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col. 4.°, pag. 206, col 1.ª, pag. 211, col. 4.ª pag. 221, col. 4.ª e pag. 237, col. 2.ª

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira — Sr. Presidente, um longo espaço de tempo tem já decorrido, desde que a Camara entrou nesta importante discussão: por isso procurarei ser breve no que tenho a dizer.

Eu não tractarei de justificar, porque disso o não carecem, as duas insurreições geraes que houve no Paiz em 1846. A de Maio foi de tal natureza, que conservando sempre o Governo por si toda a força do Exercito, apesar disso, viu-se em pouco tempo reduzido a ser obedecido sómente em Lisboa e Porto, e a Administração dos Srs. Cabraes teve de retirar-se diante da vontade expressa da Nação.

Seguiu-se a Administração do nobre Duque de Palmella: em pouco mais de quatro mezes o Paiz havia socegado, e por assim dizer, entrado no estado normal. Então o Governo, por meio do Decreto sobre eleições, procurou que a opinião do Povo se podesse expressar franca e livremente: este Decreto foi um grande melhoramento na legislação anterior. A experiencia tinha mostrado, que a lei de 1838 era defeituosa, e ainda mais o Decreto de 1842 publicado pela Administração do D. Par Conde de Thomar: a prova disto acha-se no que aconteceu nas eleições de 1842 e 1843. Nomeou-se uma Commissão composta de cavalheiros mui conspicuos, encarregada de redigir um projecto de Decreto sobre eleições; os seus trabalhos foram feitos com todo o esmero, o Decreto em que foram consignados contêm seguramente a melhor legislação sobre eleições, que tem apparecido no nosso Paiz.

É verdade, Sr. Presidente, que se tomou por base a eleição directa, e poder-se-ha dizer, que a isso se oppunha a Carta Constitucional. Quando se tractou do dito projecto fez-se essa objecção; mas pela discussão ficou-se entendendo, que essa disposição da Carta era uma daquellas, que pelo artigo 144 da mesma Carta as legislaturas ordinarias podem alterar. A situação do Governo era excepcional, e a sua missão pacificadora para esse fim; depois da grande revolução que tinha havido, elle carecia de algumas medidas legislativas.

Alguns exemplos existem de terem sido alterados artigos da Carta pelas Legislaturas ordinarias. Taes são: a lei que declarou Sua Magestade a Rainha de maior idade; as que por duas vezes authorisaram Sua Magestade a casar com Principe estrangeiro; e a da Regencia, além de outras. Em paridade com os artigos alterados pelas ditas leis está aquelle que determinou, que as eleições sejam indirectas.

É entre tanto certo, que póde haver um systema de eleições indirectas, que preencha as vistas dos que querem a eleição directa. Mais adiante fallarei ainda sobre este assumpto.

Havia toda a esperança, de que a Camara dos Srs. Deputados seria composta de homens respeitaveis. Tinha-se diffundido no Paiz um certo espirito de localidade, que consistia em quererem os eleitores ser representados por homens das suas proprias Provincias, por aquelles que nellas residem, e teem alli consideração e propriedade, e o illustre Marechal era então desta opinião, como se vê de uma conversação que teve com Lord Howard de Walden, referida no Livro Azul, que tenho aqui presente. O modo como se procedeu á nomeação do Ministerio de 6 de Outubro; a maneira como foi dada a demissão ao que então havia, e as circumstancias que acompanharam estes actos; apresentavam-se com um caracter tão insolito, que fez persuadir a todos, que se tractava de uma reacção; e o Decreto da suspensão das garantias que o novo Ministerio logo publicou, realisou esta persuasão. Embora o nobre Duque diga, que não queria reacção: o Decreto era um acto de usurpação, porque suspendeu a Lei fundamental do Estado. Quando o nobre Duque se quiz defender, passou por este gravissimo facto tão ligeiramente, que provou assim não ter razões, com que sustentar uma medida similhante, nem podia ter fundamento para o fazer, porque as formalidades que affiançam a liberdade individual, só se podem suspender nos casos expressos na Carta Constitucional, isto é, quando haja rebellião ou invasão de inimigos.

O nobre Duque começou os seus actos ministeriaes, infringindo a Carta. O resultado da infracção foi a insurreição, feita com o fim de obrigar o Governo a voltar de novo ao caminho da legalidade.

Já disse, Sr. Presidente, que não carecem de justificar-se as duas insurreições, que tiveram logar em 1846, em uma das quaes eu tomei parte. Temos desta muita honra; consideramos todos muito glorioso havermos tomado armas para resistir ao poder arbitrario, que se tinha decretado, poder arbitrario que, segundo outra confissão do nobre Duque a Lord Howard, tambem mencionada no Livro Azul, devia durar pelo menos quinze mezes, pois que S. Ex.ª disse, que sómente em 1848 reuniria as Côrtes. Mas depois desses quinze mezes viriam outros, e entretanto o poder arbitrario continuaria a reinar.

Sr. Presidente, vai para 28 annos, que começou a serie dos immensos sacrificios que temos feito, a fim de conseguirmos a liberdade para a nossa Patria; nisto temos ganho; mas ainda nos resta muito a fazer para a consolidar: não estamos porém resolvidos a deixar perder, o que com tanto trabalho havemos conquistado; havemos de combater contra todos quantos entre nós quizerem restabelecer o despotismo, seja qual fôr a sua fórma, ou denominação, e quer seja o Sr. D. de Saldanha que o pertenda exercer, quer seja outra pessoa qualquer. As duas insurreições de 1846, só podem ser comparadas com a que teve logar na Peninsula contra os francezes. Em 1808 dizia-se — é jacobino — em 1846 dizia-se — é cabralista. (Riso.)

A revolução de Maio foi obra da Administração que cahiu diante della. Essa Administração teve uma authoridade e recursos, como nenhuma outra tinha tido desde 1834; ella governou o Paiz por mais de quatro annos, arranjou sempre grandes maiorias parlamentares, e exerceu por vezes authoridade dictatorial: teve pois tempo e meios sufficientes, para dar uma boa organisação a todos os ramos do serviço publico, se o soubesse e quizesse fazer. O objecto de toda a sua attenção, era conservar-se no poder, e o resultado foi, que em 1846 viu o Paiz insurgido contra si, e teve que abandonar a direcção dos negocios, sendo obrigadas as duas pessoas mais influentes dessa Administração, a retirar-se do Paiz. Este foi mais um exemplo, de que a maior parte das revoluções são a obra dos Ministros, que pelo seu máo governo provocam os povos a se sublevarem. As ruas, as praças, os campos são apenas logares onde se passam as scenas preparadas nos gabinetes.

Em todos os vinte e um Districtos em que se divide o Reino e as Ilhas adjacentes, teve logar a insurreição; ella chegou mesmo ás portas da Capital, onde a acção do Governo é sempre mais forte. Em Cintra, e em Almada desenvolveu-se, como em todo o Reino, o mais tenaz espirito de hostilidade contra aquella Administração. Agora podem-se fazer bons discursos contra os insurgentes, em que se lamente que elles impedissem, que se levassem a effeito os beneficios, que aquella Administração tinha em projecto. Era assim que os escriptores buonapartistas clamavam contra os insurgentes da Peninsula, por não haverem dado tempo a Napoleão, de fazer a felicidade da Hespanha e Portugal. Tractarei agora de alguns pontos em que fallou o illustre Marechal, Presidente do Conselho de Ministros.

S. Ex.ª, para justificar a medida dictatorial da suspensão das garantias, leu varias participações dos Commandantes das Divisões Militares, e de outros Officiaes, feitas desde 29 de Maio até 15 de Setembro, em que mostravam a existencia nas Provindas do Norte, de uma vasta conspiração miguelista; e disse tambem que D. Miguel tinha sido proclamado em alguns pontos do Reino. Como o nobre Duque não leu as participações, de data mais moderna, que por isso são mais importantes para a questão que nos occupa, vou supprir a falta de S. Ex.ª, lendo extractos de alguns officios do Sr. C. das Antas, Commandante das forças nas tres Provincias do Norte, os quaes recebi quando era Ministro, e de outros que S. Ex.ª devia ter recebido nos primeiros tres dias do seu ministerio.

Em 17 de Setembro — Participava de Braga, que recolhera a Vieira com a tropa, e que o Padre Casimiro se lhe tinha apresentado. = Em 18 dito — Dizia de Braga — nesta Provincia não ter havido novidade, havendo socego e ordem em todas as do Norte, segundo as participações que recebeu de todas as authoridades militares e administrativas. = Em 21 dito - Participava, que reinava socego na Provincia do Minho, bem como em todas as do Norte, restabelecendo-se por toda a parte a ordem com rapidez, e ganhando cada dia força as authoridades. = Em 29 dito — Communicava de Braga, que havia socego nas Provincias do Norte. = Em 1 de Outubro — Referia, officiando de Braga, que o maior socego reinava em todas as Provincias do Norte. = Em 4 dito — Officiava da Povoa de Varzim, communicando os tumultos que tiveram logar, por occasião dos empregados da Alfandega exigirem o pagamento do imposto do pescado; mas que quando chegou com a força militar tudo estava já socegado. = Em 6 dito — Participava do Porto estar restabelecida a ordem na Povoa de Varzim, e continuar a reinar socego por toda a parte. = Em 9 dito — Participava de Braga, que reinava o maior socego em todas as Provincias do Norte.

Estas participações officiaes que davam as Provincias todas em socego, sendo as mais recentes, eram aquellas pelas quaes o Ministerio devia guiar-se. Como podia pois acontecer, que ellas dessem fundamento ao nobre Duque para suspender as garantias? Reinando o socego em toda a parte, não existia fundamento algum para infringir a Lei fundamental do Estado.

Disse mais o Sr. Presidente do Conselho, que se o estado do Paiz continuasse como estava no principio de Outubro, D. Miguel seria restabelecido em Portugal; mas uma similhante asserção é incompativel com as participações que acabei de lêr. Somente em Aboim da Nobrega, povoação insignificante, havia D. Miguel sido proclamado no mez de Agosto, e a marcha do Sr. Barão de Almargem sobre esse ponto foi sufficiente, para que se dispersassem os sublevados, de sorte que quando o Sr. C. das Antas chegou ao Minho, já achou tudo em socego.

Disse mais S. Ex.ª — que a proclamação de 6 de Outubro foi uma bandeira de paz, e que ella fóra rasgada. Se a proclamação era uma bandeira de paz, o Decreto da suspensão das garantias era uma bandeira de guerra. E queria o D. Par que acreditassem as palavras da Proclamação, e esquecesse o facto da suspensão da Constituição do Paiz? Para justificar este golpe de Estado, recorreu S. Ex.ª ao facto da revolução do Porto. Um tal argumento é novo, porque por elle pretende o D. Par fazer vêr, que um facto anterior seja a consequencia de outro facto ulterior.

O nobre Duque pede, que corramos um véo sobre o passado. Este é tambem o meu desejo; mas não se fazendo assim do outro lado da Camara, porque o D. Par que encetou a discussão foi revolver o passado, deu isso logar á necessidade de se lhe responder. Se no principio da Sessão se tivesse tomado a resolução de passar em silencio os acontecimentos irritantes, ainda recentes, isso talvez fosse melhor, para a Camara entrar na discussão das medidas tendentes a melhorar a sorte do nosso Paiz.

Para sustentar a opinião de que se queria a restauração da D. Miguel, argumentou-se com a entrada de Officiaes da convenção de Evora-monte ao serviço da causa popular. Estes Officiaes entraram neste serviço seguindo a nossa bandeira, que era azul e branca; e dando a sua adhesão ao nosso programma, que era Rainha e Carta Constitucional reformada pelo Corpo Legislativo. Veja-se o officio do General Povoas á Junta do Porto, em que elle diz — que a bandeira da Junta suprema do governo do Reino era a unica sustentavel. (O Sr. C. de Thomar — Não falla na Rainha.) Estes Officiaes portaram-se da maneira a mais leal, e amais digna, tanto aquelles que serviram nas Provincias do Norte, como os que serviram nas Provincias do Sul. Mac Donnell sempre se oppôz á adhesão dos realistas á causa popular; mas depois da sua morte, a maior parte dos que se haviam armado adheriram a esta causa. O General Bernardino Coelho, estando em Guimarães, achando repugnancia em alguns dos seus subordinados para adherirem, foi o proprio que lhes arrancou os laços miguelistas, e lhes tirou as fitas encarnadas.

O D. Par Duarte Leitão disse, que se admirava de uma conversão feita em tão poucos dias; porém é preciso saber que uma grande parte dos Officiaes da convenção de Evora-monte, e a grande maioria da nobreza das Provincias, não tomou parte na insurreição miguelista, em quanto que aquelles que haviam tomado armas, reconhecendo a opinião da maioria do povo, se reuniram ao partido por quem tinham mais sympathias. Será por ventura justo, será politico, que em Portugal exista uma classe numerosa, que seja considerada como proscripta? A Junta Suprema fez um grande serviço á causa da Rainha, chamando a si muitos homens respeitaveis, que pelo facto proprio de adoptarem o programma da insurreição, reconheceram a Senhora D. Maria II.

Em quanto o nobre Marechal tem censurado a Junta de empregar os convencionados de Evora-monte, elle mesmo tem hoje um Empregado chamado Victoria, o qual foi ao Porto encarregado de uma commissão, que consistia em procurar que lá se reconhecesse D. Miguel. Não se fazendo caso do que dizia, marchou em busca do General Povoas com o mesmo fim, e isto já depois daquelle General ter adherido ao programma, e ter tomado o commando que a Junta lhe tinha confiado. Sei, porque é publico pela imprensa, que o General Povoas tem a opinião, de que a Senhora D. Maria II é a legitima herdeira da Corôa de Portugal, não como successora de seu Augusto Pai, porque elle tinha perdido o direito á Corôa como Principe estrangeiro, mas como representante de seu Avô. (Susurro.)

Quanto ao emissario que andava sollicitando que D. Miguel fosse reconhecido Rei, quer a Camara saber o que lhe aconteceu? Foi depois empregado em serviço pelo nobre Duque, e agora lá está era Leiria fazendo as vexações, em que o Sr. C. de Lavradio fallou, e o Sr. Ministro do Reino mandou reprimir. E porque motivos empregou o illustre Marechal ao dito emissario? Quando um homem, como o General Povoas, tão respeitado em todo o Paiz, tanto pelos seus serviços á causa da independencia nacional, como pelas suas virtudes, dá a sua palavra de adherencia ao Systema constitucional, e ao Throno da Rainha, ninguem tem direito de duvidar da sua boa fé, nem nós poderiamos desejar maiores garantias. (Apoiados do lado esquerdo.) Não temos nós nesta Camara muitos Membros que serviram D. Miguel, e até alguns dos quaes foram aos Tres Estados? Serviram-no, não ha duvida; mas porque? Porque D. Miguel era então chefe do Paiz; e nós, que nos vimos obrigados a sahir de Portugal, poderiamos por ventura pretender que todos nos seguissem? Fomos para a Ilha Terceira, e lá fizemos uma ficção, figurando alli a Nação, o que praticámos, porque assim nos convinha, pois não obstante o direito estar do nosso lado, ninguem póde duvidar de que o facto estava do lado dos outros, que estavam em Portugal. — Conversando alli com o Sr. D. de Palmella sobre os nossos apuros, lembra-me haver dito alguem, que um laço muito forte nos unia, e era elle um certo laço que estava armado no Cáes do Sodré. A tyrannia do Governo de D. Miguel deu-nos perseverança, e com esta a final tivemos a felicidade de vencer.

O D. Par o Sr. C. de Thomar disse, que elle havia empregado muitos individuos que haviam servido com D. Miguel, como alguns Bispos, e varias pessoas era certos cargos, como o Sr. Visconde de Santarem. Eu entendo que S. Ex.ª fez muito bem, porque não devemos proscrever uma classe onde ha homens muito benemeritos. Se o D. Par procedeu como affirmo, e se o nobre D. de Saldanha tem feito o mesmo a alguns individuos; com que razão se procurou espalhar insinuações, e mesmo fazer accusações contra a Junta, por ter admittido ao serviço da causa popular Officiaes, que haviam servido no governo de D. Miguel? Pois merecerá mais conceito a palavra daquelles miguelistas, que adheriram aos Ministerios de S. Ex.ª, do que a palavra daquelles que adheriram ao pronunciamento do Paiz, e obedeceram ás authoridades da Junta Suprema? Eu creio que não, e não sei como se possa argumentar de um modo opposto á justiça.

O nobre D. de Saldanha, e o D. Par o Sr. Sousa Azevedo, defenderam como poderam o Decreto chamado dos fuzilamentos, que dizem ter sido publicado ad terrorem, como o denominaram S. Ex.ªs: assim será, e até mesmo seria possivel que se não fizesse obra por elle; mas não sei se assim foi; porque eu poderia citar alguns casos, que parecem provar o contrario, posto que não goste de recriminações; e casos bastante horrorosos! Nomearei o assassinato de Veiga de Castedo Junior, perto de Villa Real; o assassinato de Victor, que havia formado um corpo popular, perto das Boticas, o qual recebeu uma morte barbara; nomearei ainda o horroroso assassinato do Juiz Campos da Anadia, que depois de prisioneiro foi morto e mutilado, e para mais preversidade lhe arrancaram os olhos! Tres camponezes, que com elle haviam, tomado armas, e o acompanhavam quando foi surprehendido, me referiram este facto no Porto, quando se me apresentaram. Ignoro quem foi o commandante que tal ordenou, ou consentio, porque se o soubesse havia de dizer o nome desse homem cruel! (Rumor no lado esquerdo.) Não sei eu se todas estas atrocidades, e outras muitas, foram commettidas em consequencia do Decreto: muitos destes acontecimentos foram participados como verdadeiros.

Observe porém o nobre Duque, que eu quero persuadir-me ser exacto o que S. Ex.ª affirmou, de que a medida se não publicara com o fim de lhe dar execução, mas sim para terror: tambem acreditarei o que disse o D. Par o Sr. Sousa Azevedo, de que ordens confidenciaes se expediram nesse sentido. No entanto, como aquelle Decreto havia sido publicado, e é possivel que houvesse empregados inferiores, que não tivessem conhecimento dessas ordens confidenciaes, não seria estranho que alguns delles pozessem em execução o mesmo Decreto, o qual ainda mereceu grave censura, porque podia provocar reprezalias, que muitas vezes o General mais humano é obrigado a usar, para reprimir a barbaridade do seu inimigo. Darei o seguinte exemplo: nos primeiros tempos da invasão dos francezes faziam estes fuzilar os hespanhoes capturados com as armas na mão, aos quaes chamavam insurgentes; e aconteceu que em poder do general Ballesteros, commandante das forças hespanholas na Andaluzia, caisse um official francez do estado maior, o qual em reprezalia foi logo enforcado. No dia seguinte apresentou-se um parlamentario do marechal Soult pedindo que quizessem trocar o presioneiro, ao que o general hespanhol respondeu, que havia sido enforcado: succedeu ser o official parente do marechal, e foi sómente depois deste acontecimento, que a guerra entrou nas regras ordinarias. A consequencia disto é, que os prisioneiros devera ser tractados segundo os estylos da guerra entre as nações civilisadas. O acto de maltractar, ou fuzilar um prisioneiro além de barbaro é impolitico. Aquelle é o melhor systema, porque o systema de terror não faz mais de que irritar, e em logar de promover o socego, não produz senão o augmento do mal.

Em 1834, sendo eu mandado pelo Imperador governar o Algarve, quando cheguei lá achei este systema de matar e fuzilar, e até occasiões houve, em que o Remechido mandára queimar alguns prisioneiros, que fizera fuzilar e ainda estavam simivivos. A guerra era atroz, o levantamento era geral em todo o paiz. Adoptei outro methodo, dei a liberdade a quantos paisanos, fiz prisioneiros, provendo-os de rações para poderem voltar ás suas casas; fiz soltar todos os prezos politicos, muitos dos quaes estavam nas cadêas, desde que o nobre D. da Terceira havia deixado a Provincia. Estas medidas soube eu que foram malvistas por certa classe de individuos e Authoridades. Aconteceu porém, que passado tempo, tendo surprendido o Remechido duas companhias de voluntarios de Lagos, estes estavam para ser mortos pelos guerrilhas, mas aquelle chefe oppoz-se dizendo, que não consentiria em tal, porque os seus haviam sido bem tractados pelo Maneta. (Riso). (O Sr. Mello Brayner — Isso é um facto, não ha duvida nenhuma). Ora, como na guerra em umas vezes se é vencedor, em outras vencido, segue-se que a propria politica exige, que tractemos bem os nossos contrarios que cahem em nosso poder.

Disse o nobre Duque, que nunca quizera mediação, mas sim intervenção, porque a primeira punha a Soberana ao nivel dos rebeldes. Primeiramente tractemos da definição da palavra — rebelde — o que é rebelde? Rebelde no sentido do nobre Duque é aquelle que se sublevara contra o seu Ministerio; e no sentido dos sublevados, rebelde

era aquelle que se tinha revoltado contra a Lei fundamental do Estado: por conseguinte, a mesma denominação que o nobre Duque e a sua gente dava aos insurgentes do norte, era aquella que esses insurgentes davam aos insurgentes do sul. Póde pois o nobre Duque usar da palavra rebelde no sentido que lhe quizer dar, que eu tambem usarei della no sentido que lhe dou. Examinemos se a Soberana seria collocada ao nivel dos insurgentes pelo meio da mediação.

Não posso comprehender como o nobre Duque achava improprio da dignidade Real, que a Soberana por um acto Seu proprio pozesse termo á guerra civil. Segundo este Livro Azul (O Orador aponta para o Livro Azul que tem diante de si), o nobre. Duque é quem se oppoz, a que se tomasse qualquer medida que podesse pôr termo á guerra civil, insistindo em que se pedisse a entrada em Portugal de tropas hespanholas; e o D. Par o Sr. C. de Thomar, Ministro de Portugal em Madrid, fez todos os esforços para ter logar a intervenção, que já no tempo do seu antecessor, o Sr. B. de Renduffe, tinha de facto existido, pelos soccorros que as authoridades hespanholas da front, ira davam, ás Authoridades partidistas do Governo de Lisboa. Nas correspondencias interceptadas do Sr. B. de Renduffe para a Junta rebelde de Bragança, e para outro funccionario, se lê que elle tinha feito, com que o ministro da guerra de Hespanha, o general Sanz, ordenasse ás ditas authoridades que dessem todos os soccorros, como armas e petrechos de guerra, o que está confirmado pelas correspondencias entre Mr. Bulwer e Lord Palmerston.

O nobre Duque não queria mediação, mas queria intervenção, para não collocar a Soberana ao nivel dos insurgentes; mas eu recordarei um facto praticado por S. Ex.ª em 1836, para contraste da sua doutrina de agora. Quando teve logar aquelle movimento chamado a Helenizada, e se vio que não sabia como se projectára; S. Ex.ª que, creio eu, commandava em Belem, mandou o Sr. Tenente Coronel Barreiros ao meu quartel, que era ao pé da ponte d'Alcantara, para convidar-me a ir a casa do Sr. Conde da Ribeira, onde queria tractar de um ajuste: fui alli, encontrei S. Ex.ª; e então na presença de mais algumas pessoas que me haviam acompanhado, disse o nobre Duque «Sua