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188 DIARI0 DA CAMARA DOS DIGNOS PARES no EEINOO

Aguardo a resposta do illustre ministro e depois direi o que se me offerecer.

(S. ex. não reviu.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Elvino de Brito): — Vae dar ao digno par e á camara as devidas informações ácerca de uma invasão que tanto, está flagellando as povoações do Algarve e que até certo ponto póde ameaçar a provincia do Alentejo.

Ha cousa de quinze ou vinte dias teve noticia, primeiro pelos jornaes, e logo depois pelos funccionarios dependentes da direcção geral de agricultura, de que na provincia do Algarve apparecêra grande quantidade de gafanhotos. Essa noticia pareceu-lhe pelo menos exagerada, mas era verdadeira, posto que até então as auctoridades administrativas e os funccionarios da direcção de agricultura não houvessem tido conhecimento de ter atravessado o Guadiana alguma d’essas grandes nuvens de gafanhotos que costumam vir de Hespanha.

Surprehendeu-o a noticia, e por isso pediu logo explicações. Não se fez demorar a resposta, e immediatamente mandou para o Algarve um distincto funccionario da direcção de agricultura, com larga pratica daquelle serviço, pois que já o desempenhara, quando em tempos essa mesma provincia fora invadida pelos gafanhotos.

Soube então que o phenomeno era de eclosão.

Em junho do anno passado uma grande quantidade de gafanhotos, formando uma nuvem extensissima, fôra vista pelas povoações do Algarve, e alojara-se em Castro Marim. Mas ninguem dera tino de que houvesse passado o Guadiana.

Suppoz-se, portanto, que não era o gafanhoto de Hespanha. Effectivamente era o gafanhoto indigena que, propagando-se extraordinariamente, tomava proporções assustadoras.

Montou-se então rapidamente, tanto quanto possivel, o serviço da apanha de gafanhotos.

Entre os alvitres apresentados ao governo para debellar o flagello, indicavam-se os tiros de artilheria ou de metralha para afugentar essas grandes nuvens que toldavam o ar.

O phenomeno proviera da eclosão dos ovulos depositados no anno anterior em a nossa provincia do Algarve.

Como não se trata de combater uma invasão de gafanhotos vindos de Hespanha, porque o mal está dentro do nosso proprio paiz, de pouco serviria o emprego de tiros de artilheria, como é costume fazer-se na Argelia e ainda na França continental.

Póde affirmar ao digno par que neste momento está perfeitamente montado o serviço da apanha dos gafanhotos, o que é tambem devido — e é justo dizel-o — á boa vontade dos povos do Algarve. A estes povos e ao chefe que dirige este serviço, se deve o ter-se já apanhado a importante quantidade de 200 toneladas de gafanhotos.

Mas deve dizer ao digno par e á camara que esta quantidade ainda fica provavelmente muitissimo áquem da que poderá ser apanhada até ao fim do mez.

Segundo as informações do respectivo chefe, é de esperar que no fim de abril esteja debellado o flagello.

Deve tambem dizer que se dá um facto curioso.

Em todos os paizes onde se combate este flagello, as povoações ruraes, que são convidadas a collaborar na sua extincção, vão pedindo augmento de salario, porque, em verdade, o serviço não só é fastidioso, mas provoca enjoos, um certo mal estar physico, de modo que na segunda quinzena duplica se a remuneração.

No Algarve acontece o contrario. A dedicação é grande. Os povos, incluindo mulheres e creanças, auxiliam com extraordinaria boa vontade os empregados technicos ali enviados pelo governo. E o salario não é superior a 20 réis por kilogramma.

Seguiu-se no Algarve o systema empregado nas colonias africanas da França e em Marrocos.

Se houver falta de braços, não terá duvida, de accordo com o seu collega da guerra, de enviar para aquella provincia a tropa indispensavel para a aniquilação do mal, sobretudo se o flagello augmentar pela invasão de gafanhotos uriundos de Hespanha.

Para evitar este perigo, não só os povos do Algarve, os representantes da lavoura algarvia, mas ainda os delegados technicos, têem solicitado medidas preventivas ás auctoridades hespanholas e ao nosso representante em Madrid, e, segundo lhe declarou o seu illustre collega dos negocios estrangeiros, foi remettida para Madrid uma exposição circunstanciada do perigo que podiam correr as culturas do Algarve, se por parte da Hespanha não forem adoptadas quaesquer providencias tendentes a evitar a invasão.

Está convencido de que a Hespanha, tambem no seu proprio interesse, ha de acudir com as providencias que em taes casos se reclamam, sob o ponto de vista technico e administrativo.

Quanto ás despezas a fazer com o serviço da extincção dos gafanhotos, deve dizer que, se for preciso, o governo pedirá um credito extraordinario.

Mas desde que se possa aproveitar a boa vontade dos povos do Algarve, sem prejudicar a agricultura naquella provincia, o governo está resolvido não só a sustentar os serviços como estão organisados, senão que tambem a melhoral-os tanto quanto seja necessario para que esse flagello não só seja aniquilado ali, mas não invada as nossas provincias aquem do Algarve.

O perigo não está apenas nas devastações da agricultura, mas ainda na deposição dos óvulos durante o outono e o inverno.

Urge, pois, ter em attenção, como se tem feito, estas duas circumstancias.

Taes são as explicações que póde dar ao digno par.

(S. exa. não reviu.)

O er. Coelho de Carvalho: — Agradeço ao sr. ministro das obras publicas a largueza das informações que me prestou; mas, sr. presidente, d’essas informações resultou para mim a convicção, e de certo para toda a camara, de que o mal é muito mais grave do que suppunha porquanto os perigos são dois e consideraveis.

O primeiro já nos fez sentir o seu effeito, foi a localisação dos gafanhotos que ficaram do anno anterior; foi o da sua reproducção, dentro mesmo da zona portuguez.

Não trato de averiguar n’este momento se pelo desleixo das auctoridades lhes deve ou não ser exigida responsabilidade.

Não trato d’isso. Parto dos factos consummados, de ver que já estamos a braços com um flagello gravissimo, e ainda, alem d’isto, ameaçados de um segundo perigo, que é a invasão dos gafanhotos de Hespanha.

Diante de um mal d’esta ordem, eu não posso recusar, nem a camara de certo recusará ao governo todos os meios de que elle careça para attenuar, se não debellar por completo tamanho flagello; mas, sr. presidente, o que desejo é que o remedio não se faça esperar e que em vez de se disporem os meios para colher 200 toneladas de gafanhotos, se disponham para colher tantas quantas toneladas seja possivel.

Eu já vi, no Algarve, a invasão dos gafanhotos. Era então presidente de uma camara municipal d’aquella provincia, mas essa invasão não veiu de Hespanha, veiu ainda de mais longe, atravessou o mar e entrou, no Algarve, por onde passou, arrasando tudo.

No municipio a que eu então presidia, a passagem durou apenas vinte e quatro horas. Pois n’essas vinte e quatro horas o gafanhoto foi um verdadeiro cataclismo pela devastação que exerceu.

Estavamos então no verão, que é quando, como v. exa. sabe, aquella provincia proporciona melhor colheita de fructos. Pois tudo ficou destruido!