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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 12 DE MAKÇO DE 1861

PRESIDÊNCIA DO EX.m° SR. VISCONDE DE LABORIM VICE-PRESIDENTE

Secretários: os dignos paresjg^ do ^

A's duas horas e meia da tarde, declarou-se aherta a sessão, por estar presente na sala o numero legal.

Lida a acta da sessão antecedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

O sr. Secretario: — A mesa recebeu um officio do sr. visconde de Fonte Arcada, em que s. ex." participa que não pôde comparecer a esta sessão, nem talvez possa vir a mais alguma por motivo de doença.

Deu conta também de um officio do secretario geral interino da academia real das sciencias de Lisboa, enviando para serem distribuídos pelos membros da mesa da camará tres exemplares de Portugália} Monumenta Histórica, publicação da mesma academia.

O sr. Presidente: — Entramos na ordem do dia que ó a continuação da discussão do parecer n.° 113 sobre o projecto de lei n.° 100, na sua especialidade.

O sr. Ferrão: — Parecia-me conveniente, se v. ex.a assim o entendesse, que esperássemos pela presença do governo, para entrarmos na discussão d'este projecto.

O sr. Presidente: — Eu já mandei participar aos srs. ministros, que ia entrar-em discussão o parecer dado para ordem do dia, que exige a sua presença: por conseguinte esperaremos um pouco até que s. ex.as venham.

Pausa.

O sr. Conãe ão Bonfim: — Em quanto, sr. presidente, não tratamos do objecto que está dado para ordem do dia, eu pedia licença a v. ex.a, para me referir a um projecto que por em quanto se não discute, mas de que se deve tratar brevemente. Fallo, sr. presidente, do projecto de lei relativo ao contrato da companhia união mercantil tendente a estabelecer, por meio de navegação a vapor, a comrau-nicação entre o continente do reino e as ilhas adjacentes, e possessões da Africa occidental.

O sr. Presiãente: — Está dado para ordem 3o dia de hoje.

O sr. Conde do Bomfim:—Mais uma rasão é essa para eu pedir a palavra.

O sr. Presidente: — Eu devo dizer ao digno par, que o projecto a que se referiu, está dado para a primeira parte da ordem do dia; como porém se devia começar pelo projecto que já se achava em discussão desde a semana passada, entra o projecto que diz respeito á companhia união mercantil, na segunda parte da ordem do dia.

O sr. Conde do Bomfim: — Eu faço estas reflexões, porque me parecia conveniente que este projecto fosse á commissão de marinha e ultramar, a que tenho a honra de per-

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tencer, a,fim de que os seus membros possam coadjuvar a discussão, apresentando as suas idéas; ou então se reunissem, a commissão do fazenda com a de marinha, a fim de se formar um accordo entre uma e outra, para se fazerem as reflexões indispensáveis para elucidação da matéria.

0 sr. Visconde de Castro: — Sr. presidente, o que acaba de dizer o sr. conde do Bomfim é exacto. No projecto havia'uma annotaçãó a lápis, em que se declarava fosse á commissão de marinha e á de fazenda; como porém não se via bem a nota que se referia á commissão de marinha, só foi mandado á de fazenda.

A commissão de fazenda, sem dar attenção ao que estava escripto em lápis, e reconhecendo a importância d'esto objecto, tratou immediatamente de dar o seu parecer. Agora o sr. conde do Bomfim reclama, e com toda a justiça, que seja ouvida a commissão de marinha e ultramar; portanto, entendo que ella deve ser ouvida, ou juntando-se as duas commissões, ou mandando-se o projecto á de marinha, a fim de dar o seu parecer como entender.

O sr. Presidente:—Vou consultar a camará sobre se an-nue a que o projecto que foi dado para ordem do dia vá á commissão de marinha e ultramar.

A camará annuiu.

(Entrou o sr. ministro da fazenãa e negócios estrangeiros.)

Leu-se na mesa o artigo 1." ão projecto, que é ão theor seguinte:

Artigo 1.° São suscitadas e ampliadas as leis do reino, prohibitivas da amortisação-de bens prediaes, rústicos ou urbanos, de igrejas ou corporações religiosas, e bem assim declaradas insubsistentes todas as licenças, faculdades regias ou dispensas das ditas leis em favor de taes estabelecimentos para se conservar na posse dos mesmos bens.

§ 1.° São comprehendidos na disposição d'este artigo os bens prediaes de fundação ou dotação, e bem assim os direitos prediaes de qualquer espécie ou natureza pertencentes aos ditos estabelecimentos a titulo de emphyteuse, de sub-emplvyteuse, censo, quinhão de renda ou qualquer outro.

§ 2.° Não são comprehendidos na disposição d'este artigo:

1. ° As casas de habitação das religiosas e dos seminaristas e as cercas e dependências respectivas, os paços epis-copaes e cercas ou quintas de recreio dos bispos;

2. ° Os capitães de divida nacional consolidada;

3. ° As acções de bancos ou companhias legalmente con-stituidas, precedendo, quanto a futuro, á acquisição e conservação, a auctorisação do governo;

4. ° Os capitães que mutuarem os mesmos estabelecimentos entre si, ou a particulares, com a mesma auctorisação, ou que depositarem nos ditos bancos ou companhias.

O sr. Ferrão: — Sr. presidente, durante as sessões em que se tem discutido o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei da desamortisação dos bens das igre-1 jas e conventos de religiosas, tem-se dado circumstancias de muito peso, em opposição ao mesmo projecto, assim na questão da sua generalidade, como na do seu adiamento.

Estas circumstancias obrigam-me a tomar a palavra n'este logar para defender o parecer da commissão.

Tem sido sem duvida circumstancias muito ponderosas, notar-se que o em.mo cardeal patriarcha fora o primeiro a manifestar uma opinião adversa, se não se obtivesse a previa approvação do summo pontifice.

Nota-se mais a preponderância que nos argumentos apresentados exerceram as idéas religiosas, trazendo-se para este campo um objecto, que nunca entre nós foi, nem jamais pôde ser considerado, attenta a sua natureza, senão como meramente temporal.

5. em.a, a quem todos dedicamos muita amisade e veneração, fez sentir a conveniência de se obter a previa approvação pontifícia, para fazer calar os escrúpulos e tranqui-lisar as consciências de uma grande parte dos portuguezes.

Nota-se, finalmente, que entre os dignos pares que vo-tram assim a favor do adiamento, como contra o projecto na siia generalidade, se comprehendem os mais eminentes pelo seu grau de nobreza.

Sr. presidente, eu entendi e entendeu a commissão, que podia desassombradamente entrar na discussão do projecto e dar o seu parecer de conformidade com a sua consciência, sem faltar nem de leve ao respeito em que tem a religião do estado; á crença evangélica em que todos fomos educados; aos deveres em fim para com a igreja catholica apostólica romana, e consequentemente para com o seu cabeça visível na terra, o vigário de Christo.

Sr. presidente, na sessão passada entendeu v. ex.a, por um equivoco, que eu tinha pedido a -palavra sobre a questão de generalidade do projecto.

Talvez desse logar a esse equivoco algum movimento meu por occasião do insulto de que foi acommettido um dos nossos estimáveis collegas; mas a verdade é que estava eu então bem longe de querer tomar com minhas palavras tempo algum á camará.

Era para esta occasião, quando se discutisse este artigo 1.°, que eu me reservava, por considerar a sua matéria a mais importante, como base, e como fundamento essencial do parecer da commissão.

Assim mesmo ter-me-iá aproveitado da palavra que v. ex.a me concedia, so me não constasse que o digno par o sr. conde de Thomar, tencionava pedir a palavra. Ignorava então o sentido em que s. éx.a descorreria; e se assim seria, como relator da commissão, forçado a contestar alguns de seus argumentos.

1 Tive porém, ouvindo o discurso de s. ex.a uma agradável surpreza; pois que n'elle justificou muito melhor do que eu poderia fazer, o projecto na .sua generalidade. S. ex.a comprehendeu perfeitamente qual o espirito que dominou a commissão, tanto no exame que ella fez dá matéria, como

dos fundamentos em que baseou o seu parecer, e da prudência com que, adoptando a proposta vinda da camará dos srs. deputados, consignou disposições que hão de por certo dar á lei muito maior força moral.'

S. ex.a, fazendo assim justiça á commissão, deu-lhe a recompensa que ella manifestou ambicionar na conclusão do seu parecer, e os apoiados que s. ex.a ouviu de todos os lados da camará, bem demonstraram não só o acerto e con-cludencia das suas observações, mas que partilhava a sua apreciação acerca do complexo de disposições que a commissão havia adoptado. '

Sr. presidente, eu não posso deixar de confessar, que á primeira vista não é fácil pronunciar sobre este objecto, sem precedência de algum estudo, e muita reflexão.

Pela minha parte, e até ao momento de se apresentar na commissão o projecto de que se trata, não tenho formado opinião alguma, decididamente favorável. Pelo contrario, sabia que, quando se discutiu este mesmo projecto na camará dos srs. deputados, tinha ali um distincto jurisconsulto e profundo homem d'estado, proferido um remarcavel discurso, combatendo as disposições ali propostas, senão inteiramente quanto ao fim, quanto á forma, e quanto á competência do poder temporal e legislativo; li esse discurso e grande impressão me fez, e graves apprehensões me deixou. Depois, sendo obrigado a estudar a matéria, vacillei; profundei mais esse estudo, e por ultimo resultado concluí ^firmando a minha opinião.

I Um dos primeiros e fundamentaes argumentos que se adduzem contra o projecto da desamortisação decretada é o da violência que se faz ao direito de propriedade das igrejas e mosteiros. Diz-se que esta propriedade é tanto, ou mais, sagrada e inviolável que a garantida aos cidadãos pela carta constitucional. Foi este o principal argumento apresentado aqui pelo digno par o sr. marquez de Vallada.

Prometteu s. ex.a demonstra-lo philosophicamente pela historia, e pelos cânones; porém confesso ingenuamente que s. ex.a não pôde convencer-me, e sobretudo, parece-me que na parte philosophica o seu discurso foi mais que deficiente. E nem isto é para admirar, porque a questão philosophica do direito de propriedade, é uma das que têem sido mais difficeis de fixar, desde que esse direito começou a ser duvidado, a ser contestado.

Antigamente o direito de propriedade era respeitado como um dogma; era seguido e abraçado por todas as nações e um todos os tempos; ninguém o contestava, nem previa que fosse susceptivel de contestação. Mas vieram depois certos philosophos modernos e disseram que o direito de propriedade era uma quimera, que a propriedade não existia, que era um roubo... La propriété c'e«í le vol.

Vieram outros e disseram: o homem não tem direito a ter mais do que lhe for preciso para comer e vestir, o resto é propriedade nacional ou collectiva; e d'aqui o chamado communismo.

Vieram outros e disseram: a propriedade não é um roubo, e também não é commum, nem collectiva, mas é uma creação da lei. Ora, como tudo o que a lei cria pôde ser por ella destruído ou revogado no todo ou em parte, chegava-se ao mesmo fim, já da espoliação, já do communismo.

Vieram outros e disseram: a propriedade não é creação da lei civil, mas dependem essencialmente d'ella as condições da sua existência, os limites, os termos em que ella se pôde erigir e exercer.

Esta doutrina não é mais que um sophisma de reproduc-ção das antecedentes, e que infelizmente ainda que muito em boa fé, é partilhada por muitos espíritos.

Qual será pois a verdadeira doutrina? A ultima palavra da philosophia do direito de propriedade? É a d'a-quelles actualmente dizem que o direito de propriedade é um dos direitos preexistentes, originários e absolutos do homem (apoiaãos); que se,este direito se não manifesta fora das prescripções da lei, é porque fora das sociedades civis não tem protecção; e que é justamente para que elle seja protegido que as sociedades civis existem, e as leis são promulgadas; de tal modo que sempre quando parecem restringir o exercicio de um proprietário, não façam mais que defender o mesmo direiro de outro proprietário, e nunca os conflitos entre os interesses individuaes e os sociaes, pois que sempre que á sociedade carecer da propriedade do cidadão, deve este ser indemnisado.

Mas se o direito de propriedade deve ser assim qualificado, qual é a sua origem?

Diriva-se do direito que o homem tem para existir, e portanto para se apropriar das cousas necessárias á sua existência, assimilhando-as pelo seu trabalho, e gosando dos productos da sua industria, já em seu próprio beneficio, já de outros homens, pelo commercio, ou pela transmissão gratuita, a que mais se conforma com a rasão; por tal forma que o trabalho fique, em ultima analyse, como fundamento, próximo ou remoto, do direito de propriedade.

Mas esta theoriá do" direito de propriedade prende toda na sua demonstração com a dos direitos individuaes do homem preexistentes isto é, com abstracção das sociadades civis, que o tomam como objecto da sua protecção.

Ora as associações ou individuos moraes, só por uma ficção da lei, são equiparadas aos individuos. Têem uma individualidade ou unidade jurídica, e nunca uma individualidade natural, e menos preexistente, e comquanto o direito de associação seja também um dos originários do homem, o facto da mesma associação, não se concebe fora das sociedades civis, e portanto independente das leis.

Ê pois" palpável, torna-se evidente, quanto são diversas as circumstancias, em que se acham as associações, com relação ao direito de propriedade. As associações nasceram depois da sociedade; não existem senão,com,um determinado fim social subordinado á lei civil. E preciso'que a sociedade saiba se os seus fins são legitimos,' necessários ou

úteis á mesma sociedade: e somente depois de assim o reconhecer é que a associação tem o direito de existir (O sr. Marquez de Vallada:—Apoiado) como corpo moral; mas, não o direito de existir como individuo, porque a sua existência tem um fim determinado: não um direito absoluto, mas só relativo a esse mesmo fim; porque os direitos aqui são restritamente meios de o conseguir e mais não pôde fundamentar que os indispensáveis; tendo-os sufficientes, sendo-lhes garantidos pela lei, a sociedade tem satisfeito. Desde que a sociedade auctorisa a existência de certas e determinadas associações é consequência lógica e necessária, que também auctorise os meios necessários de se manter.

E note-se que fallo precisamente das associações que tem por fim um objecto de interesse publico ou publico e particular ao mesmo tempo, porque é somente então que se chamam pessoas moraes, constituidas, e legitimamente auctori-sadas, como corpos de mão morta, e com individualidade jurídica.

Ora se não pôde ser contestado, que depende essencialmente da lei esta individualidade, com relação á existência de taes corpos, forçoso é concluir que da lei depende definir qual seja a sua capacidade jurídica, seus limites e com-prehensão, para que sendo reconhecidas como úteis em rasão do seu fim, se não tornem prejudiciaes, em rasão dos meios de que possam lançar mão.

Esta é a doutrina que pôde demonstrar-se em presença das leis do reino, mas que é conforme aos códigos de outras nações, assim antigos como modernos, e que em nenhum se trata de alterar ou de modificar, e, que entre nós se procura conservar, como se vê do projecto do nosso código civil, artigo correspondente, que forma parte das disposições que estão já impressas do código, como approvadas pela commissão externas, encarregada da sua revisão (leu).

(Durante a leitura, interrupção ãe um oraãor: — Mas isso ainda não é lei do paiz.)

Isto que estou a ler é já lei do paiz porque é o mesmo-que está nas ordenações do reino: e com esta leitura não faço mais que auctorisar a doutrina e os principios expendidos com um argumento de auctoridade, e creio que não é menos respeitável a dos códigos civis, antigos e modernos de outros povos, que a dos jurisconsultos portuguezes, que já adoptaram n'esta parte a mesma doutrina e principios tão universal e constantemente seguidos.

(Continuou a ler.)

Posto isto, mais que sufficiente para justificar desde já as leis do paiz, assim prohibitivas da amortisação, como repressivas d'ella pela desamortisação, cumpre bem fixar idéas sobre a significação das palavras amortisação e desamortisação.

Sr. presidente, nós temos leis de amortisação e de desamortisação desde a origem da monarchia, desde o conde D. Henrique; leis de amortisação que são especiaes, graça do soberano, excepções que provam a regra da prohibição em contrario.

As provas, os documentos, podem os dignos pares ver sem ir mais longe no elucidário de Santa Rosa de Viterbo á palavra amortisação. Lá se encontram as excepções feitas á sé de Braga pelo conde D. Henrique em 1112, por D. Affonso Henriques ao mosteiro de Moncellos em 1131, ao mosteiro de Arouca era 1132, de Lorvão em 1133; depois de pesadas contendas e disputas, em favor da sé de Vizeu pelo mesmo rei; por D. Sancho I á sé de Lamego; e outras amortisações tiveram logar em tempo de D. Sancho II e Affonso II, até que lhes poz termo D. Diniz em 1309." Veiu todavia ainda depois a grande amortisação de D. Affonso V sanecionando as acquisições illegaes, feitas contra as regras da desamortisação, sanecionando-as desde a morte de D. João I até ao-anno de 1447. Agora leis de desarmotisação temos o exemplo na lei de 10 de julho de 1286 de D. Diniz, ordenando que não só fosse suscitada a prohibição de adquirirem as igrejas e mosteiros bens de raiz, mas que vendessem os que possuíssem.

Ha também leis de desamortisação e de amortisação ao mesmo tempo, isto é, leis mixtas, quaes são aquellas que seguindo um meio termo, consentiram que as igrejas e os mosteiros alienassem somente o domínio util, conservanda o directo, e portanto permittindo-lhes a fruição dos respectivos direitos dominicaes. O mesmo decreto de 13 de agosto de 1832, a lei de 22 de junho de 1846, foram leis de desamortisação, emquanto ou extinguiram foros e assim consolidaram o dominio util com. o directo, ou augmentaram o valor do mesmo dominio util pela reducçào dos foros. Contra esta regra tão antiga da desamortisação, não tinham, as excepções de amortisação, como diz Santa Rosa no seu elucidário, um documento positivo de direito pátrio em que-se fundassem, mas unicamente a vontade dos príncipes. Essa regra fundava-se na nossa- maneira de ser politica ou constitutiva das nossas correlações sociaes com os interesses e direitos da familia. Depois de impresso o relatório da commissão, chegou-me ás mãos um excellente manuscripto-em matéria de prasos. Foi-me confiado por um homem, que por excesso de modéstia me pediu que o lesse, para elle saber se mereceria ser impresso. É um excellente tratado de muita erudição e de muito estudo, que tende a demonstrar a necessidade da conservação do nosso direito emphy-teutico, sem se lhe, fazerem grandes alterações no futuro código civih

Já restitui esse manuscripto ao seu auctor, e lhe pedi com-instancia que o publicasse, prevenindo-o de que havia d'elle extrahido alguma instrucção de que havia defazeruso n'esta discussão, ao que teve a bondade de annuir.

Para não me revestir das pennas do pavão, faço esta declaração, e vou ler as palavras a que alludo com a devida licença do auctor.

«A base mais forte da organisação social dos povos do norte consistia no direito de familia, e na conservação delia-

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O código vrisigothico permittiu os testamentos, mas conservou a prohibição da alienação dos bens da família. Este direito de família passou para o nosso direito consuetudinário, e depois para lei de D. Affonso II denominada da avoenga.

«Ninguém podia alienar os bens da avoenga senão aos parentes mais próximos se estes a quizessem.

«Vigorou esta lei no reinado de D. Sancho II, que, concedendo ao mosteiro de Alcobaça o poder herdar lhe impoz a obrigação ãe venãer as herãaães a

« D. Diniz na lei que prohibe succeder os regulares diz: =.que por isso as possessões saíam ãa avoenga e ãa linha oVonãe proceãiam e se alienavam para sempre = »

Ora, é certo que o direito romano do código de Justiniano, no governo de D. João I, foi supplantando o direito wisigothico, em forma que a lei da avoenga foi revogada no titulo 37.° do livro 4.* da ordenação affonsina, mas também é certo que nos nossos costumes e nas nossas leis ficaram muitos vestígios da mesma lei, e que ella lança um grande raio de luz sobre a parte philosophica e histórica das leis repressivas da amortisação.

As igrejas e mosteiros possuindo herdades e bens de raiz não estão nas mesmas circumstancias das famílias, que são as que compõem, que constituem a sociedade; e já se vê que prover sobre este objecto, de interesse vital, de modo que os corpos de mão morta, que não são familias, as não podessem prejudicar pela amortisação dos bens de raiz, necessários para a conservação e subsistência d'ellas, não podia pertencer senão á competência exclusiva do poder civil.

Por isso na ordenação do livro 2.° titulo 1.° § 16.° se lia: « se algumas pessoas ecclesiasticas, igrejas, ou mosteiros adquerirem e houverem alguns bens nos reguengos ou outros alguns que sejam contra nossas leis, ou dos reis nossos antecessores, por qualquer modo que seja, sejam citados e demandados pelos ditos bens perante nossas justiças, e perante ellas responderão».

E note-se por occasião d'esta expressão—bens no reguengos— que uma das primeiras providencias que os nossos reis tinham adoptado para impedir as amortisações a favor dos mosteiros e das igrejas era a prohibição absoluta de possuir terras reguengueiras, que tinham esta qualificação por terem sido originariamente reservadas como património dos reis, natureza que tinha uma grande parte das terras do reino, e se conservava comquanto se achasse possuida pelos cidadãos, no seu pleno domínio, susceptível de transmissão por qualquer titulo.

Eu já disse, e repetirei agora, que a força das nossas leis de desamortisação acha-se até recebida pelos prelados do reino e concordada com a sé de Roma, sendo papa Nicolau IV. Queixavam-se os prelados no tempo de D. Diniz dos aggravamentos que eram feitos a elles e á igreja e mosteiro «por que não somente não quer el-rei que comprem heranças mas que ainda por força lhes occupa as do que de muito tempo a esta parte possuem ».

Eis o texto da concordata a similhante respeito:

«Respondem, consentem os prelados e procuradores de el-rei, que n'esta parte se guarde a lei de D. Affonso seu avô, que é esta».

Sr. presidente, citou-se no relatório da commissão.

Para demonstrar que, alem de ser este o direito antiquis-simo do reino, nos casos de permutação dos bens das igrejas ou mosteiros, não procediam as leis prohibitivas da alienação, em conformidade com os cânones, e até que expressamente se concedia ao principe a faculdade de legislar, foi citado no relatório da commissão o cânon 2.°, causa 10.*, questão 2.*

Disse a commissão que esta disposição, attribuida aos imperadores romanos, Leão e Anthemio, havia sido reconhecida pela igreja, pois que vinha comprehendida nas collec-ções do direito canónico.

Ora esta affirmativa é tão exacta, que esta com outras disposições, comprehendidas no mesmo cânon 2.°, são precedidas e recommendadas como favoráveis e de protecção á igreja:

«Ea enim qua? ad beatíssima? ecclesice jura pertinent, tanquam ipsam sacrosantam ecclesiam, intacta convenit ve-nerabiliter custodiri».

Incorporada esta disposição no decreto de Graciano, prova pelo menos a reserva de auctoridade civil que se encontra no texto de direito romano, como da authentica seã et permutare, e a nenhuma contradicção que ella soffreu da parte das igrejas, e na verdade valia pouco a pena de se pugnar pela subsistência de um direito, quando subrogado por outro maior, melhor ou igual.

Todavia, o sr. marquez de Vallada invocou, e vem citado também na representação de um cabido que ouvi ler, um outro texto que vem nas decretaes do santo padre Gregorio II, no qual se encontra uma disposição análoga, concedendo ao principe a mesma faculdade, diz comtudo que a permutação se realisa ãe communi voluntate, d'onde pretendeu concluir que para tudo se carecia do concurso do summo pontífice.

Ora, em primeiro logar, devo declarar ao digno par que este texto foi presente á commissão (O sr. Visconãe ãe Algés:— Apoiado), e que elle diz quasi pelas mesmas palavras, o que se encontra no decreto de Graciano.

Citou-se este porém com preferencia porque era o appli-cavel ás permutações ordenadas, como se trata no projecto, não por equidade e em proveito particular do principe si causa rationabilis id exposcat, mas por utiliãaãe publica, si res publica hoc exposcit.

A invocação mesmo d'este segundo texto é contraproducente, porque d'esse outro texto se vê que a faculdade concedida ao principe não fica dependendo senão de duas condições:

1. a Que a permutação se verifique por outra cousa maior ou igual;

2. ° Que se promulgue lei especial a esse respeito. Satisfeitos estes dois requisitos a permutação tem força

de contrato e ãe vontaãe commum, assim por parte da igreja, por effeito da disposição permanente do direito canónico, que assim de antemão o permitte ao principe = liceat ei hoc facere=, como por parte do mesmo principe, por effeito da referida promulgação.

Por consequência não ha antinomia, nem diversidade alguma entre os dois textos, a não ser a que fica indicada, de que é mais amplo o texto das decretaes de Gregorio II, comprehendendo os casos ordinários e de simples interesse do principe.

Nem outra intelligencia podia suppor-se a respeito de transacções similhantes, em que a igreja ou mosteiro, nada tinha a perder, e podia lucrar = subrogando por cousa melhor ou igual.

Ora tem de ser esse o resultado da subrogação geral proposta no presente projecto de lei.

E a este respeito fui informado de um facto do qual se conclue que não é sem fundamento esta minha asserção: não sei se o sr. ministro da fazenda tem noticia d'elle.

O facto é o seguinte. O digno prelado da sé do Porto, já fallecido, o sr. Moniz, pretendendo sobrogar uma quinta e casa annexa pertencente á mitra, tudo de pouco valor, tanto que andava arrendada quinta e casa por uns 80$000 réis, solicitou do governo auctorisação para permittir a venda em praça, e conversão do producto em inscripções de assentamento a favor da mitra.

A quinta foi effectivamente á praça e produziu 8:000$000 réis, os quaes convertidos em inscripções deram para a mitra um rendimento cerca de 480$000 réis.

Estas, e somente estas, foram as formalidades do contrato, ou d'essa permutação.

Comtudo também se trouxe para esta questão a carta constitucional, para fundamentar a inviolabilidade do direito de propriedade em relação aos seus bens immobiliarios.

A mesma carta auctorisa a expropriação por utilidade publica, uma vez que se verifique a indemnisação prévia, de modo que a mesma carta justifica o projecto.

Alem de que, como já fica demonstrado, a propriedade da igreja e mosteiros, subordinada ás regras geraes appli-caveis a todas e quaesquer corporações moraes auctorisadas, é uma propriedade não individual, mas circumseripta ao modo e termos que as leis civis determinarem.

A carta constitucional, sr. presidente, falia muito explicita e virtualmente do direito de propriedade'como direito individual; na sua letra não se encontra palavra alguma que se refira ás corporações moraes; mas por isso fica a igreja, ficam as corporações, com quanto auctorisadas, fora da lei?... Não, senhores, e muito menos a igreja. A igreja seria a ultima dos corporações moraes que ficasse fora da lei.

E porque?... Porque pela carta constitucional da monarchia é reconhecida a religião catholica apostólica romana como religião do estado; porque o herdeiro presumptivo da coroa, porque o rei, porque' os dignos pares e os srs. deputados da nação juram manter a religião catholica apostólica romana, c por conseguinte hão de mante-la por todos os meios de protecção moral e temporal de que carecer, para que possa existir, e possam desempenhar os seus ministros as augustas funcções do seu ministério.

Tenho concluido: mas antes de retomar a minha cadeira, permitta-me o digno par, marquez de Vallada, que eu diga algumas palavras em relação aos elogios que s. ex.* teve a bondade de me fazer durante o seu discurso; elles foram tão excessivos que, comquanto não possa deixar de agradecer ao digno par, não pôde este meu agradecimento ser tão rasgado como foram os seus louvores. Eu não sou tão falto de censo commum que nem saiba conhecer-me, nem saiba comparar-me; e por isso posso dizer em consciência que não me considero tal como s. ex.* me descreveu.

Ha comtudo nas palavras de s. ex.a um fundo de verdade, com relação ao trabalho a que me tenho dado toda a minha vida, para bem me habilitar ao desempenho dos meus deveres públicos; mas a este respeito permitta-me o digno par que eu lhe diga, que não fez muito bem em me dar um testemunho publico e tão solemne. Eu acredito mui sinceramente que s. ex.a o fez na melhor boa fé, mas querendo talvez fazer-me um beneficio, fez-me em realidade muito mal, e a si mesmo; porque s. ex.a, sendo um dos nossos collegas em quem todos reconhecem muito talento e estudo, e portanto que manifesta um trabalho constante, ha de supportar as mesmas consequências que supportam n'este paiz todos os homens que dão o péssimo exemplo do amor ao trabalho.

Estas ultimas palavras são agora uma repetição de outras que proferi n'uma occasião solemne, em reunião particular de dignos pares. Foram então enunciadas com alguma acrimonia em presença de ministros da corOa, e desde logo senti os effeitos da minha imprudência, e tive o pre-sentimento de que se havia de aproveitar qualquer ensejo de me causarem muito sérios desgostos. ,

Desengane-se o digno par; não é estudando, não é trabalhando, não é distinguindo-se na tribuna, como s. ex.* deseja distinguir-se, que se pôde bem merecer n'este paiz; assim como não é prodigalisando louvares que se pôde fazer sobresair o mérito; ao contrario, a inveja, desperta-se, re-força-se (O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Apoiado; tem rasão), e assim, sem querer, s. ex.a me fez mais mal do que ibem; dc maneira que se o digno par é para temer quando censura, não é menos de receiar quando elogia.

Fere quando aggride, e não fere menos a quem presta louvores (riso).

(Durante o ãiscurso ão oraãor, entraram na sala os srs. presidente ão conselho e ministro ão reino (Marquez ãe Lou-léjt e ministro ãa marinha (Carlos Bento ãa Silva).

Não havenão quem mais pedisse a palavra, foi posto á votação o artigo 1." com os respectivos §§ e approvado.

Leu-se na mesa o artigo 2.", que ê do teor seguinte:

Art. 2.° Os bens e direitos immobiliarios excluídos da amortisação pelo artigo antecedente e seu § 1.° serão subrogados em favor dos ditos estabelecimentos por outros bens que produzam rendimento liquido maior, melhor ou igual, que o proveniente dos mesmos bens e direitos.

Foi approvaão sem âiscussão.

O sr. Conãe ãe Thomar: — Peço a palavra.

O sr. Presiãente: — Tem a palavra, se é sobre o artigo 3.° que se vae ler.

O sr. Conde de Thomar: — E para apresentar um additamento que. a commissão collocará onde convier, se elle for appravado.

Eu tinha feito um requerimento, que foi approvado pela camará, dirigido ao governo, pedindo uma relação das doações feitas por particulares ás casas religiosas, contendo a clausula de reversão aos doadores ou seus herdeiros, no caso de extineção ou suppressão dos conventos. O governo não satisfez a este pedido, porque naturalmente achou difficuldade em satisfazer, e effectivamente talvez não tivesse todos os eoclareciraentos para tão promptamente responder e satisfazer ao pedido que lhe tinha sido feito; comtudo, na occasião em que eu fallei na generalidade do projecto, enunciei o meu pensamento, e parece-me que a commissão, e geralmente a camará, o tinha bem recebido. Também me pareceu que não podia deixar de acontecer assim, attendendo a que elle contém um principio de justiça, que não pôde de maneira nenhuma ser combatido, e que na minha opinião é conforme ás leis do reino. Espero portanto que a commissão haja de declarar se aceita este meu additamento; e no caso de ser aceito, que a camará haja de o approvar.

Leu-se na mesa, e ê do teor seguinte:

«Não são comprehendidas nas disposições d'estalei as doações feitas por particulares ás corporações religiosas, nas quaes se contém a clausulu de reversão aos doadores ou seus herdeiros, no caso de extineção ou suppressão das mencionadas corporações religiosas.

Camara dos pares, 12 de março de 1861. = Conãe ãe Thomor ».

Proposta á votação a sua aãmissão, assim se resolveu.

O sr. Ferrão:—Parece-me que o additamento proposto pelo digno par deve ser mandado á commissão para o considerar, porque é certo haver alguns casos nas circumstancias que se indicaram, com relação principalmente aos bens dos mosteiros. E innegavel que as doações ou consignações de bens de raiz feitas com a clausula de reversão, não podem, verificado o evento previsto, deixar de se considerar rescindidas, e portanto os bens hão de ser entregues aos legitimos successores ou representantes dos doadores ou instituidores. Assim se tem entendido sempre, e, com quanto seja em presença dos termos e titulos em que se mostrar escripta similhante clausula, que se deve avaliar o direito de qualquer reclamante, parece-me que posso informar a camará de que, sem embargo de não existir uma declaração legal a este respeito, effectivamente têem apparecido algumas reclamações deduzidas perante os tribunaes, aonde, em conformidade com os principios de direito, têem sido decididas a favor dos reclamantes (apoiaãos).

Sei mesmo que o próprio governo, em vista de documentos que provam evidentemente similhante clausula, tem reconhecido administrativamente, sem dependência de litigio, a força resolutoria, mandando entregar os bens respectivos. Portanto poderá reputar-se conveniente, mas não necessário que se inclu* aqui uma disposição sobre a hypothese de que se trata; comtudo a camará resolverá se assim se deve ou não praticar, para se evitarem demandas, e para claramente ficar consignado um direito, que é fundado em principios geraes de justiça, satisfeitos assim todos os escrúpulos e receios, que por ventura alguem tenha a similhante respeito.

O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Eu abundo inteiramente nas idéas do auctor do additamento, e concordo também com o que acaba de dizer o digno par, o sr. Ferrão, tanto mais que sei ter havido algumas fundações de casas religiosas, nas quaes existem algumas obrigações de capellas que estão annexas aos vinculos. Acontece que na minha casa ha uma capella fundada n'um vinculo que eu administro, e que é existente no convento das religiosas dos Cardaes, na qual ha exactamente a clausula de que quando se não cumpram as obrigações, haja reversão. Eu estimava que o sr. ministro da fazenda tivesse satisfeito ao requerimento que n'uma das sessões passadas fez o digno par, o sr. conde de Thomar, porque se os documentos que s. ex.* pediu tivessem vindo para a camará, nós votaríamos então com mais conhecimento de,causa; todavia depois das explicações que deu o digno par o sr. Ferrão, parece-me não haver inconveniente nenhum, mas apesar d'isso quanto mais clara for a lei melhor, para obviar quaesquer difficuldades que no futuro possam por ventura apparecer.

O sr. Visconãe ãe Algés: — Na qualidade de membro da commissão approva o additamento proposto pelo digno par o sr. conde de Thomar.

É verdade que quando não fosse expresso n'esta lei estava comtudo a matéria do referido additamento contida no direito, porque não se revogam n'aquella os principios geraes do mesmo direito, e que são applicaveis no caso presente. Todavia as leis não ficam defeituosas por conterem todas as clarezas e explicações que pelo menos produzem o grande bem de evitar demandas (apoiaãos).

Elle, orador, entende comtudo que em objectos tão graves como a matéria d'esta lei, qualquer emenda ou addi-

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tamento que se apresente pôde trazer comsigo a necessidade de mais desenvolvimento do que parece á primeira vista sobre o que no momento se offerece.

Por este motivo propunha ao digno par e pedia á camará que o additamento fosse remettido á commissão, sem impedir o andamento do projecto em discussão, porque talvez algumas provisões ali se podem lembrar, que devem esta-belecer-se na lei.

Desde já indicava uma.

Em consequência da doutrina do projecto e additamento, as doações feitas ás corporações com a clausula de reversão têem de passar para os doadores, se ainda existirem, ou em falta d'elles aos herdeiros. Isto é corrente, pois que tomam conta dos bens que lhes ficam livres em virtude d'a-quella clausula.

Pôde porém acontecer que não haja herdeiros dos doadores, nesse caso é evidente que esses bens revertem para o estado; mas não como receita geral, porque, segundo o espirito geral d'esta lei, deve ser applicada como se prescreve no artigo 11.°

Alem d'esta, outras hypotheses ou provisões podem lembrar; e por isso torna-se indispensável ir o additamento á commissão para o considerar; assegurando elle, orador, ao digno par e á camará, que a commissão dará o seu parecer muito a tempo, e sem prejuizo do prompto andamento do projecto (apoiados).

O sr. Conde de Thomar:—Como auctor do additamento não me opponho a que elle vá á commissão, porque tenho interesse em que este negocio se esclareça, mesmo porque é natural que na commissão lembrem outras hypotheses. ,N'estes termos rogo a v. ex.a assim o proponha á camará.

O sr. Presidente:—Tem a palavra o digno par o sr. visconde de Balsemão. • ,

O sr. Visconde de Balsemão:—Eu cedo da palavra porque a pedi para dizer o mesmo que acaba de observar o digno par o sr. conde de Thomar.

Approvou-se que o additamento ão sr. conãe ãe Thomar fosse á commissão, sem prejuizo ãa continuação ãa ãiscus-- são ã'este projecto.

Seguiu-se o artigo 3.", concebião nos segiuntes termos:

Art. 3.° É conservada ás mesmas igrejas e corporações religiosas a posse e administração dos bens desamortisados, até que se verifique a respectiva subrogação, por virtude e nos termos d'esta lei.

§ 1.° Emquanto esta subrogação se não ultimar, as igrejas e corporações religiosas serão auxiliadas na cobrança executiva dos foros e mais direitos dominicaes, de que trata o artigo 1.°, § 1.°, pelos agentes do ministério publico, equiparada em tudo o que se acha prescripto nas leis e regulamentos fiscaes, a respeito de taes rendimentos do thesouro publico.

§ 2.° De futuro nenhuma posse administrativa ou judicial lhes poderá ser conferida nem reconhecida, sobre novas acquisieões ou direitos prediaes, nem oNdireito á mesma posse, síalvo, nos termos d'esta lei, o direito de subrogação, a qual poderão requerer judicialmente.

Não havenão quem pedisse a palavra foi proposto á votação e approvado.

Leu-se o artigo 4." do teor seguinte:

Art. 4.* As igrejas e corporações religiosas gosam de individualidade jurídica, e poderão exercer, nos termos da lei commum, todos os direitos civis, relativos aos interesses legítimos do seu instituto.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presiãente: — Vae passar-se ao artigo 5.°

Leu-se na mesa, e é ão teor seguinte:

Artigo 5.° São para os effeitos- d'estalei, comprehendidos na denominação de igrejas e corporações religiosas, os conventos de religiosas existentes, ou que de futuro existirem, as mitras, cabidos, collegiadas, seminários e as suas fabricas.

O sr. Visconãe ãe Gouveia: — Eu pedi a palavra com o fim de fazer um additamento a este artigo.

Sr. presidente, o erudito parecer da commissão sobre o projecto de lei que actualmente se discute, está também elaborado que tira todas as duvidas sobre a differenteIntelligencia que porventura poderia dar-se a cada um dos artigos do projecto, e esclarece por tal forma a matéria, que tornou desnecessária a palavra e a discussão aquelles que o apoiavam: parece-me todavia que em harmonia com o pensamento da commissão poderia ampliar-se um pouco mais este artigo, e é esse o intuito do meu additamento.

Eu entendo, sr. presidente, que a desamortisação deve ser de futuro extensiva ás misericórdias, hospitaes municipalidades e a todos os estabelecimentos e corporações que possuem bens de raiz. Não é porém occasião de insistir agora por isso. Convenho em sacrificar esta justa amplitude por emquanto ás vantagens de não demorar a approvação d'esta lei, que ha de ser um profícuo ensaio, o qual pelos seus resultados deve tirar todas as duvidas aos que receiam qualquer passo_ tio caminho das reformas e do progresso. E esta sem duvida uma das_ medidas 'mais importantes que têem vindo íiopariamento. É mister não lhe pormos embaraços. É mister não adiar uma 'experiência, tão urgentemente reclamada 'pela opinião publica para a 'boa administração dos estabelecimentos religiosos, para a melhor economia do paiz, e para o melhoramento do nosso estado financeiro (apoiados).

Parece-me todavia que não obstante estas considerações poderíamos desde já estender aos bens das parochias esta medida, se n'isso concordar a commissão e o governo. Mando portanto para a mesa um additamento n'este sentido.

Ora, como no projecto se falia também nas collegiadas, não sei se foi da mente da commissão o estender ás irmandades e confrarias a disposição d'este artigo? Creio que não foi porque são cousas diversas. Porém a analogia é tal que

nem parece ser lógico o additar as paiavras=irmandades e confrarias=ao artigo em questão.

Desejava porém ouvir a commissão e o governo sobre esta segunda parte, para saber se concordam com o meu pensamento: no entanto como a respeito da primeira não deve haver duvida, vou mandar para a mesa o additamento que annunciei.

Leu-se na mesa o aããitamento, concebido nos seguintes termos:

«Proponho que á palavras seminários=se acrescente= parochias. = Visconde de Gouveia.

Approvou-se que fosse aãmittião á ãiscussão. O sr. Ferrão: — Estou profundamente convencido da im-mensa utilidade que deve resultar para as corporações religiosas existentes, ou que de futuro existerem, assim como para o melhoramento da dotação do clero e manutenção do culto, se o presente projecto for lei do estado; consequentemente não teria, pela minha parte, duvida alguma em ampliar ás parochias a mesma disposição, o mesmo beneficio, e nem vejo uma rasão plausível para que as collegiadas sejam comprehendidas e sejam excluidas as parochias; comtudo é certo que maiores ampliações podem ter logar, e que de futuro se ha de tratar de outras desamortisações ou conservação de amortisação, assim em relação a camarás municipaes, como a misericórdias, hospitaes, estabelecimentos de beneficência, etc.

Parece pois que faremos melhor envnão tratar por agora d'este [ponto, indo-se alem da proposta do governo, e do que vem comprehendido no projecto vindo da outra camará. (O sr. Ministro ãa Fazenda: — Apoiado.) Haverá por ventura alguma duvida de circumstancias a considerar a respeito de cada uma das outras pessoas moraes ou corporações de mão morta; e parece que não é por um modo accidental, tratando-se d'este prajecto, que nós as podemos bem avaliar.

De resto, pensando eu que a faculdade da subrogação, segundo os principios que tenho estabelecido, está auctori-sada nas leis do reino e que as parochias podem com auctorisação do governo fazer esta conversão, lhe fica esta sempre salva como facultativa, sem que vá expressa n'esta lei. Parece-me portanto que nada se perde em não considerar agora este negocio com mais amplitude (apoiados).

O governo por certo, ou por identidade de rasão, ou pelo que se acha^disposto nas leis do reino, tomará este objecto na consideração que melhor lhe parecer.

Em conclusão, pela minha parte não teria duvida em inserir o additamento, mas pelo que tenho expendido parece-me melhor que essa espécie fique ainda reservada (ipoiaãos).

O sr. Ministro ãa Fazenda (Avila):—Eu queria dizer exactamente o mesmo que disse o digno par o sr. Ferrão. O governo reconhece a conveniência da desamortisação de todas as propriedades e corpos de 'mão-morta; assim, as vantagens que sustentamos que hão de vir da desamortisação para os conventos e corporações de que trata o artigo 5.° d'este projecto, são igualmente applicaveis a todas essas outras corporações de que se tem fallado n'este momento; mas a verdade é que isto que se discute agora é uma medida grave e importante, que não pôde deixar de provocar mais ou menos alguma resistência, e mesmo por isso o governo entendeu que a providencia que se estabelece aqui não devia ser agora mais extensiva, na esperança comtudo de que a experiência que se vae fazer ha de justificar a mesma medida de tal forma, que todas essas outras corporações que não são agora incluídas, hão de depois vir ellas mesmas pedir que se lhes applique igual providencia (apoiados).

Peço portanto ao digno par o sr. visconde de Gouveia, que deixe passar a lei em relação aos estabelecimentos que ella comprehende, na certeza de que o governo deseja alargar esta medida, não só em relação ás parochias como s. ex.a propõe, mas ainda mesmo para ás, confrarias, hospitaes, misericórdias e todos os mais estabelecimentos ou corporações similhantes, na esperança de que por este modo se tirarão grandes vantagens successivamente, em próprio interesse de todas essas corporações.

Mas, para que o digno par não insista agora no seu additamento, parece-me que ainda ha uma outra rasão, e é a de que por virtude d'este projecto de lei, conforme está concebido, já vae entrar na circulação uma grande'massa de propriedade (apoiados), portanto, mesmo por esse lado, parece que convém antes deixar para mais tarde o >que se faria agora com menos 'proveito e

O sr. Visconde de Gouveia:-— Quando eu apresentei o meu additamento não tinha a menor idéa de prejudicar o andamento do projecto; desejava somente ouvir as explicações do digno relator da commissão e do sr. ministro da fazenda (apoiaãos). Não tenho pois que insistir, e muito menos compromettendo-se s. ex.a, como acaba de dizer, a apresentar um projecto no sentido amplo das idéas que eu ex-puz, depois que o actual tenha sido convertido em lei, e que a experiência mostre os seus bons resultados. Eu quando fallei na extensão da desamortisação a differentes corporações, reconheci também que esta providencia não podia agora tornar-se extensiva a todas ellas; todavia pare-ceu-me conveniente fallar já d'aquellas espécies, que estão no mesmo caso das collegiadas, como muito bem disse o digno relator. As confrarias e irmandades por via de regra são corporações que andam mal administradas, que não têem cartórios e escripturação regular, que estão sujeitas aos caprichos e insciencia de administradores ás vezes rústicos, ou interessados, e sujeitas mesmo a delapidações, a alienações extra legaes.

E entretanto, sr. presidente, a tudo isto é quasi impossivel obstar, não sendo por este meio da desamortisação que torna a administração dos bens de tal" maneira simples que fica ao alcance e conhecimento de todos. Á vista porém das explicações do nobre ministro, tendo eu também ardentes desejos de que o projecto passe como ensaio para se estender e ampliar mais tarde, até onde se veja que é util faze-lo, peço licença para retirar o meu additamento.

O sr. Presiãente:—Visto ter entrado em discussão o additamento, vou consultar a camará.

A camará annuiu a que se retirasse o additamento. Pasto á votação o artigo 5.°, foi approvado. Leu-se na mesa o artigo 6°, que t do teor seguinte: Art. 6.* E auctorisado o governo a permittir a remissão dos foros, censos e pensões com os respectivos direitos dominicaes, pertencentes aos designados estabelecimentos, se os possuidores dos bens onerados lh'o requererem dentro do praso de um anno, contado da publicação d'esta lei; e bem assim a mandar proceder á venda dos ditos foros, censos ¦ou pensões com os respectivos direitos dominicaes, que não forem remidos no praso legal, e de todos os prédios rústicos e urbanos pertencentes aos mesmos estabelecimentos, excepto os mencionados em o n.° 1." § 2.° do artigo 1.°

§ único. São comprehendidos, em casos de venda de foros, censos ou pensões, nos direitos dominicaes respectivos, os de que as igrejas ou os conventos existentes se achavam interdictas por virtude das leis prohibitivas da amortisação.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

Seguiu-se o artigo 7.°, concebido n'estes termos: Artigo 7.° O preço da remissão dos foros, censos ou pensões, com os seus 'direitos dominicaes respectivos, nos termos do § único do artigo antecedente, será a importância de vinte foros, censos ou pensões annuaes, depois de convertidos a dinheiro, na conformidade da lei de 22 de junho de 1846, e um laudemio, se for devido; ou a importância de vinte vezes a parte do foro, censo ou pensão 'que se quizer remir, e, nos mesmos termos, o correspondente laudemio, paga em titulos de divida fundada pelo valor do mercado.

§ único. Os minimos serão pagos a dinheiro. O sr. Pereira de Magalhães: — Eu assignei vencido em parte o projecto que apresentou a commissão, e é chegado o momento de explicar em que consiste -a minha discrepância. Diz o artigo 7.9 (leu-o).

Ponderei eu na commissão, sr. presidente, que esta clausula de pagar-se o laudemio pela remissão do dominio directo, era contra a natureza e indole da emphyteuse, e absolutamente contrario ao direito emphyteutico e prejudicia-lissimo aos direitos dominicaes das corporações ecclesiasti-cas, directas senhoras. É da natureza emphyteutica que se pague b laudemio quando se aliena o dominio util, mas o directo senhor não tem direito a laudemio quando aliena o dominio directo, que é a hypothese do projecto. O direito de haver o laudemio é em compensação do direito deopção, de que pôde usar ou não usar quando se lhe pede licença para a alienação do dominio util; se não usar d'esse direito de opção tem direito ao laudemio; se usa d'elle não recebe laudemio. E este o direito na alienação-de dominio 'util; quando porém se aliena o dominio directo, o directo senhor não tem direito a receber laudemio.

Agora acho também que esta clausula de fc pagar ílau-demio pela remissão, é prejudicialissimo ás corporações ec-clesiasticas directas senhoras, porque, com a obrigação de pagar laudemio, poucos serão os emphyteutas que queiram remir; vinte foros e um laudemio do valor da propriedade^ é um preço elevadíssimo; eu pelo menos declaro que se tivesse alguma remissão a fazer, hei de considerar muito primeiramente a conveniência e a desconveniencia que delia me pode provir. Agora o que vejo desde já -é que as corporações directas senhoras vão pelas remissões duplicar os rendimentos, e multiplica-los em muitos casos, recebendo, alem das vinte pensões, um laudemio; quando é certo que o bom administrador pôde, comprando inscripções com a importância da remissão, e guardando-as, duplicar para si próprio esse rendimento que havia de dar ao senhor directo; porque os juros das inscripções dão para pagar o foro e para o forciro aproveitar outro tanto. Sinto portanto que d'esta camará saia um projecto, que com esta clausula transtorna a indole e natureza da emphyteuse, e prejudica em vez de favorecer as remissões.

Sr. presidente, depois de eu'ter assignado o projecto of-ferecido pela commissão, isto é, depois de ver o-parecer impresso, achei n'elle uma expressão, que não tinha visto, ou em que não havia reparado quando o assignei. A expressão a que me refiro é esta: «E um laudemio se for devido». Isto é um absurdo, porque destroe o direito que se quer dar ao senhor directo, de haver um laudemio: o floreiro requer a remissão; diz o que representa o dominio directo: «Pague o laudemio, ou conceda a remissão'pagando o laudemio». Mas que succede, ou que pôde succeder? Pôde succeder que o foreiro diga: «Não pago laudemio, por que a lei dispõe que se pague se for devido». E eu não devo, nem pelo contrato emphyteutico; porque effectivamente não ha contrato nenhum emphyteutico que tenha estipulado, que se pague laudemio na alienação ou remissão do dominio directo; nem pela lei, porque a lei fundamental a este respeito é a ordenação livro 4.° titulo 38.°, onde não ha provisão alguma para se pagar o laudemio na remissão do dominio directo.

N'esta lei estão regulados todos os direitos e obrigações do directo senhor, e do emphyteuta no caso de alienação do dominio util, se este dominio é alienado por titulo lucrativo, o directo senhor tem direito ao laudemio, porque tendo o direito de optar não optou; se é por titulo gratuito, como é o dote ou doação, não tem direito ao laudemio, porque

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não tem direito de optar, e também não tem direito ao laudemio quando consolida o domínio util com o directo, ou seja pela, opção, eu pelo commisso. Em quanto á alienação do domínio, directo ou seja pela remissão, ou pela troca, ou pela venda, nem ardenação livro 4.* titulo 38.° nem lei alguma dá> direito ao senhorio de haver laudemio. Portanto as palavras ae for devido, destroem o direito que se quer estabelecer de se pagar um laudemio nas remissões, 01 qual é eontrario á Índole e natureza da emphyteuse, e a todo o direito emphyteutico.

Sinto pea;1tanto sr. presidente, que a commissão-não assentisse a. esta» observações que propuz no seio d'ella, e sentirei muito que d'esta. camará saia um projecto de lei approvado- eoni um absurdo, que vae dar causa a muitas questões e a.demandas, e se não a impedir totalmente, pelo menos adeficultar as remissões porque certamente se lhes não. admittem, remissões sem pagar 01 laudemio como diz a lei,, e-o*s foneiros firmados nas palavras se for devido, op-poir-se-hão com o contrato e com a citada ordenação. Eu não mando, para a mesa emenda alguma, faço só estas obser-vaçõs, porque não quero ficar responsável por uma disposição quo tenho contraria á natureza e indole do direito emphyteutico, e prejudicial ás remissões, e declaro que rejeito ¦esta parte do artigo.

O sr. Ferrão:—O digno par e membro da commissão, apresentou perante ella estas mesmas considerações, mas confesso que não pude convencer-me da sua procedência; poeque não se trata aqui de um modo convencional de alienação do dominio directo, para se poder então concluir, que são offendidos os mais óbvios principios de direito emphyteutico, segundo o que só é devido o laudemio, quando se verifica a alienação do dominio ultiL

O que se trata, sr. presidente, é de avaliar para as igrejas, e para os mais estabelecimentos a que se refere a lei, este direito de propridade, e de estabelecer o preço que devemos- converter em inscripções para que esta propridade seja reputada senão em maior pelo menos em igual valor (apoiados.) *'

Porque sr. presidente, com quanto para firmar a competência d'esta camará sobre o objecto de que se trata, eu demonstrasse que o direito de propriedade d'estes estabelecimentos não tem a mesma força que o direito de propriedade individual, a restricção reduz-se á negação da posse de bens de raiz, mas não ao direito de propriedade em si mesmo, sobre quaesquer bens immobiliarios, ou mobiliários, cujo direito deve ser respeitado e mantido em favor dos mesmos estabelecimentos.

Quando se tratou da reedificação d'esta capital, e de in-demnisar os senhorios directos das expropriações que então se fizeram, prescreveu o legislador que elles fossem indem-nisados não só com a importância de vinte pensões mas com a de tres laudemios.

Ora, aqui trata-se também, para o fim da desamortisação, de uma expropriação a estes estabelecimentos, fundada em utilidade publica, e então, nos termos da carta constitucional, não deve ter logar senão com previa indemnisação, e quando esta seja igual ou equivalente, pelo meijps, aquillo que expropriamos (apoiados).

Como é que se avaliam os bens que têem de ser expropriados, quando tem de ser indemnisado o dominio directo ? Está determinado na lei; faz-se essa avaliação em relação aosdireitos do senhorio directo, e quaes são os seus direitos?

É só o de perceber o cânon? Não senhor, porque o directo senhorio tem o direito de opção e o direito de laudemio, e de ordinário os pequenos foros têem grandes laudemios (apoiados); porque quanto menor for o foro mais cresce o valor do dominio util (apoiados).

Eis porque em taes casos se tem reputado que é necessário, que é de justiça, dar-se uma satisfação, uma cousa qualquer em indemnisação d'este direito eventual.

Eventualidades são estas que têem um valor real, pois que uma casa, cujo rendimento consiste em pequenos, mas muitos foros, tem grande probabilidade de receber de quando em quando um avultado laudemio, em consequência das transmissões onerosas, que segundo observações feitas, se podem calcular, que devem ter logar uma por cada prédio, no termo médio de quinze em quinze annos.

Portanto o acrescentamento de um laudemio não é nem injusto nem excessivo, e tanto que o alvará da 6 de março de 1769 estabeleceu o precedente de tres laudemios em casos de expropriação.

No decreto de 13 de abril de 1834, artigo 1.°, se estabeleceu a regra de um só laudemio; e na carta de lei de 7 de abril de 1838, artigo 4.°, se permittiu a reducção a metade do mesmo laudemio.

Isto confirma a justiça com que sempre foi, como devia ser, tomado em contemplação, o direito eventual, mas importante, do laudemio, e note-se que se tratava de remissão de foros e direitos dominicaes, em que a fazenda podia perdoar, porque perdoava do seu. Mas nós aqui não podemos, nem queremos legislar, como se taes direitos já estivessem incorporadoa nos próprios nacionaes.

Não é já pequeno beneficio dar aos emphyteutas, e só por equidade, o direito da remissão, porque também o não tinham, nem por consequência o de serem dispensados da concorrência em hasta publica.

Estou persuadido que os emphyteutas hão de achar diffi-culdadesi para se aproveitar da remissão, com quanto se lhes conceda o praso de um anno, mas a, commissão não-podia ir mais longe do que foi para respeitar o direito de propriedade das pessoas moraes de que se trata.

E esta pois, a, justiça, os precedentes legislativos sobre a questão do laudemio na avaliação dos dominiosp directos.

As regras sobre taes avaliações acham-se prescriptas e formuladas com exemplos nas instrucções de 31 de maio de 1838. Avalia-se o prédio como livre, deduzem-se des-

pezas de conservação, de, fabrico, de administração e de impostos até encontrar o rendimento liquido; multiplica-se esse rendimento por vinte annos, e aqui temos o valor do prédio como livre. Encontrado este valor tiram-se vinte annos de foros ou pensões, e diminue-se um laudemio, de sorte que o dominio util fica somente salvo na parte que fica liquida das deducções feitas» em consideração do dominio di* recto, ou seja com relação aos direitos annuaes, certos, rou aos direitos eventuaes nos casos de compra e venda. E o que está nas instrucções de 1838, e por consequência a commissão não podia de modo nenhum adoptar as idéas do digno par, comquanto seja exactíssima que o emphy-teuta tem a tratar com o senhorio da remissão ou compra voluntária i o senhor directo então dirá o preço que quer por ella;, mas quando a remissão lhe é imposta pela, lei; quando se trata de avaliar o dominio directo segundo as regras de direito em vigor; quando o laudemio não representa mais que a compensação e extineção perpetua de um direito eventual; quando assim já vem proposto da camará dos srs. deputados e se acha determinado em leis anteriores; a commissão não podia deixar de admittir o acrescentamento do laudemio (apoiados). v

Agora quanto ás palavras=se for devido=eu devo dar uma explicação.

Pareceu á commissão que havia um defeito de redacção n'esta exigência do laudemio, porque tratando-se não só da remissão de pensões emphyteuticas, mas também de censos ou qualquer outra pensão ou prestação predial, como são os quinhões de rendas no Alemtejo, o laudemio não é devido, por isso áquellas palavras são restrictivas da disposição da lei aos casos em que a pensão a remir tenha uma natureza emphyteutica.

O sr. Visconãe ãe Gouveia:—Sr. presidente, no projecto originário que veiu da camará dos srs. deputados, vejo uma disposição que não passou para este projecto, e é a seguinte:

«O laudemio de todos os bens emphyteuticos a que se refere este artigo fica reduzido á quarentena em todos os casos em que outro maior fosse devido».

Pareciame esta disposição de grande vantagem, muito mais porque ha, especialmente nas províncias do norte, laudemios excessivos, e um sem numero de contratos de emphyteuse.

Ha, n'estas províncias a que me referi, muitos prasos, cujos laudemios são de 5 para 1 e de 3 para 1. Parece-me que a reducção de laudemios á quarentena facilitaria a execução desta lei; todavia não faço additamento algum a este artigo, renovando esta parte do projecto vindo da outra camará, sem ouvir a commissão e o sr. ministro, porque pôde haver fundamentado motivo para excluir esta determinação, que me parece tão profícua.

O sr. Visconãe ãe Balsemão: — Sr. presidente, eu sinto infinito não poder concordar com as idéas do digno par o sr. visconde de Gouveia, e todos sabem que os prasos emphyteuticos feitos pelas corporações religiosas, assim como muitos prasos feitos pelas casas particulares, reputavam-se uma grande vantagem para o emphyteuta, que não tendo meios para comprar, podia comtudo cultivar, lucrando elle e o directo senhor; e porque ha prasos que têem um foro insignificante, como eu possuo alguns de um ovo, de um quarto de gallinha, etc., que a única vantagem que tem o senhorio é o laudemio.

Por consequência, seria uma grande injustiça ir agora dar ao foreiro o direito de pagar, por exemplo, vinte ovos, e dizer ao proprietário—-vós perdeis agora o vosso direito, quando destes a vossa propriedade quasi de graça. Nós o que queremos, sr. presidente, não é tirar o direito de propriedade, mas muda-lo a beneficio do paiz, e por isso devemos manter illeso o direito de propriedade que as corporações religiosas tenham aos seus bens, e por isso não me posso conformar de maneira nenhuma com o desejo do meu illustre collega e amigo.

O sr. F. P. ãe Magalhães: — Sr. presidente, a resposta dada pelo digno par o sr. Ferrão ao que eu expendi, pôde dividir-se em duas portes; a primeira é relativa ao modo porque se fazem as avaliações dos bens emphytheuticados; a segunda ó relativa ao maior valor que se quer dar ao. dominio directo.

Emquanto á primeira parte não ha duvida nenhuma que é exacto quanto ponderou o digno par, mas nós aqui não tratámos de avaliar, tratamos de alienar o dominio directo pela sobrogação, que é uma das espécies da alienação, e por este motivo ficam em todo o seu vigor as minhas observações.

Em relação á segunda parte do discurso de s. ex.a, entendo agora pelo que expendeu o digno par, que o fim d'estas disposições do projecto é dar maior valor ao dominio directo que se quer sobrogar, mas para isso ha um remédio muito bom e legal, e que não offendia a lei, que vem a ser em logar de se taxar o preço em vinte pensões taxar-se em trinta ou quarenta.

' Em quanto ás leis que se fizeram no tempo da reedificação de Lisboa não podem ser applicadas a este caso, porque é muito differente.

O que é verdade, sr. presidente, o que se não pôde contestar, é que as nossas leis não trazem um só caso em que se pague ao directo senhor laudemio, quando elle aliena o dominio directo.

O sr. Ferrão:—Sr. presidente^ quando o senhorio directo aliena o dominio util, vende pelo preço que convenciona com o seu emphyteuta (apoiaãos), vende pelo preço que pede, ou em que livremente concorda; mas, quando se trata por motivo de utilidade publica de uma alienação obrigada, ha de fazer-se esta segundo as regras prescriptas nas leis.

A lei arbitra aqui o preço quanto ao direito das pensões

em vinte das mesmas pensões; e a rasão é, porque 5 por cento multiplicados por vinte annos dá a importância do capital correspondente; mas quanto ao capital dos laudemios como se ha de avaliar?

Arbitra-se aqui um laudemio. E um modo de avaliar o direito eventual, que se quer indemnisar.

E isto era indispensável, era de rigoroso dever; pois que se se quer indemnisar as igrejas e as corporações religiosas, dando-se-lhes uma cousa igual á que possuem; e é bem de ver que não se lhe dá igual, se se lhes dá só em relação aos foros, porque tinham mais alguma cousa que eram os laudemios (apoiaãos).

Agora, pelo que respeita ao outro artigo que a commissão emendou, devo dizer que tendo muito em conta todas as reclamações, muitas das quaes tenho recebido pelo correio, para que conservasse a reducção á quarentena, sinto muito que a commissão não podesse aceitar a disposição que veiu da camará dos srs. deputados. A commissão viu n'ella mais que uma disposição de mera equidade; viu que iria ferir o direito de propriedade e os respectivos contratos; porque os laudemios, conforme a ordenação do reino, já estão fixados na quarentena, resalvados comtudo os casos em que outro maior ou menor fosse estipulado; e é de presumir que os prédios que não podem com um grande laudemio se tem um grande foro, foram onerados com maior laudemio em contemplação do pequeno foro.

Pareceu portanto á commissão que devia deixar as cousas no pé em existem, em conformidade com os respectivos contratos.

Quanto ás expressões =se for devido =, já dei a explicação ; mas pôde á idéa dar-se uma outra redacção que a torne mais clara, no que a commissão não duvida concordar.

O sr. Visconãe ãe Gouveia: — Vejo pelos esclarecimentos que acaba de dar o digno par relator da commissão, que a mente d'ella não adoptando o artigo que veiu no projecto da outra camará, era para levar a toda a amplitude o direito de propriedade. Eu também sou respeitador do direito de propriedade. E comquanto eu não me referisse aos contratos entre particulares, como me parece suppoz o digno par, o sr. visconde de Balsemão, e sobre os contratos ou os estabelecimentos de que falia o projecto, o direito de propriedade assenta em outras bases, e rege-se por diversas regras; assim mesmo não farei questão d'esta matéria. Devo porém notar que não é verdadeira completamente a asserção que.se apresenta sobre esses laudemios de tres por um etc.

Esses laudemios não são somente privativos dos contratos emphyteuticos, cujo foro ou pensão fosse ténue, e diminutíssimo, não são somente privativos dos antigos prasos, feitos em tempo em que a grande porção de terrenos incultos, e em que a falta de braços obrigava os proprietários e as corporações a facilitar estes contratos. Esses laudemios excessivos, e que constituem uma verdadeira lesão, estão sendo estipulados hoje mesmo, não só nas renovações dos prasos, mas em contratos novos; e quando o foro não é diminuto, mas igual á renda, e calculado muitas vezes em 5 por cento do valor da propriedade.

Essa disposição, portanto, que veiu no projecto da outra camará, se não pôde conformar-se completamente com os principios mais estrictos do direito de propriedade, todavia conformase mais com os principios de equidade e de justiça. E como eu já notei, as regras da propriedade, com relação a estes estabelecimentos, tem modificações importantes. Sinto que não se adopte um principio, cuja justiça pôde sustentar-se em face do direito, e que facilitaria in-calculavelmente a desamortisação dos bens, e a remissão dos foros.

Entretanto, esta matéria daria logar a uma grande discussão, e eu não quero empecer o andamento do projecto, cuja utilidade e cujos resultados hão de ser reconhecidos por todos; não mando portanto para a mesa additamento algum, e dou-me por completamente esclarecido com as explicações que acaba de dar o digno relator da commissão.

O sr. Visconãe ãe Algés: — Como alguns dignos pares têem apresentado duvidas sobre a redacção d'este artigo, em relação ás palavras = laudemio que for devido =, ainda que o digno relator da commissão tenha já explicado qual seja a verdadeira intelligencia d'estas palavras, comtudo, a commissão não tem duvida nenhuma de redigir o artigo, de modo que desappareçam estas ambiguidades (apoiaãos).

O sr. Presiãente:—Não ha quem mais peça a palavra, vou pôr a votos o artigo 7.° salva a redacção.

Leram-se na mesa os seguintes artigos que foram appro-vaãos sem âiscussão:

Art. 8.° O preço da arrematação de foros, censos ou pensões, com os seus respectivos direitos dominicaes, que não forem remidos, e bem assim dos prédios rústicos e urbanos, será também pago em titulos de divida fundada pelo preço do mercado, e aceitado se for sufficiente para a subrogação qualifiacada no artigo 2.° da presente lei.

§ único. Os minimos também serão pagos a dinheiro.

Art. 9.° Os capitães mutuados pelos estabelecimentos a que se refere o artigo 4.°, que forem recebidos depois da publicação da presente lei, e bem assim os minimos em dinheiro pelas remissões ou arrematações na forma dos §§ únicos dos artigos antecedentes, serão applicados immedia-tamente á compra no mercado de titulos de divida fundada.

§ único. Deverão comtudo preferir a esta conversão as, applicações que forem de urgência, para reparos dos templos e suas dependências, e bem assim das casas e mais edifícios exceptuados da desamortisação pelo n.° 1.° § 2.° do artigo 1.°, intervindo informação do respectivo prelado diocesano e auctorisação do governo.

Art. 10.* Todos os titulos de divida fundada, recebidos ou convertidos nos termos d'esta lei, serão logo pela junta

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do credito publico averbados a favor dos estabelecimentos a que pertencerem os bens pelos quaes tiverem sido subrogados, com a clausula de ficarem sujeitos á satisfação dos legados ou encargos pios com que os ditos bens possam estar onerados.

§ único. Serão previamente convertidos pela mesma junta do credito publico em titulos de divida publica interna de assentamento os que não forem d'esta espécie.

Seguiu-se a leitura ão artigo ll.9, concebião nos seguintes termos: •

Art. 11.° Todos os bens que, nos termos d'esta lei, con stituirem propriedade ou dotação de algum convento que for supprimido, na conformidade dos cânones, serão exclu sivamente applicados á manutenção de outros estabeleci mentos de piedade ou instrucção, e á sustentação do culto e clero.

§ 1.° Uma lei especial regulará esta applicação.

§ 2.° Será comtudo encargo especial, e como tal dedu zido dos respectivos rendimentos, a côngrua sustentação das religiosas que houverem professado nos conventos suppri midos ou n'elles se acharem ao tempo da suppressão, con tinuem ou não a residir em clausura.

§ 3.° As religiosas dos conventos supprimidos poderão livremente dispor do pecúlio que tiverem, e serão indem-nisadas das bemfeitorias ou construcções annexas que, para seu uso ou fruição particular, tenham feito praticar dentro das respectivas cercas, no valor que tiverem as mesmas bemfeitorias ou construcções ao tempo em que esta indem nisação for requerida.

O sr. Conãe ãe Thomar: — Sr. presidente, por este arti go regula-se a applicação que devem ter os bens de que se falia n'esta lei, e diz-se no § 1.° que uma lei especial regulará esta applicação. Já se tem notado que é essa uma medida complementar, e por isso absolutamente indispen sável. Desejava pois saber se o governo tem algum traba lho feito a este respeito, e quando tenciona apresenta-lo?

O sr. Ministro ãa Fazenãa: — Já foi apresentado na camará dos srs. deputados um projecto em relação á dotação do culto e clero, que é uma parte da applicação d'estes ren dimentos.

O sr. Conãe ãe Thomar: — Pois já n'essa lei se contava com a approvação d'este projecto?

O sr. Ministro ãa Fazenda: — Hypotheticamente.

O sr. Presidente:—Não ha mais quem tenha a palavra, portanto vou pôr á votação o artigo 11.*

-Foi approvado. *

Leram-se na mesa os seguintes artigos, que foram approvados sem discussão:

Art. 12.° E auctorisado o governo a regular, de accordo com o respectivo prelado diocesano, a administração das igrejas e conventos de religiosas, conservados ou reformados, a fim de que haja n'ella a devida regularidade, se não desviem os seus rendimentos da sua legitima e canónica applicação, nem deixem de ser satisfeitos os encargos pios ou alimentícios com que se acharem onerados os bens subrogados.

Art. 13.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

O sr. Presidente: — Está approvado o projecto, e a mesma redacção, salvo o qu« tem de ser ainda considerado pela commissão. Haverá sessão amanhã, e será a ordem do dia a discussão dos pareceres n.os 129 e 130. Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarãe.

Relação dos dignos pares, que estiveram presentes na sessão do dia 12 de março de 1861

Os srs. visconde de Laborim, Cardeal Patriarcha;,mar-quezes de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Pombal, de Ponte do Lima, da Ribeira, de Vallada; condes das Alcáçovas, d'Alva, do Bomfim, da Graciosa, de Mesquitella, de Penamacor, de Peniche, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, de Thomar; viscondes de Algés, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fornos de Algodres, de Gouveia, da Luz, de Ovar, de Sá da Bandeira; barões da Arruda, de Pernes, de Porto de Moz, da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Izidoro Guedes, Silva Sanches, Brito do Rio.

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