SESSÃO N.° 32 DE 14 DE MARÇO DE 1904 365
que não mais iriam ao Paço, nem á Camara dos Senhores Deputados, nem a esta Camara, porque o Chefe do Estado e os membros das duas Camaras se mostravam insensiveis aos justos clamores dos povos aggravados.
Se não é de suppor que os povos suburbanos revolucionem o mundo, é indispensavel que se administre com justiça, e que se não provoquem descontentamentos.
Antes de proseguir, seja lhe permittido referir-se ao facto de apparecer no Diario do Governo., de 8 de fevereiro, o decreto respeitante aos suburbanos, que os colloca n'uma situação deprimente e ao mesmo tempo a lista dos engenheiros em serviço no Ministerio das Obras Publicas, onde figura um antigo Ministro, que fez a reforma d'esse Ministerio, e que ali apparece rehavendo todos os seus direitos para a promoção e para a reforma. Está effectivamente fura do serviço, mas quando esteve no Ministerio soube preparar as cousas por forma a poder gosar as suas regalias quando voltasse á effectividade.
O orador, depois de ler alguns trechos da representação, e de pedir ao Sr. Presidente que se digne consultar a Camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do Governo, declara que vae traçar a situação do paiz, afastando se quanto possivel da questão politica, tanto mais que entre os que vêem apresentar os seus protestos, encontram-se cidadãos que pertencem a diversas agremiações parti darias. Antes de abrir a sessão conferenciou com o Sr. presidente da Associação Commercial do Porto e com mais tres membros d'essa collectividade e, embora cada um d'elles pertencesse a partidos oppostos, todos lhe pediram que advogasse a doutrina da representação, que o mesmo era advogar a causa do paiz inteiro. Tambem depois lhe era pedida a sua collaboração pela Associação Commercial de Coimbra.
Estes factos penhoram-o em extremo, e é assim que terá de lembrar perfunctoriamente á Camara o antigo conceito de que não ha boas finanças, sem haver boa politica. É assim que, afastado dos partidos, affirma constantemente a indispensabilidade de uma fiscalização seria, permanente, dos actos do Governo. Se essa fiscalização existisse, a romaria de hoje da classe commercial do paiz, affirmando a pujança que ainda existe n'essa classe dirigente, teria sido desnecessaria.
Apparece esta reacção, e oxalá que ella seja o inicio de futuros protestos, e de futuros actos de virilidade e energia.
A essa classe tão respeitavel dirá que, quer seja ou não attendida pelo Governo, se mantenha na sua posição para que possa dirigir o pensamento elevado do paiz e conseguir que haja uma lei de responsabilidade ministerial, cujo projecto está actualmente passando na outra Camara por uma d'aquellas phases, que são preliminares de um enterro de primeira classe.
A Camara pode comprehender que não é o actual Governo que pode desejar uma lei d'esta ordem; que, em todo o caso, mais tarde ou mais cedo, será uma realidade.
Então pedir se hão contas pelos actos do absolutismo bastardo, pelo poder pessoal, pelas violencias praticadas, pelos desacertos constantes, a que se tem referido tantas vezes. Então perguntar-se-ha porque um paiz, que se jacta de ter implantado a liberdade, apresente hoje como symbolo da epoca o Juizo de Instrucção Criminal, mais vulgarmente conhecido pela Bastilha da Calçada da Estrella.
O Juizo de Instrucção Criminal apoia-se na espionagem na delação e na suspeição. Exclamando liberdade para o seu paiz, o orador não podia deixar de referir-se mais uma vez a esse instrumento de oppressão.
Uma das causas fundamentaes da existencia d’este Ministerio é a corrupção. Affirma-o n'um livro o Portugal economico, do Sr. Anselmo de Andrade.
O arbitrio e a corrupção são a divisa do Sr. Presidente do Conselho. O orador lembra-lhe a phrase do grande diplomata Talleyrand: «Tenho um logar, e para elle seis pretendentes. Só despacho um ; faço um ingrato e cinco descontentes».
Quando deixar o poder, o Sr. Hintze Ribeiro reconhecerá a inutilidade da corrupção.
Discutirá, propositadamente, mais sob o ponto de vista politico de que financeiro. Não vem discutir as 18 proprostas que formam um bloco de instrumentos de expoliação ; mas mostrará á Camara a audacia com que se pedem novos sacrificios ao paiz. Os esbanjamentos do Sr. Hintze Ribeiro é que levantam esse protesto unisono do norte ao sul. Vae, pois, fazer o balanço da gerencia do Sr. Hintze Ribeiro. O orador fundar-se-ha em dados officiaes.
A divida fluctuante augmentou extraordinariamente. Em quatro annos de vida airada, o Ministerio elevou a divida fluctuante a uma cifra espantosa.
A divida consolidada interna, que em 30 de junho de 1900 era de 449:652 contos de réis, em 31 de dezembro de 1903, de 500:001 contos de réis.
Augmentou, portanto, a divida consolidada interna, em tres annos e meio, 50:349 contos de réis, o que dá um augmento annual de 14:385 contos de réis.
Com relação aos creditos especiaes: só no segundo semestre de 1903 e primeiros dias de janeiro temos 2:541 contos de réis.
Nos dois mezes e meio que vão decorridos, os creditos especiaes respeitantes ao exercicio de 1903-1904 sobem a 565$206 réis.
Quem apresenta uma folha d'estas, estará nos casos de pedir novos encargos ao paiz? K Só; falta-lhe a auctoridade para o fazer.
Uma das reformas que elle, orador, combateu, quasi isolado, foi a do corpo de fiscalização dos impostos. Até então o rendimento dos impostos publicava-se todos os trimestres no Diario do Governo; mas desde 9 de março de 1902 para cá, data em que a fiscalização passou da guarda fiscal para o novo corpo de fiscalização, nunca mais se publicou a conta do real de agua, não obstante todas as instancias que elle, orador, tem feito n'esse sentido. Necessita d'esse documento para discutir assumptos fazendarios.
Apregoou-se que o convenio inicia na a nossa situação financeira. Tem-se dado exactamente o contrario, porque o nosso descredito augmenta. Esse convenio nunca devia fazer se sem primeiramente se equilibrar o orçamento. A tal ponto chegámos que nem se conseguiu a cotação do nosso fundo interno na coulisse da Bolsa de Paris.
Elle, orador, folga com isso, porque se o facto representa um prejuizo do nosso credito no momento actual, é tambem uma verdadeira defesa do nosso credito futuro, quando nas cadeiras do Governo haja alguem que o saiba garantir.
As notas diplomaticas foram outra gloriosa consequencia do convenio. Essas notas citadas por um jornal importante, como é o Temps, collocaram-nos no mesmo nivel de paizes como a Servia e a Bulgaria, onde existe o controle estrangeiro.
Elle, orador, recordará que já no anno passado por este tempo Coimbra se revoltava e ali corria o sangue popular por o contribuinte não poder com o esforço que se lhe exigia para custear a vida desregrada do Governo. Como homem de ordem que é, elle, orador, aconselhou o Governo a mudar de caminho; mas o Governo continuou na sua vida de esbanjamentos e, não podendo já recorrer ao credito, voltou-se para novos expedientes, trazendo ás Côrtes propostas que provocam um movimento unisono de protesto que o Governo não está disposto a acatar, mas que o Sr. Presidente do Conselho hade ouvir, quer queira, quer não. Quando chega um movimento pacifico a este grau de intensidade, não ha resistencia que o vença. S. Exa. só capitulará depois de reduzido á ultima extremidade. Elle, orador, não sabe o que possa ser esta ultima extremidade,