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SESSÃO DE 5 DE MAIO DE 1871

Presidencia do exmo. sr. Custodio Rebello de Carvalho, vice-presidente supplementar

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

(Assistia o sr. presidente do conselho de ministros.)

Ás duas horas e um quarto, sendo presente numero legal, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo, para o archivo da camara dos dignos pares, o authographo do decreto das côrtes geraes, datado de 10 de abril ultimo, sanccionado por El-Rei, e já convertido na carta de lei de 14 do mesmo mez, pela qual foi regulado o direito que deve pagar o gado bovino e asino abatido no matadouro publico de Lisboa.

Um officio do sr. Manuel Joaquim Fernandes Thomás, participando o fallecimento do digno par Roque Joaquim Fernandes Thomás.

O sr. Presidente: - A camara acabou de ouvir ler a participação do fallecimento do nosso illustre collega o digno par, exmo. sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás. Creio desejará, seguindo-se as formalidades do estylo, e o que se deve á memoria do digno par, se consigne na acta da sessão de hoje que tão infausta noticia foi recebida com o mais profundo sentimento.

Muitos testemunhos de sentimento, e manifestações da camara em respeito ás palavras enunciadas pelo exmo. sr. presidente.

O sr. Presidente (continuando): - Os dignos pares que me acompanham n'este voto de sentimento, tenham a bondade de o manifestar, levantando-se.

Foi unanimemente approvado.

Vozes: - A manifestação foi unanime.

O sr. Conde da Azinhaga: - Peço a palavra antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Conde da Azinhaga: - Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que tenciono ausentar-me de Lisboa por alguns dias, 3 por esse motivo hei de faltar ás sessões d'esta camara.

O sr. Presidente: - A camara fica inteirada.

ORDEM DO DIA

Interpellações do sr. Conde de Linhares

O sr. Presidente: - A ordem do dia é a verificação das duas interpellações do digno par o sr. conde de Linhares ao sr. ministro da marinha.

Mandei saber á outra camara, se estava ahi presente s. exa., e no caso de o estar, convidei-o a comparecer n'esta.

(Pausa.)

(Entrou o sr. ministro da marinha.)

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia, que são as duas interpellações do sr. conde de Linhares ao sr. ministro da marinha.

(O sr. secretario leu es referidas duas notas de interpelação, anteriormente publicadas no Diario d'esta camara, quando apresentadas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Linhares.

O sr. Conde de Linhares: - Sr. presidente, mandei para a mesa duas notas de interpellação ao sr. ministro da marinha. Quanto a uma d'ellas, que julgo de menor importancia, deixa-la-hei para o fim.

Parece mesmo que o sr. ministro já tomou a este res-

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peito alguma resolução, pelo que felicito a s. exa. Começarei portanto pela que diz respeito ao subsidio á companhia de navegação a, vapor de Lisboa para os portos de Africa occidental.

Talvez s. exas. julguem que esta minha interpellação tem apenas por fim conhecer se ha já tratado algum projecto de contrato sobre a referida navegação; n'esse caso a resposta seria negativa, porquanto sei que o sr. ministro da marinha poz a concurso a empreza d'esta navegação, e igualmente sei que foi mal succedido no seu proposito.

Portanto se unicamente me limitasse a tal pergunta, natural seria que s. exa. me respondesse: "Não haver ainda um resultado definitivo sobre o assumpto". Mas tal não é o objecto de que vou tratar, e que importa interesses graves para o nosso commercio e para a nossa marinha mercante.

Direi, todavia, que as condições do contrato que se fez com a companhia actual duram ha nove annos, e portanto este praso está a findar. N'este presupposto, não sei ainda se o sr. ministro da marinha tenciona ou não continuar o mesmo contrato, apesar de não terem apparecido outras propostas em condições mais aceitaveis.

Até hoje tem concedido o governo dois beneficios consideraveis e diversos em auxilio do maximo desenvolvimento productivo das nossas colonias; esses beneficios cifram-se em primeiro logar no subsidio, em dinheiro, de 200:000$000 réis pagos pelo orçamento da marinha; e no segundo, em certa vantagem nos direitos differenciaes que pagavam as mercadorias idas da metropole para as colonias; parece-me que de 30 por cento. Não sei se foram sempre de 30 por cento, mas duvida não ha que se devem calcular entre 30 a 40 por cento. O resultado d'esta medida ninguem nega, nem póde negar, que concorreu muito para o desenvolvimento da industria e commercio d'estas colonias. Effectivamente a nossa colonia da provincia de Angola já tem um excesso de receita de 80:000$000 a 100:000$000 réis, e não se póde negar que o deve em grande parte ao resultado do trato commercial, promovido pela navegação mais acelerada.

É opinião de muitos, e talves d'ella não defira, que uma parte do desenvolvimento da nossa Angola é devido a essa navegação, como igualmente, e talvez na sua maxima parte, á abolição do trafico da escravatura em que até uma certa epocha se cifrava o commercio d'aquella nossa colonia no transporte de escravos, quer de uma para outra colonia nossa, quer depois, e tambem antes para o continente de outro hemispherio - o transatlantico.

Todos conhecem, os dignos pares e o paiz, os grandes inconvenientes que para estas nossas colonias de Africa resultavam d'este trafico ou commercio, nem mais me esplanarei sobre este assumpto; sómente direi que depois da abolição d'este odioso trafico os negociantes d'aquellas paragens lançaram suas vistas para outros generos de commercio, e portanto desenvolveram mais a sua industria, da qual sabido é que recolhem hoje maiores proventos n'uma relação mais directa e intima com a metropole e mais benefica para os seus proprios interesses.

Esta é uma das principaes rasões que concorreram para o actual estado florescente da provincia de Angola.

Creio que foi no ministerio do sr. Latino Coelho que se acabou com os subsidios que se davam a esta provincia.

Peço licença para declarar á camara, pois que estou tratando de um tão alto e ponderoso assumpto, ser minha opinião, que o ministerio da marinha se deve occupar não só

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no que diz respeito á marinha de guerra, como igualmente no concernente aos interesses da marinha mercante portugueza. (O sr. Visconde de Soares Franco:-Apoiado.)

S. exa. o sr. ministro da marinha disse em um conciso mas eloquente discurso quando se apresentou ao parlamento, que desejava seguir as pisadas de alguns dos seus antecessores. Esses antecessores não podem deixar de ser, em primeiro logar, o nobre marquez de Sá da Bandeira, e tambem os srs. Mendes Leal, Rebello da Silva e Latino Coelho. Vejamos como realisa a sua promessa.

Não vendo presente o sr. marquez de Sá e não receiando offender a sua modestia, aproveito esta cccasião de prestar-lhe a minha devida homenagem. Sabem todos quaes os serviços do sr. marquez de Sá, e todos conhecem de sobejo que s. exa. não se limitou a verter seu patriotico sangue em prol da liberdade e do throno constitucional. Foi, e tem ido sempre, muito mais longe s. exa. com uma actividade que presumindo-se não propria da sua idade, são uns dos não somenos venerandos padrões de sua gloria, aquelles prestados em favor das nossas colonias e da nossa marinha. Outros serviços, e não somenos, tem prestado igualmente o nobre marquez de Sá, se bem que de relance, por não ser esta a propria occasião, mui levemente toco, por excepção fallarei só do que respeita ao seu alto e patriotico empenho das fortificações de Lisboa. Se taes fortificações chegarem a concluir se, como deseja e se empenha o nobre marquez, conhecerá então o paiz quanto deve, e ficará ainda mais devendo a s. exa. por esse só facto. S. exa. nunca levantou mão de tal assumpto. Honra se lhe preste. Quantas e quantas vezes ergueu aqui, n'esta camara, o sr. marquez de Sá a sua auctcrisada voz, instando para se consstruirem as fortificações de Lisboa, embora fosse qual fosse o estado das nossas finanças.

Não me deterei mais n'este ponto que de leve fallei... A camara o avaliará. Vou occupar-me unicamente do assumpto da minha interpellação.

O sr. marquez de Sá da Bandeira quando entrou para o ministerio da marinha não encontrou, a bem dizer, um navio apto para o serviço naval; encontrou apenas, e sinto dize-lo, alguns antigos navios de vela e os vapores Mindello e D. Luiz; que não podiam satisfazer as necessidades do serviço.

N'esta conjunctura, s. exa. pedio um credito ao parlamento para a compra da navios novos. Comprou quatro vapores de guerra; dos quaes dois podem certamente considerar-se, se não de primeira ordem, todavia vasos mui respeitaveis, e em estado de poderem apresentar se em qualquer porto estrangeiro, sem envergonhar a nação a que pertencem. Comprou mais o unico transporte bom que possuimos, e abasteceu os depositos do arsenal.

Ao nobre marquez de Sá da Bandeira, seguiu-se na gerencia da pasta da marinha e ultramar, um illustre cavalheiro, cujos talentos são bem conhecidos. Refiro-me ao sr. Mendes Leal: s. exa. seguio os passos do seu antecessor, procurando por quantos meios possiveis, promover a construcção de embarcações de guerra e o trabalho nacional, para restituir á marinha portugueza o lustre e brilho de que ella é gloriosa herdeira, pela sua tradicção, e pelo que podemos ser como potencia colonial de primeira ordem.

Áquelle cavalheiro seguiu-se na mesma repartição, um actual digno membro da outra camara o sr. Latino Coelho, e a este succedeu um nosso illustre collega o sr. Rebello da Silva. Estes dois cavalheiros, cujos talentos tanto admiramos, tambem do mesmo modo, diligenciaram, emquanto occuparam aquella pasta, collocar a nossa marinha na altura condigna a essa tradição e historia.

Permitta-me a camara que eu abra aqui um parentesis.

Todos conhecem o talento notavel e elevada intelligencia do meu amigo o sr. Latino Coelho, da qual sou o primeiro a dar testemunho, porquanto fui condiscipulo de s. exa. Este cavalheiro, com o seu elevado talento e boa vontade, elaborou o projecto de una grande reforma na marinha; reforma que tinha por fim, na sua maxima parte, organisar os serviços d'aquella repartição, e de modo tal, que diminuisse consideravelmente a despeza, que se reputava bastante elevada, attendendo-se ao estado da nossa situação financeira. Ora, esta reforma, com todas as reformas que tendem a fazer economias, teve adversarios. Apesar de pela corporação da marinha algumas das disposições da elaboração do sr. Latino Coelho serem combatidas, outras foram acceitas, e permitta-se-me a expansão - muito bem aceitas! Deixando mais expressada aqui a minha fraca opinião de que: - algumas das outras, que de parte ficaram, eram muito aproveitaveis.

Depois do sr. Latino Coelho occupou a pasta da marinha o cavalheiro a que me referi já, o digno par o sr. Rebeilo da Silva. Aceitou elle em parte as reformas iniciadas pelo seu antecessor, alterando-as e modificando-as n'alguns pontos. Está presente um digno par, o sr. visconde Soares Franco, que por essa occasião presidiu á commissão encarregada de examinar essas reformas, á qual tambem tive a honra de pertencer, e s. exa. dirá se, effectivamente, as reformas feitas pelo sr. Latino Coelho não eram quasi as mesmas que o digno par o sr. Rebello da Silva apresentou; mas tanto um como outro reconheceram que os quadros do arsenal da marinha eram muito pequenos e infinitamente limitados não só para as obras de construcção que ali tem logar, como para outros projectados fabricos.

Se bem que o sr. Rebello da Silva, continuou n'esta tarefa bastante difficil, a que já apontei, das reformas, e lutando com embaraços não pequenos; justiça se lhe faça? que não descurou, ao mesmo tempo dos negocios do ultramar. S. exa. procurou estabelecer ali quanto possivel, a liberdade de commercio, e para isso decretou que os direitos differenciaes que pagavam as mercadorias em Cabo Verde, S. Thomé e Ambriz fossem abolidos. Mais tarde, porem, e creio que depois de ter consultado as competentes estações, reconheceu-se que uma medida tão repentina traria alguns inconvenientes e por consequencia foi resolvido que, em vez de serem desde logo abolidos inteiramente esses direitos em Cabo Verde, o fossem a pouco e pouco, até sua completa extincção.

Apresentei esta pequena digressão a respeito de alguns serviços importantes prestados pelos antecessores de s. exa. o actual sr. ministro da marinha, para concluir que respeitando as rectas e justas intenções de s. exa., e avaliando como devo, os seus talentos, não supponho que s. exa. imagine, ou presuma ser mui facil cumprir o seu programma, e seguir a senda indicada por alguns dos seus anteriores collegas, limitando-se apenas ás medidas pouco importantes, como vou demonstrar, que se diz em publico estarem na mente do sr. ministro.

Não será unica e simplesmente com a abolição do denominado commando geral da marinha, que s. exa. poderá conseguir resultados importantes na sua administração. É minha opinião que as reformas não consistem na mera mudança de denominações. Nada influem os nomes, e tenho por certo que emquanto houver marinha ha de forçosamente haver quem a commande. Ou se chame commandante geral, ou major general, ou intendente, ou superintendente de marinha, tudo isto importa a mesma cousa. Ha de haver uma entidade pessoal, e não uma privativa de nomenclatura.. Portanto não posso presumir dos talentos de s. exa. que considere esta mudança, meramente nominal, de grande importancia para a sua gloria e illustração na gerencia da pasta que lhe está commettida. Se as actuaes circumstancias da fazenda não lhe permittem outros emprehendimentos de mór alcance, acredite s. exa. que reformas qual acabo de apontar, de tão insignificante importancia, não satisfarão os seus desejos, nem attingirão proficuos resultados.

Verdade é que se falla, e é um rumor publico, em alguma cousa mais do que isto. Todavia seguirei o systema que a mim proprio tenho imposto, de que emquanto não tiver a certeza, ou for facto notorio, ser improprio da ca-

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deira, que tenho a honra de occupar n'esta camara, attingir a esses rumores.

Todavia não posso, n'esta dada circumstancia, como par do reino e logar que desempenho fóra d'esta camara, deixar de citar um d'esses boatos. Vem a ser o annunciar-se já, como negocio decidido, uma certa pretendida venda dos nossos navios que não estão em estado de servir, para com o producto d'essa venda se concertarem os que possam ainda ser aproveitaveis, provocando-se para isto uma decisão parlamentar.

Não falto, n'este ponto, ao respeito que tenho por s. exa. e á justiça que faço aos seus talentos nas observações que vou fazer.

O sr. ministro não conhece de certo o estado de todos esses navios; mas o meu digno collega o sr. visconde de Soares Franco, pela circumstancia de os ter já commandado, conhece-os perfeitamente; e de mim devo dizer igualmente, sem que se deite á conta de presumpção, que da mesma fórma os conheço, por quanto muitas vezes tenho dirigido os seus concertos.

Os navios a que se allude n'esse rumor publico, creio serem a nau Vasco da Gama, corvetas Goa, Damão e D. João; o brigue Pedro Nunes se for condemnado; e o pontão Terceira.

Ora, se s. exa. levar estes navios á praça experimentará o desengano de que ninguem os compra!... A experiencia lh'o demonstrará.

Passo a relatar, para comprovar a minha asserção, um facto já succedido em circumstancias analogas. Annunciou-se a venda de dois navios inutilisados - eram o vapor D. Luiz e o Sado. Por um offereceram 200$000 réis, e pelo outro não offereceram nada! Ninguem os quiz. São mais velhos do que eu. A minha idade como homem não toca na decrepitude; porém os annos que tenho vivido, em relação a um navio, é muito. É o que se dá com os navios de que acabo de fallar, não podem elles servir para cousa alguma, nem mesmo para um pontão!...

Por consequencia, o que se póde, e mesmo deve fazer?

Desmancha-los, e aproveitar-lhes alguma ferragem.

Não queria nem desejava eu descer a estas questões pequenas; mas todavia fo me necessario unicamente para mostrar o convencimento em que estou de que o sr. ministro da marinha tem de certo outras idéas importantes e occultas ao publico, em relação aos melhoramentos das nossas colonias e da navegação mercante; visto não poder s. exa. fazer hoje novas construcções, porque não tem meios para isso, nem mesmo seria justo exigir que os contribuintes, que com tanta difficuldade pagam os impostos actuaes, mais onerados fossem para o governo portuguez obter uma marinha de luxo, construindo navios de systema moderno; nem rasoavel suppor que s. exa. se limite na sua gerencia ás duas importantes medidas que ha pouco analysei.

Mais explicarei a minha preposição. Reconhecem todos que não está na mão de s. exa. o exceder a certas despezas do orçamento. Perguntar-se me-ha todavia que poderá, n'esta dada conjunctura, fazer o ministro da marinha? Simples será a minha resposta: deve s. exa. por todos quantos meios estiverem ao seu alcance, promover a nossa navegação mercante; e entendo que é possivel e necessario
faze-lo.

Mais me explico. S. exa. quando apresentou o seu programma, e declarou que tencionava seguir quanto possivel os exemplos que tinham dado alguns dos seus antecessores, não podia ter em mente limitar-se a cousa tão pequena como seria a abolição do commando geral da marinha, ou á venda de alguns navios velhos que não servem para nada.

Esta idéa de vender navios velhos, vem de certa tendencia que temos para copiar o que fazem os estrangeiros. O governo inglez vendeu navios, a que elle chamava velhos; mas que navios eram esses? Ha dois annos estava eu em Plymouth e vi uma nau de tres pontos, nova, inteiramente nova, com machina de Penn, que é o primeiro fabricante d'ellas em Inglaterra, a qual nau não valeria menos de 1.500:000$000 réis. Pois essa nau era um dos taes navios velhos, de que o governo inglez se desfez, para ser applicado como pontão. E porque fizeram isto os inglezes? Foi pela força das circumstancias, obrigados pela sua posição militar, que os levou a construir navios de guerra do novo systema e a desfazerem-se dos navios do antigo systema, e que n'outros paizes mais pequenos poderiam servir de muito. Venderam-se então navios muito baratos, e pena foi que o governo portuguez não aproveitasse a occasião para obter duas grandes corvetas e uma fragata, que foram vendidas por 3:000, 4:000 e 5:000 libras; eram navios novos com excellentes machinas, e muito proprios para o nosso serviço.

Já se vê que não temos em que imitar os inglezes, pois os nossos navios velhos, são velhos e muito velhos, e só servem para desmanchar, e isso mesmo não valeria a pena porque seria preciso contratar operarias, visto que os do arsenal não seriam sufficientes, e tanto que se está fazendo um desmancho n'aquelle estabelecimento pelos aprendizes, por estarem os poucos operarios que temos empregados em trabalhos mais importantes.

Por conseguinte, não posso crer que o sr. ministro da marinha tenha intenção de adoptar estas medidas salvadoras, e tambem a de desarmar a fragata D. Fernandot porque está reconhecido que nenhum resultado util d'ahi tiraria. A escola de artilheria é indispensavel, e s. exa. de certo não póde ter idéa de acabar com uma instituição de que se não póde prescindir. Faço a melhor idéa do illustre ministro a todos os respeitos, sinceramente o digo, reconheço-lhe as melhores intenções; mas s. exa. ve se numa posição muito desagradavel, porque tem poucos meios. Todavia, o nobre ministro poderá fazer alguma cousa util sem despender muito dinheiro, e até fazendo economias, se entrar na senda que lhe apontei.

Agora voltando á questão do subsidio. É sabido que houve uma reunião da associação commercial de Lisboa, em que se tratou d'este negocio. Eu tenho aqui o extracto do que n'essa reunião se disse, e aconselho a sua leitura. Não posso fazer aqui uma analyse detalhada das opiniões que se emittiram, mas darei d'ellas uma breve noticia. Duas opiniões diversas se apresentaram.

Uns pedem que se conservem os direitos differenciaes de 30 por cento nas colonias e que se reveja a reforma, que foi feita pelo sr. Rebello da Silva para o Ambriz, S. Thomé e Cabo Verde, e pedem igualmente que se de um subsidio a uma companhia que navegue com bandeira portugueza para os portos do ultramar.

Um dos cavalheiros que defendeu esta idéa é um homem versado em cousas economicas, que não conheço pessoalmente, mas conheço bem os seus escriptos, e confesso que me admirou um pouco de o ver tão acerrimo defensor dos direitos differenciaes. É verdade que estes direitos poderão ser conservados ainda por algum tempo, mas esse tempo deve ser aproveitado para crearmos uma marinha mercante portugueza, e não para lucupleiar emprezas estrangeiras.

A outra opinião que houve na associação, e que foi vencida, era que os direitos differenciaes não podiam conservar-se por muito tempo, principalmente em Angola; e diz-se isto porque nas terras neutras, contiguas a Angola, augmentaria muito o contrabando, e tanto mais que as mercadorias que vão para Angola não estão sujeitas a corrupção e é muito facil haver o contrabando; e tambem sustentava o subsidiar-se só as malas.

A continuação por muito tempo, alem do que é necessario, de certas peias, e o desejo de querer forçar o commercio directo a ir a certos pontos, tem tido resultados funestos. Eu não sou economista, e sinto não ver presente o sr. Rebello da Silva, que tinha obrigação de entrar n'esta questão, porque foi s. exa. quem quiz estabelecer a liberdade

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de commercio para as nossas colonias, e confesso que o applaudo muito.

Ha quem diga, que não é muito bom proteger indifinidamente o commercio indirecto para Angola, quando já o desenvolvimento productivo da provincia chegou a certo ponto. Ha um facto que não posso deixar de mencionar, que vem muito para aqui, e me convenceu n'esta opinião. O facto é este: em Angola o desenvolvimento da producçao do café é muito grande, e convem que o commercio d'este genero seja feito pelos navios de vela que vão receber ordens a differentes portos: systema seguido por quasi todo o commercio. Por consequencia, segue-se que se nós continuarmos por muito tempo a subsidiar uma companhia de vapores para tratar do commercio indirecto, não ha duvida que destruida assim completamente a navegação mercante portugueza, não teremos nem um só navio de vela da nossa praça, que possa aproveitar o valioso commercio de exportação de Angola para todos os portos da Europa, quando em poucos annos for absolutamente indispensavel acabar com todas as pelas e restricções que ainda por alguns annos a provincia tolere. Se não aproveitarmos o tempo, o desenvolvimento productivo de Angola que custa 200:000$000 réis ao mesquinho orçamento do ministerio da marinha, ha perto de doze annos, será todo aproveitado pela navegação e commercio estrangeiro; e poderia ser nos applicado o verso do poeta: "Sic vós non vobis..." o que não desejo.

Estou certo que s. exa. tem estudado maduramente o assumpto que deu logar á representação da praça de Lisboa que passo a ler:

"Terminando, os signatarios pedem mui respeitosamente a Vossa Magestade:

"1.° Que em qualquer reforma de pauta para as alfandegas do ultramar que de futuro haja de se fazer, se conceda o favor de 30 a 40 por cento sobre os direitos para a reexportação de manufacturas e generos estrangeiros procedentes dos depositos das alfandegas do reino; e bem assim que ás mercadorias e generos do paiz seja concedida uma protecção sufficiente para se poder supportar a concorrencia estrangeira;

"2.° Que as reformas futuras das ditas pautas sejam submettidas ao exame do conselho geral das alfandegas e publicadas antes de sé dar á execução;

"3.° Que sejam reformadas as actuaes pautas das alfandegas de Cabo Verde, S. Thomé e Ambriz, na conformidade dos principios expostos e ouvido o mesmo conselho geral das alfandegas;

"4.° Que se conserve uma linha de vapores, com bandeira e tripulação nacicnaes, partindo directamente de um porto do reino."

Tendo portanto terminado o que tinha a dizer sobre a questão dos direitos differenciaes, vou tratar agora da questão dos vapores.

Em 1864, os proprietarios da companhia Lusitania tinham feito um contracto por vinte annos, contrato que não foi approvado pelas côrtes. Depois d'isto fez-se um contrato provisorio por dezoito mezes; depois por dois annos; e ultimamente por tres annos, que é o contrato que termina em outubro, isto é, d'aqui a cinco mezes. Na minha opinião este contrato é mau; e não póde continuar. Sobre isto ha a representação da praça de Lisboa que acabo de ler, e que merece toda a consideração, mas a marinha mercante tambem tem direito a igual contemplação, e subsidiando-se carga n'estes vapores da companhia torna-se impossivel os carregamentos em outros navios, vindo por consequencia a acontecer o que tem já acontecido, que é desapparecerem os navios da praça e ficar aniquilada a navegação mercante portugueza.-

É preciso que se aproveite o beneficio dos direitos differenciaes unicamente em favor da nossa marinha e navegação como ha pouco demonstrei.

O contrato com a companhia Lusitania tem umas poucas de condições onerosas, como por exemplo aquella que obriga a companhia a abrir termo de carga em todos os portos de escala. Esta condição, muito util aos interesses da companhia, é a causa principal da grande demora que tem as viagens d'estes vapores. Pouco importa que ellas se realisem em 28 dias uteis até Angola, se com a demora nas escalas á espera de carga, a correspondencia de Loanda tem a data de quarenta dias. O que se paga nos paizes estrangeiros, quando se subsidiam companhias é a certeza e a, rapidez das viagens, e portanto assim é que estamos venda que navegam os seus paquetes com toda a regularidade e que não se demoram, pois que de contrario pagam multas excessivas.

Nenhum paiz subsidia carga. Verdade é que na associação commercial houve quem declarasse que não se podia exigir que uma companhia estrangeira viesse estabelecer-se no paiz para perder. Isto é claro; mas nós é que temos obrigação de zelar as nossas cousas, e evitar que essa companhia tenha uma vantagem, que não é só para o commercio, mas principalmente para si, e que tem o grande inconveniente de acabar com a marinha mercante.

Tambem ha uma outra idéa, e creio que é de um dos collegas do sr. ministro da marinha, que vem a ser conservarem-se por algum tempo estas communicações rapidas para as provincias ultramarinas, tratando-se de dar uma certa somma, ou subsidio, a certas companhias de navegação inglezas que façam um grande numero de carreiras rapidas para transportar as malas. Não me conformo inteiramente com essa idéa, comquanto diga ao sr. ministro da marinha que tenho mais sympathia por ella do que pela continuação do subsidio á companhia actual. Se me não conformo inteiramente com a idéa dos paquetes inglezes, que já são subsidiados pelo governo inglez, é unicamente porque elles não preenchem o fim que se deseja, visto que não ficam inteiramente ás ordens do nosso governo, pois este precisa muitas vezes transportar não só a correspondencia, mas tropa, degradados e passageiros, e mesmo quaesquer outros objectos para as colonias, ficando por consequencia assim o governo privado d'estes meios de conducção na occasião em que não tiver transportes de guerra que possam satisfazer estes serviços; mas se o governo adquirisse estes transportes para o seu serviço, essa idéa das companhias subsidiadas unicamente para a condução de malas seria aceitavel.

Eu não sei se o governo tomou alguma resolução a este respeito; mas como é difficil chegar-se a uma solução satisfactoria, atrevo me a apresentar uma idéa que não sei se agradará ao sr. ministro da marinha; mas que em todo o caso me parece rasoavel, e que póde satisfazer em parte as exigencias e pedidos da praça de Lisboa, conservando navios com a bandeira portugueza, e em segundo logar satisfazer s. exa. os seus desejos, dotando a marinha com, um melhoramento que todos os seus collegas têem tentado fazer, mas que não se póde conseguir até hoje. Refiro-me á compra de transportes, e ao serviço feito por conta do governo.

Se s. exa. quizer comprar tres vapores, n'estas condições, fará n'isso um grande serviço á nossa marinha; e se quizer dar-se ao incommodo de examinar um trabalho que aqui tenho, feito por pessoas competentes, sobre este assumpto, verá quanto elle tem de aproveitavel, e quanto póde servir de auxilio n'este intuito; porque é um trabalho, feito por officiaes de marinha e por engenheiros, em que expendem idéas com as quaes eu estou de accordo e aceito completamente.

Aqui está, por exemplo, este artigo inserto nos Annaes do club militar naval, publicado em dezembro do anno passado, que trata da fórma como se podem fazer algumas acquisições. Diz assim:

"Poderia entre nós ser mantido o serviço de navegação para Africa, por conta do estado, mediante a acquisição de tres navios de vapor, novos e expressamente feitos para esse serviço, proximamente de 700 a 800 toneladas, bem apparelhados com panno latino, e gaveas de facil manobra,

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com a velocidade media de 9 milhas, e consumo de combustivel de poucas toneladas diarias, tendo espaço para 300 toneladas, de carvão, 210 de carga, e alojamentos para 25 passageiros de ré e 100 de proa proximamente.

"O custo de cada um d'esses navios, construidos com solidez, mas sem sumptrosidade, e não propriamente para usos de guerra, poderia orçar por 25:000 libras esterlinas. Seria, pois, o seu custo total de 70:000 libras ou proximamente 340:000$000 réis, menos da verba que actualmente se despende em dois annos com os subsidios. A sua despeza annual, suppondo serem tripulados por 50 praças cada um, seria em pessoal proximamente 40:000$000 réis para os tres vapores; em combustivel 5:000 toneladas annuaes, e despeza de sobrecellentes, 40:000$000 réis; e calculando os concertos, deterioração, pintura, etc., em 6 por cento do capital, teriamos em reparações annuaes proximamente 20:000$000 réis, resultando portanto como despeza total de custeamento e manutenção dos navios uma verba de proximamente 100:000$000 réis, em logar dos 167:500$000 réis, que só na linha actual de Africa se despendem como subsidio, afóra os outros encargos. Ora, d'esta despeza provavel de 100:000$000 réis, haveria depois a deduzir talvez 20:000$000 réis que actualmente se gastam em fretes e passagens durante cada anno, reduzindo se assim a despeza a 80:000$000 réis, a qual ainda será attenuada não só por permittir a diminuição de outros serviços que hoje não se podem dispensar, mas tambem pelos proventos eventuaes dos passageiros e fretes que constituiriam uma receita para os mesmos navios, como acontece aos paquetes propriamente ditos.

"Temos, pois, que se despendesse por uma só vez um capital de 340:000$000 réis, em logar de annualmente despender 200:000$000 réis, obier-se-ia um melhor serviço, uma escola pratica de officiaes e marinhagem, uma facilidade de acção para o governo dispor dos seus proprios navios sempre que d'elles venha a carecer em casos urgentes. E comparando a despeza annual de 80:000$000 réis, com a que actualmente se faz para obter tão mau resultado, ver-se-ha que sómente na linha de Africa haveria uma economia de 87:000$000 réis annuaes. Assim em quatro annos poderia estar amortisado o valor da compra dos tres navios.

"Com estes meios, o serviçe poderia ser mensal."

E podem, na minha opinião, custar ainda menos, navios que já são muito bons; s fallo com certa experiencia, porque no anno passado tive occasião de ver um navio mercante, que trabalhava em alta e baixa pressão, deitando 12 milhas e era proprio para genero de serviço em que podemos empregar um transporte. Este navio, inteiramente novo, de mais de 800 toneladas, custava apenas em Glascow, 22:000 libras. Mas, suppondo mesmo que os tres navios custassem 75:000 libras esterlinas, que são approximadamente 340:000$000 réis, era ainda muito bom negocio, porque é esta a importancia que o governo até hoje tem pago de subsidio á companhia em cada dois annos.

Ora, alem de ficarmos possuindo tres navios novos, pagos com o dinheiro destinado a subsidios á companhia, que depois se não pagariam, acrescia a circumstancia que as despezas com os tres navios não excederiam a 100:000$000 réis, logo muito menor que o subsidio, dando em resultado uma economia. Ainda mais, d'estes 100:000$000 réis tem a abater-se os transportes de passageiros, degredados, etc., que tudo monta a 20:000$000 réis, resultando d'ahi que a despeza ficava reduzida a 80:000$000 réis, o que é de certo maior economia.

Por este systema havia, alem da vantagem de dotar a marinha com este melhoramento sem excesso de despeza, outra inapreciavel desde logo, que era o cessar a condição que ha no contrato em que a companhia tem direito de poder importar, sem pagamento de direitos, tudo de que carecer para os seus navios, o que é excessivamente nocivo para a industria e trabalho portuguez.

27 *

Eu estimaria muito que s. exa. se resolvesse a aceitar esta idéa, e fizesse a navegação para os portos de Africa, por conta do estado.

Todos sabemos que não é bom principio que o estado seja empresario d'esta natureza; mas tambem não é bom principio conservar os direitos differenciaes (apoiados).

Podem citar-se exemplos de outras nações em sentido contrario; porém tambem é certo que as nossas circumstancias são diversas; porque nós não temos navegação para as colonias, não temos um transporte, e sernos ía por consquencia, muito conveniente possuir tres, por tão diminuto sacrificio.

A marinha de guerra portugueza, tende a transformar-se; os navios modernos custam muito caros, e os nossos orçamentos não podem lá chegar; logo não podemos te-los, e devemos cuidar em acudir ás nossas necessidades, e amoldamos aos nossos recursos, augmentando a nossa marinha propriamente colonial.

Aqui tem s. exa. o meio como póde dotar a nossa marinha, sem grande sacrificio de maneira que ella possa satisfazer ás exigencias do paiz. E á sombra d'isso o commercio portuguez começará a fazer navegação.

Para tal se conseguir talvez s. exa. possa apresentar uma medida que isente de direitos os materiaes para a construcção de navios e machinas em favor dos armadores portuguezes.

Na minha opinião, sr. presidente, parece me que o melhor expediente será a compra de tres navios: o emprestimo que para isso houver de se contrahir, em cinco ou seis annos póde ser amortisado, e teremos por este meio conseguido o nosso fim, dando á marinha portugueza um certo desenvolvimento, e podendo estes navios servir de escola de navegação, senão de guerra.

Eu peço desculpa á camara de lhe ter tomado tanto tempo: mas não podia deixar de tratar mais largamente uma questão como esta, de tanta importancia, e que importa interesses tão graves para a nossa marinha, e commercio. Agradeço a v. exa. e á camara a indulgencia com que me ouviram; e espero que o sr. ministro nos exponha as suas idéas sobre o assumpto.

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): - Sr. presidente, o digno par deu um desenvolvimento tal ao preambulo da sua interpellação, tocou tantos e tão importantes pontos de administração, que de certo me acharia por extremo embaraçado se devesse ou quizesse responder ás diversas questões que me apresentou de surpreza, n'uma especie de exame vago, nas quaes ha assumptos de maximo interesse publico, que prendem incessantemente a attenção do governo sem que todavia possa desde já apresentar sobre elles uma opinião decisiva, que o digno par mesmo parece não ter assentado, e que n'este momento declarada, seria senão precipitada pelo menos inopportuna.

S. exa. fallou das modificações das pautas ultramarinas, ultimamente decretadas, e especialmente da suppressão do beneficio que n'ellas tinham as mercadorias reexportadas do reino, e sem nos deixar perceber claramente qual é o seu juizo sobre o valor d'estas reformas, quiz indagar as intenções do governo sobre a applicação dos mesmos principios e providencias as provincias do ultramar aonde ainda não chegaram.

O digno par e a camara hão de dispensar-me de responder categoricamente sobre este assumpto, que envolve interesses consideraveis que não tem pressa de ser julgados, e que não póde ser aqui sentenciado incidentalmente sob a fórma de uma interpellação inopinada; porque não obstante haver o governo já tomado uma medida que tende a extinguir aquelle beneficio na provincia de Cabo Verde, n'um certo praso de tempo, por entender que as relações commerciaes d'aquella provincia com a metropole não podiam ser sensivelmente perturbadas com esta providencia nem os interesses particulares n'ellas empenhados, comprometiidos na fórma em que ella foi decretada; não pode-

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mos affirmar o mesmo da outras provincias, como a de Angola, aonde as permutações commerciaes são de outro vulto e os interesses nacionaes, por ellas creados, bastante ponderosos para nos aconsslharem a maxima circumspecção no modo de os tratar.

Eu, como discipulo da escola liberal, comprehendo que o desenvolvimento das nossas colonias não está exclusivamente dependente do commercio da metropole, mas do commercio do mundo inteiro, que mais efficaz será elle para lhe apressar o progresso (apoiados); mas tambem creio que tenho obrigação de pensar na mãe patria, como nas colonias, e sei que estas nos teem custado grandes sacrificios, que é justo nos retribuam em bem equilibradas relações commerciaes, que habilitem a nossa industria a concorrer nos seus mercados com a estrangeira. Isto é um assumpto gravissimo, sobre o que me não parece agora a occasião propria de alongar a discussão.

Pelo que toca ás communicaçôes regulares com as nossas colonias africanas pela navegação a vapor, que é o ponto obrigado da interpellação do digno par, eu não tenho duvida em declarar a s. exa. que no meu modo de ver são de uma utilidade economica e politica incontestavel, e mal concebo hoje a vida social de uma monarchia composta de provincias longiquas e dispersas, que as não ve nem com ellas se corresponde pela fórma breve e segura com que todos os estados mandam a acção da sua administração aos seus dominios, e vigiam os seus interesses em toda a par te aonde os possuem.

Tenho para mim que é negocio este digno de merecer attenção particular ao governo, que seguramente lha não nega. E comtudo é forçoso reconhecer que na situação financeira a que chegámos, tendo por interesse de primeira ordem procurar o equilibrio orçamental, somos obrigados a disputar á necessidade todas as despezas para chegarmos a este grande resultado da ordem nas finanças, que é o principio gerador de todos os commodos sociaes; e n'este serviço das carreiras de Africa, como nos outros, havemos de despender só e unicanente o que for compativel com os recursos do thesouro; e para isso estamos em negociações que não devo prejudicar com mais e pouco discretas explicações.

Bastará assegurar ao digno par e á camara que o governo tem em consideração especial este objecto pela sua importancia e pela urgencia da sua resolução.

Não me detenho em discutir a questão dos subsidios das cargas ou da conducção das malas, que sempre me parece de todo o ponto ociosa da hypothese que se deu comnosco. Subsidiâmos uma conpanhia para tocar nos nossos portos da Africa occidental, procurâmo-la expressamente para esse fim, porque não ía, não foi, nem lá quiz ir outra nem para cargas, nem para malas, nem para passageiros; e se esta não quiz ir lá por manos do que o que lhe demos, nem com condições differentes d'aquellas que firmou, que senso commum tem esta arguição eterna reproduzida por todas as bôcas de que subsidiâmos as cargas do commercio? Haviamos de prohibir-lhe que tomasse fretamentos? Seria preciso pagar-lhe tres ou quatro vezes mais para a indemnisar disso, e ter o gosto de ver os principios triumphantes em viagens mais apressadas.

Eu bem sei que o governo só deve procurar a regularidade e brevidade das viagens, e pagar estas condições de navegação para o mais prompto e seguro transporte de malas e passageiros, porque é só n'isto que está o interesse e a obrigação do estado; mas, obtido este serviço, creio que não haverá rasão para nos escandalisarmos das companhias, que, sem faltar a esta obrigação, quizeram tomar fretes do commercio. E não creia o digno par que a nossa navegação de vela foi excepcionalmente afrontada pelas carreiras a vapor da Africa occidental. A marinha mercante de todas as nações transformada em parte em navegação a vapor diminuiu naturalmente as suas embarcações de vela na mesma proporção em que o digno par acha a nossa reduzida; e não tenha receio de que ella se extinga, porque os tres quartos pelo menos dos volumes transportados pelo commercio do globo hão de sempre pertencer aos fretamentos de vela emquanto o carvão custar o que hoje custa, e as machinas occuparem o mesmo espaço nos navios a vapor.

Por ultimo devo declarar ao digno par que de todas as fórmas de estabelecer o serviço das carreiras de navegação a vapor para a Africa, a que me é menos sympathica é a que s. exa. me recommenda, por conta do estado, com a acquisição dos tres vapores de que noa leu a nota orçamental de seu custo e despeza de custeamento. Não concordo com essa opinião. (O sr. Larcher: - Apoiado.) Nem posso resignar-me a ver a nossa marinha militar empregada no officio de postilhões e recovagens.

Adnaitte se que este serviço lhe toque alguma vez, por necessidade e excepção, mas por vida e trato de profissão afigura-se-me que conduziria a uma deploravel relaxação da disciplina militar e a uma derogação da brios da classe, que desejo sempre ver levantada de espiritos e de dignidade.

S. exa. no seguimento do seu discurso referiu-se a cousas de marinha sobre noticias vagas e sem auctoridade capaz de ser invocada n'este logar e occasião, que eu me abstenho de apreciar, porque o que em tudo isso houver de certo a esta casa ha de vir e aqui será discutido e julgado como merecer. Entre essas cousas a que alludiu fez-me s. exa. a honra de me attribuir o projecto de querer illustrar a minha gerencia com certas medidas um tanto futeis de que me julga auctor, ao que parece, o que me obriga a observar ao digno par que eu tenho já nos meus peccados bastante que expiar, e não preciso acrescentar a penitencia com as imputações graciosas de s. exa. Mas, torno a repetir, esses assumptos não teem agora base nem opportunidade para aqui serem discutidos, e a mim só me cumpre affirmar á camara e ao paiz que venero a nossa marinha militar como uma instituição que lavrou muitas das paginas mais gloriosas da nossa historia e da civilisação da humanidade, e que ainda hoje a considero como uma necessidade indeclinavel da nossa existencia politica e do nosso progresso social. Tenho a certeza de que não ha nenhum portuguez que folgue de a ver decadente, e nas minhas mãos nunca ella será aniquilada nem abatida. (Vozes: - Muito bem.)

E já que de marinha fallámos não será fóra de proposito lembrar ao digno par que me não parece muito fundada a critica que s. exa. fez á venda dos navios velhos.

Eu por mim que tenciono empregar todos os esforços para obter do parlamento auctorisação e meios para fazer acquisição de alguns navios de guerra e de um transporte ao menos para o serviço proprio da marinha, a fim de começar a transformação do material da nossa marinha militar, que todos julgam incapaz de bem servir pela qualidade, estado e armamento dos navios, creio que não podemos fazer outra cousa d'aquelles que não tiverem prestimo para as obrigações da armada, e como taes forem julgados pelos funccionarios competentes, senão
vende-los por todo o preço por mais infimo que seja. Parece-me que é uma regra elementar de administração alliviarmo-nos dos encargos de conservação de navios que não prestam ainda que o seu valor venal seja quasi nullo.

Com relação á primeira interpellação, creio que não me resta mais nada a dizer, e como o digno par poz de parte a que se refere á navegação do rio Zambeze...

O sr. Conde de Linhares: - Peço a palavra.

O Orador: - É talvez por saber as intenções do governo a respeito d'este negocio, aguardo pois as observações que s. exa. quer fazer e depois responderei como cumprir.

O sr. Conde de Linhares: - Eu desejava apenas saber se o governo tomou alguma resolução ácerca da compra de rebocadores e lanchas para a navegação do rio Zambeze.

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O Orador: - O melhoramento e policia da navegação do rio Zambeze é uma idéa que preoccupa ha muito tempo os escriptores e os homens publicos que se têem dedicado ao exame dos meios que possam aproveitar ao desenvolvimento da riqueza d'aquella extensa e fertil porção de territorio que se chama o valle do Zambeze.

Aquelle rio que percorre nos nossos dominios uma extensão de cerca de 200 leguas é por por si e pelos seus affluentes a via de conducção de quasi todos os artigos do commercio que se explora no sertão, dentro e fóra dos nossos dominios, n'uma area maior de 80:000 leguas quadradas, exigia ha muito tempo que se fizesse alguma cousa como medida economica para n'elle garantir a liberdade da navegação e a segurança dos transportes.

É evidente que quando podérmos policiar o rio com uma navegação armada e assim guardar a liberdade e a segurança dos transportes do commercio, que n'aquellas paragens anda sujeito ás aventuras das rapinas do gentio e das violencias dos traficantes, que por ali demoram, que pela sua indole e costumes são pouco escrupulosos com o alheio e nem ans aos outros se respeitam, teremos incontestavelmente melhorado as condições do commercio d'aquella riquissima região, que alem de possuir (segundo dizem historiadores e viajantes) todas as riquezas mineraes desde as mais uteis, o carvão e o ferro, até ás mais preciosas, o oiro e os diamantes, tem em si a flora e a fauna das cinco partes do mundo; e com o melhoramento das condições do commercio teremos dado impulso a todos os ramos do trabalho industrial, que criam e procuram os productos que alimentam o trafego d'aquella parte sul da nossa provincia de Moçambique.

Mas esta idéa, que á primeira vista se recommenda por incalculaveis vantagens economicas, nunca foi traduzida em providencias praticas pelos governos que, obrigados a attender a outros interesses da administração colonial, que se lhes antolhavam mais urgentes, não deixaram passar esta do estado de uma theoria especulativa, emquanto os desastres, que infelizmente soffremos com a recente expedição da Zambezia, não vieram demonstrar a impossibilidade de operar militarmente n'aquella região insalubre sem recursos de transporte prompto e seguro das tropas em campanha, dos seus fornecimentos e do seu material e munições de guerra.

E inutil recordar a melancolica situação de alguns centos de homens de guerra que iam do seu paiz, nas praias occidentaes da Europa, animados do patriotico zelo de desaggravar a sua bandeira dos insultos de um rebelde, ás regiões intertropicaes do oriente africano, aonde se viam forçados a fazer centos de leguas de marchas a pé, obrigados a parar a cada passo nos logares mais insalubres, esperando viveres e munições que não chegavam, e sentindo-se morrer envenenados pelas emanações dos paues pestilenciaes em que acampavam, sem meio de resistir ao mal, porque nem viveres que lhes reanimassem as forças, nem remedios que combatessem a doença lhes podiam chegar, por falta de transportes, dos depositos que haviam deixado atrás de si, aliás larga e abundantemente providos.

Esta situação desesperada dizimou os nossos guerreiros; e os que sobreviveram a tanta angustia ficaram tão debilitados de forças, que se apresentaram diante de um inimigo, aliás desprezivel, era tal desalento e em tal desordem moral e material, que deu de si o resultado que a camara conhece e o paiz deplorou.

Foi esta desgraça sobretudo lamentavel, o que chamou a attenção do governo para a necessidade de não adiar por mais tempo a execução de um melhoramento que até ali não tinha passado do estado de uma discussão theorica de interesses economicos, e em abril do anno passado mandou o sr. Rebello da Silva a junta consultiva de marinha consultar as condições geraes de navegação que deviam ter dois barcos de vapor rebocadores e algumas lanchas destinados á navegação no Zambeze. Á vista d'esta consulta procurou o governo informações de Inglaterra sobre o custo da construcção dos referidos barcos, e mais tarde mandou áquelle paiz uma commissão composta de pessoas competentissimas para examinar as condições da construcção e indagar os meios mais economicos de realisar a adquirição d'aquelles barcos. Esta commissão desempenhou com todo o zêlo o seu dever, e mandou ao governo, em agosto proximo passado, os planos e propostas de uma casa respeitavel de Glasgow, que ella achou melhor para cumprir as condições d'esta encommenda.

O governo, procurando então saber pelo ministerio da fazenda se elle estava habilitado para fazer os pagamentos necessarios, achou da parte d'aquelle ministerio alguma hesitação a respeito dos prasos marcados, e ficou este negocio adiado. Por esta occasião disse-se que aquella commissão fazia uma grande despeza ao estado, porque cada um da seus vogaes ganhava seis libras por dia, quando elles só venciam 6$000 reis! Por consequencia o governo ou porque precisava adiar os pagamentos, ou para fazer calar esta censura exagerada, e talvez por ambas as causas, mandou retirar a commissão e o negocio ficou por concluir. O que foi pena, porque se teria adiantado algum tempo no bom serviço da colonia.

Quando entrei para o ministerio já a commissão se achava em Lisboa; e em novembro recebi um officio do governador geral de Moçambique, no qual se pedia, entre outras cousas, a renovação das munições e material de guerra consumidos, bem como os vapores rebocadores e lanchas necessarias para o serviço da navegação do Zambeze. Consultei a commissão sobre o modo como esta questão dos rebocadores e lanchas poderia ser resolvida, e consideradas outras informações a que tive de recorrer por incidentes que sobrevieram n'este negocio, fiz de tudo o meu juizo, e entendi que devia decidir-me pela acquisição dos barcos de que se carecer, preferindo as propostas e planos apresentados em agosto pela commissão que foi a Inglaterra, os quaes ella então recommendou como aceitaveis, e me inspiravam confiança do bom desempenho pelos precedentes conhecidos dos constructores.

Não me parece que possa dar mais explicações ao digno par emquanto s. exa. as não pedir.

O sr. Marquez de Ficalho: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica. Peço a v. exa. que lhe de o competente destino.

O sr. Secretario: - Leu-o.

Foi a imprimir.

O sr. Oonde de Linhares: - Eu direi apenas duas palavras, porque não desejo tomar mais tempo á camara.

Pelo que diz respeito á minha interpellação, que se refere á acquisição de alguns rebocadores e lanchas para o serviço da Zambezia, declaro á camara que fiquei satisfeito com a resposta que obtive da parte do sr. ministro da marinha e ultramar; por isso que s. exa. me declarou ter comprado os vapores, encommendando-os a uma casa respeitavel em Inglaterra. O meu fim era que se dotasse a provincia com este melhoramento, importando-me pouco da escolha que s. exa. houvesse de fazer entre casas que julgo todas em estado de cumprirem fielmente qualquer contrato com o governo portuguez.

Emquanto á minha principal interpellação, s. exa. disse que seria muito conveniente não entrarmos agora n'essa questão, a respeito da qual ha negociações pendentes. Não desejando comprometter por indiscrição um negocio tão importante, não tenho remedio senão sujeitar-me ao desejo de s. exa., não provocando novas explicações a este respeito; mas peço-lhe que attenda com todo o cuidado, proprio da sua illustração e patriotismo, a este assumpto. Desejaria tambem lembrar uma cousa a s. exa., e vem a ser que se espera comprar um transporte, ou dois, com a verba votada em credito extraordinario para este fim me parece que no estado do nosso thesouro não será ainda s. exa. quem dote a marinha de tão valioso melhoramento. É esta

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a rasão pela qual insisto cada vez mais na minha idéa da compra dos tres transportes feitos pela verba que era destinada até hoje para o subsidio da companhia Lusitania. Mesmo no caso em que a camara lhe não votasse os réis 200:000$000, como até agora, mas uma quantia inferior, nem por isso s. exa. ficaria privado de comprar os vapores, porque, se não podesse amortisar o emprestimo necessario em cinco annos, o faria em dez ou doze. E emquanto a ter receio de fazer assa navegação por conta do governo, não me parece haver rasão sufficiente, porque tudo depende da boa administração que está na mão de s. exa. estabelecer.

O sr. Ministro da Marinha: - É unicamente para manifestar o meu agradecimento ao digno par, pelas informações que me dá, as quaes me habilitam a alargar mais as minhas vistas sobre este objecto, e póde mesmo este expediente que me apresente, servir como recurso provisorio para não precipitar as negociações em resultados menos convenientes ao thesouro.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Soares Franco.

O sr. Visconde de Soares Franco: - Sr. presidente, não tencionava tomar parte na interpellação do digno par, visto ser meu intento aguardar a analyse do orçamento para levantar de novo a questão de marinha; pois tenho a firme convicção de que não podemos nem devemos tratar de leve as cousas navaes. Mas, acquiescendo ao convite de s. exa., o sr. conde de Linhares, vou entrar francamente na questão, fazendo as considerações que me occorrerem.

Não seguirei o digno par interpellante na enunciação que acaba de fazer com respeito aos ministros que têem gerido a pasta da marinha. Muitos são já os erros accumulados e opportunamente os faremos sobresair para melhor distribuição da responsabilidade. É, porém, fóra de duvida que os nomes dos dignos pares, Sá da Bandeira e marquez d'Avila e Bolama, representam para a nossa marinha uma epocha de prosperidade e de iniciativa.

A esses cavalheiros deve o paiz a força maritima que serviu de nucleo á que hoje possue, e para a qual contribuiu bastante o sr. Meades Leal, ministro illustrado e laborioso.

Se os esforços d'estes homens d'estado não tivessem convergido para a restauração da marinha de guerra, a armada portugueza seria hoje uma ficção.

Entrando agora no assumpto em que assenta a interpellação, direi que é de longa data a controversia a respeito de companhias de navegação subsidiadas para conduzir carga de generos coloniaes.

Quando foi ministro da marinha o distincto academico, o sr. Latino Coelho, tive a honra de ser nomeado por s. exa. para presidir a uma commissão que teve por encargo propor os meios de reorganisar o quadro das diversas classes de que se compõe a tripulação de um navio de guerra.

Um dos membros d'essa commissão, o conselheiro José Baptista de Andrade, official a quem a provincia de Angola deve relevantes serviços, inclusive o da sua pacificação, propoz o quesito: - se conviria ou não continuar a subsidiar-se a companhia ingleza, á qual fôra dado o exclusivo da navegação para a costa occidental de Africa?

Cumpria attender á difficuldade de alcançar communicações acceleradas sem dependencia de subsidio, e por isso tratou a commissão de encarregar o dito vogal de redigir um projecto em que se podessem conciliar estas necessidades. D'aqui resultou a aprecentação de um trabalho, no qual se propunha levantar 400:000$000 réis sobre a subvenção já concedida, a fim de serem destinados á compra de cinco vapores apropriados á conducção das malas e encommendas e passageiros.

A despeza a fazer com estes navios, no que respeita aos vencimentos do pessoa, e á compra do combustivel, foi calculada em 61:460$000 réis; ficando a receita, proveniente das passagens e do transporte de encommendas, destinada a fazer face aos reparos de que os mesmos navios viessem a carecer. Assim, o thesouro economisaria annualcaente réis 106:040$000, o que já era uma grande vantagem, e formar-se-ia uma escola para officiaes, engenheiros-machinistas e marinheiros, de que muito precisâmos. Infelizmente este projecto não logrou converter-se em lei, nem saiu dos archivos da secretaria da marinha!

Alem de que, anteriormente á existencia da companhia Lusitania, a marinha de commercio tinha maior desenvolvimento; pois que, em 1857, navegavam para Africa noventa e quatro embarcações.

Diz-se que esta companhia é de grande proveito para o paiz, pelo facto de sustentar mais de duzentas familias nacionaes, mas não se pondera quantas se sustentariam com os lucros auferidos pelo progressivo augmento da marinha mercante, o qual foi entorpecido pelas largas concessões feitas á mesma companhia.

As circumstancias actuaes da provincia de Angola não devem ser esquecidas quando se tratar de discutir a conservação do subsidio, visto que, apesar dos direitos differenciaes concedidos a favor das mercadorias estrangeiras reexportadas do reino, e que dão em resultado uma diminuição na receita d'aquella provincia não inferior a 50:000$000 ou 60:000$000 réis, e não obstante o monopolio, resto ainda de uma protecção mal entendida, o commercio vae ali prosperando de um modo auspicioso para o seu completo desenvolvimento.

Outras circumstancias tambem favoraveis aconselham a terminação do subsidio á companhia Lusitania, e dão ensejo a realisar-se uma importante economia sem desorganisação dos serviços.

Os paquetes da companhia ingleza de Liverpool, attrahidos pelo augmento commercial de Angola, vem, por interesse proprio, ao porto de Lisboa, e transportam mensalmente para aquella provincia as malas e os passageiros;

É pois facil conseguir que elles transportem igualmente as malas e passageiros destinados á ilha de S. Thomé, conduzindo-os a um ponto proximo, onde póde ir busca-los um navio que ali estacione.

A provincia de Cabo Verde tem communicações rapidas e regulares com a metropole por intermedio dos paquetes inglezes da carreira do Brazil, que fazem escala pelo porto de S. Vicente.

Moçambique tem a sua correspondencia mantida com Lisboa por paquetes estrangeiros, os quaes, aportando a Mayotta, dão logar a que a mala seja depois conduzida aquella provincia da costa oriental por um navio da estação naval portugueza.

Tem portanto o governo asseguradas as suas communicações com as duas Africas.

Isto conseguido, como acabei de demonstrar, seria um erro economico e financeiro subsidiar navios de vapor para o transporte de carga.

O sr. Conde de Linhares: - Apoiado.

O Orador: - Todos sabem que com as correspondencias vem muitas vezes amostras, e que, quando o navio chega ao porto do seu destino, já está vendido o carregamento; portanto do que se deve tratar é de ter communicações rapidas.

Nem os direitos differenciaes nem o subsidio podem evitar o commercio directo entre Inglaterra e Loanda, em navios nacionaes e estrangeiros. Em meiado do ultimo anno, estabeleceram-se em Loanda os agentes da companhia African, Steam Ship, que recebem nos seus navios carga e passageiros para Inglaterra pelo preço da companhia Lusitania, e tambem tratam da remessa de mercadorias directamente de alguns portos inglezes por intervenção da casa Youle & Knowles.

No mesmo anno, dois brigues portuguezes, Pensamento e Rio Loge, foram de Liverpool a Loanda, e d'esta ultima

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cidade partiram para Inglaterra, os navios: Gil, Rio Quanzo, Almedina e Bemvindo.

Finalmente, foram de Inglaterra para Loanda quinze navios de vela e de vapor, e de Lisboa, quarenta, nacionaes e estrangeiros.

Mas, admittindo, o que não é de crer, que a extincção do subsidio venha a perturbar em Lisboa a exportação dos generos, poderá remediar-se este inconveniente, permittindo-se, a exemplo do que já se praticou, que os vapores estrangeiros possam transportar dos portos da metropole para os das provincias ultramarinas mercadorias nacionaes, pagando nas alfandegas do ultramar os mesmos direitos que pá gariam, se fossem transportados em navios portuguezes. Esta providencia teria tambem a vantagem de augmentar as carreiras de vapores estrangeiros entre Lisboa e as provincias ultramarinas, sem necessidade de subsidio e com grande interesse do commercio.

A industria vinicola, principalmente, lucraria muito por que os portos de Africa, onde os paquetes tocassem, seriam outros tantos centros de consumo d'aquelle genero. Os vapores da companhia Lusitania, e muitos outros navegariam sem subsidio (apoiados), sendo apenas necessario que o governo apresentasse uma proposta de lei para ser alterado, como já foi por excepção, o artigo 1:315.° do codigo.

Tenho por muito conveniente que os homens, que se interessam pela prosperidade das provincias de alem mar, que é tambem a prosperidade da monarchia, leiam um folheto intitulado - ás pautas das alfandegas das provincias ultramarinas, escripto pelo illustrado chefe da repartição de contabilidade do ultramar, o sr. Antonio Pedro de Carvalho, pois verão que, emquanto nós libertavamos os escravos africanos nos esqueciamos de tratar do desenvolvimento do commercio de Africa, dando-lhe todas as franquias e liberdades, não houve alcabala nem monopolio, os mais vexatorios, que deixassem de realisar-se fundados nos erros da escola proteccionista. Não se tem, felizmente, progredido n'esta errada senda; já existem pautas mais liberaes, e, em breve, as teremos modificadas em sentido ainda mais vantajoso para o commercio.

Vem a proposito recordar o parecer que um collega nosso, cuja morte lamentâmos, emittiu a respeito de um monopolio escandaloso que havia em Cabo Verde, na exportação da purgueira.

Este parecer não foi presente á camara, porque a commissão de marinha, dando opinião contraria, combinou-se em deixar ao governo o encargo de providenciar convenientemente. Entretanto as plantações foram augmentando e tambem a exportação, como se póde ver consultando os mappas das alfandegas.

Sr. presidente, estas ponderações, feitas a largos traços, têem por fim justificar a opinião que em outro tempo apresentei em taes assumptos. As minhas convicções não mudaram, pelo contrario se têem robustecido, e cada vez estou mais firme em que a liberdade commercial é a que nos convem.

O que as provincias ultramarinas precisam é que os poderes publicos lhes tirem os torpeços que ainda obstam ao seu desenvolvimento; é a nomeação de bons governadores que são a lei viva; é mandar-lhes unicamente os primeiros funccionarios, pagando lhes bem; porque, vergonha é dize-lo, es governadores percebem menos do que o indispensavel para viver desaffogadamente.

Não se tem attendido á carestia d'aquelles paizes, nem ás muitas despezas que os empregados são obrigados a fazer; esquecendo-se o exemplo dado pelos inglezes, hollandezes, e outros povos que possuem colonias!

Não tencionava, como disse, tomar parte na discussão; porque, se a triste noticia do fallecimento do nosso collega Fernandes Thomás, a todos nos tem maguado profundamente, eu, que fui seu condiscipulo na escola, e que por assim dizer me creei em sua casa, que era contigua á minha em Coimbra, muito mais a tenho sentido. Na convivencia que eu tive com a sua familia algumas palavras que me ficaram gravadas na memoria. Diziam Fernandos Thomás, meu pae e outros homens notaveis das côrtes de 1820: "Se Portugal já não póde ser aquella nação poderosissima, cujas armadas dominavam os mares e davam ao paiz grande esplendor, tem ainda muitos elementos para ser grande e respeitado; precisa cordas e arado".

N'estas palavras revela-se um grande pensamento. Arado quer dizer tornar livre a terra, desembaraçando-a de tudo quanto possa obstar ao desenvolvimento da agricultura, da qual depende em grande parte a sua prosperidade; as cordas, eram os navios, porque sem elles não podemos vigiar fiscalisar e defender as nossas provincias ultramarinas.

Eu tambem direi - haja cordas e arados, que é do que maiz precisâmos para vencer as difficuldades com que estamos: lutando.

Antes de terminar não devo deixar de dizer alguma cousa da expedição da Zambezia, em que ha pouco se fallou.

Se a expedição, quando saiu do Tejo, tivesse levado oa meios que o illustre ministro trata de promptificar, seguramente não teria tido tão funestas consequencias. É minha opinião que, mandar uma expedição da Europa, ao interior da Africa importa expo-la a graves perigos quando se descurem os meios de os attenuar.

Convem não esquecer que a cidade de Moçambique, capital da provincia, está n'uma ilha, emquanto que a Zambezia está no continente. O porto de Quelimane, communinicou outr'ora com o Zambeze; mas hoje acha-se inavegavel na parte chamada rio Muto. A este respeito disseram me varias pessoas com as quaes me tenho informado, e entre ellas o sr. marquez de Sá, que é facil vencer aquelle obstaculo. Isto seria de grande conveniencia, pois teria-mos ali um porto para abrigo dos navios, e tambem para os concertar, estabelecendo se em Quelimane uma officina. Quando quizessemos, subiriamos o rio e dominariamos a Zambezia.

O sr. marquez de Sá, quando ministro da marinha, mandou fazer o vapor Zambeze para navegar n'aquelle rio. Não obstante, o vapor não prestou o serviço para que foi destinado, posto fosse igual ao que levara o ousado Levingston!

Tambem não deixa de ser aconselhada a remessa de uma pequena draga. Seriam proficuos os resultados que d'ella se podiam obter.

Da auctoridade que superiormente administra a provincia de Moçambique tem o paiz muito a esperar. Conhecedora dos negocios ultramarinos, estou certo que empenhará todo o zêlo e energia para conseguir a pacificação da Zambezia. E note a camara que o governador não tem hoje a combater sómente o bonga contra o qual se prepararam custosas expedições, mas tambem os que sem serem denominados bongas tiram partido do mallogro d'essas expedições.

N'uma publicação importante, devida á penna de um destincto official da armada, o sr. Castilho, commandante do vapor Quelimane, encontram-se informações exactas sobre e Luabo, e ilha de Inhamissengo, que fórma a barra d'este braço do Zambeze. Como porém, não temos ali nenhum estabelecimento que chame a nossa attenção, julgo de maxima vantagem para o commercio e para o transporte de tropas, que se faça por Quelimane a communicação com o Zambeze. Mas para isto empregue-se o melhor systema de dragagem e não se vá imitar o sr. Portugal, pois, segundo dizem, tentou resolver o problema fazendo cavar, inutilmente, 200 a 300 pretos! Insisto portanto, em que se emprehenda a abertura do canal, a fim de por elle poderem navegar barcos de vapor que não demandem mais de dois e meio a tres pés de agua.

Não julgo conveniente proseguir nas reflexões qne o assumpto pede. A questão colonial é muito complexa, e se: reservo-me para a tratar mais largamente em occasião opportuna. Hei de dizer algumas verdades que talvez nae agradem, mas eu entendo que n'isso presto um serviço ao

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meu paiz. A marinha de guerra tem a sua importancia ligada ás colonias, e não se improvisa ao toque de tambor; demanda habilitação seientitica, e pratica do seu pessoal, e da construcção dos navios de que se deve compor em harmonia com os serviços a desempenhar. Só com boa vontade e perseverança, de que já deram provas o nobre marquez de Sá e o actual presidente do conselho, se poderá levantar a marinha portugueza do abatimento a qae a têem deixado chegar (apoiados). De contrario havemos de vê-la aniquilar de todo, e será então muito difficil reorganisa-la, e enorme o sacrificio pecuniario a fazer (Vozes: - Muito bem, muito bem).

O sr. Ministro da Marinha: - Se não posso n'este momento acrescentar mais ao que tenho dito sobre a materia de que tratou o digno par, cumpre-me todavia certificar que dei toda a attençào ás observações judiciosas que s. exa. acaba de fazer, que ellas me ministraram effectivamente muitos esclarecimentos sobre os assumptos que se trataram, e segundo o apreço que realmente me merecem, hei de opportunamente procurar aproveitar-me das idéas emittidas por s. exa.

O sr. Larcher: - Sr. presidente, não julgo inopportuno entrar agora n'esta questão, porque tenho apprehensão de que não chegue o orçamento a discussão n'esta casa, e receiando tambem que se de algum dos casos da dissolução da camara electiva, ou de queda do actual governo, por ver estes casos apregoados incessantemente, não desejo deixar passar a occasião que se me apresenta agora, sem manifestar bem clara e expressamente a minha opinião ácerca de tão importante assumpto. Vae comtudo adiantada a hora, acha-se a questão largamente discutida pelos oradores que me precederam, o que tudo me impõe a obrigação de ser o mais breve possivel nas considerações que passo a apresentar.

Não tratarei da parte que se refere aos direitos differenciaes, e limitar-me-hei a declarar que os julgo completamente incompativeis com e maior desenvolvimento do nosso commercio (apoiados).

O sr. Soares Franco: - Apoiadissimo.

O Orador: - Creio tambem que o adiamento rapido que se nota em nossas colonias é devido em grande parte ao estabelecimento de carreiras a vapor, assegurando mais do que no passado, communicação regular e frequente entre a metropole e as mesmas colonias.

Entendo comtudo que na questão de navegação entre Portugal e as nossas possessões africanas, deve attender se não só ao transporte das malas, como tambem á commodidade, rapidez e sagurança dos viajantes e das mercadorias, pois que só com a satisfação completa d'estas necessidades se poderá desenvolver o commercio já tão florecente das nossas colonias, e attrahir para estas uma população activa e exploradora.

Já em tempo tive a honra de chamar a attenção do sr. ministro da marinha sobre este assumpto de importancia vital para a provincia de Moçambique, e diligenciei por deixar bem demonstrada a conveniencia qne resultaria para a colonia e para a metropole de verem diminuida a larga distancia que até agora as tem separado com grave detrimento de ambas.

Insistindo agora na mesma idéa, devo comtudo declarar que é minha opinião que este serviço não póde nem deve ser feito por conta do estado. Tempos houve em que entendia que da administração por conta do estado podia resultar serviço bom e economico. Veiu comtudo a desillusão, e agora creio que n'um paiz em que impera o systema abominavel dos empenhes, aonde o governo se vê forçado a attender para segurar a sua propria estabilidade ás exigencias e ás phantasias, por vezes indiscretas, dos membros das duas casas do parlamento, e no qual predomina em absoluto a vontade dos secretarios, digo, sr. presidente, que qualquer administração do estado, por melhor que principie, bem depressa degenera e se manifesta má e ruinosa.

Os transportes em navios do estado ou deverão limitar-se á conducção das malas e dos passageiros do proprio estado, e n'este caso teriamos da mesma fórma que subsidiar a marinha mercante, sob pena de vermos desamparadas as relações commerciaes e industriaes com as nossas colonias, ou teriamos de sujeitar a officialidade e a marinhagem de guerra ao desempenho de funcções antipathicas ao caracter e á educação d'aquelles militares, totalmente incompativeis com as praticas da severa disciplina e de subordinação que devem reinar a bordo dos vasos de guerra.

Sr. presidente, á nossa marinha de guerra caba outro papel mais brilhante e não menos util, qual é o de proteger os nossos portos ultramarinos e o commercio colonial. É fundado n'estes principios que reprovarei qualquer medida tendente a deprimir a nossa marinha de guerra, já tão acanhada, e que apoiarei quanto possa a elevação d'ella ao grau que lhe impõe a nossa posição geographica e a importancia das nossas colonias, e com estas palavras pretendo expressar ainda mais uma necessidade imperiosa, a qual devemos attender, do que um sentimento de dor pelo estado a que se acha rebaixado o berço dos mais celebres e audazes navegadores.

Dizia eu, sr. presidente, que a minha opinião é que o governo deve assegurar, sem perda de tempo, as carreiras a vapor entre Lisboa e as nossas colonias, e insisto na urgencia porque, como muito bem disse o sr. conde de Linhares, está a findar o praso do contrato com a companhia que actualmente faz este serviço, e se o governo se não occupar seria e activamente d'este negocio, tolher-se-ha por falta de tempo o concurso a qualquer companhia, que não seja a actual. Ora, achando-se esta só em campo, dictará condições leoninas que o governo se verá obrigado a aceitar, sem que ao menos os precedentes d'ella nos assegurem a boa execução de um serviço conveniente.

Deve o governo assegurar, sem perda de tempo, as carreiras a vapor entre Lisboa e as duas Africas oriental e occidental, não vendo eu rasão alguma que de a preferencia a esta ultima, ficando a outra desherdada e rejeitada pela mãe patria, apesar do futuro tão lisonjeiro que nos offerece.

É para mim de fé que estas communicações não poderão estabelecer-se rapidas, commodas e regulares senão contratando o governo com uma companhia poderosa, seria e conhecida, cujos antecedentes sirvam de garantia bastante para o futuro cumprimento do seu contrato, e consta-me que se apresentaram ao governo propostas no sentido que acabo de indicar, feitas por companhias nas condições desejadas; a ser exacto o que me disseram uma das propostas refere-se á carreira dupla de que fallei, com escala pela Madeira, S. Vicente, S. Thomé, Ambriz, Loacda, etc., e por Lourenço Marques, a troco de um subsidio annual de 135:000$000 réis. Convem attender a que d'este subsidio deve deduzir-se a differença no preço de transporte dos passageiros do estado e dos degredados, e que d'esta differença póde resultar para o estado economia de pelo menos 60:000$000 réis, se houvermos de nos regular pelo passado. Ficando portanto o subsidio reduzido a 75:000$000 réis, se metade d'este restante carregar sobre as colonias, o que é justo e equitativo em vista das vantagens que ellas colhem do estabelecimento d'estas carreiras, ficariam apenas 37:000$000 réis pesando sobre o orçamento da metropole como equivalente do proveito incalculavel que resultará para o nosso commercio, e da prosperidade das colonias e tambem de Portugal.

Note v. exa. e a camara que, referindo-me especialmente a uma companhia, não pretendo por fórma alguma apadrinha-la, e que o meu unico desejo é que o governo trate com qualquer companhia collocada em bons condições e que offereça garantias solidas em vez de se entregar a uma, cujos precedentes são de mau agouro para o futuro ou a fazedores de negocios, cujas promessas brilhantes são depressa desmentidas pela mais deploravel pratica. Mas cumpre tam-

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tem confessar que não podemos esperar que haja uma companhia qualquer que ella seja que se encarregue de similhante serviço, sem um subsidio por parte do governo e consta-me, sr. presidene, que esta idéa de subsidio tem encontrado violenta opposição por parte do sr. ministro da fazenda. Repugna-me abordar este ponto na ausencia do sr. ministro, mas as mesmas rasões que me levaram a entrar n'esta questão incitam-me agora a proseguir.

Ha muito que estou habituado aos gracejos de s. exa., que aliás nunca vejo sentado n'aquellas cadeiras sem grande magua de meu coração, pois que, prestando a devida homenagem á intelligencia de que é dotado, cada vez me convenço mais de que s. exa. não quer nem ousa fazer cousa alguma que possa aproveitar a este paiz. Mas da inercia e da timidez proverbiaes do sr. ministro a uma opposição decidida e energica contra uma medida indispensavel vae distancia tão grande, que não posso crer no arrojo que lhe attribuem certos boatos, e que equivale á denegação absoluta d'aquella intelligencia que todos lhe reconhecem.

Quer s. exa. privar de repente as nossas colonias do poderoso auxilio que em poucos annos as tem elevado a um estado tão prospero, e pretende tolher-lhes o andamento, embaraçar-lhes o progresso, e aniquila-las de uma vez para sempre? Não reflecte s. exa. em que, a par da nossa apathia, se agitam actualmente em Lourenço Marques as mais violentas paixões ateadas pela febre do oiro ha pouco descoberto em terreno nosso e no vizinho, e que todos trabalham e conspiram para chamar aos seus portos o movimento commercial e colonisador que acompanham sempre estes descobrimentos?

É quando nos competia sacudir a inveterada preguiça e o indesculpavel desleixo, e desenvolver extraordinaria actividade para contrariar a guerra que nos promovem, e para dotar a nossa bahia de Lourenço Marques de tudo quanto possa contribuir para attrahir e fixar ali a riqueza e a prosperidade, é então, digo, que s. exa. se atreve a acabar com o subsidio debaixo do pretexto futil de economisar algumas dezenas de contos de réis?

É brincadeira sem dnvida.

O sr. Ministro da Marinha: - Peço a palavra.

O Orador: - Folgo de ver que o sr. ministro pede a palavra; e estou certo de que s. exa. dará um completo desmentido aos boatos a que alludo.

O sr. Ministro da Marinha: - Sr. presidente, ouvi com a costumada satisfação o discurso do digno par, e do mesmo modo já tinha ouvido os outros membros d'esta camara, que o precederam n'este debate, e não posso deixar de agradecer a s. exa., como já fiz aos seus collegas, que tomaram parte n'esta especie de conversação parlamentar, o auxilio da instrucção que me trazem as suas idéas e o apoio que me offerecera na parte em que concordam com as minhas; não era, porém, para isto só que pedi a palavra, mas tambem para reclamar contra uma insinuação feita pelo digno par ao meu collega da fazenda, insinuação que eu creio que s. exa. não estava auctorisado para pôr em voga n'este logar; e ainda menos para se exprimir na sua ausencia do modo mais severo do que justo por que o fez.

Eu creio, sr. presidente, que os boatos não podem ser tomados como fundamentos para se attribuir a qualquer ministro uma opinião sobre uma cousa de interesse publico em que elle ainda a não manifestou de modo positivo e authentico, tanto mais que eu disse, ainda ha pouco tempo, que este assumpto da navegação de Africa estava em negociações. Desde que houvesse essa deliberação terminante e incondicional, que o ciigno par attribuiu ao sr. ministro da fazenda, era claro que o negocio ou estava decidido no gabinete conforme aquella deliberação e as minhas palavras eram vãs, ou havia uma incompatibilidade latente, que felizmente não existe.

Estas breves palavras não tiveram por fim senão esclarecer o digno par, e mostrar-lhe que não teve rasão quando attribuiu ao meu collega da fazenda a opinião decidida de contrariar o progresso, que s. exa. louvavelmente deseja, das provincias ultramarinas, e principalmente quando desconhece o valor real d'este distincto homem publico.

Tenho concluido.

O sr. Larcher: - Agradeço ao illustre ministro a resposta que acaba de dar, mas cumpre-me rectificar que não fiz insinuação alguma. Fiz declaração muito categorica, fundando-me sobre boatos que cerrem, e ao mesmo tempo expressei o desejo de ver desmentidos esses boatos, o que equivalia a provocar uma declaração por parte do sr. ministro da marinha que os podesse contrariar.

Consegui o meu fim, e termino dizendo quanto estimo que sejam destituidas de verdade as accusações que por ahi fazem ao sr. ministro da fazenda, e quanto desejava que a serem verdadeiras, elles experimentassem a mais completa opposicão por parte de seus collegas.

O sr. Marquez de Vallada: - Depois de entrar n'esta sala, constou-me por alguns dos meus collegas, que na mesa se tinha recebido a participação do fallecimento do digno par Roque Joaquim Fernandes Thomás, e que se lançou na acta um voto de sentimento pela infausta morte de s. exa.

Se eu estivesse presente n'essa occasião, não deixaria de acompanhar a camara nesta manifestação de sentimento, porque a partilho.

Ainda ha pouco vimos aqui no seu logar o illustre par, assiduo no trabalho, firme nas suas crenças e decidido sempre na defeza da liberdade. Muitas vezes entrou elle era discussão, em que eu tambem tomei parte, e se quasi sempre o tive contra mim, tive-o sempre todavia a meu lado no campo do patriotismo, e reunimo-nos sempre em volta de um estandarte, e esse era o da honra, que elle comprehendia bem (apoiados). E se nem sempre se faz justiça a todos, emquanto vivos, eu sempre vi faze-la a s. exa., que soube illustrar n'esta camara o nome honrado que herdou com o sangue.

Na camara dos senhores deputados, em discussões importantes, nas quaes v. exa., sr. presidente, tomou parte, sendo secretario do congresso constituinte, mostrou aquelle nosso prezado collega o seu amor á liberdade, mostrando ao mesmo tempo que sabia alliar os dois grandes principios da liberdade sem a licença com a ordem sem a tyrannia. Ahi correm impressos os seus discursos, que são o monumento da sua fé politica, á qual foi sempre fiel.

Faço votos, todas as occasiões que me são possiveis, pela memoria dos homens honrados que illustraram este paiz, e se dedicaram á causa da liberdade, quando o preço d'essa dedicação tinha por perspectiva sómente a idéa de que ás suas cinzas haviam de ser lançadas ao mar. Fallo aqui, pois, de Manuel Fernandes Thomás, d'esse homem que era o pae do sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás. Foi elle um dos primeiros que cooperou na cidade do Porto para fazer baquear o despotismo e triumphar a liberdade na nossa patria. Teve revezes, soffreu injurias, sarcasmos e injustiças, mas foi ao seu valor, á sua coragem e á sua idéa de que a união é que faz a força que elle póde juntar os seus companheiros de trabalho no campo da gloria para fazer triumphar o estandarte da liberdade. Foi fiel a esta grande idéa o seu illustre filho e nosso collega, cuja perda hoje deplorâmos (apoiados).

Quando ouço pronunciar os nomes d'estes homens distinctos, que não conheci, mas cuja memoria respeito, não posso deixar de me enthusiasmar vendo que os seus descendentes se tornam dignos d'elles.

É sempre com veneração que pronuncio o nome de Manuel Fernandes Thomás e d'esses illustres martyres do campo de Sant'Anna, aos quaes ainda ninguem se lembrou de erigir um monumento, se bem que, todavia, espero que a patria um dia, recordando-se das virtudes dos illustres companheiros de Gomes Freire de Andrade mandará collocar uma modesta lapida no campo de Sant'Anna, para fazer lembrar ás gerações futuras que a liberdade na nossa

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tambem teve os seus martyres, mas que por fim o despotismo baqueou e baqueou para não tornar mais a apparecer n'este paiz. Ainda ninguem se lembrou, repito, até hoje de levantar um monumento á memoria d'aquelles illustres martyres; mas lembro eu, e espero que mais alguem cooperará para que n'esse local se lhes levante o padrão que recorde o heroismo e dedicação com que expozeram as vidas para nos cimentar a liberdade que hoje gosâmos pelos seus generosos esforços, porque, se não fossem esses esforços, não teriamos de certo hoje o direito de nos sentar n'estas cadeiras (apoiados}.

Ainda ha muito que fazer, sr. presidente, mas foi já uma grande conquista a liberdade que para nós ganharam, a fim de a imprensa poder ser livre, e para que a associação o possa vir a ser, porque por ora não é, mas que o deve ser pelos principios liberaes. Foi por esses principios de liberdade que nos morreu Gomes Freire, e foram suppliciados no campo de Santa'Anna os seus illustres consocios. O mesmo teria acontecido a Manuel Fernandes Thomás, se não fosse descoberta uma conspiração que devia rebentar na cidade de Braga contra elle e os seus companheiros.

Sr. presidente, peço perdão a v. exa. e á camara por esta digressão, mas as digressões são permittidas, e quando se fallava de um homem que representava aqui um varão illustre, e que como elle tinha uma grande idéa, eu não podia deixar de alludir aos serviços do pae, commemorando a honra do filho, porque de homens taes são testemunhas, smquanto vivos, os contemporaneos, e a historia depois que morrem.

Eu, sr. presidente, pronunciei estas palavras não só possuido de sentimentos patrioticos, mas tambem dominado pelo respeito que devo á memoria de um varão que entrou commigo em discussões n'esta casa, que me combateu, e a quem combati as suas idéas, mas que nunca deixou de me mostrar a sua amisade, mais do que a sua amisade, a sua consideração. Pago este tributo á sua memoria como homem e como politico, e quando pronuncio agora estas palavras tenho o gosto de ver aqui ao meu lado outro digno par (alludia ao exmo. sr. Pestana), cujos sentimentos liberaes são conhecidos de todos. Ainda bem que o vejo, porque é mais um homem honrado que temos para defender a nossa liberdade, e s. exa. sabe que durante os vinte annos que tenho a honra de o conhecer lhe tenho sempre prestado toda a consideração que merece. Paguemos, pois, este tributo á memoria do fallecido Roque Joaquim Fernandes Thomás. Eu, pela minha parte, pago o associando-me ao profundo sentimento da camara dos dignos pares do reino, de que sou membro, e dou por desculpa de me não ter associado ao voto unanime da camara quando foi apresentada a moção por não me achar presente n'essa occasião, porque se o estivesse teria desde logo manifestado tambem este meu sentimento (apoiados).

Peço portanto a v. exa. que mande fazer menção na acta d'este meu voto de sentimento (apoiados repetidos).

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: - Visto não se achar inscripto mais nenhum digno par, está terminada esta discussão; e como sobre a mesa não ha nenhum trabalho de que a camara se possa occupar, a primeira sessão terá logar na segunda feira proxima, sendo a ordem do dia a apresentação de pareceres de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes á sessão de 5 de maio de 1871

Os exmos. srs.: Custodio Rebello de Carvalho; marquezes, d'Avila e de Bolama, de Ficalho, de Niza, de Sabugosa, de Vallada; condes, da Azinhaga, de Fornos, de Linhares, da Louzã, de Ponte Sobral; viscondes, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Soares Franco; barão de S.Pedro; Gamboa e Liz, Fontes Pereira de Mello, Xavier da Silva, Pereira de Magalhães, Corvo, Silva Ferrão, Margiochi, Larcher, Pessanha, Braamcamp, Pestana, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Eugenio de Almeida, Franzini, Menezes Pita, Barreiros.

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