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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 27

EM 14 DE JULHO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. Expediente. — Tiveram segunda leitura, foram admittidos, e enviados ás respectivas commissões, os projectos de lei apresentados na sessão antecedente pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido. — O Digno Par Francisco José Machado insta pela remessa de varios documentos que pediu, apresenta novos requerimentos, e faz diversas considerações de ordem financeira. — O Digno Par Ressano Garcia envia para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos pelo Ministerio da Fazenda. Foi expedido. — O Digno Par Conde de Villa Real apresenta um projecto de lei que tende a conceder a D. Josephina Augusta de Oliveira Pereira, viuva de Pereira de Aragão, assassinado na villa de Sabrosa, no exercido das suas, funcções, uma pensão annual de 300$000 réis. Ficou para segunda leitura,

Ordem do dia. (Continuação da discussão do parecer n.° 17, relativo ao projecto que fixa o contingente para o exercito, armada e guardas municipaes e fiscal).— Usam da palavra o Sr. Ministro da Guerra, o Digno Par Jacinto Candido, novamente o Sr. Ministro da Guerra, depois do que é o projecto approvado. — Entra em discussão o parecer n.° 10, relativo ao projecto de lei em 11, que manda imprimir á custa do Estado as publicações da Liga Nacional de Instrucção e o Boletim Mensal da Associação das Escolas Moveis. É approvado, depois de algumas considerações apresentadas pelo Digno Par Baracho, Dias Costa e João Arroyo.— Entrou depois em discussão, e é approvado depois do breves considerações feitas pelo Digno Par Sr. Baracho a que responde o Digno Par Sr. João de Alarcão, o parecer n.° 20, sobre o projecto de lei n.° 16, que autoriza o Governo a conceder o bronze e a fundição para a estatua de Manuel Fernandes Thomás, e a mandar collocá-la no monumento a levantar na Figueira da Foz. — Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 36 minutos da tarde, verifica-se a presença de 25 Dignos Pares.

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada sem reclamação, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Fazenda, relativo a documentos requeridos pelo Digno Par Sr. Francisco Machado.

Para a secretaria.

Tiveram segunda leitura, foram enviados ás commissões competentes e mandados publicar no «Summario» das sessões, os projectos apresentados na sessão anterior pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido.

O Sr. Presidente: — Como não está presente o Digno Par Sr. Alexandre Cabral, que é o primeiro que figura na lista da inscrição para antes da ordem do dia, dou a palavra ao Digno Par Sr. Francisco José Machado.

O Sr. Francisco José Machado: — Sr. Presidente: na sessão de 22 de junho do corrente anno mandei para a mesa o seguinte requerimento, que passo a ler:

«Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada nota de todos es adeantamentos que tenham sido feitos a quaesquer funccionarios, sob qualquer fórma, pretensões e motivos, desde 1890 até 31 de janeiro de 1908.

Requeiro mais, nota de todos os abonos feitos aos inspectores superiores - houve da minha parte engano, queria dizer inspectores geraes — de Ministerio da Fazenda, alem dos seus vencimentos de categoria e exercicio e inherentes a esses logares e indicando quaes os motivos, razões ou pretextos para se fazerem esses abonos, isto desde que foram criados esses logares, até 31 de janeiro de 1908».

Sr. Presidente: até hoje não recebi esses documentos, de que tanto necessito para tratar de diversos assuntos que com elles se relacionam, por isso rogo instantemente a V. Exa. se digne instar para que com a maior brevidade possivel me sejam enviados os documentos que pedi n’este meu requerimento, e que me são indispensaveis para justificar algumas considerações que tenho de submetter á consideração da Camara.

O Sr. Sebastião Baracho: — V. Exa. perde o seu latim e o seu tempo.

O Orador: — Isto não pode continuar, pois é necessario que toda a verdade se esclareça, que todos os actos escuros da administração do Pais venham á luz do sol, que se saiba quem prevaricou, quem abusou das suas altas funcções, quem dispôs dos dinheiros da nação.

É necessario que todos nos empenhemos em sanear a atmosphera politica, e que empreguemos os nossos esforços no intuito de que a nossa administração entre em normas regulares e legaes.

Diz o Sr. Baracho que eu perco o meu latim.

É o mesmo, mas cumpro o meu dever, e isso me basta. Se me não fornecerem os documentos, fico com o direito de usar das informações particulares que possuo;

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Venham os documentos que peço, porque é bom, que se saiba quem se adeantou, e quem esbanjou os dinheiros da nação; quem deu aos seus amigos os dinheiros do contribuinte.

Afunde-se quem tem de se afundar, mas entre-se em processos regulares de administração. (Apoiados).

Desmascare-se os que afivelaram ao rosto a mascal-a da honradez postiça. Despure-se a atmosphera politica, para que os prevaricadores não possam mais prejudicar a nação.

Venha á Camara tudo o que a possa esclarecer devidamente, e saiba-se quem malbaratou o dinheiro do povo, quem desperdiçou o que não era seu, e imponha-se a responsabilidade d'esses actos criminosos, seja a quem for.

É indispensavel que tudo se liquide convenientemente, e que de uma vez para sempre se impeça a continuação de semelhantes abusos. (Apoiados),

Urge que a nossa politica procure outros processos, porque os até aqui adoptados não podem nem devem continuar.

O Sr. Sebastião Baracho: — É pena que V. Exa. só acorde agora.

O Orador: — Está V. Exa. perfeita mente enganado. Eu de ha muito que venho pedindo boas normas de administração.

Tenho verberado com toda a minha indignação os processos ruinosos que se teem adoptado na administração publica, quando d'elles tenho conheci mento.

Na Camara dos Senhores Deputados onde S. Exa. foi meu collega distincto muitas vezes condemnei certos processos que os Governos mais claramente praticavam. Se S. Exa. me tivesse dado a honra de ler os meus discursos devia ter a certeza de que muito ataquei os actos ruinosos que eu via praticar em prejuizo da nação.

Com documentos, eu posso provar esta minha asserção.

Em um dos meus requerimentos que apresentei na sessão de 22 de junho, referia-me eu a abonos feitos a inspectores superiores da fazenda.

Responderam-me que se não fizeram nenhuns abortos illegaes a inspectores superiores.

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que mande rectificar o meu requerimento, porque não ha inspectores superiores: eu queria referir-me a uns inspectores geraes.

Houve da minha parte um engano; mas por aqui se vê que nos Ministerios não ha muita vontade de esclarecer os representantes da nação. O erro de uma palavra, ás vezes uma simples virgula, tudo serve de pretexto para não mandarem es documentos que se pedem.

O Sr. Sebastião Baracho: — Ás vezes mesmo a falta de uma virgula.

O Orador: — Pois urge que venham todos os documentos, para que o País saiba o que se tem feito na administração publica.

Vou mandar para a mesa mais alguns requerimentos, todos attinentes ao mesmo fim; mas antes desejo ler á Camara algumas passagens de um discurso, que eu proferi ha muito tempo, e por essa leitura verá o Digno Par Sr. Baracho que já então me preoccupava, e muito, a boa applicação dos dinheiros publicos.

Quem, como eu, vive algum tempo na provincia em contacto com o povo é que sabe e conhece as difficuldades com que o contribuinte luta para poder pagar os impostos.

O contribuinte priva-se de muitas cousas que lhe são necessarias, e chega a passar fome, para não deixar de pagar os impostos. (Apoiados).

É triste que, ao mesmo tempo que se impõe a esses desgraçados tão duras privações e sacrificios, se esbanjem quantias fabulosas, sem o minimo proveito.

É mester que tudo seja escriturado devidamente, e que o país saiba quanto se recebe, quanto se gasta, que destino leva o seu dinheiro, porque ha despesas realmente inconfessaveis, que os representantes da nação nunca chegam a conhecer.

Convem que se saiba com exactidão quanto produzem as contribuições, quaes as quantias provenientes da venda de titulos, quaes as receitas que se adquirem por outros meios, e com as quaes o Governo tem que fazer face ás despesas.

Passo a ler á Camara um documento muito elucidativo que diz o seguinte:

No relatorio de fazenda (2.a parte), pag. 8, de 1905, vem:

Comparação entre as receitas totaes ordinarias e extraordinarias, não provenientes de emprestimos, e as despesas totaes

Deficits

1900-1901........... 2:827 contos

1901-1902........... 5:500 »
1902-1903........... 4:096 »
1903-1904............ 4:227 »

Somma............... 16:650 »

Vejamos agora que recursos obteve o Governo para fazer face a estes deficits.

A divida fluctuante de 30 de junho e 1900 a 20 de outubro de 1904. data a queda do Ministerio que geriu os
negocios publicos durante este periodo, aumentou de 19.911:347$768 réis.

A venda de titulos produziu no mesmo periodo............ 6.775:389$400
Fez-se um emprestimo com o Banco de Portugal de......... 450:000$000
Lucros da amoedação do nickel no 1.° semestre de 1901 .. 397:000$000
Idem no 2.° semestre
de 1901.......... 29:566$000
Idem no 1.° semestre
de 1902.......... 59:210$000
Somma. .. 27.621:165$400

Foram estes os recursos que o Governo obteve, segundo pude apurar, para fazer face aos 16:560 contos de réis dos deficits.

Mais............... 27:621 contos
Menos.............. 16:650 »
Fica............... 10:971 »

Que destino tiveram?

Nunca pude apurar.

É possivel que estes 10:971 contos de réis tivessem uma applicação muito legal, mas as contas do Thesouro não o accusam, nem obtive explicação quando na outra Camara me referi a este assunto.

E como agora se sabe que sairam dos cofres publicos grossas quantias illegalmente distribuidas, tudo leva a crer que estes 10:971 contos de réis, o que representa 2:500 e tantos contos em cada um dos quatros annos, servissem para fins que até agora teem sido escondidos ao Pais.

E tambem possivel que tenha uma justificação plena o gasto d'estas verbas; mas nesse caso devia haver uma escrituração clara e methodica, que os representantes do país pudessem rapidamente saber que destino teve o dinheiro dos contribuintes. É necessario que as operações chamadas de Thesouraria possam ser nitidamente apreciadas; é necessario que nem um ceitil se gaste sem que todos possam saber no que se gastou. Quem gira com dinheiro que não é seu tem de dar contas claras ao dono, que neste caso é o País, para que se não possam fazer juizos errados e temerarios.

Nos documentos officiaes não ha meio de descobrir com toda a exactidão quaes os recursos do Thesouro para fazer face ás suas despesas.

Pode ser que venha tudo quanto se recebe, mas não tudo quanto se gasta, e por isso não posso apreciar estas despesas, para que não ha meio de fazer distincção.

Eu já disse, não obtendo resposta,

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que nessas despesas ordinarias e extraordinarias vem o seguinte:

16:600 contos de réis de deficits em quatro annos e 27:621 contos de réis de recursos extraordinarios, alem das receitas ordinarias e extraordinarias, não encontrando explicação para justificar a verba de 10:971 contos de réis.

Todos sabem que pelas operações de thesouraria se fazem despesas, que se não justificam facilmente, e tanto que não vêem com a devida clareza descritas no orçamento.

Podem os Pares do Reino e Deputados, os representantes do Pais, não ter conhecimento de onde desapparecem os dinheiros? É preciso que nos unamos todos, progressistas, regeneradores, todos os portugueses, para que estas cousas se não repitam. É necessaria toda a luz, toda a clareza, para que todos saibam, real a real, quanto entra nos cofres do Thesouro, e qual a applicação que tem esse dinheiro.

É possivel que se possa justificar em que se gastam estes dinheiros. Eu tenho procurado os relatorios de fazenda, e em todos estes documentos encontro nestes quatro annos um desequilibrio que não sei justificar.

Pode isto continuar?

Appello para a Camara, para que me diga se é ou não necessario empregar meios que ponham cobro a este estado de cousas.

É necessario entrar em vida nova para que tudo seja claro, nitido e transparente, para que o Pais saiba o que se gasta. Emquanto isto se não fizer, o Pais fica desconfiado de que o seu dinheiro tem applicações injustificaveis.

Por isso, Sr. Presidente, vou mandar para a mesa mais alguns requerimentos pedindo documentos, e solicito de V. Exa. a distincta fineza de instar para que me sejam remettidos com possivel brevidade, porque quando se tratar do orçamento quero occupar-me d'este e outros assuntos graves.

E para provar ao meu amigo o Sr. Baracho que não é só agora que estou alarmado com os factos a que me tenho referido, vou ler a passagem de um discurso meu de 1904 que por acaso tenho presente.

Em todas as sessões, e principalmente na de 1901, 1902, 1903 e 1904 mostrei com a maior clareza e razão, sem. que fosse contestado, que os esbanjamentos eram enormes, que a administração publica era perdularia. Pedi remedio que nunca chegou, e parece que cada vez refinavam mais nos seus perniciosos processos.

O Sr. Sebastião Baracho: — Eu devo dizer que é espontaneo, nós não combinámos nada.

O Orador: — Disse numa das passagens do seu discurso pronunciado na sessão de 9 de abril de 1904, o seguinte:

Alem do que nós pudemos apurar pelo estudo dos documentos officiaes, alguma cousa mais chega ao nosso conhecimento.

Um Ministro da Fazenda dá actual situação, amigo portanto do Sr. Hintze Ribeiro, ao tomar conta da pasta da Fazenda, quis saber, entre outras cousas, quanto tinha gasto o seu antecessor pelas mãos dos porteiros. Soube que por intervenção do porteiro do Ministerio da Fazenda se tinham gasto 200 e tantos contos. O que elle não conseguiu foi saber em que se gastou uma verba tão importante. Gastou-se em cousas confessaveis e inconfessaveis.

Diz o Sr. Presidente do Conselho que tem ouvido accusar, mas não tem ouvido citar factos.

Então isto não são factos claros, precisos e categoricos ? Desminta-me o Sr. Presidente do Conselho, se é capaz, ou algum dos seus amigos!

Pois então passam pelas mãos de um porteiro 200 e tantos contos réis, e quando um Ministro quer saber onde se tinham gasto, responderam-lhe que são despesas secretas!

E se fossem só os 200 contos de réis... mas quantos milhares de contos se terão gasto sem o Pais saber qual a sua applicação.

Já vê o meu illustre amigo e Sr. Baracho que não é só agora que protesto contra a má applicação dos dinheiros publicos.

Eu não quero irritar o debate, nem indispor-me com pessoa nenhuma, e o que digo é que precisamos de congregar elementos para fazermos entrar a administração publica em normas differentes.

Se nós tivessemos a certeza de que ia-mos entrar em vida nova, eu ainda passaria uma esponja por cima de tudo isto, mas receio que não haja emenda.

Eu não acho merecimento nenhum em um Ministro da Fazenda que equilibre o orçamento; basta que elle pague unicamente aquillo que as leis mandam pagar, e que receba tudo quanto as leis mandam receber, e eu tenho a convicção de que as nossas receitas chegam para as despesas; o caso é não dar senão o que as leis mandam dar a cada um, e obrigar a entrar nos cofres publicos, e portanto a pagar o que cada um deve pagar.

Por este processo, que é facilimo, o orçamento fica equilibrado.

Estou informado, por . um relatorio que me consta estar inedito, que de contribuição de registo por titulo gratuito se devem perto de 5:000 contos de réis, e por direitos de mercê, por concessão de titulos e condecorações se devem centenas de contos.

Do mesmo modo a contribuição industrial não rende o que deve render.

Não quero indispor-me com pessoa alguma, como disse. O meu fim é procurar congregar elementos para que a nação não continue como até agora.

Disse o Digno Par Sr. Arroyo, e muito bem, que a situação financeira é mais grave do que em 1891.

Não ha duvida nenhuma que é muitissimo mais grave; nesse tempo a divida fluctuante era de 36:000 contos de réis e hoje é de perto de 80:000 contos de réis.

Pergunto: como pode o Pais pagar isto tudo, e como é que os individuos que teem o seu dinheiro empregado na divida fluctuante podem estar tranquillos e socegados?

Tudo isto reclama a nossa attenção.

Dizia eu, depois, no meu discurso de 1904, que pela mão do porteiro do Ministerio da Fazenda tinham passado em certo periodo 200 e tantos contos de réis sem que houvesse meio de se saber em que foram gastos.

Fiz varias considerações, intimei os Ministros que se sentavam nas cadeiras do poder, para que desmentissem se os factos eram ou não verdadeiros, e adquiri a confirmação do que dizia pelo silencio que se fez em torno das minhas palavras, porque ninguem me respondeu.

Isto pode ser?

Se eu fosse contar á Camara cousas que chegaram ao meu conhecimento, de despesas feitas pela verba chamada de «porteiro do Ministerio da Fazenda» haviam de julgar que isso era impossivel.

Digo, Sr. Presidente, que eram verdadeiros crimes que se praticavam.

Nessa occasião não pedi os documentos que hoje vou requerer, porque tinha a certeza de que não m'os davam, não vendo realizada a minha aspiração de apurar a verdade do que particularmente chegou ao meu conhecimento.

Não as requeri então por essa circunstancia e vou pedi-los agora.

São as seguintes:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada nota de todas as verbas gastas por intermedio do porteiro d'aquelle Ministerio, desde 1890 até 31 de dezembro de 1907, indicando onde se gastaram essas verbas, por ordem de quem e as pessoas que as receberam.

Sala das sessões, em 13 de julho de 1908.= F. J. Machado.

Tambem tenho que requerer mais alguns documentos, porque, alem dos adeantamentos feitos ao Rei e pessoas de sua familia, consta-me que tambem ha muitos particulares bem governados e alguns — segundo se diz — teem taes adeantamentos que se viverem cem annos não os poderão pagar.

Eu não garanto o que acabo de expor á Camara, porque não tenho ainda em meu poder os documentos competentes, mas todos sabem que prodigios se tem feito pela campanha do «diz-se».

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A divida fluctuante de 30 de junho e 1900 a 20 de outubro de 1904. data a queda do Ministerio que geriu os

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3.° Alexandre Cabral, Marco de Canavezes;
4.° Antonio Cabral, Vouzella;
5.° João Augusto Pereira, Funchal;
6.° Carlos Ferreira, Alvaiazere;
7.° F. J. Machado, Torres Vedras;
8.° Egas Moniz, Estarreja.

Foi a ultima a unica annullada e mandada repetir pelo Tribunal de Verificação de Poderes. Todas as outras foram confirmadas para os nossos adversarios, que não tiveram outro trabalho senão arranjar quem acarretasse os votos que nós tinhamos.

O Digno Par o Sr. Arrojo já não se lembra que a lei que nos pôs fora foi a do Solar dos barrigas.

O Sr. João Arroyo: — Eu, com a coadjuvação do Sr. Mariano de Carvalho e do Sr. Dias Ferreira, fomos os unicos que combatemos a lei.

O Orador: — Eu julgava que o Digno Par tambem tinha alguma responsabilidade, parque S. Exa. apoiou antes e depois o Ministerio.

Eu não tive a honra de ser barriga.

O Sr. João Arroyo : — O partido progressista não estava na Camara em 1896.

O Orador : — E nem podia estar, a não ser que acceitasse por esmola ou por favor os Deputados que o Sr. João Franco lhe quisesse dar. O que o meu partido não podia, nem devia acceitar.

Foi nessa sessão que se pôs a tarracha, marcando tempo para cada Deputado poder falar, que, segundo me disse o Sr. João Franco, em plena Camara dos Deputados, foi por minha causa.

O Sr. Sebastião Baracho: — O contador.

O Sr. João Arroyo:— O Digno Par não estava lá para combater a lei, e, se me ha de agradecer, é um ingrato..

O Orador:—Deus me livre de tal peccado. V. Exa. combateu a lei, mas nada conseguiu. Cumpriu o seu dever, merece applausos.

Sr. Presidente: o que eu desejo é que tudo seja claro, e que se entre nas normas da mais regular, da mais austera administração publica.

Acho tão grave a nossa situação financeira, tão claramente exposta numa das ultimas sessões pelos Dignos Pares Srs. Teixeira de Sousa e João Arroyo, que eu estou ao lado de S. Exa., e concordo absolutamente com as suas considerações.

Se continuarmos com os mesmos processos seguidos até hoje, caminhamos para uma bancarrota fatal e inevitavel.

Entendo que todos as classes do funccionalismo estão mal pagas, mas o Governo passado fez mal em aumentar os ordenados, e em diminuir o imposto de rendimento antes de equilibrado o orçamento.

Era a primeira cousa que devia ter em vista e. que devia ter praticado, porque já que tantos sacrificios temos feito desde 1892, deviamos continuar a fazê-los ainda por mais algum tempo, para não nos vermos na necessidade de fazer d'aqui a pouco outros ainda superiores.

Eu não me posso oppor a que se pague condignamente aos funccionarios, que estão ainda muito mal pagos, não obstante o aumento que se lhe fez; mas isto só se devia fazer quando as receitas chegassem para as despesas,

Desde 1856 que as receitas não chegam para as despesas.

Em todos os annos, sem uma só excepção, tem havido deficits enormes.

Eu confesso que, se tivesse feito parte de algum Governo, estava aterrorizado com uma situação d'estas a que o País chegou.

Se querem que tenhamos o credito que devemos ter, é necessario regularizar a situação financeira, equilibrar o orçamento e fazer unicamente as despesas indispensaveis, porque de contrario mal vae para a Nação.

Os nossos credores ainda nos emprestam porque vêem que temos colonias valiosas a que se podem soccorrer.

Mas se nós perdermos as nossas colonias, eu pergunto a V. Exa., Sr. Presidente, que valor fica tendo este rincão de terra á beira mar plantado?

Se nos levarem as colonias pouco tempo nos restará de independencia e de autonomia.

Tenhamos juizo e procuremos todos salvar-nos da derrocada que está imminente.

O Sr. Presidente: — Tenho a observar ao Digno Par que já deu a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: — Eu termino as minhas considerações e peço a V. Exa. e á Camara desculpa por me ter alongado por mais algum tempo de que desejava.

Tenho dito.

O Sr. Ressano Garcia: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me sejam enviados os seguintes documentos:

].° Copia do parecer e mais documentos apresentados em 1895 pela commissão nomeada por portaria de 22 de novembro de 1879 e completada por decreto de 28 de junho de 1894, para liquidação de contas entre o Estado e a Casa Real.

2.° Copia da consulta do Procurador Geral da CorÔa, de 10 de novembro de 1879, a que se refere a mencionada portaria.

3.° Nota das epocas em que se pagou á Casa Real o saldo apurado pela referida commissão.

4.° Designação dos palacios da Casa Real actualmente arrendados pelo Estado e importancia das rendas de cada um Camara dos Dignos Pares, 14 de julho de 1908. = O Par do Reino, Frederico Ressano Garcia».

Foi expedido.

O Sr. Conde de Villa Real: — Mando para a mesa o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E concedida a pensão annual de 300$000 réis, a D. Josephina Augusta de Oliveira Pereira, viuva de Gabriel Narciso Alvares Pereira de Aragão, que foi barbaramente assassinado na villa de Sabrosa, no dia 9 de março de 1907, no exercicio dos deveres do seu cargo de administrador do concelho.

Art. 2.° A referida pensão reverterá em favor das filhas, Laura e Belmira, em partes iguaes, se ambas sobreviverem a sua mãe, ou na totalidade em favor d'aquella que sobreviver.

Art. 3.° A referida pensão será concedida desde o dia 12 de março de 1907, effectuando-se o seu pagamento, sem deducção alguma, em prestações mensaes iguaes, salvo o que for devido desde aquella data até a publicação d'esta lei, cuja importancia será paga integralmente logo que esta esteja em vigor.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Conde de Villa Real».

Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 17, relativo ao projecto de lei que fixa o contingente de recrutas para o exercito, armada e guardas municipaes e fiscal.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião . Telles): — Se o Sr. Presidente m'o permitte, direi ao Digno Par Sr. Francisco Machado que tomo em consideração ò que S. Exa. disse com respeito a requerimentos expedidos para o Ministerio da Fazenda, e previnirei o meu collega d'aquelle Ministerio das observações de S. Exa.

Lembro, porem, ao Digno Par que este anno os pedidos de documentos pelo Ministerio da Fazenda são em tal

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quantidade que não é para admirar que não possam ser satisfeitos com rapidez.

Em resposta ao discurso do Sr. Alpoim, já na ultima sessão disse o bastante para que S. Exa. e a camara ficassem conhecendo qual a minha opinião, e a do Governo, com respeito á syndicancia aos acontecimentos de 5 de abril.

Hoje, portanto, passarei a referir-me ás considerações que, sob o ponto de vista militar, o Digno Par fez a proposito do projecto que está em discussão.

Como o Sr. Alpoim não está presente, e ainda ha um orador inscrito, responderei ao Sr. Alpoim depois d'esse orador usar da palavra.

O Sr. Presidente: — Sou informado de que o Sr. Alpoim vae entrar na sala.

(Pausa).

Entra na sala o Digno Par Sr. José de Alpoim.

O Orador: — Responderei hoje ás considerações que o Digno Par fez sob o ponto de vista militar.

Começou S. Exa. por sustentar o principio de que o Parlamento deve exercer grande influencia sobre todas as questões militares.

Effectivamente assim é. As questões militares contendem com os interesses mais vitaes do País, e o Parlamento lucra em discuti-las, porque toma assim conhecimento pormenorizado dos assuntos que, de outra forma, desconheceria e não lhe daria importancia. Da mesma maneira, o exercito lucra com isso, porque o que se despende com elle não será então considerado um favor, mas uma necessidade justificada.

Costumo sempre felicitar os membros do Parlamento que, não sendo militares, tratam de questões d'esta ordem. Nestas condições está o Sr. Alpoim, por isso me congratulo com a Camara pôr S. Exa. ter levantado a sua voz para tratar dos interessse do exercito. Tambem os jornaes do partido do Digno Par, e os seus amigos politicos, se têem referido a estas questões. Quando se discutiu o projecto de lei que organizou o Supremo Conselho de Defesa Nacional, o Digno Par veio ao Parlamento affirmar que não concordava com elle. Tambem fiz observações sobre elle e, se depois o votei, foi a titulo de experiencia. Essa experiencia está-se fazendo. Espero que o Supremo Conselho de Defesa Nacional apresentará um trabalho sobre reorganização1 do exercito, trabalho que virá ao Parlamento. Sobre elle emittirei a minha opinião, e o Parlamento resolverá o que entender.

Com relação á disciplina direi que sem ella o exercito deixa completamente de satisfazer aquillo para que é destinado.

A disciplina é o elemento mais importante e indispensavel na constituição do exercito.

Em todos os tempos, e em todas as epocas, ella tem de se manter integra e completa.

O Digno Par reconhece ao exercito o direito de revolta, quando os Governos saiam fora da lei, mas com essa opinião não concordo eu.

O exercito deve viver independente da politica, porque só assim poderá prestar serviços importantes.

Em França, onde as ideias mais avançadas encontram facil acolhimento, todos querem que a politica não exerça qualquer influencia no exercito. D'ahi tem vindo a conservação das instituições d'aquelle Pais.

O Sr. José de Alpoim: —Porque ali as instituições não saem fora da lei.

Quando saem, é justa a resistencia por todas as formas.

O Orador: — Tal principio é novo em jurisprudencia militar; nenhum compleple-tamente publicista o reconheceu, e com elle não posso concordar.

Estou de acordo com o Digno Par em que as seis divisões militares, que actualmente existem, constituem um numero exagerado.

Quando se reorganizar o exercito, poderá reduzir-se esse numero.

Tambem concordo em que se devem diminuir as unidades do effectivo, e desenvolver a organização cãs reservas.

Isso tem-se feito em todas as nações, constituindo um principio fundamental dos exercitos modernos, que tem varias phases de applicação, até chegar á organização do exercito da Suissa, que representa, o maximo da generalização. E um principio que já se pode considerar scientifico e geral.

Com respeito á reducção do tempo de serviço, entendo que para baixo de quinze meses não se pode ir.

Quanto á questão do serviço obrigatorio e da instrucção preparatoria, não estamos ainda em condições de levar por deante o pensamento do Digno Par.

O producto das remissões, que não pode por ora dispensar-se, é applicado ao desenvolvimento do proprio exercito, e a sua suppressão immediata faria grande falta.

O serviço obrigatorio tem de ser estabelecido em condições que o País acceite, e de forma a não perturbar os serviços do proprio exercito, visto que o producto das remissões tem contribuido bastante para a acquisição de valiosos elementos de combate.

O Supremo Conselho de Defesa Nacional está estudando a melhor forma de resolver o problema do serviço obrigatorio, e: creio poder asseverar, o respectivo trabalho virá em breve ás Côrtes, apresentado, ou por mim, ou por outro Ministro da Guerra. E, nessa occasião, S. Exa. verá que se pode adoptar o serviço, obrigatorio, sem prejudicar as receitas que o Estado perderia pela suppressão das remissões.

O estudo a que está procedendo o Supremo Conselho de Defesa Nacional é perfeitamente moldado na forma por que se procede nas nações mais adeantadas, pelo que julgo que tal trabalho merecerá o apoio do Digno Par.

Pelo que toca, positivamente, á instrucção militar, é muito difficil estabelecer principios novos em tal materia, visto que para isso seriam precisos muitos annos.

A theoria de começar desde as escolas ou collegios a instrucção militar é sem duvida acceitavel, mas com grandes difficuldades de execução, e que só na Suissa se consegue realizar.

S. Exa. enalteceu, no seu discurso, o valor da instrucção moderna, apresentando o exercito japonês como o modelo dos exercitos modernos, e que tão brilhante figura fez na ultima campanha com as tropas russas.

Mas, realmente, ninguem podia esperar o resultado que teve essa campanha, porque ninguem conhecia, antes d'ella, o exercito japonês.

Disse-se, quando foi da guerra entre a França e a Allemanha, em 1870. que a victoria do exercito prussiano fôra devida ao mestre escola.

Ora não é bem assim. As victorias pertencem sempre aos exercitos melhor organizados, e que teem melhor direcção.

O Sr. José de Alpoim: — Peço licença para observar que a opinião que citei não é absolutamente minha, mas tambem de um illustre general belga.

O Orador: — São formulas adoptadas para exprimir o elemento que na occasião mais impressão fez, mas a verdade é que a victoria do exercito japonês foi devida á sua educação militar e á sua direcção superior.

Tendo chegado ao fim das minhas considerações, terminarei por formular o desejo de que o Digno Par Sr. José de Alpoim continue a occupar-se d’estas questões porquanto S. Exa. muito pode concorrer, com o seu esclarecido espirito, para o aperfeiçoamento dos differentes serviços militares. (Vozes: — Muito bem).

S. Exa. não reviu.

O Sr. Jacinto Candido : — Sr. Presidente : pedi hontem a palavra depois de urnas asserções que ouvi, e que en-

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SESSÃO N.° 27 DE 14 DE JULHO DE 1908 7

tendi de meu dever rectificar, unicamente com o fim de restabelecer a verdade.

Antes de mais nada, devo declarar que, comquanto eu não seja militar, ás questões militares eu tenho dedicado o meu estudo, e a minha desvelada attenção.

Já em 1902, num prefacio que tive a honra de escrever, para um livro intitulado Defesa maritima-terrestre, eu dizia o seguinte:

(Leu).

Esta é que é a verdade, Sr. Presidente, eu ainda não vi um plano geral de defesa terrestre e maritima bem defendido e delineado. Seria essa a unica maneira de alguma forma melhorarmos a nossa situação politica. Em logar de reformas desconnexas e contraditorias, deviamos pensar em estabelecer um plano geral de defesa maritima e terrestre, semelhante aos que se teem estabelecido nas outras nações, onde este problema, como é sabido, tem sido encarado a serio.

Do que nós precisamos é banir o systema de desfazer hoje o que hontem outro executou.

Sr. Presidente: para o Japão, para nós, para todos os países que pessuem uma larga costa maritima, não pode relegar-se para um segundo plano tudo quanto se relacione com a organização de uma boa marinha de guerra.

Eu bem sei, Sr. Presidente, que se insinua no animo publico a ideia de que a acquisição dos couraçados importa o dispêndio de quantias fabulosas, e que a manutenção d'estas machinas de guerra acarreta um pesado encargo, que os países de pequenas finanças não podem supportar.

Mas então, Sr. Presidente, se isto é assim, que não é, para que serve o trabalho incessante, continuo, a que dia a dia se estão dedicando brilhantes e distinctissimos officiaes da nossa marinha, os quaes, em conferencias, teem demonstrado a possibilidade de, com as verbas do nosso orçamento, se manter uma esquadra de valor militar apreciavel?

Mas, Sr. Presidente, tudo quanto não tenha o cunho official da acção do Governo, tudo quanto não represente a locubração dos homens que são investidos nos cargos de Ministros, tem um valor diminuto, insignificante, quasi nullo.

Entende-se que, logo que um homem é nomeado Ministro de Estado, dispõe de competencia necessaria, de larga experiencia, de conhecimentos especiaes, de estudos profundos, para resolver as mais arduas e intricadas questões, os mais difficeis e importantes problemas.

Este centralismo estrangula, aniquila completamente todas as expansões da vida nacional.

Entre nós tudo depende da acção governativa, tudo depende do poder central.

Ha mais de meia duzia de annos que eu, no decorrer de todos os debates parlamentares, venho pedindo aos Governos que demitiam de si essas largas attribuições, que o centralismo lhes outorga, e que admitiam a possibilidade de haver alguem mais que seja, capaz de encarar e de resolver os problemas, de haver alguem mais que conheça o remedio que deve applicar-se aos males de que enferma a economia e a administração geral da nação.

Todos os projectos, todas as tentativas, todas as reclamações, todas as exhortações, são completamente desattendidas.

Se nesta, ou na outra casa do Parlamento, alguem se apresenta a aconselhar o Governo, ou a indicar-lhe o meio mais adequado e consentaneo de attender os justos interesses publicos, esses conselhos são completamente postos de parte, são absolutamente desprezados.

Os projectos de iniciativa particular vão para o somno dos archivos, e não ha meio de os fazer submetter á discussão das duas casas do Parlamento.

Quantas calamidades publicas, quantas crises agudas e graves se teriam evitado na vida nacional, se muitas das reflexões que eu tive occasião de fazer no decurso d'esse batalhar constante, em nome dos principios mais austeros da governação do Estado, e d'aquelles que me pareciam mais em harmonia com as justas reclamações dos governados, consoante os principios da sciencia, e o criterio estricto da lei, se essas reflexões, digo, fossem ouvidas e attendidas!

Tudo isto, que eu hoje estou dizendo, está ahi publicado nos discursos por mim proferidos noutras epocas, e a proposito tambem do assunto de que estamos tratando.

Não foi só em 1902 que eu tratei do problema que hoje se encontra na tela do debate. Em fevereiro de 1903, em discursos que tambem se encontram publicados, eu expendia a este respeito as mesmas ideias, isto é, mostrava a necessidade imperiosa da organização racional das nossas forças militares de terra e mar.

O programma do meu partido, no tocante a este assunto, está expresso nuns artigos que não leio, para não cansar a attenção da Camara.

É indispensavel que se adopte o que ahi se proclama como necessidade inadiavel.

Ha tempo, numa das sessões d'esta casa, o Sr. Beirão, illustre relator do projecto de resposta ao Discurso da Coroa, dizia-me, quando me deu a honra de me responder, que é necessario que o Parlamento collabore com o Governo, e que cada um trabalhe e apresente a sua opinião. Mas de que serve isso ?

Manda-se para a mesa um parecer. V. Exa., Sr. Presidente, manda o ler. É expedido para a commissão respectiva.

Mas que importancia liga, que consideração dispensa o Governo a esse trabalho da iniciativa individual dos membros do Parlamento?

Toda a gente sabe o que acontece aos projectos de iniciativa particular: ou vão dormir nos archivos o somno dos justos, ou nunca conseguem obter um parecer que a Camara possa apreciar

Ainda hontem tive a honra de mandar para a mesa tres projectos de lei, um d'elles referente aos decretos publicados em ditadura. Pois verá V. Exa. que nenhum d'elles será discutido nem apreciado pela Camara dos Dignos Pares. E, todavia, é esta uma das mais graves questões que podem affectar a vida politica do país.

Ha alguem que ponha isto em duvida?

Ainda hoje o nosso collega Sr. Francisco José Machado o dizia aqui: - "Como pode ser isto? Pois então eu não posso, como Par do Reino, exercer a minha fiscalização sobre os actos dos Srs. Ministros?"

O Digno Par não se lembrava de que ha seis annos eu estou aqui dizendo isso mesmo, e mostrando com factos concretos, e explicando, quanto posso, os diversos males de que a nossa administração financeira enferma. Apresentei e mandei para a mesa dois projectos de lei, um sobre contabilidade publica e outro sobre responsabilidade ministerial, que garantem a boa gerencia dos negocios publicos.

Estão ali sobre a mesa, mas a camara verá que esses projectos não vêem ao debate, e terão a sorte de outros que tenho apresentado, tendentes a resolver diversas crises sociaes, que já hoje começam a agitar as massas operarias do País.

Em tempo mandei tambem para a mesa um projecto de lei propondo um inquerito á situação do trabalho nacional e das classes trabalhadoras, pelo Ministerio das Obras Publicas, que tambem não teve seguimento.

Nós não possuimos documentos officiaes por onde possamos aferir o bem ou o mal de quaesquer reclamações que ao nosso conhecimento cheguem, porque não ha inqueritos sobre a situação das classes trabalhadoras de Portugal, e assim vamos passando au jour le jour, sem elementos seguros de apreciação, sobre que possamos tomar uma deliberação qualquer, que satisfaça as justas reclamações d'essas classes.

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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Eu propunha que se fizesse esse inquerito, que é indispensavel, porque a nossa missão não é deixar que o problema assuma o caracter de uma revolução, mas; prevenir, ir ao encontro d'essas reclamações legitimas com providencias que satifaçam, antes que revistam qualquer caracter revolucionario.

O Sr. Conde de Castello de Paiva:- Isso depende de nós. Nós é que não cuidamos a serio da nossa missão.

O Orador: - Para o projecto de lei que mandei hoje para a mesa, prognostico a mesma sorte que tiveram os outros que tenho apresentado.

Nada se fará. E porque?

Porque é que eu venho hoje aqui, e tomando a iniciativa de mandar para a mesa um projecto de lei, não conto com a sua approvação, emquanto que se eu ámanhã fosse Ministro, e apresentasse quaesquer propostas, sabia que ellas tinham immediato e pronto seguimento?

Porque ?

E pela subalternização do poder legislativo ao poder executivo. E missão das Côrtes fazer leis sabias e justas, e afinal não fazemos senão subordinarmo-nos ás ordens que nos dá o poder executivo. (Apoiados}.

Nesta exhortação sigo os conselhos do Digno Par Sr. Baracho, de que nós devemos tornar-nos activos e com iniciativa propria, para que o poder executivo restrinja a sua acção ao seu proprio poder.

Isso depende de nós todos, disse ha pouco, e muito bem, o Digno Par Sr. Conde de Castello de Paiva.

Pois bem, ahi fica feita a minha exhortação. Tenho batalhado neste campo ha seis annos; mas, apesar d'isso, reuniram-se acaso as commissões?

Mas, Sr. Presidente, publiquem-se os pareceres; venha á Camara aquillo que cada um pense sobre os assuntos palpitantes e que interessem á opinião publica. Isto, Sr. Presidente, não é um vicio der que enferma somente este Governo. É um vicio de que vem enfermando o poder executivo, desde muito tempo. Este vicio não é só nosso. Aqui tenho eu um livro francês que combate energicamente o regime de centralismo que domina em França.

O Sr. Sebastião Baracho : - E pecha dos latinos.

O Orador: -Tem V. Exa. muita razão. Ainda no anno passado o Sr. Ministro das Obras Publicas de então, numa das ultimas sessões parlamentares, se queixava de que o Governo lutava com difficuldades para resolver todos os assuntos de administração, visto que todo o tempo era pouco para attender os pretendentes que frequentavam os Ministerios: uns queriam estradas, outros chafarizes, outros caminhos de ferro, outros isto, outros aquillo, de maneira que o Governo se via na impossibilidade de attender a toda a gente. A solução do problema é muito simples: descentralize. Confira ás camaras municipaes a autonomia que ellas devem ter, e tudo estará remediado. Querem todos os despachos dependentes da acção ministerial, soffram-lhe as consequencias. Mas o peor é que não são só os Srs. Ministros que soffrem as consequencias. Todas as regiões do País se resentem de um tal systema de administração. A crise financeira, politica, moral, agricola, finalmente, a crise geral que esmaga o nosso País, é devida unicamente á funestissima centralização. É, pois, contra ella que é necessario encetar uma campanha viva e constante. O Governo se administrar bem, dentro da sua esfera, de acção, presta o maior serviço que pode prestar ao seu País. É essa a sua missão. Que o Parlamento decrete, pois, leis justas e sabias, e que o Governo as execute inflexivelmente, sem desfallecimentos e sem fraquezas.

O centralismo não tem feito senão estrangular a vida nacional, em todos os variados ramos de suas manifestações.

Faça-se isto, estabeleça-se esta harmonia na vida publica e social, e ver-se-hão as consequencias e resultados que d'ahi derivam, não no sentido radical, porque esta transformação não se fazia em periodo curto, mas em periodo tambem não relativamente longo.

Sr. Presidente: esta campanha contra o centralismo feroz de toda a administração publica e de toda a vida publica e nacional, campanha, em que eu me tenho empenhado nesta tribuna e fora d'ella, nas minhas conferencias desde moço, é baseada numa profunda, sincera, intima e documentada convicção do meu espirito.

Eu ainda sou do tempo em que vigorava o codigo Sampaio e havia descentralização e por muito que se dissesse contra essas instituições municipaes, nada se comparava com a administração centralista que actualmente temos. E no projecto especial que se está discutindo, ainda ha o mesmo principio de tudo ficar dependente da acção do Governo, e de se não constituir, devidamente, em organização correspondente á fixação e proseguimento na execução de um plano geral comprehensivo da defesa maritima o terrestre do País.

E ainda, a meu ver, o grave vicio de que enferma a ordem de serviços de que trata o projecto de lei em discussão.

Sr. Presidente, a Camara comprehende, como eu, collocado no meu ponto de vista, experimento o desprazer que me causa o desdem com que teem sido recebidas as minhas propostas. Dormem um eterno somno no limbo dos archivos.

O Sr. Sebastião Baracho: - Em companhia das minhas...

O Orador: - Apoiado.

O Sr. Sebastião Baracho: - Eu concordo com muitas das ideias de V. Exa., como estas que citou a respeito de contabilidade publica e outras.

O Orador: - Em principios e normas que representam a alta moralidade publica, estamos de inteiro acordo; não estamos em poios oppostos, estamos em confusão; o Digno Par tem ideias sobre assuntos religiosos diversas das minhas; sobre assuntos de liberdade, o Digno Par tem ideias mais radicalmente garantidoras da liberdade individual do que eu; mas escusamos de frisar a circunstancia de estarmos em pontos oppostos pelo que respeita a ideias politicas; nem o contacto politico do Digno Par me macula, nem o meu contacto com o Digno Par o pode molestar, porque todas as vezes que não concordemos em pontos de doutrina, não podemos estar divergentes em pontos de moral, e estes é que são os pontos fundamentaes da vida politica como da particular, nos homens dê bem. - Portanto, o Digno Par assinou muitos projectos que eu tenho tido a honra de apresentar, e naturalmente, assinaria aquelle que vou mandar para a mesa, e muito folgarei com que o Digno Par venha á estacada e me secunde na campanha.

Tome o Digno Par conhecimento do que diz respeito a inquerito ao trabalho nacional, para ver se conseguimos que o Parlamento Português, de uma vez, vote uma lei importante sobre serviços publicos, que não tenha a chancella da iniciativa do poder executivo.

Estas praxes de disciplina politica só redundam em prejuizo da Nação.

A mim não me aterram as campanhas excessivas e apaixonadas; o que me aterra é o marasmo que paralysa todas as iniciativas, que embaraça e peia todos os impulsos e o desejo de trabalhar e cooperar para bem do País.

A ruim, sobretudo, o que me aterra é a absorpção do poder pelo centralismo.

Nós precisamos reivindicar para o Parlamento Português os seus direitos, e o Governo que dê conta dos seus actos e que governe nas secretarias. (Apoiados).

Quem faz as leis somos nós. E esta inversão de processos que faz que o

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Parlamento seja uma chancella dos Governos.

É preciso acabar com esta situação.

Os Governos vêem aqui e dizem-nos as leis que querem, e vão-se embora. As nossas funcções parlamentares limitam-se a isto.

Isto não pode continuar.

Estes factos é que teem sido a causa da nossa decadencia, não só no Parlamento, mas fora d'elle.

Sr. Presidente: estou muito fatigado, tenho dito aquillo que se me afigura ser de maior instancia e interesse politico, não só para a resolução do problema em si, mas do modo geral de todos os problemas que instantemente reclamam a attenção dos poderes publicos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: ainda ha pouco disse que desejava muito que todos os parlamentares, membros d'esta casa ou da Camara dos Senhores Deputados, dedicassem a sua attenção a questões militares, e tendo reconhecido ao Sr. Alpoim o interesse que elle presentemente estava tomando por este assunto, não posso deixar de dirigir as minhas, felicitações ao Digno Par que me precedeu. O exercito tem tudo a lucrar com parlamentares dignos e illustrados como S. Exa., que lhe dedicam a sua attenção, e eu chamo a este ponto os interesses do exercito e não os interesses da classe militar, isto é, a defesa nacional.

Por conseguinte apresento os meus agradecimentos, como militar; e se S. Exa. tiver algumas considerações a fazer, peço que continue a expô-las.

V. Exa. falou na questão de formar um plano geral de defesa nacional do País, com a organização do exercito e da armada.

O problema é tão vasto e complexo que acho difficil executá-lo. Comtudo pode haver um quadro de conjunto, em que cada um occupe o logar que lhe estava destinado.

Mas nas questões de applicação é preciso contar com elementos de grande influencia, como são os recursos e o estudo de que se pode dispor.

Esses estudos theoricos só se podem fazer abstrahindo a questão da despesa.

Mas estes trabalhos teem o inconveniente de ser muito bons, muito bonitos, de certo, mas pouco praticos e pouco applicaveis.

O que entendo é que se devem conjugar e harmonizar os dois elementos - exercito e armada - de maneira a darem o preciso resultado. E isto em harmonia com a população e com os recursos financeiros do Pais.

É muito bonito falar-se num exercito de 200:000 ou 300:000 homens, mas é preciso attender a que o Thesouro não supporta a despesa que deriva de um tão, elevado numero de praças.

É tambem muito boa e conveniente a posse de grandes couraçados.

Mas pode, porventura, o País sustentar esses vasos de guerra ?

Quanto ao que S. Exa. disse sobre a iniciativa parlamentar, ninguem ainda tolheu ou pretendeu tolher essa iniciativa, e as commissões são independentes, quer dizer, não obedecem a ordens do Governo.

Disse tambem o Digno Par que o poder executivo deve estar subordinado ao poder legislativo, e que o poder executivo deve administrar e vir ás Camaras para dar conta dos seus actos.

Ora é esta questão de tomar contas ao Governo que absorve quasi todo o tempo das sessões parlamentares.

Se o Governo não usasse da sua iniciativa, corria-se o risco de estarem paralysadas as funcções legislativas.

E devo dizer que ninguem condemna a iniciativa parlamentar. Estou convencido de que, se um Digno Par apresentar um projecto de vantagem, compativel com os recursos do Thesouro e sem caracter politico, não ha Governo nenhum que o não acceite e não patrocine a sua approvação.

Disse tambem o Digno Par que ha officiaes que asseveram que, dentro dos recursos do Thesouro, se podem melhorar os serviços da marinha, e acrescentou que os Governos só fazem caso das obras que dimanam da sua propria iniciativa.

Eu tenho n ma opinião differente.

Entendo que os Ministros, em geral, tratam de aproveitar todas as iniciativas e de reunir todos os trabalhos.

Não adoptam um ou outro isoladamente, mas, em regra, nomeiam commissões de que fazem parte os individuos que teem essas iniciativas, sendo estas aproveitadas no que teem de melhor.

Julgo ter respondido, embora em breves palavras, ás considerações do Digno Par, cumprindo-me agradecer mais uma vez o ter-se S. Exa. occupado das questões militares, pelo que lhe peço que continue a empregar os seus esforços a fim de possuirmos um bom exercito que satisfaça ás necessidades da defesa nacional.

(S. Exa. não reviu).

Não havendo mais ninguem inscrito, foi o projecto approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, a proposição de lei n.° 15, sobre que recaiu o parecer

É do teor seguinte :

PARECER N.° 19

Senhores: - Ás vossas commissões reunidas de administração publica e de fazenda foi presente o projecto de lei n.° l5, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que autoriza o Governo a mandar imprimir, em determinados limites, á custa do Estado as publicações da Liga Nacional de Instrucção, e isenta de franquia a correspondencia official da mesma Liga.

As vossas commissões, attendendo a que o mencionado projecto é de manifesto interesse publico e não importa sensivel encargo para o Thesouro, são de parecer, de acordo com o Governo, que lhe deis a vossa approvação, para ser convertido em lei.

Sala das sessões das commissões, em 10 de julho de 1308.= Alberto A. de Moraes Carvalho = A. Eduardo Villaça = Julio de Vilhena = Pereira de Miranda = D. João de Alarcão = Alexandre Cabral = Luciano Monteiro = José Maria de Alpoim = Antonio Teixeira de Sousa - Joaquim de Vasconcellos Gusmão = F. F. Dias Costa, relator.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.º 15

Artigo 1.° É autorizado o Governo a mandar imprimir á custa do Estado, na Imprensa Nacional, as publicações da Liga Nacional de Instrucção, até o maximo de 576 paginas in-8.°, pôr anno, isto é uma media de 48 paginas por mês.

§ unico. Será tambem impresso á custa do Estado o boletim mensal da Associação das Escolas Moveis pelo Methodo de João de Deus, que não poderá exceder a 16 paginas em oitavo.

Art. 2.° É isenta de franquia a correspondencia official da Liga Nacional de Instrucção.

Art. 3.° No orçamento do Ministerio do Reino será inscrita annualmente com a rubrica "Publicações da Liga Nacional de Instrucção e Boletim da Associação das Escolas Moveis pelo methodo de João de Deus" a quantia de 625$000 réis, destinada a occorrer ás despesas do artigo 1.°

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 16 de junho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes, Presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga = Antonio Augusto Pereira Cardoso.

N.º 11

Senhores. - As vossas commissões de administração publica e de fazenda, tendo examinado o projecto de lei n.° 7-B, reconhecendo a conveniencia e interesse publico que o justificam, e tendo inquirido na Imprensa Nacional da importancia dos seus encargos, são de parecer, de acordo com o Governo, que elle seja approvado com a seguintes redacção!

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REIN0

Projecto de lei

Artigo 1.° É autorizado o Governo a mandar imprimir á custa do Estado, na Imprensa Nacional, as publicações da Liga Nacional de Instrucção, até o maximo de 576 paginas in-8.°, por anno, isto é, uma media de 48 paginas por mês.

Art. 2.° É isenta de franquia a correspondencia official da Liga Nacional de Instrucção.

Art. 3.° No orçamento do Ministerio do Reino "era inscrita annualmente com a rubrica "Publicações de Liga Nacional de Instrucção" a quantia de 625$000 réis, destinada a occorrer ás despesas do artigo 1.°

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 6 de junho de 1908.= Conde de Penha Garcia = D. G. Roboredo Sampaio e Mello = Sousa Avides = José Caeiro da Matta = José Joaquim da Silva Amado = José de Ascensão Guimarães = Carlos Ferreira = Francisco Cabral Metello = José Maria de Oliveira Mattos = Alberto Navarro = José Jeronimo Rodrigues Monteiro = Conde de Castro e Solla = Eduardo Burnay = José Cabral Correia do Amaral - Ernesto de Vasconcellos.

Projecto de lei n.° 7-B

Artigo 1.° É autorizado o Governo a mandar imprimir á custa do Estado, na Imprensa Nacional, as publicações da Liga Nacional de Instrucção, até o maximo de 576 paginas in-8.°, por anno, isto é, uma media de 48 paginas por mês.

Art. 2.° E isenta de franquia a correspondencia official da Liga Nacional de Instrucção.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Deputados, 30 de maio pó 1908.= Ernesto de Vasconcellos = João Pinto dos Santos = Affonso Costa = José da Motta Veiga = Antonio Zeferino Candido = José Gonçalves Pereira dos Santos = Antonio Cabral.

O Sr. Sebastião Baracho: - Antes de apreciar o projecto em debate, o que tenciono fazer succintamente, mando para a mesa uma representação a favor do registo civil obrigatorio. Este trabalho, excellente e eruditamente fundamentado, com que plenamente me conformo, é devido a uma commissão composta pelos cidadãos Theophilo Braga, Sebastião de Magalhães Lima e Fernão Botto Machado, e delegada do povo de Lisboa, reunido em magna sessão publica com o objectivo constante da alludida representação. Nella se recorda, entrei outros factos assaz, expressivos, o admiravel decreto de Mousinho da Silveira, de 16 de maio de 1832, estabelecendo o registo civil.

O remate da exposição a que me estou reportando é do teor seguinte:

Concluindo, pois, e em resumo de tudo quanto fica exposto, o povo de Lisboa, crente de que não deixareis permanecer a Nação num estado de liberdade mais atrasado e que o de 1390 e o de 1832, mais atrasado que o de Hespanha (!), e até mais atrasado que o dos pretos de Angola, confiadamente aguarda que vós, sem deixardes de ter em vista a reforma da Carta Constitucional, principalmente a suppressão do seu artigo 6.°; a revogação dos artigos 130.° e 140.° do Codigo Penal, como inquisitoriaes que são; a revogação da lei de 13 de fevereiro; a dos decretos de 18 de abril de 1901, sobre congregações, 3 a de 3 de abril de 1896 e 19 de setembro de 1902, sobre, o juizo de instrucção criminal, revogações tantas vezes reclamadas pelo País inteiro, - aguarda que vós immediatamente approveis uma lei impondo o registo civil obrigatorio, com o preceito de que só as certidões d'elle extrahidas farão prova em juizo, ou fora d'elle, com tabella de emolumentos, e secularizando, ao mesmo tempo, todo o perimetro dos cemiterios.

Assim o exigem as conveniencias do Estado e da vida civil dos cidadãos, os principios de liberdade e a evolução juridica da sociedade portuguesa.

Lisboa, junho de 1908. = A Commissão delegada, Theophilo Braga = S. de Magalhães Lima = Fernão Botto Machado.

De longa data eu insto pelo registo civil obrigatorio, concernentemente a nascimentos, a casamentos e a obitos. Quando este anno se discutiu a resposta ao Discurso da Coroa, mais uma vez affirmei estes principios, na moção de ordem que então sustentei.

Consignada agora, por modo inilludivel, esta minha arraigada convicção, rogo ao Sr. Presidente se digne consultar a Camara sobre se consente que seja publicada no Diario do Governo a representação que acabo de mandar para a mesa, que reputo em termos de ser devidamente acolhida para esse objecto.

Dito isto, vou occupar-me do parecer em discussão, e que, na verdade, se recommenda pelos seus intuitos altruistas, e bem assim pela respeitabilidade dos dirigentes da Liga Nacional de Instrucção, a que elle se refere.

Eu desejo ser esclarecido acêrca de umas duvidas, que elle me offerece na sua urdidura. Não vejo, porem, presente o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, que seria o mais idóneo para me elucidar referentemente nos assuntos de instrucção publica. E a verdade é que quasi ninguem está presente nesta casa, consoante o que tem succedido nas sessões anteriores, o que me faz recordar a conhecida quadra popular:

Neste sitio solitario,
Onde a desgraça me tem,
Chamo, ninguem me responde,
Olho, não vejo ninguem.

Na falta do Sr. Presidente do Conselho, appello para o Sr. Dias Costa, relator da commissão, e que é dos poucos Dignos Pares que se encontram no recinto d'esta sala.

Pela leitura do parecer, reconhece-se que é o Governo autorizado a mandar imprimir á custa do Estado, na Imprensa Nacional, as publicações da Liga Nacional de Instrucção, despendendo para isso até a quantia de 625$000 réis annuaes. E esta a doutrina constante do projecto primitivo, cuja iniciativa coube, na Camara Electiva, a quinze membros d'aquella casa.

Depois, foi ali o projecto ampliado, no sentido de ser tambem impresso, á custa do Estado, o boletim mensal da Associação das Escolas Moveis, pelo Methodo João de Deus.

Succede, porem, que não lhe é arbitrada verba alguma especial para que se torne effectiva essa concessão, devendo o custo do boletim sair da verba de 625$000 réis, destinada ás publicações da Liga Nacional de Instrucção. Tem esta verba a elasticidade precisa para satisfazer o novo encargo? Não me parece, o que produz desde já o germe de deficiencias futuras, as quaes se hão de manifestar, certamente, na contabilidade publica.

Todavia, o Sr. Relator formulará o seu juizo, afigurando-se-me que não será facil a justificação da irregularidade que resalta dos factos apontados. A situação anomala que se observa, relativamente aos assuntos de instrucção publica, é devida a causas diversas. Em primeiro logar, a centralização na administração, a que ha pouco ainda se referiu o Digno Par Sr. Jacinto Candido, é, conforme tenho verberado vezes sem conto, uma das determinantes da avariada organica dos degenerados serviços administrativos, mormente dos respeitantes á instrucção, que se esteriliza e depaupera, sem a menor duvida, sob a morbida e exorbitante tutela governamental.

Alem d'isso, a sua dotação é indubitavelmente mesquinha. Gastaram-se, por exemplo, em despesas inconfessaveis da policia preventiva, no anno economico de 1907-1908, nem menos de 61 contos de réis, dos quaes apenas 30 inscritos no orçamento. E emquanto se desbarata uma somma tão avultada, note-se, bem, em despesas inconfessaveis, de execranda, policia secreta, regateia se a adequada dotação para o derramamento da instrucção primaria, especialmente, isto é, para a instrucção que mais poderia aproveitar ao povo.

Perante este abastardado norteamento, não admira que as associações não officiaes de instrucção tenham de sair da feição propagandista e fiscalizadora, que lhes estava de preferencia indicada, para se occuparem do ensino na sua

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concreta vulgarização, visto o Estado não cumprir, a tal respeito, os preceitos a que está obrigado, e que absorveu ás camaras municipaes e a outras instituições de origem tambem popular.

É fora de duvida que, tanto a Liga Nacional de Instrucção, como a Associação das Escolas Moveis pelo Methodo João de Deus se recommendam ao respeito e benevolencia dos apostolos do ensino popular.

É por isso, e só por isso, que dou o meu voto ao projecto, depois de ter lavrado o meu justificado protesto contra a gafada e absorvente intervenção governamental, em materia de tanta ponderação, qual é a da instrucção publica.

(S, Exa. não reviu).

O Sr. Dias Costa: - As observações apresentadas pelo Digno Par Sr. Ba-Baracho são absolutamente procedentes.

No projecto primitivo, tratava-se unicamente da Liga Nacional de Instrucção. Depois entendeu-se que o beneficio dispensado a essa Liga devia ser igualmente concedido á Associação das Escolas Moveis pelo Methodo João de Deus.

As commissões de fazenda e administração publica d'esta Camara entenderam effectivamente que era exigua a verba destinada ás duas publicações; mas, já para não demorarem o andamento do projecto, já por se lembrarem de que, nos primeiros tempos, essas publicações não cheguem ao maximo de paginas indicadas no artigo 1.°, entenderam por conveniente não introduzir qualquer alteração no que está.

Se mais tarde se reconhecer que a verba é realmente exigua, por meio de qualquer proposta o Parlamento regularizará devidamente o assunto.

(S. Exa. a não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Quando se procede á leitura do projecto que foi posto em ordem do dia, sympathiza-se com elle, visto que respeita ou interessa á illustração do povo.

Não o impugno, mas considero-o como um péssimo symptoma de administração.

É indispensavel que a attenção do Parlamento se volte para a boa organização de todos os serviços respeitantes á instrucção nacional.

Entrava na sala quando o Digno Par o Sr. Baracho se expressava por forma a dar-me a apprehensão de que S. Exa. combatia, até certo ponto, o projecto em discussão.

Pareceu-me que o Digno Par se referia ao facto de se ver a iniciativa particular obrigada a supprir as deficiencias, do Estado em materia de instrucção.

Reconheço a necessidade de se olhar cuidadosamente para tudo o que respeita á instrucção nacional, como indispensavel é que se attenda á melhoria dos serviços militares, dos de policia e outros, mas é por igual necessario que nos não prestemos a votar despreoccupadamente projectos como o que está em ordem do dia, porque isso representa o aggravamento de vicios, que de ha muito vem corroendo o nosso corpo social.

Não peço ao meu illustre amigo o Digno Par Dias Costa, relator do parecer, que me responda a estas singelas e brevissimas considerações, mesmo porque me persuado de que S. Exa. não é contrario á opinião que estou expendendo.

O Digno Par encontrou na sua frente uma obra que é realmente sympathica, e não teve duvida em acolhê-la benevolamente ; mas urge considerar que não é unicamente sob esse ponto de vista que o assunto deve ser encarado. Temos tambem a attender que as disposições d'este e de outros projectos analogos vão comprometter as receitas dos estabelecimentos fabris do Estado.

Sem duvida que a nossa Imprensa Nacional é um dos nossos estabelecimentos perfeitamente montados, mas é necessario que lhe não sobrecarreguem as seus orçamentos com projectos d'esta ordem, que tendem a beneficiar este ou aquelle.

Este projecto hoje, e um semelhante ámanhã ou depois, não podem deixar de desfalcar os resultados da exploração d'aquelle estabelecimento.

Tambem o projecto isenta de franquia a correspondencia official da Liga Nacional de Instrucção, isenção que, aliás, tem sido concedida a outras instituições, com prejuizo dos rendimentos do Estado, que assim são desvalorizados.

O projecto que se discute é, incontestavelmente, de ordem secundaria, e eu, nem o discuto nem o combato; mas representa um péssimo symptoma, e é essa circunstancia que me levou a apresentar estas curtas reflexões, a que dou remate, para não demorar por mais tempo a presença dos meus collegas nesta sala.

Esgotada a inscrição, é o projecto approvado, tanto na generalidade como na especialidade.

O Sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o parecer n.° 20, respectivo á proposição de lei n.° 16.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 20

Senhores.- Foi presente á vossa commissão de fazenda o projecto de lei n.° 16, vindo da Camara dos Senhores
Deputados, que autoriza a concessão de bronze para a estatua de um dos mais illustres cidadãos portugueses dos modernos tempos, sendo tambem feita á custa do Estado a sua fundição.

Se a Patria impõe aos cidadãos o dever de pugnarem pela sua independencia e pela sua gloria, legando á posteridade o exemplo dos heroes que se sacrificaram pela liberdade e pela justiça, cabe tambem á patria o dever de galardoar esses serviços, perpetuando a memoria dos que pela Patria e pelos seus concidadãos dedicaram toda a sua intelligencia, toda a sua actividade e puseram em evidencia todo o seu amor.

Está neste caso o cidadão Manuel Fernandes Thomás, o preparador da revolução de 1820, com o seu indómito espirito de independencia, de liberdade e de justiça, sacrificando-se para implantar no solo patrio o novo regime.

Haviam as Côrtes de 1823 decretado que os restos mortaes d'aquelle cidadão illustre fossem depositados num simples mausoléu com um modesto epitaphio, sendo essa despesa feita á custa do Thesouro. Nunca até hoje se cumpriu esse dever de gratidão por parte dos poderes publicos. E a um grupo de artistas que se deve a iniciativa de uma subscrição para o levantamento de um monumento á memoria de tão prestante quanto illustre português.

Por isso, para perpetuar a memoria de quem tão valorosamente pugnou pela justiça e pelo direito, para corresponder aos esforços de cidadãos reconhecidos, e para cumprir a deliberação das Côrtes de 1823, é a vossa commissão de parecer que approveis o mencionado projecto de lei, que na Camara dos Senhores Deputados foi approvado por acclamação.

Sala das sessões da commissão, em 10 de julho de 1908.=-á. A. Moraes Carvalho = Pereira de Miranda = Frederico Ressano Garcia = Alexandre Cabral = F. F. Dias Cosia = L. Monteiro = Fernando Larcher = J. de Alarcão (relator).

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 16

Artigo 1.° E o Governo autorizado a conceder o bronze e a fundição para a estatua de Manuel Fernandes Thomás e a mandar collocá-la no monumento, levantado na cidade da Figueira da Foz, á gloria do illustre patriarcha da liberdade.

Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 16 de junho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes, Presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga = Antonio Augusto Pereira Cardoso.

N.º 16

Senhores.- Manuel Fernandes Thó-

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

más nasceu na Figueira da Foz em 30 de julho de 1771. Foi na sua terra natal que esse homem, a quem a posteridade chamou o patriarcha da liberdade, se preparou para o desempenho das mais altas funcções do Estado, principiando por exercer os cargos de syndico, procurador fiscal do municipio e de vereador, de 1795 a 1798.

No desempenho d'estes modestos cargos das magistraturas populares mostrou, desde logo, esse espirito de independencia, de liberdade e de justiça que, em poucos annos, haviam de fazer d'elle a alma do Synedrio que, no Porto, preparou e fez triunfar a revolução de 1820.

Membro da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, encarregado das pastas do Reino e da Fazenda, Deputado pela provincia da sua naturalidade ás Côrtes Constituintes de 1821, Manuel Fernandes Thomás foi a figura primacial d'essa grande epoca da nossa historia.

Todos nós devemos lembrar sempre de que elle foi o apostolo do regime da liberdade em Portugal.

O excesso de trabalho para defender as suas ideias e implantar o novo re-regime esgotaram rapidamente as suas forças physicas.

Morreu em 19 de novembro de 1822. Em 15 de janeiro de 1823 as Côrtes decretaram que: "os restos d'aquelle benemerito cidadão serão depositados em um mausoléu simples, no qual se lavre o seguinte epitaphio: - A nação portuguesa a Manuel Fernandes Thomás - e que todas as despesas serão satisfeitas pelo Thesouro Publico".

Este monumento nunca se levantou.

Esta disposição legal está por cumprir. A nação portuguesa tem esta divida em aberto.

Á popular e democratica iniciativa de um grupo de artistas mecanicos, todos conterraneos de Manuel Fernandes Thomás, se deve uma subscrição para levantar na Figueira da Foz um monumento á memoria do mais illustre dos seus filhos, um dos mais illustres portugueses do seculo XIX.

Estão adeantados os trabalhos e, se for approvado o projecto de lei que temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, em breve estará paga a divida nacional, reconhecida pelas Côrtes de 1823 e confirmada pela glorificação com que a posteridade consagrou a memoria de tão grande cidadão.

Pedindo á representação nacional que se associe a tão justa homenagem temos a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a conceder o bronze e a fundição para a estatua de Manuel Fernandes Thomás e a mandar collocá-la no monumento, levantado na cidade da Figueira da Foz, á gloria do illustre patriarcha da liberdade.

Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 16 de junho de 1908. = J. G. Pereira dos Santos = João Pinto dos .Santos = Manuel Antonio Moreira Junior = José Maria de Oliveira Mattos = Antonio José de Almeida = José de Ascensão Guimarães = José dos Santos Pereira Jardim.

O Sr. Sebastião Baracho: - Sr. Presidente: foi, não ha a menor duvida, Manuel Fernandes Thomás o preparador, o fomentador da excelsa revolução de 1820. Mas o seu audaz impulsionador da ultima hora foi o exercito, cujos officiaes e soldados, por assim dizer, sem discrepancias, tomaram a iniciativa do movimento que produziu a liberrima Constituição de 23 de setembro de 1822, que tanta falta nos fez, quando abolida, sentindo-se ainda na actualidade a sua derogação.

Não se intimidaram os patriotas com o mallogro da conspiração de Gomes Freire, cuja repressão, constante do enforcamento do valente general e seus onze companheiros, em 18 de outubro de 1817, foi positivamente cruel.

Os clubs revolucionarios proseguiram activamente nos seus trabalhos, a todos se avantajando o Synhedrio, installado no Porto, em 22 de janeiro de 1818, pela acção de Manuel Fernandes Thomás, de acordo com José Ferreira Borges, outro emerito cidadão.

Não obstante o Synhedrio ter inaugurado os seus trabalhos apenas com quatro membros, e nunca ter contado mais do que treze, essa associação secreta muito contribuiu para os successos de 1820, derramando e incutindo as suas libertadoras opiniões em todas as classes sociaes, desde as mais preponderantes ás mais humildes.

Consoante plano previamente combinado, reuniram-se em casa de Bernardo Correia de Castro e Sepulveda, coronel de infantaria 18, pelas 9 horas da noite de 23 de agosto de 1820, Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira, coronel de artilharia 4; José Ferreira Borges, advogado junto da Relação do Porto; Domingos Antonio Gil de Figueiredo Sarmento, tenente-coronel de infantaria 6; José Pereira da Silva Leite de Berredo, tenente-coronel commandante do corpo da policia; José de Sousa Pimentel e Faria, major do regimento de milicias do Porto; Tiburcio Joaquim Barreto Feio, ajudante do regimento de milicias da Maia, que depois foi substituido pelo major do mesmo corpo, José Pedro Cardoso da Silva; e resolveram que as forças militares, d'aquella cidade ficassem soo as ordens dos dois coroneis, membros do conselho, os quaes effectuariam o pronunciamento.

No dia seguinte de madrugada, as tropas formaram no Campo de Santo Ovidio, onde lhes foram lidas duas proclamações uma do coronel Cabreira e a outra pelo coronel Sepulveda.

A primeira é concebida nestes termos :

PROCLAMAÇÃO

Soldados! - Uma só vontade nos una. Caminhemos á salvação da Patria. Não ha males que Portuga! não soffra. Não ha soffrimento que nos portugueses não esteja apurado. Os portugueses, sem segurança em suas pessoas e bens, pedem o nosso auxilio; elles querem a liberdade regrada pela lei.

Vós mesmos, victimas dos males communs, tendes perdido a consideração que vosso brio e vossas virtudes mereciam. É necessaria uma reforma, mas esta reforma deve guiar-se pela razão e pela justiça, não pela licença. Coadjuvae a ordem; cohibi os tumultos, abafae a anarchia. Criemos um Governo provisorio, em quem confiemos. Elle chame as Côrtes, que sejam o orgão da Nação, e ellas preparem uma constituição, que assegure nossos direitos. O nosso Rei, o Senhor D. João VI, como bom, como benigno e como amante de um povo que o idolatra, ha de abençoar nossas fadigas. Viva o nosso bom Rei! Vivam as Côrtes e por ellas a Constituição!

Porto, e em conselho militar, aos 24 de agosto de 1820 = O Commendador Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira, coronel de artilharia n.° 4 = Bernardo Correia de Castro e Sepulveda, coronel de infantaria n.° 18 = Domingos Antonio Gil de Figueiredo Sarmento, tenente-coronel commandante de infantaria n.° 6 = José Pereira da Silva Leite de Berredo, tenente-coronel commandante do real corpo da policia - José de Sousa Pimentel e, Faria, major commandante interino de milicias do Porto = José Pedro Cardoso e Silva, maior commandante interino de milicias da Maia.

Deploravel confiança a que os revolucionarios depositaram em D. João VI, indecorosamente ausente do reino, e que ulterior e cavilosamente correspondeu ao desinteresse com que os seus generosos concidadãos lhe sustentaram a privilegiada situação de reinante.

Sequentemente, os actos de regeneração politica e social succedem-se por modo vertiginoso, conforme se observa pela citação simplesmente dos que maior significação tiveram. Ei-los:

- Nesse mesmo dia 24, é convocado extraordinariamente pelo conselho militar, já designado, o Senado da camara do Porto, de cuja sessão saiu a Junta Provisoria do Governo Supremo do Reino, deferindo-se-lhe, seguidamente, juramento.

- Ainda em 24 é dirigido pela Junta, acabada de nomear, um manifesto aos portugueses, a qual era assim composta:

Presidente, Antonio da Silva Pinto da Fonseca; vice-presidente, Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira; vogaes, Bernardo Correia de Castro Sepulveda, Luis Pedro de Andrade e Brederode, deão, Pedro Leite Pereira

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SESSÃO N.° 27 DE 14 DE JULHO DE 1908 13

de Mello, Manuel Fernandes Thomás, Francisco José de Barros Lima, José Maria Xavier de Araujo, João da Cunha Sotto Maior; secretarios, José Ferreira Borges, José da Silva Carvalho e Francisco Gomes da Silva;

- Em 28 de agosto, a Junta Provisional do Porto dirige uma proclamação aos habitantes de Lisboa;

- Em 4 de setembro, proclamação do coronel Bernardo Sepulveda aos habitantes da Beira;

- Em 5 de setembro, proclamação do marechal de campo Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda, aos transmontanos;

- Em 6 do mesmo mês, duas cartas, uma dos officiaes e soldados da guarnição do Porto, e outra exclusivamente dos officiaes, ambas aos governadores do reino, e transcendendo qualquer d'ellas a retinto liberalismo, firmemente proclamado;

- Em 9 de setembro, carta, reagindo baldadamente contra a revolução, e promulgada em Lisboa pelos governadores do reino, convocando os tres estados;

- Em 10 de setembro, partida da Junta, com parte da tropa, em direcção a Lisboa, ficando uma sua delegação no Porto;

- Em 15 de setembro, pronunciamento em Lisboa a favor das ideias liberaes, e nomeação do Governo interino;

- Em 1 de outubro, chegada da Junta do Porto a Lisboa;

- Nesse mesmo mês, em 16 ou 17, dão-se occorrencias desagradaveis, pela chegada ao porto de Lisboa do marechal Beresford, munido de plenos poderes outorgados por D. João VI, os quaes o investiam no cominando geral do exercito;

- Em 18 de outubro, quando fazia precisamente tres annos em que tinham sido enforcados Gomes Freire e os seus onze companheiros, retirada, para Inglaterra, do marechal Beresford, cujo desembarque, por medida de bem entendida prudencia, nunca chegou a effectuar-se em Lisboa;

- Em 31 de outubro, manifesto do Governo Supremo de Reino aos portugueses - Governo que assim era constituido:

Principal decano, presidente; Antonio da Silveira Pinto da Fonseca, vice-presidente; Barão de Mollelos, o coronel Bernardo Correia de Castro e Sepulveda, o bacharel Bento Pereira do Carmo, Conde de Sampaio, Conde de Penafiel, o desembargador Filipe Ferreira de Araujo e Castro, Dr. Fr. Francisco de S. Luiz, o bacharel Francisco Gomes da Silva, Francisco José de Barros Lima, o bacharel Francisco de Lemos Betencourt, Francisco de Sousa Cirne de Madureira, Hermano José Braamcamp do Sobral, Joaquim Pereira Annes de Carvalho, o desembargador Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, o desembargador João da Cunha Sotto Maior, o bacharel José Ferreira Borges, José Francisco Fernandes Correia, o bacharel José Joaquim Ferreira de Moura, o bacharel José Maria Xavier de Araujo, o bacharel José Manuel Ferreira de Sousa e Castro, José Nunes da Silveira, o bacharel José da Silva Carvalho, Luiz Monteiro, o deão da Sé do Porto Luiz Pedro de Andrade Brederode, o desembargador Manuel Fernandes Thomás, o tenente general Mathias José Dias Azedo, Pedro Leite Pereira de Mello, Roque Ribeiro de Abranches Castello Branco, o coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira.

Ao todo 31.

- Ainda em 31 de outubro, instrucções para regular as eleições de Deputados das Côrtes extraordinarias e constituintes;

- Em 8 de novembro, ainda de 1820, circular de Manuel Fernandes Thomás, encarregado da repartição dos negocios do Reino, aos presidentes das eleições, remettendo-lhes as instrucções supra-alludidas.

E por aqui me quedo. Desnecessario seria consignar que a circular de Fernandes Thomás se amolda pelos salubres principios de liberdade, legalidade e rectidão. D'ella destaco o seguinte trecho, que, a todos os respeitos, merece ser considerado:

A necessidade que obrigou os portugueses a dar este passo, como unico que podia salvá-los de uma total ruina, justifica decerto as medidas que até agora se teem tomado, e a paz e socego de que tão felizmente havemos gozado é um bem e um final manifesto com que a mão do Omnipotente premeia o nosso zelo e abençoa os nossos desejos...".

A paz e socego proclamados pelo grande cidadão foram disfrutados durante tão radical transformismo politico, em virtude da collaboração patriotica de todas as classes sociaes, com destaque da classe militar.

Soube - o exercito então integrar se com o sentir nacional, repudiando quaesquer laivos de sectarismo, fundamentalmente nocivos, sob todos os aspectos, sem excepção.

Poucos annos decorridos, o exercito, esquecendo na sua maior parte o credo liberal, facilitou o exercicio do despotismo no poder e provocou a guerra civil, cujo termo póde ser convencionado em Evora Monte em maio de 1834, mas cujos perniciosos effeitos por muito tempo se experimentaram intensamente, e ainda hoje se fazem doentiamente sentir.

E que direi do que vae passado ha cerca de um seculo, em confronto em o occorrido na actualidade?

Noutra occasião mais propicia, tornarei, porventura, a versar o assunto e a fundo.

Agora limito-me a associar-me com a maxima satisfação ao projecto em debate, e a patentear o sincero preito da minha admiração por Manuel Fernandes Thomás, que teve a boa sorte de fallecer em 19 de novembro de 1822, ainda quando a sua obra não tinha sossobrado pela acção reaccionaria dos intrigantes da epoca, a começar por D. João VI, fallecido um 10 de março de 1826. Morreu Fernandes Thomás, na altura, segundo é de uso dizer.

A Nação, pelos seus representantes em Côrtes, pensionou-lhe vitaliciamente a viuva com 1 conto de réis annuaes, e os dois filhos, Roque e Manuel, cada um com 500$000 réis, tambem annuaes e vitalicios. O diploma correspondente é de 2 de dezembro de 1822.

A sua terra natal, a figueira da Foz, vae-lhe perpetuar em bronze, numa estatua adequada, a gloriosa memoria, celebrando-lhe, por essa expressiva exteriorização, os feitos patrioticos por elle praticados, na ara do liberalismo, do direito e da rectidão.

Bem haja ella.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. D. João de Alarcão (relator): - Não tenho que defender o projecto, porque o Digno Par Sr. Baracho não o impugnou.

Tratando-se, por agora, tão só de glorificar o homem que foi a alma da revolução de 1820, é certo que se não fazem referencias ao exercito, mas isso não exclue por forma nenhuma a homenagem que lhe é devida.

Não havendo finais ninguem que pedisse a palavra, foi o projecto approvado.

O Sr. Presidente: - Na sessão seguinte consultarei a Camara sobre se consente que seja publicada rio Diario do Governo a representação que o Digno Par Sr. Baracho enviou para a mesa.

A ordem do dia para a sessão de sabbado 18, é o parecer n.º 22, relativo á ampliação da verba orçamental para desenvolvimento de turmas nos lyceus; n.° 21, sobre as emendas ao parecer n.° 16; e n.° 9, acêrca do requerimento em que o Sr. Telles de Vasconcellos pede que lhe seja permittido entrar na Camara por direito hereditario.

Os dois primeiros estão a imprimir e serão distribuidos opportunamente pelas casas dos Dignos Pares.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas da tarde.

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14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Dignos Pares presentes na sessão de 14 de julho de 1908

Exmos. Srs. : Antonio de Azevedo Castello Branco; Marquês Barão de Alvito; Marqueses: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein.; Cindes: de Arnoso, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Villa Real, de Sabugosa; Viscondes: de Algés, de Monte São; Pereira de Miranda, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Ayres de Ornellas, Carlos Palmeirim, Carlos Bocage, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Simões Margiochi, Francisco Serpa Machado, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna Julio de Vilhena, Luciano Monteiro Poças Falcão, Bandeira Coelho, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho,

O Redactor,
ALBERTO BRAMAO.

Projectos de lei apresentados pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido

Senhores. - Espiritos desvairados por um cego facciosismo, que os interioriza, impellidos por um culto ridiculo do figurino francês, podem ainda deter-se, hoje, como em questão fundamental e primaria, na luta de substituir um Rei constitucional por um Presidente de republica.

Apoucados num ideal de liberalismo formalistico, incoherente e paradoxal, contradizendo-se a cada momento, e opprimindo e vexando, já, mesmo sem a posse do poder, com o mais atroz e insupportavel despotismo, todos os que não commungam no seu credo politico, esterilizando-se em banaes declarações rhetoricas, modeladas no typo jacobino da França de 1793, mal se apercebem de que mais de um seculo vae passado sobre essa epoca historica.

Não é esta a questão - a da forma monarchica ou republicana - que nos tempos presentes- occupa e preoccupa, justificadamente, os homens de Estado, os pensadores e os sociologos.

Burgueses monarchicos, ou burgueses republicanos, burgueses são todos; e é contra elles que o quarto Estado se levanta, pondo, bem claramente, a questão social, que é, sem duvida, a questão do nosso seculo.

A forma republicana nada importa á questão social; e, com graça, dizia ha poucos dias um chefe socialista: "Que nos importa a nós que o chefe do Estado use coroa, chapéu de coco, ou tiara? A nossa questão não é essa, é sim a das nossas reivindicações, que nos garantam, na vida, o direito de viver".

E é assim.

O doutrinarismo politico, as velhas e clássicas discussões sobre vantagens e inconvenientes d'esta ou d'aquella forma de Governo, monarchica ou republicana, não se casam já com as exigencias da actualidade.

Fizeram o seu tempo.

Outras aspirações as substituiram, e a questão social as encerra.

Na conclusão 9.ª consigna-se, especialmente, o seguinte principio geral:

"O nacionalismo affirma o respeito e a sympathia, que lhe merecem as legitimas reclamações das classes operarias, entendendo que ellas devem resolvever-se, por modo a satisfazer-se tudo quanto for conforme á equidade, antecipando-se mesmo com providencias claramente demonstrativas de solicitude vigilante e de justiça governativa, que inspirem confiança e desarmem as justas indignações dos opprimidos 1".

A comprehensão d'este estado de cousas, teve-a, de seu principio, sem uma hesitação só, o partido nacionalista, com uma lucidez bem demonstrativa de que é um agrupamento moderno, integrado nas correntes que ao presente agitam os espirites e movimentam a vida das nações. No seu programma politico a questão social é claramente posta, procurando-se a sua solução num regime de verdadeira liberdade e de austera justiça.

Claro bem está que se restringiu o campo das reivindicações, peia legitimidade d'ellas, o que exclue por completo a utopia e a revolução.

Nem desvairamentos fantasistas, contrarios aos ditames da razão e ás lições da sciencia; nem convulsões sociaes violentas, que perturbam a ordem, atrasam o progresso e maculam a civilização.

Não podia ser esse o caminho. Pelo contrario, cumpre evitar o desvario imaginoso pela realidade sensata; e prevenir, pela justiça governativa, as reclamações armadas em lutas fratricidas: em obediencia ao principio superior do direito, que deve presidir á acção do poder publico; e no interesse supremo da paz, que deve nortear os homens de Governo.

Façamos pois a distincção do que ha de legitimo nas revindicações dos opprimidos, dos tristes, dos desvalidos, dos desherdados, da grande massa humana que soffre, sem conforto nem alegrias, antes que o desespero a domine e o furor a precipite, num arranque impetuoso de coleras indomaveis, contra tudo e contra todos.

Não sejamos fracos cedendo apavorados ante a ameaça; mas não sejamos surdos aos clamores da miseria, nem desprezemos as reclamações da justiça.

Vamos pois até junto d'essas classes sociaes, pobres e infortunadas, nossos concidadãos e irmãos nossos; criemos com elles intimidades; ouçamo-los; estudemos a sua situação conscienciosamente; e, consequentemente, procedamos segundo um alto ponto de vista social e humano.

Não os abandonemos no isolamento das suas dores e na concentração dos seus odios.

Nesta ordem de ideias, e com taes objectivos, como previa medida, indispensavel para proceder com seguro criterio, fundados motivos, e prudente aviso, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

N.° 22

Artigo l.° O Governo procederá sem demora, e pela Secretaria de Estado das Obras Publicas, Commercio e Industria, a um inquerito geral sobre a situação das classes operarias do continente do reino.

Art. 2.° Para este effeito constituir-se, ha uma commissão especial de funccionarios idóneos do Estado, que estudará o assunto directamente, recolhendo todos os elementos necessarios para um juizo fundamentado, que habilite os poderes publicos a occuparem-se das questões de caracter social.

Art. 3.° As associações de classe serão mandadas ouvir sobre o inquerito e prestarão todas as informações sobre o estado dos seus respectivos ramos de trabalho que lhe forem reclamadas, nos termos do artigo 11.°, n.° 6.°, e artigo 5.°, da lei de 9 de maio de 1891, e todas as demais que entenderem convenientes ao fim do inquerito.

Art. 4.° É autorizada a despesa com este inquerito até o limite maximo de 6:000$000 de réis.

Art. 5.° O Governo formulará as instrucções necessarias para a execução da presente lei, e dará conta ás Côrtes do medo como ella for executada.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario,

Jacinto Candido.

Senhores. - Tendo-se suscitado duvidas sobre se os decretos do poder executivo, usurpando funcções legislativas, devem ou não ser acatados e cumpridos pelos cidadãos e pelos outros poderes do Estado, como leis do reino;

Sendo mester que se mantenha firme, no exercicio da governação publica, o principio superior e basilar da divisão e harmonia dos poderes politi-

1 Vide conclusões 6.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª e 13.ª

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SESSÃO N.° 27 DE. 14 DE JULHO DE 1908 15

cos, como meio mais seguro de conservar os direitos dos cidadãos, e de tornar effectivas as garantias que a Constituição offerece, nos termos do artigo Í0.° da Carta Constitucional;

Não podendo, nem devendo, manter-se duvidas em materia tão grave como esta, e convindo interpretar a lei de modo autentico, fixando doutrina certa e inilludivel;

Cabendo ás Côrtes a interpretação das leis, nos termos do § 6.° do artigo 15.° da Carta Constitucional citada já;

Não se tratando, como se não trata, de limites nem de attribuições dos poderes do Estado, e tão somente de uma pratica abusiva, manifestamente contraria á letra e ao espirito da lei, e gravemente perturbadora sempre do funccionamento do Governo constitucional;

Cumprindo que as Côrtes velem na guarda da Constituição e promovam o bem geral da nação, como manda o § 7.° do citado artigo 15.° da mesma Carta:

Tenho a honra de propor-vos o seguinte projecto de lei:

N.° 23

Artigo 1.° Os decretos ou quaesquer outros diplomas do poder executivo não podem nunca conter materia legislativa nova, nem alterar, nem revogar, as leis existentes, salvo no uso de autorizações legislativas, e noa termos precisos d'ellas, ou quando se trate das provincias ultramarinas, nos termos de § 1.° do artigo 15,° do Acto Addicional á Carta Constitucional.

Art. 2.° Os decretos, ou quaesquer outros diplomas do poder executivo, que se não conformarem rigorosamente com o disposto no artigo anterior, não terão força legal, não serão applicados pelos tribunaes de justiça, e ter-se-hão como não existentes para todos os effeitos, salvo pelo que toca ás responsabilidades dos respectivos Ministros e Secretarios de Estado.

Art. 3.° Fica assim interpretrada a lei e revogada a legislação em contrario.

Jacinto Candido.

A doutrina contida neste projecto de lei é a do programma do partido nacionalista, na parte respeitante á contabilidade publica, que já por mais de uma vez, tenho perante vós, expendido se sustentado.

Designadamente na ultima sessão parlamentar defendi os principies que agora proponho ao vosso exame, na convicção, tão firme como sincera, de que são indispensaveis a um bom regime de efficaz fiscalização financeira, por parte dá s Côrtes, e até para salvaguarda das responsabilidades pessoaes dos Ministros, não menos dignas de ponderação do que as responsabilidades juridicas.

Quem delinquiu, que responda pelo seu erro, quem o não fez, que fique a coberto das campanhas diffamatorias, mais, se não que na totalidade dos casos, inspirados pela paixão politica, do que por um alto espirito de justiça, ou por um nobre pensamento de bem publico.

A meu ver, o grave defeito de que enferma a nossa contabilidade está na feroz centralização que domina este capitulo tão fundamental, dos serviços publicos, como de resto impera em toda a nossa vida politica e social e em todos os outros ramos da nossa administração.

O brutal centralismo, tão geralmente consagrado em toda a nossa legislação, attingindo já hoje um grau de intensidade acima do supportavel, eis a meu juizo o inimigo que, em todos os campos, sem os excessos perigosos de uma reacção violenta e anarchizadora, mas sem treguas nem complacencias, deve ser combatido tenazmente.

Desdobrar a monstruosidade, que é o nosso orçamento, e que são as nossas contas do Thesouro, em documentos susceptiveis de exame e de critica, ainda aos menos entendidos nestes assuntos de enfadonha especialidade, e discriminar, personalizando-as, responsabilidades, que por confessar difficil é, com justiça, devidamente apurar, são necessidades de primeira ordem, reconhecidas pela experiencia, a que o projecto procura obtemperar.

Não se cuida aqui de uma lei geral de responsabilidade ministerial, mas tão somente da effectivação das responsabilidades de caracter particular, que derivam da administração , financeira do Estado, sem a qual mal se comprehende um regime perfeito de contabilidade publica.

Possivelmente, se não que com todas as probabilidades, muitas deficiencias serão reconhecidas neste projecto, a que será mester supprir; mas tambem modesto é o nosso proposito, que não mim a formular um regime completo dos serviços de contabilidade, mas á apresentação de principios, aliás fundamentaes e radicalmente transformadores, para, juntamente com a legislação em vigor e não contraria, se constituir afinal uma lei geral de contabilidade publica completa, que satisfaça ás justas reclamações dos que se interessam, a serio, pela administração do Estado.

A commissão codificadora que se propõe não fica inhibida de introduzir qualquer modificação ou de prover a qualquer falta; bem ao contrario, cabe-lhe essa missão, visto como o projecto que elaborar será sincero e apenas um projecto de lei, sujeito á discussão e á votação do poder legislativo.

Codificar as leis é delicada operação juridica, que ás Côrtes não devem de si demittir nem outorgar, por autorizações, ao poder executivo. E pois que a codificação deve fazer-se pelo poder legislativo, ha opportunidade e competencia, para tudo o que se mostrar necessario a bem de uma lei organica, perfeita quanto possivel, d'esta importantissima previdencia dos serviços financeiros do Estado.

Tenho pois a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As repartições de contabilidade de cada Secretaria de Estado serão autónomas, independentes do Ministerio da Fazenda e somente, e directamente, subordinadas aos Ministros e Secretarios de Estado respectivos.

Art. 2.° Estas repartições trabalharão somente sobre a dotação, e as despesas privativas da Secretaria de Estado a que pertencem, sob a responsabilidade, pessoal e solidaria, do Ministro e do seu chefe, respectivos.

Art. 3.° Pela Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda será posto á ordem das repartições de contabilidade de cada Ministerio, no ultimo dia de cada mês, o duodecimo do mês seguinte, conforme as suas dotações.

Art. 4.° No Ministerio da Fazenda serão extinctas as direcções da Contabilidade e da Thesouraria, organizando-se, em sua substituição, alem da Repartição de Contabilidade dos serviços proprios d'aquella Secretaria, perfeitamente igual á das outras Secretarias de Estado, e sujeita ao mesmo regime:

a) a Direcção Geral das Receitas Publicas;

b) a Direcção Geral da Fazenda Publica.

§ 1.° Á Direcção Geral das Receitas Publicas, cabe a escrituração, a arrecadação, a superintendencia, e a fiscalização de todas as receitas do Estado, a sua distribuição, por duodecimos, a cada Secretaria de Estado, e o pagamento de todos os demais encargos do Estado, não commettidos a outras estações officiaes privativas.

§ 2.° A Direcção Geral da Fazenda Publica cabe a coordenação e a escrituração de todas as receitas e despesas do Estado, baseando-se nos balancetes, que lhe devem mensalmente ser enviados, por todas as Repartições de Contabilidade, pela Direcção Geral das Receitas Publicas e por todas as restantes estações officiaes, encarregadas da arrecadação, ou da applicação, das receitas publicas.

Art. 5.° Por este modo se estabelecerá uma escrituração das receitas e despesas do Estado, completa e em duplicado, sendo parcelarmente, consoan-

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16 ANNAES DA CAMAKA DOS DIGNOS PARES DO REINO

te os diversos ramos de serviços, pelas respectivas repartições autónomas, e, no seu conjunto, pela Direcção Geral da Fazenda Publica.

Art. 6.° Nos primeiros 15 dias depois da abertura ordinaria das Côrtes, cada Ministro apresentará, na camara dos Senhores Depuados, o relatorio, claro e laconico, da sua gerencia financeira, relativa ao anno economico findo em 30 de junho anterior, acompanhando-o das contas respectivas, que serão formadas pelos 12 balancetes, referidos aos 12 meses do anno, e que teem de ser enviados á Direcção Gerai da Fazenda Publica, nos termos do artigo 4 ° d'esta lei.

Art. 7.° O Ministro da Fazenda, alem d'este relatorio e contas, nos termos do artigo anterior, respeitantes á contabilidade do seu Ministerio, apresentará, dentro do mesmo prazo, e na mesma camara dos Senhores Deputados, o relatorio e contas relativos á Direcção Geral das Receitas Publicas, e á Direcção Geral da Fazenda Publica.

Art. 8.° A Junta do Credito Publico apresentará tambem, no mesmo prazo, e na mesma Camara, o seu relatorio e as contas da sua gerencia.

Art. 9.° Dentro dos 15 dias immediatos á apresentação dos relatorios e contas, a que se referem os artigos anteriores, a commissão de fazenda da Camara dos Senhores Deputados apresentará á camara os pareceres relativos a cada um dos relatorios e respectivas contas, que terão relatores especiaes.

Art. 10.° Dentro dos 30 dias immediatos á apresentação d'estes pareceres, com preterição ou suspensão, de quaesquer outros trabalhos parlamentares, a camara dos Senhores Deputados discutirá os pareceres, e resolverá sobre elles.

Art. 11.° Semelhantemente se procederá na camara dos Dignos Pares, e dentro dos mesmos prazos, começando estes a contar-se desde a data do recebimento da proposição de lei vinda da camara dos Senhores Deputados.

Art. 12.° As resoluções das duas Camaras recairão sobre a apreciação das gerencias financeiras, declarando-as legaes e isentos de responsabilidade os Ministros e chefes de serviços respectivos, ou propondo a sua accusação, para imposição das responsabilidades em que estiverem incursos.

Art. 13.° Aos Pares e Deputados pertence o direito de exame directo da escrituração e dos documentos relativos ás receitas e despesas publicas em todas as Repartições do Estado.

Art. 14.º A escrituração será feita por contas especiaes de receita e contas especiaes de despesa, consoante as inscrições das respectivas verbas orçamentaes, de um modo claro, accessivel a todos e sempre documentada, com referencia numerada aos documentos justificativos, que devem estar classificados e archivados nas Repartições proprias.

Art. 15.° Tomadas pelas Côrtes as deliberações competentes sobre as contas do Estado, nos termos cos artigos anteriores, immediatamente se procederá á discussão dos orçamentos para a gerencia futura, que serão organizados semelhantemente, e por identicos processos, aos estabelecidos nesta lei para as contas das gerencias findas.

Art. 16.° Os projectos dos orçamentos serão apresentados ás Côrtes dentro dos primeiros quinze dias depois da sua abertura ordinaria, e, quanto a elles, observar-se hão os mesmos prazos e seguir-se-hão os mesmos tramites marcados nesta lei para a decisão das duas Camaras sobre as contas contando-se os primeiros quinze dias, a que se refere o artigo 9.°, para a camara dos Senhores Deputados, da data em que terminar a discussão e votação sobre as contas.

§ unico. Na camara dos Pares, o prazo a que se refere o artigo ll.° começará a contar-se nos termos do mesmo artigo, se já tiver terminado a discussão e votação sobre as contas ; ou, no caso contrario, quando estas terminarem.

Art. 17.° As responsabilidades criminaes serão exigidas perante um tribunal especial de 3 juizes do Supremo Tribunal de Justiça, nomeados pela camara dos Pares.

Art. 18.° As responsabilidades civis, provenientes de erros de administração, serão submettidas ao julgamento de um tribunal especial, composto de 3 juizes do Supremo Tribuna! Administrativo, nomeados pela camara dos Pares.

Art. 19.° As responsabilidades civis, provenientes de erros de contas, serão submettidas ao julgamento de um tribunal especial, composto de 3 juizes do Tribunal de Contas.

Art. 20.° Decidida, com transito em julgado, a procedencia da accusação criminal ou civil, num ou noutro caso, dos artigos anteriores,, o reembolso do Estado poderá ser requerido, em processo ordinario, por qualquer do povo, perante os tribunaes de justiça communs.

Art. 21.° A nomeação dos tres tribunaes, a que se referem os artigos 17.°, 18.° e 19.°, será sempre feita annualmente, por escrutinio secreto, na 3.ª sessão da Camara dos Pares; e esses tribunaes só são competentes para conhecerem das causas referidas ao anno em que funccionarem.

Art. 23.° No prazo de 8 dias, à contar da votação da accusação do Ministro pela Camara dos Deputados, o Procurador Geral da Coroa deduzirá o Rebello perante o tribunal competente.

Art. 24.° O tribunal reunirá logo, dentro de tres dias e mandará immediatamente ouvir o arguido, que responderá no prazo de 20 dias, a contar da intimação, sendo-lhe entregue copia do libello.

Art. 25.° Ao arguido será dada vista do processo e facultado o livre exame das Secretarias de Estado a que a accusação se referir, podendo requerer a prorogação do prazo, para a sua resposta, com justo motivo, que o tribunal apreciará.

Art. 26.° O arguido poderá juntar documentos e produzir rol de testemunhas, com a sua defesa, requerer exames e vistorias, e apresentar todos os meios de prova, que são igualmente facultados á accusação.

Art. 27.° Applicar-se-hão nestes tribunaes as formulas do processo estabelecidas para os julgamentos no foro civil e no foro criminal, ordinarios.

Art. 28.° Cada um dos tribunaes designados nos artigos 17.°, 18.° e 19.°, dentro dos primeiros 20 dias depois da sua primeira nomeação, fará a codificação dos termos do processo por que tem de reger-se, conforme o disposto nos artigos anteriores, e enviará esses projectos á camara dos Dignos Pares, que, dentro de 15 dias, d'elles tomará conhecimento, fixando-se assim definitivamente a lei do processo especial para com um dos tribunaes.

Art. 29.° Do julgamento d'estes tribunaes haverá sempre recurso para o Conselho de Estado.

Art. 30.° Fica acabada a distincção entre periodo de gerencia e exercicio.

§ 1.° Para todos se effeitos ha um periodo financeiro unico o anno economico, com principio em 1 de julho e fim em 30 de junho do anno seguinte.

§ 2.° No dia 30 de junho encerram-se definitivamente as contas do Estado, passando os saldos e os deficits ás. novas contas do anno immediato.

Art. 31.° Os chefes das Repartições de Contabilidade deixam de ter responsabilidades pessoaes e solidarias com o Ministro, tendo os seus pareceres, datados e assinados, em contrario ao facto de que a responsabilidade resultou, e com a rubrica do Ministro, que no .seu despacho deve referir-se, expressamente tambem, ao parecer contrario da repartição.

§ unico. O despacho ministerial que não satisfazer ao determinado neste artigo não será cumprido pelo chefe de repartição.

Art. 32.° Nenhuma despesa, de qualquer ordem ou categoria, poderá ser paga sem informação escrita do chefe de Repartição de Contabilidade e despacho do Ministro sobre ella escrito, datado e assinado.

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SESSÃO N.° 27 DE 14 DE JULHO DE 1908 17

Art. 33.° Approvadas pelas Côrtes as disposições contidas nos artigos anteriores, a Camara dos Senhores. Deputados elegerá uma commissão especial de cinco membros, para a codificação, num diploma legal unico, de toda a legislação vigente da contabilidade publica, ficando revogada a que contiver materia contraria á presente lei.

Art. 34.° Na primeira sessão parlamentar a seguir esta commissão apresentará na Camara dos Senhores Deputados o seu projecto de uma lei completa de contabilidade que, depois de discutida e votada naquella casa do Parlamento, seguirá os mesmos termos na Camara dos Dignos Pares.

Art. 35.° A commissão a que se referem os artigos anteriores elegerá de entre si um presidente, um secretario, e um. relator, e funccionará no intervallo das sessões parlamentares.

Art. 36.° Nas leis preliminares dos orçamentos não se faraó referencias a disposições avulsas de leis em vigor;
mas transcrever-se-ha toda a legislação de execução permanente, salvo os diplomas completos e organicos de serviços, que deverão ser simplesmente citados.

Art. 37.° Nenhuma autorização parlamentar, que envolva faculdades legislativas, se manterá em vigor, desde que as Côrtes se abrirem.

Aquellas cuja subsistencia for julgada necessaria serão de novo solicitadas ás Côrtes.

Art. 38.° A falta de resolução das Côrtes, nos prazos marcados na presente lei, sobre as contas do Estado, importa a approvação das mesmas contas e a isenção de responsabilidades d'ellas emergentes, salvo se houver adiamentos ou outros factos que obstem ao regular funccionamento do poder legislativo.

Art. 39.° Os Ministros que não apresentarem, perante as Côrtes, os seus relatorios, contas e orçamentos, nos prazos marcados na presente lei, incorrerão na pena de um anno da perda de direitos politicos, cada dia que demorarem essa apresentação.

§ unico. Ficam isentos d'esta pena os Ministros que não tiverem tres meses consecutivos de exercicio do seu cargo, anteriores á abertura das Côrtes. Para estes os prazos contar-se-hão, para todos os effeitos, da data em que findar o referido periodo, de tres meses.

Art. 40.° Os chefes de repartição de contabilidade de todos os Ministerios terão a categoria e vencimentos dos directores geraes e mais 600$000 réis annuaes de gratificação de exercicio.

Art. 41.° Fica revogada a legislação em contrario.

Jacinto Candido.

Rectificação

Na sessão n.° 24, de 6 de julho de 1908, pag. 10, col. 1.ª e linha 40, onde se lê: "13 da carta de lei" deve ler-se: "73...".

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