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N.º 26

SESSÃO DE 18 DE FEVEREIRO DE 1879

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 25 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Encarregou-me o sr. conde de Farrobo de participar á camara, que não póde comparecer na sessão de hoje por motivo justificado.

O sr. Presidente: - Far-se-ha a competente declaração na acta.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: - Como estão presentes os srs. ministros dos negocios estrangeiros e da justiça, vamos entrar na ordem do dia, que é a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros para continuar o seu discurso.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Impugnou o projecto em discussão.

(Estão presentes os srs. ministros dos negocios estrangeiros e da fazenda.)

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, já passaram annos desde que as abobadas d'esta sala repetiram os echos sonoros de umas palavras sublimes que foram pronunciadas n'esta tribuna por um estadista conhecido.

O estadista era o sr. Fontes.

E as palavras que elle pronunciou foram as seguintes:

"Hei de manter a dignidade do poder e o prestigio da auctoridade."

Estas palavras valiam um programma e mereciam bem um elogio.

Foi este programma cumprido?

É o que temos a examinar.

Se o foi responda a consciencia publica e os factos.

Que por minha parte desde já direi que as palavras em que o programma se consubstanciava são hoje apenas tristes echos do passado conservados, sómente nas paginas pouco alegres da historia.

Tratemos do que é conveniente, do que é pratico, do que é positivo, e deixemos á poesia a fabula e a ficção, lembrando-nos de que os poetas que cingem os louros da victoria em torno da fronte dos heroes tambem cantam o hymno funebre sobre o sepulchro das nações. Pois que a lyra é igualmente sublime sobre o escudo do vencedor e sobre a campa do vencido.

Sr. presidente, o politico pratico não se ostenta indifferente no campo circumscripto dos principios abstractos, contemplando irresoluto da sua altura o turbilhão dos paixões que tumultuam, vendo passar a vida como um sonho e o mundo como um phantasma.

Collocado no meio da sociedade examina-a no seu estado febril, contempla-a no seu estado de repouso, e analysando as causas do seu progresso e da sua decadencia, contempla-a no crepusculo da sua carreira, no zenith do seu ocaso
e na noite do seu sepulchro, e elevando-se á altura das syntheses por meio das analyses, descortina a origem dos factos e a verdade da historia.

O illustre presidente do conselho fallou muito em direito, appellou para os seus direitos mas esqueceu-lhe completamente o fallar dos seus deveres, e eu não comprehendo o exercicio legitimo dos direitos sem o cumprimento stricto dos deveres.

Seja-me, pois, permittido perguntar na humildade da minha linguagem, o que na elevação da sua perguntava o mestre dos oradores na antiga Roma o grande Cicero: Quid est enim civitas nisi juris societas? O que é a cidade senão a sociedade do direito; feita, porém, esta interrogação poderia responder-se hoje em dia e com a maxima verdade repetindo as palavras de Salusto fallando de Catilina: Jam pridem equidem nos vera rerum vocabula amisimus. Em verdade temos perdido o verdadeiro sentido das palavras.

Não ha sociedade sem direito, porquanto o direito é o cimento de todo o edificio social.

Quando nos collocâmos muito acima da politica do tempo e dos partidos ephemeros, quando da altura das regiões superiores contemplamos a sociedade, então o direito manifesta-se ao nosso espirito debaixo de tres phases, ou, o que é o mesmo, sob tres aspectos diversos representados em tres vocabulos, a saber: legitimidade, legalidade e lei; o primeiro, que é legitimidade, exprime no sentido mais profundo a substancia pura do direito, a sua verdade, a sua justiça intima com exclusão de toda a manifestação exterior (legis intimum, o intimo da lei), e por isso a palavra legitimo é a mais bella qualificação e a mais justa que um espirito bem avisado póde dar a um acto ou a um facto humano, porquanto é declaral-o essencial á lei.

O segundo que é legalidade, exprime no sentido mais extricto a fórma do direito, isto é a sua manifestação externa pela palavra, pela escripta, pela promulgação, e por isso a palavra legal não se applica senão ao direito formulado e á justiça exterior e official.

O terceiro vocabulo - lei, exprime no sentido mais completo a vida do direito intimo e incarnado ou individualisado em um texto obrigatorio, ou, por outra, lei é a individualisação do direito fundado na legitimidade e manifestado por a legalidade.

Sr. presidente, uma sociedade perfeitamente civilisada será aquella em que a legitimidade se confunda com a legalidade, pois que n'esse caso todas as leis locaes serão as consequencias naturaes das leis geraes.

Eu entendo que a noção dos direitos é inseparavel da noção dos deveres, sobretudo, quando o homem que trata d'estas questões de ordem politica, se senta nos bancos do governo, ou n'estas cadeiras da representação nacional.

Mas, permitta-me o nobre presidente do conselho, que é o chefe da politica, o possuidor, por assim dizer, do segredo da administração, e chave d'ella, que eu usando do meu direito, mas esquecendo-me d'elle para só me recordar do meu dever, levante essa questão e procure responder a ella.

E é unicamente para cumprir o meu dever, pois que o sr. presidente do conselho disse em relação a si (e eu ap-

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plico a mim), que não tinha o proposito do convencer, por mais palavras que proferisse, por mais argumentos que empregasse; e que, portanto, não era com a pretensão de convencer que s. exa. fallava, mas sim para cumprir o seu dever.

Ora, é exactamente o que vou fazer. E para quem falarei eu?

Será para a opposição? Creio que não. Nem a minha voz é tão eloquente que tenha a auctoridade de outras mais auctorisadas.

Será, portanto, para o partido do sr. Fontes? Creio tambem que não.

Nem sei mesmo se terei o diploma que se concede aos homens que podem fallar e discutir, porque aqui ha um certo numero de seres privilegiados, que recebem esse diploma nos areopagos onde o sr. Fontes domina como soberano.

Mão sei se poderei receber esse diploma, porque effectivamente esses arcopagos não são accessiveis a todos.

Quando digo isto, não me refiro nem á camara dos pares, nem á dos senhores deputados; mas sim a certos salões, onde se trata dos merecimentos de cada um, porque esses areopagos são, por assim dizer, o rer-o-peso das intelligencias, pois que só ali se guarda a balança das capacidades.

Parece que já temos obliterado o sentido das palavras e dos vocabulos, e foi esta, sr. presidente, a impressão que eu experimentei, quando ouvi o sr. presidente do conselho professar n'este templo de justiça n'este templo, onde os
principios constitucionaes e os principios liberaes deviam ter um culto, e onde, por consequencia, deviam ser mais respeitados, verdadeiras heresias em direito publico constitucional.

Preciso, sr. presidente, combalel-as, a priori e a posteriori. A priori, em nome dos principios; a posteriori, confirmando a minha argumentação com os factos da historia contemporanea do nosso paiz, e da historia de outras eras, mas de eras não remotas, dos paizes; onde a vida constitucional é uma verdade, onde se exige um culto aos principios, e onde a liberdade é uma verdadeira aspiração.

O sr. presidente do conselho fulminou-nos a todos com a sua auctoridade, e com uma severidade de linguagem, embora sempre dentro d'aquelles limites de que nunca se afasta o sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, e que são proprios da boa educação que recebeu e que conserva.

Eu costumo fazer justiça a todos, e mesmo aos meus adversarios politicos. Sem se afastar, portanto, das regras de cortezia, fulminou-nos o sr. presidente do conselho por que nós tinhamos aqui discutido a validade das eleições dos srs. deputados, e considerou isto um perigo que poderia dar logar a represalias e a conflictos graves da outra camara com relação a esta. Protesto contra esta doutrina muito solemnemente, e muito solemnemente protestou contra ella o meu nobre amigo, o sr. conde do Casai Ribeiro, e protestam igualmente os principios e os factos.

E o sr. presidente do conselho pretende fulminar-nos; porque, diz elle, examinámos se as eleições eram validas, e não compreende eu simula não comprehender que o que nós fazemos é examinar a interferencia do governo nos actos eleitoraes, o que são cousas muito differentes. Disse-se aqui que esta camara não pede examinar e discutir como se fizeram as eleições, e profere-se esta asserção dos bancos dos srs. ministros!

E não estava ali para os fulminar a sombra veneranda de um duque de Palmella, que tanto se sacrificou pela liberdade e que por ella emigrem.

E não estava ali a sombra de um conde de Lavradio, d'esse homem illustre, que tanto se sacrificou por esta dynastia, que representa os principios de liberdade, e que n'esta tribuna, apoiado na imprensa pelo sr. Sampaio, censurou forte e acremente a interferencia de um ministerio nas eleições.

A doutrina do sr. presidente do conselho é commoda para os ministros, mas é pouco orthodoxa para o parlamento!

Não nos podemos occupar das injustiças que o governo praticou exorbitando do seu poder para influir nas eleições dos seus julgadores, porque isso póde levantar conflictos!

Contra isto protesta o bom senso, a historia e os factos.

O governo póde fuzilar os eleitores junto á urna, póde usar de todos os meios de coacção, e nós não temos o direito de discutir estes factos!

Temos esse direito, e a par d'esse direito temos e dever de fiscalisar os actos do governo, e exigir-lhe a sua responsabilidade.

Contra a doutrina do sr. presidente do conselho protestam as opiniões emittidas por aquelles illustres vultos, a que ha pouco me referi, e a de outros tantos homens notaveis do partido liberal; protestam tambem as doutrinas outr'ora sustentadas pelo sr. Sampaio.

Sr. presidente, disse o sr. presidente do conselho que emquanto tiver a confiança da corôa e maioria nas duas casas do parlamento não ha do arredar pé das cadeiras que occupa, e s. exa. diz isto depois de ter usado dos meios que todos conhecem para intervir nas eleições. D'este modo póde ficar eternamente no poder.

Agora, sr. presidente, não proseguirei nas minhas considerações sobre este ponto que acabo de tocar, deixando para mais tarde a apreciação das violencias e dos actos, dignos da maior censura, praticados pelo governo com relação ás eleições, e passarei a occupar-me de um assumpto, a respeito do qual tambem o sr. presidente do conselho fez algumas reflexões.

O sr. Fontes disse que os governos não podem governar senão de accordo com as suas idéas.

Seguramente que sim. O governo deve ter idéas proprias e governar com ellas.

Se, porventura, eu me enganar quando fizer menção das proposições que o sr. presidente do conselho defendeu, s. exa. não me incommoda nada se me dirigir em áparte qualquer rectificação; antes folgarei muito, porque desejo sempre seguir pelo terreno da verdade, e porque não desejo menos proceder conforme aos principios de justiça.

O sr. presidente do conselho tinha idéas suas quando declarava que a reforma da carta constitucional era uma necessidade, e então dizia-se allumiado pelas luzes do seculo e pelas lições da historia; mas s. exa., governando ainda com idéas suas, repudiava depois essa reforma, punha-a completamente de parte.

O sr. Fontes não larga tambem aquellas cadeiras (as ao ministerio) porque, segundo o seu parecer, a opposição não tem unidade de pensamento nem harmonia de systema.

S. exa., que tanto lamenta esta falta, preside, todavia, a um ministerio, onde está o sr. Thomás Ribeiro, que não ha ainda muito tempo, embora sob o pseudonymo Thomé de Dia, queria apenas dois governos no ultramar, e agora propõe uns poucos; o sr. Thomás Ribeiro, que temia a Inglaterra, que escreveu contra ella no Jornal das colonias, que não se atrevia a dar uma resposta clara, quando eu lhe perguntava se s. exa. estava informado de quaesquer manejos d'aquella nação, no contido de nos subtrahir as possessões ultramarinas. Mas o seu collega, o sr. Corvo, de um modo brilhante, como sempre, porque ninguem ignora que s. exa. é um talento habilissimo, aqui declarou n'outro dia que nós deviamos cooperar com a Inglaterra na civilisação dos povos de alem mar.

E tudo isto em nome da coherencia dos principios, em nome da unidade de pensamento governativo!

Os srs. ministros podem conservar-se nos seus logares, ainda que tenham opiniões completamente avessas entre si,

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uns e outros, sobre pontos importantes; mas a opposição desista de todos os seus intentos, emquanto todos os seus membros não tiverem um pensamento unico a respeito de todas as questões, embora as mais triviaes, de politica e administração.

Disse tambem o sr. presidente do conselho, que entendia que a questão financeira, continuando a ser tratada debaixo do ponto de vista politico, nunca se ha de resolver; e s. exa. estranhou por essa occasião que o grupo opposicionista fosse demasiadamente economico, direi mesmo, demasiadamente mesquinho em abrir a bolsa do povo, não querendo deixal-a sem guarda e sem tutela, entregue ás mãos dos srs. ministros para elles a despejarem a seu bello prazer em todas as prodigalidades que, porventura, imaginarem.

Pois, em nome tambem dos principios de coherencia ha de ser com as palavras do sr. presidente do conselho que eu hei de combater essa sua proposição.

O sr. presidente do conselho admira-se de que a opposição venha a esta camara, e peça estreitas contas ao governo do modo por que despende os dinheiros publicos.

Pois vou oppôr ás palavras de s. exa. as palavras que n'outro tempo o sr. Fontes pronunciou com relação a esta materia.

Acha-se presente, e felizmente preside ás sessões d'esta camara, um homem de estado respeitavel, e por todos respeitado, que não é estranho ao assumpto a que me vou referir, e se lembra perfeitamente do que se passou com relação a elle por parte do sr. Fontes.

Essas palavras do sr. Fontes, com que eu quero responder ao sr. presidente do conselho, foram proferidas na ultima sessão do mez de junho de 1850, quando se tratava da classificação das estradas e de propor impostos para ellas, e estava então no ministerio o sr. duque d'Avila e de Bolama, que então se chamava Antonio José d'Avila, como ainda hoje se chama, mas então não era duque. Dizia então o sr. Fontes:

"Embora o imposto que se pede seja para fim util, eu não o posso votar, porque entendo que primeiro do que tudo devemos tratar de igualar a receita com a despeza e organisar as finanças, e emquanto isto se não fizer não voto impostos d'estes."

Admirem-se todos. Esta a linguagem do sr. Fontes em 1850, como acabo de ler no Diario do governo.

É exactamente o que diz a opposição; é o que dizemos todos que combatemos o governo; tomámos as suas lições, e somos réus de lesa nação!

(Continuou a ler.)

Por consequencia, o sr. Fontes queria a regularisação da fazenda publica, e sem isso não votava nada, nem mesmo um tributo pequeno para estradas, porque entendia que não podia ser justamente votado, não se dando aquella condição com respeito á fazenda publica.

Assim, pois, fica bem o sr. Fontes no logar dos arrependidos, e não no pulpito dos pregadores.

Mas, disse mais o sr. presidente do conselho, deixando me cheio de espanto, e commigo todos os que conhecem a historia politica dos paizes constitucionaes. O sr. Fontes declarou que emquanto a questão financeira fosse tratada politicamente, de maneira nenhuma se chegaria á extincção do deficit. S. exa. dizendo isto parecia estar fallando a uma camara onde ninguem tem noticia dos annaes parlamentares d'este e do outros paizes. Em França, sendo ministro mr. Villele, e sentando-se tambem nos bancos do governo mr. de Chateaubriand, quando se tratou d'aquella notavel lei de conversão das rendas na epocha não remota da restauração, levantou-se sobre ella um grande debate. Mr. Villele estava altamente empenhado em fazer passar aquella lei, como costumam estar sempre todos os ministros que propõem leis d'aquella magnitude, mas mr. de Chateaubriand conservou-se silencioso durante toda a discussão; elle que era ministro dos negocios estrangeiros, entendeu que tendo mr. de Villele tão habeis collaboradores, não era necessario usar da palavra n'aquella questão, que foi debatida largamente. Pois esse silencio de mr. de Chateaubriand foi motivo para ser posto fóra do ministerio. O presidente do conselho julgou que aquelle seu collega, homem sabio, e que tinha por si a grande auctoridade da sua palavra e da sua pessoa, devia ter fallado, e, como não o fez, foi posto fóra dos conselhos do governo.

Esta questão da conversão das rendas, alem de ter como consequencia a saída do ministerio de mr. de Chateaubriand, produziu grande senão como questão financeira de subido alcance, e foi tratada tendo largo debate e collocando-se os politicos cada um no seu campo e dentro das suas linhas de combate, sem que mr. de Villele pretendesse que os politicos deixassem de o ser tratando esta questão de largo alcance financeiro.

Mr. de Villele saíu do ministerio, e lhe succedeu mr. de Martignac, que era um homem economico, um espirito recto e desejoso de contemporisar com todos os partidos; pois, ainda assim, os partidos começaram a insurgir-se contra elle.

Levantou-se logo a questão de fazenda, houve largo debate sobre os creditos supplementares e extraordinarios, e mr. de Human lamentava que tivesse diminuido o rendimento dos impostos indirectos, porque esta diminuição da receita significava diminuição da fortuna publica.

Appareceram então os partidarios das economias. E aqui vem a pello uma observação.

Quando os srs. marquez de Sabugosa, conde de Rio Maior e conde do Casal Ribeiro se levantam para inculcar de uma maneira incisiva a necessidade de fazer economias, supponho que o governo os averbou de revolucionarios, mas eu creio tambem que todos estes cavalheiros, a que me refiro, podem perfeitamente supportar esta injustiça uma vez que seguem o exemplo do sr. Benjamim Constant e de outros homens de primeira plana e de alto cothurno que na assembléa franceza discutiram uma questão identica.

O que diria o sr. Fontes, se ali estivesse n'aquella discussão sobre os creditos supplementares do ministerio de mr. de Martignac, creditos pedidos para sanar despezas do ministerio antecedente, de que fizera parte com mr. de Villele mr. de Peyronnet?

Este ultimo mandára fazer uma casa de jantar no ministerio das justiças, adornando-a com magnificencia, excedendo talvez em luxo e sumptuosidade, os adornos que o sr. Fontes mandou fazer agora para todos os quartos e salas do ministerio da guerra.

Mr. de Peyronnet entendeu que não estava bem na sua secretaria sem todas as commodidades, e quiz que o circumdasse o explendor e o luxo. Fez com isto uma despeza de 175:000 francos a mais do que estava auctorisado.

Foi altamente censurado o seu procedimento, chegando a dizer-se que era necessario intentar contra aquelle ministro uma acção de perdas e damnos.

Então clamava mr. Benjamin Constant: "Concussão! Concussão!" E ninguem o chamou á ordem.

O que aconteceria aqui, n'esta camara, se alguem gritasse: "Concussão!"?

Ainda mais. Mr. de Martignac, respeitado por toda a gente como homem honestissimo, o que é de todo o ponto verdadeiro, quando procedia a umas eleições, vendo que os jornaes adversos publicavam artigos altamente offensivos da dignidade do ministerio, mandou tambem imprimir na imprensa nacional varios pamphletos combatendo a opposição.

Veiu essa questão para a téla do debate, e mr. de Martignac foi accusado de ter feito grandes despezas, por aquelle motivo, na imprensa nacional.

Mr. de Martignac confessou as despezas que tinha feito, e disse que ellas vinham inscriptas no orçamento, sem comtudo dizer a quanto ellas tinham subido; disse apenas que estavam englobadas nas despezas dos fundos secretos.

S. exa., o sr. presidente do conselho, sabe muito bem, as-

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sim como o sr. Corvo (que n'este momento me presta attenção), quaes eram essas despezas, chamadas de fundos secretos, e que em todos os tempos chamavam a attenção dos homens competentes, não só no tempo de Luiz Filippe como em outras epochas; o sr. Fontes, porém, apesar de saber isto tudo, esqueceu-se e cuidou que nós tambem nos tinhamos esquecido ou que ignoravamos a hibtoria quasi contemporanea. E direi ainda que n'essa epocha da restauração, a que me refiro, sempre os politicos trataram a questão financeira, e dirigiram acres censuras aos ministerios n'esses debates que, sendo financeiros, sempre foram considerados politicos.

Recordarei ainda, que mr. de Keratry pedia n'esses tempos diminuições nas despezas do tribunal de contas e do conselho de estado.

Passando, pois, á Inglaterra, vemos que, não muito remotamente, mr. Lowe, no gabinete presidido pelo celebre estadista mr. Gladstone, apresentou os seus orçamentos, e de fórma tal, que suscitou os reparos dos homens politicos. Lá estava a elevação do imposto de successão e a elevação do imposto sobre os phosphoros. Ora, parecendo que esta elevação do imposto sobre os phosphoros fosse uma questão insignificante, não succedeu assim. Dava-se então a crise nas fabricas e nas minas de carvão, os queixosos appareceram logo, e o descontentamento publico começava a manifestar-se, tomando aquella questão um grande alcance. No ministerio de sir Robert Peel é sabido o alcanço que teve a questão dos cereaes, questão de imposto, e ao mesmo tempo que se considerava o imposto debaixo do ponto de vista fisca, não podia menos considerar-se debaixo do ponto de vista economico. Duas opiniões se combatiam em campos oppostos, e os politicos faziam valer os principios das suas escolas, e de um lado queria-se a abolição de todo o direito, e do outro queria-se o direito fixo; e, no meio d'estas opiniões, venceu a de sir Robert Peel, que propoz a escala movel, determinando-se a elevação do direito pela diminuição do preço do genero.

Esta questão produziu no ministerio a saída de um dos seus ministros, como aqui aconteceu com a saída do sr. Barjona; com a differença, porém, de que lá o cavalheiro era titular, era o duque de Buckingham, a quem chamaram o duque dos cereaes.

Mais tarde, sir Robert Peel teve de quebrar com o seu partido, apresentando-se partidario da liberdade completa dos cereaes; e procedeu assim attendendo ás circumstancias do paiz e á opinião publica, porque a Inglaterra é um paiz em que se ama o progresso, e, por consequencia, ama-se a rasão e o direito, e por isso os governos procedem sempre com conhecimento de causa.

Esta questão era uma questão economica e financeira, e por isso foi tratada pelas opposições e pelo partido que estava no poder, porque os partidos devem ter idéas, como muito bem disse o sr. presidente do conselho. Os partidos sem idéas são congregações que tratam apenas dos seus interesses, e, por consequencia, dos fins, desprezando os principios.

Pois, sr. presidente, creia o sr. Fontes, que esse seu desejo de separar a politica das finanças, é uma aspiração que jamais poderá realisar-se, e por isso bem opinava o celebre abbade Luiz, quando dizia: "Dae-me boa politica, e eu vos darei boas finanças".

Procurarei ainda, para corroborar os meus argumentos, o recorrer á historia, e direi a rasão e influencia que a politica tem na questão financeira.

Pois o que é a politica? o que são as finanças? Estas questões estão intimamente ligadas. As questões administivas e as questões politicas ligam-se tanto entre si, como as questões philosophicas. Quantas vezes, quando se trata de uma questão importante de botanica, é necessario recorrer a uma outra sciencia auxiliar? Em quantas questões de agricultura é preciso pedir o auxilio da botanica, da chimica e da geologia?

Ora, o que acontece com estas sciencias, acontece com as sciencias administrativas. Carecem umas das outras. E o que acontece no campo das sciencias naturaes, acontece com as finanças nas suas relações intimas e indispensaveis com a politica.

Depois do demonstrar que era doutrina pouco segura, excentrica mesmo, a que se sustentou aqui, depois de demonstrar o sr. Fontes a impossibilidade de desunir a questão financeira da questão politica, porque ha escolas financeiras filiadas nas escolas politicas, e as escolas devem combater-se e conservar delimitados os seus campos, demonstrado isto passarei á indicação de certos factos, que mostram bem que o governo merece as mais severas censuras pelo seu procedimento no acto eleitoral.

A doutrina proclamada pelo sr. presidente do conselho não foi approvada, nem os applausos da camara a coroaram, nem tão pouco esta mostrou a sua reprovação pelo proceder dos dignos pares que a não acceitaram, e que a combateram com energia e vigor.

A camara não podia acceitar esse novo absolutismo que procurava levantar-se, antes pelo contrario, a camara protestou, e protesta sempre contra, todas as tendencias absolutistas.

O fallecido duque de Palmella, na sua linguagem auctorisada e insinuante, disse n'esta camara durante o ministerio do sr. conde de Thomar:

"Não acompanho as censuras que se fazem ao governo pelas suas tendencias para o absolutismo."

Os ministeriaes de então alegraram-se com esta phrase proferida por um tão conspicuo membro da opposição, mas transformou-se bem depressa a sua alegria em tristeza, quando elle acrescentou:

"Não acompanho as censuras por essa tendencia, porque não são tendencias para o absolutismo, porque o absolutismo já existe.

Ora, nós podemos dizer o mesmo. A revolução não está aqui da nossa parte, está ali n'aquellas cadeiras.

Joaquim Antonio de Aguiar, esse vulto eminente, cuja memoria não posso deixar do invocar cheio de respeito; Joaquim Antonio de Aguiar, depois de 1842, por occasião da restauração da carta, disse na camara - Eu venho combater a revolução, mas ella não está nas praças, mas nos bancos dos ministros!

O que elle disse então, repito-o eu agora - A revolução está ali - O absolutismo está ali. (O orador aponta para as cadeiras do ministerio.)

O que tendes feito das tradições liberaes? Seguis, por exemplo, os nobres passos d'esses vultos eminentes do 1820, de Fernandes Thomás, e de tantos homens distinctos, que implantaram a liberdade na nossa terra?

Não foi, porventura, por combater o absolutismo que foi immolado no cadafalso o bravo general Gomes Freire?

Se quereis absolutismo lá está o sr. D. Miguel, e deixae essas cadeiras ao sr. Pinto Coelho, e a outros do partido d'elle.

O logar não é vosso. O sr. D. Luiz I representa a liberdade com a ordem, mas vós não representaes os principios que dizeis defender. Esta linguagem é severa, mas é inspirada pela minha convicção, porque não estou aqui para sustentar ministros, pois esta camara, como muito bem disse o sr. conde do Casal Ribeiro, deve ser conservadora das instituições, e não dos srs. ministros.

Sr. presidente, as palavras cem que eu comecei o meu discurso, são palavras memoraveis, proferidas pelo sr. presidente do conselho.

S. exa. disse que havia de sustentar a dignidade do poder e o prestigio da auctoridade nas differentes provincias da publica administração. Pois, sr. presidente, eu hei de seguir s. exa. n'essas mesmas provincias da publica administração; hei de procurar o illustre presidente do conselho nos seus baluartes, e ha de ser com as suas proprias armas que hei do combatel-o, servindo-me dos argumentos que me

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fornece o procedimento dos srs. ministros, que estão em contradicção com as doutrinas que outr'ora sustentaram em publico á face do parlamento e á face do paiz, e hei de mostrar que a revolução está nos bancos dos srs. ministros, a revolução está ahi, e hei de combatel-a.

Á força hei de oppor a força, vi vim resistere licet. Ha revolucionarios que tratam de restabelecer a justiça, e ha revolucionarios que tratam de atacar a justiça.

Sr. presidente, revolucionarios foram os homens de 1640 quando resistiram ás violencias de Castella; revolucionarios foram os portuguezes quando resistiram ás perseguições de Junot; revolucionarios foram aquelles que concorreram para o triumpho de D. João I, sobretudo um homem respeitavel, D. Gonçalo Telles de Menezes, do qual me honro de descender, e cuja familia represento por varonia, e foi de casa d'este fidalgo o em companhia d'elle que saiu D. João I para se dirigir ao palacio conhecido hoje pelo nome de Limoeiro, onde D. João I trucidou o inimigo da independencia nacional conde de Andeiro, eu não approvo a acção, mas conheço que D. João I a praticou porque o conde de Andeiro esmagava as liberdades d'esta nação, e porque dando a morte ao conde de Andeiro salvava a liberdade e a independencia da patria; revolucionarios, emfim, foram todos aquelles que concorreram para o triumpho das liberdades publicas, mas esses revolucionarios conspiraram e moveram-se por idéas grandiosas, e não para servirem caprichos pessoaes.

Deixemos os heroes na paz dos sepulchros, e combatamos os actuaes inimigos das publicas liberdades e dos direitos do povo.

Continuemos, pois, a tratar das perseguições politicas do governo que se diz tolerante, e para provarmos que em logar de ser tolerante só é perseguidor, comecemos por Portalegre.

Começando a tratar d'este assumpto, direi, em primeiro logar, que sou amigo particular do governador civil que foi d'aquelle districto quando as perseguições principiaram; fallo do sr. José de Beires, e direi que o considero como um funccionario zeloso, e como um dos homens que mais sabem de administração. Eu reprovo altamente o tumulto que teve logar á porta do magistrado de Portalegre. Eu sou homem de principios, e por consequencia não posso deixar de condemnar similhante facto, com o qual, segundo me parece, se pretendia exercer pressão no animo do sr. José de Beires.

Eu, reprovando aquelle facto, como disse, não posso, comtudo, deixar de estigmatisar com todas as minhas forças a perseguição que se fez em Portalegre aos cavalheiros que foram indicados - como incitadores do tumulto que ali houve. Se eram criminosos a justiça lá estava para averiguar os factos e descobrir os delinquentes sem necessidadade de alçadas e de juizes enviados ad hoc. Isto é indigno. Isto é escandaloso. Isto é digno da mais severa censura.

Mas, sr. presidente, praticou-se um acto escandalosissimo, e é esta a verdadeira classificação, mandando-se um juiz commissionado de proposito a Portalegre, como nos remotos tempos dos juizes das Alçadas, que eu detesto, ou como se estivessemos no tempo do conde de Bastos! O facto é que se mandou um juiz expressamente para pronunciar uns certos e determinados individuos contra os quaes era preciso que houvesse processo. O juiz chegou, viu e venceu! Triste victoria coroada das mais notaveis vergonhas! O juiz chegou e pronunciou!!!

Mas, a honrada classe de magistratura, ante a qual eu me inclino, onde se encontram ainda tantos homens de bem, onde existe um poder respeitavel, columna da justiça, cuja base pousa na terra e cujo capitel toca no céu, ainda sabeis cumprir o vosso dever! Honra vos seja feita! E, sem vos importardes que fosse um membro do vosso corpo respeitarei, que n'uma sege de posta foi a Portalegre, exclusivamente para instaurar processos, logo que reconhecestes os innocentes não duvidastes em os despronunciar, sem vos occupardes tão pouco de quem os mandára processar!

Que nobre classe é a vossa!

Folgo de fallar assim diante d'um membro respeitavel da magistratura, o sr. visconde de Alves de Sá, presidente do suuremo tribunal de justiça; folgo de dizer estas verdades diante do presidente d'aquelle tribunal, homem honrado, e o qual me honro do contar no numero dos meus amigos verdadeiros.

Aquelle tribunal foi superior á vontade do sr. Fontes, mas que ousadia commetteu aquelle tribunal!

Pois ha n'este paiz quem se atreva a resistir á vontade do sr. Fontes?

E foram despronunciados os suppostos réus!

Será o supremo tribunal de justiça todo revolucionario? Seria elle seduzido pelos srs. conde do Casal Ribeiro, duque de Avila, ou pelo partido progressista ou pelo sr. José Dias, ou emfim pela opposição? Se assim é, que grande poder tem a opposição? Mas, ainda bem, sr. presidente, que a magistratura é alheia ás paixões politicas, e por isso em Portalegre, foram todos despronunciados.

Sr. Fontes, envergonhe-se do seu procedimento inqualificavel depois do justo castigo que recebeu da sua audacia!

Felizmente os juizes de alçada e os governos dos condes de Bastos acabaram felizmente para esta terra; mas tudo isto faz o sr. Fontes, para manter a dignidade do poder e o prestigio da auctoridade em todas as provincias da publica administração!

Um dos castellos principaes do sr. Fontes, desmoronou-se, e só ficou areia. O sr. Fontes quereria deportar, mas não pôde.

Este facto de Portalegre deve ficar registado nos annaes do governo.

O que diria o sr. Sampaio se em 1846 e 1847 tivessem succedido estes factos? Renegaria s. exa. o Espectro?

Não queiram, pois, que seja impedimento para uns o que foi caminho aberto para o sr. Sampaio, porque o que o foi para uns, ha de ser tambem para outros.

Sr. presidente, eu vou seguindo a minha viagem e de Portalegre passo a Belem. Emprehendi esta viagem movido pelo meu dever, e n'ella não posso deixar de fazer a apreciação dos actos do partido, não direi regenerador, porque esse partido está desmoronado, mas do sr. Fontes; e com esta denominação não faço aggravo a ninguem, nem a quem dá nome ao partido, nem ao partido que o recebe.

Posto isto, seja-me permittido, antes de ir para diante, apresentar um parallelo. O partido fontista encheu-se de indignação contra o governo do sr. duque d'Avila, apesar de estar sempre a fazer elogios a este respeitavel homem d'estado, a quem pedirei que se acautele com os cumprimentos dos fontistas, pois é sempre bom estar de sobreaviso com respeito aos elogios dos regeneradores; e encheu-se de indignação, repito, pelo facto do sr. Barros e Cunha querer saber o que se passava na penitenciaria.

Por isso foi fulminado este ministro, perseguido por aquelle partido, que o cobria de accusações, dizendo que todos que amam a ordem e os bons principios deviam condemnar esse ministro que tinha querido tirar a honra a um cidadão, mas que a Providencia depois se dignara salvar-lhe a vida; assim como devia ser condemnado o sr. duque d'Avila, como ministro do reino, por ter auxiliado um seu collega fazendo com que a policia procurasse descubrir o que houvesse de criminoso nas accusações que se faziam á administração da penitenciaria.

Mas a justiça estava da parte de v. exa. e do seu collega dos obras publicas, que não fizeram senão o que deviam fazer, o que fariam todos os homens de bom aviso, achando-se nas condições de s. exas.

Todos se lembram d'estes factos, e devem saber que o motivo principal da indignação dos fontistas contra o mi-

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nisterio Avila foi o inquerito que o sr. Barros e Cunha mandou fazer á penitenciaria, que não queria senão, diziam elles, acabar com a boa reputação de um homem. Hoje, porém, já não perfilham o procedimento d'esse homem.

O sr. Fontes subiu depois ao poder, e em vespera de eleições manda fazer uma syndicancia repentina á camara de Belem, ou antes aos actos do sr. Pedro Franco, como presidente d'essa camara.

Mas então já os fontistas não acham maus os inqueritos, já não julgam que elles podem acabar com a boa reputação de ninguem, ou pensarão que o sr. Pedro Franco não tenha as honras de cidadão, e por consequencia se póde infamar á vontade e injustamente por um acto do governo?

Enganam-se, porém, porque o patibulo que o sr. Fontes quiz levantar ao sr. Pedro Franco converteu-se n'um pedestal, foi esse o resultado da impensada syndicancia que s. exa. ordenou.

Os srs. ministros parece que ás vezes julgam o paiz demente, pois o paiz ha de intentar-lhes causa de prodigalidade, e não ha de consentir que ss. Exas. lhe intentem causa de demencia.

A syndicancia repentina, mandada fazer aos actos do sr. Pedro Franco, foi unicamente com o fim de influir nas eleições, nem podia ser outra cousa.

Na camara de Belem não se davam os casos que se deram na penitenciaria, com respeito á qual direi aqui, entre parenthesis, que hoje os proprios que accusaram o sr. Barros e Cunha, já lhe fazem cortezias e justiça. As cortezias, julgo que elle as dispensa, a justiça é que não, porque tem direito a ella. Esta questão da penitenciaria ha de vir aqui, havemos tratar d'ella largamente, e não deixar pedra sobre pedra n'esse castello e em todas as penitenciarias.

Mas, não param aqui os excessos e as violencias do governo. Digo-o aqui, e quem quizer que me contradiga. Estou prompto a responder por tudo quanto digo. Tenho aqui documentos. Levantem a sua voz os que quizerem; na certeza de que não poderão abafar em meu peito o sentimento do dever.

O sr. Sampaio disse em tempo que ladrões não se encobrem de graça. De quem disse s. exa. isto? Dos seus amigos ou dos seus inimigos politicos? Essas allusões não se podem fazer sem haver a prova provada. Não se combatem os inimigos, não se fazem essas allusões, nem essa guerra, senão quando é baseada em documentos como estes que aqui tenho.

E pergunto eu: seria revolucionario o sr. Segurado, ou o sr. Gama Barros, governador civil de Lisboa, o sr. Zuzarte, que foi administrador do concelho de Torres Vedras? Creio que nem um, nem outro, porque o sr. Gama Barros foi remunerado com um logar eminente na administração e aquelle foi conservado no logar de secretario geral do governo civil, e o sr. Zuzarte passou para administrador de Torres Vedras.

Pois estes senhores são as testemunhas que eu invoco, porque são de confiança do governo, para com o testemunho e documentos por elles assignados, provar que um empregado que andou não direi menos bem em negocios de recrutamento, mas por actos seus se tornou digno da maior censura, foi despachado para melhor logar e mais importante emprego por o governo para o premiar por serviços eleitoraes. Os documentos a respeito de Antonio Maria Daniel vou lel-os á camara, e serão transcriptos no meu discurso quando elle for publicado no Diario da camara.

Deu a hora, sr. presidente; e, portanto, peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será ámanhã, 19 do corrente, e a ordem do dia a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 18 de fevereiro de 1879

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Bispo Conde de Coimbra; Condes, de Avillez, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, da Fonte Nova, da Louzã, de Paraty, de Porto Covo, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre; Bispos, do Porto, de Vizeu; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Asseca, da Borralha, de Chancelleiros, de Monforte, dos Olivaes, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Sagres, de Seabra, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Barão de Ancede; D, Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Silva Torres, Maldonado, Moraes Pessanha, Andrade Corvo, Mamede, Sousa Pinto, Pestana, Martel, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Camara Leme, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Dantas, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer.

Discurso do digno par Mártens Ferrão, pronunciado na sessão de 11 de fevereiro, e que devia ler-se a pag. 214.

O sr. Mártens Ferrão: - Tambem eu quero que o meu paiz seja grande, porque já o foi, porque póde tornar a selo, e porque a grandeza dos paizes não é incompativel com a sua honra. (Apoiados.) Portugal foi grande, não pela sua extensão, mas pelas suas emprezas, pelos novos caminhos que abriu ao mundo (Apoiados.), porque do mundo foram os seus commettimentos, resultado do caracter viril da nação, e porque prestou e poderá prestar ainda serviços importantes á civilisação da humanidade. (Apoiados.} Tudo isto é grande, é elevado e é nobre; e é grande e nobre que o governo do meu paiz nutra estes sentimentos, e procure realisal-os, tanto quanto em si caiba, interpretando a vontade illustrada da nação. (Apoiados.) A grandeza dos estados, torno a dizel-o, não é incompativel com a sua honra. (Apoiados.)

Respeito o caracter do digno par que acaba de usar da palavra, e não posso nem por um momento pensar que s. exa. quizesse fazer a menor allusão offensiva dos brios e da respeitabilidade dos cavalheiros que se assentam n'esta casa, que todos elles dariam a vida para manter a independencia da sua patria. (Apoiados.)

Nas tradições dos homens publicos da nossa terra, na geração presente, não ha nenhum facto que auctorise lançar-se qualquer suspeita sobre o seu caracter de verdadeiro portuguez no seio da representação nacional. (Apoiados.)

O sr. Marquez de Sabugosa: - Peço a palavra.

O Orador: - Velho nas lides parlamentares, tendo a minha opinião consignada em quasi todos os debates importantes suscitados n'esta ou na outra camara, e reconhecendo o alcance que aqui o lá fóra se póde attribuirás palavras do digno par, não posso tolerar em silencio similhante insinuação ao caracter honrado do homem publico do meu paiz que occupa aquelle logar (os do ministerio), que tem encanecido no serviço da patria, e illustrando a sua vida por tradições e com factos que os odios partidarios não podem obscurecer perante a nação, que julga desassombradamente. (Apoiados.)

Sr. presidente, pedi a palavra quando o digno par, que acaba de fallar, se referiu a um periodo do projecto de resposta ao discurso da corôa, onde se trata das eleições geraes que ultimamente tiveram logar. S. exa. encontrou ahi uma especie de censura ou indicação contra o governo da parte da commissão.

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O projecto de resposta diz o seguinte:

"Declara Vossa Magestade, que tendo sido consultada vontade nacional, nos termos que dispõe a carta constitucional da monarchia, se sente feliz ao ver-se rodeado do representantes da nação, para dar começo aos trabalhos da presente sessão legislativa.

"Como monarcha constitucional manifesta Vossa Magestade assim a sua intima união com a representação nacional, penhor seguro da felicidade publica, pelo respeito inquebrantavel do systema representativo, em que a constituição do estado se funda."

Observa o digno par que não vem expressa aqui a palavra livremente que se encontra no discurso da corôa.

Recusei-me muito a acceitar a honra de ser relator da commissão de resposta, porque ha oito annos desempenho estas funcções, e entendo que no systema parlamentar e nos trabalhos da nossa camara é conveniente que não se perpetuem os encargos d'esta ordem. Já no anno passado me tinha recusado abertamente a ser relator da commissão a que me refiro, porque havendo intensão de se introduzir na resposta um periodo com relação ao exercito, a que não correspondia periodo algum do discurso da corôa, eu nem queria tocar esse ponto, nem tambem, o podia contrariar, porque o governo a que v. exa., presidia o tinha acceitado na outra camara.

Recusei-me por isso abertamente a ser relator. V. exa. sabe-o mui bem e sabe a rasão.

Na actualidade eu disse no seio da commissão, antes de acceitar o encargo de relator: Que considerava a resposta ao discurso da corôa como um documento da politica da nação; uma homenagem á corôa, em que se accentua a politica do paiz, mas alheia ao louvor ou á censura dos actos do governo, cujo exame se reserva. Tem sido esta a pratica constantemente seguida de ha muito nas duas casas do parlamento, votando-o por esta fórma todos os membros das camaras.

Disse mais, que se fosse provocado não poderia deixar de repetir na camara a declaração feita no seio da commissão, e por ella unanimemente acceita.

Fazendo-a agora, devo acrescentar que no projecto de resposta não se encontra phrase alguma que possa entender-se que contenha a minima idéa de censura directa ou indirecta aos actos do governo.

Repetindo aqui esta textual declaração que expressamente fiz no seio da commissão e com cuja condição acceitei ser relator, aliás não o acceitaria, cumpro um dever de lealdade.

Sr. presidente, uso a verdade, e entendo que estes factos da vida publica se devem liquidar tambem em publico. Eis-aqui o sentido da resposta ao discurso da corôa. Reserva o exame da politica do governo, mas accentua principios geraes de administração, como tem sido pratica constantemente, ou pelo menos nos ultimos oito ou nove annos, n'esta casa.

Devo tambem dizer, que no trabalho que apresentei á commissão não foi alterada pela commissão ou a pedido do governo nem uma phrase, nem uma virgula, como o escrevi assim foi acceite pelo governo é approvado pela commissão que o assignou.

Sr. presidente, eu entendo que a discussão da resposta ao discurso da corôa, com a largueza que se lhe está dando, é uma perfeita inutilidade; (Apoiados.) comtudo, acceito o facto, como me cumpre.

Não me occuparei, porém, de todos os assumptos que têem sido trazidos incidentemente á discussão, porque fatigaria a camara, e eu não desejo prenderia sua attenção por muitos minutos.

Tratou-se da politica geral, da questão de fazenda, da questão agricola, da balança do commercio, da diminuição e augmento de impostos, das questões de Aveiro, da eleição de Belem e de outras, de transferencias militares de tudo emfim, mas sem se estar completamente provido dos documentos necessarios para se poder fazer uma apreciação conveniente, justa e desapaixonada, como é dever dos corpos politicos e especialmente da indole d'esta camara.

Este systema conduz a alguma cousa? Não. É perfeitamente inutil. Trata-se de todas as questões sem se chegar a conclusão alguma.

O nobre presidente do conselho está presente e a elle compete responder pela politica do governo; no emtanto, se bem que não fosse impugnado nenhum dos periodos do projecto, como homem que não engeito os meus precedentes, entendo que não devo deixar desacompanhado o governo do meu paiz do concurso que lhe possa prestar com a minha palavra, pouco energica e pouco auctorisada, de certo, mas convicta.

Sr. presidente, na resposta que devo dar ao digno par, não tratarei de apreciar as eleições e isto por uma, rasão politica. Entendo que esta camara não tem competencia para discutir a genuidade da outra casa do parlamento, será isto erro da minha parte, mas é a minha opinião. Esta camara, no meu entender, não póde nem deve discutir a legitimidade da camara dos senhores deputados, avocando a si, e sem documentos o conhecimento das differentes eleições, a que se procedeu.

(Interrupção que não se ouviu.)

A mim não me incommodam as interrupções; mas parece-me que o melhor é cada um fallar no seu logar. Se a camara póde apreciar a genuidade das eleições, póde formular em voto a seu juizo, esse voto seria o julgamento da legitimidade da camara dos senhores deputados. (Apoiados.) Cousa que inverteria as attribuições das duas camaras.

O digno par póde discutir o que quizer; eu porém entendo que não posso discutir aqui a camara dos senhores deputados, que não me compete como par do reino apreciar a genuidade da representação no que toca áquella casa do parlamento; que se fossemos a discutir as eleições dos seus membros, discutiriamos a legitimidade da sua constituição, e para isso não temos competencia; assim como áquella camara não compete discutir a genuidade da constituição d'esta camara. Perfeita reciprocidade.

Póde arguir-se o governo a respeito de um ou outro facto especial, se ha documentos para isso, mas não podemos lançar sobre a constituição politica e constitucional da outra camara o stygma de que não é a expressão legitima do voto popular. (Apoiados.)

É isto um erro da minha parte? Será; e talvez não seja o unico, mas não posso seguir outra doutrina. Nós só poderiamos discutir a outra casa do parlamento, quero dizer, só teriamos competencia para isso, se se tratasse de fazer lei.

Não repare, pois, v. exa., nem a camara, se eu não discuto a questão eleitoral.

Por outra parte eu vivo completamente alheio á politica militante, e muito mais a negocios eleitoraes, todos o sabem.

Quando entro n'esta casa só trato de cumprir com o meu dever, e fóra d'aqui tenho outras obrigações, não faço politica, não sei de eleições, nem como se fizeram, porque não intervenho n'ellas, a minha missão é toda outra que tratar de taes negocios, não tenho outras aspirações senão cumprir com os meus deveres, não ambiciono o poder, nem faço concorrencia ao governo do estado, de mais o sabem os srs. ministros, e creio que todos.

Discuto aqui com a largueza que devo, satisfazendo á minha consciencia, aos deveres de homem publico, e ás minhas tradições, e nada mais.

Não sei se as eleições foram ou não livres, sobretudo abstenho-me de tratar d'este assumpto. O que sei é que não temos candidaturas officiaes. É certo que ha uma ordem de candidaturas protegidas ou apresentadas pelos partidos que apoiam os governos; mas candidaturas propriamente offi-

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ciaes não sei que as haja entre nós, nem nos mais paizes constitucionaes, a não ser talvez na Allemanha. Em França houve-as no tempo do imperio, mas presentemente não as ha. No nosso paiz nunca houve candidaturas consideraradas como officiaes.

Fallou-se aqui na eleição de Belem, e em varios factos occorridos com relação a ella. Não me refiro a este ponto, porque não desejo discutil-o; nem mesmo o poderia fazer, ainda que quizesse, visto não ter presentes documentos alguns em que assentar opinião sobre esses factos, a que o digno par se referiu, e sem documentos não é possivel formar-se idéa exacta.

O meu fim tocando n'este ponto, é apenas dizer ao digno par que alludiu a elle, e notou que tendo o governo mandado á repartição que eu dirijo, que procedesse contra os auctores dos mencionados acontecimentos, esta não havia comtudo procedido. Não é assim: deram-se logo as instrucções necessarias para se instaurar processo, e o processo está instaurado; nem eu me julgo com competencia para limitar as ordens superiores que se recebem n'aquella repartição.

A respeito de Aveiro direi que conheço essa questão, e posso afirmar que o digno par, na melhor boa fé, de certo, não relatou, taes quaes occorreram, todas as circumstancias. É esta uma questão especialissima, cheia de incidentes, que de dia para dia a fizeram variar.

De uma parte e de outra homens muito intelligentes esgotaram todos os seus recursos na execução da nova lei para a porem ao serviço das idéas que pretendiam fazer vingar. Poucas questões conheço tão envolvidas em circumstancias que successivamente as faziam variar, tendo por vezes, ora uns ora outros rasão, e não só uma parcialidade. Isto pelo menos até ao ponto em que eu tive conhecimento d'esses acontecimentos.

A final supponho, que todos chegaram ao bom accordo de se accommodarem, e não interromperem a marcha da administração.

Esta questão, pois, só em vista de todos os documentos é que póde ser apreciada, e ainda assim não será trabalho e estudo.

Não trato da questão de Portalegre, e não a trato por duas rasões. Primeira, pela que acabo de indicar, e segunda porque sou amigo de ha muitos annos do cavalheiro a quem o digno par se referiu, e entendo por isso que devo abster-me d'esse assumpto.

Sr. presidente, a questão do fazenda é o scopo para que com justiça estão voltadas todas as attenções, e será o unico ponto tratado com proveito, mas tratado friamente em vista dos factos, e em vista das leis economicas, que presidem ao desenvolvimento das forças productoras.

Entremos n'ella, mas desapaixonamento, mas com a verdade que o assumpto exige, com elevação de quem trata uma questão não d'este ou d'aquelle governo, mas do paiz, e na qual este tem fitos os olhos.

Não vejo na questão de fazenda o festim de Balthazar como viu o digno par, não vejo mãos occultas lavrando a sentença dos poderes constituidos.

No systema representativo não ha mãos occultas que lavrem sentenças contra os poderes do estado. Ha leis, ha principios politicos, que determinam á luz do dia, a marcha constitucional d'esses poderes e nada mais.

Portanto, sr. presidente, eu tratarei a questão de fazenda á luz da rasão fria como entendo que ella deve ser apreciada.

Antes, porém, direi que o debate n'este assumpto, para se poder seguir com alguma vantagem, carece de systematisado, e systematisado segundo os discursos dos dignos pares que n'elle tomaram parte.

Não seguirei o discurso de um ou de outro digno par em especial, mas tratarei de grupar em tres ou quatro pontos as reflexões mais importantes que se têem feito n'este debate.

Eu ponho de parte o que ninguem discute, o que ninguem contesta. Ninguem nega a necessidade de fazer grandes economias, de reduzir as despezas ao indispensavel. É esta uma necessidade impreterivel, que não se occulta. A ella se refere o discurso da corôa, e a resposta consigna-o expressamente.

Posto isto, para não estar envolvendo esta questão com as outras; se a memoria me é feliz, podem reduzir-se a tres pontos principaes as reflexões feitas pelos dignos pares que me têem precedido no debate.

- Apreciação do estado financeiro tomando como base unica a proporcionalidade dos encargos da divida com a receita do thesouro; apreciação do estado economico ou da riqueza publica, pelo padrão da balança do commercio: finalmente a opinião aqui accentuada de que os grandes melhoramentos não devem nem podem emprehender-se, emquanto se mostrar a existencia de deficit. Isto tudo como principios geraes, em que deve assentar o systema governativo das nações.

A estes tres pontos se póde reduzir quanto até agora aqui se tem dito sobre a questão financeira e economica.

Sr. presidente, eu não estou de completo accordo com as doutrinas aqui expendidas sobre estes tres pontos.

Disse-se que a proporção entre os encargos da divida e a receita do estado, era o regulador do estado financeiro de qualquer paiz; que esses encargos entre nós absorvem uma grande parte da receita publica, e no confronto com outras nações da Europa, encontrou-se que a proporcionalidade com respeito a Portugal nos é muito desvantajosa.

Com relação á riqueza do paiz, entendeu-se que o principio da balança das importações e exportações, e note-se que não se fallou das importações e exportações na sua totalidade, mas unicamente dos cereaes, era o regulador da riqueza do paiz.

Finalmente, entendeu-se que sempre que houver deficit, e deficit em condições como aquellas em que actualmente nos achâmos, os grandes commettimentos de progresso, para os quaes se precisa immobilisar consideraveis capitaes, são arriscados, e mostram grande imprudencia da parte do governo que os emprehende.

Eu sinto diversamente.

Não póde servir de modelo unico para apreciar o verdadeiro estado financeiro de uma nação a proporcionalidade que se encontre entre os encargos da sua divida com a receita; e não é confrontando o estado de uma nação sobre este aspecto com o estado actual da proporcionalidade da divida n'outras nações, que se póde avaliar com exactidão o verdadeiro estado financeiro d'essa nação no balanço commercial dos estados, isto quando uma nação está, emprehendendo a um tempo os seus grandes melhoramentos, que a civilisação não permitte retardar, e se vê obrigada por isso a immobilisar grossos capitaes, que trazem pesados encargos, que é mister lançar em parte ás gerações futuras. E é isto o que em parte significa a consolidação da divida. Não se póde apreciar desfavoravelmente o estado financeiro de um paiz, só porque a proporção entre os encargos da sua divida com a receita, não está nas mesmas circumstancias em que se encontra n'outras nações, em que de ha muito tempo se acham realisados esses melhoramentos.

Parece-me isto um ponto incontestavel.

V. exa. sabe que na epocha em que as nações começaram a dar grande desenvolvimento aos seus melhoramentos materiaes, todas ellas fizeram grandes sacrificios para os realisar.

Citarei, por exemplo, a Belgica, que, tendo-se constituido em 1830 como independente, em 1834 começou em larga escala a construir os seus caminhos de ferro por conta do estado, em parte por que os capitaes não se queriam comprometter e arriscar, tendo feito então consideraveis sacrificios, mas vendo mais tarde coroados os seus es-

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forços, porque esses meios reproductores levantaram aquella nação ao grau de prosperidade em que hoje se acha.

E aqui devo dizer que é preciso não attender só á receita directa que provém d'esses melhoramentos, mas á riqueza geral que elles criam nos povos, e que se reflecte em tudo influindo por todos os meios que são geralmente conhecidos no augmento da riqueza publica, e por consequencia, na do estado, e para fazer notar bem esta differença, relatarei um facto importante na nossa historia financeira. Em 1848 disse a commissão parlamentar que foi nomeada para examinar os effeitos da grande crise que tinhamos atravessado, ou estavamos atravessando, que em um dia cerca de 7.000:000$000 réis tinham ficado sem valor algum.

É à phrase que se encontra n'aquelle documento!

O resultado d'este depreciamento do credito, foi precipitar Portugal quasi na bancarota. N'essa epocha (1846) occorreu-se com o curso forçado, que foi a ruina do estado e de centenares de particulares. E foi esse o meio a que se recorreu, porque o estado não estava em condições de poder por um momento sustentar o credito. A desgraça foi geral. A moeda fiduciaria perdia 50 por cento e mais. Todos conservamos d'isso triste memoria.

Em 1876, deu-se uma crise financeira ou monetaria, ou uma cousa e outra, no paiz, e o thesouro achou-se em circumstancias de poder adiantar aos estabelecimentos bancarios mais de 5.000:000$000 réis, em especies! sustentando assim firme o credito da nação.

Não foi necessario recorrer ao curso forçado para restabelecer a circulação fiduciaria no mercado, nas condições de confiança, de que antes gosava.

Não se deixou de satisfazer a nenhum encargo publico, conservaram-se os pagamentos sem deducção alguma, e fez-se um adiantamento importante áquelles estabelecimentos de credito; tão importante quasi como a quantia a que a commissão de 1848 se referiu.

Não discuto se se fez bem se mal. Os resultados cortaram esta questão. Perguntarei apenas, approximando estes dois factos, o que revelam elles? Revelam o estado do credito do paiz. Esta é que é a verdade.

Em 1846 o thesouro não pôde ser superior ás perdas soffridas, e vergou por muito tempo de baixo d'ellas.

Em 1876 o credito do estado póde manter-se inabalavel e auxiliar ainda com 5.000:000$000 réis os estabelecimentos de credito.

Este confronto é significativo, por que revela é o augmento solido da riqueza e prosperidade publica, de que o thesouro é o reflexo.

Este facto é um desmentido claro á escola do pessimismo tanto ou mais prejudicial para o governo dos povos do que a do optimismo, porque aquella é a politica e as finanças da miseria, que esterilisa o credito; e ahi é que está o mais pesado encargo dos estados!

Sr. presidente, devo declarar que vi com grande satisfação confirmada a previsão que fiz n'esta casa em 1876.

Eu tive a honra de dizer n'essa epocha que tinha examinado attentamente todos os documentos e a fórma pela qual o governo havia tomado áquelles compromissos. Por essa occasião asseverei aqui, ser minha firme convicção que o governo n'esses adiantamentos não perderia um real.

O mappa apresentado agora pelo sr. ministro da fazenda e que está junto ao seu relatorio, é a completa prova da minha asserção.

Não me enganei. Devo registal-o. De feito o governo nada perdeu, nem de capital nem de juros, tudo está pago, e a diminuta somma de 18:000$000 réis que ainda falta por pagar ao governo, está assegurada por fortes penhorem, e será paga no praso. Se o governo não tivesse tomado aquella resolução, teriamos tido o curso forçado, em que muitos pensavam, e que não poucos aconselharam então.

Disse eu que não podemos confrontar o estado dos paizes que estão agora emprehendendo os seus grandes melhoramentos, como succede a Portugal, que tem tres linhas ferreas em construcção, duas já adiantadas e uma em começo, a da Beira Alta, linhas da maxima importancia, e que nos obrigam a grandes sacrificios; que temos tido impreterivel necessidade de refazer tanto quanto possivel a marinha, e de emprehender melhoramentos nas colonias, não podemos digo, confrontar o estado dos paizes que se encontram n'este ou em similhante periodo de transformação, com o estado de outras nações, que desde muito realisaram os seus mais importantes melhoramentos; que de ha muito concluiram a sua rede de linhas ferreas, que é o melhoramento por excellencia na epocha em que vivemos.

A confrontação feita assim em condições desiguaes é prejudicial para nós, porque ellas ha muito que realisaram estes melhoramentos, e hoje estão auferindo as vantagens directas e indirectas que elles lhes trazem.

Diz-se que quando ha deficit, quando o thesouro lucta com difficuldades, não deve dar-se impulso aos grandes melhoramentos, que obrigam a grandes sacrificios, como são os caminhos de ferro, estradas, emprezas de navegação, etc. que os estados tenham de subsidiar.

Pois, sr. presidente, estes é que são os verdadeiros elementos para se obter a prosperidades e d'elles é que ha tudo a esperar; parar é um vergonhoso erro economico.

Eu devo abonar com boa auctoridade esta minha opinião, e por isso vou citar um exemplo.

A França no anno passado saldou o seu orçamento com um pequeno excesso de receita, 5.800:000 francos.

O sr. Leon Say, ministro da fazenda, disse que esse era o saldo do orçamento ordinario. Todavia a França não duvidou consagrar ao desenvolvimento da viação accelerada e a outros melhoramentos extraordinarios a consideravel somma que já passo a indicar.

A este facto juntarei que a França, apesar de ter 9:500 kilometros de caminhos de ferro construidos concedeu ainda ha dois annos mais 2:532 kilometros.

Todavia, n'aquelle orçamento quando se trata de obras publicas, vê-se um augmento de 38.500:000 francos, destinados á construcção de caminhos de ferro, e contando as sommas extraordinarias, para rios e canaes, e para subvenção a companhias de caminhos de ferro, encontra-se uma totalidade de 63.000:000 francos, a cargo dos recursos extraordinarios que haviam sido auctorisados ao ministerio das finanças.

Aqui tenho o orçamento para o exercicio de 1878, onde estas verbas vem descriptas e desenvolvidos.

Tambem ahi o sr. Léon Say, referindo-se aos impostos, diz o seguinte:

"Emquanto os encargos publicos forem tão pesados como são n'este momento, não será possivel regular os orçamentos com excedentes mais elevados (5.800:000 francos) porque seria difficil de admittir que se devesse continuar a sustentar impostos unicamente para fazer apparecer excedentes de previsão. É esta uma rasão de mais para proceder com grande prudencia nos allivios de impostos, porque não ha reservas, nem por consequencia outras dotações para os creditos supplementares, que a maior valia das realisações sobre as previsões e as annullações de creditos."

E foi n'este estado de sacrificio, que a França constituiu a sua rede nova, isto pouco depois dos grandes desastres soffridos. É porque aquelle para os homens illustrados é melhor meio de curar esses males.

E não se diga que os rendimentos das linhas ferreas francezas são tão prosperos que não apresentem deficit e convidem por isso á construcção de novas linhas, porque no ultimo annuarió dos caminhos de ferro, se vê que das redes das seis grandes companhias, em que em 1859 se fundiram as muitas companhias então existentes, algumas accusam deficit em muitas das suas linhas, outras deram apenas um juro de 5 a 5 1/2

Não obstante este facto, e o desequilibrio momentaneo do rendimento das linhas ferreas francezas, o governo, porque

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é illustrado, e seguindo as idéas da epocha, fez concessões de cerca de 2:500 kilomotros, como deixo dito, quando já tinha realisadas as suas linhas mais importantes, e a propria rede dos caminhos de ferro departamentaes se achava quasi concluida.

Por aqui se vê como, com um orçamento, que contém gravissimos encargos para o contribuinte, saldado por igual ou quando muito com um diminuto excesso, segundo o proprio ministro reconhece, se intendeu que não se podia addiar a continuação dos grandes melhoramentos publicos, embora isso levasse á permanencia de onorosissimos impostos, que só circumstancias tão excepcionaes fizeram lançar e pagar!

Este é um systema de governo, eu não creio mesmo que haja outro.

Sr. presidente, este é o facto verdadeiro com relação á Franca, que aqui foi citada.

Mas, sr. presidente, todos os annos nos é indicada uma nação como directora para nos encaminhar na nossa marcha financeira!

O anno passado foi a Dinamarca. As finanças d'este paiz deviam ser a nossa guia. Este anno é a Suecia, que nos deverá servir de modelo; é principalmente o discurso proferido pelo monarcha d'esta nação na abertura do parlamento.

Eu não li o discurso da corôa proferido pelo rei da Suecia, mas posso dizer desde já, que seria uma cousa inconcebivel, que a Suecia estivesse esperando pela occasião de ter concitado a maior parte dos seus caminhos de ferro, para vir dizer agora o penitet e confessar que tinha errado. Sei que as grandes immobilisações obrigam a importantes sacrificios, mas sei que isto acontece tambem em todas as emprezas por mais pequenas que sejam, mesmo na vida particular de cada um; acontece, por exemplo, ao lavrador que planta vinhas, que tem de esperar, sete annos primeiro que possa tirar producto d'ellas, e durante esse espaço de tempo ha de fazer sacrificios de capital. Se plantar oliveiras ainda maior numero de annos terá de esperar, e os sacrificios hão de ser mais pesados. Mas nem por isso o immobilismo deve ser lei para o individuo ou para a sociedade, como o não é no mundo physico nem no mundo moral.

Eu não li, como disse, e discurso da corôa do rei da Suecia, mas tenho aqui uma obra sobre a administração publica d'aquelle paiz, onde, tratando-se das obras publicas e de melhoramentos que a Suecia tem realisado, diz o seguinte o seu auctor:

"Bem superiores ás subvenções para trabalhos publicos, que ficam mencionados, são as sommas que nos ultimos tempos, e num periodo ainda mais curto, que o da execução dos ditos trabalhos, têem sido empregadas na construcção dos caminhos de ferro do estado.

"Foi depois de grandes hesitações, que a Suecia empregou este excellente, mas dispendioso meio de communicação.

"Receiava-se que a configuração montanhosa do paiz, e a sua população pouco densa, não tornassem estas construcções mais onerosas, mais difficeis, e ao mesmo tempo menos productivas; estava-se alem d'isso pouco disposto a individar o estado.

"Entretanto, desde que finalmente o paiz se decidiu a emprehender estas construcções, foram conduzidas com vigor.

"Em 1866 todas as linhas ferreas do reino representavam uma extensão de 1:732 kilometros, afóra as então em construcção.

"Para a construcção dos caminhos de ferro do estado, subvenção e emprestimos a companhias de caminhos de ferro, a representação nacional votou desde a origem dos trabalhos até ao anno de 1866, 146.622:202 francos.

"Em 1854, quando a dicta havia decidido que todos os caminhos de ferro do estado deveriam ser executados directamente por sua conta, não havia a intenção de negociar para este fim emprestimos no estrangeiro

"Acreditava-se que os recursos podiam, sem novos impostos, encontrar-se no paiz, mesmo pelo meio de emissão de obrigações. Mas chegou depois o convencimento de que os trabalhos publicos em geral, e em particular os caminhos de ferro, não deviam ser executados com muita lentidão; que se por uma parte era necessario cuidar que as despezas não excedessem certos limites, por outra parte era mau calculo retrogradar por muito tempo as vantagens esperadas e finalmente que os capitaes necessarios para a execução dos trabalhos, não podiam ser levantados no paiz, sem prejudicar a industria.

"Em consequencia d'isto, a dieta decidiu que a construcção de certos caminhos de ferro projectados pelo governo e já votados, deveria ser rapidamente levada a effeito.

"Esta dieta e as duas seguintes decidiram, que sem se prender com qualquer consideração de paiz, ou de moeda, se negociassem emprestimos consideraveis para a execução dos caminhos de ferro do estado.

"Estes emprestimos negociados fóra da Suecia, attingiram no espaço de nove annos a cifra de 115.885:224 francos.

"A Suecia, que antes não tinha divida externa, e cuja divida interna era minima, tomou assim o encargo de uma divida privativa para caminhos de ferro de 124.579:000 francos (isto até 1866), mas ao mesmo tempo as rendas do estado e toda a producção do paiz obtiveram um acrescimo consideravel, e os caminhos de ferro em consequencia de um trafico já importante nos ultimos annos, têem notavelmente contribuido para o juro e amortisação do capital empregado."

Eis-aqui como em 1866 se expressava Lyungberg, na obra citada.

Posteriormente o desenvolvimento das linhas ferreas n'este paiz, augmentou sempre, a ponto que em 1876; no relatorio da sua reforma hypothecaria se diz:

"Havia sido impossivel ás companhias, levantar sem garantia hypothecaria, os capitaes necessarios para as numerosas linhas projectadas."

Não é provavel que esta mesma nação viesse agora depois de quasi tudo feito, renegar tantos sacrificios, e condemnar o systema seguido com insistencia por tanto tempo.

Aferindo o discurso da corôa pelo systema seguido pelo paiz, deve aquelle ter outro sentido!

Desenganemo-nos, ninguem tem força, e ainda bem que assim é, para fazer mudar a direcção que em todos os paizes se nota para os grandes melhoramentos publicos. (Apoiados.}

Isso pensou-se e procurou-se em outro tempo, mas essa epocha passou e não volta, era a epocha era que se combatiam as machinas e os caminhos de ferro!

Tudo isso passou de ha muito para o dominio da historia, donde não ha perigo que volte.

Sr. presidente, eu notarei que nós temos uma amostra do que é esse systema de não se fazerem obras publicas e de suspender as já começadas, tudo no interesse d'aquellas idéas.

Em 1868, ensaiou-se e seguiu-se na melhor boa fé, esse systema, e o que aconteceu? Eu leiu o que se encontra em um documento officiai d'esse tempo.

"O penhor que ao principio era de 35 por cento do valor nominal dos titulos, descia a 30, a 25 e a 20 mesmo, quando o credor via que não tinha o thesouro outro recurso senão annuir. Esta mesma garantia era já considerada illusoria, desde que se reconhecia, que a venda simultanea de grandes massas de valores depreciados era impossivel."

E isto dava-se depois do sr. Soveral, como se diz no mesmo relatorio, não ter sido succedido nas missões financeiras que o governo lhe incumbira.

A este systema momentaneo poz termo a administração sensata e illustrada do sr. Anselmo Braamcamp no ministerio da fazenda. Restabeleceu o segredo nas finanças; e

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administrou como nos outros paizes se administra. Não foi necessario mais para o credito se restabelecer, e as cousas entraram no seu estado normal.

Sr. presidente, do que levo dito concluo, que inevitavelmente deve ser differente a proporcionalidade da divida n'um paiz que de ha muito realisou os seus mais importantes melhoramentos, d'aquelle que os está realisando agora.

Essa proporcionalidade em taes circumstancias não póde por isso ser o representativo do estado economico da nação.

Concluo ainda mais com o exemplo das proprias nações invocadas, que os melhoramentos publicos productivos não devem ficar sujeitos, por assina dizer, ás imposições do deficit, sempre que a despeito d'elle os paizes os poderem realisar. Assim como os homens publicos, as nações têem necessidade impreterivel de serem do seu tempo.

Como meio de apreciar o estado financeiro dos paizes e em grande parte o seu estado economico, eu estabeleço outro principio: é o preço ou cotação da divida, porque é a medida do credito, e este só se mantem n'um certo nivel pelo reconhecimento do estado economico das nações. Se o preço da sua divida corresponde ao preço rasoavel do dinheiro, e esse estado se mantem, está ahi o padrão, se assim se póde chamar, para se apreciar o estado do credito, porque o credito é o reflexo das condições economicas dos estados.

Não ha indagador mais perspicaz e mais subtil do que o credito, elle é que afere a solvabilidade das nações.

Fez-se aqui a apreciação do nosso estado financeiro, tomando por base o encargo da divida por capitação.

Este systema não é exacto, não sou eu que o digo, é o sr. Leroy Beaulieu.

Se fosse verdadeiro, as condições financeiras da Turquia seriam mais vantajosas que as da França, porque ao passo que a divida n'esta em capitação daria 12 francos e 14 centimos por cada individuo; na Turquia apenas chegaria a 5 francos e 60 centimos, mas nota bem aquelle economista, que as condições economicas da França habilitariam o subdito francez a pagar com menos sacrificio a sua quota do que ao subdito da Turquia a sua. São apreciações estatisticas mui uteis é certo, mas não criam leis economicas, o que é cousa mui differente.

Sr. presidente, tão pouco sigo na apreciação da riqueza do paiz, a antiga theoria da balança da commercio, especialmente procurando-a de genero a genero.

O principal defeito da chamada balança de commercio é que não faz conhecer a verdade dos factos economicos, e tanto basta para não poder ser seguida como indicador ou regulador seguro da riqueza ou do estado economico da nação.

Muitas são as rasões, começando por uma geralmente reconhecida, e que já aqui foi indicada pelo sr. ministro da fazenda, a inexactidão dos valores declarados na exportação, e que a insignificancia do direito não leva a verificar.

Mas não é só esse erro que vae influir no calculo, ha causas mais poderosas.

Nos valores manifestados á exportação não vão lançadas as despezas de transporte, seguros, cargas e descargas, e armazenagens, e tudo isso se faz representar depois no valor para a venda. Acresce que aquelles valores assim exportados, addicionados com as despezas que descrevi, e com os ganhos obtidos, se voltam em retorno de mercadorias, parte d'aquelle augmento, o lucrativo, deve figurar como differença na importação, quando o não é, porque apenas é representativo dos valores obtidos sobre os objectos exportados.

E como esta é a marcha regular do commercio, resulta que o simples balanço das importações e exportações não é a expressão exacta nem approximada do facto economico. O que haveria a confrontar seria a totalidade dos valores exportados addicionados com despezas e lucros, representados em retorno pelas importações; formula porém a que não correspondem nem podem corresponder as estatisticas.

Junte-se ainda a tudo isto as perdas do mar; o contrabando, e finalmente as grandes importações, para serem immobilisadas no material dos caminhos de ferro e das grandes industrias, que é evidente que não podem balancear-se senão n'um a serie de annos, e reconhecer-se-ha que a balança do commercio com rasão desappareceu de ha muito dos calculos economicos entre os principaes economistas.

Isto não significa porém que as estatisticas das importações e exportações não sejam de grande valor para calculos economicos.

Eu não devo negar aqui que as estatisticas das importações e exportações em genero, onde ha exactidão, não sejam de grande valor na apreciação do desenvolvimento economico, mas é principalmente ahi, porque expressam as quantidades produzidas, que servem, se se trata da agricultura, para, apreciar as forças productivas comparadas com a area cultivada, e por outra parte as necessidades crescentes do consumo, mas não é para balançar importação com exportação, porque ahi teria de se attender á totalidade dos valores, e não á homogeneidade dos productos.

Na apreciação do verdadeiro estado economico do paiz, tem de ser tido em conta, as suas producções e os seus grandes melhoramentos? realisados, ou em via de realisação, e as producções só em series de annos se podem apreciar bem.

A conta dos preços é igualmente factor que tem de ser attendido, assim a producção, a exportação e importação, as grandes immobilisações, o valor dos melhoramentos realisados, tudo, tudo entra na apreciação do verdadeiro estado de uma nação. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu devo declarar que não entendo que estejamos no melhor dos mundos possiveis, nem na melhor das situações financeiras.

Se o dissesse, faltaria á exactidão que devo, e contrariaria o que está escripto no projecto de resposta, em que se notam as difficuldades, que não são só nossas, mas geraes, e que immensamente influem na nossa situação financeira.

Estas difficuldades são de todos os paizes, mas reflectem-se em Portugal consideravelmente.

Isto não quer dizer que não tenhamos tambem causas especiaes e nossas infelizmente, que concorrem para esse estado.

Entre essas causas cito a deficiencia das colheitas dos ultimos annos, deficiencia que em todos os paizes vae salda com grossas sommas em especies, causa ordinaria de não poucas crises monetarias.

Notarei e principalmente os desastres soffridos por alguns dos nossos estabelecimentos de credito, e para este ponto chamo muito especialmente a attenção do sr. ministro da fazenda e de todo o governo.

O estado do credito no paiz, não fallo agora do credito do governo, mas do credito dos diversos estabelecimentos, é um assumpto importantissimo, que deve merecer a mais seria attenção dos poderes publicos.

Sinto vivamente que com relação a este assumpto não se tenha dado entre nós o mesmo que succedeu na Belgica, isto é, que não tenha tido logar o accordo de todos os homens publicos para se chegar a uma resolução vantajosa. V. exa. sabe que uma das principaes reformas que se emprehenderam n'aquelle paiz, a que teve por objecto especialmente fundar em bases firmes, o credito fiduciario, foi votada por unanimidade e quando em 1872 se fez nova reforma sobre o mesmo assumpto, tambem houve o accordo unanime que se notara da primeira vez, dando-se a circumstancia de não estar no poder o mesmo partido que fizera a primeira reforma, e ainda em 1873 o mesmo accordo se deu sobre as regras da emissão.

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É que todos os homens politicos d'aquella nação comprehenderam a vantagem que resultaria de se unirem num só pensamento-o de dotar o paiz com uma reforma que reorganisasse e fixasse em bases largas e solidas o credito fiduciario, de modo que podessem provir d'elle os mais favoraveis resultados.

Creio que é preciso dar a maxima garantia á certeza das operações, que é preciso estabelecer a circulação fiduciaria em bases seguras e largas, porque sem as ter não podem os estabelecimentos bancarios desenvolver o seu credito, que se deve levar essa circulação a todos os pontos do paiz onde possa chegar, estatuindo-se conjunctamente o principio de que o papel fiduciario auctorisado, emquanto for pago á vista nas differentes localidades que se designem, deve ter obrigatoria a sua acceitação.

É o que pratica o estado, e é o que deve estatuir-se para os particulares, mas é mister para isso não se distanciarem consideravelmente os logares de troca.

Esta é a minha opinião individual, fundada nos factos que se têem dado em outros paizes, e sobretudo na grande reforma que a Belgica adoptou, e que era pouco tempo deu larga margem a grandes commettimentos, tornando-se a circulação fiduciaria o elemento mais poderoso para o desenvolvimento do paiz, e obtendo tal importancia, que hoje iguala, se não excede a somma dos rendimentos do thesouro.

O sr. Carlos Bento: - Excede-se.

O Orado: - Aqui tem v. exa. uma prova de que não é necessario grande numero de leis para trazer as maiores vantagens para um paiz; o que é mister é fazer leis acertada;?.

Em epochas de credito, como aquella em que vivemos, a firmeza e a extenção d'este é tudo, e eu sinto, torno a dizel-o, que no nosso paiz tanto falte a fazer ainda com relação a este grave assumpto.

Firmar e generalisar o credito, é resolver em grande parte a questão economica, e com a resolução d'esta questão ficaria tambem em grande parte resolvida a questão financeira, ao menos tornar-se-ha muito mais facil resolvel-a.

Tenho ouvido fazer aqui reflexões a respeito da agricultura, como querendo mostrar-se que ella precisa de ser dirigida pela mão do governo. Pela minha parte entendo que o estado deve fazer em relação a agricultura o mesmo que lhe compete praticar com outras industrias. Ao estado cumpre procurar dar desenvolvimento ao credito, a fim de que se possa proporcionar á agricultura como ás outras industrias o capital mais barato. A agricultura precisa produzir mais, melhor, e mais barato para o productor.

Este é principalmente o ponto da questão, para isso precisa do capital barato.

Uma das principaes causas do maior desenvolvimento da nossa provincia do Minho, alem das condições especiaes de terreno e outras, foi ter em tempo abundancia de capitaes baratos, e ainda hoje não lhe faltam capitaes.

Ao sul do paiz não succede assim. É um facto sabido. O Minho em tempo tinha o capital que queria a 3 por cento, hoje não sei a que preço o tem. Isto nunca succedeu no resto do paiz.

Não tenho que occupar-me dos estabelecimentos de credito rural, largamente tratei d'esse assumpto na outra casa do parlamento, fui vencido, mas não convencido; não volto aqui sobre esse assumpto.

Sr. presidente, vou terminar, lembrando apenas ao governo a necessidade de se occupar detidamente d'estes pontos a que me referi, fazendo uma lei bancaria, porque na minha opinião, a lei das sociedades anonymas impropriamente se applica ás sociedades bancarias. Essa lei está modelada pela lei franceza de 1866, tem prescripções boas e convenientes para as sociedades industriaes, mas não foi destinada a regular as instituições bancarias, embora á falta de outra lei ahi se tenham accommodado!

Este ponto é importante, não posso agora discutil-o, nem que podesse o faria; não seria esta a occasião propria; é assumpto para ser tratado multo reflectidamente. Se elle aqui for trazido, terei então occasião de expor mais detidamente as minhas idéas a este respeito.

Com relação aos impostos, eu desejo muito que elles se possam diminuir; mas creio que o não poderemos fazer por emquanto. E sobre aquelle a que mais especialmente se fez referencia, a contribuição de registo, tenho muitos receios em que se lhe toque por ora, nem para mais, nem para menos.

Se um imposto não é importante, pouco importa que se diminua; mas, se o é, uma diminuição n'elle, que valha, póde trazer grandes difficuldades para as receitas publicas.

Os impostos têem uma rasão de ser, e só se devem diminuir quando as circumstancias do thesouro o permittam.

Com relação ao imposto sobre o assucar, pois tambem se fallou d'elle, quando uma vez haja de se lhe tocar para o diminuir, não convem fazel-o sem compensações, especialmente nos direitos dos nossos vinhos.

Estes assumptos, porém, não se discutem na resposta ao discurso da corôa, e só por incidente me referi a elles, visto sobre elles se ter insistido.

Sr. presidente, não tenho nos meus apontamentos outros pontos aqui tratados, a que deva responder, e por isso termino aqui as minhas observações. Se for necessario, como relator da commissão, tomarei novamente a palavra.

O sr. Mártens Ferrão (em resposta ao sr. marquez de Sabugosa): - Direi poucas palavras. O digno par, o sr. marquez de Sabugosa, repetiu pouco mais ou menos o que tinha dito. Isso envolve a idéa de que os srs. ministros, pelos seus actos ostentosos, poderiam comprometter os interesses e a independencia da patria. Vi uma insinuação directa ao governo.

Eu disse que não podia suppor que similhante insinuação se fizesse a nenhum homem publico d'este paiz, e disse-o porque é a expressão da verdade. Usei do mesmo direito de que o digno par usou. Como membro d'esta casa tenho o plenissimo direito de me referir á fórma externa das declarações aqui feitas, e tirar d'ellas as consequencias que d'ahi se deduzem. Nada tenho a alterar do que disse.

E nada mais tenho a dizer.

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