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N.º 24

SESSÃO DE 20 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do exmo sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

Ás duas horas e um quarto da tarde, achando-se presentes 21 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da guerra, remettendo o mappa da força do exercito com as indicações exigidas no requerimento do digno par marquez de Vallada.

Teve o competente destino.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição que tem por fim modificar a fiscalisação e cobrança do real de agua.

A commissão de fazenda.

Um officio do digno par duque de Palmella, participando que, por incommodo de saude, não tem podido comparecer ás sessões.

Ficou a camara inteirada.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.° 270

O sr. Presidente: — Não sei se a camara quererá que continue a discussão do projecto n.° 270, não estando presente o governo. Eu já mandei perguntar á outra camara se lá está algum dos srs. ministros, convidando a s. exa., para virem assistir á sessão.

O sr. Conde do Bomfim: — Quando hontem apresentei as minhas considerações, declarei que havia de mandar algumas emendas ao projecto.

Peço á camara que me conceda apresental-as agora, para poderem entrar em discussão quando se tratar do projecto.

O sr. Visconde de Seabra: — Parece-me que não se deve entrar na discussão do projecto sem estar presente algum dos membros do ministerio, porque, em um assumpto d’esta importancia, a presença de alguns dos srs. ministros e absolutamente necessaria.

Tendo pedido a palavra para apresentar uma substituição, e carecendo dizer alguma cousa em sua sustentação, entendo que não o devo fazer sem estar presente algum membro do gabinete, a fim de poder fazer comprehender o alcance da minha proposta.

Creio que a camara não deixará de concordar que se espere até vir algum dos srs. ministros. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — O que o digno par acaba de dizer, foi o mesmo que eu disse por outras palavras.

Como nenhum dos dignos pares tinha pedido a palavra antes da ordem do dia, e tendo de continuar a discussão do projecto, disse eu, que me parecia que a camara não quereria continuar com esta discussão sem estar presente algum dos srs. ministros, e por isso mandei á outra camara saber se estava lá algum dos membros do governo que podesse vir assistir á discussão do projecto.

Estou de accordo com o digno par, e creio que o estarão igualmente todos os membros d’esta casa;

O sr. conde do Bomfim pôde, no emtanto, mandar para a mesa as suas emendas.

O sr. Conde do Bomfim: — Mando para a mesa as minhas emendas, para serem discutidas conjuntamente com o projecto.

Leram-se na mesa e são as seguintes:

l.ª Artigo 4.°, 19.ª — Proponho n’esta categoria a emenda de 4:000$000 réis, em logar de 8:000$000 réis. = Conde do Bomfim.

2.ª — Proponho que se acrescente no artigo 4.° mais a seguinte categoria: — 21.ª Aquelle que prestar um relevante serviço á sciencia ou que pela sua dedicação ou valor fizer um relevante serviço á patria em alguma das carreiras publicas civil ou militar, bastando este facto independente de outra qualquer condição. = Conde do Bomfim.

3.ª — Artigo 5.°, 3.° Proponho que n’esta condição seja emendada a idade de trinta e cinco annos pela de vinte e cinco. = Conde do Bomfim.

4.ª — Artigo 5.°, 4.° Proponho que n’esta condição seja eliminado tudo o que se segue ás palavras: «polytechnicas e academias», acrescentando-se: «ou emfim algum dos cursos superiores de qualquer estabelecimento de instruccão superior do paiz».= Conde do Bomfim.

5.ª — Proponho que o § unico da condição do n.° 5.° do artigo 5.°, passe a ser a propria condição, e se lhe acrescente um § unico, tudo redigido do seguinte modo: — 5.° Que e membro da magistratura judicial ou ajudante do procurador geral da corôa e fazenda no continente do reino ou da armada, lente cathedratico da universidade de Coimbra ou professor proprietario em alguma escola superior de instruccão publica, e prestando a prova de possuir o rendimento liquido de 2:000$000 réis, proveniente de alguma das origens estabelecidas no n.° 19.° do artigo 4.°, de posto ou de emprego inamovivel.

§ unico. As condições dos n.ºs 4.° e 5.° d’este artigo ficam dispensadas quando o herdeiro se ache comprehendido em alguma das categorias designadas no artigo 4.°= Conde do Bomfim.

6.º — Artigo 8.° Proponho que neste artigo sejam substituidas as palavras: «por morte do seu antecessor», pelas seguintes: «por serem maiores de vinte e cinco annos». = Conde do Bomfim.

O sr. Visconde de Seabra: — Eu desde já peço a palavra para propor uma emenda e substituição á parte do projecto que se refere ao poder moderador.

O sr. Presidente: — O projecto não está em discussão na especialidade.

O sr. Visconde de Seabra: — Então fallarei obre a materia.

O sr. Presidente: — V. exa. quer a palavra contra ou a favor do projecto?

O sr. Visconde de Seabra: — Permitta-me v. exa. duas palavras, para explicar o meu pensamento.

Este projecto é um complexo de tres partes; a primeira

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parte refere-se á nomeação dos pares; a segunda ao direito de successão e a terceira ao exercicio da conservação, ou perda, do pariato. Já se vê que não se póde conglobar em uma só generalidade assumptos tão diversos, porque os principios que determinam uma ou outra cousa podem variar.

Eu posso votar o projecto, mas não approvar algumas das partes em que elle está dividido. Por isso não me posso reservar para a especialidade.

Dou esta explicação para v, exa. comprehender a minha intenção.

O sr. Presidente: — Desde que v. exa. quer mandar uma substituição ao projecto, é porque tem alguma alteração especial a propor. N’este caso inscrevo-o, contra, salva a maneira como o digno par entender dever votar.

Sou obrigado a dar a palavra alternativamente aos dignos pares que a pedirem contra ou a favor, e por isso é que perguntei a v. exa. como quer que o inscreva.

O sr. Visconde de Seabra: — Eu sou a favor do projecto.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Peço a palavra na qualidade de membro da commissão.

(Pausa.)

(Entrou o sr. presidente do conselho.}

O sr. Presidente: — Está presente o governo. Vão pois continuar a discussão sobre a generalidade do projecto n.° 270. O sr. conde do Bomfim acaba de mandar para a mesa algumas propostas, de que vou dar conhecimento á camara. Depois devo dar a palavra ao sr. marquez de Sabugosa, por ser o primeiro orador inscripto contra, depois do ultimo que fallou a favor.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Não tencionava por emquanto tomar a palavra, reservando-me para o fazer em occasião que julgasse mais opportuna, e procurava por emquanto esclarecer-me com a discussão. Parecia-me que não poderia deixar de explicar o meu voto, porque sendo o assumpto de que se trata de tão elevada importancia, eu desejava assumir toda a responsabilidade que me competisse na votação final, e a minha opinião não se poderia expressar pela simples approvação ou rejeição.

Esclarecendo-me, pois, com a discussão, esperava a occasião mais propria de explicar o meu voto, quando ouvi o illustre relator da commissão fallar em pontos negros que pairavam no horisonte.

Confesso a verdade, sobresaltaram-me as palavras de s. exa., porque não podia saber quaes eram, os pontos negros que o digno par via no horisonte politico, e por isso pedi immediatamente a palavra, a fim de procurar ser esclarecido e combater, segundo as minhas forcas, esses pontos negros que nos ameaçavam.

Dissera o sr. conde de Rio Maior que Catilina não batia ás portas de Roma; mas em resposta a s. exa. advertiu-nos o sr. relator da commissão que é preciso prevenir-nos contra certos perigos e acautelar-nos dos taes pontos negros que nos ameaçam.

Diga-nos s. exa. quaes são esses perigos, quaes esses pontos negros, para os podermos combater, que eu por mim não vejo outros no horisonte politico senão os actuaes srs. ministros, e não vejo de que perigo as disposições do projecto em discussão nos possam salvar senão de alguma larga lista de novos membros para esta casa, que os mesmos srs. ministros queiram apresentar á corôa, fóra das categorias indicadas no projecto. Nem outros perigos vejo, nem para que, alem d’isto, o projecto seja remedio.

Dito isto, seja-me permittido, já que estou com a palavra, explicar desde já é meu voto, e dizer as rasões por que elle é contrario a este projecto em discussão.

Respeitando o nobre intuito do auctor d’este projecto, porque este documento evidentemente significa uma demonstração de que esta camara é a primeira a acceitar as modificações que melhorem a instituição e concorram para melhor satisfazer aos seus fins, dando assim rasão ás exigencias da opinião publica no que tenham de sensatas, respeitando esse nobre intuito, repito, não posso comtudo deixar de dizer que me parece não satisfazerem a este fim as disposições no mesmo projecto contidas.

O talento, por maior que seja, não póde vencer o impossivel, e a reforma d’esta camara, d’este ramo do poder legislativo, para que possa ter importancia, é impossivel, a meu ver, decretal-a o parlamento, só com poderes ordinarios de fazer leis.

A demasiada elasticidade dada a esses poderes, que, a meu ver, póde estabelecer, perigosos arestos, não é comtudo bastante para produzir uma reforma que satisfaça.

Sr. presidente, procurando apreciar o projecto em discussão, tratarei de o fazer sob tres pontos de vista, da conveniencia das suas disposições, da constitucionalidade e da opportunidade. Seria talvez mais natural occupar-me primeiramente da questão previa da constitucionalidade, apresentada pelo sr. conde de Rio Maior, mas permitta-me a camara que eu trate primeiro da conveniencia das disposições do projecto como questão previa d’essa questão previa, e tratarei depois da opportunidade e da constitucionalidade.

Quando podessemos, com os poderes ordinarios, decretar as disposições contidas na proposta, parece-me que não era simplesmente pela indicação de categorias, quer para a nomeação regia, como para a successão ao pariato que se podia realisar a reforma d’este corpo politico e dar á opinião publica sensata a devida satisfação.

Não me repugna, absolutamente fallando, a indicação das categorias, quer seja limitando a nomeação da corôa, quer restringindo e quasi annullando a hereditariedade o que me parece é que esse alvitre, que só lentamente iria actuando no modo de ser d’este corpo politico, só importaria a conservação de um elevado nivel intellectual, mas não lhe augmentaria o caracter de independencia nem de representante de uma certa opinião do paiz, que como corpo politico precisa ter. Para que a reforma d’esta camara podesse satisfazer ao que a opinião publica reclama, parece-me que só SB podia conseguir pela adopção da base electiva para o recrutamento de seus membros.

Não digo que passassemos desde já ao systema da Belgica de serem pelos mesmos eleitores escolhidos os membros das duas camaras, mas que certas corporações, como por exemplo as juntas geraes dos districtos, ou os maiores contribuintes de cada concelho os elegessem, e d’esses escolhesse a corôa, como no Brazil, onde ha uma constituição outorgada pelo mesmo legislador que outorgou a carta, e onde parece não se terem dado mal com esse systema. O censo da confiança publica parece-me ser o melhor principio para o recrutamento do senado.

A hereditariedade entre nós acabou com os vinculos.

A indicação de categorias póde dar certa garantia de intelligencia e experiencia de negocios, mas permitta-me a camara que diga, não a dá de independencia, nem de representar uma opinião do paiz, o que é essencial para este corpo que faz parte da representação nacional.

Se as disposições d’este projecto forem lei, o que esta camara fica representando é o alto funccionalismo, e essa representação nem lhe dá a força que um corpo politico precisa ter, nem mesmo garantia de independencia.

Devo dizer que, ha respeitabilissimos funccionarios publicos, mas tambem é innegavel que se o caracter individual os faz independentes, como funccionarios a maior parte estão na dependencia do governo. N’um paiz como o nosso, onde tudo se faz por empenhos, quantas vezes uma posição elevada representa uma longa serie de dependencias. (Apoiados.)

Uma das excepções marcadas no projecto para os grandes capitalistas, tambem não vejo que de grandes garantias.

Por uma cilada de um mau ministro, como dizia o sr. conde de Lavradio, podia ser elevado ao pariato um indi-

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viduo, que tendo traficado em escravatura, mas não tendo perdido a nacionalidade, tivesse arranjado uma grande fortuna, e soubesse captar as boas graças de algum membro do governo.

A adopção do principio de eleição para o recrutamento da camara alta, embora acompanhado da escolha da corôa, e mesmo, se quizessem, com indicação de algumas categorias, era o que a meu ver podia transformar convenientemente este corpo politico.

Em grande numero de paizes que se regem pelo systema representativo, foi adoptado este principio para o recrutamento da camara alta ou do senado. Na Belgica, na Hollanda, na Suecia, Noruega, e Dinamarca, são os senadores eleitos embora por differentes methodos. Na Inglaterra, onde ha a nomeação da corôa de pares vitalicios e de pares hereditarios, ha tambem pares eleitos, mas ahi a corôa não tem restricções senão a do bom senso, e a hereditariedade representa uma força social, o dominio da terra; mas nas colonias inglezas onde ha representação propria o senado e electivo. Nos differentes paizes da Allemanha e na Austria não vigora, é verdade, o principio da eleição para as camaras altas, mas a monarchica Hespanha, na sua ultima constituição de 1876, faz eleger parte dos membros do senado pelos maiores contribuintes. O senado de França é eleito pelos departamentos, e o resto da primeira vez pela assembléa constituinte, e depois pelo proprio senado. A Italia é que recruta o senado só na nomeação da corôa, com a restricção de categorias e numero fixo. Mas, a meu ver, a rasão por que no estatuto se conserva esse systema é porque na agitada epocha por que tem passado seria imprudente levantar uma questão constitucional, e alem d’iss0 o rei Victor Manuel era para a nação um grande eleitor.

Sr. presidente, uma das reformas que a opinião diz ser tambem necessaria para esta camara, é o deixar de ter attribuições judiciaes.

Sendo a divisão dos poderes um dos principies constitucionaes, na verdade parece-me que este corpo politico não deve exercer funcções judiciaes.

Podem, na verdade, haver processos que pela sua natureza requeiram uma alta jurisdicção, mas o supremo tribunal de justiça seria para esse fim competente.

Sr. presidente, se este projecto não satisfaz, a meu ver, ás condições em que esta camara devia existir, se não satisfaz ás indicações que me parecem sensatas, da opinião publica, podem tambem ser decretadas estas disposições pelo corpo legislativo, sem poderes extraordinarios? Parece-me que não.

Direi, pois, algumas palavras com relação á questão da constitucionalidade e da opportunidade.

Diz a illustre commissão, no seu muito bem elaborado relatorio, que no espirito de muitos e mui respeitaveis homens publicos tem havido duvidas a respeito de se poderem fazer estas alterações sem poderes constituintes.

(Leu.)

Ora, se estes homens respeitaveis têem tido duvidas com relação á constitucionalidade com que as côrtes ordinarias podem fazer estas reformas, não admira que quem é pouco auctorisado as tenha tambem.

Mas, Sr. presidente, se a favor e contra a constitucionalidade se tem ido buscar a auctoridade das discussões de 1842 a 1840, podemos tambem, sem ir incommodar as cinzas respeitaveis desses homens, que pertenceram á epopeia liberal, apresentar opiniões recentes de homens contemporaneos, que me parece não podem deixar de ter auctoridade n’esta casa, e logo me referirei a elles.

Sr. presidente, parece-me que na indicação de categorias, ou seja para a nomeação regia de pares, ou seja para a successão, bem como nas disposições penaes que vão até á perda do pariato, vamos muito alem do que nos permittem os poderes ordinarios que temos de legislar. A carta diz; que é só constitucional o que diz respeito aos limites dos poderes publicos, e aos direitos politicos individuaes, o a mim parece-me que a indicação de categorias limita as attribuições da corôa, e restringe o direito de successão. Em ambos os casos parece-me que excederiamos os nossos poderes decretando esta reforma.

Mas diz-se, sr. presidente, que este projecto regula e não limita attribuições e direitos. Admittido este systema de regular, facilmente se póde annullar qualquer attribuição dos poderes publicos, ou fazer desapparecer qualquer direito.

Onde é que para o exercicio do principio e começa o seu regulamento? Que a nomeação se podia moralmente mesmo estender alem das categorias indicadas, não ha duvida; que o direito de successão fica muita restricto, tambem é verdade; logo é uma limitação que só se póde decretar com poderes extraordinarios.

Se devessemos firmar em lei positiva os preceitos moraes que devem regular as differentes attribuições dos poderes publicos, não havia nenhuma que dispensasse regulamento.

Mas, sr. presidente, peço que se entenda que não me repugna a limitação d’essas attribuições ou d’esses direitos; não nego a conveniencia, parece-me apenas que não temos direito de o fazer.

Pelos meios constitucionaes, em conformidade com o artigo 140.° da carta, desejaria ver combinada a nomeação da corôa com o principio da eleição, e não me repugnava que desapparecesse a hereditariedade. Não entendo que o encargo de legislar possa andar adjunto á herança.

Ser membro desta camara constituo um encargo, e só constituo dignidade para aquelle que tiver a consciencia de poder satisfazer bem esse encargo.

Salvo o devido respeito ao illustre jurisconsulto, relator da commissão, peço licença para observar, como resposta a um argumento que s. exa. apresentou hontem, em reforço aos que tinha enunciado no erudito parecer, que para a completa interpretação dos artigos da carta é necessario combinal- os, não os devemos destacar uns dos outros.

Disse s. exa. que o poder executivo, pelo artigo 75.° da carta, nomeia para todos os empregos publicos, e que comtudo as leis ordinarias regulam as habilitações que devem, ter os nomeados, sem nunca se ter entendido que isso limitava as attribuições d’esse poder. Assim é; mas peço licença para observar que no artigo 15.° § 14.°, se determina que ao poder legislativo compete crear ou supprimir empregos publicos, e estabelecer-lhes ordenados, e, portanto, estabelecer as condições em que esses empregos hão de ser providos.

Pelo artigo 75.° nomeia o poder executivo os individuos para os cargos, mas cargos creados nas condições que o poder legislativo decreta.

Aqui tem o digno par como me parece que da combinação d’estes artigos se vê que o argumento apresentado não póde ter paridade para o caso presente.

Diz-se no parecer que vamos regular os artigos 39.° e 40.° da carta. Peço licença para ainda observar que vamos regular tambem o artigo 74.°

Se no § 5.° d’esse artigo se diz que o Rei exerce o poder moderador nomeando e demittindo livremente os seus ministros, se n’esse § se não põe limitação alguma, tambem no § 1.° d’esse mesmo artigo se põe uma só limitação a de ouvir o conselho d’estado.

Eu creio que ainda que este projecto seja convertido em lei, os pontos negros continuarão existir no horisonte, se acaso existem hoje.

Sr. presidente, se acaso é opportuno tratar da reforma d’este corpo politico, porque não o havemos de fazer pelos meios indicados na constituição, e porque não havemos tratar das outras reformas de que o mesmo codigo carece para acompanharmos o movimento liberal do seculo como dizia o relatorio para a reforma da carta apresentado pelo governo em 1872?

Que o poder constituinte existe, qual o modo de se exer-

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cer, as cautelas que devem acompanhar esse exercicio, está tudo determinado no artigo 140.° da carta. Se hoje é occasião propria de reformas politicas não sei, mas o que me parece é que em todo o caso é menos inconveniente reformar a carta pela carta do que dar para esse fim tal elasticidade aos poderes ordinarios, que póde de futuro auctorisar não só a limitar poderes mas a cercear direitos importantes.

Sr. presidente, póde parecer estranho que sendo eu progressista, não applaudo as disposições d’este projecto, que apparentam certo progresso no modo de ser d’esta camara não me parece comtudo que esteja em contradicção commigo mesmo.

Pelo respeito aos principios, porque desejo a verdadeira liberdade, e progresso para o que é necessaria a ordem, é que eu desejo que não exorbitemos dos poderes de que estamos revestidos.

Alem d’isto este projecto se exorbita na competencia, não me parece que outro alcance politico tenha para do modo de ser d’esta camara, e importe um adiantamento da verdadeira reforme, não só da d’este corpo politico, mas da carta em mais alguns dos seus artigos. É por isto, sr. presidente, que rejeito o projecto.

Se necessitâmos acompanhar a opinião publica, que pede a reforma desta camara, porque não havemos acompanhar a mesma opinião, que entende, que a carta precisa outras reformas?

O sr. Marquez de Ficalho: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — A favor ou contra?

O sr. Marquez de Ficalho: — No fim do meu discurso é que se poderá comprehender, porque sou a favor da generalidade e contra a especialidade.

O Orador: — Pois, sr. presidente, pôde-se sustentar que a carta não precisa reforma em alguns de seus artigos, quando todos os partidos militantes no paiz a pedem, quando o proprio governo, que está sentado n’aquellas cadeiras (apontando para as cadeiras dos srs. ministros), já apresentou uma proposta ao parlamento para esse fim?!

Se a opinião publica, pronunciando-se desfavoravelmente a respeito d’esta camara, se lhe faz perder o prestigio, e se julga por isso que é urgente reformal-a, devemos deixar o codigo fundamental n’essa mesma situação, quando todos os partidos entendem que elle necessita ser reformado em alguns de seus artigos?

Como é que o governo, em 1872, depois do que se tinha passado em França e Hespanha, julgou que podia apresentar um projecto de reforma da carta, e hoje tem opinião contraria?

O sr. Vaz Preto: — Apoiado.

O Orador: — Antes de acabar as breves considerações que tenho apresentado á camara, desejo dirigir algumas perguntas ao sr. presidente do conselho.

Trata-se de limitar ou regular a prerogativa da corôa, consignada no artigo 74.° da carta; trata-se de um artigo altamente constitucional, que diz respeito ás attribuições do poder moderador. Este poder é representado aqui, tem por seu natural procurador o sr. presidente do conselho, conselheiro de confiança da corôa.

Entendo, pois, que não podemos continuar n’esta discussão sem que o sr. presidente do conselho diga muito categoricamente qual é a sua opinião a este respeito. E tanto mais julgo isso necessario, que sei existirem duas opiniões authenticas de s. exa., contrarias uma á outra, como vou mostrar por documentos officiaes. A illustre commissão, de cujas palavras não posso duvidar, depois de dizer que apesar das duvidas dos homens publicos respeitaveis sobre a constitucionalidade com que o poder legislativo póde fazer a reforma d’esta camara, regulando, segundo diz, pelas categorias a prerogativa da corôa, acrescenta: «Propondo-vos unanimemente, e de accordo com o governo, que adopteis as disposições do projecto que submettemos á vossa approvação».

Vê-se; pois, segundo a afirmativa da commissão, o governo está de accordo com este projecto, que estabelece indicações do categorias para a nomeação de pares feita pela corôa. Ora, na proposta apresentada pelo governo, na sessão de 15 de janeiro de 1872, encontro o seguinte:

«Acabar com a hereditariedade do pariato e limitar pala indicação de categorias a livre escolha do Soberano, taes são n’esta parte os pontos fundamenta os da proposta que o governo tem a honra de submetter á vossa illustrada apreciação.»

Por consequencia, o governo propunha em côrtes que se reformasse a constituição em differentes artigos, sendo dois d’elles os pontos essenciaes — o acabamento da hereditariedade, e a indicação de categorias que limitava a prerogativa da corôa. Era esta então a opinião dos srs. Fontes Pereira de Mello, Antonio Rodrigues Sampaio, Andrade Corvo, Serpa Pimentel e Barjona de Freitas, cavalheiros que estão hoje nas cadeiras do governo, e que entendiam tambem naquella epocha que a reforma d’esta camara e de outros artigos da carta só se podia fazer em côrtes constituintes.

A commissão, porém, entende que a indicação de categorias, para a escolha da corôa, se póde fazer em sessão ordinaria, e o sr. presidente do conselho e os outros membros do governo tambem estão de accordo. Vejo, pois, duas opiniões inteiramente oppostas, e não posso duvidar nem de uma nem de outra; não posso duvidar do que o governo tem a opinião de que este assumpto póde ser regulado pelo poder legislativo, como diz a illustre commissão, mas tambem não posso duvidar de que tem a opinião contraria, pelo que vejo escripto n’este documento assignado pelos mesmos membros do governo.

Aguardo, pois, a resposta do sr. presidente do conselho, para saber se o governo tem duas opiniões contrarias uma á outra a este respeito, ou por qual d’ellas opta.

Por emquanto nada mais tenho a dizer.

O sr. Visconde de Villa Maior: — Sr. presidente, como se acham inscriptos muitos dignos pares sobre a generalidade deste projecto, que eu approvo, e tendo eu de mandar algumas emendas a differentes artigos do projecto, desejava offerecer essas emendas a tempo de poderem ser tomadas em consideração pela camara durante a discussão da generalidade, e por isso pedi a palavra. Essas emendas referem-se aos artigos 4.° e 5.°

Na primeira proponho que em vez do que se acha no n.° 18.° do artigo 4.°, relativamente ás categorias, entre as quaes podem ser escolhidos os pares, (Leu.) se determine o seguinte.

(Leu.)

Parece-me que o enunciado desta emenda será o sufficiente para a sustentar. Desejo que a classificação muito restricta que se acha no projecto, se torne mais ampla, e entendo isto por diversos motivos. Em primeiro logar não se acham comprehendidos n’esta lei todos os lentes de instrucção superior, e não ha rasão nenhuma para que se excluam, tanto mais que a nossa instrucção, e principalmente a superior, carece de uma larga reforma. E muito possivel que se substituam alguns estabelecimentos por outros; n’este caso parece-me muito conveniente achar-se prevenida esta lei com uma determinação geral e generica, em vez de indicar certas e determinadas escolas; quando fallo das escolas não me dirijo unicamente á universidade, porque em todas ellas os lentes têem os seus substitutos, o póde dar-se o caso, como tem acontecido na escola polytechnica e medica, do lente proprietario ser substituido com trinta annos ou mais de serviço. E por isso que deviam os substitutos ser contemplados n’esta lei. A outra emenda é ao artigo 4.°, que em vez do que se acha no projecto 6 o seguinte, que vou mandar para a mesa.

(Leu.)

O sr. Presidente: — Vão ler-se na mesa as propostas que acabam de ser enviadas pelo digno par o sr. visconde de Villa Maior,

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O sr. Secretario: — (Leu.)

«Emendas ao n.° 18.° do artigo 4.° — Lente cathedratico, effectivo ou jubilado, da mesma universidade, ou professor proprietario ou jubilado ou substitutos nas escolas ou nos institutos de instrucção superior com dez annos de exercicio effectivo. — Ao n.° 4.° do artigo 5.° — Que é bacharel formado pela universidade de Coimbra ou tem carta do curso de alguma das escolas ou dos institutos de instrucção superior.

Sala das sessões, em 20 de marco de 1878. = Visconde de Villa Maior.»

Ficaram sobre a mesa.

O sr. Presidente: — Estas emendas serão tomadas em consideração pela camara, na occasião em que se discutirem os artigos a que dizem respeito; mas, para isso é necessario que sejam admittidas previamente á discussão.

O sr. Visconde de Seabra: — Sr. presidente, eu não tinha empenho algum em f ali ar, e de mais a mais tenho estado doente; mas pedi a palavra sobre a ordem, unicamente no interesse da discussão e na conformidade do regimento, porque tenho que propor uma emenda á generalidade d’este projecto.

Sr. presidente, hei de ser muito breve pelas rasões que disse, e portanto limitar-me-hei a dizer o necessario para motivar a minha proposta. O projecto, que se discute, elaborado certamente com a maior illustração e por um cavalheiro competentissimo, foi apresentado com o fim de preencher uma grande necessidade. O projecto é um só, mas divide-se em tres partes distinctas, e de tal natureza. que não podem ser inteiramente reguladas pelos mesmos principios. A primeira parte do projecto regula as attribuições do poder moderador, no artigo 74.° da carta; a segunda regula os artigos 39.° e 40.° da mesma carta, isto é, a successão do pariato; e a terceira destina-se a marcar os direitos e obrigações relativas ao exercicio, conservação ou perda do pariato, para o que constituo tambem uma parte muito differente. É claro portanto que ha ahi tres projectos diversos, que podem ser considerados separadamente na sua essencia e regulamento.

A minha proposta, apesar de envolver uma generalidade, não se refere senão á primeira parte, quero dizer ao regulamento do artigo 74.°, que versa sobre o exercicio das attribuições do poder moderador.

Por consequencia, referindo-me agora a esta parte, sem com isso prejudicar quaesquer emendas que terei de apresentar relativamente a outros artigos do projecto, direi duas palavras para justificar a minha emenda ou substituição.

Sr. presidente, trata-se de regular o exercicio de uma attribuição do poder moderador. A carta diz no artigo 74.° que a este poder pertence a nomeação dos pares sem numero fixo. Trata-se de regular esta parte da carta fazendo-lhe um regulamento. Dê-se porém a este projecto o caracter que se quizer dar, elle tende principalmente a restringir o exercicio do poder moderador na parte relativa ao pariato.

O modo de proceder á feitura desta lei está sujeito a diversas opiniões.

Ha quem sustente que este artigo, sendo constitucional, não póde ser regulado por acto de uma assembléa ordinaria, e outros que sustentam o contrario.

Apresentam-se muito boas rasões por um lado e por outro; mas eu vejo-me na necessidade de optar por uma das opiniões, e fazendo-o, não duvido approvar e seguir aquella que dá á legislatura ordinaria o poder de estabelecer algumas regras relativamente ao uso d’este poder.

Mas, sr. presidente, ao mesmo tempo que tenho esta opinião, e por isso voto o projecto na generalidade, não posso comtudo approvar o systema adoptado pela commissão, o systema das categorias.

Não sou eu só o que não approvo esse systema, combateu-o o primeiro digno par que iniciou, este debate, e ouvindo as solidas rasões que s. exa. apresentou para combater as propostas, ser-me-ia impossivel deixar de insistir na minha opinião.

Estas categorias, que parecem restringir o exercicio da attribuição conferida pela carta, isto é, evitar o perigo das más escolhas, promettem muito e dão pouco, porque o abuso póde ter logar mesmo dentro de cada uma d’essas categorias. (Apoiados.)

Ora, sr. presidente, se isto assim é, como se não póde negar, não é por certo rasoavel adoptar um remedio que deixa em pé o mesmo mal que se quer evitar; quando se trata de fechar a porta ao mal, é preciso que ella fique hermeticamente cerrada. Não preciso acrescentar n’este ponto mais cousa alguma.

Por outro lado, ainda que se diga que se não restringe a attribuição do poder mocerador, a verdade é que se restringe, e restringindo-se é preciso saber se isso cabe na competencia desta camara. Eu pela minha parte entendo que não, porque segundo o principio do artigo 144.°, é constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições dos poderes politicos.

Ora, poder-se-ha dizer que se não limita a acção do poder moderador, encerrando como em um circulo de ferro, marcando-lhe bases prefixas, que elle não poderá transpor designando-lhe quasi determinadas pessoas! Estou convencido que não.

Entretanto, sr. presidente, entendo que o artigo 74.° póde ser regulado por esta sessão ordinaria, mas unica e precisamente, limitando-se ás condições expressamente estabelecidas na lei fundamental, porque então não invade, não ataca prerogativa alguma; não se abusa, exerce-se um direito, consigna-se uma obrigação. E é sómente n’este sentido, e com estas condições, que eu voto pelo projecto na sua generalidade.

Sr. presidente, a pergunta primeira que eu fiz a mim mesmo é: Qual é o fim com que se pretende regular a nomeação do pariato?

O fim não póde duvidar-se, é concentrar e condensar n’esta camara a maior illustração, independencia e moralidade; este é que é o fim. Ora, temos nós na carta algum artigo que nos consigne este fim?

Temos: e é o artigo 145.°, quando no seu § 13.° dispõe que todo o cidadão póde ser admittido aos cargos publicos, civis, politicos ou militares, sem outra distincção que não seja a dos seus talentos e virtudes. Logo os que não se podem abonar com esses titulos, não podem ser admittidos a exercer taes cargos, não podem ser legalmente nomeados. Ora, se a lei constitucional não regulou o modo de verificar essa habilitação, fica evidente que temos o direito e obrigação de o fazer, sem de modo algum violarmos a prerogativa do poder moderador.

Ora, sr. presidente, parece-me que podemos conseguir este desideratum sem descermos a este dédalo emaranhado, de categorias, no fim de tudo insuficientes, injustas e desnecessarias; firmemo-nos n’esse artigo da carta, que sómente chama aos cargos publicos, politicos e civis os talentos e virtudes, e a nossa tarefa limitar-se-ha a consignar na lei os meios mais adequados á comprovação das condições ou requisitos individuaes. N’este sentido passo a apresentar a emenda e substituição que vou ler:

«Emenda e substituição ao artigo 4.º e seus §§ do projecto de lei n.° 87:

«Artigo 4.° Não podem ser nomeados pares do reino os cidadãos portuguezes que não tenham trinta annos de idade, não estejam no pleno goso de seus direitos civis e politicos, e offereçam garantias de illustração, independencia e moralidade.

«§ 1.° A illustração póde comprovar-se por diploma ou carta de habilitação passada por qualquer academia, instituto ou escola litteraria ou scientifica, legalmente auctorisada para isso.

«§ 2.° A independencia póde comprovar-se pelo goso o posse do rendimento de 3:000$000 réis, proveniente de

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bens immobiliarios, industria ou emprego inamovivel, comprovado pelo effectivo pagamento das respectivas contribuições.

«§ 4.° A moralidade póde comprovar-se por consulta abonatoria do conselho d’estado.

«Art. 5.°- A. Podem igualmente ser nomeados pares do reino por distincção especial os cidadãos que d’essa distincção se houverem tornado dignos por serviço e meritos extraordinarios, sem outra condição mais que a proposta do ministerio e approvação unanime do conselho d’estado.

«Sala da camara, 19 de março de 1878. = O par do reino. Visconde de Seabra.»

Parece-me que d’esta maneira a acção do poder moderador fica completamente livre, porque o poder moderador não póde actuar senão dentro dos limites constitucionaes consignados na carta.

Sr. presidente, procurei conformar-me na minha proposta com os principios fixados na carta, com este paladium sagrado da nossa liberdade, com esta arca da alliança em que se não póde impor mão profana sem perigo do cair fulminado.

Sr. presidente, com a carta podemos nós triumphar de todos os nossos inimigos internos e externos. Sem o pendão da liberdade que ella consagrou, sem aquelle lábaro sagrado que foi hasteado nos rochedos da Terceira e nas praias do Mindello, pelo nosso immortal dador da carta, poderiamos nós lisonjearmos de estarmos aqui hoje sentados, e de ver desenvolver no paiz a prosperidade que elle apresenta?

A quem devemos este immenso beneficio senão a este estandarte sagrado?

Esta geração, que se vae extinguindo, que illustrou o paiz, não póde abdicar o seu maior titulo de gloria. A carta não é para nós só um dogma, é mais do que isso, é uma crença racional, inabalavel; estremecemos, quando vemos mãos profanas tocar na arca sagrada, porque é sempre prenuncio de grandes calamidades. Vejam-se as outras nações o que têem ganho com o continuo movimento social em que as instituições surgem numa hora, para morrerem ephemeramente em outra. E nós não temos resistido a todas as tempestades? Não temos desenvolvido a nossa prosperidade á sombra desta égide sagrada? Precisamos portanto ser escrupulosos ao tocarmos n’esta suprema garantia da nossa liberdade.

Não se pense, sr. presidente, que este nosso affecto á carta passa a superstição mal cabida! Não, e não, a mesma carta constitucional sabia e previdentemente estabeleceu todos os meios de poder acompanhar o progresso social, sem prejudicar nenhum melhoramento, nenhum progresso.

A precipitação na reforma de pontos tão importantes não fará senão comprometter a paz, a tranquillidade e a ordem publica.

No meio da quietação politica em que nos achâmos, e em que felizmente as questões abstractas quasi estão abandonadas de todo, a não ser em alguns espiritos inquietos movidos unicamente por interesses particulares e mesquinhos, ou ambições imprevistas, abrir uma brecha em um edificio tão solido, não seria arriscar e comprometter a sua existencia? Se hoje dermos esse exemplo, o que poderá acontecer amanhã? Onde parará esse furor de destruir e de innovar sem mesmo dar tempo á contraprova da experiencia, que é a desgraça maior dos tempos modernos?

Sr. presidente, eu quero a carta toda inteira, como ella é, porque não lhe falta nada para fundamentar e estabelecer a prosperidade d’este paiz, e é a melhor garantia de ordem e liberdade que poderemos legar aos seculos vindouros.

Nem se pense, sr. presidente, que, eu sustentando estas idéas, presto homenagens pessoaes. Para mim o poder moderador é um principio; o exercicio d’elle um principio; que o Rei se chame Pedro, Luiz ou José, para mim é indifferente.

É preciso respeitar este principio, tanto como todos os outros principios fundamentaes da carta. É preciso mesmo esquecer que o systema economico da nossa constituição constituo um todo de tal fórma ligado nas suas partes, que não será facil supprimir alguma d’ellas, sem a destruir ou pelo menos prejudical-a sensivelmente, e por isso entendo que toda a circumspecção e cuidado será pouco na alteração ou modificação de seus artigos.

Quer-se melhorar a carta? Não serei eu quem se opponha, se é necessario. Nem a mesma carta se oppõe.

O que não depender da legislatura ordinaria, faça-se pela legislatura extraordinaria.

Não acho que haja tal pressa, que a nação não possa continuar mais dois, tres ou quatro annos como está.

Os perigos de uma doutrina contraria são tão óbvios, que escuso descer a especialisal-os.

A substituição que apresento, parece me que preenche tudo quanto se possa desejar: garantia de illustração de independencia, como as podemos requerer segundo as crenças geraes, por isso que no fim do tudo a independencia, por exemplo, é uma qualidade pessoal que se não póde considerar como expressamente vinculada á posse da riqueza.

Homens ricos, muito ricos, não poucas vezes se mostram mais escravos do que muitos homens pobres A illustração é necessaria; não ha emprego nenhum na sociedade para que ella se não exija, porque a carta, querendo que não haja distincções mais que a do talento o virtudes, não podia deixar de nos impor a obrigação de designar quaes os titulos que devem comproval-a.

A moralidade, essa é de mais facil apreciação.

É preciso uma abonação para evitar os perigos a que póde ser arrastado o poder moderador. Ora, não será uma grande abonação para o chefe do estado a apresentação da proposta pelo ministerio?

Não será abonação bastante a approvação do conselho d’estado, em que se acham reunidas as summidades do paiz?

Pois se se admitte aqui para a abonação de moralidade o attestado de tres dignos pares, como se póde recusar o testemunho de uma abonação d’esta ordem?

Quando chegarmos a essa parte eu terei de mandar tambem para a mesa algumas emendas.

No que diz respeito ao direito por successão, terei de fallar ainda; mas sobre esta materia temos as mãos completamente desatadas, porque não encontramos os mesmos encalhes que se nos apresentam pelo artigo 74.° da carta. Os artigos 39.° e 40.° não fazem mais do que narrar o facto que suppõem estabelecido pelo direito e pelas nomeações do poder moderador.

O poder moderador faz a nomeação dos pares, que são vitalicios e hereditarios; mas nenhum artigo da carta determina o modo, limite ou ordem d’esta successão.

Ora, sendo o pariato hereditario, a ordem da successão é regulada pelos principios geraes da legislação civil, que nos indica quaes são os que devem succeder.

N’esta parte não ha dificuldades em relação á competencia legislativa.

Sr. presidente, eu entrego á consideração da camara a proposta que mandei para a mesa, desprendido de toda a idéa pessoal e faça ella o que entender em sua alta sabedoria.

O que desejei unicamente foi manifestar o meu voto para que se saiba quaes os principios que me determinam a votar n’este ou n’aquelle sentido.

Sr. presidente, não se estranhe, nem se leve a mal este amor e aferro que nós temos aos principios da carta. Não se póde estranhar aos velhos soldados do Mindello, de Almoster e da Asseiceira, que tanto sangue derramaram para restabelecer a liberdade n’este paiz; não se leve a mal a um desterrado da patria, e que tambem militou debaixo das bandeiras gloriosas do immortal D. Pedro, este profundo sentimento de entranhado amor e respeito pela carta constitucional.

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O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa a proposta apresentada pelo sr. visconde de Seabra. Leu-se na mesa é do teor seguinte:

Proposta

Emendas o substituições ao artigo 4.° e seus §§ do projecto de lei n.° 57:

Artigo 4.° Não podem ser nomeados pares do reino os cidadãos portuguezes que não tenham trinta annos de idade, não estejam no pleno goso de seus direitos civis e politicos, e offereçam garantias de illustração, independencia e moralidade.

§ 1.° A illustração póde comprovar-se por diploma ou carta de habilitação, passada por qualquer academia, instituto ou escola litteraria ou scientifica legalmente auctorisada para isso.

§ 2.° A independencia póde comprovar-se pelo goso e posse do rendimento de 3:000$000 réis, proveniente de bens immobiliarios, industria ou emprego inamovivel, comprovado pelo effectivo pagamento das respectivas contribuições.

§ 3.° A moralidade póde comprovar-se por consulta abonatoria do conselho d’estado.

Art. 5.°-A. Podem igualmente ser nomeados pares do reino por distincção especial, os cidadãos que d’essa distincção se houverem tornado dignos por serviço e meritos extraordinarios, sem outra condição mais que a proposta do ministerio e approvação unanime do conselho d’estado.

Sala da camara, 19 de março de 1878. = O par do reino, Visconde de Seabra.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de se levantar

Foi admittida.

0-sr. Presidente: — Chamo a attenção do digno par o sr. visconde de Seabra.

Esta proposta foi classificada pelo seu illustre auctor como emenda ou substituição ao artigo 4.°, por consequencia deve entrar em discussão quando se passar á especialidade e se tratar do referido artigo.

N’essa occasião a camara decidirá se a proposta de s. exa. deve ser considerada como emenda ou como substituição, porque póde ser uma cousa ou outra, e é indispensavel que se determine o caracter que deve ter, por isso que deve ser votada antes ou depois do artigo a que diz respeito, segundo a sua natureza, quer dizer, se for emenda ha de ser submettida ao voto da camara antes do artigo, e se for substituição só o póde ser depois d’elle votado.

O sr. Visconde de Seabra: — A minha proposta é emenda e substituição ao mesmo tempo.

O sr. Presidente: — Ha de ser uma cousa ou outra, a camara, é que ha de resolver.

Estão promptos alguns authograpos, das côrtes geraes para serem submettidos á sancção real.

A deputação que deve ir apresentar a Sua Magestade El-Rei os mesmos autographos será composta, aelm da mesa, dos seguintes dignos pares: Mártens Ferrão, Carlos Bento da Silva, marquezes de Ficalho e de Alvito, e conde do Casal Ribeiro.

Os dignos pares que compõem a deputação serão informados do dia e hora em que Sua Magestade se digna recebel-a, logo que o governo faça alguma communicação a tal respeito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira do Mello): — Estou auctorisado a communicar a v. exa. e á camara, que Sua Magestade El-Rei receberá a deputação d’esta camara, amanhã quinta feira, pela uma hora da tarde, no paço da Ajuda.

O sr. Presidente: — Ficam prevenidos os membros da deputação, da hora e dia em que Sua Magestade se digna recebel-a.

Estão inscriptos para usar da palavra sobre o projecto em discussão alguns dignos pares, pertencendo fallar em primeiro logar ao sr. Carlos Bento da Silva; pelo nosso regimento, porém, quando o auctor da proposta em discussão pede a palavra, tem preferencia a qualquer outro orador. Alem d’isso, está inscripto tambem o sr. presidente do conselho, a quem vou dar a palavra; depois a darei ao sr. Carlos Bento, se o sr. conde do Casal Ribeiro, como auctor do projecto, não quizer tomar a palavra de preferencia, como lhe permitte o regimento.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Não desejo que prevaleça a meu respeito nenhuma disposição de preferencia; pelo contrario, terei muita satisfação em fallar depois de ouvir os oradores que me precedem na ordem da inscripção.

O sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre a ordem): — Ouvi com muito prazer e satisfação o eloquente discurso do digno par, o sr. visconde de Seabra. Não se podia esperar menos do grande talento e vasta illustração de s. exa.

Foram mui ponderosas as considerações do digno par sobre a necessidade que ha de que exista um poder moderador independente, principio que a carta estabelece como essencialmente necessario para a conservação das nossas instituições. E eu conformo-me inteiramente com a opinião de s. exa. Mas se isto é assim, se todos entendemos que é necessario conservar e manter desassombrado esse poder, porque não havemos de entender tambem, quando se está tratando da reforma d’esta casa, e se discute na camara dos senhores deputados uma lei eleitoral, que é da mesma fórma essencialmente necessario manter o poder que representamos, o poder legislativo, livre de todas as pressões que possam embaraçar o seu natural desenvolvimento, conforme os interesses Verdadeiros da nação?

Pois deve crer-se que estes interesses, os interesses geraes do paiz, possam ser tratados com a devida justiça, com o zelo indispensavel, com a imparcialidade e dedicação precisas, por pessoas que teem de zelar outros interesses inteiramente particulares, e muitas vezes prejudiciaes aos interesses publicos?

Esta é que é a minha questão, é a questão que julgo se deve tratar de preferencia, e é por isso que eu desde muitos annos reclamo que se reforme o nosso parlamento no sentido de advogar verdadeiramente os negocios publicos.

Já na ultima sessão, fallando sobre o projecto de reforma d’esta camara, apresentado pelo sr. conde do Casal Ribeiro, expuz estas mesmas idéas, e fiz ver que a reforma que se debate presentemente n’esta camara, não poderá ter outro resultado senão demorar por mais algum tempo o estado actual; mas é esse estado que eu não desejo que continue, o que deve acabar; e uma vez que queremos fazer reforma, porque não a havemos de fazer completa? Estas reformas pequenas, este desejo de mudanças repentinas de instituições, sem se fundarem em bases solidas, não me parecem convenientes. A questão principal, a questão que entendo deveriamos resolver desde já, é a da reforma parlamentar sob o ponto do vista das incompatibilidades. „

(Aparte do sr. marquez de Ficalho, que se não ouviu.)

Disse-me agora o meu amigo o sr. marquez de Ficalho, que eu não estava fallando sobre a ordem, mas, sobre o projecto; s. exa. ha de permittir-me porem que lhe diga, que nas mesmas circumstancias esteve o orador que me precedeu, e que eu não tenho menos direito a expender a minha opinião do modo como entendo de que outro qualquer digno par.

Todos sabem que eu estou muito incommodado e que faço um grande sacrificio em fallar, e por isso termino aqui o meu pequeno discurso.

Espero todavia que a camara reconhecerá bem quaes as minhas opiniões sobre, tão importante assumpto.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, tambem eu quero a carta e 80 a carta, porque acredito que, ella contem todos os principios necessarios para garantir a liberdade do povo e a ordem publica.. Respeito-a como um baluarte, á sombra do qual os homens de 1832, 1833 e 1834 conquistaram as garantias que hoje

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usufruimos; mas este respeito, esta adoração, se me é permittida a phrase não impede que eu reconheça que as instituições humanas precisam ser modificadas de tempos a tempos, para attender ao desenvolvimento que o paiz reclama, ás manifestações da opinião, e a circumstancias muitas vezes imperiosas, que não se podem pôr de parte.

Eu respeito e tenho a maior confiança na pureza dos principios, reconheço a importancia dos que se acham consignados na carta; mas o legislador, estabelecendo n’este codigo o modo por que elle podo ser reformado, consignando este preceito, principio ou faculdade, reconheceu ispo facto, que as instituições humanas carecem de ser modificadas, que em dadas circumstancias essa modificação será uma necessidade impreterivel.

Nós sabemos todos, sr. presidente, o modo como em uma determinada occasião se reformou a carta. Sabemos todos que as circumstancias podem ser de tal ordem, e o seu imperio tão forte e irresistivel que os homens de opiniões mais assentadas da favor a sustentação dos principios consignados na constituição, os que mais a desejam conservar immaculada, podem ver-se obrigados a acceitar a sua modificação, como eu e o digno par visconde de Seabra, que acccitámos e assignámos a reforma de 1802. E essa reforma não se fez segundo os preceitos estabelecidos na propria carta, fez-se em virtude de um acto quasi revolucionario.

Não obstante honrar-me muito de ter assignado aquella reforma, estimarei que estes factos se não repitam, porque não desejo que o paiz se veja nas circumstancias de ter de transigir com opiniões momentaneas.

Eu não fiz a revolução de 1851, não tomei parte n’ella, nem soube que estava para se fazer; acceitei, comtudo, o facto consummado, como o acceitou o digno par. Em virtude d’esse facto tomei parte em todas as discussões que tiveram logar para se modificarem alguns dos preceitos da carta, e a camara sabe que se alguns d’esses preceitos eram constitucionaes, outros não passavam de disposições que deviam ser consignadas em leis organicas.

Sr. presidente, parece, á vista do que se tem dito, que estamos tratando da reforma da carta, quando tal cousa não está em discussão; agora trata-se apenas de attender a uma conveniencia, a uma necessidade, a um principio mais ou menos reconhecido, mais ou menos acceito, sem tocar, nem levemente, nos preceitos consignados na carta.

Ora, quando vejo que nós podemos, em virtude das faculdades de uma camara em legislatura ordinaria, promulgar uma lei organica dos preceitos fundamentaes consignados na constituição do estado, entendo, se essa lei é util, se corresponde a uma necessidade de momento, se satisfaz a opinião publica, entendo, digo, que não prestâmos um mau serviço e que, na ordem dos acontecimentos e das idéas, ainda que não cheguemos á perfeição, porque á perfeição não é dado ao homem chegar, mas approxirnarmo-nos d’ella, o que ninguem duvidará que tem vantagens.

Fui n’esta discussão chamado á autoria pelo sr. marquez de Sabugosa. O digno par quiz provar, creio eu, a incoherencia do governo, e sobretudo a minha, por ter apresentado em 1872 a proposta de lei para a reforma da carta, que estabelecia as categorias assim como a suppressão do direito hereditario, e apparecer agora a declaração authentica de que a commissão, que approvou o projecto para a reforma d’esta camara, está de accordo com o governo.

S. exa. suppõe que ha aqui contradicção; pois eu digo que não ha nenhuma.

Acabei de mostrar que nas reformas constitucionaes se introduzem muitas vezes disposições proprias de leis organicas; até mesmo citei já o acto addicional, em que está incluido um certo numero de principios que podiam conter-se n’uma lei organica.

O sr. Marquez de Sabugosa: — S. exa. diz no seu relatorio da proposta para a reforma da carta, que a indicação de categorias limita a prerogativa da corôa, e que era esta uma das providencias essenciaes d’aquella proposta; portanto não a considerava então como uma providencia que por de mais se tinha introduzido ali.

O Orador: — S. exa. não tem agora mais nada a ratificar?

O sr. Marquez de Sabugosa: — Não, senhor.

O Orador: — S. exa. sabe perfeitamente que no relatorio que precede a proposta para a reforma da carta se declara, em relação á camara dos pares, que se supprime a hereditariedade e se limita pelas categorias o numero ou qualidades das pessoas que podem ser nomeadas pares do reino; mas em parte nenhuma se diz que essa limitação á preceito constitucional: e quando podesse dizer-se, o que se seguia é que na opinião do governo havia hesitações, havia duvida, ou, pelo menos, o governo prestava preito e homenagem ás duvidas que outros porventura tivessem.

Parece-me que o digno par, que tão lido é, e examinou o relatorio que precede a proposta da reforma da carta, podia ter examinado tambem outro relatorio, da mesma epocha, o qual precede a reforma administrativa, e ver o que o governo ahi diz referindo-se á questão eleitoral.

Não me parece que se possa sustentar com bons argumentos, que seja insconstitucional a regulamentação de um artigo da carta, em nome do qual o chefe do poder executivo e depositario do poder moderador póde nomear pares do reino.

A carta diz que o Rei exerce o poder moderador nomeando pares do reino sem numero fixo, assim como lhe dá a faculdade de nomear magistrados, generaes, commandantes das forças de mar e terra, e prover a todos os empregos publicos.

D’estes actos são os seus ministros os responsaveis, o a entidade superior do Soberano está rodeada de um certo numero de instituições, que o acompanham no exercicio das suas funcções, e o esclarecem em todos os seus actos. Só assim é que se póde admittir a irresponsabilidade do Soberano.

Os poderes do estado são todos iguaes, não ha supremacia de uns sobre outros, todos têem na sua faculdade attribuições fixadas na constituição, a qual, torno a dizer, não admitte precedencias de uns sobre outros.

Posto isto, pergunto a s. exa. onde é que a carta diz que é prohibido regulamentar a faculdade do poder moderador de nomear pare? Porventura a carta prohibe regular a attribuição do poder executivo, de prover os empregos civis e politicos? Não prohibe.

O artigo 71.° da carta diz que o poder moderador póde nomear e demittir livremente os seus ministros, e em nenhuma outra parte encontro este adverbio livremente com relação ao exercicio das attribuições do chefe do estado.

Por consequencia, póde sustentar-se, em vista d’este adverbio, que não seja licito regulamentar a faculdade do poder moderador nomear pares do reino? De certo que não.

Isto é que parece que é a verdadeira doutrina, e é preciso que se note que, apesar do poder moderador ter a faculdade de usar livremente do direito de nomear e demittir os seus ministros, a responsabilidade d’esse acto pertence aos ministros da corôa.

Eu tenho sustentado sempre que os ministros que referendam os decretos d’aquelles que entram de novo para os conselhos da corôa, são os responsaveis por essas nomeações. Ainda ha poucos dias sustentei isto mesmo n’esta casa.

Ora, se tudo se póde regular, se as côrtes podem, por meio de leis ordinarias, estabelecer quaes as condições em que o Rei ou os seus ministros, que é o mesmo para a responsabilidade, póde nomear todos os empregados civis e politicos, porque não hão de poder as côrtes regular a faculdade que tem o poder moderador de nomear os membros d’esta camara? Onde é que está a disposição da carta que lhe prohibe fazer? Eu não a encontro, desejava que ma indicassem, queria vel-a, porque não a conheço.

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Disse um digno par que eu era procurador de alguem! Não sou procurador de ninguem, nem mesmo do alto personagem que está collocado no vertice da governação publica.

Sou responsavel, como ministro, pelos actos do poder moderador e do poder executivo, e, como tal, como homem publico e como cidadão quererei sempre que se interpretem as disposições da carta debaixo de um ponto de vista muito mais liberal e muito mais largo do que aquelle sobre o qual pretendem alguns- interpretal-as cingindo-se á letra e ao sentido mais restricto d’essas disposições, e é isso que póde conduzir á revolução.

Eu sou conservador liberal, não quero a revolução, nunca entrei em revolução nenhuma; mas sustento a interpretação mais liberal das disposições da carta. Essa interpretação é que póde dar garantias de ordem e de tranquillidade.

Toda a gente sabe que este projecto não é da iniciativa do governo, não fomos nós que o apresentámos, foi um amigo meu, um homem de alta importancia, uma das primeiras illustrações d’esta casa e do paiz.

Quando o meu amigo, o sr. conde do Casal Ribeiro apresentou esie projecto de lei, era, eu ministro, e perguntando-me qual era a minha opinião, eu tive a honra de declarar a s. exa. que sympathisava com as tendencias geraes do projecto, e que por parte do governo não tinha duvida em que elle se discutisse, e tendo de assistir na commissão aos debates, então pronunciaria a minha opinião sobre os diversos pontos do referido projecto. Passaram-se dois annos, creio eu, e quando eu tive a honra de entrar de novo nos conselhos da corôa, o digno par provocou de novo o governo a manifestar a sua opinião ácerca d’esta reforma, e eu respondi ainda no mesmo sentido, promettendo assistir tambem aos trabalhos da commissão, porque emfim o projecto representava a conveniencia da reforma na sua generalidade, mas continha um certo numero de disposições, sobre as quaes podia haver opiniões differentes, e todas ellas bem fundadas, que a commissão podia acceitar ou deixar de acceitar, mas que em todo o caso deviam ser tomadas em consideração.

Sr. presidente, eu fui accusado ainda hoje, talvez pela vigésima vez, porque o tenho sido muitas vezes mais, de ter apresentado um projecto de reforma da carta; e de não ter insistido pela sua discussão. Eu, sr. presidente, honro-me com a apresentação d’esse projecto, porque n’essa occasião entendi, assim como os meus collegas rio ministerio, e como entendiam tambem muitas pessoas illustradas do paiz, que era conveniente acompanhar os progressos do seculo e o movimento das idéas. Honro-me igualmente com a resolução que tomei depois, de não insistir pela sua discussão e approvação. (Apoiados.)

E essa resolução, tomei-a por ver que á apresentação da minha proposta seguiu-se a apresentação de outros projectos de reforma, muito mais radicaes, muito mais amplos, que mostravam que não contentava a todos a reforma proposta por mim.

Conheci, pois, que se eu tivesse insistido n’essa proposta, e a reforma passasse, ficava ella sendo uma bandeira politica, uma bandeira de partido; e por consequencia, desde que a reforma não satisfazia as aspirações de alguns partidos politicos, entendi que não devia insistir por ella; porque emquanto a reforma da carta foi uma bandeira de partido, nós não liquidámos as nossas contas nas assembléas politicas, mas nos campos de batalha; e desde que o meu projecto deixava o campo aberto ás lutas dos partidos, como era isso que eu não queria que se repetisse, eu e o governo entendemos que não deviamos continuar a pedir ao poder legislativo a approvação d’essa reforma.

É preciso, sr. presidente, dizer toda a verdade nesta questão. A reforma da carta ninguem a pediu, o publico não a pediu, pede-a um certo numero de homens illustrados e intelligentes, que estudam os negocios mais pelo amor da arte do que por outra cousa, como uma vez disse um digno par que se sentava n’essa cadeira, o sr. duque do Loulé. Por conseguinte, se uns querem a reforma da carta, porque são esses os seus principios e idéas, que eu acato, outros querem-na simplesmente pelo amor da arte. Mas o publico, as massas populares, os homens que trabalham, a agricultura, a industria, o commercio, o alto funccionalismo, o baixo funccionalismo, esses não pedem a reforma da carta.

E mesmo é preciso que reconheçamos que nós temos um codigo politico tão completo, tão liberalmente interpretado como talvez não haja em nenhum outro paiz, porque é um codigo que nos não faz vergonha pondo-se a par dos das nações mais adiantadas.

Eu ainda ha pouco tempo, atravessando quasi toda a Europa, senti orgulho de ser portuguez, porque tive occasião de me convencer, e mesmo de ouvir dizer, que a nossa constituição politica era mais liberal do que as de quasi todos os outros paizes. E, em verdade, as suas disposições são sempre executadas e entendidas liberalmente.

Ora, sr. presidente, quando isto é assim (e é uma verdade que quem quizer póde apalpar correndo a Europa inteira), não me persuado da necessidade incessante de reformar a carta constitucional; e nós não tratámos agora dessa reforma, nós do que tratamos é da reforma da camara dos pares, e não posso deixar de taxar de injusta a apreciação que se fizer, de que esta camara está desprestigiada, porque o não está. Ninguem o disse nem o affirmou ainda até hoje! Pelo contrario, em todos os tempos a camara dos pares, desde que começou a sua existencia, tem andado sempre ao serviço das idéas mais liberaes e mais importantes deste paiz; e, para dizermos toda a verdade, muitas vezes tem tomado a dianteira e auxiliado todos os melhoramentos, debaixo de todos os pontos de vista possiveis; e se não digam-nos quaes são os obstaculos que se teem encontrado na camara dos pares ao andamento dos negocios publicos? Tem influido alguma cousa a nomeação regia ou o principio de hereditariedade? Cousa alguma.

Este projecto é bastante conveniente, porque me parece que a restricção para a nomeação dos pares carece modificada. No emtanto o governo não sustenta o projecto tal qual está; não tem duvida em que soffra modificações, nem a commissão tão pouco terá a pretensão de que elle as não soffra, e creio que acceitará para exame todas as propostas ou emendas que se apresentarem; algumas poderão ser votadas logo, outras o não poderão ser. Não posso dizer qual o destino que terá de soffrer cada uma, pois que tratando da questão na generalidade, não entro na especialidade por emquanto; e isto mesmo não é mais do que uma opinião.

O projecto não é do governo, todos o sabem, mas o governo sympathisa com elle e não tem a menor duvida em acceitar e approvar as suas idéas; não sustenta porém a sua integridade em todos os pontos e virgulas, mas reconhece que é um melhoramento, e d’aqui não vem desdouro nenhum para a camara, nem tão pouco o governo faz questão ministerial para o sustentar, por isso que o governo não encontra embaraço em gerir os negocios publicos com a organisação actual da camara, nem com a sua reforma.

Como pares do reino votâmos a proposta, reconhecendo comtudo que a sua rejeição, se por acaso tiver logar, não traz prejuizo algum á causa publica, nem á defeza das instituições e do paiz.

(O orador noa reviu o seu discurso.)

O sr. Conde de Rio Maior: — Sr. presidente, difficil é a minha posição, tendo de usar da palavra depois da camara acabar de ouvir um dos primeiros talentos parlamentares, um dos homens mais importantes d’este paiz, sustentando, com a sua voz auctorisada, doutrinas contrarias á minha opinião. A camara já me escutou hontem, e eu não desejo cansal-a com o meu novo discurso; mas cabe-me a restricta obrigação V de levantar certas observações que fo-

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ram apresentadas, não só pelo sr. presidente do conselho, como pelo sr. relator da commissão.

Eu hontem quando terminava disse... (pequena pausa) não quero repetir a palavra, porque ás vezes um orador como eu, pouco pratico nas discussões, póde pronunciar uma phrase, que, sendo mal interpretada, fira melindres, quando o orador não teve intenção de molestar ninguem; portanto, não repetirei a palavra, mas é facto que o governo é coagido por uma situação imperiosa a acceitar o projecto, os ministros hão de votal-o e talvez o seu intimo desejo fosse outro! Isto é o que eu disse, e sustento, ou, para melhor me explicar, quiz fazer sentir á camara. Esta é a logica fatal do que estamos presenciando!

Sr. presidente, quando ha pouco o sr. marquez de Sabugosa fallou perante esta assembléa, apresentou s. exa. um documento bastante grave, e eu peço licença á camara para repetir as palavras concisas da parte d’este documento, a que o illustre orador se referiu. Na proposta da reforma da carta, apresentada pelo ministerio em 15 de janeiro de 1872, leio o seguinte: «Acabar com a hereditariedade do pariato, e limitar pela indicação de categorias a livre escolha do Soberano, taes são nesta parte os pontos fundamentaes da proposta constitucional apresentada pelo governo».

Ou eu não comprehendo bem estas palavras, e não sei portuguez, ou posso claramente affirmar que o governo declara n’este projecto positiva e abertamente que pela sua proposta constitucional tenciona estabelecer as categorias, e acabar com o direito hereditario. O governo declara tal providencia ponto fundamental da sua reforma! Isto é assim, porque as cousas são o que são; e qualquer que seja a intelligencia, es adornos de palavra do sr. Fontes, o documento ahi está para se ver, e não tem outro sentido. O governo exclama hoje «A materia não é constitucional».

Disse o sr. presidente do conselho que o governo só quiz promover a discussão, apresentar uma duvida, nada affirmando, nem resolvendo.

Não me parece isto exacto; o governo declarou em 1872 constitucional o que hoje julga regulamentar. Tambem eu, sr. presidente, quero as discussões, e, quando ellas vierem legalmente, não faltarei ao meu dever. Se porventura amanhã houver uma constituinte e se tratar da existencia d’esta assembléa, hei de dizer então a minha opinião com inteira franqueza; porém isso não obsta, repito, quero as cousas legaes e como devem ser feitas.

Antes de ir mais longe, eu vou fazer uma declaração, que desejo por uma vez fique bem consignada. O sr. presidente do conselho tem-me honrado, chamando-me seu amigo, e eu desejo com prazer conservar estas relações. Sentiria se as perdesse! Considero muito s. exa., é um dos maiores vultos d’este paiz, e por isso lamentei quando ultimamente lima voz exclamou que s. exa. nada tem feito. E soberanamente injusta esta apreciação.

Não me esqueço; entrei n’esta casa na hora em que o sr. presidente do conselho estava prestando um grande serviço ao paiz. A revolução soprava em Hespanha, e o nobre presidente do conselho, como verdadeiro homem distado, procurava evitar energicamente que tal acontecimento nos viesse affectar.

Quando s. exa. não tivesse prestado outros serviços á nação, bastava este para satisfazer os mais exigentes.

Sr. presidente, eu sou obrigado n’este discurso a referir-me não só ao sr. presidente do conselho, mas a outro orador que me precedeu.

O illustrado relator da commissão fallou depois de mim, e como este digno par respondeu especialmente ao que eu disse, sou forçado pela côrtezia a contrariar particularmente os argumentos de s. exa.

Disse o esclarecido orador, meu amigo, que ás palavras do conde de Rio Maior respondiam as do sr. conde de Linhares, e ás do sr. conde de Linhares respondiam as do conde de Rio Maior. Mas eu creio que não ha antagonismo algum entre as minhas considerações e as do sr. conde de Linhares. E que as houvesse?

Sr. presidente, o partido a que me honro de pertencer tem um só general e um só soldado; o general é a minha consciencia, o soldado é a intelligencia que Deus me deu, e que está ao serviço d’esta consciencia!

Sr. presidente, vamos adiante, continuemos a fallar nos argumentos do digno relator da commissão. S. exa. quiz achar-me em contradicção com o que disseram os srs. duque de Palmella, conde de Lavradio e outros homens notaveis, quando n’esta camara se discutia assumpto identico.

Sr. presidente, vou repetir os meus argumentos, e reforçal-os, porque é excellente em um debate d’esta ordem que todos tomem a responsabilidade que lhes compete. Eu não faltarei a esse dever.

Eu disse, sr. presidente, que o sr. duque de Palmella, e outros homens distinctos que formavam a commissão que apresentou o projecto para estabelecer as condições de admissão ao pariato, tinham estabelecido a differença entre pares hereditarios e pares vitalicios.. ..

Peço á camara que note as minhas palavras, para se poder bem conhecer qual é o meu modo de ver. Ponderei hontem a differença entre os pares vitalicios e os pares hereditarios, e disse que só para aquelles tinham sido estabelecidas as categorias. Observei que seguiam esta opinião os srs. duque de Palmella, Silva Carvalho, e outros, partilhando opinião contraria os srs. Barreto Ferraz, Proença, o varios dignos pares, de que n’este momento me não recordo.

Em 8 de abril de 1843, proposto pelo sr. barão de S. Pedro o quesito sobre se a carta fallava ou não em pares hereditarios e pares vitalicios, a camara resolveu, por 23 votos contra 9, que a carta não admittia senão pares hereditarios.

Posteriormente o sr. conde de Lavradio, que em 1845 se achava em uma posição excepcional, como hontem ponderei á assembléa, porque era n’essa epocha o chefe da opposição parlamentar, ou porque não tivesse já as hesitações, manifestadas em 9 de agosto, de 1842 ou porque o estado de exaltação do seu animo assim o exigisse, entendeu dever fazer uma proposta para restringir quanto possivel a acção do poder.

Foi então, repito, que s. exa. propoz á camara que todos os pares novamente nomeados o fossem segundo o principio das categorias.

Sr. presidente, eu torno bem saliente este ponto: não se vou cousa nenhuma que dissesse respeito ao principio do ser limitado o direito hereditario, o que se estabeleceu foi que todas as nomeações regias dos novos pares fossem sujeitas á regra que mencionei.

Para tirar todas as duvidas eu venho munido do extracto do discurso do nobre conde, vou lel-o para esclarecimento da camara, e tudo o que se possa referir em contrario é sophismar a questão.

O sr. conde de Lavradio disse:

«Que substituia o artigo 12.° do projecto pela fórma seguinte: Os pares novamente creados, ou a carta regia da sua nomeação os designe como hereditarios ou vitalicios, só poderão ser admittidos a tomar assento, depois de provados: vinte e cinco annos completos, o goso dos direitos politicos, 2:000$000 réis annuaes de rendimento, e a categoria a que pertencem nos termos do projecto, designando a carta regia a audiencia do conselho d’estado; os serviços prestados, e a categoria donde dimanam.»

Este principio é que foi votado por 21 votos contra 10.

Pergunto agora, quem póde sustentar que estes homens liberaes votassem o cerceamento da hereditariedade, como a commissão quer entender?

Sr. presidente, percorram os meus adversarios todas as discussões que houve sobre o assumpto desde 1842 a 1840, não encontram uma unica vez estabelecido tal principio,

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que constituo uma parte importantissima no projecto que hoje se discute.

Sr. presidente, hontem, na discussão que aqui houve, tratou-se de dar de barato o principio da hereditariedade. Ora, como eu tenho a honra de pertencer a esta alta assembléa em virtude d’este principio, a camara não me levará a mal que eu reforce a minha opinião, escudando-a com a de um grande estadista francez, fallo de mr. Guizot; dizia elle:

«É necessario que à camara dos pares seja um poder governamental, mas de maneira nenhuma o proprio governo. Pois bem, eu declaro que no pariato só se consegue este fim por meio da hereditariedade. Digo mais, só a hereditariedade póde crear ao lado do poder um certo numero de situações permanentes, fixas ao nivel do governo, vivendo habitualmente dentro da esphera d’este, conhecendo as suas necessidades e espirito, tendo interesses geraes identicos, sem terem por isso mesmo os interesses e as paixões pessoaes, que animam os ministros na sua luta contra o elemento democratico! Só a hereditariedade póde darão pariato similhante caracter e organisar as cousas de modo que o pariato sustente o poder sem esposar este ou aquelle ministerio, sem abraçar as causas particulares que dirigem as paixões do executivo e movem as suas ousadas exigencias.»

Sr. presidente; as situações arrastam, são quasi sempre mais fortes que os individuos, qualquer que seja a sua respeitabilidade!

Uma camara composta só de funccionarios publicos não tem auctoridade sufficiente.

Diga-nos a commissão qual é o paiz onde o principio do direito hereditario está cerceado pelas categorias?

Hontem o sr. relator, da commissão empregou um argumento, que eu não contesto na sua base, unicamente não o acceito nos corollarios. Disse s. exa.: «Pelo artigo 75.° da carta constitucional pertence ao governo prover os empregos publicos, e todavia esse direito que a constituição dá aquelle poder do estado póde ser regulamentado.»

Isto é exacto, o corpo legislativo, sem estar revestido do poderes constituintes, póde determinar as condições dos nomeados; mas o artigo 145.° § 13.°, citado, me parece, pelo sr. visconde de Seabra, declara que todo o cidadão póde ser admittido aos cargos publicos, e os artigos 8.° e 9.° do codigo fundamental explicam os casos em que se perdem os direitos de cidadão portuguez, e se suspende o exercicio dos mesmos direitos politicos. Sr. presidente, a lei de 11 de abril de 1845 regulou as qualidades para a admissão ao pariato, e a carta no artigo 39.° garantiu o direito hereditario dos pares. A não ser nos casos previstos nos artigos 8.° e 9.°, já lembrados, nenhum par póde ser esbulhado dos direitos que lhe dá a constituição, o que não quer dizer que prudentemente a camara não exija qualidades moraes e de independencia, como é disposto na lei de 11 de abril. Ninguem, sr. presidente, póde exercer um cargo, sem ter para isso aptidão; mas as categorias são mais do que isto.

Este ponto já foi aqui muito tocado, e escusado é estar de novo a desenvolver a mesma idéa. Limitar-me-hei pois n’esta parte a insistir que não encontro na constituição artigo algum que auctorise a legislatura ordinaria a cercear o direito da hereditariedade.

Devo confessar, sr. presidente, que me causou bastante tristeza ver sacrificado ao exagerado desejo de estabelecer categorias para a admissão dos pares, um principio altamente sympathico que estava estabelecido no primitivo projecto apresentado pelo sr. conde do Casal Ribeiro. Esse principio era o que dava direito de entrar n’esta camara ao homem que tivesse prestado serviços importantes á sciencia por publicações de grande tomo.

Sinto realmente que a commissão tivesse eliminado esse principio, e como não sei, pela difficuldade que ha n’esta casa em ouvir os oradores, ou as propostas lidas na mesa?

se em alguma emenda ou substituição, apresentada anteriormente ao projecto, é proposto o restabelecimento do principio indicado pelo sr. conde, desde já declaro que apresentarei na especialidade, se a generalidade se votar, essa proposta, no caso de antes não haver sido feita.

A situação é grave, e, como muito bem o disse um dos homens mais respeitaveis desta assembléa, um nome que recorda as tradições de 1820, o sr. visconde de Seabra, o tempo não está para aventuras.

Peço á camara que repare bem no que se está passando no vizinho reino, onde um dos estadistas mais notaveis d’aquelle paiz, o sr. Canovas, trata ali de evitar todas as questões irritantes que podem sobresaltar o espirito publico, procurando elle apasiguar os animos e congraçar os partidos.

É isto o que convem actualmente, e tanto mais quando se levantam de novo com arrogancia as pretensões do socialismo, auxiliado pelo suffragio universal!

Reparem todos bem no estado da Europa.

Se a situação é má, como de certo reconhecem, não me parece que seja a occasião de se fazer uma experiencia importantissima, approvando este projecto, quando outra experiencia não menos importante vae ter logar, approvada como naturalmente ha de ser, a nova lei eleitoral.

O nosso Portugal não merece que os poderes publicos o exponham tão levianamente a aventuras, torno-o a dizer; podem os resultados ser desagradaveis.

Sr. presidente, ha pontos negros, é certo; mas o ponto mais negro que eu encontro no nosso horisonte, é o estado da fazenda publica, que, como muito eloquentemente foi demonstrado, no anno anterior, no parecer da illustre commissão de fazenda d’esta camara, precisa ser attendido com energia, para se poder evitar maiores perigos.

O governo não póde continuar augmentando todos os annos as contribuições, apresentou a proposta de lei alterando o imposto do real de agua, e o paiz mostra grande reluctancia em acceital-a, porque o paiz está muito sobrecarregado de impostos; portanto, se não houver cuidado em não augmentar as despezas, a divida fluctuante ha de crescer, e como nós somos honrados e queremos satisfazer aos nossos compromissos, havemos de ver-nos obrigados a ir buscar novamente e sempre ao imposto os recursos para pagar estas outras dividas. Póde isto continuar assim?.

Pela minha parte declaro, não acceito o augmento successivo e indefenrido do imposto. Mas, sr. presidente, move-me outra consideração. Eu fui um dos melhores collaboradores da lei de desamortisação, como provedor da santa casa de Lisboa; tinha a misericordia propriedades importantissimas hoje estão todas convertidas em titulos de divida publica se por infelicidade não se regulasse o estado da fazenda e a bancarrota nos assoberbasse as inscripções, deixariam de se pagar, e as viuvas e os desgraçados, a quem aquelle pio estabelecimento abre todos os dias as suas portas, não encontrariam pão para matar a sua fome!

Disse.

O sr. Carlos Bento da Silva: — Sr. presidente, a importancia do projecto que está em discussão explica e justifica completamente que oradores tão distinctos, como aquelles que têem tomado parte no debate, julgassem dever chamar a attencção da camara sobre a sua importancia.

Espero que a camara me desculpe, depois de ter ouvido oradores tão notaveis, de obrigar a sua attenção, proveniente da benevolencia que me dispensa, a seguir algumas observações que tenho a fazer sobre este assumpto.

Sr. presidente, uma das recommendações d’este projecto é incontestavelmente o nome do auctor da proposta inicial.

É grato, para as pessoas que têem uma larga carreira politica, o facto de verem que, apesar de todos os assumptos importantes que chamam a attenção da camara em relação aos melhoramentos materiaes que asseguram a de-

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senvolvimento da civilisação de um paiz, tambem não se descuram as questões de principios.

Mal iria, sr. presidente, para a civilisação de qualquer paiz, se por acaso o interesse dos homens publicos se limitasse ao desenvolvimento das condições do progresso material, sem attender ás outras necessidades da civilisação. N’esse caso teria tido rasão aquelle poeta inglez que disse que se havia de morrer de civilisação. Porque se em virtude de uma reforma tão pouco radical como a que se propõe, podessem apparecer todos os perigos a que alludiu um meu amigo e illustre ornamento desta camara, effectivamente se poderiam depois exigir reformas mais radicaes e violentas, que iriam então completamente contra os interesses da sociedade.

Sr. presidente, este projecto, como indica o relatorio que o precede, divide-se em tres porções distinctas.

Ora, o digno par, o sr. visconde de Seabra, apresentou observações muito judiciosas, e de passagem direi que tanto a illustre commissão como o illustrado auctor da proposta de lei, que com tanta modestia apresentou o seu trabalho, o que desejam, de certo, é resolver a questão da maneira que menos fira quaesquer escrupulos.

Sr. presidente, alguns cavalheiros que têem tomado parte n’esta discussão, entendem que se commette um attentado e uma profanação admittindo-se o principio do dever que têem os legisladores de qualquer nação, de melhorar os principios das instituições politicas que as regem: mas direi: porventura este projecto trata de legislar sobre um assumpto que não tivesse, chamado já a attenção do ambas as casas do parlamento? É evidente que não.

Já se tem ventilado a questão de alterar as leis da hereditariedade, tanto n’esta casa como na outra.

Já por varias vezes, depois da promulgação da lei de 11 de abril de 1845, se tem dado a conhecer a necessidade de justificar ou aperfeiçoar algumas das suas disposições em que a sua letra não corresponda ao seu espirito.

Parece-me, sr. presidente, que não será sustentar um paradoxo o estabelecer que os factos que se deram, demonstraram aos legisladores a necessidade do se modificarem algumas disposições d’aquella lei.

E por esta occasião não será inutil declarar que a lei de 1845 foi apresentada sob a iniciativa de ministros quo, de certo por apreciação errada, eram considerados como exageradamente conservadores.

D’onde se infere perfeitamente que a verdadeira conservação depende do progresso. (Apoiados.)

E esta opinião não é tão insolita que não fosse sustentada por um homem que me parece que não é tido por ninguem como apostolo do progresso desenfreado. Dizia o principe de Metternich que não progredir era recuar.

Ora, quando o principe de Metternich se declarou progressista d’esta maneira, creio que não envergonhará pessoa alguma o acompanhal-o, ir mesmo mais adiante.

N’estas circumstancias, parece-me que nada tem de extraordinario que o illustre auctor do projecto inicial de modificação relativamente ás condições do pariato se preoccupasse com a necessidade de legislar para tornar seriamente efficaz a legislação de 1845.

E, note-se bem, porventura a carta constitucional da monarchia portugueza ligará menos importancia ao exercicio das funcções da camara electiva do que ao exercido das funcções da camara dos pares?

No entretanto, importantes modificações se teem já decretado em referencia á eleição de deputados. E se bem que a mudança da eleição indirecta para eleição directa foi feita em virtude do acto addicional de 1852, todavia tinha precedido a adopção d’esse acto uma votação em que se reconheceu que esse principio não era constitucional e que o principio da eleição directa podia ser approvado sem dependencia de legislação extraordinaria.

Foi sempre minha opinião que as instituições ganham em se dar a maior elasticidade ao modo como devem ser entendidas, para que não sirvam de obstaculo ao verdadeiro progresso. (Apoiados.}

O visconde de Almeida Garrett declarou-me, porque fui particular amigo d’elle, que era sua opinião que se marcasse no acto addicional quaes os artigos constitucionaes da carta.

Dizia elle: Levantam-se duvidas incessantemente a respeito de quaes são os artigos constitucionaes do pacto fundamental: é bom que se aclare esse ponto.

Eu pelo respeito que se guarda para com os grandes talentos, tambem respeitosamente lembrei que não seria talvez conveniente fazer-se essa modificação, porque d’essa forma dava-se á constituição do paiz uma immobilidade que podia ser prejudicial.

Em favor desta minha lembrança tenho a recommendação de que Almeida Garrett desistiu do seu proposito.

Ora, sr. presidente, eu entendo que deve haver sempre muita cautela quando se trata de consignar os principios constitucionaes. As constituições devem ser sempre consideradas de uma maneira clara, e terminante, para não perderem o merecimento da sua origem. Hoje em dia as constituições de data mais antiga não são as menos escutadas. Em Inglaterra, o acto constitucional, as bases da constituição ingleza datam de 1215, e na Hollanda, que agora estabeleceu independencia propria dentro dos limites da união monarchica, datam alguns dos seus actos constitucionaes de 1222, o bom se vê que não é uma epocha muito recente. Eu sou homem do meu tempo, e talvez seja devido a isso, á diuturnidade da minha existencia, achar que sempre que é possivel se deve respeitar o passado; mas as tradições não devem ser obstaculo á iniciativa dos homens publicos. Hoje, que em historia natural se, cá uma grande importancia á theoria da evolução, entendo que as constituições devem ter tambem a sua evolução, e que não é negar o merecimento do seu passado.

Não acredito, nem o homem mais importante acredita, nas constituições improvisadas que se escrevem a cada passo. Eu, pela minha parte, tenho a opinião de homens publicos muito distinctos; entre elles um historiador inglez e um socialista allemão, membro do parlamento, que dizem que as instituições constitucionaes escriptas não valem o papel em que se escrevem. Isto refere-se ás constituições feitas de improviso.

Sr. presidente, a carta, como disse muito bem o digno par, o sr. visconde de Seabra, tem a seu favor as recommendações historicas, que nunca fazem mal, e deve ser acceita como base de um progresso, progresso immenso com relação á epocha em que foi adoptada. A carta tem o merecimento de poder ser acceita por todas as escolas.

Houve um tempo em que havia uma grande resistencia contra a carta da parte d’aquelles que pertenciam á escola mais adiantada, porque a carta significava a outorga; mas sabe v. exa. muito bem que num manifesto assignado pelo Imperador se declara que a carta constitucional não é senão a restauração dos antigos fôros.

O sr. Agostinho Ornellas: — Apoiado.

O Orador: — Por consequencia nem para a escola mais adiantada póde haver inconveniente da carta constitucional ter sido um favor concedido á nação. Na carta estavam, incluidas as doutrinas do systema constitucional mais adiantado n’aquella epocha, que até mereceu elogios do auctor da Historia da civilisação da Europa, que não é homem insignificante, que deve ser motivo da nossa gratidão para a memoria do Imperador.

Mr. Guizot, faltando da constituição do Brazil, na epocha em que era similhante á constituição portugueza, faz os maiores elogios ao Imperador do Brazil, que introduziu na constituição o principio do poder moderador segundo o principios de Benjamin Constant.

Este elogio, feito ao imperador cio Brazil por ror. Guizot, creio que é a maior recommendação politica que o imperador podia ter a respeito dos seus actos constitucionaes, e isto mesmo prova que o poder moderador não é um po-

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der constituido para utilidade exclusiva e pessoal do Soberano, mas uma attribuição precisa para as funcções constitucionaes estabelecidas segundo as doutrinas de um homem, cujas idéas não podem ser suspeitadas.

É necessario que nas constituições existam garantias como aquellas que estabelece a carta ao poder moderador. Essas garantias têem uma significação, e são precisas nas regiões superiores do poder para manter o equilibrio entre os differentes poderes do estado.

Ora, esse pensamento é muito importante, e, sr. presidente, eu entendo que a existencia do poder moderador é uma garantia constitucional; por isso quando se trata de tocar em disposições que dizem respeito a esse poder (o que é realmente a parte mais importante d’este projecto), devemos ser bastante cautelosos no modo por que e como o fazemos.

(Deram cinco horas.)

Sr. presidente, eu não gosto de ficar com a palavra reservada de uma sessão para a outra; porém deu a hora e como tenho alguma cousa a dizer, e não posso continuar, peço a v. exa. me reserve a palavra para a sessão seguinte.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente: — O digno par o sr. Carlos Bento fica com a palavra reservada para a proxima sessão, que será na sexta feira, 22 do corrente.

A ordem do dia será a continuação da que estava dada para hoje, e mais os pareceres n.ºs 270 e 276.

Está fechada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 20 de março de 1878

Exmos. srs. Duque d’Avila e de Bolama; Cardeal Patriarcha, Duque de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Pombal, de Sabugosa, de Vianna, de Vallada; Condes, das Alcaçovas, dos Arcos, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, do Farrobo, de Fonte Nova, de Linhares, da Louzã, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre, de Mesquitella; Bispos, do Porto, de Bragança; Viscondes, de Bivar, de Fonte Arcada, dos Olivaes, Ovar, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Maior j Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira, Pinto, Barreiros, Silva Torres, Larcher, Andrade Corvo, Martens Ferrão, Pinto Bastos, Vaz Preto, Franzini; Menezes Pitta, Carlos Eugenio de Almeida.

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