle exceda a 5 por cento; e se é certo que nos primeiros annos de exploração o producto das linhas não alcance este excesso, não é menos certo que o deve attingir depois, e o estado será embolsado d'aquellas sommas na corrente do tempo.
Ora, se o governo ha de ser embolsado, a companhia tem-no de ser, do mesmo modo, das sommas que terá despendido nos primeiros annos, e das perdas que tiver soffrido.
Se o governo se paga de certos adiantamentos, com muito maior facilidade o fará a companhia de quaesquer prejuizos que tiver tido.
Assim, pois, era licito dizer que o projecto não era viavel nem serio, porque a garantia de juro não cobriria nos primeiros annos os encargos da companhia? Evidentemente que não.
O governo, formulando este projecto, devia attender a duas ordens de considerações, tinha em frente de si um verdadeiro dilemma: por um lado, augmentar os encargos era ir aggravar as circumstancias do thesouro; por outro lado, restringir as bases do concurso era tornar inuteis as promessas que o governo tinha feito, porque a praça ficaria vazia de concorrentes.
Em presença, d'este dilemma, o governo resolveu se a apresentar, inteiramente, na melhor boa fé, a idéa que consignou na sua proposta, e que podia ser modificada em algum ponto, e effectivamente o foi, no seio do parlamento.
Ora. pergunto eu - porque é que este projecto não é viavel? É porque os encargos resultantes para a companhia não ficam a coberto, e porque n'este projecto se não dá margem para a organisação da companhia?
Vejamos então qual é a base que póde ser ampliada por fórma a garantir mais efficazmente esta idéa.
Ha, sobretudo, tres elementos a attender nos projectos de lei d'esta natureza; e são: as despezas de exploração, o custo kilometrico, e a taxa de garantia de juro. É em virtude da combinação d'estes tres elementos, que resulta um encargo para o estado, e se resalva a companhia de quaesquer eventualidades que podem pôr em risco os capitaes empregados.
Entende o digno par que estes elementos estão mal calculados com relação a este projecto, tornando-o assim inexequivel?
Serão as despezas de exploração que estarão calculadas de fórma que não possam dar margem para qualquer empreza se organisar?
Examinemos.
As despezas de exploração foram calculadas, do mesmo modo que se tem feito com relação a outras concessões de linhas ferreas. Temos aqui.
(Leu.)
Creio, pois, que este elemento não póde soffrer alteração.
Qual é a segunda base? É o custo kilometrico. Está elle computado em 37:000$000 réis para a linha da Beira Baixa e em 23:000$000 réis para o troço de Tua a Mirandella e ramal de Vizeu. Os estudos feitos com relação aquella linha, pelos distinctos engenheiros Sousa Brandão e Pinheiro de Almeida, conduzem aos seguintes resultados.
(Leu.)
Ora, eu entendi dever mandar formular um orçamento de toda a linha desde Abrantes até á linha da Beira Alta, porque os elementos para o orçamento apresentados pelos referidos engenheiros não me permittiam chegar a uma conclusão que podesse satisfazer-me, tendo eu de informar o parlamento e desejando que o concurso se abrisse sobre bases que permitissem deixar margem sufficiente para qualquer empreza se apresentar a licitar, acautelando ao mesmo tempo os interesses do estado.
Aqui está o que diz esse orçamento que mandei fazer, e onde estão incluidas as despezas de construcção, e todas as mais accessorias.
(Leu.)
Já vê a camara que a despeza orçada é de 7.117:696$25O réis se se fizer a conta dos juros dia a dia, e de 7.113:689$700
réis se se fizer a conta dos juros como costumara fazer as companhias.
Note-se que não é possivel calcular as economias que
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podem fazer-se, e que se houver modificações no traçado ainda se reduzirão as despezas.
Portanto, temos fundamento para acreditar que, calculando-se o custo kilometrico em 37:000$000 réis, não se adopta uma base inferior ao que devia ser, e dá-se margem bastante para qualquer companhia abalançar-se a fazer a construcção da linha.
Por conseguinte, teremos de alterar alguma cousa no calculo do custo kilometrico? De certo que tambem aqui não ha a fazer alteração.
Assim, pois, não havendo que alterar cousa alguma nos dois elementos de que acima fallei, resta ver se o terceiro, isto é, a taxa da garantia de juro, póde soffrer alteração, uma vez que a construcção por conta do estado é um alvitre que o governo não póde acceitar, porque traz encargos grandes que vão pesar immediatamente sobre o thesouro.
Ora, querendo o governo effectivamente evitar esses encargos que nos primeiros annos teriam necessariamente de sobrecarregar as despezas publicas; mas, por outro lado, desejando firmemente a construcção d'estes caminhos de ferro, entendeu appellar para o concurso, o qual mostrei já, considerando duas das suas bases principaes, não teria sob esta ponto de vista o inconveniente de afugentar os concorrentes.
Com relação á taxa da garantia de juro direi o seguinte, desejando que fique bem consignado o meu modo de ver n'esta questão.
Não tenho interesse algum em que este projecto de lei saia das duas casas do parlamento em termos taes que, desde já, possa considerar-se que, aberto o concurso, não haverá concorrentes.
O meu interesse não é, nem póde ser outro, mais uma vez o digo, senão attender por um lado ás circumstancias do thesouro, para que esses encargos sejam os menores possiveis: e, por outro lado, a que as condições do concurso, harmonisando-se com essas circumstancias, offereçam ao mesmo tempo garantia sufficiente da sua effectividade, tornando acceitavel o projecto de lei respectivo.
Parece-me não só a mim, mas a pessoas que consultei, que nos termos em que está redigido o projecto, elle póde dar logar a uma adjudicação em praça, e ainda hoje é esta a minha convicção, apesar dos cálculos apresentados pelo digno par.
Mas, dado o caso de que haja quem entenda que a garantia de juro, sendo mais ampla, melhor garantirá a effectividade do concurso, podendo depois a praça corrigir o augmento que se estabeleça quanto a esta base, eu não posso nem devo contrariar abertamente esse pensamento, porquanto é com relação a esta base unicamente que alguma alteração é possivel admittir sem grande hesitação.
Entendo, repito, que o projecto nos termos em que está é perfeitamente viavel; mas já tive occasião de dizer em outro logar, e o mostrei por factos, eu não posso ter outro desejo senão que a lei saia o mais completa possivel, sem me prender por nenhuma consideração de amor proprio mal entendido.
O digno par apresentou tambem algumas considerações financeiras, e leu um rol dos encargos que dentro de certo praso sobrecarregariam as despezas publicas, concluindo que, em presença do quadro que expunha á camara, não podia dar a sua approvação ao projecto, ainda que elle fosse viavel, o que aliás s. exa. não acreditava.
Mas, sr. presidente, n'este rol estão comprehendidos melhoramentos, que todos estão concordes em julgar de necessidade impreterivel. Por exemplo, o que se refere ao caminho de ferro do Algarve, que foi approvado nas duas casos do parlamento quasi que sem discrepancia, porque todos reconheceram que era não só conveniente realisar este melhoramento, mas que era, ainda muito urgente fazel-o, attendendo aos capitaes que ali haviam sido empregados.
Figura tambem no rol o projecto dos pharoes que a camara o votou tambem sem dissentimento essencial, acceitando, por conseguinte, os encargos que d'elle hão de resultar para o estado.
O digno par allude ainda a um projecto que annunciei, e que tambem é reclamado e o tem sido por todos os lados da camara; refiro me ao que diz respeito ao porto de Leixões.
Não sei, sr. presidente, que se possa lançar em rosto ao governo, como um acto de imprudencia trazer á camara esse projecto que satisfaz ás necessidades mais vitaes da região que tal melhoramento vae beneficiar, e aos desejos que têem sido manifestados pelos representantes de todos os partidos politicos, tanto mais quanto no mesmo projecto, como s. exa. verá, os encargos que d'elle podem resultar são devidamente compensados pela creação de fontes de receita correspondente.
N'estes termos, a conclusão que posso tirar do que disse o digno par é que de todos os projectos que eu tenho tido a honra de apresentar ás côrtes, é este o unico que s. exa. entende não deve merecer a approvação da camara. É notavel, porem, que o governo não é arguido por que o projecto seja inconveniente para o paiz, ou por que os caminhos de ferro que n'elle se propõe não vão beneficiar provincias de ha muito desherdadas das vantagens da viação accelerada, e com a qual se desenvolverá a sua riqueza, concorrendo assim para o incremento da prosperidade publica - e só provando se isto, é que eu poderia convencer-me da minha imprudencia em apresentar este projecto; mas sim á arguido por que o mesmo projecto não está formulado em termos que possa dar vantagem nem interesse nenhum ás companhias que queiram licitar. E para chegar a esta conclusão, architectou s. exa. uns calculos, mais ou menos artificiosos, que de antemão tinha formulado no remanso do seu gabinete. Não discutiu, pois, a utilidade do projecto, contentou-se em procurar mostrar que as companhias que se abalançassem a receber a adjudicação, perderiam o seu dinheiro.
Parece-me que tenho respondido ás considerações expostas pelo digno par, e nada mais por agora tenho a dizer.
O sr. Francisco Costa (sobre a ordem): - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei, que permitte á companhia da cultura do opio em Moçambique a exportação pela alfandega de Lisboa, livres de direitos de moeda, até á somma de réis 20:000$000 cada anno.
Foi a imprimir.
O sr. Vaz Preto: - Faltando apenas cinco minutos para dar a hora, limitar-me-hei por hoje, a mandar para a mesa uma moção, que acompanharei de mui breves considerações.
Sr. presidente, desejo que a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa seja uma realidade, e não uma phantasmagoria, e para isso é mister que no projecto que se discute se encontrem todas as garantias, e se dêem todas as seguranças para que este melhoramento seja levado a effeito.
São essas garantias, são essas seguranças que me parece não existem no projecto, se os calculos do sr. Henrique de Macedo são verdadeiros, e não exactos os do sr. ministro das obras publicas.
O digno par, sr. Henrique de Macedo, affirma, pelos calculos que apresentou á camara, que este projecto não é viavel, e que a companhia durante cincoenta e tres annos perderia; por outro lado, o sr. ministro das obras publicas declara que não tem a certeza de que na praça differentes companhias disputem a adjudicação do caminho de ferro da Beira Baixa.
Os calculos do sr. Macedo, e as incertezas do sr. ministro, deixam no meu espirito a duvida de que a garantia de juro de 5 por cento não é o sufficiente para qualquer companhia tomar a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa.
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N'este presupposto torna-se problematica a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa.
Eu desejo-a, e o sr. ministro das obras publicas deseja tambem que ella seja uma realidade.
N'esse caso é preciso adoptar um dos dois alvitres que se offerecem, e são: ou o governo fazer a construcção por conta propria no caso de não haver companhia que a queira fazer, ou augmentar a garantia de juro.
Como o sr. ministro declarou terminantemente, que não acceitava a auctorisação para construir o caminho de ferro da Beira Baixa por administração do estado, vejo-me forçado a recorrer ao ultimo alvitre.
N'esse intuito mando para a mesa a seguinte proposta:
"Na condição ll.ª, onde se lê - até 5 por cento - deve ler-se - até 5 2/2 por cento -."
Isto quer dizer que proponho a elevação da garantia de juro, que em logar de 5 por cento passará a ser de 5 1/2 por cento.
Creio que haveria difficuldade na adjudicação, passando o projecto tal qual veiu ao debate.
Não são só os calculos do sr. Henrique de Macedo e as incertezas do sr. ministro, que influiram no meu espirito.
Influiram, principalmente, os calculos que eu tambem fiz, servindo-me dos dados officiaes.
O resultado d'esses calculos, que eu submetto a apreciação da camara, dá-me a certeza, de que qualquer companhia que tomasse nas condições do projecto a linha da Beira Baixa, perderia bastante.
Eis os calculos:
O governo suppõe que o custo kilometrico é de réis 37:000$000. Supponhamos, pois, que custa cada kilometro 37:000$000 réis; para levantar as sommas necessarias precisa a companhia adjudicataria de fazer uma emissão garantida pelo governo.
Essa emissão não se poderá fazer a menos de 88 por cento, preço por que estão os fundos do estado.
Portanto, teremos:
Custo kilometrico............................. 37:000$000
Fazendo a emissão a 88 por cento por cada 37:000$000 réis nominaes, obterá a companhia adjudicataria....................... 32:560$000
A differença contra a companhia será, pois, de 4:440$000 réis por kilometro, ou um total de................................... 856:960$000
se multiplicarmos a differença de cada kilometro por 193, que é o percurso de Abrantes á Guarda.
Se, pois, o custo kilometrico fosse de 37:000$000 réis, a empreza para obter o capital necessario para levar a effeito a construcção realisaria um emprestimo com a garantia do governo em que lhe faltaria 856:920$000 réis.
Supponhamos, pois, que o verdadeiro custo kilometrico, segundo os calculos dos engenheiros, é de 30:096$000 réis e que a adjudicação foi a 37:000$000 réis. Feita a emissão a 88 por cento, obteremos para cada kilometro 30:884$000 réis, deficit kilometrico 4:212$000 réis, deficit total 812:196$000 réis.
Como, porém, a differença entre 37:000$000 réis da adjudicação e 35:096$000 réis da construcção é de réis 1:903$000 por kilometro, ou total 367:279$000 réis, beneficio que a companhia póde tirar, o qual, deduzido dos 812:916$000 réis, dá ainda um prejuizo de 445:637$000 réis.
Tudo isto é não fallando na taxa da amortisação e nas despezas a fazer com a emissão.
Sr. presidente, parece-me que estes calculos não podem ser suspeitos nem ao illustre ministro nem á illustrada commissão, porque são baseados todos sobre dados officiaes acceitos pelo governo e pela commissão.
D'estes calculos, cuja deducção é rigorosamente mathematica, conclue-se que a companhia concessionaria, que tenha o beneficio de 2:000$000 réis por kilometro, ainda assim teria um prejuizo approximadamente de 450:000$000 réis.
Sr. presidente, a confrontação do traçado da linha da Beira Baixa com as linhas do Minho e Douro e com a da Beira Alta, vem ainda confirmar a veracidade das minhas cifras, e a justeza das minhas apreciações.
Pois as linhas do Douro e Minho custaram quantia superior a 60:000$000 réis por kilometro, a da Beira Alta 46:000$000 réis e a da Beira Baixa, cujo terreno é accidentadissimo, poderá custar apenas 37:000$000 réis?!
Parece-me ter havido erro nos calculos dos engenheiros, e o futuro o demonstrará.
Sr. presidente, ao sr. Henrique de Macedo afiguram-se-lhe as perdas para qualquer companhia tão subidas que julga que este projecto não é viavel, que é inexequivel, e que não é serio.
Se assim é, se as affirmativas do sr. Macedo têem base, a camara cumpre-lhe tornal-o viavel, exequivel e serio.
E como se poderá isso conseguir? Ou construindo o governo por administração, ou elevando a garantia de juro.
O sr. ministro declarou que não acceitava a construcção por conta do estado; n'este caso, eu não tenho outro alvitre a escolher senão a elevação da garantia de juro; foi, pois, o que fiz mandando a minha proposta para a mesa.
Se o projecto com esta minha proposta, elevando a garantia de juro até 5 1/2 por cento, não for exequivel e viajei, menos o seria tal qual elle se acha modificado pela commissão, tal qual se discute.
Posto que a minha proposta augmenta mais 1/2 por cento na garantia de juro, ainda assim eu não tenho a certeza de que haja uma companhia que queira construir aquelle caminho n'aquellas condições.
O seguro seria que o governo construisse por conta propria.
Desde que o governo se propoz construir o caminho de ferro do Algarve, que é uma linha secundaria com relação á da Beira Baixa, o governo não devia deixar, e tem até mesmo obrigação moral, de construir o caminho de ferro da Beira Baixa por sua conta, logo que não houvesse companhia para o construir.
Será possivel que o primeiro caminho, de ferro que se devia ter construido, e que vem a ser o ultimo, não mereça ao menos ser tratado pelo governo com as mesmas condições e vantagens que o do Algarve?!!
Se não apparecerem companhias será ainda adiada a sua construcção?!
Ha só duas companhias que poderão concorrer á adjudicação do caminho de ferro da Beira Baixa por antagonismo de interesses, porque a ambas estas companhias não convem a sua construcção.
São a companhia do norte e leste e a da Beira Alta.
Á companhia do norte e leste não lhe convem, porque este caminho de ferro construido póde mais cedo ou mais tarde ir ligar com o de Malpartida, e matar-lhe, por assim dizer, o ramal de Caceres e dar-lhe ao mesmo tempo grande prejuizo ao trafego da linha leste.
Já se vê, pois, que aos interesses d'esta companhia não convem a construcção da linha da Beira Baixa.
Á companhia da Beira Alta não lhe convem tambem, porque este caminho de ferro vae fazer uma concorrencia fatal áquella linha.
Construido este caminho, todo o commercio que se faz entre Salamanca e Portugal ha de procurar de preferencia a linha da Beira Baixa, para alcançar o magnifico porto de Lisboa, alem d'isso a linha da Beira Baixa encurta como linha internacional sobre a da Beira Alta 60 kilometros.
N'estas condições a ruina da companhia da Beira Alta seria infallivel.
A linha da Beira Alta tem, pois, tudo a perder e nada a ganhar com a construcção do caminho da Beira Baixa.
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Se, pois, qualquer d'estas companhias for ao concurso é para evitar que aquella linha caia nas mãos da sua rival.
Se, pois, ellas vá o ao concurso para evitar a sua ruina, e nas condições d'esse concurso a encontrarem igualmente, por certo não irão.
Foi, pois, para obviar a este inconveniente, que eu propuz a elevação da garantia de juro.
Sr. presidente, note v. exa. e a camara que, se são verdadeiros os cálculos apresentados pelo governo, a elevação da garantia de juro nada prejudica o thesouro, porque as duas companhias que têem interesses antagonicos, hão de debater-se na praça, e hão de fazer as suas propostas o mais limitadas que poderem para conseguirem a adjudicação, e, portanto, a garantia de juro não attingirá n'este caso a cifra a que eu a elevei.
Se, porem, os calculos do governo não são exactos, então a elevação da garantia de juro era uma necessidade instante, aliás a praça ficaria deserta.
Ha só um caso em que, sendo exactos os calculos do governo a garantia de juro que eu propuz se tornaria, effectiva. E o caso das companhias se terem mancommunado.
Mas n'esse caso o governo não devia fazer a adjudicação. Eis aqui mais uma rasão por que eu preferia, ao meu alvitre, a construcção por conta do estado, quando a praça ficasse deserta.
Sr. presidente, se não fossem as condições excepcionaes em que se acha o caminho de ferro da Beira Baixa, que só póde ser tomado por estas duas companhias, a elevação da garantia de juro seria um convite para outra qualquer companhia. Mas nas circumstancias em que se acha esta linha, que forçosamente ha de ser ou um rama, da da Beira Alta ou um ramal da de leste, nenhuma outra companhia se abalançaria a tomar um ramal a não ser para o passar a qualquer d'aquellas companhias.
Sr. presidente, sendo o caminho de ferro da Beira Baixa o complemento do caminho de ferro do sul, parecia-me que o rasoavel era que se tivesse adoptado o mesmo systema para a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, que se adoptou para o caminho de ferro do Algarve, isto é, que no caso de não haver concorrentes o governo ficasse auctorisado a construil-o por sua conta.
Deu a hora, e tendo eu que fazer varias considerações, ainda peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
Leu-se na mesa a proposta apresentada pelo sr. Vaz Preto.
É a seguinte:
Proposta
Proponho que na condição 11.ª onde se lê: 5 por cento, se leia = 5 1/2 por cento. = Vaz Preto.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - A sessão será ámanhã, e a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco noras da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 9 de março de 1883
Exmos. srs.: João de Andrade Corvo; Marquezes, de Penafiel e de Vallada; Condes, das Alcaçovas, de Alte, dos Arcos, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Porto Covo e de Samodães; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Azarujinha, de S. Januario, de Seabra, de Soares Franco, de Moreira de Rey; Ornellas, Aguiar, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Palmeirim, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa, e Silva, Francisco Cunha, Henrique de Macedo, Martens Ferrão, Abreu e Sousa, Gusmão, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcellos, Ponte Horta, Amaral, Mello Gouveia. Costa Cardoso, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro. Bocage, Daun e Lorena, Camara Leme, Pires de Lima, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira de Novaes e Mendonça Cortez.
Discurso proferido pelo digno par Visconde de Seabra, na sessão de 5 de março, que devia ter sido publicado a Dag. 126, col. 1.ª, lin. 15.ª
O sr. Visconde de Seabra: - Sr. presidente, vou chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para um objecto que, supposto não seja propriamente politico, não é destituido de interesse, tanto para esta camara, como para o digno ministro, cuja illustração e patriotismo são bem conhecidos.
Trata-se de evitar a perda de um dos monumentos graphicos mais notaveis, ou, para melhor dizer, o mais notavel de quantos monumentos graphicos existem n'este paiz, o mais singular, extraordinario e unico, pelas circumstancias que o revestem, e que está ameaçado de ser destruido.
Eu já na sessão passada tive desejo de pedir a palavra para fallar sobre este assumpto; porém, estes mares politicos andavam tão verdes e revoltos pelo vendaval obstrucionista que os agitava, que não tive coragem para o fazer.
Agora que nos achâmos n'este remanso e calmaria parlamentar, aproveito a occasião, sentindo talvez que já venha tarde o que eu tenho a dizer.
Vou explicar-me em poucas palavras e o mais concisamente que poder.
Existe no Alto Douro, no sitio denominado o Cachão da Rapa um rochedo com uma larga inscripção antiquissima em caracteres desconhecidos.
No meiado do seculo passado, a nossa academia de historia tratou de recolher todas as memorias notaveis que podia haver n'este reino. Differentes descripções e noticias se enviaram á academia sobre esta curiosa inscripção, as quaes foram recolhidas pelo contador de Argotte nas suas memorias para a historia do arcebispado de Braga.
Argotte aproveitou todas as informações que lhe enviaram quanto ás lendas e historias que havia a respeito d'aquella notavel inscripção.
No sopé do rochedo parece que existíra uma vasta sala rodeada de assentos de pedra, com uma grande mesa no centro, dando entrada para uma caverna onde ninguem queria penetrar, porque se contavam as mortes repentinas que ali succediam, dizendo-se que havia grandes thesouros occultos; mas os terrores espalhados guardavam de tal maneira aquelle sitio, que ninguem se queria approximar d'elle.
Dizem até que, indo ali um padre com estola e sobrepelliz, pretendendo entrar no interior, caíra asphyxiado e morrera dentro de pouco tempo.
Deixemos essas historias que não servem para nada.
O facto é que Argotte apresentou o tramsumpto d'esta inscripção em caracteres desconhecidos, e que na realidade o são quasi todos; mas por isso mesmo se tornam dignos de ser conservados, porque, comquanto ainda se não tenha apurado o que significam esses caracteres, poderá ser que um dia algum novo Champollion os possa decifrar.
Occupando-me eu dos nossos estudos prehistoricos, vi esta inscripção, e a minha attenção foi ferida pela fórma rectilinea, evidentemente semitica, da maior parte dos caracteres.
Dirigi es meus estudos n'este sentido, e procurei averiguar se aquella inscripção seria de origem phenicia. Effectivamente muitas rasões me conduziram a esta minha opinião, e tratei, por isso, de obter uma nova copia mais authentica d'essa inscripção. Não a pude, porém, conseguir até hoje, e recebi ha pouco uma carta de um amigo meu,
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dizendo-me que, constando ali, entre aquelles povos do concelho de Anciães, freguezia de Linhares, que a linha ferrea que devia seguir pelo Douro acima passaria por sobre aquelle rochedo, algumas pessoas tinham concorrido áquelle sitio em procura de thesouros que se dizia ali existirem, e tinham destruido uma parte da inscripção.
Pareceu-me portanto que devia chamar sobre este ponto a attenção do sr. ministro das obras publicas, pedindo-lhe que encarregue algum dos habilissimos engenheiros que tem á sua disposição, como por exemplo o sr. Estacio da Veiga, que muito se tem destinguido pelas suas investigações archeologicas, de tirar uma copia exacta de toda a inscripção, ou da parte que existir, ajuntando-lhe a descripção das circumstancias locaes, a que já alludi, e principalmente com relação á famosa gruta, que na minha opinião deve ter sido entrada de minas para a exploração de minerio de prata, que segundo fama antiquissima n'aquelles sitios, foi muito explorado.
Eu chamo a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre este objecto, porque me parece que esta antigualha é de summo interesse. E permitta-me a camara que diga a rasão por que assim penso. Eu estou convencido que a nossa primeira civilisação foi inteiramente phenicio-carthagineza. Todos nós temos lido os pomposos elogios que os prophetas hebreus teceram á esplendida civilisação phenicia. As magnificencias do templo de Salomão foram obra sua.
Os romanos quando entraram na peninsula ficaram espantados copa o estado de adiantamento da sua civilisação, porém foram elles os mais terriveis inimigos d'essas memorias gloriosas.
Todos sabem que destruida Carthago, os romanos trataram de acabar com todos os monumentos da grandeza daquelle povo heróico. É provervial a feroz maldição catoniana - detendo, Carthago -. Todas as suas bibliothecas foram aniquiladas e nenhum livro resta da lingua phenicio-carthagineza. Os unicos livros que os romanos conservaram ou salvaram da devastação foram as obras de Magon sobre agricultura, mandadas traduzir pelo senado, e completamente apropriadas pelos auctores romanos que trataram d'esse assumpto, sobretudo por Columella e Plinio, na sua encyclopedia, do seculo de Augusto, chamada vulgarmente historia natural de Plinio.
Não poderam todavia os romanos destruir inteiramente todos os vestigios da civilisação phenicio-carthagineza, e ainda se encontram na peninsula, iberica, principalmente na zona austral e occidental numerosas denominações que estão revelando a sua origem carthagineza ou phenicia.
O Hercules Phenicio avulta ainda hoje nas columnas do Estreito, e na celebre Torre da Corunha domina ainda a memoria do Hercules Phenicio.
Na minha opinião duas correntes de civilisação se estabeleceram n'esses tempos antiquissimos, a corrente phenicio-carthagineza que se moveu do sul e poente ao norte e leste da peninsula, e a corrente grega que caminhou inversamente do norte e leste, e vieram a encontrar-se mais tarde, porque é indubitavel que a mesma civilisação grega nasceu da civilisação phenicia, e por isso não é de admirar que se apresentem muitos caracteres communs.
As memorias graphicas que d'essas civilisações existem na peninsula, são rarissimas; contam-se apenas uma certa somma de medalhas, e duas ou tres inscripções graphicas. Supponho que a inscripção a que me refiro é radicalmente phenicia. Pelo exame que fiz e comparação dos seus caracteres com os do alphabeto phenicio, e pelo que pude deduzir dos trabalhos de Lenorinant e de Renan, reconheci que muitos d'esses caracteres são phenicio s, senão o são na sua totalidade, o que bem podia resultar das alterações ou modificações alphabeticas, introduzidas na peninsula, como aconteceu em outros paizes.
Ha outra circumstancia porem que me confirma nesta idéa, é o logar onde se acha a inscripção. Os phenicios e carthaginezes, como todos sabem, eram um povo de navegadores, e n'esse tempo não se navegava senão terra a terra, porque a bussola só muito mais tarde foi inventada.
Aos phenicios cabe a gloria de ter sido o primeiro povo navegador conhecido. O illustre Humboldt consagrou no seu Cosmos largas paginas á historia da sua navegação extensiva. Ha memoria dos seus periplos da Iberia e da Africa, e a nós, virtualmente seus descendentes, coube a gloria de os completar no mar Tenebroso passando ainda alem da Taprobana milhares de seculos depois.
É indubitavel, que no seu percurso peninsular, chegando á foz do Douro, não deixassem de seguir o seu curso até onde lhes fosse possivel.
Ora, a inscripção acha-se exactamente onde parava a navegação.
Alem d'isso, a circumstancia das escavações, que ali apparecem, e o conhecimento que nós temos de que os phenicios se occuparam sobretudo da extracção de metaes preciosos, e minas de prata, que, segundo a tradição, havia na peninsula, tudo isto convence de que a inscripção a que me refiro, é de origem phenicia.
Mas tenho mais rasões; e uma, muito forte, é que em Pannonias, antiquissima cidade, perto de Villa Real, 3 kilometros a leste, existem, tambem, monumentos de caracteres desconhecidos, que eu suspeito que serão do mesmo genero, e que, pelo menos, era necessario conferir, estudar e comparar.
O que mais me confirma n'esta opinião, é que uma d'estas inscripções se encontra em um moemento phenicio, a saber: - um jazigo ou moimento tumular no estylo phenicio; isto é, um poço ou cavidade aberta perpendicularmente no cimo de um rochedo, cuja abertura fora coberta com certa lage.
Desgraçadamente nenhum dos nossos escriptores se tem occupado d'aquellas antiguidades.
O contador de Argotte prometteu occupar-se d'ellas na sua geographia moderna; porém não o chegou a fazer, e mais ninguem quiz saber d'isso.
O mesmo Argotte, fallando da inscripção de Pannonias, diz que não a copia por estar em caracteres desconhecidos.
Copiando muitas inscripções romanas, deixou de copiar aquella que mais necessaria se tornava, porque das inscripções romanas estava o reino cheio.
A raridade e escassez d'estas inscripções relativas a um ponto historico tão importante, como pouco conhecido, devem merecer a maior attenção.
São notorias as diligencias que estão empregando os sabios allemães, inglezes e francezes para adiantar alguma ousa o conhecimento de uma lingua tão florescente como foi n'aquelle tempo a phenicio-carthagineza, não se poupando mesmo a longas e trabalhosas viagens e explorações; e parece-me, com rasões assás fortes, que não devemos descurar esta que eu creio uma riqueza que se offerece á nossa disposição.
Mas concedo que não venham a realisar-se nossas conjecturas.
Basta saber que no monumento, que já mencionei, ha caracteres phenicios, para ser da dignidade, e da honra d'este paiz, mostrar aos estrangeiros que não descuramos completamente uma inscripção relativa a tempos tão ignorados:
Hoje occupa-se muito a Europa de estudos anthropologicos, de archeologia e de ethnologia; falla-se de tudo que diz respeito aos tempos antigos.
Por que rasão havemos nós de descurar aquelles subsidios que tão facilmente se nos apresentam?
O que eu peço, em conclusão, é o seguinte:
Se o sr. ministro julga que este negocio lhe merece atenção, encarregue algum engenheiro de tirar um tranumpto do que existir ainda, se não estiver tudo já destruido, da inscripção do Cachão da Rapa; em segundo logar, que mande tirar copia exacta das inscripções em ca-
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racteres desconhecidos, que existem nas ruinas da antiga Pannonias.
É isto o que eu tenho a dizer, esperando da illustração e patriotismo de s. exa. que procurará de alguma fórma providenciar n!este assumpto.
O sr. Visconde de Seabra: - Eu peço ao sr. ministro que o que poder apurar sobre o assumpto remetta á nossa academia das sciencias, secção historica, para firmar sobre este objecto o seu parecer, visto que já antigamente se tinha occupado d'este assumpto.
Discurso proferido pelo digno par, o sr. Pereira de Miranda, na sessão de 5 de março, que devia ler-se a pag. 135, 2.ª col., lin 35.
O sr. Pereira de Miranda: - Sr. presidente, não combato o projecto em discussão, dou-lhe mesmo o meu voto.
Creio que a camara o approvará, porque o projecto corresponde a uma necessidade publica reconhecida, e se podesse haver divergencias a respeito d'elle, seria apenas em dois pontos.
O primeiro é quanto á opportunidade de tratar do melhoramento para a illuminação e balizagem das costas maritimas na occasião em que o estado da fazenda não é o mais prospero.
O segundo é com relação á modificação da proposta apresentada pelo sr. ministro das obras publicas, porque a verdade é que a proposta de s. exa. era muito superior ao projecto de lei que veiu da camara dos senhores deputados.
Pelo menos a proposta do sr. ministro das obras publicas estava subordinada a um principio de boa administração, porque se ha serviços importantes a crear, se ha necessidades publicas a attender, é bom que, a par dos serviços creados e das necessidades satisfeitas, creemos a receita indispensavel para não aggravar o estado da fazenda.
Não quero com isto dizer que approvasse o imposto a que se tinha soccorrido o sr. ministro das obras publicas, porque me parecia extraordinariamente exagerada a percentagem que s. exa. fixava, mas entendo que seria, facil encontrar meio de crear uma receita que fizesse face á despeza que origina o projecto.
Voto, como já disse, o projecto em discussão, e se pedi a palavra foi para chamar a attenção da camara para um outro assumpto que está intimamente ligado com o projecto que se discute.
Desde que se haja de tratar da illuminação e balizagem das costas maritimas, ha um outro serviço que eu espero merecerá a attenção, tanto do sr. ministro da marinha como do sr. ministro das obras publicas, e a respeito do qual vou mandar para a mesa uma proposta, que creio, terá a approvação de toda a camara.
O serviço a que me refiro está completamente descurado entre nós, e parece-me opportuno occupar-nos d'elle n'esta occasião, tanto mais que a despeza a fazer é relativamente insignificante.
Quero referir-me ao serviço de soccorros aos naufragos, que em quasi todos os paizes maritimos está perfeitamente organisado; mas em Portugal está esquecido.
Nas costas do continente do reino ha apenas um silva-vidas na Povoa de Varzim, um na foz do Douro e outro em Paço de Arcos; e ultimamente, a associação commercial de Lisboa, para solemnisar o tricentenario de Canões, estabeleceu em Cascaes um outro salva-vidas.
Em uma extensão de mais de 6 graus de costa maritima ha apenas estes, salva-vidas.
Desde Paço de Arcos a Villa Real de Santo Antonio, não ha nem salva-vidas, nem qualquer outro meio de prestar auxilio a naufragos.
Ora, n'estas circumstancias, pergunto eu a v. exa. o ao governo se devemos continuar a manter este estado de cousas.
Pela minha proposta é auctorisado o governo a montar este serviço, e atrevo-me a fazel-a porque sei que os estudos sobre tão momentoso assumpto estão feitos, e d'elles tenho perfeito conhecimento.
Em 1879, sendo ministro da marinha o sr. marquez de Sabugosa, nomeou s. exa. uma commissão para estudar quaes os pontos da costa em que se podia estabelecer o serviço de soccorros a náufragos e qual seria a despeza a fazer com esse serviço.
Eu pertenci a essa commissão, da qual tambem fez parte, como presidente, um nosso distincto collega e notavel official de marinha, o sr. José Baptista de Andrade. Foi relator d'essa commissão o sr. Antonio Maria de Sande Vasconcellos e Carvalho, e o relatorio por elle escripto faz-lhe honra e é um excellente trabalho.
Essa commissão dedicou-se com todo o zêlo ao estudo do assumpto, e procurou colher todos os esclarecimentos 5 em resultado dos seus trabalhos, propõe que nas costas de Portugal e ilhas adjacentes se estabeleçam trinta estações
e trinta e dois postos de soccorros.
As estações, alem da casa apropriada que conviria construir, deviam ter um barco salva-vidas e o respectivo carro de conducção, ambulancia, colletes e boias de salvação, foguetes para signaes, etc., como têem os estabelecimentos analogos em Inglaterra e França.
Cada uma d'estas estações custaria, comprehendendo o custo da casa, orçada em 1:500$000 réis, 3:400$000 réis. O numero de estações, no continente, seria de vinte e quatro, e as seis restantes seriam estabelecidas nas ilhas adjacentes, custando cada uma d'estas 2:332$000 réis, sendo a differença do custo proveniente do preço do barco; porque as pessoas entendidas julgam conveniente usar nas ilhas de uns barcos apropriados para aquelles mares, e que ali denominam jeques, applicando-lhes o apparelho salva-vidas.
(Leu.)
Os postos, que seriam, como já disse, trinta e dois, exigem uma casa de menores proporções, cujo custo foi orçado em 45O$000 réis, e são destinados a ter apparelhos de foguetes com todos os accessorios, ambulancia, cabos, etc., etc.
O custo total de cada posto de soccorros foi orçado, termo medio, em 1:340$000 réis.
Para estabelecer as trinta estações e os trinta e dois postos, seria preciso dispender 137:896$160 réis.
Assim, auctorisando o governo a montar esse serviço juntamente com o da illuminação das costas, e no mesmo periodo de tempo, apenas se augmentaria a despeza em 28:000$000 réis cada anno, o que seria um dispendio insignificante em presença do importantissimo serviço que se prestaria na salvação dos naufragos.
O custeio de todas as estações e postos tambem seria insignificante, como está igualmente indicado no relatorio da commissão que eu forneci ao sr. ministro das obras publicas, a fira de s. exa. ver que a despeza com este serviço não era para assustar, embora eu seja o primeiro a reconhecer que é preciso o maior cuidado em tudo quanto possa augmentar os encargos do thesouro.
A despeza annual com a conservação d'essas estações e postos foi avaliada pela commissão em 4:598$000 réis.
Já se vê que não é para causar susto ao governo, nem ao parlamento.
A minha proposta está justificada pelo fim a que visa, e e por isso acredito que será approvada por toda a camara.
Entretanto, eu direi á camara, apenas como exposição de factos que convem relatar, porque nem de todos são conhecidos, que nos annos de 1870 a 1878 deram-se nas costas de Portugal 224 naufragios, o que equivale a uma
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media de quasi 20 por anno, morrendo n'esses naufragios 229 pessoas.
E não entram n'esta conta os naufragios e mortes de que não houve conhecimento, porque todos sabem que ha naufragios em que a perda é total, que navios e barcos de pesca são engolidos pelas ondas no mar alto, sem que haja noticia alguma d'essas desgraças.
Estes algarismos que apresento encontram-se no relatorio da commissão, e são tirados de documentos officiaes.
Se por acaso a camara tivesse a minima duvida em votar a proposta que vou mandar para a mesa, a sua hesitação desappareceria logo lendo parte de um officio do capitão do porto de Villa Nova de Portimão, em data de 4 de janeiro de 1880, dirigido ao presidente da commissão a que me tenho referido e da qual eu tive a honra de fazer parte.
Permitta-me a camara que eu faça leitura de alguns periodos d'esse documento para os quaes chamo a sua attenção e a do governo.
Já fiz notar á camara que desde a foz do Tejo até ao ultimo extremo sul do reino não havia um barco salva-vidas, nem um só apparelho de salvação em qualquer ponto da costa.
Agora peço a todos que ouçam o que diz o capitão do porto de Villa Nova de Portimão:
o Os naufragios nas proximidades do cabo de S. Vicente, não só são de importancia pela qualidade de navios, cargas é numero de tripulantes, mas posso dizer sem receio, muito frequentes."
Ainda nos fins de 1878 ali naufragaram tres vapores e dois navios de vela; o primeiro e o segundo proximo da Ponte Ruiva, os outros ao sul, nas proximidades de Sagres.
Do primeiro pereceu parte da tripulação e quasi todos os passageiros, por falta absoluta de apparelhos de soccorro.
Em Sagres existe uma escada, mas é ella de tanto peso, que todos os soldados destacados n'aquelle forte, apenas poderam conduzil-a, n'essa occasião, a meio caminho do logar do sinistro, peio que o serviço de salvação foi tardiamente feito com cordas que a gente do sitio levou ao logar do naufragio, e taes ellas eram que o infeliz capitão, - quando já proximo do cimo da rocha, desabou e pereceu.
Tal era o meio de soccorro que lhe haviam dado!
"Não são tambem pouco frequentes os desastres nos pequenos barcos de pesca; ainda no anno findo (1879), ali pereceram os infelizes tripulantes de um d'estes, do porto de Alvor, para os quaes não houve meio de socorro.
"Tambem na enseada de Lagos, ainda não ha dois annos, dois navios que ali estavam ancorados foram forçados pelo temporal a varar, e os seus tripulantes, depois de horas de horrivel soffrimento, uns pereceram, outros, a custo, salvaram-se sobre os destroços do naufragio.
"Ora, é diante d'esses quadros horriveis da vida, n'esse momento de desolação e confusão, que todos clamam contra os poderes publicos a quem compete a organisação de um tal serviço; e em abono da verdade tambem devo dizer que é n'essas occasiões que tenho visto corações generosos, dotados da mais completa abnegação, sacrificarem a sua vida pela de seus irmãos, como presenciei, quando ainda o primeiro districto maritimo era delegação d'esta capitania do porto, na occasião em que, junto da Carrapateira, me empenhava em salvar oito náufragos inglezes que haviam ficado num penhasco, sobre que (em baixa-mar) esbarrou e se despedaçou o seu navio; serviço que foi desempenhado por um cabreiro do sitio, que a nado conduziu uma adriça destinada a estabelecer um cabo vae-vem, desenrolando-a do pescoço n'uma extensão do 500 a 600 metros; o qual serviço, teve, como era de suppor, a condigna recompensa por parte dos governos inglez é portuguez.
Ora eu pergunto se uma nação maritima como a nossa, com uma extensão de costa de mais de 6°, tendo apenas um barco salva-vidas em Povoa de Varzim, outro na foz do Douro, outro em Paço de Arcos e outro em Cascaes, e nenhum deste ponto para o sul; póde continuar com um serviço tão deficiente de soccorro aos naufragos, e se não é a occasião mais propria, quando tratamos da illuminação das costas, com o que aquelle serviço deve andar intimamente ligado, para montar o mesmo serviço de maneira que satisfaça devidamente ao que de nós exige a humanidade e a civilisação, e muito mais quando a despeza a fazer é aliás insignificante, como já mostrei? (Apoiados.)
N'estas circumstancias não hesito em crer que a minha proposta será approvada unanimemente. (Apoiados.)
Discurso proferido pelo digno par, Pereira de Miranda, na sessão de 5 de março, que devia ler-se a pag. 139, columna 1.ª, lin. 43.ª
O sr. Pereira de Miranda: - Sr. presidente, tenho de appellar do sr. ministro das obras publicas para a camara, a fim de que nada se decida sobre a minha proposta, sem serem ouvidas as commissões respectivas.
Faço este pedido, tanto mais quanto a palavra eloquentissima do sr. Aguiar acaba de tomar a defeza d'ella.
Parece-me que a minha proposta não póde ser rejeitada, mas entendo que, para honra mesmo do sr. Ministro das obras publicas, devem ser ouvidas as commissões.
É facto que a commissão, de que eu fiz parte, indicava ao governo que seria conveniente aproveitar a iniciativa particular, para de accordo com a do governo se fazer alguma cousa n'este sentido; mas eu, membro d'essa commissão, tendo já visto decorrer tres annos sem que a iniciativa particular dispertasse, havendo apenas uma excepção, para a qual, seja dito de passagem, eu tambem contribui um pouco, perdi a esperança de que alguma se fizesse por esse modo, e no em tanto lá vão os pobres naufragos perecendo, á espera da iniciativa particular.
O que é triste e doloroso é ver que propostas as mais rascaveis e sympathicas, como o proprio sr. ministro considerou a que apresentei, sejam completamente desprezada pelo governo, só porque vem da opposição. (Apoiados.)
Que mal faz ao governo acceitar a auctorisação que eu proponho?
Se elle entende que deve tentar esforços no sentido de chamar em seu auxilio a iniciativa particular, tente-os muito embora.
Eu não apresentei a minha proposta sem uma rasão para isso, e é porque, desde que o sr. ministro das obras publicas deseja montar o serviço da illuminação das costas, entendi que completava a sua idéa apresentando a minha proposta, e que, realisando-se simultaneamente estes serviços, se poderia conseguir uma apreciavel economia.
Peço, pois, ao sr. ministro das obras publicas que reconsidere, porque está questão é de pura administração, não é uma questão politica, e que concorde em que a minha proposta vá ás commissões respectivas.
Se s. exa. tem confiança na iniciativa particular, e se o resultado for vantajoso, tanto melhor.
É realmente extraordinario, que o sr. ministro das obras publicas se sobresalte com uma despeza de 140:000$000 réis para uma obra de tamanha e tão inadiavel utilidade, quando não teve receio de apresentar ao parlamento propostas que acarretam despezas enormes, e que se referem a assumptos que são inteiramente dispensaveis.
Eu creio que a camara terá menos duvida em votar este
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augmento de despeza, do que em votar quaesquer verbas para organisar o quadro da penitenciaria, ou para a reforma de engenheria, ou outras analogas.
Repito, pois, que é realmente extraordinario que o sr. ministro se sobresalte pelo estado da fazenda publica quando se trata de um melhoramento tão verdadeiramente indispensavel, qual é o de acudir aos desgraçados que andam sobre o mar, e que, graças á incuria dos governantes, perecem, a maior parte das vezes, por falta de soccorros. (Apoiados.)
Eu espero que o governo se não mostre hostil rejeitando a minha proposta; se, porem, elle e a camara entenderem que a devem rejeitar, fica-me o direito de julgar tal procedimento menos proprio do parlamento portuguez.
Discurse proferido pelo digno par Pereira de Miranda na sessão de 5 de março, e que devia ler-se a pag. 143, col. 2.ª, lin. 23.°
O sr. Pereira de Miranda: - Sr. presidente, o governo entende, segundo disse o sr. ministro da marinha a proposito da proposta do sr. Pires de Lima, que a iniciativa particular se julgaria dispensada logo que o governo tomasse sobre si o encargo de organisar o serviço de salvação e soccorros para o caso de sinistros maritimos. Ora eu, querendo dar uma prova de quanto desejo annuir aos desejos do governo, não tenho duvida em retirar a minha proposta, logo que o sr. ministro da marinha declare que ainda na presente sessão legislativa apresentará uma proposta no parlamento sobre a organisação dos soccorros a naufragos.